Ortanasia e Direito de Familia

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Sumário: Introdução. 1 Dignidade da pessoa humana como fundamento do direito à morte digna. 2 Direito de morrer dignamente e direito à morte: distinção. 3 Eutanásia, auxílio a suicídio, distanásia e ortotanásia: delimitações conceituais necessárias. 4 Eutanásia e ortotanásia no Direito Penal projetado. 5 Testamento vital. Conclusão. Bibliografia Introdução Tema milenar, a eutanásia e outras expressões correlatas voltam a ocupar o debate atual sobre os limites do poder humano sobre o próprio processo de morte. Desta vez, o problema atrai a imprensa devido ao caso norte americano envolvendo Terri Schiavo, que faleceu em 31 de março de 2005, após encontrar-se em estado vegetativo por 15 anos, sendo alimentada e hidratada por uma sonda. Depois de uma longa disputa judicial entre seu marido e seus pais, a Justiça americana determinou, em última instância, a retirada da sonda que a alimentava artificialmente, para que o processo natural de morte pudesse ter lugar, o que veio a ocorrer depois de 13 dias sem a alimentação e hidratação artificiais. Considerando oportuno o debate, propomos uma reflexão sobre o tema, vinculando-o ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e salientando a necessidade de uma delimitação conceitual sobre o significado da eutanásia e sua distinção quanto à ortotanásia e o auxílio ao suicídio, além de breves considerações sobre a distanásia e o testamento vital. [pic] 1 Dignidade da pessoa humana como fundamento do direito à morte digna A concepção de dignidade da pessoa humana que nós temos liga-se à possibilidade de a pessoa conduzir sua vida e realizar sua personalidade conforme sua própria consciência, desde que não sejam afetados direitos de terceiros. Esse poder de autonomia também alcança os momentos finais da vida da pessoa [01]. O avanço da medicina quanto às tecnologias à disposição do médico tem provocado não apenas benefícios à saúde das pessoas, mas, também, em alguns momentos, todo esse aparato tecnológico pode acabar afetando a dignidade da pessoa. Esses avanços abrangem, sobretudo, o controle do processo de morte.

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Sumário: Introdução. 1 Dignidade da pessoa humana como fundamento do direito à morte digna. 2 Direito de morrer dignamente e direito à morte: distinção. 3 Eutanásia, auxílio a suicídio, distanásia e ortotanásia: delimitações conceituais necessárias. 4 Eutanásia e ortotanásia no Direito Penal projetado. 5 Testamento vital. Conclusão. Bibliografia

Introdução

Tema milenar, a eutanásia e outras expressões correlatas voltam a ocupar o debate atual sobre os limites do poder humano sobre o próprio processo de morte.

Desta vez, o problema atrai a imprensa devido ao caso norte americano envolvendo Terri Schiavo, que faleceu em 31 de março de 2005, após encontrar-se em estado vegetativo por 15 anos, sendo alimentada e hidratada por uma sonda. Depois de uma longa disputa judicial entre seu marido e seus pais, a Justiça americana determinou, em última instância, a retirada da sonda que a alimentava artificialmente, para que o processo natural de morte pudesse ter lugar, o que veio a ocorrer depois de 13 dias sem a alimentação e hidratação artificiais.

Considerando oportuno o debate, propomos uma reflexão sobre o tema, vinculando-o ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e salientando a necessidade de uma delimitação conceitual sobre o significado da eutanásia e sua distinção quanto à ortotanásia e o auxílio ao suicídio, além de breves considerações sobre a distanásia e o testamento vital.

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1 Dignidade da pessoa humana como fundamento do direito à morte digna

A concepção de dignidade da pessoa humana que nós temos liga-se à possibilidade de a pessoa conduzir sua vida e realizar sua personalidade conforme sua própria consciência, desde que não sejam afetados direitos de terceiros. Esse poder de autonomia também alcança os momentos finais da vida da pessoa [01].

O avanço da medicina quanto às tecnologias à disposição do médico tem provocado não apenas benefícios à saúde das pessoas, mas, também, em alguns momentos, todo esse aparato tecnológico pode acabar afetando a dignidade da pessoa. Esses avanços abrangem, sobretudo, o controle do processo de morte.

Biologicamente, certos órgãos das pessoas podem ser mantidos em funcionamento indefinidamente, de forma artificial, sem qualquer perspectiva de cura ou melhora. Alguns procedimentos médicos, ao invés de curar ou de propiciar benefícios ao doente, apenas prolongam o processo de morte. Portanto, cabe indagar se se trata, realmente, de prolongar a vida ou de prolongar a morte do paciente terminal.

A "obstinação terapêutica" ou "encarniçamento terapêutico" pode ser definida como

"uma prática médica excessiva e abusiva decorrente diretamente das possibilidades oferecidas pela tecnociência e como o fruto de uma obstinação de estender os efeitos desmedidamente, em respeito à condição da pessoa doente" [02].

Há situações em que os tratamentos médicos se tornam um fim em si mesmos e o ser humano passa a estar em segundo plano. A atenção tem seu foco no procedimento, na tecnologia, não na pessoa que padece. Nesta situação o paciente sempre está em risco de sofrer medidas desproporcionais, pois os interesses da tecnologia deixam de estar subordinados aos interesses do ser humano. Neste momento,

"em uma época consciente, mais que nunca, dos limites do científico e das ameaças de atentado à dignidade humana, a obstinação terapêutica surge como um ato profundamente anti-humano e atentatório à dignidade da pessoa e a seus direitos mais fundamentais" [03].

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Hoje reivindica-se a reapropriação da morte pelo próprio doente. Há uma preocupação sobre a salvaguarda da qualidade de vida da pessoa, mesmo na hora da morte. Reivindica-se uma morte digna, o que significa

"a recusa de se submeter às manobras tecnológicas que só fazem prolongar a agonia. É um apelo ao direito de viver uma morte de feição humana [...] significa o desejo de reapropriação de sua própria morte, não objeto da ciência, mas sujeito da existência" [04].

Por isso, o fundamento jurídico e ético do direito à morte digna é a dignidade da pessoa humana. O prolongamento artificial do processo de morte é alienante, retira a subjetividade da pessoa e atenta contra sua dignidade enquanto sujeito de direito.

O conceito de dignidade humana é categoria central na discussão do direito à vida e do direito à morte digna. Este conceito leva a indagações como "se o prolongamento artificial da vida apenas vegetativa não representa uma manipulação que viola a dignidade humana e se certos tratamentos coativos e não necessários não ultrajam a dignidade da pessoa" [05].

"é possível entender que o acharnement subverte o direito à vida e, com certeza, fere o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, assim como o próprio direito à vida. Se a condenação do paciente é certa, se a morte é inevitável, está sendo protegida a vida? Não, o que há é postergação da morte com sofrimento e indignidade [...] Se vida e morte são indissociáveis, e sendo esta última um dos mais elevados momentos da vida, não caberá ao ser humano dispor sobre ela, assim como dispõe sobre a sua vida?" [06].

A intervenção terapêutica contra a vontade do paciente é um atentado contra sua dignidade. A pessoa tem a proteção jurídica de sua dignidade e, para isso, é fundamental o exercício do direito de liberdade, o direito de exercer sua autonomia e de decidir sobre os últimos momentos de sua vida. Esta decisão precisa ser respeitada. Estando informado sobre o diagnóstico e o prognóstico, o paciente decide se vai se submeter ou se vai continuar se submetendo a tratamento. Ele pode decidir pelo não tratamento, desde o início, e pode também decidir pela interrupção do tratamento que ele considera fútil.

O princípio da não-futilidade exige o respeito pela dignidade da vida. O respeito pela dignidade da vida exige o reconhecimento de que "tratamentos" inúteis ou fúteis apenas prolongam uma mera "vida biológica" [07], sem nenhum outro resultado. A não intervenção, desejada pelo paciente, não é uma forma de eutanásia, com provocação da morte ou aceleração desta, é o reconhecimento da morte como elemento da vida humana, é da condição humana ser mortal. É humano deixar que a morte ocorra sem o recurso a meios artificiais que prolonguem inutilmente a agonia.

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2 Direito de morrer dignamente e direito à morte: distinção

O direito de morrer dignamente não deve ser confundido com direito à morte.

O direito de morrer dignamente é a reivindicação por vários direitos e situações jurídicas, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a autonomia, a consciência, os direitos de personalidade. Refere-se ao desejo de se ter uma morte natural, humanizada, sem o prolongamento da agonia por parte de um tratamento inútil.

Isso não se confunde com o direito de morrer. Este tem sido reivindicado como sinônimo de eutanásia ou de auxílio a suicídio, que são intervenções que causam a morte.

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Defender o direito de morrer dignamente não se trata de defender qualquer procedimento que cause a morte do paciente, mas de reconhecer sua liberdade e sua autodeterminação.

O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à segurança, dentre outros. Ocorre que tais direitos não são absolutos. E, principalmente, não são deveres. O artigo 5º não estabelece deveres de vida, liberdade e segurança.

Os incisos do artigo 5º estabelecem os termos nos quais estes direitos são garantidos: II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento degradante; IV – é livre a manifestação de pensamento...; VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença...; VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Assim, é assegurado o direito (não o dever) à vida, e não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento. O direito do paciente de não se submeter ao tratamento ou de interrompê-lo é conseqüência da garantia constitucional de sua liberdade, de sua liberdade de consciência (como nos casos de Testemunhas de Jeová), de sua autonomia jurídica, da inviolabilidade de sua vida privada e intimidade e, além disso, da dignidade da pessoa, erigida a fundamento da República Federativa do Brasil, no art. 1º da Constituição Federal. O inciso XXXV do art. 5º garante, inclusive, o direito de o paciente recorrer ao Judiciário para impedir qualquer intervenção ilícita em seu corpo contra sua vontade. A inviolabilidade à segurança envolve a inviolabilidade à integridade física e mental. Isso leva à proibição, por exemplo, de intervenções não admitidas pelo paciente em sua saúde física ou mental (ou mesmo na ausência de saúde completa).

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3 Eutanásia, auxílio a suicídio, distanásia e ortotanásia: delimitações conceituais necessárias

Além de serem diversos os posicionamentos a respeito da eutanásia, também são variados os significados que os autores dão a esta expressão e a termos a ela correlatos. Para uma abordagem jurídica do tema, é necessária a delimitação dos conceitos de eutanásia verdadeira, distanásia, ortotanásia e auxílio ao suicídio.

Etimologicamente, a palavra eutanásia significa boa morte ou morte sem dor, tranqüila, sem sofrimento. Deriva dos vocábulos gregos eu, que pode significar bem, bom e thanatos, morte. No sentido que tinha em sua origem, a palavra eutanásia significaria, então, morte doce, morte sem sofrimento.

O primeiro sentido de euthanatos faz referência a facilitar o processo de morte, sem, entretanto, interferência neste. Na verdade, conforme o sentido originário da expressão, seriam medidas eutanásicas não a morte, mas os cuidados paliativos do sofrimento, como acompanhamento psicológico do doente e outros meios de controle da dor. Também seria uma medida eutanásica a interrupção de tratamentos inúteis ou que prolongassem a agonia. Ou seja: a eutanásia não visaria à morte, mas a deixar que esta ocorra da forma menos dolorosa possível. A intenção da eutanásia, em sua origem, não era causar a morte, mesmo que fosse para fazer cessar os sofrimentos da pessoa doente.

Atualmente, porém, tem se falado de eutanásia como uma morte provocada por sentimento de piedade à pessoa que sofre. Ao invés de deixar a morte acontecer, a eutanásia, no

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sentido atual, age sobre a morte, antecipando-a. O conceito foi modificado e tem causado muita confusão.

Utilizando a concepção atual da expressão, admite-se que só se pode falar em eutanásia quando ocorre a morte movida por piedade, por compaixão em relação ao doente. A eutanásia verdadeira é a morte provocada em paciente vítima de forte sofrimento e doença incurável, motivada por compaixão. Se a doença não for incurável, afasta-se a eutanásia. Diante do Código Penal brasileiro, o que acabamos de chamar de eutanásia pode atualmente ser considerada homicídio privilegiado. Se não estiverem presentes aqueles requisitos, cai-se na hipótese de homicídio simples ou qualificado, dependendo do caso.

Quando se busca simplesmente causar morte, sem a motivação humanística, não se pode falar sobre eutanásia. A eutanásia é comumente provocada por parentes, amigos e médicos do paciente. Por isso, a eutanásia eugênica, utilizada pelo nazismo alemão contra judeus e doentes, não é considerada eutanásia própria, mas hipótese de homicídio simples ou qualificado. Também a morte de velhos, pessoas com deformações e doentes, mesmo incuráveis, mas que não se encontram em estado terminal e submetidos a forte sofrimento, também não é eutanásia (que se encaixa, no direito brasileiro atual, na hipótese de homicídio privilegiado).

Só é eutanásia a morte provocada em doente com doença incurável, em estado terminal e que passa por fortes sofrimentos, movida por compaixão ou piedade em relação ao doente. E constitui crime de homicídio, perante o atual Código Penal.

Alguns códigos penais em outros países prevêem diminuição de pena para a eutanásia.

Maria Helena Diniz relata que os Códigos Penais da Alemanha, da Suíça e da Itália encaixam a eutanásia no tipo de homicídio atenuado por motivo piedoso, não se admitindo absolvição nem perdão judicial [08].

No Brasil não há tipo específico para a eutanásia. O Código Penal brasileiro não faz referência à eutanásia. Conforme a conduta, esta pode se encaixar na previsão do homicídio, do auxílio ao suicídio ou pode, ainda, ser atípica. No Brasil, o que se chama de eutanásia é considerado crime. Encaixa-se na previsão do art. 121, homicídio. Se se trata mesmo da eutanásia verdadeira, cometida por motivo de piedade ou compaixão para com o doente, aplica-se a causa de diminuição de pena do parágrafo 1º do artigo 121, que prevê: "Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço". Inclusive o médico pode cometer a eutanásia e sua conduta se subsume ao referido tipo legal.

O auxílio a suicídio de pessoa que não se encontra em estado terminal e com fortes dores, da mesma forma, não se caracteriza como eutanásia, mas como o simples auxílio a suicídio previsto no Código Penal. Quem executa o ato que vai causar a morte é a própria vítima. Para que a ação de auxílio a suicídio tenha a valoração de eutanásia, é preciso que o paciente tenha solicitado a ajuda para morrer, diante do fracasso dos métodos terapêuticos e dos paliativos contra as dores, o que acaba por retirar a dignidade do paciente, segundo seu próprio entendimento.

O suicídio assistido, ou o auxílio ao suicídio, é também crime. Ocorre com a participação material, quando alguém ajuda a vítima a se matar oferecendo-lhe meios idôneos para tal. Assim, um médico, enfermeiro, amigo ou parente, ou qualquer outra pessoa, ao deixar disponível e ao alcance do paciente certa droga em dose capaz de lhe causar a morte, mesmo com a solicitação deste, incorre nas penas do auxílio ao suicídio. A vítima é quem provoca, por atos seus, sua própria morte. Se o ato que visa à morte é realizado por outrem, este responde por homicídio, não por auxílio ao suicídio. A solicitação ou o consentimento do ofendido não afastam a ilicitude da conduta.

Um outro termo relacionado à eutanásia é a distanásia. Chama-se de distanásia o prolongamento artificial do processo de morte, com sofrimento do doente. É uma ocasião em que se prolonga a agonia, artificialmente, mesmo que os conhecimentos médicos, no momento,

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não prevejam possibilidade de cura ou de melhora. É expressão da obstinação terapêutica pelo tratamento e pela tecnologia, sem a devida atenção em relação ao ser humano. Ao invés de se permitir ao paciente uma morte natural, prolonga-se sua agonia, sem que nem o paciente nem a equipe médica tenham reais expectativas de sucesso ou de uma qualidade de vida melhor para o paciente. Conforme Maria Helena Diniz, "trata-se do prolongamento exagerado da morte de um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo de morte" [09].

Em oposição à distanásia, surge o conceito de ortotanásia. Etimologicamente, ortotanásia significa morte correta: orto: certo, thanatos: morte. Significa o não prolongamento artificial do processo de morte, além do que seria o processo natural. A ortotanásia deve ser praticada pelo médico.

Na situação em que ocorre a ortotanásia, o doente já se encontra em processo natural de morte, processo este que recebe uma contribuição do médico no sentido de deixar que esse estado se desenvolva no seu curso natural. Apenas o médico pode realizar a ortotanásia. Entende-se que o médico não está obrigado a prolongar o processo de morte do paciente, por meios artificiais, sem que este tenha requerido que o médico assim agisse. Além disso, o médico não é obrigado a prolongar a vida do paciente contra a vontade deste. A ortotanásia é conduta atípica frente ao Código Penal, pois não é causa de morte da pessoa, uma vez que o processo de morte já está instalado.

A ortotanásia serviria, então, para evitar a distanásia. Ao invés de se prolongar artificialmente o processo de morte (distanásia), deixa-se que este se desenvolva naturalmente (ortotanásia). Maria Celeste Cordeiro dos Santos entende que este auxílio à morte "é lícito sempre que ocorra sem encurtamento da vida" [10]; a autora chama a ortotanásia também de "auxílio médico à morte", entendendo que "o médico (e só ele) não é obrigado a intervir no prolongamento da vida do paciente além do seu período natural, salvo de tal lhe for expressamente requerido pelo doente" [11].

De outro lado, admite-se, amplamente, que, diante de dores intensas sofridas pelo paciente terminal, consideradas por este como intoleráveis e inúteis, o médico deve agir para amenizá-las, mesmo que a conseqüência venha a ser, indiretamente, a morte do paciente [12].

O autor espanhol Ramón Martín Mateo teceu críticas a certa jurisprudência espanhola que ordenou a intervenção médica a despeito da recusa do paciente. Segundo o autor, "esta jurisprudência segue uma linha equivocada, ao hipostasiar o direito à vida, quando está demonstrado à saciedade que para muitos sujeitos este bem é inferior ao implicado em respeito a determinados valores e crenças" [13].

Para Ramón Martín Mateo, não há dúvidas sobre a licitude da ortotanásia [14]. Porém, há algumas objeções na doutrina. O principal argumento contrário é o de que, com o intenso desenvolvimento do conhecimento médico, a determinação da irreversibilidade de um quadro de saúde pode ser falha. Além disso, há casos em que a determinação da morte como já ocorrida é falha e algumas pessoas, dadas como mortas, despertam durante o velório ou até mesmo depois que o enterro já finalizou. São riscos próprios dos limites do conhecimento tecnológico que exigem cuidado nos critérios sobre a morte. Na verdade, a discussão é muito mais ampla que a licitude ou a ilicitude da ortotanásia. Trata-se da indagação sobre os limites ou possibilidades do conhecimento científico num determinado momento. Por causa da consciência da existência desses limites, os cuidados contra o arbítrio devem ser maximizados.

Diferente de ortotanásia é a situação do paciente que já se encontra em morte cerebral ou encefálica. Neste caso, a pessoa já está morta, permitindo a lei, inclusive, não apenas que os aparelhos sejam desligados, mas que seus órgãos sejam retirados para fins de transplantes.

Sexto Código de Ética Médica brasileiro já esta em vigor

A partir de 13 de abril de 2010, entra em vigor o sexto Código de Ética Médica reconhecido no Brasil. Revisado após mais 20 anos de vigência do Código anterior, ele traz novidades como a previsão de cuidados paliativos, o reforço à autonomia do paciente e regras para reprodução

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assistida e a manipulação genética. Também prevê a extensão de seu alcance aos médicos em cargos de gestão, pesquisa e ensino.

Outros temas que tiveram suas diretrizes revistas, atualizadas e ampliadas se referem à publicidade médica, ao conflito de interesses, à segunda opinião, à responsabilidade médica, ao uso do placebo e à interação dos profissionais com planos de financiamento, cartões de descontos ou consórcios.

Foram dois anos de trabalhos, coordenados pela Comissão Nacional de Revisão do Código de Ética Médica, que contaram com a participação ativa de diversas entidades. O objetivo comum foi construir um atento aos avanços tecnológicos e científicos, à autonomia e ao esclarecimento do paciente, além de reconhecer claramente o processo de terminalidade da vida humana.

No seu processo de formulação, além de serem consideradas as mudanças sociais, jurídicas e científicas, os responsáveis pelo trabalho também analisaram os códigos de ética médica de outros países e consideraram elementos de jurisprudência, posicionamentos que já integram pareceres, decisões e resoluções da Justiça, das Comissões de Ética locais as resoluções éticas do CFM e CRMs editadas desde 1988.

Isso sem contar com 2.677 contribuições enviadas por médicos e entidades de todo o país. A democracia deu a tonica do esforço, balizado pela grande participação da sociedade e dos profissionais, e confirmada por meio de uma consulta online e por três conferências nacionais sobre ética médica. A principal dela foi a plenária da IV Conferência Nacional de Ética Médica, realizada em São Paulo, no dia 29 de agosto de 2009.

Neste dia, cerca de 400 delegados, entre conselheiros federais e regionais de Medicina, membros de sindicatos e sociedades de especialidades, além de representantes de várias entidades médicas, aprovaram as mudanças e colocaram fim a etapa de revisão. Ao final, produziu-se um documento amplo e atento ao exercício da Medicina brasileira no século 21. O Código de Ética Médica ora em vigor é composto por 25 princípios fundamentais do exercício da Medicina, 10 normas diceológicas, 118 normas deontológicas e quatro disposições gerais.

Alguns destaques do Código de Ética Médica

• A autonomia tem sido um dos itens de maior destaque. Já no preâmbulo o documento diz que o médico deverá aceitar as escolhas de seus pacientes, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas. O inciso XXI determina que, no processo de tomada de decisões profissionais, “o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos”.

• O novo Código reforça o caráter anti-ético da distanásia, entendida como o prolongamento artificial do processo de morte, com sofrimento do doente, sem perspectiva de cura ou melhora. Aparece aí o conceito de cuidado paliativo. O inciso XXII do Preâmbulo observa que “nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados”.

• A terapia genética é mencionada pela primeira vez. Está proibido criar embriões com finalidades de escolha de sexo ou eugenia. Já a terapia gênica está prevista. Ela é importante porque envolve a modificação genética de células somáticas como forma de tratar doenças, apresentando grandes perspectivas de desenvolvimento. Os artigos 15 e 16 do Capítulo III, sobre Responsabilidade Profissional, tratam desse tema.

• O Capítulo XIII, sobre Publicidade Médica, diz que, em anúncios profissionais, é obrigatório incluir o número de inscrição no Conselho Regional de Medicina. Os anúncios de estabelecimentos de saúde também devem constar o nome e o número de registro do diretor técnico. O tema é tratado no artigo 118.

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• Quando docente ou autor de publicações científicas, o médico deve declarar relações com a indústria de medicamentos, órteses, próteses, equipamentos etc. e outras que possam configurar conflitos de interesses, ainda que em potencial. A determinação é estabelecida no artigo 119 do Capítulo XII, sobre Ensino e Pesquisa Médica.

• O conceitos das Resoluções CFM 1.836/2008 e 1.939/2010 foram agora incorporados pelo Código de Ética da profissão. A primeira delas diz que é vedado ao médico o atendimento de pacientes encaminhados por empresas que anunciem ou comercializem planos de financiamento ou consórcios para procedimentos médicos. A 1.939/2010, por sua vez, proíbe a participação do médico em promoções relacionadas com o fornecimento de cupons e cartões de descontos. O artigo 72 do novo Código diz que é vedado ao médico estabelecer vínculo com empresas que anunciam ou comercializam planos de financiamento, cartões de descontos ou consórcios para procedimentos médicos.

• A introdução do conceito de responsabilidade subjetiva do médico preconiza que esta não se presume, tem que ser provada para que ele possa ser penalizado – por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. É o reconhecimento de que, na área médica, não se pode garantir cura ou resultados específicos para ninguém. O Parágrafo único do Art. 1º do Capítulo III sobre Responsabilidade Profissional, diz que “a responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida”.

• O paciente tem direito a uma segunda opinião e de ser encaminhado a outro médico. É o que diz o artigo 39, que proíbe o médico “opor-se à realização de junta médica ou segunda opinião solicitada pelo paciente ou por seu representante legal”. Ao mesmo tempo, o médico não pode desrespeitar a prescrição ou o tratamento de paciente determinados por outro médico, conforme preconiza o artigo 52. A exceção é quanto houver situação de indiscutível benefício para o paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao médico responsável.

• É proibido usar placebo em pesquisa, quando há tratamento eficaz. É o que diz o artigo 106 do capítulo XII, sobre Ensino e Pesquisa Médica, que veda ao médico “manter vínculo de qualquer natureza com pesquisas médicas, envolvendo seres humanos, que usem placebo em seus experimentos, quando houver tratamento eficaz e efetivo para a doença pesquisada.”

Conselho Federal de Medicina

O Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais de Medicina constituem em seu conjunto uma autarquia, sendo cada um deles dotado de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira. Os Conselhos já haviam sido instituídos pelo Decreto-Lei nº 7.955, de 13 de setembro de 1945, e adquiriram suas características atuais a partir da Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957[1].

O Conselho Federal de Medicina tem sua sede na Capital da República, com jurisdição em todo o território nacional, e a ele ficam subordinados os Conselhos Regionais, com jurisdição sobre os respectivos Estados e Distrito Federal

Os Conselhos são mantidos por contribuições anuais obrigatórias de todos os que exercem a Medicina no Brasil. A função de Conselheiro é privativa de médicos, que são eleitos por seus pares para mandato meramente honorífico, sem qualquer remuneração.

Além das funções cartoriais, como o registro profissional do médico e de seus títulos, o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são, nos termos da Lei, os órgãos supervisores da ética profissional e julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente.

Para cumprir suas funções legais, os Conselhos Regionais funcionam como tribunais, apreciando denúncias contra médicos e instaurando processos ético-profissionais quando existem indícios de infração ética. As apenações, na forma da lei, podem consistir em advertência confidencial, censura confidencial, censura pública, suspensão do exercício profissional até 30 dias e cassação do exercício profissional. Das decisões dos Conselhos Regionais, cabe recurso ao Conselho Federal.

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Nos últimos 50 anos, o Brasil e a categoria médica mudaram muito, e hoje, as atribuições e o alcance das ações deste órgão estão mais amplas, extrapolando a aplicação do Código de Ética Médica e a normatização da prática profissional.

Atualmente, o Conselho Federal de Medicina exerce um papel político muito importante na sociedade, atuando na defesa da saúde da população e dos interesses da classe médica.

O órgão traz um belo histórico de luta em prol dos interesses da saúde e do bem estar do povo brasileiro, sempre voltado para a adoção de políticas de saúde dignas e competentes, que alcancem a sociedade indiscriminadamente.

Ao defender os interesses corporativos dos médicos, o CFM empenha-se em defender a boa prática médica, o exercício profissional ético e uma boa formação técnica e humanista, convicto de que a melhor defesa da medicina consiste na garantia de serviços médicos de qualidade para a população.

Princípios do SUS

O Sistema Único de Saúde teve seus princípios estabelecidos na Lei Orgânica de Saúde, em 1990, com base no artigo 198 da Constituição Federal de 1988. Os princípios da universalidade, integralidade e da eqüidade são às vezes chamados de princípios ideológicos ou doutrinários, e os princípios da descentralização, da regionalização e da hierarquização de princípios organizacionais, mas não está claro qual seria a classificação do princípio da participação popular.

Universalidade

"A saúde é um direito de todos", como afirma a Constituição Federal. Naturalmente, entende-se que o Estado tem a obrigação de prover atenção à saúde, ou seja, é impossível tornar todos sadios por força de lei.

Integralidade

A atenção à saúde inclui tanto os meios curativos quanto os preventivos; tanto os individuais quanto os coletivos. Em outras palavras, as necessidades de saúde das pessoas (ou de grupos) devem ser levadas em consideração mesmo que não sejam iguais às da maioria.

Eqüidade

Todos devem ter igualdade de oportunidade em usar o sistema de saúde; como, no entanto, o Brasil contém disparidades sociais e regionais, as necessidades de saúde variam. Por isso, enquanto a Lei Orgânica fala em igualdade, tanto o meio acadêmico quanto o político consideram mais importante lutar pela eqüidade do SUS.

Participação da comunidade

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O controle social, como também é chamado esse princípio, foi melhor regulado pela Lei nº 8.142. Os usuários participam da gestão do SUS através das Conferências de Saúde, que ocorrem a cada quatro anos em todos os níveis, e através dos Conselhos de Saúde, que são órgãos colegiados também em todos os níveis. Nos Conselhos de Saúde ocorre a chamada paridade: enquanto os usuários têm metade das vagas, o governo tem um quarto e os trabalhadores outro quarto.

Descentralização político-administrativa

O SUS existe em três níveis, também chamados de esferas: nacional, estadual e municipal, cada uma com comando único e atribuições próprias. Os municípios têm assumido papel cada vez mais importante na prestação e no gerenciamento dos serviços de saúde; as transferências passaram a ser "fundo-a-fundo", ou seja, baseadas em sua população e no tipo de serviço oferecido, e não no número de atendimentos.

Hierarquização e regionalização

Os serviços de saúde são divididos em níveis de complexidade; o nível primário deve ser oferecido diretamente à população, enquanto os outros devem ser utilizados apenas quando necessário. Quanto mais bem estruturado for o fluxo de referência e contra-referência entre os serviços de saúde, melhor a sua eficiência e eficácia. Cada serviço de saúde tem uma área de abrangência, ou seja, é responsável pela saúde de uma parte da população. Os serviços de maior complexidade são menos numerosos e por isso mesmo sua área de abrangência é mais ampla, abrangência a área de vários serviços de menor complexidade.

Ser eficiente e eficaz, produzindo resultados com qualidades.

A Lei Orgânica da Saúde estabelece ainda os seguintes princípios:

• Preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;

• Direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;

• Divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário;

• Utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;

• Integração, em nível executivo, das ações de saúde, meio-ambiente e saneamento básico;

• Conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população;

• Capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e

• Organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.

Áreas de atuação

Segundo o artigo 200 da Constituição Federal, compete ao SUS:

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Controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;

• Executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;

• Ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;

• Participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;

• Incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;

• Fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;

• Participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;

• Colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

Financiamento

Um bom trabalho está sendo feito, principalmente pelas prefeituras, para levar assistencia à saúde aos mais distantes sertões, aos mais pobres recantos das periferias urbanas. Por outro lado, os técnicos em saúde pública há muito detectaram o ponto fraco do sistema: o baixo orçamento nacional à saúde. Outro problema é a heterogeneidade de gastos, prejudicando os Estados e os municípios, que têm orçamentos mais generosos, pela migração de doentes de locais onde os orçamentos são mais restritos.

Assim, em 1993 foi apresentado uma Emenda Constitucional visando garantir financiamento maior e mais estável para o SUS, semelhante foi ao que a educação já tem há alguns anos. Proposta semelhante foi apresentada no legislativo de São Paulo (Pec 13/96).

O erro médico

"Que os médicos se confortem: o exercício de sua arte não está em perigo; a glória e a reputação de quem a exerce com tantas vantagens para a Humanidade não serão comprometidas pela culpa de um homem que falhasse sob o título de Doutor".

Procurador-Geral Dupin, da Corte Civil do Tribunal de Cassação de Paris, início do Século XIX.

O erro médico é um dos mais palpitantes e polêmicos assuntos em todas as camadas sociais, sendo freqüentemente tratado de forma sensacionalista pelos meios de comunicação de massa que se arvoram em polícia, promotor, juiz e carcereiro, condenando antes de julgar e causando danos irreparáveis não só ao médico acusado, mas também à instituição e aos pacientes, que em geral perdem a confiança e a credibilidade em ambos - médico e hospital - às vezes os únicos do lugar!

O pequeno histórico a seguir mostra o pensamento e a preocupação da Humanidade com o erro médico desde os primórdios da Medicina!

O Código de Hamurabi - 2.394 a.C. - já dizia em seu art. 218: "O médico que mata alguém livre, no tratamento, ou que cega um cidadão livre terá suas mãos cortadas; se morre o escravo, paga seu preço; se ficar cego, a metade do preço."

Lei de Talião(Corão): "Olho por olho, dente por dente".

Medicina arcaica (Mesopotâmia): "Os honorários médicos eram regidos por lei como também as penalidades caso algum tratamento causasse morte ou danos ao paciente. Se uma operação causasse a perda de um olho, o médico teria as mãos cortadas. Em caso de morte de paciente nobre, o médico também perderia a vida."

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Medicina grega: Juramento de Hipócrates - "Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar danos a alguém."

Medicina árabe: Mulçumanos - “Quando um médico fracassava ou caía em desgraça, a penalidade prevista era prisão, açoite ou morte."

A oração de Maimondes, médico judeu-espanhol, reflete a preocupação em evitar o erro e aprender com a sua ocorrência. Diz em certo trecho:..."Hoje pode-se descobrir os erros de ontem e, amanhã, obter talvez nova luz sobre aquilo que se pensa ter certeza."

Duarte Schutel, em seu discurso de colação de grau em medicina no Rio de Janeiro, em 21 de novembro de 1861, disse: “...não lhe pergunta o povo quem é; donde veio: exige-lhe o serviço e esquece-o um momento depois...Uma vitória contra a morte apenas lhe deixa seguir caminho; um erro fatal o precipita no desprezo e na miséria! "

A relação médico/paciente é de cunho contratual, visto que se estabelece entre ambos um pacto de obrigações recíprocas que culminarão na efetiva prestação do serviço médico.

A Direito brasileiro considera a natureza do contrato entre médico e paciente como um contrato de meios e não de fins, onde o primeiro se obriga a tratar e não a curar o segundo, utilizando todo seu conhecimento técnico-científico para sua recuperação. Para tal, o médico precisa se esmerar ao máximo e, obrigatoriamente, ter uma atualização constante.

JUSTIÇA FEDERAL DERRUBA LIMINAR E LIBERA ORTOTANÁSIA NO PAÍS

06/12/2010

Saúde. Com decisão, médicos poderão suspender tratamentos invasivos que prolonguem a vida de pacientes em estado terminal, sem chances de cura, de acordo com a vontade do doente ou de seus familiares. Não há uma indução da morte, como ocorre na eutanásia

A Justiça Federal revogou a liminar que suspendia a regulamentação da ortotanásia no Brasil. Em sua decisão, que deve ser publicada no Diário Oficial na próxima semana, o juiz Roberto Luis Luchi Demo julgou improcedente a ação do Ministério Público que apontava a inconstitucionalidade da medida. Dessa forma, os médicos ficam definitivamente respaldados para recorrer à prática.

Aceitação. Médicos que trabalham em UTI defendem cuidados paliativos e diminuição dos procedimentos desnecessáriosA ortotanásia é a suspensão de tratamentos invasivos que prolonguem a vida de pacientes em estado terminal, sem chances de cura. Para isso, o médico deve ter a anuência do doente ou, se este for incapaz, de seus familiares. Ao contrário do que acontece na eutanásia, não há indução da morte.

São exemplos conhecidos de prática da ortotanásia o caso do papa João Paulo II, morto em 2005, e do ex-governador de São Paulo Mário Covas, que optou por passar os últimos momentos de vida recebendo apenas cuidados paliativos.

A situação vivida por ele levou à aprovação de uma lei estadual que dá aos doentes o

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direito de não se submeter a tratamentos dolorosos e inúteis quando não há chance de cura.

A prática está alinhada com o novo Código de Ética Médica (CEM), que entrou em vigor em abril deste ano e determina que o médico ofereça cuidados paliativos para deixar o paciente confortável e evite exames ou tratamento desnecessários que prolonguem o processo de morte.

"No código, colocamos a questão da ortotanásia de maneira mais branda, mas já apontamos o caminho dos cuidados paliativos", explica Roberto D"Avila, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).

A polêmica. Embora nunca tenha sido considerada infração ética ou crime, muitos médicos hesitavam em praticar a ortotanásia por medo da reação dos familiares e dos colegas ou por convicção. Em 2006, o CFM aprovou uma resolução regulamentando a prática. O texto deixava claro que tratamentos desnecessários poderiam ser interrompidos quando não houvesse chance de cura. Isso inclui, por exemplo, desligar o aparelho de um paciente na UTI e deixá-lo passar seus últimos dias em casa, se essa for sua vontade.

Mas o então procurador dos Direitos do Cidadão do Distrito Federal, Wellington Oliveira, entendeu que a ortotanásia não está prevista na legislação brasileira e a resolução estimularia os médicos a praticar homicídio. Ingressou com ação civil pública, alegando que somente uma lei poderia permitir tal prática. No ano seguinte, obteve liminar na Justiça Federal em Brasília suspendendo a resolução.

Em agosto deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) revisou a ação. A procuradora Luciana Loureiro, que sucedeu Oliveira no processo, afirmou que a ação confundiu ortotanásia com eutanásia.

Com base no novo parecer do MPF e outras manifestações favoráveis à ortotanásia, Luchi Demo julgou a ação improcedente. Em sua sentença, o magistrado relata que, após refletir muito sobre o tema, chegou à convicção de que a resolução do CFM não é inconstitucional.

"Alinho-me pois à tese defendida pelo Conselho Federal de Medicina em todo o processo e pelo Ministério Público Federal nas sua alegações finais, haja vista que traduz, na perspectiva da resolução questionada, a interpretação mais adequada do Direito em face do atual estado de arte da medicina. E o faço com base nas razões da bem-lançada manifestação da ilustre procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira", diz o texto.

Repercussão. Em entrevista ao Estado, D"Avila comemorou a decisão e afirmou ter sido positiva a discussão que a ação do MPF suscitou na sociedade nos últimos três anos. "Isso ajudou a amadurecer o entendimento de que com o avanço da tecnologia é preciso impor limites para que não se prolongue o processo de morte inadequadamente", afirmou o médico.

Membros da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) também comemoraram a decisão, conta Rachel Moritz, Presidente do Comitê de Terminalidade

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da Vida e Cuidados Paliativos da entidade. "Essa discussão chegou à medicina intensiva há mais tempo, pois lidamos muito com alta tecnologia", explica. "Todos os médicos, quando entendem o conceito de deixar morrer no tempo certo, concordam com a ortotanásia."

A Igreja Católica, que em outras ocasiões havia se manifestado favorável à prática, considera uma boa notícia a revogação da liminar. "A Igreja considera imorais tanto a eutanásia como a distanásia. Nos dois casos, a vida humana é desrespeitada", afirma d. Antonio Augusto Dias Duarte, membro da Comissão de Bioética da Comissão Pastoral Episcopal para a Vida e a Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). "De qualquer forma, o texto da resolução do CFM poderia ser mais explícito", pondera d. Antonio. "Como trata da vida das pessoas com doenças incuráveis, deveria deixar claro que a eutanásia é um mal."

Fonte: O ESTADO

MÉDICOS APOIAM A FLEXIBILIZAÇÃO DA EUTANÁSIA

17/08/2012

O anteprojeto do Código Penal, apresentado por uma comissão de 15 juristas ao Senado Federal, e que servirá de base para a atualização da lei — criada em 1940 —, conquistou apoio da comunidade médica em pontos que afetam a saúde do brasileiro. Os magistrados incluíram nas sugestões temas considerados polêmicos como a ampliação dos casos de aborto legal, a descriminalização do uso de drogas e a tipificação da eutanásia e da ortotanásia — ajudar um paciente a morrer, geralmente impulsionado pelo sentimento de abreviação do sofrimento, e a interrupção da interferência médica permitindo a morte natural, respectivamente. Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), os novos entendimentos integram de forma clara o regulador do direito penal e colocam os conceitos em consonância com a realidade.

O primeiro vice-presidente do CFM, Carlos Vital, esclarece que o conselho continua sem concordar com a prática da eutanásia, porém acredita que a inclusão de atenuantes capazes de reduzir a pena é coerente. "A influência no processo natural da morte, essa aceleração, apesar de ser considerado o método da boa morte, não faz parte dos compromissos democráticos. É antiético, mas a reformulação da penalização vem para acertar a regra", avalia. O tema foi debatido nesta semana pela entidade com especialistas do direito no III Congresso Brasileiro de Direito Médico. O texto do grupo de magistrados propõe que a eutanásia continue sendo crime contra a vida, ainda no rol de homicídios, mas a inclui no código com a ressalva de uma possível ausência de punição. Segundo Antônio Nabor Bulhões, um dos integrantes da comissão de juristas, o projeto abre espaço para que o juiz analise cada situação. "Matar por piedade ou compaixão de alguém em estado terminal para abreviar um sofrimento insuportável não deixará de ser um atentado, mas avaliando as circunstâncias dos casos, as afeições, o parentesco, o juiz poderá, excepcionalmente, deixar de aplicar a pena", explicou.

De acordo com Bulhões, essa foi a solução mais humanista possível dentro do direito

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penal. "Pode representar, por exemplo, o caso de um filho que muitas vezes cede e protege o pai, são extremos que precisam ser ponderados". Presidente da comissão de juristas, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp destaca que o termo deixa de ser tratado como homicídio privilegiado e ganha espaço próprio. "O crime já existia e tinha uma pena reduzida, mas sem nome próprio." O texto elaborado pelos juristas está sendo analisado por uma comissão especial no Senado, e deve ser votado até o fim do ano.

Cuidados paliativos

Na proposição dos magistrados, a ortotanásia perde o caráter de ilícito e pode reforçar o trabalho realizado em hospitais de cuidados paliativos, como o do Hospital de Apoio de Brasília. Dipp lembra que o próprio CFM havia editado uma resolução isentando a ação da fiscalização da entidade. O primeiro vice-presidente do órgão, Carlos Vital, acredita que a mudança trará um respaldo judicial para o que a instituição já reconhece. "Não vemos a não interferência como crime e tirá-la claramente deste rol é uma atualização que corrige controvérsias e diversas interpretações que pairam sobre a questão."

O professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Marco Segre, especialista em ética e saúde, acredita que o anteprojeto representa um avanço, entretanto, ainda assim destaca a importância da avaliação de cada caso separadamente. "Nossa lei, embora não especifique, é contrária a qualquer iniciativa de querer morrer, mas deveria haver uma flexibilização. O direito pessoal de escolha é extremamente importante até mesmo para a pessoa que quer continuar vivendo e isso deve ser respeitado."

Ortotanásia

Em 29 de abril, o Correio publicou reportagem sobre a prática da ortotanásia, ressaltando o aumento do número de pessoas que passaram a deixar documento registrado em cartório dizendo quando queriam que as intervenções médicas parassem em troca do que é conhecida como morte digna. Em 11 anos, o número de testamentos vitais cresceu quase 20 vezes. As maiores reclamações foram sobre a falta de uma legislação específica sobre o assunto e a prática médica de tentar salvar o paciente a qualquer custo.

O que diz a lei

Práticas sem qualificação

A legislação brasileira em vigor não qualifica de forma objetiva e explícita a eutanásia e a ortotanásia, porém o entendimento é de que nesses casos devem ser aplicadas as penas do artigo 121 do Código Penal, que trata dos crimes contra a vida. A eutanásia geralmente é considerada homicídio simples, com pena de seis a 20 anos de reclusão. Porém, se comprovado o valor moral da ação, pode ser classificada como homicídio privilegiado com pena atenuada para até quatro anos de prisão. Já o entendimento no caso da ortotanásia é que uma pessoa que tinha responsabilidade está deixando de agir para afastar a morte e a ação corresponde a homicídio por omissão.

Ainda falta consenso sobre o aborto

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A sugestão dos juristas para atualização do Código Penal também inclui mudanças na legislação em relação ao aborto. O documento descriminaliza a prática em casos comprovados de: anencefalia; doenças graves e incuráveis no feto ou anomalias que inviabilizem a vida independente; e, até a 12ª semana de gestação, em casos em que um médico ou psicólogo ateste que a gestante não tem condições de arcar com a maternidade. Apesar de dados do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA) mostraram que o aborto afeta cerca de um milhão de brasileiras por ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) ainda não se posicionou sobre o tema.

Primeiro vice-presidente da entidade, Carlos Vital reconhece que o Estado não pode fechar os olhos para o assunto, mas alega que a sociedade é culturalmente religiosa. "Essa é uma questão que faz parte da nossa cultura, mas, por outro lado, é preciso ver onde e como pode-se avançar em relação a criminalização", avalia. Para Vital, a proposta é corajosa, mas precisa ser mais bem analisada. Na entidade, o debate ficou para o próximo mês, quando os médicos se encontrarão e tentarão traçar um consenso.

No entendimento do coordenador do GEA, Thomaz Gollop, a proposta dos juristas atende a realidade, pois a legislação atual é ineficaz por não punir. "É evidente que precisa ser reformado e estabelecer um posicionamento mais avançado. Só que as entidades e o executivo não conseguem entender que o Estado é laico, a posição religiosa é compreensível da ótica da fé, que é direito individual e privado, mas o Estado cuida do direito público. Existe uma enorme mistura desses canais."

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, presidente da comissão de juristas responsável pela elaboração do anteprojeto, afirma que foram levados para o grupo os dados da saúde da mulher e do bebê em casos de aborto e de tentativas, principalmente, os realizados em ambientes clandestinos. "Não que eu esteja defendendo a atitude, mas existem milhares de problemas e internações por causa dessa questão, são gastos altos com o Sistema Único de Saúde (SUS). Por isso temos de tratar a situação e encarar a realidade, no sentido de dar atenção na esfera da saúde", defende.

GRASIELLE CASTRO

BENS DER FAMILIA

Autor: Claudinei de Paula Coelho Instituição: UNOESTE- UNIVERSIDADE DO OESTE PAULISTA. Bem de Família

INTRODUÇÃO Pelo Diploma civil, o bem de família poderá ser um imóvel urbano ou rural, necessariamente habitado pela família e também poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será destinada à conservação do imóvel e ao sustento da família. Porém, em qualquer hipótese, o patrimônio instituído não poderá ultrapassar 1/3 do patrimônio líquido do instituidor, existente na data do ato. Essa restrição, enquanto favorece a circulação das riquezas e evita que credores sejam lesados com nomeação indiscriminada de bem de família, também afasta a classe média tão depauperada financeiramente e à qual restará a lei processual 8009/90. Essa lei especial processual, de ordem pública, protege o domicilio (além de benfeitorias, plantações,

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móveis equipamentos profissionais), seja qual for o montante do patrimônio familiar e determina a impenhorabilidade do imóvel residencial por dívidas cíveis, comerciais, fiscais, previdenciárias e trabalhistas constituídas pelos pais ou pelos filhos, excepcionando quando se tratar de dívidas relativas aos trabalhadores da residência e suas contribuições previdenciárias, os empréstimos para financiamento da compra ou construção do imóvel residencial, imposto predial e territorial do mesmo imóvel, dívidas alimentares e quando os beneficiários ofereceram o imóvel residencial como garantia real quando o imóvel foi adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória e ainda por dívidas decorrentes de fiança em contratos de locação. BEM DE FAMÍLIA Bem de Família, conforme dispõe Limongi França, é o imóvel, urbano ou rural, destinado pelo "chefe de família", ou com o consentimento deste, mediante escritura pública, a servir como domicílio da sociedade doméstica, com a cláusula de impenhorabilidade.

Esse conceito de Bem de Família se baseia em disposições de três diplomas básicos onde a matéria está regulada, a saber: no Código Civil (Artigo 1711 a 1722), na Lei n.º 8009/90, e no Código de Processo Civil de 1973 (Art. 1218, VI). Assim também dispõe Maria Helena Diniz: O bem de família é um prédio ou parcela do patrimônio que os cônjuges, ou entidade familiar, destinam para abrigo e domicílio desta, com a cláusula de ficar isento da execução por dívidas futuras (CC, art. 1715). Esse instituto visa a assegurar um lar à família, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição, salvo os que provierem de impostos relativos ao prédio. Trata-se de um bem inalienável e impenhorável. O Bem de Família, apesar de isento de execução por dívidas, não é inalienável de modo absoluto, senão relativo. Na verdade, conforme dispõe o Código Civil, o prédio, nas

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condições acima determinadas, não poderá ter outro destino, ou ser alienado sem o consentimento dos interessados e dos seus representantes legais. Quando às Condições, parecem ser fundamentalmente três: I- É preciso que, quando da instituição, não haja dívidas, por parte do instituidor, cujo pagamento possa ser prejudicado; II- O imóvel tanto pode ser urbano como rural, contanto que, naturalmente, se preste à sua destinação específica. A instituição pode abranger utensílios domésticos, gado e instrumentos de trabalho; III- O imóvel deve estar sendo a residência dos interessados por mais de dois anos. A forma de Instituição é a escritura pública; conforme dispõe o Código de Processo Civil (Art. 1218, VI); bem como a Lei dos Registros Públicos (Art. 260). O instituto do Bem de Família foi regulamentado de maneira minuciosa pela Lei n.º 8009, de 29 de março de 1990, com oito artigos. Esse diploma exclui entretanto, "os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos". O Código Civil de 1916, Lei n.º 3.071, de 1° de janeiro, conforme Arts. 70 a 73, determinava não haver limite de valor para a instituição do bem de família, dessa forma, os cônjuges livremente elegiam o imóvel de maior valor para que ficasse isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição. Anote-se que no Novo Código Civil há duas novidades significativas, a saber: Art. 1.711 - Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial. Art. 1.712 - O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família. Percebe-se que há um limite para a instituição, ou seja, o limite será de 1/3 do patrimônio líquido do instituidor, existente ao tempo da instituição; e, inovando, a instituição poderá abranger valores mobiliários, compreendidos (Art. 83 do NCC): as energias que tenham valor econômico, os direitos reais sobre objetos móveis, os direitos pessoais de caráter patrimonial etc. Ricardo Fiúza assim se expressa:

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Quando o Projeto de Reforma do Código Civil retornou (do Senado Federal - sem emendas) à Câmara, foi aprovada proposta do Deputado Fiúza, que deu nova redação ao artigo, para contemplar também a Entidade Familiar e retirar a limitação do valor do bem a MIL VEZES o salário mínimo, e ressalvar as regras da impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida pela Lei n.º 8.009/90.

ESPÉCIES DE BEM DE FAMILIA: a) Bem de Família Voluntário – arts. 1711 a 1722 do Novo Código Civil O Novo Código Civil tratou sobre o bem de família voluntário em um capítulo inteiro, e assim dispôs: Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial. Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada. Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família. Art. 1.713. Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição. § 1o Deverão os valores mobiliários ser devidamente individualizados no instrumento de instituição do bem de família. § 2o Se se tratar de títulos nominativos, a sua instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de registro. § 3o O instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito. Art. 1.714. O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis.

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Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio. Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz. Art. 1.716. A isenção de que trata o artigo antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade. Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público. Art. 1.718. Qualquer forma de liquidação da entidade administradora, a que se refere o § 3o do art. 1.713, não atingirá os valores a ela confiados, ordenando o juiz a sua transferência para outra instituição semelhante, obedecendo-se, no caso de falência, ao disposto sobre pedido de restituição. Art. 1.719. Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público. Art. 1.720. Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges, resolvendo o juiz em caso de divergência. Parágrafo único. Com o falecimento de ambos os cônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor. Art. 1.721. A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família. Parágrafo único. Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal. Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela. Voluntário é aquele bem, destinado à impenhorabilidade por escolha da entidade familiar, ou seja, é um bem escolhido que figurará como sendo bem de família, não podendo entretanto, que o mesmo responda a quaisquer execuções por dívidas. O bem foi voluntariamente predestinado pela entidade familiar. Com o advento do Código Civil de 2002, este, destinou um tópico específico ao bem de família, estabelecendo que podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte do seu patrimônio (bens móveis e imóveis) para

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instituir bem de família, desde que não ultrapasse a 1/3 do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição. No entanto, a grande inovação trazida pelo legislador está na possibilidade de tornar impenhorável além do imóvel destinado à residência da família, também valores mobiliários, como quotas de empresas e ações de companhias de capital aberto, desde que respeitado o limite de 1/3 do somatório do patrimônio do instituidor. O empresário deve considerar a conveniência, ou não, do registro de quotas e ações como bem de família, pois tal disposição poderá dificultar a captação de recursos, tendo em vista a ausência de garantia ao futuro credor de boa parte do capital que ficará intocável pela impenhorabilidade. De fato, houve uma alteração na forma de pensar o bem de família, mas tanto o detentor de um único imóvel, quanto o proprietário de um grande patrimônio estão protegidos, seja por lei especial ou pelo Código Civil. O prestígio ao patrimônio em si segue a tendência de todo o Código, cujo projeto é anterior à Constituição Federal e, portanto, mais antigo que a própria Lei 8009/90, com o seu ideal de proteção ao princípio da dignidade da pessoa humana. Críticas à parte, as alterações estão em vigor e podem ser adotadas por todos aqueles que tenham interesse em registrar parte do seu patrimônio como bem de família.

b) Bem de Família Legal – Lei n.º 8009/90 A Lei que instituiu o bem de família legal, buscou resguardar, a funcionalidade do lar e a paz familiar, assegurando aos membros da entidade familiar uma existência digna, pondo seu imóvel residencial a salvo de execução por dívidas. Tal lei é, uma norma de ordem pública, uma vez que a impenhorabilidade do único imóvel residencial da família se dá ope legis, ou seja, independentemente de manifestação de vontade de seu proprietário. Neste caso o instituidor é o próprio Estado, que impõe o bem de família, por norma de ordem pública, em defesa da célula familiar. Importante ressaltar que a nova lei mantém as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida na Lei 8009/90, ou seja, hoje em dia os cidadãos podem contar com duas formas de proteção, de acordo com o tamanho do seu patrimônio: a impenhorabilidade prevista em lei especial ou a impossibilidade da penhora dos bens estabelecida pelo Código Civil. Outro ponto positivo da lei é que mesmo em caso de falência da empresa, esses valores mobiliários registrados como bem de família, não serão atingidos, devendo o juiz ordenar a sua transferência para uma outra instituição. Uma das ferozes críticas à nova lei é o prestígio excessivo ao detentor de um grande patrimônio, real destinatário da garantia de impenhorabilidade, o que contraria a concepção de proteção ao patrimônio mínimo previsto na Lei 8009/90.

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A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA A lei que regula ser bem da família, lei n.º 8009/90, em seu artigo 3º, determinou a exceção prevista à essa impenhorabilidade. A distinção entre o bem de família e o único imóvel residência da família salta aos olhos quando se depara com o parágrafo único do artigo 5º, da lei 8.009/90, que reza : "Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado para esse fim, no registro de imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil/1916". Ou seja, resulta dos próprios termos da Lei 8.009/90 a distinção dos institutos em comento, até mesmo porque o bem de família pode ser instituído em qualquer imóvel pertencente a esta, desde que sirva para sua residência, não importando se esta mesma família é proprietária de outros imóveis de menor valor. Já, a exceção está prevista, quando o único imóvel de residência da família é proteção que, além de independer de registro em cartório, recai sobre a residência de menor valor, quando a família for proprietária de outras. Mais distinções entre os institutos podem ser apontadas, como a possibilidade de alienação. O único imóvel residência da família pode ser alienado sem nenhum impecílio. O bem de família, para ser alienado, precisa do consentimento dos interessados e dos representantes legais, nomeados por juiz, em caso de interesse de incapazes, e com a ouvida do Ministério Público, sendo a incapacidade absoluta. Diferem também quanto ao limite da impenhorabilidade. O bem de família só é penhorável na execução por dívidas relativas aos impostos do mesmo prédio. O único imóvel residência da família pode ser penhorado em razão de dívida para com os trabalhadores da própria residência; dívida com o financiador da construção ou aquisição da residência; dívida de pensão alimentícia; execução de hipoteca dada pelo casal, bem como as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesa de condomínio. Dentre as exceções enumeradas pela lei, restringir-se-á o trabalho ao art. 3º da Lei, que em seu inciso V traz: "para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar". O texto do excerto transcrito deixa claro que, embora a lei tenha tornado impenhorável o imóvel residencial da família, não o tornou indisponível, inalienável, permitindo que o mesmo seja oferecido, validamente, como garantia hipotecária de débito, pelo casal ou pela entidade familiar. Permitindo a lei que o bem seja dado em hipoteca, permite, como consectário lógico, que o mesmo seja ulteriormente penhorado, para satisfação do débito.

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CONCLUSÃO O Código Civil oferece aos integrantes da família ou a terceiros a liberdade de instituição de bem de família através da nomeação de uma residência ou de valores mobiliários e é abrangente em relação às dívidas, pois permite a penhora apenas daquelas decorrentes de tributos e condomínios do próprio imóvel, enquanto a lei processual 8009/90 impõe um maior número de exceções. Resta saber se o bem de família conforme o novo Código Civil será esquecido pela população como o foi na vigência do código de 1916, ou se a população brasileira mais abonada e que possa indisponibilizar 1/3 de seu patrimônio liquido passará a usar essa possibilidade jurídica ou preferirá a proteção garantida pela lei 8009/90 que não coteja valores e por ser de ordem pública, protege a todos.

BIBLIOGRAFIA DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. FIÚZA, Ricardo. Novo Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. FRANÇA, R. Limongi. Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1996. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – direito das obrigações. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. __________ . Direito Civil – direito de família. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003.

DIREITO CIVIL – DAS FAMÍLIAS

Renato Alves Oliveira Fraga

FAMÍLIA PRÉ CF. 88

Característica principal de ser uma família:

Hierarquizada, regida pelo pátrio poder.

Matrimonializada – o casamento instituía as famílias.

Patrimonializada, onde todo o direito da família estava ligado ao desenvolvimento dos patrimônios familiares e não de seus integrantes. Ocorria que o próprio Estado não admitia o reconhecimento de filho fora do casamento, uma vez que deveriam ser pagos alimentos e outros e isso poderia desfalcar o patrimônio da família. Tudo que pudesse interferir no patrimônio o Estado afastava das famílias.

FAMÍLIA NA CF. 88

Art. 226 a 230 CF

Igualdade: art.226 §5º – informa a igualdade entre os detentores do poder de família. No art. 227 – também informa a igualdade entre os filhos, sejam aqueles de fora do casamento ou não.

Forma-se a família por (art.229§1º,§2º,§3º,§4º):

Casamento§1º,§2º.

União Estável §3º.

Família Monoparental§4º.

Atente-se que este rol é meramente exemplificativo.

Familiar Anaparental – sem pais.

Família Homoafetiva - O STF entende que, constatando os três elementos acima em um determinado cenário fático, há que se reconhece com sendo uma família. Enunciado 523 CJF – 5º Jornada – união estável homoafetiva é matéria de direito de família. Enunciado 524 CJF – 5º Jornada – admitindo conversão da união homoafetiva em casamento.

Famílias Paralelas: STJ E STF não admitem famílias paralelas.

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Não existe família unipessoal, mas os bens desta pessoa estão protegidos. Não faz sentido proteger o indivíduo que vive em grupo e abandonar aquele que sofre o mais doloroso dos sentimos, a solidão, aplica-se a lei dos bens de família (Lei 8009) a este indivíduo, pelo princípio do patrimônio mínimo. Súmula 364 STJ.

ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA ENTIDADE FAMILIAR:

Afetividade

Publicidade

Estabilidade

FAMÍLIA PÓS CF.88

Caraterística:

Democrática – relações dialógicas

Família Plural -

Eudemonista – local privilegiado para o desenvolvimento da personalidade de cada um de seus membros.

EC 66 – 2010 -

RELAÇÕES DE PARENTESCO (ART.1591 A 1595 CC.)

Formas de se relacionar com a família:

Vínculo Conjugal ou União Estável – gera direitos a alimentos.

Vínculo de Parentesco – pode ser natural (ligação sanguínea) ou civil (não há ligação sanguínea – adoção). Gera direitos a alimentos.

Vínculo de afinidade – afinidade entre um dos cônjuges e os parentes do outro cônjuge. Não gera direito de alimentos, nem sucessório. Gera apenas impedimento matrimonial se for em linha reta.

Contagem dos graus de parentesco:

Parentesco em linha reta não tem limite (Avô - Pai – RENATO – Filho – Neto).

Parentesco em linha colateral/transversal – conta um grau para cada ligação. Renato é parente em segundo grau de Lívia. Aqui há limite, indo até o 4º grau de parentesco.

Pai

Renato Lívia

Contagem de Grau de Vínculo de Afinidade:

O grau de afinidade é o meus grau de afinidade existente entre o grau de parentesco entre a esposa e seus parentes. Só que o dela é grau de parentesco e do marido é grau de afinidade.

Art. 1595 §2º – a afinidade em linha reta não se extingue,mesmo após a dissolução do casamento. Portanto, mesmo que a esposa venha a falecer, a relação de afinidade com a sogra permanece. Mas com a cunhada poderá casar-se.

Art. 1521,II -

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Lei 11.924 – Lei Clodovil, autoriza o entiado a adotar o sobrenome do padrasto ou madrasta.

Não há obrigação alimentar entre sobrinhos, tios...