OS EFEITOS DEVOLUTIVO E SUSPENSIVO DO RECURSO...

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CLÁUDIO FERREIRA DA SILVA OS EFEITOS DEVOLUTIVO E SUSPENSIVO DO RECURSO NO FORMULÁRIO DE APURAÇÃO DE TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR, NA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO PARANÁ. CASCAVEL 2014

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CLÁUDIO FERREIRA DA SILVA

OS EFEITOS DEVOLUTIVO E SUSPENSIVO DO RECURSO NO FORMULÁRIO DE APURAÇÃO DE TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR, NA

POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO PARANÁ.

CASCAVEL

2014

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CLÁUDIO FERREIRA DA SILVA

OS EFEITOS DEVOLUTIVO E SUSPENSIVO DO RECURSO NO FORMULÁRIO DE APURAÇÃO DE TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR, NA

POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO PARANÁ. Artigo científico apresentado à disciplina

de Metodologia da Pesquisa Científica como requisito parcial para a conclusão do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu – Especialização em Direito Administrativo Disciplinar do Núcleo de Pesquisa em Segurança Pública e Privada da Universidade Tuiuti do Paraná.

Orientadora: Lissandra Espinosa de Mello

Aguirre, Ms.

CASCAVEL 2014

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OS EFEITOS DEVOLUTIVO E SUSPENSIVO DO RECURSO NO FORMULÁRIO DE APURAÇÃO DE TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR, NA

POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO PARANÁ.

RESUMO Os procedimentos disciplinares administrativos pela regra geral não são

sujeitos ao regramento recursal do efeito suspensivo. Desta feita abre-se a discussão acerca dos recursos, enfatizando que de forma inequívoca afronta Princípios Constitucionais, como a Ampla Defesa. O presente artigo visa analisar, através de revisão de literatura, os efeitos devolutivo e suspensivo dos recursos disciplinares. A Portaria nº 1125/13, do Comando Geral da Polícia Militar do Estado do Paraná, incorpora e estabelece que os recursos terão os efeitos devolutivo e suspensivo. Justifica o presente trabalho se as transgressões dos militares da Polícia Militar do Estado do Paraná que são processadas pelo Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar e encontra arcabouço no Regulamento Disciplinar do Exército, estão em consonância com os ditames e princípios constitucionais, ex. vi. a presunção de inocência e ampla defesa. O Código da Polícia Militar em seu artigo 1º, § 5º insere que será adotado de forma subsidiária o RDE das Forças Armadas. Nesse viés, o RDE não elenca de forma explícita quais são os efeitos dos recursos, pois vislumbra apenas pelo texto legal, que as decisões dos superiores que tem o poder de punir, têm competência para rever seus atos. No entanto, elenca que apenas pode ser revisto o ato punitivo, contudo não estipula que esse recurso terá efeito suspensivo. A Constituição Federal de 1988, evidencia que os direitos dos militares, devem ser regulamentados por legislação específica, insculpida em seu artigo 142, X, e ainda que são regidos pelos pilares da Hierarquia e Disciplina. O ser humano é falível, e com base no princípio da pluralidade de instâncias administrativas, aquela decisão de sanção disciplinar, será possível de ser reavaliado por meio dos recursos, a saber, a reconsideração de ato ou recurso disciplinar, quando o militar punido terá o direito de interpô-los. A portaria 1125/13, mesmo que tardiamente inova os efeitos dos recursos administrativos, pois anteriormente as punições disciplinares tinham apenas o efeito devolutivo, tendo o militar já cumprido a punição, quando do resultado do recurso interposto.

Palavras-chave: Recurso Disciplinar. Efeito Devolutivo e Suspensivo. Hierarquia, Disciplina e Segurança Jurídica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 5

2. REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................. 7

2.1 Presunção de Inocência ........................................................................................... 7 2.2 Princípio da Hierarquia e Disciplina ....................................................................... 8 2.3 Direito Administrativo Disciplinar ............................................................................ 9 2.4 PORTARIA 1125/13 – Efeitos dos Recursos Administrativos disciplinares .. 14

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 16

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 18

APÊNDICE – LISTA DE SIGLAS ...................................................................................... 20

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OS EFEITOS DEVOLUTIVO E SUSPENSIVO DO RECURSO NO FORMULÁRIO DE APURAÇÃO DE TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR, NA

POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO PARANÁ.

Cláudio Ferreira da Silva1

INTRODUÇÃO

Os efeitos devolutivo e suspensivo do recurso no Formulário de Apuração de

Transgressão Disciplinar, na Polícia Militar do Estado do Paraná, que encontra

problematização no Direito Administrativo, o qual regula o estabelecimento de uma

relação jurídica processual que ocorre entre o servidor militar e a Administração

Pública traz como regra geral somente o efeito devolutivo. Pois, o ato administrativo

que segue os ditames do Direito Administrativo, albergado no princípio da

legitimidade, supõe válidos os atos da administração, e assim não haveria sentido

em suspender estes efeitos enquanto não houver prova inequívoca de erro ou de

prejuízo para a administração.

As esferas, Penal ou Administrativa, devem ter seus processos e

procedimentos delineados com os princípios inseridos na Constituição Federal de

1988, que trouxe um cabedal de direitos ao acusado em geral, com mudanças no

Direito Administrativo, principalmente nas regras que regem os regulamentos

anteriores à Carta Magna.

Há na apuração dos atos que ferem o regulamento, as normas e os

estatutos, a aplicação das penas previstas para infração, que são elencadas no

anexo I, do Decreto Federal nº 4.346, de 26 de Agosto de 2002, dessa forma surge o

direito de punir. Este direito só pode ser exercido após a instauração de processo

administrativo disciplinar, pela autoridade competente.

Diante da problematização do tema, levanta-se o seguinte questionamento:

Diante da Portaria nº 1125/13 o porquê institui duplo efeito nos recursos de ordem

disciplinar militar? Como hipótese, esta se apresentou da seguinte forma: há

12º Tenente da Polícia Militar do Estado do Paraná, Graduado em Letras com Habilitação em

Português/Espanhol – Universidade do Oeste do Paraná – UNIOESTE em 2001. e-mail: [email protected]

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legalidade na aplicação da Portaria nº 1125/13 que modificou o efeito dos recursos

administrativos da reconsideração de ato e do recurso disciplinar?

A Portaria nº 1125/13 tem como base o contido no art. 4° da Lei Estadual nº

16.575, de 28 de setembro de 2010 (Lei de Organização Básica da PMPR), esta

estabelece normas que regem o processo administrativo do FATD, buscando-se

assim, a proteção dos direitos dos administradores.

As dificuldades de aplicação da legislação militar são inúmeras, no entanto no

quesito, variáveis identificam-se no âmbito da Polícia Militar do Estado do Paraná,

há a possibilidade através de portaria expedida pelo Comandante ferir a Lei maior e

demonstrar os efeitos suspensivos e devolutivos aplicados ao formulário de

apuração de transgressão disciplinar. Analisar o princípio da presunção de inocência

e o princípio da hierarquia, que decorre da Carta Magna, e que no mesmo viés do

texto Maior; o garantismo penal no Direito Administrativo Disciplinar na seara da

Polícia Militar do Paraná e estudo minucioso do Portaria 1125/13 que disciplina os

efeitos dos recursos administrativos disciplinares.

O Garantismo penal é considerado um modelo de direito penal que visa

fortalecer o direito penal de intervenção mínima, através de mecanismos que visam

a supremacia dos direitos fundamentais em detrimento da força punitiva do Estado.

Pois a Constituição nos garante uma série de direitos, tidos como fundamentais, que

não poderão ser atacados pelas normas que lhe são hierarquicamente inferiores e

sequer por praticas contrárias as da Constituição, sejam elas nas esferas penal ou

administrativas.

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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Presunção de Inocência

A presunção de inocência é um princípio constitucional elencado no artigo

5º, LVII da Constituição Federal. Destaca-se como garantia processual dirigida ao

acusado pela prática de uma infração, tendo a prerrogativa de não ser considerado

culpado pela transgressão disciplinar até que a sentença transite em julgado.

Princípio este que garante ao acusado um julgamento justo, evitando situações de

julgamentos equivocados e garante ao acusado justiça nesta análise.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LVII – ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Cruz define presunção de inocência como:

Uma das mais importantes garantias do acusado, pois através dela este passa a ser sujeito de direitos dentro da própria relação processual, tendo em vista que, até que se prove o contrário, o réu é presumidamente inocente. (CRUZ, 2013, s/p).

Para Silva (2014, s/p) “a presunção de inocência é um instrumento jurídico

criado pela lei para favorecer o acusado com base jurídica sobre a inferência de que

a maioria das pessoas não é criminosa”.

Tem-se ainda, o primeiro registro do presente princípio, segundo Silva:

Remonta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada pela Assembleia Nacional Francesa, em dois de outubro de 1789. Este documento, promulgado em plena Revolução Francesa, trazia em seu artigo IX que “Todo homem sendo julgado inocente até quando for declarado culpado, se é julgado indispensável detê-lo, qualquer rigor, que não seja necessário para assegurar-se da sua pessoa deve ser severamente proibido por lei”. (SILVA, 2011, s/p).

Diante da exposição dos Autores acima, observa-se que no ordenamento

jurídico, não há previsão apenas à sanção ao que transgride a legislação castrense,

mas também há previsão a fim de evitar que inocentes sejam castigados.

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Quanto ao presente princípio ligado a processos disciplinares, o autor Silva

(2014, s/p) expõe que a comunicação disciplinar, por suas características, constitui-

se como ato administrativo, gozando de todos os atributos a ele inerentes, dentre os

quais o da presunção de legitimidade e a veracidade.

Segundo Salazar, para equilibrar as forças entre o administrado e a

administração, com o fim ainda de legitimar os atos administrativos:

A presunção de legitimidade e veracidade visa preservar a autoridade dos atos administrativos, uma vez que a Administração goza de superioridade em relação ao particular, ou seja, os interesses gerais devem sobrepujar os interesses individuais, em prol da coletiva. (SALAZAR, 2005, p. 78 apud SILVA, 2014, s/p).

Entretanto, conforme Oliveira, esse princípio na esfera administrativa, é

mitigada, pois equivale dizer que as esferas são independentes.

No sentido de que os princípios aplicáveis ao processo penal no campo das garantias procedimentais, não devem ser aplicados integralmente no campo do processo administrativo, em virtude da independência entre as instancias penal e administrativa. (OLIVEIRA, 2005, pg. 189).

Visto sobre o princípio da presunção de inocência, de forma breve, passa a

expor sobre o princípio da hierarquia.

2.2 Princípio da Hierarquia e Disciplina

Para entendimento do tema principal se faz necessário abordar sobre o

princípio da hierarquia e disciplina. As Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros

Militares são instituições públicas organizadas com base na hierarquia e disciplina,

conforme dispõe, expressamente, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 42,

que dispõe que os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares,

instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos

Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

No que versa este princípio Fortes, expõe:

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Pertinente às funções administrativas, refere-se às relações de coordenação e subordinação que se criam entre as pessoas, cada qual com atribuições definidas na lei. Assim, cabe à Administração: rever os atos dos subordinados, delegar e revogar atribuições e punir o descumprimento do dever de obediência, o qual é imputado ao subordinado. As decisões judiciais sempre seguem uma escala hierárquica, diretamente subordinadas ao STF, sob pena de serem cassadas. (FORTES, 2014, s/p)

No que incide o princípio da hierarquia e disciplina, Lima também expõe que:

Ordenamento jurídico, como se sabe, é um sistema hierárquico de normas, na clássica formulação de KELSEN. Estaria, assim, escalonado com normas de diferentes valores, ocupando cada norma uma posição intersistemática, formando um todo harmônico, com interdependência de funções e diferentes níveis normativos de forma que uma norma para ser válido é preciso que busque seu fundamento de validade em uma norma superior, e assim por diante, de tal forma que todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma mesma norma fundamental formam um sistema de normas uma ordem normativa. É a famosa teoria da construção escalonada das normas jurídicas (stufenbautheorie). (LIMA, 2002, s/p)

Observa-se que a hierarquia representa um dever de obediência. Pela

importância da sua existência, o poder disciplinar é exercido com certo rigor, no

entanto não pode ser esquecido os ditames Constitucionais em respeito ao ser

humano, inseridos no Art. 5º, que declara que todos são iguais perante a lei.

Entretanto, o sistema militar encontra suas particularidades na hierarquia e

disciplina, que são o sustentáculo das instituições militares, de acordo com o art. 42

da CF/88.

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

O presente tópico e o que o antecedeu embasam a aplicação do garantismo

penal no Direito administrativo disciplinar na seara da Polícia Militar do Paraná.

2.3 Direito Administrativo Disciplinar

No direito administrativo geral está contido o direito administrativo disciplinar,

portanto deve seguir seus princípios norteadores, no entanto neste, está presente

características próprias que evidenciam a sua distinção no ordenamento jurídico

pátrio. Para Souza, (2007 apud LUZ, 2002. pg. 62):

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O Direito Administrativo Disciplinar está, portanto, com objeto próprio, com normas específicas, com o campo delimitado, porém, não distante da sistemática da Administração Pública, que, embora não o deferindo ao Poder Judiciário, consagra-lhe normas e princípios que este adota, quer algumas de natureza civil e muitas outras de natureza penal e processual penal.

A aplicação do direito administrativo militar na PMPR, é disciplinado pela Lei

n.° 1.943, de 23 jun. 54, Código da Polícia Militar do Estado do Paraná. Que em seu

artigo 1º, § 5°, estipula que será utilizado de forma subsidiária o Regulamento

Disciplinar do Exército, para aplicação de sanções disciplinares nas diversas

transgressões militares2 que podem ocorrer. O RDE é silente quanto aos efeitos dos

recursos pleiteados pelos administrados sujeitos à aplicação de punições

disciplinares, trazendo o entendimento que será apenas o devolutivo:

Art. 54. É facultado ao militar recorrer do indeferimento de pedido de reconsideração de ato e das decisões sobre os recursos disciplinares sucessivamente interpostos. § 1o O recurso disciplinar será dirigido, por intermédio de requerimento, à autoridade imediatamente superior à que tiver proferido a decisão e, sucessivamente, em escala ascendente, às demais autoridades, até o Comandante do Exército, observado o canal de comando da OM a que pertence o recorrente.

As punições disciplinares seguem uma gradação: advertência; o impedimento

disciplinar; repreensão; detenção disciplinar; prisão disciplinar; e licenciamento e a

exclusão a bem da disciplina, que são resultado da transgressão da disciplina militar

que este infringiu, e que em face dos recursos interpostos podem sofrer

modificações, conforme o artigo 41 do RDE elencando que:

Art. 41. A punição disciplinar aplicada pode ser anulada, relevada ou atenuada pela autoridade para tanto competente, quando tiver conhecimento de fatos que recomendem este procedimento, devendo a respectiva decisão ser justificada e publicada em boletim.

A Carta Magna, amparo do regramento jurídico, evidencia que as legislações,

devem respeitar os princípios constitucionais, que são considerados como toda

regra expressa a qual decorre da natureza do regime por ela adotado, pois eles se

2 Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento

jurídico pátrio ofensiva à etica, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.

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põem acima até mesmo da ordem legal, ou seja, dando um caminho a ser seguido

por todo o ordenamento jurídico.

Souza assevera que os princípios são regras matrizes do ordenamento

jurídico:

O princípio do devido processo legal pode ser considerado como a principal matriz de todos os demais princípios processuais constitucionais, sendo previsto no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. (Souza, 2007, pg. 38). O princípio da ampla defesa e do contraditório está inserido no princípio do devido processo legal. Tal princípio está esculpido no artigo 5º da nossa Carta Magna: “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. (SOUZA, 2007, pg. 40).

Na PMPR o FATD, regido pela Portaria nº 339/2006 do Comando Geral, dá

direito ao contraditório, entretanto a ampla defesa é mitigado, pelo fato de

inicialmente não elencar o efeito suspensivo como meio de trancar a punição

imposta ao militar. Sendo assim cabia-lhe o direito de recorrer, porém o militar

imputado como autor do fato, deveria ser submetido à punição imposta, aguardando

o resultado do recurso.

Os Militares dos Estados são uma espécie de servidores, os quais são

revestidos de peculiaridades que não encontram-se nos servidores dos Entes

Federados, pois é o último esteio do Estado, quando numa situação de crise

institucional, vale dizer, sem essa força não há democracia, segundo Costa.

Os militares são uma categoria especial de servidores públicos em razão de

determinadas atribuições que lhes são conferidas pela Constituição Federal.

Não obstante tenhamos hoje em nosso País duas categorias de militares –

federais e estaduais, com competências e atribuições diferenciadas –, em

sentido amplo, são os militares os únicos servidores que a Lei exige o

sacrifício da própria vida quando do cumprimento do dever. Igualmente, a

natureza dos bens jurídicos tutelados como a autoridade, a hierarquia, a

disciplina, o respeito às instituições militares, o serviço, a função e o dever

militar, é especial em relação a outras normas legais. Esses bens jurídicos

são os valores militares essenciais, que são como verdadeiros princípios

a reger a atividade militar, tendo em vista o cumprimento das atribuições

constitucionais a que estão submetidos os militares – atribuições estas

especialíssimas, pois sempre, em suas missões, o militar lida com bens

jurídicos considerados fundamentais, como a vida e a liberdade das

pessoas. (COSTA, 2013, pg. 3).

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E como esteio da sociedade esse sistema de recurso, sendo somente o

devolutivo, contribuiu por longo período de instabilidade da segurança jurídica, que

todos esperam da justiça, seja ela castrense ou não. O regimento interno deve ser

amplo e irrestrito, alcança a todos, e no Estado do Paraná, a Polícia Militar é regido

pela Lei n.° 1.943, de 23 jun. 54, código da Polícia Militar do Estado do Paraná.

“Art. 1° - A Polícia Militar do Estado, Corporação instituída pela Lei n.° 7, de 10 de agosto de 1854, para a segurança interna e manutenção da ordem no território estadual, é subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Justiça e considerada, de acordo com a legislação federal, força auxiliar, reserva do Exército Nacional, situação esta que a obriga a atender à convocação do Governo Federal, em caso de guerra externa ou grave comoção intestina.”

Assim, o poder disciplinar não pode ser utilizado, com base na

hierarquia e disciplina, com desmandos ao arrepio da lei, albergado pelo manto do

Poder Discricionário da qual a autoridade administrativa é revestido. A

responsabilização do servidor que violou as normas deve ser revestida de

imparcialidade e seguir o devido processo legal.

Inicialmente devemos ter em mente que o princípio da discricionariedade administrativa até a época do Estado de Direito liberal consistia no reconhecimento à Administração da possibilidade de fazer tudo o que a lei não proibia. Com o Estado de Direito social, a Administração passou a estar vinculada à lei, de tal sorte que hoje reina a premissa de que à Administração só é dado fazer aquilo que a lei permite. Conforme se pode verificar, a mudança de paradigma na Administração demandou bastante tempo o que nos leva a afirmar ser totalmente impensável admitir o retorno aos dias atuais à possibilidade de atuação administrativa desvinculadas da lei, o que poderia significar arbitrariedade. (DI PIETRO, 2008, apud HEUSELER, 2014, pg. 8).

O Princípio do devido processo legal visa tornar eficaz e garantir os direitos

aos cidadãos, e elencados na nossa Constituição Federal, assim seriam

insuficientes as demais garantias sem o direito a um processo justo, com regras

claras para a prática dos atos processuais e administrativos. Este princípio traz

outros postulados como o contraditório e a ampla defesa, que garantem a tutela dos

direitos.

O contraditório é o direito que tem as partes de serem ouvidas nos autos, ou

seja, é o exercício da dialética processual, marcado pela bilateralidade da

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manifestação dos litigantes. Já a ampla defesa possui fundamento legal no direito ao

contraditório, segundo o qual ninguém pode ser condenado sem ser ouvido.

Sendo assim, o princípio do devido processo legal com garante ao acusado

um julgamento justo, e dessa forma obter segurança jurídica dos administrados

submetidos ao FATD ou qualquer outro procedimento. Impede a constituição

injustificada de atos prejudiciais, configurando abuso ou desvio de poder.

Corrobora, com esse entendimento os ensinamentos do eminente Cel. PMRR

Valla.

Assim, na vida castrense, não bastam apenas a observância, o acatamento e o cumprimento do dever, muito embora, suficientes para qualquer organização civil, pública ou privada. Ao contrário, as peculiaridades da vida castrense, em razão dos valores a preservar, exigem muito mais deste profissional, ou seja, o acatamento INTEGRAL, o PERFEITO cumprimento do dever e a sua RIGOROSA observância. Por isso, não deixa margem a qualquer interpretação relativa ou acidental, como também, não admite ser baseada ou influenciada por interesses subjetivos, particulares e individuais, decorrentes de preferências filosóficas ou ideológicas. (VALLA, 2004, pg. 4).

A legislação castrense vem aprimorando-se, mesmo que tardiamente,

encontrando lastro no Estado Democrático de Direito, seja o sujeito civil ou militar,

mas visto como pessoa, ser humano, sujeito de direito. Neste viés começa a surgir o

garantismo penal, “disciplina militar”, com o objetivo de submeter o sujeito que

transgrediu a disciplina militar, ao mais justo e legal julgamento.

Segundo Albuquerque, “o garantismo penal é considerado um modelo de

direito penal que visa fortalecer o “direito penal mínimo”3, através de mecanismos

que visam a supremacia dos direitos fundamentais e detrimento da força punitiva do

Estado.”

Ainda de acordo com Albuquerque.

Assim o garantismo penal, visa defender a Constituição e seu rol democrático e de defesa dos direitos humanos, diante das leis infraconstitucionais, bem como das práticas administrativas e jurídicas que muitas vezes não refletem o viés garantista da nossa Lei Maior.

(ALBUQUERQUE, 2011, pg. 11).

3 O Direito Penal mínimo ou princípio da intervenção mínima propõe ao ordenamento jurídico penal uma redução dos

mecanismos punitivos do Estado ao mínimo necessário. Assim, a intervenção penal somente se justifica quando é absolutamente necessária para a proteção dos cidadãos”, (TORRES, 2001).

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O garantismo penal surge como meio que defende um Devido Processo Legal

amplo, amparado constitucionalmente sob o manto dos Direitos fundamentais em

detrimento do poderio punitivo estatal.

Na busca dessa mais ampla e irrestrita aplicação do direito administrativo

militar na PMPR, o Comandante Geral expediu a Portaria 1125/13, que trouxe

pequenas alterações na portaria 339/06, mas do ponto de vista garantista, com

efeitos singulares ao administrado.

2.4 PORTARIA 1125/13 – Efeitos dos Recursos Administrativos Disciplinares

O Procedimento de Apuração de Transgressão Disciplinar instituído pela

PORTARIA DO COMANDO-GERAL Nº 339, DE 27 DE ABRIL DE 2006, regula as

providências necessárias à confecção do Formulário de Apuração de Transgressão

Disciplinar, trazia o entendimento, conforme a regra do direito administrativo, que os

efeitos dos recursos e apenas o devolutivo, contudo não pode ser confundido como

um ato qualquer, mas um ato/fato importante pelo qual passa o administrado,

trazendo e este graves consequências por toda a sua vida.

A presente portaria foi alterada pela Portaria CG nº 1125, de 13 dez. 13,

inserindo o art. 18 A, fazendo com que o recurso tenha os mesmos efeitos do

Código de Processual Penal - CPP, em relação apenas ao efeito devolutivo e

suspensivo. Logicamente, que sendo analisado o recurso disciplinar na esfera

administrativo como a apelação do direito penal:

“Art. 597. A apelação de sentença condenatória terá efeito suspensivo, salvo o disposto no art. 393, a aplicação provisória de interdições de direitos e de medidas de segurança (arts. 374 e 378), e o caso de suspensão condicional de pena.”

Assim ao administrado submetido a procedimento disciplinar, estará mais

seguro, na sua defesa, proporcionando-lhe segurança jurídica, oferecendo a mais

ampla defesa possível.

Art. 18-A. A reconsideração de ato e o subsequente recurso disciplinar decorrente de sanção disciplinar aplicada terão efeitos devolutivo e suspensivo. (Inserido pela Portaria CG nº 1.125, de 13 dez. 13).

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Contudo, ainda pode-se dizer o CG, obstante o mandamento legal da Carta

Maior, oferecendo ao militar os princípios constitucionais da ampla defesa e o

contraditório, poderá ainda, sob o critério do poder discricionário, conceder ou não o

efeito suspensivo do recurso interposto pelo militar submetido ao FATD, de acordo

como o enunciado:

Parágrafo único. Caberá à autoridade com competência disciplinar, analisada a natureza da conduta que ensejou a sanção disciplinar, decidir quanto ao efeito suspensivo para os subsequentes recursos interpostos pelo militar estadual. (Inserido pela Portaria CG nº 1.125, de 13 dez. 13).

O RDE elenca que serão interpostos os seguintes recursos, a reconsideração

de ato, será para autoridade que proferiu a decisão e o recurso disciplinar, à

autoridade imediatamente superior àquela que proferiu a decisão, da mesma forma

a portaria 339/06, refere-se aos mesmos recursos:

Art. 52. O militar que se julgue, ou julgue subordinado seu, prejudicado, ofendido ou injustiçado por superior hierárquico tem o direito de recorrer na esfera disciplinar. Parágrafo único. São cabíveis: I - pedido de reconsideração de ato; e II - recurso disciplinar. (RDE).

Ainda que, havendo essa alteração na legislação intra corporis da PMPR, os

desmandos e arbitrariedades poderão ocorrer, pois o efeito suspensivo da punição

imposta estará vinculada a conduta daquele sofreu a sanção imposta, termo por

demais vago. Assim não há ainda como falar em segurança jurídica na Corporação,

abrindo assim espaços para o vetusto jargão, “para esse a lei, para aquele o rigor da

lei”, que pode, infelizmente, ocorrer no meio militar.

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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As garantias constitucionais aos poucos estão sendo operadas pelas

autoridades administrativas, no âmbito militar. A Portaria que a PMPR apresenta uma

pequena aparência de conformidade ao que a Constituição Federal determina, e que o

procedimento administrativo disciplinar vincula-se aos princípios garantidores da dignidade

da pessoa humana. Inicialmente cabe ressaltar que a PMPR já deveria ter adotado um

regulamento próprio, entretanto utiliza de forma subsidiária o RDE, que é silente ao tratar do

efeito suspensivo. A portaria 1135/13 inova nesse quesito, albergando o administrado sob o

manto dos efeitos devolutivo e suspensivo, proporcionando o contraditório e a ampla defesa.

Quanto a possibilidade do recurso ter efeito suspensivo, a depender da conduta do

militar que foi submetido a sanção disciplinar vai de encontro ao que se pretende o

contraditório e ampla defesa, pois tal decisão, particular de um superior, contraria os

princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, abrindo margem para que o ato

decisório não seja imparcial.

A Revisão da Literatura, traz primeiramente que o acusado e presumidamente

inocente até que a administração pública prove o contrário. Assim o princípio da previsão da

inocência, este que divide o rol de princípios contidos na Carta Maior, garante ao acusado

um julgamento justo, pois a ele é oferecido todos os meios de prova necessários para a sua

defesa, tendo em vista que este será considerado culpado somente após o transito em

julgado da sentença condenatória, seja na esfera penal ou administrativa, que nesse ato

representa a Polícia Militar do Estado do Paraná.

A PMPR, que como todas as instituições militares são o esteio da sociedade,

protegendo o cidadão e o Estado Democrático, tem por base a hierarquia e a disciplina,

conforme enumera a Constituição Federal. No entanto, o respeito e a dignidade superam a

hierarquia e disciplina, pois aquele não é imposto e não pode ser vinculado na decisão do

procedimento administrativo. Não pode a Administração Pública Militar amparada pelos

princípios da hierarquia e disciplina não oferecer ao Acusado um julgamento justo. Isso

desencadeia atos questionáveis na procedimento disciplinar, não oferecendo segurança

jurídica ao acusado, pois o ato pode ser vinculado à hierarquia por meio do poder

discricionário da autoridade coatora.

Em relação ao Decreto Federal 4.346/02, que é utilizado na PMPR de forma

subsidiária, elenca que os recursos postos à disposição do militar que sofreu a sanção

administrativa, são, a reconsideração do ato e o recurso disciplinar, entretanto sem adentrar

nos pormenores do efeito dos recursos, sendo apenas devolutivo. Tal assertiva era o

consagrado pela Portaria 339/06, com os recursos tendo apenas o efeito devolutivo, de

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modo que o militar, mesmo recorrendo da punição imposta, teria que cumpri-la, e sendo

considerado inocente, já teria cumprido a reprimenda, restando apenas a anulação do ato

que puniu o militar da sua ficha pessoal. A portaria 1135/13, inova o efeito dos recursos

inserindo o art. 18 A, esclarecendo de vez que os efeitos dos recursos administrativos serão

devolutivo e suspensivo, proporcionando ao administrado maior segurança jurídica.

Contudo, a que se evidenciar que, mesmo com a alteração proposta, o parágrafo

único do art. 18 A, da portaria 1135/13, deixa uma margem de insegurança, quando propõe

que o efeito suspensivo, nas instâncias recursais superiores, será analisado dependendo da

conduta do administrado, podendo incorrer em abuso do poder discricionário da autoridade

recorrida. O respeito à dignidade do policial, começa a ser percebida pela corporação por

meio do CG, ao editar a alteração objeto de estudo, mas deve avançar, pois quem responde

um procedimento administrativo deve ser tratado com respeito, conforme a legislação, que

deve seguir e estar em relação coerente com a Constituição Federal.

Tendo isso em vista, não se pretende com este artigo esgotar o assunto, mas

traçar, em poucas páginas, linhas gerais que permitam ao leitor encontrar

informações básicas sobre o Procedimento Administrativo Militar.

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REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Marinson Luiz. O “Garantismo Penal” Aplicado ao

Direito Administrativo Disciplinar no Âmbito da PMPR. Disponível em: http://www.aprapr.org.br/wp-content/uploads/pdf. Acesso em: 03/07/2014.

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COSTA, Alexandre Henriques da. Os recursos disciplinares atinentes ao

procedimento disciplinar da Polícia Militar e o poder geral de cautela da autoridade disciplinar. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2259, 7 set. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13456>. Acesso em: 29/06/2014.

COSTA, Rainer Henrique Abreu Riedel da. Militares estaduais e

transgressões disciplinares. In: Jus Navegandi. Disponivel em: http://jus.com.br/artigos/27924: Acesso em: 01/07/2014.

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FORTES, Teixeira. Princípio da Hierarquia. Teixeira Fortes Advogados Associados. Disponível em: <http://www.fortes.adv.br/pt-BR/termo/glossario/178/principio-da-hierarquia.aspx>. Acesso em: 24/06/2014.

HEUSELER, Elbert da Cruz. A força normativa dos princípios aplicáveis à administração pública. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 53, maio 2008. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2633>. Acesso em: 01/07/2014.

________. Lei 1943, de 23 de junho de 1954. Código da Polícia Militar do

Paraná. Disponível em: <http://10.47.0.26/PM1/Legislacao/Leis/Leis_Estaduais/>. Acesso em: 01/07/14.

LIMA, George Marmelstein. A hierarquia entre princípios e a colisão de normas constitucionais - Página 2/2. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2625>. Acesso em: 25/06/2014.

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SILVA, João Paulo Fiuza da. A aplicabilidade do princípio da presunção de inocência ao processo decorrente da comunicação disciplinar. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3041, 29 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/20302>. Acesso em: 26/06/2014.

SILVA, Wesley Borges da. Princípio da presunção de inocência: Caso dos Irmãos Naves. Faculdade Católica de Uberlândia. Disponível em: <http://catolicaonline.com.br/revistadacatolica2/artigosv3n5/artigo11.pdf>. Acesso em: 29/06/2014.

SOUSA, Jair Pereira de. As Nulidades no Processo Administrativo Disciplinar MILITAR. Disponível em: http://www.jusmilitaris.com.br/novo/uploads/docs/nulidadesprocesso.pdf. Acesso em: 05/07/2014.

VALLA, Wilson Odirley. Doutrina de Emprego de Polícia Militar e Bombeiro

Militar. 2ª edição, Curitiba, AVM, 2004, p.4.

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APÊNDICE – LISTA DE SIGLAS

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

CF – Constituição Federal

CG – Comandante Geral

FATD – Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar

RDE – Regulamento disciplinar do Exército

RISG – Regulamento Interno e dos Serviços Gerais