PALAVRAS E ASSOCIAÇÕES: DESAFIOS DAS LÍNGUAS … · DAS PALAVRAS E REGRAS DE STEVEN PINKER ......

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UNIVERSIDADE TECNÓLOGICA FEDERAL DO PARANÁ CENTRO ACADÊMICO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS THIAGO TADEU MARTINS-GABRIEL PALAVRAS E ASSOCIAÇÕES: DESAFIOS DAS LÍNGUAS INGLESA E ALEMÃ PARA A TEORIA DAS PALAVRAS E REGRAS DE STEVEN PINKER MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAÇÃO CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TECNÓLOGICA FEDERAL DO PARANÁ

CENTRO ACADÊMICO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS

ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS MODERNAS

THIAGO TADEU MARTINS-GABRIEL

PALAVRAS E ASSOCIAÇÕES:

DESAFIOS DAS LÍNGUAS INGLESA E ALEMÃ PARA A TEORIA

DAS PALAVRAS E REGRAS DE STEVEN PINKER

MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAÇÃO

CURITIBA

2012

THIAGO TADEU MARTINS-GABRIEL

PALAVRAS E ASSOCIAÇÕES:

DESAFIOS DAS LÍNGUAS INGLESA E ALEMÃ PARA A TEORIA

DAS PALAVRAS E REGRAS DE STEVEN PINKER

Monografia apresentada como requisito parcialpara obtenção do título de “Especialista emEnsino de Línguas Estrangeiras Modernas” nocurso de especialização da UniversidadeTecnológica Federal do Paraná, CampusCuritiba

Orientador: Prof. Dr. Egídio José Romanelli

CURITIBA

2012

À família, aos meus educadores, e a todosaqueles que continuam a buscar o conhecimentopelo simples prazer de conhecer, mesmo quandoessa busca encontra-se subestimada por umasociedade voltada ao consumo.

The formation of different languages and ofdistinct species, and the proofs that both have beendeveloped through a gradual process, are curiouslyparallel. But we can trace the formation of manywords further back than that of species, for we canperceive how they actually arose from the imitationof various sounds.

(Charles Darwin, 1871)

RESUMO

MARTINS-GABRIEL, Thiago T. Palavras e Associações: Desafios das línguas Inglesae Alemã para a teoria das Palavras e Regras de Steven Pinker. 2012. 48 f. Monografia(Especialização em Ensino de Língua Estrangeira Moderna) – Centro Acadêmico deLínguas Estrangeiras, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2012.

Este trabalho examina a regularidade do idioma alemão em contraste com a línguainglesa. Em seu livro, Words and Rules, Steven Pinker dedica um capítulo à idéia deque a língua alemã oferece uma validação a sua teoria das Palavras e Regras. Segundoele, a tendência de regularizar verbos irregulares – holded ao invés de held, ou buyed aoinvés de bought – não se deve ao fato do sufixo -ed ocorrer com muito mais freqüênciano idioma Inglês, mas sim, a uma operação mental distinta responsável apenas pelamanipulação de regras, trabalhando independente da memória. Para comprovar isto,Pinker recorre à língua alemã, onde aparentemente o morfema regular (-t) existe emuma frequência bem menor, e ainda assim, observa-se a regularização de alguns verbos– gesingt ao invés de gesungen.Com o objetivo de examinar os resultados apresentados por Pinker, este estudo faz umaanálise quantitativa dos verbos irregulares em uma lista dos 330 verbos mais usados,tanto no Inglês quanto no Alemão. Em seguida, estuda-se a formação do plural nalíngua alemã a fim de explicar o motivo da freqüente generalização do sufixo -s, mesmoquando este representa a minoria entre os substantivos pertencentes ao idioma.Finalmente conclui-se que, na verdade, os verbos regulares aparecem com umafreqüência muito maior nos idiomas Alemão e Inglês, favorecendo a explicaçãoconexionista de que as pessoas generalizam um certo morfema simplesmente porquesofrem uma exposição maior a ele. Além disso, a contínua invasão de estrangeirismossugere que os alemães são, de fato, bastante expostos a padrões silábicos incomunsacompanhados do sufixo -s, o que torna possível a generalização desse morfema pormeio de associações promovidas pela ação de redes neurais, ao invés de regrassimbólicas.

Palavras-chave: Steven Pinker, Palavras e Regras, Redes Neurais, Conexionismo,Psicolingüística.

ABSTRACT

MARTINS-GABRIEL, Thiago T. Words and Associations: Challenges posed byEnglish and German to Steven Pinker’s theory of Words and Rules. 2012. 48 f.Monografia (Especialização em Ensino de Língua Estrangeira Moderna) – CentroAcadêmico de Línguas Estrangeiras, Universidade Tecnológica Federal do Paraná,Curitiba, 2012.

This work examines the regularity of German compared to the English language. In hisbook, Words and Rules, Steven Pinker dedicates a whole chapter to the idea that theGerman language offers a validation to his words/rules theory. According to him, ourtendency to overregularize some verbs – holded instead of held, or buyed instead ofbought – does not owe to the fact that the suffix -ed occurs much more frequently inEnglish, but to a distinct mental operation responsible for manipulating rules alone,regardless of our memory. In order to prove this, Pinker invokes the German language,where apparently the regular morpheme (-t) occurs less frequently, and yet, it’s possibleto observe some degree of overregularization – gesingt instead of gesungen.With the aim of examining the results presented by Pinker, we conducted a quantitativeanalysis of the 330 commonest verbs in the English and German languages. Next, westudied the plurals in German in order to explain the frequent generalization of thesuffix -s, even when this suffix represents a small minority among the nouns belongingto this language.Finally, our results showed that regular verbs occur in a much higher frequency, both inGerman and English, something that favors the connexionist approach of regularizationby exposure. Besides, the continuing invasion of loanwords suggests that Germans areconsiderably exposed to uncommon syllable patterns followed by the suffix -s, thus itbecomes possible to assume that this morpheme is generalized through associationsoriginated by the work of neural networks, instead of symbolic rules.

Keywords: Steven Pinker, Words and Rules, Neural Networks, Connectionism,Psycholinguistics.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Os onsets mais comuns da língua alemã...................................................... 34Figura 2 - Os codas mais comuns da língua alemã ...................................................... 35

Gráfico 1 - Porcentagem de verbos em um idioma hipotético ..................................... 29Gráfico 2 - Porcentagem de verbos irregulares agrupados........................................... 30

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 82 COMO REPRESENTAR UM PENSAMENTO?................................................. 10

2.1 REGRAS .......................................................................................................... 112.2 CONCEITOS.................................................................................................... 112.3 ANALOGIAS................................................................................................... 122.4 IMAGENS........................................................................................................ 122.5 CONEXIONISMO ........................................................................................... 13

3 COMO APLICAR A TEORIA DAS PALAVRAS E REGRAS? ....................... 154 OS VERBOS MAIS COMUNS DO INGLÊS E DO ALEMÃO ......................... 195 PADRÕES NA FORMAÇÃO DO PLURAL NA LÍNGUA ALEMÃ ................ 346 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 44REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 46

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1 INTRODUÇÃO

Como adquirimos um idioma? Quais são os processos responsáveis pela

transformação dos balbucios de um bebê nos enunciados complexos e coerentes que

realizamos na fase adulta? Essa questão está no cerne de praticamente todos os estudos

envolvendo a Psicolingüística, e como vários pesquisadores já observaram: a maneira

como usamos nosso idioma no dia-a-dia, os erros e acertos que cometemos nas

conversas informais, podem revelar os mecanismos mentais que estão por trás do

processamento de uma língua natural (CORDER, 1967; SELINKER, 1992; JAMES,

1998).

Uma das maiores fontes de erros e confusões para qualquer aprendiz são os verbos

irregulares. Exatamente por isso, o renomado psicólogo Steven Pinker (1999) escolheu

este aspecto da língua Inglesa a fim de elucidar a controvérsia existente entre o modelo

Conexionista – onde dependemos de uma memória associativa para armazenar e acessar

tanto formas regulares quanto irregulares – e a Fonologia Gerativista – na qual a mente

usa um conjunto de regras para derivar todas as formas possíveis a partir de abstrações.

De acordo com a sua teoria das Palavras e Regras, é possível unir o melhor de dois

mundos: por um lado temos o passado de verbos irregulares como went ou bought, que

são armazenados em nossa memória como palavras separadas; com isso lembramos e

relacionamos tais palavras aos seus infinitivos: go e buy. Por outro lado, as formas

regulares não precisam de acesso à memória, pois são derivadas a partir de regras

simbólicas do tipo: *+ed, cujos morfemas devem ser concatenados à raiz de uma

palavra como num algoritmo computacional. Assim, a discussão envolvendo os verbos

irregulares vai além dos limites da Lingüística e oferece uma visão sobre como a mente

humana funciona.

Este estudo tem como propósito examinar algumas das constatações relatadas por

Pinker em seu livro Words and Rules, mais especificamente no capítulo 8 (The Horrors

of the German Language1), onde o autor defende a sua teoria das Palavras e Regras ao

afirmar que o conceito de “regularidade” não é definido pela freqüência em que um

determinado morfema ocorre na língua falada. Segundo ele, a nossa tendência de

regularizar alguns verbos – holded ao invés de held,ou buyed ao invés de bought – não

1 O título foi inspirado num ensaio humorístico escrito por Mark Twain: Die Schrecken der DeutschenSprache, comumente traduzido: Os Horrores do Idioma Alemão.

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se deve ao fato do sufixo -ed ocorrer com mais freqüência no idioma Inglês, mas sim, a

uma operação mental distinta na qual as regras são aplicadas como seqüências de

instruções em um algoritmo, trabalhando independente da memória. Para comprovar

isto, Pinker (1999) recorre à língua alemã, onde aparentemente, o morfema regular (-t)

ocorre em uma frequência bem menor, e ainda assim, observa-se a regularização de

verbos irregulares, como: gesingt, ao invés de gesungen.

No segundo capítulo deste trabalho, os principais modelos cognitivistas são

apresentados com mais detalhes. No terceiro capítulo, demonstramos como a teoria das

Palavras e Regras é utilizada para explicar alguns dos fenômenos que encontramos no

uso de nossa língua. No quarto capítulo, assume-se uma posição conexionista, e então é

feita uma análise quantitativa dos verbos mais usados no Inglês e no Alemão, com o

objetivo de descobrir se os verbos irregulares realmente ocorrem com mais freqüência

na língua alemã. E no penúltimo capítulo estuda-se a influência de padrões fonotáticos

na formação do plural de substantivos alemães, cujo intuito é explicar o motivo pelo

qual observamos a tendência de generalizar o sufixo -s. Para isso, desenvolvemos o

modelo de uma rede neural que se propõe a gerar a pluralização de um substantivo a

partir de padrões encontrados na última sílaba.

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2 COMO REPRESENTAR UM PENSAMENTO?

De acordo com Thagard (2005), a hipótese central da ciência cognitiva é que o

pensamento pode ser melhor compreendido através da representação de estruturas

atuantes na mente e por meio dos procedimentos computacionais que operam sobre

essas estruturas. Embora haja maneiras diversas e por vezes incompatíveis de

caracterizar as representações ou os processos computacionais, a hipótese central é geral

o suficiente para abranger todas as correntes de pensamento na ciência cognitiva,

incluindo teorias conexionistas que fazem uso de redes neurais artificiais para modelar o

pensamento.

A maior parte do trabalhado produzido em ciência cognitiva assume que a mente

possui representações análogas às estruturas de dados encontradas na informática e

procedimentos semelhantes a algoritmos computacionais. Teóricos cognitivistas

propõem que a mente contém tais representações como proposições lógicas, regras,

conceitos, imagens e analogias, utilizando procedimentos como busca, dedução,

correspondência, rotação e recuperação. A analogia dominante entre mente-computador

sofreu uma reviravolta a partir do uso de um outro análogo: o cérebro (GOLDMAN,

1993; JOHNSON-LAIRD, 1998; VON ECKARDT, 1993; STILLINGS, N., et al.,

1995).

Conexionistas propuseram novas idéias para a representação mental ao utilizarem as

conexões neurais como inspiração para estruturas de dados, enquanto que neurônios

disparando e espalhando ativação serviram de inspiração para os algoritmos. Com isso,

a ciência cognitiva passou a trabalhar com uma complexa analogia de 3-vias entre a

mente, o cérebro e os computadores. Mente, cérebro, e computação: cada um pode ser

usado para sugerir novas idéias sobre os outros, pois não há um único modelo

computacional vigente, uma vez que diferentes tipos de computadores e técnicas de

programação sugerem maneiras diferentes em que a mente pode funcionar. Os

computadores que a maioria de nós trabalha hoje são processadores em série,

executando uma instrução de cada vez, mas o nosso cérebro e alguns computadores

modernos são processadores paralelos, capaz de executarem muitas operações ao

mesmo tempo (THAGARD, 2005).

Em seguida encontra-se um resumo esquemático das principais teorias sobre a

natureza das representações que explicam como a mente funciona:

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2.1 REGRAS

Grande parte do conhecimento humano é naturalmente descrito em termos de regras

do tipo SE ... ENTÃO ..., e muitas formas de pensar, como o planejamento, podem

ser modeladas por sistemas baseados em regras. A fonologia gerativista defendida

por Chomsky e Halle (1968) pode ser modelada a partir desta representação.

Padrão explicativo:

Seres-humanos possuem regras mentais.

Seres-humanos têm procedimentos para utilizar essas regras a fim de

pesquisarem em um espaço de possíveis soluções, e/ou procedimentos para a

geração de novas regras.

Procedimentos para a utilização e/ou formação de regras produzem o nosso

comportamento.

Os modelos computacionais baseados em regras têm fornecido simulações

detalhadas de uma ampla gama de experimentos psicológicos, desde a resolução de

problemas envolvendo criptaritmética até a aquisição de habilidades para o uso da

linguagem. Sistemas baseados em regras também têm sido de importância prática na

sugestão de como melhorar a aprendizagem e como desenvolver sistemas de

máquinas inteligentes (THAGARD, 2005).

2.2 CONCEITOS

Conceitos, que em parte correspondem às palavras na língua falada e escrita, são um

tipo importante de representação mental. Há razões computacionais e psicológicas

para o abandono da visão clássica de que os conceitos têm definições rigorosas

(WITTGENSTEIN, 1953). Em vez disso, os conceitos podem ser vistos como

conjuntos de características típicas. A aplicação de conceitos é então uma questão de

conseguir uma correspondência aproximada entre o conceito e o mundo.

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Padrão explicativo:

Seres-humanos possuem um conjunto de conceitos, organizados em faixas que

estabelecem espécies e hierarquias, bem como outras associações.

Seres-humanos possuem um conjunto de procedimentos para aplicação de

conceitos, incluindo difusão, correspondência e herança.

Os procedimentos aplicados aos conceitos produzem o nosso comportamento.

Conceitos podem ser traduzidos em regras, mas agregam informações de forma

diferente do que conjuntos de regras, possibilitando diversos procedimentos

computacionais (THAGARD, 2005).

2.3 ANALOGIAS

Analogias desempenham um papel importante no pensamento humano, em áreas tão

diversas como a resolução de problemas, tomada de decisão, explicação, e

comunicação linguística. Modelos computacionais simulam como as pessoas

recuperam e mapeiam a fonte de análogos, a fim de aplicá-los a situações-alvo.

Padrão explicativo:

Seres-humanos possuem representações verbais e visuais de situações que

podem ser usados como casos ou análogos.

Seres-humanos possuem processos de recuperação, mapeamento e adaptação que

operam nesses análogos.

Os processos analógicos, aplicados à representação de análogos, produzem o

comportamento.

As restrições de similaridade, estrutura e finalidade, superam o difícil problema de

como as experiências anteriores podem ser encontradas e usadas para ajudar com

novos problemas. Nem todo pensamento é analógico, e usar analogias inadequadas

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pode prejudicar o pensamento, por um outro lado, analogias podem ser muito

eficazes em aplicações tais como educação e design (THAGARD, 2005).

2.4 IMAGENS

Imagens desempenham um papel importante no pensamento humano.

Representações pictóricas capturam informação visual e espacial de uma forma

muito mais útil do que longas descrições verbais. Os procedimentos computacionais

apropriados às representações visuais incluem a inspeção, busca, zoom, rotação e

transformação. Tais operações podem ser muito úteis para geração de planos e

explicações em domínios para os quais se aplicam representações pictóricas.

Padrão explicativo:

Seres-humanos possuem imagens visuais de situações.

Seres-humanos possuem processos como a digitalização e a rotação que operam

sobre essas imagens.

Os processos para a construção e manipulação de imagens produzem o

comportamento inteligente.

Imagens podem auxiliar a aprendizagem, e alguns aspectos metafóricos da

linguagem podem ter suas raízes no imaginário. Experimentos psicológicos sugerem

que os procedimentos visuais, tais como digitalização e rotação, empregam o uso de

imagens, e os recentes resultados neurofisiológicos confirmam uma estreita ligação

física entre raciocínio baseado em imagens mentais e a nossa percepção

(THAGARD, 2005).

2.5 CONEXIONISMO

Redes conexionistas, consistindo de nós (neurônios) interligados, são muito úteis

para compreender os procedimentos psicológicos que envolvem processamento

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paralelo distribuído. Tais procedimentos incluem aspectos da visão, tomada de

decisão, seleção de explicações, e construção de significados na compreensão da

linguagem. Modelos conexionistas podem simular o aprendizado através de métodos

que incluem a teoria Hebbiana (1949) e a retropropagação.

Padrão explicativo:

Seres-humanos possuem representações que envolvem unidades de

processamento simples, ligadas entre si por conexões excitatórias ou

inibitórias.

Seres-humanos possuem processos que espalham a ativação entre as

unidades por intermédio das respectivas ligações, bem como processos para

a modificação das ligações.

O processo de difundir a ativação e aprendizagem para as unidades produz o

comportamento.

Simulações de vários experimentos psicológicos têm demonstrado a importância

psicológica dos modelos conexionistas, que são, no entanto, apenas aproximações

grosseiras das reais redes neurais (THAGARD, 2005).

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3 COMO APLICAR A TEORIA DAS PALAVRAS E REGRAS?

No baseball, se uma bola aérea é pega em vôo, ou seja, quando ela ainda não tocou

nenhum outro objeto além do defensor ou seu equipamento, então o batedor deverá ser

eliminado. A isto é dado o nome de fly out. E para um lingüista, o mais interessante é

que ao invés dos torcedores exclamarem: “The batter flew out to center field!”, o que na

verdade ouvimos é:

“The batter flied out to center field!”.

O curioso é que o passado do verbo to fly (voar) é flew. E quando uma vasta quantidade

de pessoas resolve regularizar o passado para “flied”, os lingüistas começam a suspeitar

que algo a mais esteja acontecendo aqui, além da simples memorização de formas

irregulares. O psicólogo Steven Pinker (1999) oferece uma explicação elegante e

convincente para fenômenos dessa natureza. O autor começa exemplificando o verbo

overeat, cuja raiz é eat:

V

eat

Um prefixo é então adicionado a essa raiz, resultando na seguinte estrutura, onde o

primeiro V no topo representa a palavra inteira overeat:

V

prefix V

over eat

Como devemos usar essa nova palavra? Fácil, nós atribuímos a overeat as mesmas

propriedades daquela palavra que se encontra na sua extremidade direita: eat. Portanto,

o passado deve ser overate e não overeated, assim como o passado de eat tem que ser

ate e não eated. E por que podemos fazer isto? Porque tanto eat quanto overeat

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pertencem à mesma classe gramatical – verbo – e, além disso, se referem à mesma

atividade – o ato de comer. Isto vale também para outras palavras compostas, desde que

atendam aquelas duas condições: mesma classe gramatical e referência a uma mesma

ação. Segue-se mais um exemplo: o verbo foresee “prever”, cuja raiz é see “ver”. Nossa

mente rapidamente reconhece esse termo como uma derivação do verbo see, uma vez

que foresee nada mais é do que uma outra forma de ver – quando vemos o futuro. Então

se torna fácil usar este verbo no passado: foresaw, exatamente como o passado de see é

saw. Conclui-se então que uma palavra complexa pode herdar as características

(incluindo formas irregulares) do termo que se encontra em seu cabeçalho, ou head,

como é chamado por Pinker (1999).

O cabeçalho de uma palavra complexa nada mais é do que o termo localizado na sua

extremidade direita, e toda essa transferência de informação, desde o cabeçalho abaixo

da árvore até os galhos mais altos, é mostrada a seguir:

X

X

X

Mas então como podemos representar a estrutura de uma palavra composta cujo

passado não segue as mesmas características de sua raiz? Para explicar isso, usaremos

uma frase extraída do próprio livro de Pinker:

“Once again, Perot grandstanted to the audience.”

Facilmente percebemos que a raiz em questão é o verbo stand, e o seu passado é

stood. Ao corrigirmos, ficaríamos com: “Once again, Perot grandstood to the audience”.

No entanto, nós não devemos corrigir a frase em questão, pois segundo Pinker, nesse

caso faz total sentido usar grandstanded ao invés de grandstood. Exatamente porque

esse verbo não provém de to stand, mas sim de um substantivo: a grandstand, que é

uma espécie de arquibancada. Mas com o passar do tempo, to grandstand se tornou

sinônimo de “apresentar-se diante de uma arquibancada (a grandstand)”. Portanto,

reconhecemos que to grandstand não se refere a uma outra maneira de pôr-se de pé (to

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stand), e com isso o cabeçalho, que até então deveria ser to stand, não pode transferir

suas características para o galho de cima. Vejamos uma forma de representar as

alterações de verbo a substantivo e depois para verbo novamente:

V

N N

V A V A V

stand grand stand grand stand

E agora podemos voltar aos torcedores de baseball que gritam “flied out” ao invés

de “flew out”. Precisaremos nos aprofundar um pouco na história do jogo. Durante a

evolução do baseball, uma bola alta rebatida para longe, recebeu o nome de fly ball

(bola aérea, no português), com o passar do tempo, as pessoas não sentiram mais a

necessidade de usar o ball em fly ball, uma vez que já estava implícito pelo contexto. E

então começaram a chamar uma bola aérea de simplesmente: a fly. Com isso, temos um

verbo que se transformou em substantivo. O problema é que a história não termina por

aí, pois quando uma bola aérea (a fly) é pega em vôo, o batedor deve ser eliminado, e a

essa ação é dado o nome de fly out, ou seja, o jogador é mandado para fora (out) devido

ao fato de terem apanhado sua bola aérea (fly). Agora temos um verbo proveniente de

um substantivo que provém de um outro verbo. E como fly out não se trata de uma outra

maneira de voar (to fly), então por isso passamos a regularizar: “The batter flied out to

center field!”.

V

N N

V V V

fly fly fly

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É como se pudéssemos colocar no papel todos os passos que realizamos quando

estamos falando um idioma. Pinker (1999) então conclui que nossa mente responde a

essas sutilezas porque além de lidarmos com a linguagem através de associações

gravadas na memória (abordagem conexionista), há também uma outra operação mental

na qual as regras são tratadas como a seqüência de instruções em um algoritmo – a

teoria das Palavras e Regras.

Mas por mais elegante que seja essa explicação, nos próximos capítulos citarei

alguns problemas que parecem contradizer certos aspectos da teoria.

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4 OS VERBOS MAIS COMUNS DO INGLÊS E DO ALEMÃO

No capítulo anterior, vimos como a teoria das Palavras e Regras fornece uma

explicação para alguns dos fenômenos que encontramos no uso de nossa língua.

Todavia, não podemos deixar de elucidar alguns problemas:

O primeiro, e mais óbvio, é o fato de existirem verbos que não possuem relação

semântica, ou seja, não se referem à mesma ação, e ainda assim herdam as mesmas

características de seus cabeçalhos. É o caso de to get e to forget. Todos devem

concordar que esquecer (to forget) não se refere a uma outra forma de obter, receber,

conseguir ou qualquer outra tradução que se possa atribuir ao verbo get. No entanto,

assim como o passado de get é got, o passado de forget é forgot, e erros do tipo “I

forgetted” são praticamente inexistentes. O mesmo pode ser dito de to stand e to

understand. Ainda que esses verbos tenham compartilhado alguma relação semântica

durante algum ponto na história, nenhum falante do Inglês Moderno reconheceria tal

conexão nos dias de hoje.

V

V prefix V

get for get

O segundo problema é o que nos leva ao tema central deste trabalho. É difícil

comprovar se uma criança está exclamando “flied out!” porque ela reconheceu que isso

não se trata de uma maneira de voar (to fly) – como é proposto pela teoria das Palavras e

Regras – ou simplesmente porque ela ouve e associa os adultos dizendo “flied” toda vez

que estão assistindo a um jogo de baseball – o que estaria de acordo com a abordagem

Conexionista. Mesmo se pudéssemos comprovar que os primeiros indivíduos a usarem

“flied out” o faziam por reconhecerem uma certa disparidade semântica, ainda assim

não podemos afirmar que toda criança faz isso devido aos cálculos mentais descritos

anteriormente. A Navalha de Occam2 nos obriga a encontrar a explicação mais simples,

e nesse caso, a alternativa conexionista parece mais desprovida de suposições. É a partir

2 A Navalha de Occam é um princípio lógico: a explicação para qualquer fenómeno deve assumir apenasas premissas estritamente necessárias à explicação do fenómeno e eliminar todas as que não causariamqualquer diferença aparente nas predições da hipótese ou teoria.

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daqui que se torna evidente a importância de identificar a freqüência com que um

morfema ocorre na língua falada, pois se no Inglês o sufixo regular do passado (-ed)

ocorre com uma freqüência maior do que qualquer outro verbo irregular, então a

explicação mais simples é a de que estamos generalizando esse sufixo por conseqüência

de uma exposição maior a palavras que terminam em “-ed”. Assim, quando nos

deparamos com verbos novos ou inventados, como: teck ou wug, a tendência será

sempre regularizar (tecked ou wugged) exatamente porque é isso o que acontece na

grande maioria das vezes. O próprio Steven Pinker (1999) parece reconhecer essa

possível vantagem do modelo conexionista:

(...) as long as the regular suffix is both the most common and the mostgeneralizable form, we can never tease them apart and definitively rule out theconnectionists’ suggestion that people are driven by the statistics. We need alanguage that breaks the confound by having a regular pattern found in aminority of words. (PINKER, 1999, p. 215)3

Segundo Pinker (1999), se encontrássemos um idioma cujo sufixo regular (um

equivalente ao -ed), fosse usado na minoria das palavras e ainda assim houvesse uma

tendência a generalizar esse sufixo, então a explicação conexionista sofreria um grande

golpe. E para o autor, o idioma que oferece a forma regular na minoria das palavras é o

Alemão: “Of the thousand commonest verbs in English, a majority, 86 percent, are

regular, but of the thousand commonest verbs in German, a minority, only 45 percent,

are regular.” (PINKER, 1999, p. 217).4

Como não foi possível encontrar essa lista dos mil verbos mais usados em formato

digital, utilizamos nesse estudo os 330 verbos mais comuns do Inglês, de acordo com o

Macmillan Essential Dictionary (por algum motivo, os editores do Dicionário

Macmillan decidiram listar apenas 330 verbos, e por isso, baseamos nosso estudo em

cima desse número). Para compararmos com o idioma Alemão, tivemos que extrair a

mesma quantidade, 330 verbos mais usados em uma lista com 10.000 palavras

disponibilizada no site da Universidade de Leipzig. Vale lembrar que o fato de termos

compilado uma lista menor, não caracteriza uma limitação para a nossa pesquisa, pois à

3 Enquanto o sufixo regular for o mais comum e ao mesmo tempo a forma mais generalizável, nós nuncaconseguiremos separá-los a ponto de descartar a sugestão conexionista de que a mente das pessoas écontrolada pela estatística. Nós precisamos de um língua que quebra com esse padrão ao apresentar osufixo regular na minoria das palavras. (PINKER, 1999 – tradução do autor).4 Dos mil verbos mais comuns do Inglês, uma maioria, 86 por cento, são regulares, mas dos mil verbosmais comuns do Alemão, uma minoria, somente 45 por cento, são regulares. (PINKER, 1999 – traduçãodo autor).

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medida que subimos no ranking dos verbos mais comuns, a tendência é sempre

encontrar mais verbos irregulares do que regulares, característica tanto do Inglês quanto

do Alemão. Ou seja, se como afirmou Pinker (1999), os verbos irregulares do alemão

representam a maioria entre os mil mais populares (55%), então eles devem aparecer

com uma freqüência muito maior quando analisados em uma listagem menor e mais

próxima do topo. Portanto, aqueles que esperam encontrar mais verbos irregulares do

que regulares, não devem se sentir prejudicados por estarmos usando uma lista com

apenas 330 registros.

Mas antes de começarmos nossa comparação dos verbos mais usados entre falantes

do Alemão e do Inglês, precisamos descobrir o que Steven Pinker entende por

“regularidade”:

(...)“Regular” almost always is equated with the pattern folowed by a majorityof words in the language, or with the pattern adopted by newly coined words.But I have been using it in a different sense, one that pertains to the mentalprocesses of speakers rather than to numbers and citations in a dictionary.“Regular” here refers to a rule that speakers treat as the default: an inflectionalpattern they can apply to any word in a category, even if the word has neverbeen stored with that pattern, or with any pattern, in memory. (PINKER, 1999,p. 214)5

De acordo com essa definição, o sufixo -t do Alemão funciona exatamente como o -ed

do Inglês, mesmo que ocorra na minoria das vezes. No alemão padrão (Hochdeutsch),

os verbos possuem três formas: infinitivo, pretérito e particípio. O verbo kaufen

(comprar) segue o seguinte padrão: kaufen-kaufte-gekauft “comprar-comprei-

comprado”. O infinitivo sempre termina em -en ou -n (schlafen “dormir”, tun “fazer”), e

os próprios verbos podem ser classificados em três categorias: Verbos Fracos, Fortes e

Mistos. Schwache verben (verbos fracos) são aqueles que nós consideramos regulares e

podem se apresentar da seguinte forma: no pretérito a terminação -en é substituída por -

te (kaufte) e no particípio geralmente adiciona-se o prefixo ge- e a terminação -t entra

no lugar de -en (gekauft). Starke verben (verbos fortes) são aqueles que nós

chamaríamos de irregulares, pois a raiz da palavra muda de maneira imprevisível, como

por exemplo: treffen-traf-getroffen “encontrar-encontrei-encontrado”. E por último,

5 "Regular" quase sempre é definido como o padrão seguido na maioria das palavras em um idioma, oucomo o padrão adotado por palavras novas. Mas eu tenho usado este conceito em um sentido diferente,um que pertence aos processos mentais dos falantes ao invés de números e citações em um dicionário."Regular" aqui se refere a uma regra que os falantes usam como default: um padrão de declinação quepode ser aplicado à qualquer palavra em uma categoria, mesmo se a palavra nunca foi armazenada namemória com aquele padrão, ou qualquer outro padrão. (PINKER, 1999 – tradução do autor).

22

Gemischte Verben (verbos mistos), como o próprio nome já diz, são aqueles que

compartilham algumas características com os verbos fortes (irregulares) e também com

os verbos fracos (regulares), pois podem assumir a terminação -t mesmo quando alteram

a raiz da palavra: rennen-rannte-gerannt “correr-corri-corrido”. Para todos os efeitos,

estes também devem ser considerados irregulares, uma vez que mudam de maneira

imprevisível.

Finalmente, temos todas as informações necessárias para começar o nosso próprio

levantamento da freqüência em que os verbos irregulares ocorrem entre os verbos mais

comuns, tanto do Inglês quanto do Alemão. Nas páginas seguintes encontram-se duas

listas: a primeira com os 330 verbos mais comuns da língua Inglesa de acordo com o

Macmillan Essential Dictionary, a segunda lista contém os 330 verbos mais usados da

língua Alemã, extraídos de uma pesquisa realizada pela Universidade de Leipzig.

A fim de facilitar a visualização, os verbos irregulares estão em negrito, e ao final de

cada lista encontramos a quantidade assim como a porcentagem da ocorrência dos

verbos irregulares.

23

Os 330 verbos mais comuns da Língua Inglesa (Macmillan Essential Dictionary):

acceptaccountachieveactaddadmitaffectaffordagreeaimallowanswerappearapplyarguearrangearriveaskattackavoidbasebebeatbecomebeginbelievebelongbreakbuildburnbuycallcancarecarrycatchcausechangechargecheckchooseclaimcleanclearclimbclosecollectcome

commitcomparecomplaincompleteconcernconfirmconnectconsiderconsistcontactcontaincontinuecontributecontrolcookcopycorrectcostcouldcountcovercreatecrosscrycutdamagedancedealdecidedeliverdemanddenydependdescribedesigndestroydevelopdiedisappeardiscoverdiscussdividedodrawdressdrinkdrivedrop

eatenableencourageenjoyexamineexistexpectexperienceexplainexpressextendfacefailfallfastenfeedfeelfightfillfindfinishfitflyfoldfollowforceforgetforgiveformfoundgaingetgivegogrowhandlehappenhatehaveheadhearhelphidehitholdhopehurtidentify

imagineimproveincludeincreaseindicateinfluenceinformintendintroduceinviteinvolvejoinjumpkeepkickkillknockknowlastlaughlayleadlearnleavelendletlielikelimitlinklistenlivelookloselovemakemanagemarkmattermaymeanmeasuremeetmentionmightmindmissmove

24

mustneednoticeobtainoccurofferopenorderoughtownpasspayperformpickplaceplanplaypointpreferpreparepresentpresspreventproducepromiseprotectproveprovidepublishpullpushputraisereachread

realizereceiverecognizerecordreducereferreflectrefuseregardrelatereleaseremainrememberremoverepeatreplacereplyreportrepresentrequirerestresultreturnrevealringriserollrunsavesayseeseemsellsendseparate

servesetsettleshakeshallshareshootshouldshoutshowshutsingsitsleepsmilesortsoundspeakstandstartstatestaystickstopstudysucceedsuffersuggestsuitsupplysupportsupposesurvivetaketalk

teachtelltendtestthankthinkthrowtouchtraintraveltreattryturnunderstanduseused tovisitvotewaitwalkwantwarnwashwatchwearwillwinwishwonderworkworrywouldwrite

Total de verbos irregulares (Inglês): 82.Porcentagem: 24,8%.

25

Os 330 verbos mais comuns da Língua Alemã (Universidade de Leipzig):

abgebenachtenakzeptierenanbietenändernangebenanlegenantretenanzeigenarbeitenaufgebenaufnehmenauftretenausfallenausgehenaussehenäußernbauenbedeutenbeendenbefindenbefürchtenbegegnenbeginnenbehaltenbehandelnbehauptenbeitragenbekommenbelegenbemühenbenötigenbenutzenbeobachtenberatenberichtenberücksichtigenberufenbeschäftigenbeschreibenbestätigenbestehenbestimmenbesuchenbeteiligenbetrachtenbetragenbetreiben

bewahrenbewegenbeweisenbezahlenbezeichnenbeziehenbietenbildenbleibenbrauchenbrechenbreitenbringendarstellendauerndefinierendenkendienendiskutierendrängendrohendrückendurchführendurchsetzendürfeneinigeneinsetzeneinstellenempfangenempfehlenentdeckenenthaltenentlassenentscheidenentsprechenentstehenentwickelnerfahrenerfassenerfolgenerfüllenergebenerhaltenerhöhenerinnernerkennenerklärenerlauben

erlebenermittelnermöglicheneröffnenerreichenerscheinenersetzenerstellenerwartenerwerbenerzählenerzeugenerzielenessenexistierenfahrenfallenfassenfehlenfeiernfestenfestlegenfeststellenfinanzierenfindenfliegenfließenfolgenfordernfördernfortsetzenfragenfreienfreuenfühlenführenfürchtengebengefallengehengehörengelangengelingengeltengenießengeratengeschehengestalten

gewinnenglaubengleichengreifengrünenhabenhaltenhandelnhängenheißenhelfenhinnehmenhinterlassenhoffenholenhöreninformiereninvestierenjungenkämpfenkaufenkennenklärenkommenkönnenkontrollierenkonzentrierenkostenkümmernlangenlassenlaufenlebenlegenleidenleistenlernenlesenliebenliefernliegenlinkenlöschenlösenmachenmeldenmögenmüssen

26

nehmennennennutzenöffnenorganisierenpassenpassierenpflegenplanenpräsentierenproduzierenprofitierenprüfenreagierenrechnenrechtenredenreduzierenreichenreisenrettenrichtenrufensagensammelnschaffenschätzenschauenscheinenschickenschlagenschließenschnellenschönenschreiben

schützensehenseinsenkensetzensichernsiebensingensinkensitzensollensondernsorgensparenspielensprechenspürenstammenstärkenstartenstattfindensteckenstehensteigensteigernstellensterbenstimmenstoppenstreitensuchenteilenteilnehmentragentreffen

treibentrennentretentunübergebenüberlassenüberlegenübernehmenüberprüfenübertragenüberzeugenunterscheidenunterstützenuntersuchenverändernverbessernverbindenverdankenverdienenverfolgenverfügenvergebenvergessenverhaltenverhandelnverhindernverkaufenverlangenverlassenverlierenvermeidenvermittelnvermutenverschaffenverschwinden

versehenverstehenversuchenverteidigenvertretenverwendenverzichtenvorlegenvornehmenvorstellenwachsenwählenwahrenwartenwechselnweisenweißenweitenwendenwerbenwerdenwerfenwirkenwissenwohnenwollenwünschenzahlenzählenzeigenziehenzurückkehrenzustimmen

Total de verbos irregulares (Alemão): 127.Porcentagem: 38,5%.

27

Ainda que não representem a maioria, como sugeriu Pinker (1999), os verbos

irregulares alemães aparentemente ocorrem com muito mais freqüência se comparado

com o idioma Inglês. No entanto, um dos propósitos deste trabalho é demonstrar que os

verbos irregulares do Alemão ocorrem em uma freqüência menor ainda do que foi

exposto. Se pudermos realizar isso, então definitivamente qualquer explicação oferecida

pela Teoria Gerativista para a generalização do sufixo -t poderá ser substituída por uma

outra explicação mais simples: a de que as pessoas generalizam o morfema regular

meramente porque estão sofrendo uma exposição maior. Mas antes de seguirmos com a

nossa experiência, precisamos entender um pouco mais sobre os prefixos dos verbos

alemães.

Em vários idiomas adicionamos prefixos a fim de obter novos verbos com diferentes

significados e/ou funções. No Alemão, tais prefixos podem ser separáveis, como por

exemplo, o verbo einladen (convidar) cujo prefixo é ein-, se quisermos usá-lo em uma

frase ele estaria arranjado da seguinte maneira:

“Jürgen lädt mich zur Party in seiner neuen Wohnung ein.”6

A palavra na segunda posição lädt nada mais é do que o verbo raiz (laden “carregar”)

conjugado na terceira pessoa do singular, e então o prefixo ein- é posicionado no final

da sentença, daí o nome Trennbare Präfixe (prefixos separáveis). Naturalmente,

também há os prefixos inseparáveis cuja maneira de usar é dada pelo nome. Vejamos o

verbo bekommen (obter, receber) cujo prefixo é be-:

“In diesem Jahr haben wir viele Geld bekommen.”7

Ainda temos uma terceira classe de prefixos que podem ser tanto separáveis quanto

inseparáveis, mas que mudam de função se forem usados de uma forma ou de outra. É o

caso de durch-, que quando é separável, implica ao verbo raiz a idéia de divisão de um

objeto em duas partes (durchbrechen “quebrar em duas partes”), mas quando é

inseparável, dá a idéia de movimento de um lado a outro (durchschreiten “passar

através”).

6 Jürgen me convida para uma festa em seu novo apartamento.7 Neste ano ganhamos muito dinheiro.

28

Ao final dessa explicação, a primeira coisa que podemos deduzir é que há um uso

extensivo de prefixos pelos alemães. E não seria de se admirar se encontrássemos um

grande número deles em nossa lista dos verbos mais comuns (hinter- em hinterlassen;

auf- em aufnehmen, etc...). A segunda constatação é que, ao adicionarmos um prefixo, o

significado do verbo pode mudar drasticamente, como por exemplo, bekommen (obter,

conseguir, receber – análogo ao get do inglês) e o verbo raiz kommen (vir) não

compartilham nenhuma relação semântica aparente. No entanto, o pretérito de

bekommen é bekam, assim como o pretérito de kommen é kam. Com isso, aquela

explicação de Pinker para o uso de flied out ao invés de flew out certamente não se

aplica ao alemão, uma vez que as pessoas deveriam reconhecer que bekommen não é um

outro tipo de kommen, e então passariam a generalizar o sufixo regular do pretérito -te,

bekommte. Algo que claramente não acontece entre os falantes da língua alemã.

Para colocar de uma outra maneira:

V

V prefix V

kommen be kommen

Se em várias ocasiões, o idioma alemão segue o mesmo padrão da raiz de seus

verbos independente da relação semântica, então podemos assumir que na mente dos

alemães, muitos dos verbos derivados são tratados igualmente. Dessa forma,

aufkommen, bekommen e verkommen serão contados como se fossem um único verbo,

pois seguem o mesmo padrão do verbo raiz, kommen. O que faremos na próxima página

é agrupar todos os 127 verbos irregulares da nossa lista de acordo com as suas raízes,

assim poderemos chegar a um valor conclusivo que represente a porcentagem de verbos

irregulares entre os 330 verbos mais usados. Ao final da lista, encontra-se o total das

raízes dos verbos irregulares, assim como o novo valor percentual:

29

Os 127 verbos irregulares mais comuns da Língua Alemã, agrupados de acordo comsuas respectivas raízes:

beginnenberatenbewegen

bieten raiz: bietenanbieten

bleibenbrechenempfangenempfehlen

entscheiden raiz: scheidenunterscheiden

essen

fahren raiz: fahrenerfahren

fallen raiz: fallenausfallengefallen

finden raiz: findenbefindenstattfinden

fliegenfließenfragen

geben raiz: gebenabgebenangebenaufgebenergebenübergebenvergeben

gehen raiz: gehenausgehen

gelingengeltengenießengeraten

geschehengewinnengleichengreifen

halten raiz: haltenbehaltenenthaltenerhaltenverhalten

hängenheißenhelfen

kommen raiz: kommenbekommen

lassen raiz: lassenentlassenhinterlassenüberlassenverlassen

laufenleidenlesenliegenlöschen

nehmen raiz: nehmenaufnehmenhinnehmenteilnehmenübernehmenvornehmen

pflegen

rufen raiz: rufenberufen

schaffen

scheinen raiz: scheinenerscheinen

30

schlagenschließen

schreiben raiz: schreibenbeschreiben

sehen raiz: sehenaussehenversehen

seinsingensinkensitzen

sprechen raiz: sprechenentsprechen

stecken

stehen raiz: stehenbestehenentstehenverstehen

steigensterbenstreiten

tragen raiz: tragenbeitragenbetragenübertragen

treffen

treiben raiz: treibenbetreiben

treten raiz: tretenantretenauftretenvertreten

tunverbindenvergessenverlierenvermeidenverschwindenwachsen

weisen raiz: weisenbeweisen

wenden raiz: wendenverwenden

werben raiz: werbenerwerben

werdenwerfen

ziehen raiz: ziehenbeziehen

bringendenkenhaben

kennen raiz: kennenerkennen

nennen

Total das raízes dos verbos irregulares: 78.Novo valor percentual: 27,75% = 78*100/(330-(127-78)).

Com isso, demonstramos que os verbos irregulares alemães não apenas representam

a minoria, como foi exposto pela nossa primeira contagem (38,5%), como também se

apresentam em uma quantidade bastante próxima aos verbos irregulares do Inglês

31

quando apenas as raízes dos verbos são levadas em consideração (27,7%). Mas

independente de como realizamos a nossa contagem, está claro que os alemães sofrem

uma exposição maior ao sufixo regular -t, portanto, a explicação conexionista para a

generalização dos morfemas regulares segue sendo aceitável quando nos referimos aos

verbos do Alemão. Por último, vale lembrar que o próprio Steven Pinker (1999)

reconhece essa diferença nos valores quando apenas as raízes dos verbos são

consideradas:

If you collapse all the verbs sharing a root, ignoring the differences in theirmeanings, then the regularity gap narrows even more: 83 porcent of the Germanroots are regular, compared to 91 percent of the English roots. (PINKER, 1999,P. 221)8

Antes de encerrarmos este capítulo, precisamos chamar atenção para mais um

detalhe. Até mesmo se algum dia nos depararmos com um idioma cujos verbos

regulares realmente representem a minoria, teremos que ser cautelosos com relação à

maneira que realizamos nossa contagem. Imaginemos um idioma cujos verbos regulares

representem apenas 40% em uma lista dos 330 verbos mais comuns:

Verbosirregulares

60%

Verbosregulares

40%

Gráfico 1 - Porcentagem de verbos em um idioma hipotético. Fonte: Autoria própria

8 Se reunirmos todos os verbos que compartilham a mesma raiz, ignorando as diferenças em seussignificados, então a diferença relativa aos verbos regulares diminui ainda mais: 83 por cento das raízesalemãs são regulares, comparados com 91 por cento das raízes do Inglês. (PINKER, 1999 – tradução doautor).

32

Ainda assim, não podemos ter certeza que os falantes desse idioma hipotético sofram

uma exposição menor ao sufixo regular, pois como acontece em algumas línguas, os

verbos irregulares seguem certos padrões e podem ser organizados em famílias. É o

caso dos verbos ingleses que seguem o padrão “in-an-un”: sing-sang-sung; drink-drank-

drunk, etc... E dos verbos alemães análogos: singen-sang-gesungen; trinken-trank-

getrunken, etc... Portanto, ao invés de colocarmos todos os verbos irregulares dentro de

um mesmo grupo, devemos dividir a porcentagem dos irregulares de acordo com os

padrões que possam existir. Dessa forma, nosso gráfico poderia assumir a seguinte

aparência:

others 20%

i-a-u 10%

d-t-t 5%

ow-ew-own 15%

er-ore-orn 5%

Verbos regulares - p40%

ive-ove-iven 5%

Gráfico 2 - Porcentagem de verbos irregulares agrupados. Fonte: Autoria própria

Analisando o gráfico sob uma nova perspectiva, percebe-se que o morfema regular

(-p, em nosso idioma hipotético) é na verdade a maioria dentre todas as formas

possíveis. Certamente não chega a ser maior do que todas as outras formas combinadas,

porém mesmo assim representa mais do que o dobro de alguns padrões, como: ow-ew-

own. Então por mais que um idioma apresente uma porcentagem menor de verbos

regulares, não podemos afirmar que os falantes desse idioma estejam sofrendo uma

33

menor exposição ao morfema regular até que seja feita uma análise de possíveis padrões

dentre os verbos irregulares.

Até agora estávamos tratando apenas da regularidade de verbos. No próximo

capítulo falaremos de um outro aspecto fundamental para o nosso estudo: a regularidade

na formação do plural no idioma alemão.

34

5 PADRÕES NA FORMAÇÃO DO PLURAL NA LÍNGUA ALEMÃ

Um dos aspectos mais desconcertantes da língua alemã é a formação do plural. Há

cinco sufixos que podemos adicionar a um substantivo a fim de transformar um singular

em plural: -en, -s, -e, -er, 0 (sem sufixo). Mas além disso, três dos sufixos são as vezes

acompanhados por uma alteração na vogal da palavra, ou seja, devemos acrescentar um

trema na vogal, um processo chamado de umlaut. Ao todo, são oito variedades

possíveis:

0: der Daumen die Daumen “polegares”

0 com umlaut: die Mutter die Mütter “mães”

-e: der Hund die Hunde “cachorros”

-e com umlaut: die Kuh die Kühe “vacas”

-er: das Kind die Kinder “crianças”

-er com umlaut: der Wald die Wälder “florestas”

-en die Straße die Straßen “ruas”

-s das Auto die Autos “carros”

Não há exatamente uma regra que possa nos indicar com clareza quando devemos usar

cada um deles. Inclusive, segundo o trabalho de Wiese (1996) e Wunderlich (1992), as

sete primeiras variedades poderiam ser consideradas formas irregulares. No entanto, o

oitavo sufixo, -s, é diferente por duas razões: 1) é o menos comum entre todas as formas

possíveis para a formação do plural, representando apenas cerca de 4% dos substantivos

alemães; 2) mesmo estando entre a minoria, o sufixo -s parece ser usado como o padrão

toda vez que as pessoas encontram uma palavra diferente. Isso levou a afirmação de que

o plural -s é regular de acordo com a definição de “regularidade” proposta por Steven

Pinker (1999). A partir daí, o autor conclui que há um outro tipo de operação mental

implementando o padrão – uma regra simbólica adquirida (*+s) – independente da

freqüência em que um determinado morfema ocorre em um idioma. Isso poderia colocar

em risco a explicação conexionista de que as pessoas generalizam um certo sufixo

simplesmente porque sofrem uma exposição maior, já que os alemães não estariam

sendo expostos ao sufixo -s o bastante.

Mas seria essa então a prova definitiva em favor da teoria das Palavras e Regras?

Bem, antes de tudo devemos ser cautelosos com algumas afirmações feitas

35

anteriormente. Em primeiro lugar, é possível sim, encontrar certos padrões na formação

do plural que funcionam na maioria dos casos. De acordo com o dicionário Duden

Grammatik9, os seguintes padrões se aplicam a aproximadamente 85% de todos os

substantivos:

Substantivos masculinos e neutros formam o plural acrescentando um -e, ou

não acompanham sufixo. Se a sílaba final da palavra possui um -e (pode ser

tanto -e quanto -e mais consoante), então nenhum sufixo é adicionado.

Substantivos femininos e substantivos masculinos terminados em -e formam o

plural acrescentando o sufixo -en. Se a sílaba final da palavra contém um -e

(pode ser tanto -e quanto -e mais consoante), então -en é encurtado para -n.

Assim, conclui-se que realmente é possível estabelecer uma certa ordem em meio ao

caos aparente dos substantivos alemães. Além disso, percebe-se que a última silaba de

uma palavra exerce um papel de grande importância quando os falantes do Alemão

estão tentando formar o plural de um certo substantivo. Portanto, se pudéssemos

demonstrar que os alemães estão adicionando os sufixos de acordo com padrões

encontrados nas ultimas sílabas de uma palavra, então seria aceitável assumir que eles

estão usando associações gravadas em suas memórias na hora de formarem o plural. Os

conexionistas chamam isso de Memória Associativa, ou seja, memorizamos os outputs

de acordo com cada input, e então passamos a generalizar os outputs a partir de inputs

semelhantes – eliminando assim, a necessidade de estabelecer uma outra operação

mental responsável apenas pela aplicação de regras. Mas antes de realizarmos essa

demonstração, precisamos analisar as sílabas da língua alemã com mais detalhe. Para

isso, faremos uso da fonotática – o estudo da distribuição de fonemas num sistema

lingüístico. No nosso caso, as sílabas estarão dividas em onset (o conjunto de

consoantes inicias), núcleo (a parte mais sonora da sílaba; geralmente uma vogal) e

coda (o conjunto de consoantes finais).

Os núcleos das sílabas alemãs podem ocorrer em 19 variedades: oito vogais curtas

(a, e, i, o, u, ä, ö, ü), oito vogais longas (a:, e:, i:, o:, u:, ä:, ö:, ü:) e três ditongos (ai, oi,

au).

9Duden: Grammatik der deutschen Gegenwartsprache. p.229.

36

Segundo o trabalho de Ruske e Schotola (1978), os onsets (conjunto de consoantes

iniciais de uma sílaba) mais comuns no Alemão são os seguintes:

Figura 1 - Os onsets mais comuns da língua alemã. Fonte: Ruske e Schotola (1978) apud Hess(2003)

E os codas (conjunto de consoantes finais de uma sílaba) mais comuns sãoencontrados a seguir:

37

Figura 2

- Os

codas mais com

uns da língua alemã. F

onte: Ruske e Schotola (1978) apud H

ess (2003 )

38

Ao todo são 48 onsets e 159 codas. Ou seja, apesar do Alemão ser um idioma que

apresenta uma grande variedade de codas e onsets, ainda assim trata-se de um número

pequeno se comparado com todas as formas possíveis de se arranjar as consoantes em

uma sílaba. Isso faz com que seja relativamente fácil identificar as sílabas tipicamente

alemãs, como por exemplo: “schwö”, “lich”, “keit”, “druck”, etc... Isso também quer

dizer que as sílabas de palavras estrangeiras saltarão aos olhos com a mesma facilidade,

e se existem padrões para formar o plural de substantivos tipicamente alemães, então

quando nos depararmos com palavras atípicas ou estrangeiras, teremos que buscar

outros padrões pertencentes a outros idiomas. Uma vez que praticamente todos os

idiomas encontrados ao redor da Alemanha usam extensivamente o plural -s, é apenas

natural considerar que este seria o sufixo associado a palavras diferentes ou com sílabas

atípicas. Na verdade, o próprio trabalho de Pinker (1999) nos oferece essa revelação:

In Old and Middle High German, -s was completely absent. It first appearedwhen plural nouns bearing -s were borrowed from Low German (spoken innorth and east), Dutch, English, French, especially in the eighteenth century. Bythe nineteenth century, speakers started to generalize -s to all borrowed wordsand other “indeclinabilia”. (PINKER, 1999, p. 229)10

É muito arriscado afirmar que os alemães sofrem pouca exposição ao plural -s

simplesmente porque 4% dos substantivos usam esse sufixo. Não podemos esquecer

que ao longo de nossas vidas também somos expostos a outros idiomas. Tal exposição é

tão forte que, como vimos anteriormente, o Alemão Padrão passou a considerar o -s

como um sufixo oficial. E se antes do século 19, os alemães já sofriam essa invasão de

estrangeirismos, o que diríamos então dos dias atuais com os filmes de Holywood, o

Rock n’ Roll e a World Wide Web? Sem contar as aulas compulsórias de Inglês no

colégio. De fato, ao extrairmos os substantivos com o plural -s do dicionário alemão,

fica claro que praticamente todas as palavras extraídas são de origem estrangeira.

A explicação conexionista passar a ser, então, que as crianças alemãs são bastante

expostas ao sufixo -s quando ouvem ou lêem palavras estrangeiras, e isso faz com que

as sílabas atípicas, como: “bon”, “nha”, “la”, “to”, sejam rapidamente associadas à

forma do plural mais utilizada entre os idiomas falados na fronteira da Alemanha. Na

verdade não leva muito tempo para uma criança começar a generalizar, principalmente

10 No Alto-alemão Antigo e Médio, o sufixo -s era completamente ausente. Tal sufixo começou a aparecerquando substantivos plurais com -s foram emprestados do Holandês, Inglês, Francês e do Baixo-alemão(falado ao norte e no leste), especialmente no século dezoito. Por volta do século dezenove, falantescomeçaram a generalizar o -s em todas as palavras emprestadas ou outras palavras "indeclináveis".(PINKER, 1999 – tradução do autor).

39

no caso das palavras terminadas em “a”, “i”, “o”, “u”, pois estas raramente são de

origem alemã e quase sempre assumem o plural -s. Isso faz com que a mínima

exposição a certos substantivos: “pizzas”, “autos”, “iglus”, “kameras”, seja o suficiente

para começarem a aplicar o sufixo -s em uma vasta quantidade de palavras estrangeiras

terminadas com aquelas vogais. Essa também parece ser a explicação para o uso do -s

nos acrônimos, como: CDs ou GmbHs (empresas limitadas da Alemanha). Mesmo que

não haja vogal no final de uma sigla, a maneira como soletramos é o segredo para

entender esse fenômeno, pois tanto no alemão quanto no inglês, pronunciamos a maioria

das consoantes acrescentando um som de vogal. No alemão a letra D é pronunciada

“De” e a letra H é “Ha”, então mais uma vez passamos a generalizar o sufixo -s após o

som de uma vogal.

Aparentemente, a situação mais desafiadora para os conexionistas é a generalização

do sufixo -s em nomes próprios ou em substantivos provenientes de outras classes

gramaticais. Quando por exemplo, um alemão quer se referir à família de Thomas

Mann, há uma preferência por “die Manns”, ao invés de “die Männer” (este último seria

o plural escolhido se estivéssemos falando de “homens” no geral). Aqui a explicação

envolve o significado das palavras. Antes do século 18, quando o plural -s ainda não

havia se estabelecido, os alemães tinham que se referir à família Mann por “die

Männer”, uma vez que as opções alternativas poderiam distorcer os nomes ou passar a

impressão de estarem se referindo a outros substantivos incomuns. Porém, “die

Männer” ainda é obviamente confuso. Estaríamos falando da família “Mann” ou do

substantivo “Mann”? Foi então que o sufixo -s apareceu como uma alternativa

plausível, pois como a maioria das palavras pertencentes ao léxico não aplica esse

sufixo, então não há o risco de se confundirem com as sílabas tipicamente alemãs. O

mesmo vale para substantivos provenientes de outras classes gramaticais, como na

frase: Es gibt viele Abers “Existem muitos poréns”. Se na palavra aber (“mas” ou

“porém”), resolvêssemos aplicar o plural -e ou -er, cairíamos num schwa: abere, aberer.

Se optássemos pelo plural -en, ficaríamos com: aberen. E com o umlaut, teríamos: äber

ou äbern. Assim fica fácil perceber que tais sufixos alteram a pronúncia o bastante para

passarem a impressão de estarmos falando de um outro substantivo qualquer. O -s é a

alternativa que menos altera a pronúncia da palavra, ao mesmo tempo em que sinaliza

claramente a idéia de pluralidade: abers “poréns”. Isso não quer dizer, necessariamente,

que o -s tenha se tornado um morfema regular, significa simplesmente que este é o

sufixo associado a palavras atípicas ou que não pertençam ao léxico do idioma, como no

40

caso de “die Manns” ou “abers”. Além disso, as pessoas não aplicam o sufixo -s toda

vez que encontram algo desconhecido. Se inventássemos um novo substantivo cujos

padrões silábicos sejam tipicamente alemães, como por exemplo: der Fleit, então nesse

caso observaríamos uma preferência pelo plural die Fleiten, e não die Fleits.

Por último, devemos ser capazes de desenvolver um modelo que possa demonstrar

como a última sílaba de uma palavra influencia na formação do plural no idioma

Alemão. Para isso, idealizamos uma rede neural artificial composta de quatro entradas –

inputs – e oito saídas – outputs. Diferentemente de nossos precursores, Rumelhart e

McClelland (1986), não usaremos os chamados Wickelphones11 como inputs para nossa

rede, mas sim subestruturas da própria sílaba: onset (conjunto de consoantes iniciais),

núcleo (a parte mais sonora das sílabas, geralmente uma vogal) e coda (conjunto de

consoantes finais). Assim, a palavra string ficaria dividida da seguinte forma:

Onset Núcleo CodaStr i ng

Com isso, temos todos os inputs para nossa rede:

1. sexo do substantivo (der – masculino, die – feminino, das – neutro) ;

2. onset da última sílaba;

3. núcleo da última sílaba;

4. coda da última sílaba.

E os outputs são as oito variedades possíveis para a formação do plural na língua

alemã:

1. sem sufixo;

2. sem sufixo com umlaut;

3. sufixo -e;

4. sufixo -e com umlaut;

5. sufixo -er;

6. sufixo -er com umlaut;

7. sufixo -en;

8. sufixo -s.

11 Os Wickelphones são seqüências de três fonemas numa palavra entre colchetes, como por exemplo: napalavra “string”, temos seis Wickelphones, [st, str, tri, rin, ing, ng].

41

Para que a rede neural possa funcionar, temos que atribuir um número a cada valor

de entrada ou saída. No nosso caso, quando o substantivo for masculino (der), o valor

do input será: 1, se for feminino (die) será: 2 e se for neutro (das): 3. Mas no caso dos

onsets, núcleos e codas, os números serão bem maiores, pois como vimos

anteriormente, há 48 onsets e 159 codas. Então cada um daqueles itens na Figura 1

receberá valores entre um e 48, assim como os itens da Figura 2 recebem valores de um

a 159. Além disso, temos que atribuir o número 49 aos onsets que nem sequer constam

na primeira figura, ou seja, aqueles que não são tipicamente alemães. O mesmo é feito

com os codas ausentes da segunda figura, atribuímos a eles o valor 160. E quanto aos

núcleos, temos 19 variedades possíveis, então cada uma delas também recebe um

número correspondente. A seguir encontra-se um modelo esquemático:

Inputs Outputs------------------------- --------------------------

sem sufixo

sem sufixoc/ umlaut

sexo [1..3] sufixo -e

onset [1..49] sufixo -ec/ umlaut

núcleo [1..19] sufixo -er

coda [1..160] sufixo -erc/ umlaut

sufixo -en c/umlaut

sufixo -s

42

Após a fase de treinamento de nossa rede, cada um dos outputs recebe um valor decimal

de 0,0000 a 1,0000, sendo que quanto mais próximo de 1, maior a probabilidade de uma

determinada saída. Por exemplo, ao testarmos a palavra das Auto “carro”, ficaremos

com os inputs: 3 (sexo: das – neutro); 14 (onset da última sílaba: T); 4 (núcleo da última

sílaba: O); 1 (coda da última sílaba: Inexistente). E então, durante a fase de teste, o

algoritmo de nossa rede neural será capaz de fornecer os valores probabilísticos para

cada um dos outputs. No caso da palavra das Auto, as saídas poderiam conter valores

próximos aos seguintes:

1. sem sufixo: 0,021;

2. sem sufixo com umlaut: 0,008;

3. sufixo -e: 0,000;

4. sufixo -e com umlaut: 0,000;

5. sufixo -er: 0,000;

6. sufixo -er com umlaut: 0,000;

7. sufixo -en: 0,003;

8. sufixo -s: 0,916.

Como podemos observar, a saída para o sufixo -s é a mais provável, pois contém um

número bem superior aos outros outputs (0,916). Se inventássemos uma palavra cujos

padrões fonotáticos sejam tipicamente alemães, como por exemplo: der Vund –

semelhante a der Hund “cachorro” – então essa mesma rede seria capaz de produzir um

valor maior para a saída 3 (sufixo -e): die Vunde, assim como o plural de der Hund é die

Hunde. Com isso, elimina-se a necessidade de estabelecer outra operação mental

responsável apenas pela aplicação de regras, uma vez que as redes neurais já seriam o

suficiente para acessar tanto as formas regulares quanto as irregulares.

Obviamente, antes de chegarmos a esse nível de precisão, a nossa rede tem que

passar por um processo de aprendizado – uma fase de treinamento – onde alimentamos

os inputs com várias amostras de outros substantivos acompanhados de seus respectivos

sufixos no plural. Na verdade, a maneira como essa rede neural está estruturada facilita

a generalização do sufixo -s, pois qualquer onset ou coda que não estiver entre os mais

comuns da língua alemã (figuras 1 e 2) receberá o mesmo valor. Isso faz com que as

sílabas atípicas de palavras estrangeiras sejam tratadas da mesma forma. Por exemplo,

os substantivos der Piranha e die Handler terão o mesmo onset, uma vez que ambos os

43

conjuntos de consoantes: nh e dl não estão presentes na Figura 1, e portanto receberão o

valor: 49. Como a grande maioria das palavras estrangeiras possui sílabas atípicas e

ainda levam o sufixo -s, logo o número 49 estará associado a qualquer onset incomum

que esteja presente em substantivos com o plural -s. Assim, a abordagem conexionista

nos força a reavaliar o próprio conceito de “regra”. Ao invés de simples instruções em

um algoritmo, as regras devem ser entendidas como o resultado probabilístico de

inúmeras redes neurais trabalhando simultaneamente para formar a nossa Memória

Associativa.

Os oponentes da Teoria Conexionista serão rápidos em afirmar que redes como essa

não podem representar os mecanismos mentais de um bebê, pois estaríamos

pressupondo que as flexões da língua Alemã estão ligadas de maneira inata aos nossos

circuitos neurais. Ou seja, é como se estivéssemos assumindo que uma criança já nasce

com aqueles oito grupos de neurônios reservados para o plural, ou que elas já sabem

quais são as sílabas mais comuns do Alemão. Realmente, o nosso modelo não pode ser

aplicado à mente de um bebê, uma vez que a idéia principal por trás das redes neurais é

a de que novas ligações sinápticas são estabelecidas com neurônios que antes não

estavam conectados a uma determinada rede. E com o passar do tempo, através da

repetição, os circuitos neurais se tornam mais diretos, ágeis e especializados, permitindo

um padrão lingüístico de comportamento. Talvez seja exatamente por isso que as

crianças alemãs não generalizam tanto o sufixo -s quanto os adultos (CLAHSEN et

al.,1992, 1996).

44

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Duas teorias bem distintas se propõem a explicar os mecanismos mentais por trás

do uso das flexões regulares e irregulares: a Fonologia Gerativista – na qual a mente usa

um conjunto de regras para derivar todas as formas possíveis a partir de abstrações – e a

teoria Conexionista – onde dependemos de uma memória associativa para armazenar ou

acessar tanto as formas regulares assim como as irregulares.

No entanto, a teoria das Palavras e Regras pretende unir o melhor de dois mundos.

Tomando como exemplo a regularidade verbal do Inglês, temos a seguinte explicação: o

passado de verbos irregulares como went ou bought são armazenados em nossa

memória como palavras separadas; assim lembramos e relacionamos tais palavras aos

seus infinitivos: go e buy. Por outro lado, as formas regulares não precisam de acesso à

memória, pois são derivadas a partir de regras simbólicas do tipo: *+ed, cujos morfemas

devem ser concatenados à raiz de uma palavra como num algoritmo computacional.

Com isso, a discussão estaria encerrada não fosse pelo fato dos verbos regulares

aparecerem com uma grande freqüência no idioma Inglês. Ou seja, se as pessoas sofrem

uma maior exposição a palavras terminadas em -ed, então é possível afirmar que elas

estão generalizando a forma regular (holded, ao invés de held) simplesmente porque é

isso o que acontece com a maioria dos verbos que encontramos, e não por causa de

alguma regra simbólica. Assim, a freqüência em que ocorre um determinado morfema é

de extrema importância para o nosso estudo. Segundo o psicólogo e lingüista Steven

Pinker (1999), se encontrássemos um idioma cujo sufixo regular (um equivalente ao -

ed) fosse usado na minoria das palavras e ainda houvesse uma tendência a generalizar

esse sufixo, então poderíamos concluir que há uma operação mental distinta, aplicando

os morfemas independente da freqüência em que os ouvimos. E para Steven Pinker, o

idioma que atende a essa condição é o Alemão, pois de acordo com o seu livro Words

and Rules, a forma regular dos verbos no passado (-t) ocorre com uma freqüência menor

do que os irregulares, e mesmo assim os alemães demonstram uma tendência a

generalizar tal sufixo.

Um dos objetivos deste trabalho foi exatamente averiguar esta constatação a fim de

descobrir se realmente a forma regular (-t) ocorre numa freqüência menor. Para isso,

realizamos uma análise dos verbos irregulares em uma lista dos 330 verbos mais usados,

tanto no Inglês quanto no Alemão. Contudo, constatou-se que em ambos os idiomas a

forma regular ocorre na maioria das vezes (75,20% no Inglês e 72,25% no Alemão),

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principalmente quando levamos em conta apenas as raízes dos verbos, como por

exemplo: kommen, ao invés de suas variações, aufkommen, bekommen, verkommen,

etc... São resultados que favorecem a explicação conexionista de que as pessoas

generalizam um certo morfema simplesmente porque sofrem uma exposição maior.

Por último, voltamos nossa atenção para o modo como os alemães aplicam o sufixo

-s na hora de formarem o plural de um substantivo. Este sufixo parece ser especial por

duas razões: 1) é o menos comum entre todas as formas possíveis, representando apenas

cerca de 4% dos substantivos alemães; 2) mesmo estando entre a minoria, o -s

aparentemente é aplicado como o padrão toda vez que as pessoas encontram uma

palavra diferente. No entanto, a contínua invasão de estrangeirismos sugere que os

alemães são muito mais expostos ao sufixo -s do que se pensava – o que torna os

resultados inconclusivos. Mas a fim de nos aprofundarmos nesse assunto, examinamos a

influência de padrões fonotáticos na formação do plural. Para isso, desenvolveu-se o

modelo de uma rede neural que se propõe a gerar a pluralização de um substantivo a

partir de padrões encontrados na última sílaba. Assim, nossa investigação mostrou que

as sílabas tipicamente alemãs são facilmente identificáveis, portanto palavras diferentes

ou estrangeiras – com sílabas atípicas – podem ser associadas ao sufixo -s por meio de

redes neurais. Algo que nos levou a reavaliar o próprio conceito de “regra”, pois ao

invés de simples instruções em um algoritmo, as regras devem ser entendidas como o

resultado probabilístico de inúmeras redes neurais trabalhando simultaneamente para

formar a nossa Memória Associativa.

Finalmente, concluímos que os idiomas Inglês e Alemão não são indicadores

definitivos para a teoria das Palavras e Regras. É necessário continuar a busca por

outros idiomas que possam corroborar essa teoria por meio de recursos lingüísticos.

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