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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação - 1 - O que os elementos de uma homepage dizem sobre o ativismo virtual? Monique Alves Vitorino 1 (UFPE) Resumo: Tendo em vista que a internet apresenta-se, cada vez mais, como uma ferramenta para a mobilização social na discussão de questões que envolvem decisões de cunho ambiental, político e social, neste trabalho objetivamos descrever e analisar a homepage do grupo ativista Avaaz a fim de caracterizar sua ação. Seguimos os pressupostos da análise de gêneros textuais orientados, principalmente, por Swales (2009), Bazerman (2006) e Bezerra (2007). Palavras-chave: homepage, análise de gêneros, ativismo virtual. Abstract: In view of that the internet presents itself increasingly as a tool for social mobilization in the discussion of issues that involve decisions of nature environmental, political and social, this paper aims to describe and analyze the homepage activist group Avaaz, in order to characterize its action. We follow the assumptions of the genre analysis guided mainly by Swales (2009), Bazerman (2006) and Bezerra (2007). Keywords: homepage, genre analysis, virtual activism. Introdução A internet se caracteriza como um meio que oferece variadas oportunidades para a criação de novos canais e configurações de comunicação. A possibilidade de formação de uma teia infinita de debates, a velocidade da circulação das informações e o baixo custo dessa circulação que a internet favorece viabilizaram o surgimento dos novos movimentos políticos que se multiplicam pelo mundo. Organizações Não Governamentais (ONG) e representantes de diversas comunidades, dedicados à luta pela mudança ou manutenção de uma dada situação, potencializaram o alcance de suas reivindicações pelo politicamente 1 Monique Alves VITORINO, Doutoranda Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Programa de Pós-Graduação em Letras [email protected]

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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação

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O que os elementos de uma homepage dizem sobre o ativismo virtual?

Monique Alves Vitorino1 (UFPE) Resumo: Tendo em vista que a internet apresenta-se, cada vez mais, como uma ferramenta para a mobilização social na discussão de questões que envolvem decisões de cunho ambiental, político e social, neste trabalho objetivamos descrever e analisar a homepage do grupo ativista Avaaz a fim de caracterizar sua ação. Seguimos os pressupostos da análise de gêneros textuais orientados, principalmente, por Swales (2009), Bazerman (2006) e Bezerra (2007). Palavras-chave: homepage, análise de gêneros, ativismo virtual. Abstract: In view of that the internet presents itself increasingly as a tool for social

mobilization in the discussion of issues that involve decisions of nature environmental, political and social, this paper aims to describe and analyze the homepage activist group Avaaz, in order to characterize its action. We follow the assumptions of the genre analysis guided mainly by Swales (2009), Bazerman (2006) and Bezerra (2007). Keywords: homepage, genre analysis, virtual activism.

Introdução

A internet se caracteriza como um meio que oferece variadas oportunidades

para a criação de novos canais e configurações de comunicação. A possibilidade de

formação de uma teia infinita de debates, a velocidade da circulação das

informações e o baixo custo dessa circulação que a internet favorece viabilizaram o

surgimento dos novos movimentos políticos que se multiplicam pelo mundo.

Organizações Não Governamentais (ONG) e representantes de diversas

comunidades, dedicados à luta pela mudança ou manutenção de uma dada

situação, potencializaram o alcance de suas reivindicações pelo politicamente

1 Monique Alves VITORINO, Doutoranda

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Programa de Pós-Graduação em Letras [email protected]

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correto, pelo cumprimento dos direitos humanos, pela retidão das ações etc. Nesse

sentido, incorporada às atividades diárias de 1,9 bilhões de pessoas (XAVIER, 2011),

a internet apresenta-se, cada vez mais, como uma ferramenta para a mobilização

social na discussão de questões que envolvem decisões de cunho ambiental,

político e social. O ativismo virtual, ou ciberativismo, se tornou uma das principais

tendências da rede.

“Se em seus primeiros anos de massificação a internet foi uma fronteira

comercial, cultural, comportamental, os últimos tempos vêm desenhando uma

grande rede, cada vez mais consciente do seu potencial político” (NOGUEIRA, 2013,

p. 64) a partir da livre conexão de pessoas e da livre, e virtualmente infinita,

distribuição de informação. As pessoas são provocadas a assumirem um lado em

questões de diversas naturezas; são chamadas à intervenção. Por sua vez, os

internautas têm ao seu alcance de suas mãos a chance de poder intervir na ordem

das determinações políticas e sociais. Pensando na emergência dessa mais nova

potencialidade da internet, neste artigo, objetivamos descrever e analisar a

homepage do grupo ativista Avaaz2 a fim de caracterizar sua ação. Tomamos, pois

os pressupostos da análise de gêneros textuais orientados, principalmente, por

Swales (2009), Bazerman (2006) e Bezerra (2007).

Avaaz é uma plataforma virtual que dá suporte para petições on-line3. Nossa

escolha por esse veículo se justifica por este ser o maior site com essa

característica, com mais de 20 milhões de membros no mundo todo (NOGUEIRA,

2013). Além disso, conforme Bezerra (2007), estudar a homepage como gênero

textual é uma forma de compreender um dos tantos eventos comunicativos

possibilitados pela internet.

2 Na versão em português: http://www.avaaz.org/po/

3 As petições on-line ou abaixo-assinados digitais são disponibilizadas e divulgadas por e-mail e redes sociais e medem o

respaldo popular para as mais diferentes causas (ambientalistas, políticas e sociais).

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Gênero e sua análise

Na interação social do dia a dia, os usuários da língua se constituem não

apenas como falantes, ouvintes, escritores ou leitores, mas, sobretudo, como

membros de grupos sociais, ou seja, “pertencem a organizações, profissões,

comunidades e culturas diversificadas” (SILVEIRA, 2005, p. 34). Essa interação se

dá, essencialmente, por meio de gêneros textuais, os quais “moldam as intenções,

os motivos, as expectativas, a atenção, a percepção, o afeto e o quadro

interpretativo” (BAZERMAN, 2006, p. 102) em que se inserem. Nesse sentido,

compreendemos que um gênero não indica apenas uma forma específica de texto,

mas evoca processos particulares de produção, distribuição e consumo desses

textos – isto é, práticas discursivas nas quais estão incluídos indivíduos que

constroem sentidos e conhecimentos que alteram a vida diária, a prática social. Por

isso, acreditamos que o estudo do gênero textual inserido em seu contexto de

produção e circulação é útil para a compreensão do discurso das esferas que

orientam a interação social, contribuindo para uma melhor apreensão de como as

pessoas operam na sociedade e na cultura.

Neste artigo, o gênero é definido como classe relativamente estável de

“eventos” linguísticos e retóricos tipificados pelos membros de uma comunidade

discursiva a fim de atender e realizar objetivos comunicativos compartilhados

(SWALES, 2004). Além disso, tomamos o gênero como ação social, compreensão que

está atrelada a um posicionamento teórico-metodológico específico, o qual não

deve se furtar a ver o gênero como: i) modos tipificados de agir em situações

recorrentes; ii) artefatos culturais que dizem muito sobre como determinada

cultura configura situações e modos de agir; iii) objetos culturais complexos; iv)

formas de cognição situada (BAWARSHI & REIFF, 2010a).

Quanto mais complexas as relações se tornam com os avanços tecnológicos,

mais “generificada” se torna a vida. Deixando de lado a visão do gênero como

recurso comunicativo isolado, a pesquisa em gêneros textuais se insere numa rede

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complexa, no interior da qual o gênero transita entre diversificadas formas de

expressão pela linguagem. Segundo Bazerman (2006, p. 114), “mudanças na

tecnologia caminham de mãos dadas com os usos mais amplos de novos canais da

comunicação escrita”. Assim, identidades e formas de vida são construídas dentro

dos espaços sociais em desenvolvimento, identificados por atos comunicativos

reconhecíveis.

Nesse contexto, nossa investigação, de caráter qualitativo-interpretativo,

tem como ponto de partida a análise de gêneros de John Swales, para quem

comunidade discursiva, propósito comunicativo e movimentos retóricos norteiam o

estudo. Partimos, portanto, da caracterização da comunidade discursiva conforme

a proposta de Swales (2009), já que, de acordo com Bazerman (2006, p. 118),

grupos ativistas têm seu próprio sistema interno de gêneros, “como também formas

de advocacia pública, formas para a criação e distribuição de informação e formas

de comunicação com o governo”, o que qualifica suas ações em torno de objetivos

comuns. Após esse passo, analisamos os propósitos comunicativos e os moves

realizados pela homepage segundo o modelo proposto por Bezerra (2007), baseado

em Askehave e Nielsen (2004 apud BEZERRA, 2011; 2007), que amplia a análise

swalesiana de gêneros impressos para abranger os gêneros digitais. Destacamos,

contudo, o interesse de Swales no ensino do Inglês especializado para falantes não

nativos em contextos acadêmicos e profissionais, salientando que desvincularemos

os seus conceitos trabalhados aqui desse cenário, com ênfase apenas no quadro

teórico de linha sociorretórica.

Caracterização da comunidade discursiva

Um dos conceitos que delineia a perspectiva de estudos de gêneros de John

Swales é o de comunidade discursiva, que é definida como uma rede sociorretórica

que deve atuar em torno de objetivos comuns. Tais objetivos comuns são a base

para os propósitos comunicativos compartilhados, que são realizados por meio dos

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gêneros textuais. De acordo com Bawarshi e Reiff (2010), as convenções

esquemáticas, sintáticas, lexicais, bem como a lógica subjacente ao gênero são

definidas sob o pano de fundo dos objetivos compartilhados pela comunidade

discursiva.

Swales (2009) apresenta uma reformulação dos critérios que descrevem uma

comunidade discursiva, desenvolvidos por ele nos anos 1990. Segundo o autor, os

critérios foram modificados depois de receberem críticas e sugestões de outros

estudiosos da área, os quais indicavam a ausência da participação individual, dos

papéis sociais, do relacionamento entre as próprias comunidades discursivas.

Assim, “para representar um mundo mais complexo e um tanto obscuro”, Swales

(2009, p. 207-8) diz que uma comunidade discursiva:

1) possui um conjunto perceptível de objetivos. Esses objetivos podem ser formulados pública e explicitamente e também podem ser, no todo ou em parte, aceitos pelos membros; podem ser consensuais; ou podem ser distintos, mas relacionados [...]. 2) possui mecanismos de intercomunicação entre seus membros (não houve mudanças nesse ponto; sem mecanismos, não há comunidade). 3) usa mecanismos de participação para uma série de propósitos: para prover o incremento da informação e do feedback; para canalizar a inovação; para manter sistemas de crenças e de valores da comunidade; e para aumentar seu espaço profissional. [...] 4) utiliza uma seleção crescente de gêneros para alcançar seu conjunto de objetivos e para praticar seus mecanismos participativos [...]. 5) já adquiriu e ainda continua buscando uma terminologia específica.

6) possui uma estrutura hierárquica explícita ou implícita que orienta os processos de admissão e de progresso dentro dela.

De acordo com Swales (2009), o papel da comunidade discursiva é o de

ajudar no ingresso, sobrevivência e progresso do participante novato. Serve

também como auxiliar da investigação de “como e por que o discurso assume as

formas que assume no contexto institucional” (p. 213-4). Portanto, seguindo tais

definições a fim de classificar os ativistas virtuais, particularmente os membros do

Avaaz, como parte de uma comunidade discursiva, identificamos algumas das

características dessa nova concepção, explicitadas na homepage em questão.

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Figura 1: Trecho da Homepage do Avaaz

Fonte: www.avaaz.org/po/. Acessado entre os dias 16 e 17 de julho de 2013

Sobre os objetivos perceptíveis da comunidade discursiva, é possível

localizá-los, explicitamente descritos, no item “Quem somos” do site. Dentre os

principais, está a mobilização on-line para “uma guinada decisiva em momentos de

crise e oportunidade”, em que são destacados valores como união, força,

independência, ética e liderança. Na homepage, a síntese dos objetivos da Avaaz é

vista na definição que é estampada do lado direito da página, no interior de um

quadro cor-de-rosa (Figura 1): “Avaaz é a comunidade de campanhas que leva a voz

da sociedade civil para a política global” (grifo acrescido). Ou seja, o anseio

individual ganha alcance público e global reais, sem bandeiras partidárias ou

sindicais, democraticamente.

Os mecanismos de participação da comunidade são, sobretudo, as petições

de apoio às mais diversas causas, as quais são hospedadas e divulgadas pelo site.

Há, ainda, o link “inicie uma petição”, que garante que qualquer causa será

ouvida. Este recebe saliência considerável na homepage, isto é, localizando-se no

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canto superior direito (Figura 1), pondo em destaque o caráter livre da entrada na

comunidade. Outros links encontrados na homepage que funcionam como

mecanismos de participação são “doação”, “contato” e “conecte com a Avaaz”,

que dispõe o acesso às páginas da comunidade nas redes sociais Facebook e

Twitter. A própria homepage é um ambiente que agrega os participantes,

concentrando os membros e os canais de informação, intercomunicação e

feedback.

Outro importante mecanismo de participação é o cadastramento dos novos

membros. O visitante é convidado a fazer parte de uma comunidade crescente, que

possui filiados em toda parte do globo. Fato evidenciado pela disponibilidade de

versões do site em diversos idiomas e pela contabilização ininterrupta dos

“membros ao redor do mundo”, sempre mostrados em números, de forma

crescente, no quadro rosa do lado direito, logo na abertura da homepage (Figura

1). “Participe agora”, localizado abaixo do número total dos adeptos, transmite a

mensagem de que você não está sozinho, encorajando o cadastramento por meio

do seu endereço de e-mail.

Todos os mecanismos de participação descritos estão ligados, como não

poderia ser diferente, a gêneros que, imbricados, formam o sistema de gêneros do

ativismo virtual. As petições on-line, as notícias e reportagens acessadas através do

link “mídia”, os formulários para cadastramento e criação de campanhas, os

depoimentos, os termos da política de privacidade, entre outros, congregam os

objetivos da comunidade discursiva e capacitam os seus usuários a alcançá-los e a

realizar ações sociais consequentes, sequenciando as atividades e determinando o

modo como os membros se relacionam e atribuem papéis uns aos outros

(BAZERMAN, 2006).

De acordo com Swales (2009), as convenções de gênero dentro da

comunidade discursiva encorajam as pessoas a agir e a falar de determinada

maneira. Pensando na terminologia específica e nos hábitos linguísticos com os

quais os membros se identificam, é fácil constatar na homepage da Avaaz a

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predominância de expressões e verbos performativos com caráter pragmático e

imediatista, como apoie, mobilize-se agora, assine já, participe, salvar, mudar etc.

Além disso, nos depoimentos de participantes que são estampados na página

(Figura 2), os quais mudam a cada atualização ou novo acesso à homepage,

palavras como luta, poder, coletividade, mundo melhor, desafios, idealismo etc.

compõem a atmosfera do novo ativismo, num diálogo com o internauta em que a

indignação, o inconformismo e a união são o motores da organização pela rede

mundial de computadores.

Figura 2: Depoimentos de membros da comunidade Avaaz

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Fonte: www.avaaz.org/po/. Acessado entre os dias 16 e 17 de julho de 2013

Conforme Swales (2009), os hábitos de uma comunidade discursiva revelam

filiação e compromisso. Embora haja objetivos não explicitados ou opacos que

também definem tais hábitos, sabemos que, por meio do gênero, indissociável da

comunidade discursiva (uma forma de vida, nas palavras de Bazerman, 2006),

leitores e escritores se engajam num tipo familiar de interação:

À medida que os participantes se orientam para esse espaço social comunicativo [o gênero], eles adotam o humor, a atitude e as possibilidades de ação daquele lugar – eles vão àquele lugar para fazer as coisas que ali são feitas, para desenvolver as ideias que ali são pensadas, para se sentir como ali se sente, para satisfazer o que ali pode ser satisfeito e para se transformar no tipo de pessoa que ali se pode tornar

(BAZERMAN, 2006, p. 101).

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Moves da homepage

Tomando-se o propósito comunicativo como exatamente “aquilo que os

gêneros realizam na sociedade, admitindo-se, porém, que o propósito de um

gênero não é necessariamente único e predeterminado” (BEZERRA, 2006, p. 70), é

possível constatar, junto a Bhatia (2009) e Askehave e Swales (2009), que há usos

mais ou menos típicos de formas léxico-gramaticais e discursivas que denotam

propósitos comunicativos localizados na estrutura da situação retórica. O propósito

comunicativo determina, portanto, a estrutura e as escolhas de conteúdo e estilo

em gênero textual.

O conceito de movimento retórico (move) está ligado ao de propósitos

comunicativos na medida em que o move serve a um propósito do gênero e

funciona como um bloco de informação do texto que contém um propósito

comunicativo particular menor, que pode ser expresso numa sentença, num

parágrafo ou em mais de um, usando estratégias “que ajudam a construir a rede

argumentativa no nível mais próximo ao micronível” (SILVEIRA, 2005, p. 124). O

movimento retórico serve para veicular os propósitos comunicativos do produtor do

texto, sendo “a chave para se analisar a estrutura retórica do gênero e, assim,

chegar-se a evidências de sua recorrência” (SILVEIRA, 2005, p. 126).

Pensando na homepage enquanto gênero textual, Bezerra (2007) afirma que

a sua análise deve passar tanto pelo modo de leitura, ou seja, vista essencialmente

como texto, quanto pelo modo de navegação, em que é vista como meio. Segue-se,

pois, por uma caracterização do gênero em termos de propósitos comunicativos,

unidades funcionais – moves e links como correspondentes dos moves – e

estratégias retóricas. Nesse sentido, assumimos com o autor que os propósitos

comunicativos da homepage seriam: i) centrais: introduzir/apresentar o site e

possibilitar o acesso ao site; ii) secundários: consolidar/criar uma imagem e

apresentar notícias. E consideramos, ainda, os moves classificados por Askehave e

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Nielsen (2004 apud BEZERRA, 2007, p. 07) para o modo de leitura da homepage,

identificando-os na página da Avaaz, conforme o quadro a seguir:

Quadro 1: Moves, funções e análise na homepage Avaaz

Move Função Homepage Avaaz

Atrair a atenção Configurações que chamem a atenção do leitor ao entrar na

homepage.

Imagens de impacto, principalmente na abertura, em que se vê uma espécie de

painel que exibe alternadamente onze fotos relacionadas às campanhas “em cartaz”. (Cf. Figura 1). Verbos no imperativo e expressões imediatistas: mobilize-se, assine já, chegou a hora da ação.

Saudação Cria uma sensação de boas-vindas. Não há uma saudação explícita. O internauta é chamado à participação imediata: “acontecendo agora”, “assine já”, “mobilize-se agora!”

Identificação do proprietário

Orienta o usuário sobre seus próprios interesses na web.

Logotipo acompanhado do slogan “o mundo em ação”, localizado no canto superior esquerdo da homepage; cores predominantes branco, azul e rosa.

Indicação do conteúdo

Normalmente corresponde ao menu principal.

Links do menu principal: “início” (retorna à homepage), “quem somos”, “destaques”, “mídia”, “doação”.

Detalhamento (selecionado) do conteúdo

Provê informação mais detalhada sobre alguns tópicos listados no menu principal.

Não há.

Estabelecimento de credenciais

Procura estabelecer uma imagem confiável do proprietário.

A contabilização dos membros contínua e crescente; o depoimento positivo de membros desconhecidos e de líderes famosos pelo seu engajamento político (Cf. Figura 2); disponibilização dos termos de uso e da política de privacidade.

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Estabelecimento de contato

Possibilita que o leitor entre em contato com o proprietário.

Link “contato”. Dá acesso a espaço destinado ao envio de mensagens contendo dúvidas, sugestões de campanhas, problemas de acesso etc.

Estabelecimento da comunidade (discursiva)

Permite que usuários frequentes criem uma relação de pertencimento com o site.

Possibilidade de cadastramento, com senha e login a partir da entrada “participe agora” e “inicie uma petição”.

Promoção de outras organizações

Promove outras companhias ou produtos.

Não há.

Bezerra (2007) alerta que tal estrutura de moves não é estanque nem

obrigatória, como podemos ver na análise da homepage da Avaaz. O fato de não

haver, por exemplo, promoção de outras organizações, já é esperado em sites de

teor ativista, como os de organizações como a Avaaz. O movimento é sustentado,

pois, não por publicidade, mas por doações feitas por qualquer pessoa que

simpatize com as causas. Para o autor, mais do que oferecer o sumário do conteúdo

do site, a homepage também pretende despertar o interesse do leitor. Faz isso a

partir do seu conteúdo geral, da configuração das unidades retóricas e dos valores

informativos relacionados com a localização dos elementos, recorrências que

pretendem tornar a navegação “mais amigável”.

Segundo Bezerra (2011, p. 132), “o hipertexto não é algo dado no mundo, mas

o resultado de uma aproximação cognitiva, mais ou menos possibilitada pelas

tecnologias utilizadas na exibição do texto”. Em hipertextos, os propósitos

comunicativos são realizados por meio dos hiperlinks, que devem ser tomados pelos

moves, ou seja, como as unidades funcionais que relacionam entre si as porções

textuais presentes no site.

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Figura 3: Trecho da Homepage do Avaaz

Fonte: www.avaaz.org/po/. Acessado entre os dias 16 e 17 de julho de 2013

Assim, observando-se a homepage em questão, ao descermos a barra de

rolagem (Figura 3), encontramos as campanhas que convidam à mobilização4,

seguidas de uma elaboração explicativa como o lide de uma notícia, convidando à

intervenção. Dispostas em colunas, vemos a porção de texto verbal acompanhada

de uma imagem, do rótulo “mobilize-se”, na coluna da esquerda, do título da

campanha e da expressão “chegou a hora da ação”. Estes três últimos elementos,

escritos com fonte cor-de-rosa, mais a imagem, são todos objetos clicáveis e

4 Acessada entre os dias 16 e 17 de julho de 2013, as campanhas disponíveis eram as seguintes: “A democracia que

queremos”, “Escola para todas as crianças”, “Voto aberto já”, “30 meses para salvar o planeta”, “Em defesa de Edward Snowden”, “Uma chance de um trilhão de dólares”, “Monsanto vs Mãe Terra”, “Poucas horas para barrar a terrível lei contra gays em Uganda”e “Apoie os Masai”.

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direcionam sempre para a mesma página da ação correspondente, seja a

mobilização para arrecadar doações para salvar o Ártico, ou a petição “Em defesa

de Edward Snowden”. Aqui, podemos tomar a cor da fonte destes elementos como

uma estratégia retórica que serve de guia para o leitor. Assim, a informação dada

introduz o tema da campanha/petição, antecipando-a parcialmente, que só será

conhecida de fato se o leitor aceitar a sugestão das imagens ou dos links

encontrados nas palavras cor-de-rosa. O leitor decide se vai tomar conhecimento

ou não da informação completa, clicando.

Acerca da leitura em hipertextos, Bezerra (2007, p. 4) diz que “uma vez que

cada usuário da rede acessa os textos de um modo particular, explorando os

recursos próprios do hipertexto (links), os papéis de autor e leitor também diferem

bastante em relação aos papéis convencionais”. Isto quer dizer que, mesmo

seguindo uma disposição linear, a orientação da leitura de uma homepage é livre. A

disposição das campanhas em colunas e a cor da fonte dos links que dão acesso a

elas (cor-de-rosa) são convenções do gênero que podem ajudar, mas não

determinar a ordem da leitura. Por outro lado, tais convenções servem para impor

uma aparência de credibilidade e confiabilidade às informações, no intuito de

convidar o leitor a se engajar numa cultura da indignação.

Considerações Finais

O ativismo tem oferecido um lugar privilegiado para a formação de cidadãos.

Com o alcance que a internet oferece e as suas potencialidades, qualquer um pode

ser ativista, desde que sua causa seja exibida em algum veículo que vai garantir o

suporte e a circulação necessários. O resultado disso é que pode ser um tanto

obscuro. A análise da homepage da Avaaz revelou que, mais importante do que os

resultados é a própria mobilização. A ausência, na homepage, de links que

direcionem o leitor para acessar outros espaços e informações sobre os eventos

motivadores das mobilizações e para os resultados alcançados por campanhas

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antigas coloca em evidência a unilateralidade dos pontos de vista postos em

questão.

De acordo com Bazerman (2006, p. 115),

A regularidade da lei significou que a cidadania foi definida cada vez mais em termos do compromisso com regras abstratas e em obediência a essas normas – obediência às leis, às responsabilidades, aos direitos e aos privilégios – em vez do compromisso pessoal com os líderes individuais e

familiares.

Esta é a realidade baseada na ética e nas ações altruístas individuais

pregadas pelas comunidades de ativistas, cada vez mais acessíveis. Assim, o ato de

acessar uma petição, lê-la (ou não), assiná-la e compartilhá-la torna o internauta

membro de uma crescente comunidade discursiva com objetivos bem definidos,

ligados à expressão da cidadania e à conquista de novos membros.

Porém, o exercício de tal cidadania precisa ser não só incentivado como mais

bem discutido, para que as ações não se tornem vazias e sejam mais do que um

simples click. Pensando em como promover isso, é importante que, no contexto

educacional para uma alfabetização virtual, seja elevado o nível dos debates

surgidos na internet ou levados para o seu interior, perguntando-nos: o que os

alunos andam lendo e reproduzindo? Sobre petições e campanhas com teor político-

social, eles se informam antes de assinar/se engajar? Eles comentam sobre os temas

em questão? Como é possível melhorar a participação dos nossos alunos na onda

ativista? Essas e outras questões podem desempenhar um papel fundamental na vida

política do futuro.

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Universidade Federal de Pernambuco NEHTE / Programa de Pós Graduação em Letras CCTE / Programa de Pós Graduação em Ciências da Computação

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