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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito FISCALIDADE E EXTRAFISCALIDADE: em busca de uma distinção adequada ao contexto da Constituição de 1988 FLÁVIA RENATA VILELA CARAVELLI BELO HORIZONTE 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito

FISCALIDADE E EXTRAFISCALIDADE: em busca de uma dis tinção adequada ao

contexto da Constituição de 1988

FLÁVIA RENATA VILELA CARAVELLI

BELO HORIZONTE

2010

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Flávia Renata Vilela Caravelli

FISCALIDADE E EXTRAFISCALIDADE: em busca de uma dis tinção adequada ao

contexto da Constituição de 1988

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Direito.

Orientador: Marciano Seabra de Godoi

BELO HORIZONTE

2010

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FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Caravelli, Flávia Renata Vilela C262f Fiscalidade e extrafiscalidade: em busca de uma distinção adequada ao contexto

da Constituição de 1988 / Flávia Renata Vilela Caravelli. Belo Horizonte, 2010. 153 f. Orientador: Marciano Seabra de Godoi Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. Bibliografia 1. Direito tributário. 2. Tributos – Finalidades e objetivos. 3. Brasil.

Constituição (1988). I. Godoi, Marciano Seabra de. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 336.2.022

Bibliotecária: Erica Fruk Guelfi - CRB/MG 6/2068

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Flávia Renata Vilela Caravelli

FISCALIDADE E EXTRAFISCALIDADE: em busca de uma dis tinção adequada ao

contexto da Constituição de 1988

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Direito, área de concentração Direito Público,

linha de pesquisa “Estado, Constituição e Sociedade no

paradigma do Estado Democrático de Direito”.

__________________________________________

Marciano Seabra de Godoi (orientador) – PUC MINAS

__________________________________________

Flávio Couto Bernardes – PUC MINAS

__________________________________________

Carlos Palao Taboada – UNIVERSIDAD AUTÓNOMA DE MADRID

Belo Horizonte, 8 de abril de 2010.

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AGRADECIMENTOS

Poder agradecer é uma bênção divina. Em primeiro lugar, por natural, pelo próprio benefício alcançado. Mas não é só. O simples fato de haver a quem agradecer é uma das razões mais importantes para ser grato na vida. Agradecer é também uma preciosa oportunidade de exercitar a humildade, evitar a soberba e compartilhar a alegria. (BARCELLOS, 2002)

Agradeço a Deus e a minha querida Mãe divina por mais uma, dentre tantas bênçãos,

que a todo momento são a minha vida dedicadas. A certeza da presença e guia desde o início

de caminhada só aumenta a confiança, a fé e a entrega de tudo que sou e serei, aos seus

cuidados.

Agradeço ao meu orientador, Professor Marciano Seabra de Godoi. Primeiramente, já

há muito o admirava como profissional do direito. A oportunidade de ter podido cursar, ainda

como aluna não regular do curso de pós-graduação, a disciplina “Jurisprudência

constitucional tributária” foi um presente que não só aumentou a minha admiração, agora

como professor e acadêmico, como transformou o meu ponto de vista acerca da forma de

pensar o direito tributário. O seu equilíbrio e imparcialidade ao avaliar criticamente as

decisões do Supremo Tribunal Federal em relação às grandes questões que envolvem os

tributos, abalaram as convicções de uma advogada tributarista acostumada a simplesmente

buscar soluções que atendam ao interesse de clientes. O estudo da justiça tributária e do

fundamento do dever de contribuir, na disciplina “A face fiscal do Estado Democrático de

Direito”, constituiu a base filosófica e ideológica que fundamentaram a minha pesquisa. A

escolha do Professor Marciano como orientador não foi certamente um mero acaso. Hoje

posso afirmar que foi a maior conquista neste caminho. Agradeço-lhe por possibilitar e

contribuir de forma substancial para o desenvolvimento e conclusão deste estudo.

Ao Professor Álvaro Ricardo de Souza Cruz agradeço também a formação do

pensamento crítico, a valorização da base filosófica na fundamentação da dogmática jurídica.

O conhecimento da linha de pesquisa da instituição foi por ele introduzido, além do preparo

para a aprovação no concurso de ingresso no programa.

A ideia inicial do presente trabalho surgiu das aulas de direito tributário no Programa

de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica, nas quais o Professor Paulo Coimbra

me oportunizou conhecer e me interessar pelo tema da extrafiscalidade. Deixo-lhe o meu

agradecimento.

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A minha querida mãe, Maria Edna Rosa Marques, agradeço a criação e o incentivo

palpitante para a formação profissional. Ao meu pai, Pedro Cândido Vilela, agradeço o

exemplo de profissional ético e incansável na busca pelo conhecimento.

Ao Fábio Caravelli, meu marido, agradeço a tranqüilidade necessária para me entregar

aos estudos. A sua compreensão foi fundamental para o término da pesquisa.

Ao meu amigo e sócio, Júlio César Baeta Neves, quero agradecer a compreensão pela

ausência do escritório durante três longos anos, o que só um verdadeiro amigo seria capaz de

compreender, possibilitando-me realizar mais um sonho.

Sou grata ainda aos companheiros de escritório, que envidaram todos os esforços para

me disponibilizar o tempo necessário à conclusão desta etapa, especialmente a Drª. Bruna

Neves. Ao sócio “empresarial” Miguel dos Santos, quero agradecer a compreensão e a

autorização para mudanças estratégicas de horários que possibilitaram a fluência dos estudos,

bem como afirmar a admiração que por ele tenho como grande e equilibrado empreendedor.

Ao meu irmão, Leonardo Marques Vilela, agradeço o companheirismo de sempre, os

esforços para possibilitar o ingresso no programa e, especialmente, o apoio e engajamento

para o caminho que será trilhado daqui para frente.

Minha cunhada e amiga Aline Aguiar Mendes Vilela, como já tantas vezes por mim

repetido, mereceria não apenas uma menção neste breve agradecimento, mas uma seção da

dissertação. Brincadeiras à parte, sua disponibilidade infinita, seu doce e meigo amparo nos

momentos difíceis, seu incentivo nos momentos bons, a experiência acadêmica repassada de

forma leve, o desejo de sucesso estampado em todas as conversas e sorrisos, foram

fundamentais para chegar até aqui. A admiração pela sua pessoa e profissional me inspiraram

do início ao fim deste caminho.

Ao querido Professor Rosalvo Pinto, por quem minha admiração pessoal e profissional

cresce a cada momento, quero agradecer pelo ato generoso e desprendido de revisar o texto

deste trabalho. Aos colaboradores, especialmente Janaína Aguiar, também fica o meu

agradecimento.

Aos amigos Tatiana Neves, Viviane Jabour, Adriana Silva, Alessandra Costa e Pedro

Paulo Raimundi agradeço os momentos de relaxamento necessários à fluência do trabalho e a

atenção às angústias divididas e compreendidas. À Maira Campolina, além disso, agradeço a

troca de experiências durante todo o percurso da pesquisa: a sua leveza e tranquilidade, ao

lado da segurança pessoal e profissional, foram inspiração para prosseguir.

Às amigas que fiz nesta caminhada, Andréa Karla Ferraz e Débora Cardoso de Souza,

agradeço a oportunidade de, juntas, aprender e dividir o conhecimento, além das angústias e

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alegrias muitas vezes compreensíveis apenas por quem vive o mesmo processo. Agradeço

ainda aos colegas do mestrado, em especial Luciana Goulart, Thiago Bregunci, Leonardo

Varella, Alfredo Vasconcellos, Marcos Antônio e a todos que contribuíram de alguma forma

para o meu ingresso no programa e para a conclusão deste trabalho.

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Eles ergueram a Torre de Babel

Para escalar o Céu,

Mas Deus não estava lá!

Estava ali mesmo, entre eles,

Ajudando a construir a torre.

(Mário Quintana, Construção)

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RESUMO

A dissertação objetiva a busca de uma adequada distinção entre a fiscalidade e a

extrafiscalidade, sob o prisma da Constituição de 1988, promulgada no paradigma do Estado

Democrático de Direito. Tratar o fenômeno da fiscalidade e da extrafiscalidade envolveu a

compreensão das correntes doutrinárias que as conceituam, a análise das normas tributárias

vigentes e dos seus efeitos e a verificação do seu tratamento pela jurisprudência. A partir

desse estudo, concluiu-se que os conceitos de fiscalidade e extrafiscalidade, trabalhados sob a

forma de contraposição pela doutrina em geral, partem de um equívoco metodológico,

arraigado em concepções superadas do Estado Liberal, como a teoria do “interesse tutelado”

pela norma tributária, o que se buscou desconstruir na pesquisa para, ao final, propor uma

definição dos institutos que seja compatível ao contexto da Constituição de 1988. A

fiscalidade e a extrafiscalidade devem ser vistas como funções da norma tributária, em

enfoque pragmático que se interessa pela aptidão da norma a produzir resultados. A

fiscalidade envolve a função arrecadatória, essa não apenas relacionada ao “simples”

abastecimento dos cofres públicos, mas dotada das características necessárias para atender à

teleologia da Constituição de 1988 e à função do sistema tributário nesse contexto,

especialmente a promoção de uma sociedade livre, justa e solidária. Envolve, ainda, a função

distributiva, no sentido de se repartir de forma justa a carga tributária estatal na sociedade. A

extrafiscalidade, por sua vez, envolve a função indutora de comportamentos lícitos do

contribuinte ou de terceiros, visando à promoção de um bem ou direito constitucionalmente

legítimo.

PALAVRAS-CHAVE: DIREITO TRIBUTÁRIO, FISCALIDADE, EXTRAFISCALIDADE,

CONSTITUIÇÃO DE 1988.

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RESUMEN

El objetivo de esta disertación de maestría es la búsqueda de una adecuada distinción entre la

fiscalidad y la extrafiscalidad, bajo el prisma de la Constitución de 1988, promulgada en el

paradigma del Estado Democrático de Derecho. Tratar el fenómeno de la fiscalidad y de la

extrafiscalidad involucró la comprensión de las corrientes doctrinarias que las conceptualizan,

el análisis de las normas tributarias vigentes y de sus efectos y la verificación del tratamiento

del tema por la jurisprudencia. A partir de ese estudio, se concluyó que los conceptos de

fiscalidad y extrafiscalidad, trabajados bajo la forma de contraposición por la doctrina en

general, parten de un equívoco metodológico, arraigado en concepciones superadas del Estado

Liberal, como la teoría del “interés tutelado” por la norma tributaria, lo que se buscó

desconstruir en la investigación para, al final, concluirse por la definición de los institutos que

se entienden compatibles al contexto de la Constitución de 1988. La fiscalidad y la

extrafiscalidad deben ser vistas como funciones de la norma tributaria, en enfoque pragmático

que se interesa por la aptitud de la norma a producir resultados. La fiscalidad involucra la

función recaudatoria, esa no solo relacionada al “simple” abastecimiento de las arcas públicas,

sino también dotada de las características necesarias para atender a la teleología de la

Constitución de 1988 y a la función del sistema tributario en ese contexto, especialmente la

promoción de una sociedad libre, justa y solidaria. Involucra, todavía, la función distributiva,

en el sentido de repartirse de forma justa la carga estatal en la sociedad. La extrafiscalidad,

por su vez, involucra la función inductora de comportamientos lícitos del contribuyente o de

terceros y pretende la promoción de un bien o derecho amparados por la constitución.

PALABRAS-CLAVE: DERECHO TRIBUTARIO, FISCALIDAD, EXTRAFISCALIDAD,

CONSTITUCIÓN DE 1988.

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LISTA DE SIGLAS

ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade ADIMC – Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade AFRMM - Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira CTN – Código Tributário Nacional ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de comunicação II – Imposto de Importação IE – Imposto de Exportação IGF – Imposto sobre Grandes Fortunas IOF – Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados IPTU – Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana IPVA – IMPosto sobre a Propriedade de Veículos Automotores IRPF - Imposto de Renda Pessoa Física IRPJ – Imposto de Renda Pessoa Jurídica ISSQN – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis e Direitos Reais sobre Imóveis ITCD – Imposto sobre a Transmissão “causa mortis” e Doação ITR – Imposto Territorial Rural Simples Nacional – Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte RE – Recurso Extraordinário STF – Supremo Tribunal Federal

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................13 2 FISCALIDADE E EXTRAFISCALIDADE: APROXIMAÇÃO INICI AL ..................15 2.1 O conceito da fiscalidade e da extrafiscalidade na doutrina ........................................15 2.2 Distinção entre a fiscalidade e a extrafiscalidade ..........................................................20 2.3 A problematização da fiscalidade e da extrafiscalidade voltada ao princípio da capacidade contributiva: análise da doutrina espanhola ...................................................23 2.4 Critérios de distinção .......................................................................................................33 2.4.1 Finalidade .......................................................................................................................33 2.4.1.1 Aspectos subjetivos ....................................................................................................33 2.4.1.2 Aspectos objetivos ......................................................................................................35 2.4.2 Capacidade contributiva ................................................................................................36 2.4.3 Funcionalidade ..............................................................................................................38 2.5 Funções da norma tributária segundo a doutrina ........................................................40 2.6 Proposta de classificação .................................................................................................41 2.7 Relevância da distinção ...................................................................................................42 3 FISCALIDADE ...................................................................................................................44 3.1 Fiscalidade como interesse “meramente arrecadatório”: a “teoria do interesse” tutelado nos moldes do Estado liberal e de acordo com a visão “liberista” .....................44 3.1.1 A teoria do “interesse tutelado” pela norma tributária: finalidade arrecadatória nos moldes do Estado liberal .........................................................................................................45 3.1.2 Liberistas x liberais ........................................................................................................46 3.2 Mito do tributo como instrumento de “abastecimento dos cofres públicos”: necessária desconstrução da finalidade arrecadatória no paradigma do Estado Democrático de Direito ..........................................................................................................49 3.2.1 A evolução do papel do sistema tributário nos diferentes paradigmas de Estado........49 3.2.2 Qualificação do vínculo jurídico da obrigação tributária e fundamento do dever de contribuir..................................................................................................................................53 3.3 O papel do sistema tributário na Constituição de 1988.................................................56 3.3.1 Ideologias dialeticamente adotadas................................................................................57 3.3.2 Objetivos e metas detalhadamente positivados: opção do constituinte pela Constituição Dirigente.............................................................................................................60 3.3.3 Interpretação sistemática da Constituição e as funções do Direito Tributário..................................................................................................................................62 3.4 Conceito de fiscalidade ....................................................................................................67 3.5 Análise de casos práticos .................................................................................................71 3.5.1 Legislação infraconstitucional ......................................................................................71 3.5.2 Constituição de 1988: imunidades ................................................................................73 4 EXTRAFISCALIDADE .....................................................................................................78 4.1 Da natureza jurídico-tributária das normas extrafiscais .............................................78 4.2 Conceito de extrafiscalidade............................................................................................80 4.2.1 Indução de comportamentos através do manejo do tributo: agravamento, minoração, exclusão, remanejamento .......................................................................................................83 4.2.2 Licitude do comportamento estimulado: conformidade com o art. 3º do CTN............86 4.2.3 Destino da arrecadação: fator irrelevante para a conceituação da extrafiscalidade...89

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4.2.4 Análise crítica dos conceitos doutrinários sobre a extrafiscalidade ............................92 4.3 Extrafiscalidade e os limites constitucionais ao poder de tributar ..............................93 4.3.1 Princípio da legalidade ..................................................................................................96 4.3.2 Princípio da anterioridade .............................................................................................98 4.3.3 Princípio da irretroatividade ..........................................................................................99 4.3.4 Princípio do não confisco ............................................................................................101 4.3.5 Princípio da igualdade e capacidade contributiva ......................................................103 4.3.6 Imunidades ...................................................................................................................111 4.4 Legitimidade ...................................................................................................................114 4.4.1 Fins buscados pela norma extrafiscal: conformidade com o ordenamento jurídico. Análise dos chamados impostos moralizadores ...................................................................114 4.4.2 A questão da função extrafiscal como aptidão para induzir comportamentos e produzir resultados quanto ao bem jurídico prestigiado ....................................................120 4.4.3 Razoabilidade: a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o controle de legitimidade da extrafiscalidade face ao princípio da igualdade ........................................127 4.5 Algumas considerações sobre a vantagem do uso de técnicas indutoras...................131 5 CONCLUSÕES .................................................................................................................136 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................143

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1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa foi desenvolvida na área de concentração em direito

público, na linha de pesquisa “Estado, Constituição e Sociedade no Paradigma do

Estado Democrático de Direito”. O trabalho tem como tema e objetivo geral o estudo da

fiscalidade e da extrafiscalidade, buscando-se uma distinção adequada dos institutos sob

o prisma e no contexto da Constituição de 1988, inserida no atual paradigma do Estado

Democrático de Direito.

Tratar o fenômeno da fiscalidade e da extrafiscalidade envolve a compreensão

das correntes doutrinárias que as conceituam, a análise das normas tributárias vigentes e

dos seus efeitos, a verificação do seu tratamento pela jurisprudência, bem como a

definição de regime jurídico próprio aos institutos, o que confere a possibilidade de se

afastarem ou mitigarem princípios limitadores do poder de tributar em se tratando das

normas extrafiscais.

O estudo da fiscalidade e da extrafiscalidade envolve o debate de questões

complexas nos diversos ramos do conhecimento e é objeto de dissenso na comunidade

jurídica, o que desperta interesse em sua compreensão, especialmente através da

perspectiva teleológica da Constituição de 1988.

O trabalho buscará demonstrar que os conceitos de fiscalidade e extrafiscalidade,

trabalhados sob a forma de contraposição na doutrina, partem de um equívoco

metodológico, arraigado em concepções superadas do Estado Liberal, como a teoria do

“interesse tutelado” pela norma tributária, o que necessita ser revisto em razão da

solidificação do Estado Democrático de Direito, no qual se enquadra a Constituição de

1988.

Como objetivos específicos da pesquisa, procura-se apontar os conceitos

doutrinários da fiscalidade e da extrafiscalidade na doutrina brasileira, delimitar o

critério que se entende como apto à diferenciação das normas fiscais das extrafiscais,

bem como classificar as normas tributárias segundo a sua função no ordenamento

jurídico - o que é realizado na seção 2. Também nessa seção objetiva-se analisar o

direito comparado, especialmente a doutrina espanhola, em que o epicentro da discussão

situa-se na relação entre as normas fiscais e extrafiscais e o princípio da capacidade

contributiva.

Objetiva o estudo, em sua seção 3, desconstruir os fundamentos que embasam o

conceito de fiscalidade na doutrina em geral, arraigados na teoria do “interesse tutelado”

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pela norma tributária e de acordo com a “teoria liberista”, consequências do paradigma

liberal ainda presente na seara tributária – e que levam ao persistente mito do tributo

como instrumento de abastecimento dos cofres públicos. Na mesma seção pretende-se

delimitar os fins do Estado e do direito tributário na Constituição de 1988 - e,

consequentemente, qualificar o vínculo jurídico da relação obrigacional tributária e

indicar o fundamento do dever de pagar tributos. Ao fim da seção 3, pretende-se

conceituar a fiscalidade e analisar alguns casos práticos.

São também objetivos específicos do trabalho: apontar a natureza jurídico-

tributária das normas extrafiscais; conceituar a extrafiscalidade; relacionar a

extrafiscalidade com os limites ao poder de tributar, com ênfase na capacidade

contributiva e delinear a legitimidade das normas extrafiscais no ordenamento jurídico-

tributário. Esses aspectos serão considerados na seção 4. Nesse contexto, busca-se

responder a alguns questionamentos relevantes que surgem ao se considerar o lado

prático da aplicação das normas extrafiscais, tais como: a possibilidade de instituição de

impostos “moralizadores”; como tratar a norma que, a pretexto de aumento da carga

tributária no exercício da função fiscal, é revestida da forma de uma pretensa norma

extrafiscal, o que poderia flexibilizar alguns dos limites ao poder de tributar - como no

caso do aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para cigarros, após o

fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e as

consequências do fato de a norma extrafiscal não ser capaz de promover o bem jurídico

que, em princípio, se visa a prestigiar.

A investigação tem características interdisciplinares, já que a fiscalidade e a

extrafiscalidade, segundo a forma proposta, são temas que, para o tratamento completo

e adequado, requerem a coordenação de conteúdos pertencentes a disciplinas

diferenciadas, tais como o direito tributário, econômico, constitucional e filosofia do

direito.

São dados primários da pesquisa as normas constitucionais relacionadas à

fiscalidade e da extrafiscalidade, especialmente as normas de limitação ao poder

tributante e as normas legais instituidoras de tributos com a finalidade extrafiscal no

ordenamento jurídico brasileiro. Como dados secundários serão estudados artigos, obras

doutrinárias e a jurisprudência sobre o tema da fiscalidade e da extrafiscalidade.

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2 FISCALIDADE E EXTRAFISCALIDADE: APROXIMAÇÃO INICIAL

2.1 O conceito da fiscalidade e da extrafiscalidade na doutrina

O presente trabalho tem como ponto de partida a análise crítica da fiscalidade e

da extrafiscalidade na visão da doutrina jurídica e da jurisprudência. Justifica-se essa

análise pelo fato de a legislação não cuidar especificamente da definição e diferenciação

dos institutos, a não ser prevendo os tributos em espécie e a regulação de cada um pelos

entes competentes. Em razão dessa indefinição, cabe aos intérpretes e aplicadores do

direito a tarefa de identificar a fiscalidade e/ou extrafiscalidade nos instrumentos

normativos que criam, majoram ou minoram cada um dos tributos. Delimitado o

conceito da fiscalidade e da extrafiscalidade, o estudo se propõe a uma análise crítica de

seu conteúdo a fim de concluir se a posição da doutrina é adequada ou não ao atual

paradigma do Estado Democrático de Direito.

A princípio, o trabalho se propôs tão somente a investigação da extrafiscalidade;

contudo, tendo em vista que esta é tratada pela maioria dos autores em contraponto com

a fiscalidade, tornou-se inevitável o estudo de ambos os institutos. Constatou-se, ainda,

que muitos autores os confundem ou tendem a considerar a simultaneidade da

fiscalidade e da extrafiscalidade obrigatória, justamente por um equívoco quanto aos

elementos que definem a primeira, o que vem sendo aceito de forma acrítica pelos

operadores do direito. Por isso é fundamental a delimitação do conceito da fiscalidade

para, posteriormente, se estudar o conceito e os elementos da extrafiscalidade.

A jurisprudência raramente aprofunda a discussão sobre a diferenciação entre os

institutos. Reconhece, contudo, que a extrafiscalidade está presente em determinados

tributos, diferenciando o tratamento desses dos que não possuem tal característica,

aspecto que será examinado no decorrer do trabalho.

A doutrina tem sido o campo preferencial para a análise da fiscalidade e

extrafiscalidade. Esta seção, sem a pretensão de exaurir o tratamento doutrinário

conferido ao tema, destina-se a apresentar um resumo das diferentes concepções que

fundamentam os institutos, destacando a ausência de consenso jurídico-dogmático

conceitual.

Diante da existência de poucas obras específicas sobre o tema na doutrina

nacional e da forma sucinta com que é abordado nos manuais, muitas vezes é difícil

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definir o pensamento de cada autor. A maioria deles, contudo, considera necessário

diferenciar a norma fiscal da extrafiscal, conceituando os institutos através de um

critério de contraposição. A fiscalidade seria a utilização dos tributos com fins

“meramente” ou “simplesmente arrecadatórios”, sendo corrente a utilização da

expressão que remete ao uso do tributo como “fonte de custeio da máquina estatal”. A

extrafiscalidade, por sua vez, representaria a utilização do tributo com fins outros (que

não os “meramente arrecadatórios”), sendo diversificados os elementos que os autores

utilizam para complementar a definição do instituto.

Fanucchi (1976, p. 54) reconhece o tributo como extrafiscal quando se verificam

em sua cobrança “outros interesses que não sejam os de simples arrecadação de recursos

financeiros, que se exteriorizam mediante ‘alívios’ e ‘agravamentos fiscais’”.

Ao estudar a extrafiscalidade nos impostos e o princípio do não confisco, Berti

afirma que:

O uso extrafiscal do tributo significa o alcance de fins distintos dos meramente arrecadatórios mediante o exercício das competências tributárias (poder de criar e alterar tributos) outorgados pela Constituição Federal às pessoas políticas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (BERTI, 2006, p. 41, grifo nosso).

Fica clara nos conceitos acima a visão da fiscalidade como sendo o uso do

tributo para interesses “meramente” ou “simplesmente arrecadatórios”. Os autores não

relacionam a fiscalidade com a persecução de resultados e fins constitucionais como,

por exemplo, igualdade, segurança e erradicação da pobreza.

No dizer de Carvalho (2007, p. 243), as normas fiscais seriam aquelas voltadas

“ ao fim exclusivo de abastecer os cofres públicos, sem que outros interesses – sociais,

políticos ou econômicos – interfiram no direcionamento da atividade impositiva”. Já as

normas extrafiscais prestigiariam os interesses referidos, pautando a conduta dos

contribuintes através do uso favorável ou gravoso do tributo.

Em obra específica sobre o tema da extrafiscalidade, Gouvêa identifica a

fiscalidade com o mero auferimento de recursos para a subsistência do Estado, enquanto

a norma extrafiscal teria a natureza de “princípio” ligado à realização dos “valores

constitucionais”:

Verificamos, assim, que a tributação tem dupla finalidade: a) auferir recursos para que o Estado subsista; e b) garantir a realização dos direitos fundamentais dos cidadãos, os verdadeiros fins do Estado.

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Quando falamos em “auferir recursos para o Estado”, segundo regras constitucionais, referimo-nos à “fiscalidade”. Consideramos a fiscalidade desvinculada de valores, afeita, apenas, a receitas e despesas. Quando nos referimos à efetiva consecução de fins do Estado, mediante o uso do instrumento fiscal, reportamo-nos à “extrafiscalidade”. Tomamos por extrafiscalidade os objetivos axiológicos da tributação (GOUVÊA, 2006, p. 38, grifo nosso).

O autor enfatiza a despreocupação da fiscalidade com a realização de valores

constitucionais, realização essa que, na sua opinião, estaria presente apenas na face

extrafiscal do tributo:

Para nós, extrafiscal é a norma voltada à realização de valores constitucionais. Como não se pode conceber norma jurídica avessa a valores constitucionais, nem norma tributária avessa a arrecadação, concluímos que toda norma tributária será, a um tempo, fiscal e extrafiscal. A nosso ver, a análise identificará extrafiscalidade sempre que a norma tributária refletir efetivação concreta de desidérios constitucionais, de realização dos direitos do cidadão, ao passo que identificará fiscalidade verificar o objetivo de obtenção de receitas para a subsistência do Estado (GOUVÊA, 2006, p. 47, grifo nosso).

Segundo Machado (1998), os tributos são classificados, conforme a sua função,

em fiscais, extrafiscais e parafiscais. Os primeiros seriam aqueles dotados da função de

angariar recursos para o custeio das atividades próprias do Estado. Os últimos (que não

constituem objeto deste trabalho) se caracterizariam pela obtenção de recursos para o

financiamento de atividades que, em princípio, não seriam próprias do Estado, mas que

são exercidas por este através de entidades específicas. Sobre a extrafiscalidade, o autor

aduz que:

No mundo moderno, todavia, o tributo é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na economia. A esta função moderna do tributo se denomina função extrafiscal (MACHADO, 1998, p. 52).

Para Coêlho (2004, p. 87), “a extrafiscalidade se caracteriza justamente pelo uso

e manejo dos tributos com a finalidade de atingir alvos diferentes da simples

arrecadação de dinheiro”, sendo tal afirmação inserida em comentário sobre o princípio

da capacidade contributiva que, segundo o autor, pode ser afastado quando se tratar de

agravamento de tributo incidente sobre o comportamento que a norma quer evitar.

Verifica-se, novamente, o uso de um conceito de extrafiscalidade como algo oposto ao

tributo utilizado para “simples arrecadação de dinheiro” (fiscalidade).

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Falcão entende ser possível a distinção entre a tributação fiscal e extrafiscal.

Afirma que o conceito de fiscalidade, a princípio, ligou-se à visão da tributação “como

um instrumento para prover o erário público dos recursos necessários aos gastos

indispensáveis” (1981, p. 43), como defesa exterior, educação, justiça e obras públicas.

Atribuía-se a essa tributação a característica de neutralidade, no sentido de que deveria

intervir o menos possível na vida privada e no curso normal do mercado. O autor critica

tal raciocínio pela impossibilidade de sua aplicação concreta no mundo fático

(especialmente a neutralidade por compensação, que seria a devolução, pelo Estado, de

igual quantia despendida pelo contribuinte, uma espécie de contraprestação em serviços

públicos) e pela injustiça decorrente da ideia, que apenas aumentaria a desigualdade

entre os indivíduos de maior e menor potencial econômico. Falcão, então, define a

fiscalidade, seguindo Souto Maior Borges, como “aquela que ‘se limita a retirar do

patrimônio dos particulares, recursos pecuniários para a satisfação das necessidades

públicas’” (FALCÃO, 1981, p. 45).

Já a extrafiscalidade é, pelo autor, considerada medida de intervenção do

Estado no mercado e na livre iniciativa e responsável por parcela da modificação do

conceito de justiça fiscal:

Por extrafiscalidade entender-se-á a atividade financeira que o Estado exercita sem o fim precípuo de obter recursos para seu erário, para o fisco, mas sim com vistas a ordenar ou reordenar a economia e as relações sociais, intervindo, por exemplo, no mercado, na redistribuição de riquezas, nas tendências demográficas, no planejamento familiar. No fundo, mas não unicamente, importa em atuar sobre a economia, para mudar o panorama social. Extrafiscalidade é conceito bem amplo, que envolve, entre mais coisas, a tributação ordinatória, a aplicação dos recursos provenientes dessa tributação em gastos seletivos, ou sua retenção. Enfim, opções diversas, de respaldo político, social, econômico, etc., alheias à intenção pura e simples de carrear ingressos para o fisco” (FALCÃO, 1981, p. 48-49, grifo nosso).

Oliveira (2007), a par de distinguir as normas fiscais das extrafiscais, entende

que estas se caracterizam como instrumento de indução ou desestímulo de

comportamentos, voltados à função política, econômica ou sanitária dos governos.

Quanto às primeiras, o autor mantém o entendimento habitual da doutrina de visarem

“exclusivamente à arrecadação” para manter os serviços públicos:

A imposição tradicional (tributação fiscal) visa exclusivamente à arrecadação de recursos financeiros (fiscais) para prover o custeio dos serviços públicos. Já a denominada tributação extrafiscal é aquela dirigida a fins outros que não a captação de dinheiro para o Erário, tais como a redistribuição da

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renda e da terra, a defesa da indústria nacional, a orientação dos investimentos para setores produtivos ou mais adequados ao interesse público, a promoção do desenvolvimento regional ou setorial etc. Como instrumento indeclinável de atuação estatal, o direito tributário pode e deve, através da extrafiscalidade, influir no comportamento dos entes econômicos, de sorte a incentivar iniciativas positivas, e desestimular as nocivas ao Bem Comum (OLIVEIRA, 2007, p. 47, grifos nossos).

Esse autor acrescenta que a qualificação jurídica da extrafiscalidade encontra-se

na destinação do produto arrecadado para a finalidade objetivada pela norma, devendo a

tributação extrafiscal necessariamente ter a sua receita vinculada a alguma despesa,

órgão ou programa, mesmo em se tratando de impostos. Considera que a vinculação

seria “a verdadeira condição de legitimidade concreta da extrafiscalidade.” (2007, p.

41), raciocínio esse que a pesquisa encontrou apenas em sua obra.

Fernandes (2005) concorda com os conceitos de fiscalidade e extrafiscalidade

expostos por Oliveira, mas não se posiciona sobre a questão da qualificação jurídica da

extrafiscalidade pela vinculação da receita, defendida pelo autor. Acrescenta a autora

uma classificação da extrafiscalidade, quanto à forma de manifestação, em direta e

indireta. No primeiro sentido, a tributação não visaria a induzir comportamentos, mas as

receitas dela provenientes seriam aplicadas para a intervenção do Estado nas áreas

econômica e social, citando os exemplos das contribuições especiais e das normas

isencionais ou imunitórias que não estimulam comportamentos, como a isenção do

imposto de renda até determinado teto. Já a manifestação indireta da extrafiscalidade se

daria pelo “manejo dos diversos elementos da norma instituidora de um tributo com o

objetivo de encorajar ou desestimular condutas, de acordo com o interesse público”

(FERNANDES, 2005, p. 235), citando como exemplos as isenções e imunidades com

tal objetivo.

Schoueri (2005, p. 32) considera que o termo extrafiscalidade pode ser tratado

como gênero e espécie:

“O gênero da extrafiscalidade inclui todos os casos não vinculados nem à

distribuição equitativa da carga tributária, nem à simplificação do sistema

tributário. (...) Inclui, nesse sentido, além de normas de função indutora (que

seria a extrafiscalidade em sentido estrito, como se verá abaixo), outras que

também se movem por razões não fiscais, mas desvinculadas da busca do

impulsionamento econômico por parte do Estado”.

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Após citar o conceito de Oliveira, o autor parece indicar como exemplo do

gênero as normas referentes à política social, como uma lei que prevê o tratamento

diferenciado no caso de desemprego.

Já como espécie, a extrafiscalidade se caracterizaria por normas com função

indutora, ou seja, dotadas de “consciente” estímulo de comportamentos, não tendo

fundamento precípuo na arrecadação. “Por normas tributárias indutoras se entende um

aspecto das normas tributárias, identificado a partir de uma de suas funções, a indutora”

(2005, p. 30). Nessa função, “o legislador vincula a determinado comportamento um

consequente, que poderá consistir em vantagem (estímulo) ou agravamento de natureza

tributária” (2005, p. 30), sendo típica forma de intervenção do Estado no domínio

econômico. Shoueri prefere utilizar a terminologia “normas indutoras” ao invés de

extrafiscalidade, diante da amplitude que considera ínsita a este último termo.

Verifica-se ainda que o autor dedica pouca atenção à fiscalidade, referindo-se à

mesma como “a simples busca de maior arrecadação” (2005, p. 32).

Em breve síntese dos conceitos apontados, conclui-se que, por unanimidade, os

autores definem a fiscalidade como a finalidade arrecadatória do tributo, enfatizada

habitualmente pelas expressões “simplesmente”, “meramente” ou “exclusivamente

arrecadatórias”. As obras citadas relacionam, em geral, valores, resultados e objetivos

constitucionais, como a redistribuição de riquezas e alteração do panorama social e

econômico, à extrafiscalidade, limitando a fiscalidade à “mera”, “simples” e “exclusiva”

função de arrecadar dinheiro para os cofres públicos.

A investigação pretende demonstrar que tais conceitos não se ajustam ao perfil

que a fiscalidade e a extrafiscalidade devem possuir no contexto da Constituição de

1988, inserida no atual paradigma do Estado Democrático de Direito. A análise dos

equívocos e da insuficiência das concepções citadas bem como a proposta de um

conceito adequado aos institutos será realizada nas seções seguintes.

2.2 Distinção entre a fiscalidade e a extrafiscalidade

Além da questão conceitual, não há consenso dogmático sobre a real e efetiva

necessidade da distinção entre normas fiscais e extrafiscais. Há quem entenda que não

se pode conceber um tributo puramente fiscal ou extrafiscal, convivendo sempre ambos

os objetivos como faces de uma mesma moeda, o tributo.

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Nesse sentido, Carvalho (2007) menciona que não há entidade tributária pura

(fiscal ou extrafiscal):

[...] Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais ao setor da fiscalidade. Não existe, porém, entidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão-só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro (CARVALHO, 2007, p. 246).

Machado (1998) expressa a dificuldade de utilização do tributo, atualmente,

apenas na sua face fiscal: “No estádio atual das finanças públicas, dificilmente um

tributo é utilizado apenas como instrumento de arrecadação. Pode ser a arrecadação o

seu principal objetivo, mas não o único” (MACHADO, 1998, p. 52).

Gouvêa (2006, p. 47) também considera que “toda norma jurídica será, a um

tempo, fiscal e extrafiscal.”

Ao se defender a simultaneidade de incidência dos institutos, acaba-se por

esvaziar a diferenciação entre os mesmos - que lhes confere autonomia científica e

determina a natureza jurídica que lhes é própria. É interessante notar que, de forma

antinômica, os autores citados acima mantêm, em suas obras, conceitos distintos para a

fiscalidade e extrafiscalidade, embora afirmem a impossibilidade real de distinção entre

os mesmos.

Outrossim, como se verá no decorrer deste estudo, a afirmação de que coexistem

as funções fiscais e extrafiscais em qualquer tributo se dá em razão de um equívoco

metodológico de transportar para a extrafiscalidade elementos que são típicos das

normas fiscais ou que permeiam toda e qualquer norma tributária. É o que se verifica na

afirmação de Godoi (2004, p. 222) de que os efeitos extrafiscais - citando os sociais,

econômicos e psicológicos - existirão em todos os tributos, em maior ou menor grau.

Menciona que “é da natureza patrimonial e coativa dos tributos, por mais neutros que

sejam, incidir materialmente no meio econômico e social, não sendo mais que uma

abstração lógica a ideia de impostos puramente arrecadatórios ou fiscais.”

Em uma acepção genérica, toda norma tributária realmente terá um efeito social

ou econômico, pois incide sobre o patrimônio dos contribuintes, modificando as

relações sociais. Contudo, essa constatação não identifica corretamente a função

extrafiscal do tributo nem a distingue da função fiscal. Tal interferência também ocorre

no campo das normas fiscais, o que foi verificado pelo autor citado. O equívoco, nesse

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caso, é o de caracterizar como extrafiscal algo que é imanente aos tributos em geral. O

reflexo social, por exemplo, pode ser alcançado por diversas formas e é através da

análise da estrutura e do conteúdo do meio escolhido para alcançar o resultado social,

que será averiguada a função fiscal ou extrafiscal da norma tributária. Por exemplo, a

isenção de até um determinado teto no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) visa à

proteção do mínimo existencial, medida ligada à capacidade contributiva, que para este

estudo é dotada de claro conteúdo fiscal (isso porque, como se verá, há muito foi

superado o interesse tutelado pelo direito tributário como o “simplesmente

arrecadatório”) e não extrafiscal. Uma isenção conferida em uma determinada região

pobre e desestruturada do país, aos empresários que lá se estabeleçam, tem relação com

a indução de comportamentos do contribuinte, visando a prestigiar a redução das

desigualdades regionais, conforme preconiza o art. 3º, III, da Constituição de 1988.

Ambos os exemplos têm reflexos no domínio econômico e social, o que deixa claro que

os critérios em geral utilizados para a distinção dos institutos são equivocados. Após o

desenvolvimento dos conceitos de fiscalidade e extrafiscalidade nas seções 3 e 4, o

raciocínio exposto certamente será mais claro ao leitor.

Contudo, a distinção prática entre normas fiscais e extrafiscais nem sempre será

tarefa fácil. Em que pese a possibilidade de o tributo ser, sim, “puramente” fiscal ou

extrafiscal, as duas funções podem conviver na mesma norma, o que ocorre com

freqüência, mesmo considerando-se o critério de distinção que a pesquisa entende como

o correto. Em todo caso, ainda assim se faz possível e necessária a distinção entre

ambas.

A título de exemplo, não há qualquer espécie de indução de comportamento na

norma do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte

Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) que tributa o consumo de

energia elétrica (alíquota de 30%, no Estado de Minas Gerais), denotando pura

fiscalidade. Por outro lado, não há qualquer arrecadação na isenção do Imposto de

Importação (II), IPI e do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante

(AFRMM) na importação de máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos, bem

como suas partes e peças de reposição, acessórios, matérias-primas e produtos

intermediários, destinados à pesquisa científica e tecnológica - desde que o importador

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seja cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq)1, caracterizando de forma pura essa norma como extrafiscal.

Por outro lado, em relação ao II, ao mesmo tempo que a tributação elevada

preserva a produção nacional, desestimulando a aquisição no mercado externo, haverá

arrecadação e o seu produto será utilizado para a implementação de diversos fins do

Estado e políticas públicas previstas na Constituição, convivendo assim a fiscalidade e a

extrafiscalidade. O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), com suas

alíquotas progressivas conforme o grau de produtividade, visa ao melhor

aproveitamento da terra, sendo certo que a arrecadação terá o mesmo fim do exemplo

anterior. Nesses casos, prepondera a função extrafiscal, que, no entanto, não exclui a

outra.

Convivendo a face fiscal e a extrafiscal em uma mesma exação, o que, em tese,

contribui para a dificuldade na averiguação da natureza da norma, deve ser aplicado o

critério da preponderância, como entende Falcão (1981), o que mantêm a possibilidade

de distinção:

[...] não obstante possível a separação conceitual, é um pouco complicada a distinção prática. Com frequência, sói ocorrer de se superporem as duas conotações. Em tal hipótese, só o critério da predominância salvará a distinção fática (1981, p. 49).

Aizega Zubillaga (2001, p. 48), mesmo entendendo que é impossível o tributo

fiscal ou extrafiscal “quimicamente puro”, sendo o ideal a combinação de ambos os

fins, aponta que deverá ser observada a finalidade que o tributo persegue

“principalmente e primordialmente”, que se concretizará na estrutura jurídico-tributária

concreta.

2.3 A problematização da fiscalidade e da extrafiscalidade voltada ao princípio da

capacidade contributiva: análise da doutrina espanhola

A doutrina brasileira, em geral, entende possível a distinção entre a fiscalidade e

a extrafiscalidade, formulando conceitos diversos para os institutos, o que se observou

na seção 2.1. Admitida a possibilidade da distinção, a questão é problematizada no

campo da necessidade, onde parte da doutrina considera que a fiscalidade e a

1 Isenção conferida pela Lei nº 8.010/1990 (BRASIL, 1990).

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extrafiscalidade atuariam simultaneamente em todo e qualquer tributo (utilizando-se,

contudo, de critérios equivocados para a definição dos institutos).

Na Espanha, por outro lado, a discussão sobre normas fiscais e extrafiscais passa

pela própria possibilidade de manejar o tributo com fins diversos daqueles

arrecadatórios. Isso porque parte da doutrina considera que apenas a função fiscal,

ligada ao princípio da capacidade contributiva, fundamenta o tributo e é o exclusivo

elemento de justiça fiscal no ordenamento tributário. Defendeu-se, inclusive, que a

função fiscal integra o próprio conceito do tributo.

Para a compreensão da análise do tema em termos normativos, Palao Taboada

(2004, p. 83) indica os dispositivos da legislação espanhola que dão partida à discussão:

O art. 4 da Lei Geral Tributária de 1963 dispunha que “os tributos, além de ser meios para arrecadar ingressos públicos, hão de servir como instrumento da política econômica geral, atender às exigências de estabilidade e progresso sociais e buscar uma melhor distribuição da renda nacional.” A nova Lei Geral Tributária, 58/2003, de 17 de dezembro, em seu artigo 2.1, parágrafo 1º, atribui aos tributos “o fim primordial de obter os ingressos públicos necessários para o sustento dos gastos públicos”, ou seja, o fim fiscal, o qual complica as coisas. O parágrafo 2º reproduz em substância o art. 4 da LGT de 1963 (PALAO TABOADA, 2004, p. 83, tradução nossa).2

Não obstante a legislação espanhola vigente mencionar “o fim primordial de

obter ingressos públicos” do tributo [o que também não significa o único], conclui o

autor que “os fins extrafiscais dos tributos estão perfeitamente admitidos no Direito

espanhol” (2005, p. 83). Por outro lado, menciona que a questão da conciliação dos fins

extrafiscais e da capacidade contributiva não resulta nenhum problema dogmático na

atualidade. “As restrições ao princípio da capacidade contributiva [...] são admissíveis

enquanto ditos fins [extrafiscais] estejam constitucionalmente reconhecidos e tutelados”

(2005, p. 83, tradução nossa).3

A propósito, sobre o questionamento da obrigatoriedade do princípio da

capacidade contributiva em todo e qualquer tributo, as lições de Palao Taboada (1976;

2004) e Lejeune Valcárcel (1980) apontam que se encontra superada a visão da

2 El art. 4 de la Ley General Tributaria de 1963 disponía que “los tributos, además de ser medios para recaudar ingresos públicos, han de servir como instrumento de la política económica general, atender a las exigencias de estabilidad y progreso sociales y procurar una mejor distribuición de la renta nacional”. La nueva Ley General Tributaria, 58/2003, de 17 de diciembre, en su artículo 2.1, párrafo 1º, atribuye a los tributos “el fin primordial de obtener los ingresos necesarios para el sostenimiento de los gastos públicos”, o sea, el fin fiscal, lo cual complica las cosas. El párrafo 2º reproduce en sustancia el art. 4 de la LGT de 1963. 3 [...] las restricciones del principio de capacidad económica [...] son admisibles en cuanto dichos fines estén constitucionalmente reconocidos y tutelados.

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capacidade contributiva como “super princípio”, único a fundamentar o ordenamento

tributário. Segundo os autores, outros fins constitucionalmente protegidos também

podem fazê-lo, o que conferiria legitimidade às normas extrafiscais.

Sobre a evolução da doutrina européia em relação ao princípio da capacidade

contributiva, Palao Taboada (1978, p. 125-128) delimita três fases lógicas na doutrina

européia, lembrando o autor que a noção do princípio da capacidade contributiva é

bastante antiga. Desde os primeiros impostos, há indicações de que a sua cobrança

deveria ser relacionada à riqueza dos contribuintes, com fundamento em uma espécie de

justiça intuitiva. Mas a noção mais elaborada do princípio se dá no direito financeiro, no

século XIX, sendo que na Espanha o termo foi primeira e expressamente inserido na

Constituição posterior à guerra civil espanhola. Nessa primeira fase, o princípio da

capacidade contributiva não foi concebido “como critério positivo, como uma

positivação do princípio da igualdade” (1978, p. 126), mas sim como “uma ideia

deduzida imediatamente do princípio de justiça” (1978, p. 127).

A segunda fase doutrinária “apresenta o princípio da capacidade contributiva

concebido como uma ideia necessária para dotar de conteúdo o princípio da igualdade.”

(1978, p. 127). Esse último teria apenas uma noção abstrata e formal, necessitando de

“complementação por um critério material de justiça”, e o princípio da capacidade

contributiva lhe conferiria tal conteúdo material. O princípio da igualdade se

concretizaria e seria absorvido pelo princípio da capacidade contributiva (que seria a

“medida da igualdade”).

Segundo o autor, a “mutação doutrinária” experimentada nessa fase foi

possibilitada pela incorporação do princípio da capacidade contributiva à dogmática

jurídico-tributária4 (antes o princípio era utilizado apenas na ciência das finanças) bem

como pela “adoção de uma concepção positivista do direito e, concretamente, do

princípio da igualdade” (1978, p. 127).

Nesse cenário, conforme o autor, verifica-se que o princípio da capacidade

contributiva (e sua relação com a igualdade) passou por um apogeu e por uma crise. O

apogeu se identifica na absorção total do princípio da igualdade pelo princípio da

capacidade contributiva, entendendo a doutrina da época que “o único critério válido

para a aplicação do princípio de igualdade é o conceito da capacidade contributiva”

4 Palao Taboada confere o mérito dessa incorporação à Grizziotti, tributarista italiano que chamou a atenção para a capacidade contributiva em obra jurídico-dogmática, levando a calorosas discussões sobre o tema na esfera jurídico-tributária, em contraponto às discussões anteriores, realizadas meramente no campo da ciência das finanças.

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(1978, p.127), além de esse princípio ser considerado o fundamento exclusivo do

sistema tributário e a medida de justiça dos tributos. A crise do princípio da capacidade

contributiva se dá no momento em que a doutrina “abandona a ideia de que a

capacidade contributiva representa o conteúdo material de um princípio abstrato e

formal, que é o da igualdade” (1978, p. 127), passando a fundamentá-los de forma

distinta. A capacidade contributiva passa a ser “um limite a partir do qual atua o

princípio da igualdade” (1978, p. 127). A igualdade, assim, teria um campo residual de

atuação própria.

A referida “crise” se deu em razão de alguns problemas que impregnavam a

concepção de se reduzir a igualdade à capacidade contributiva. Primeiramente, Palao

Taboada enfatiza a diferença entre um conceito nascido da ciência das finanças, como

critério de repartição da carga tributária, e um princípio jurídico-constitucional.

Diversos questionamentos problematizaram o tema da capacidade contributiva,

sinalizando sua relativização como fundamento do sistema tributário e a medida de

justiça dos tributos. Este princípio teria aplicação global ao ordenamento tributário ou a

cada um dos tributos? Questiona-se a quais espécies tributárias seria aplicável o

princípio (taxas e impostos, impostos diretos e indiretos e impostos pessoais e reais),

bem como se levaria em conta o contribuinte de direito, o contribuinte de fato ou

mesmo terceiros, como se dá na substituição tributária.

Outro ponto enfrentado por Palao Taboada se refere à questão da

extrafiscalidade, objeto da presente dissertação. As soluções para a extrafiscalidade,

com base no raciocínio dessa segunda fase de “crise” da capacidade contributiva,

seriam, em primeiro lugar, considerar que as normas extrafiscais, por se afastarem da

capacidade contributiva, seriam inconstitucionais (o que defende, por exemplo, Sáinz de

Bujanda) ou, em segundo lugar, resolver a questão através de um critério de justiça

financeira (e não tributária), em que eventuais benefícios fiscais seriam compensados,

por exemplo, através das despesas públicas. Tais soluções são criticadas por Palao

Taboada. A primeira seria “incompatível com a função pública de um Estado moderno”

(1978, p. 130), afirmando o autor que os tributos extrafiscais “podem constituir

irrenunciáveis exigências éticas” (1976, p. 394). A segunda solução, segundo Palao

Taboada, contradiria os próprios fundamentos da tese, ao admitir outros critérios, que

não a justiça tributária, para a imposição extrafiscal ou tentar incluí-los na própria

capacidade contributiva, o que termina por esvaziar o conteúdo do princípio.

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Palao Taboada conclui que as concepções do princípio da capacidade

contributiva, tanto em seu apogeu quanto em sua crise, “partem de uma concepção

positivista do princípio da igualdade” (1978, p. 132), reduzindo, em última análise, a

igualdade à legalidade. A crítica é realizada no ponto em que “em última instância,

sempre acabam por recair os autores na necessidade de fazer uma remissão a critérios de

decisão que estão fora do âmbito do direito positivo” (1978, p. 132) e, portanto,

sensíveis ao intérprete.

Entende o autor que a igualdade “é um princípio que se traduz na proibição de

dar um tratamento desigual a situações para as quais o referido tratamento desigual não

seria justificado nem razoável” (1978, p. 133). Significa a proibição à arbitrariedade, já

que “não é possível formular critérios apriorísticos para a aplicação do princípio da

igualdade” (1976, p. 411). Acrescenta que não haveria a necessidade de os critérios de

discriminação serem apontados pela Constituição, pois o princípio da igualdade teria

conteúdo próprio, considerando o que “em cada situação histórica se considera como

justo, ou razoável, ou ligado à natureza das coisas” (1976, p. 411). Daí a importância da

integração do princípio pelo órgão jurisdicional. Contudo, adverte o autor:

O juízo sobre a arbitrariedade de uma norma deixa intacta a esfera da decisão política própria do legislador; não se trata de fazer prevalecer o critério do juiz frente ao do legislador, instaurando um ‘governo dos juízes’, senão de assinalar a este o mínimo de conformidade com a justiça material exigível. Os riscos que poderiam entranhar o controle material da legislação pelos juízes são muito menores que os que derivam de uma liberdade sem restrições do legislador atual. (PALAO TABOADA, 1976, p. 412, tradução nossa).5

A terceira e última fase doutrinária sobre a capacidade contributiva, conforme

Palao Taboada,

[...] consiste em entender que o princípio da capacidade contributiva não é mais do que a especificação concreta de um princípio de igualdade que já não se concebe - de maneira positiva – como um princípio meramente formal, mas como um princípio dotado de um conteúdo autônomo. Portanto, um princípio que não necessita de nenhuma concreção material; um princípio que tem, em si mesmo, um conteúdo determinado. (1978, p. 127).

5 El juicio sobre la arbitrariedad de una norma deja intacta la esfera de la decisión política propia del legislador; no se trata de hacer prevalecer el criterio del juez frente al del legislador, instaurando un ‘gobierno de los jueces’ sino de señalar a éste el mínimo de conformidad con la justicia material exigible. Los riesgos que pudiera entrañar el control material de la legislación por los jueces son mucho menores que los que derivan de una libertad sin restricciones del legislador actual.

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Para Palao Taboada, a capacidade contributiva “não é mais que a ideia de que a

tributação deve relacionar-se com a riqueza dos particulares; não é mais que um

elemento imediatamente deduzível da ideia de justiça” (1978, p. 134), o que permite não

ser aplicado em se tratando da tributação extrafiscal, por opção do legislador, e ainda

assim seja legítima a imposição tributária.

Resumindo, o autor pontua que:

A igualdade não se manifesta, no direito tributário, só através do princípio da capacidade contributiva; este princípio é um ponto de vista necessário do legislador, que não o pode desconhecer; mas outras muitas considerações que o legislador tributário possa ter em conta, que justificam certas discriminações no âmbito tributário e que, portanto, excluam a arbitrariedade da legislação. (PALAO TABOADA, 1978, P. 142).

Exemplo de pensamento fundado na fase do apogeu do princípio da capacidade

contributiva quando se trata do assunto da fiscalidade e da extrafiscalidade é o de Yebra

Martul-Ortega6, citado por Godoi7 (2004, p. 225). Esse autor entende possível, além da

finalidade arrecadatória, outra finalidade que proporcione “uma melhor distribuição da

renda nacional”, o que fortaleceria o princípio da capacidade contributiva, que sempre

deve ser observado na tributação. O entendimento do autor, embora no sentido da

necessidade da observância do princípio da capacidade contributiva pelas normas

extrafiscais, acaba por afastar a possibilidade dessas normas, que não se fundamentam

na capacidade contributiva. Outrossim, entende-se que o raciocínio não retrata a

extrafiscalidade ao considerar como seu conteúdo a “melhor distribuição da renda

nacional.” Tal conteúdo é nitidamente vinculado à própria fiscalidade, conforme se

demonstrará na seção posterior.

No sentido da possibilidade da adoção de normas que não observem a

capacidade contributiva pelo ordenamento tributário, Vicente-Arche8 compreende que

outros fins podem ser perseguidos pela fazenda pública, além dos arrecadatórios, os

quais pressupõem o afastamento do princípio da capacidade contributiva. Tais fins

devem ser reconhecidos pela Constituição e implementados pela legislação ordinária

(Godoi, 2004, p. 225).

6 MARTUL-ORTEGA, Perfecto Yebra Martul. Comentarios sobre un precepto olvidado: el artículo cuarto de la Ley General Tributaria. Hacienda Pública Española (HPE), nº 32, 1975. 7 Godoi faz detalhado estudo sobre a evolução da tratativa da extrafiscalidade no ordenamento jurídico espanhol no trabalho que busca traçar limites ao instituto, trabalho esse do qual esta pesquisa aproveitará em grande parte, diante da clareza e substância para o conhecimento da questão no direito comparado. 8 VICENTE-ARCHE DOMINGO, Fernando. Notas sobre gasto público y contribución a su sostenimiento en la Hacienda Pública. Revista Española de Derecho Financiero (REDF), nº 3, 1974.

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Checa González (1983) questiona se os tributos poderiam ter fins não

diretamente ligados à “estrita obtenção de ingressos públicos” e responde

afirmativamente, apontando as funções que o Estado tem na modernidade e os meios

diferenciados (dentre os quais, o sistema tributário) de que dispõe para cumprir os seus

objetivos. Tratando da inter-relação entre Estado e sociedade após a superação do

laissez faire, o autor considera que o Estado é “encarregado de dirigir globalmente o

sistema econômico, assumindo diretamente muitas de suas funções, tendo a cargo a

fundamental tarefa de conseguir a superação dos obstáculos que se opõem à igualdade

de fato entre os cidadãos” (1983, p. 505). Nesse sentido, o tributo não deve ser

vinculado à tarefa exclusivamente arrecadatória, entendendo o autor que também pode

ser um meio direto para se atingirem os fins constitucionais do Estado:9

[...] não se pode sustentar na atualidade que os impostos tenham como única função a de reunir os meios necessários para cobrir os gastos, aspecto que segue sendo ainda fundamental, senão que junto a esta têm que buscar ‘direta e automaticamente’ em concursos com outros instrumentos, a realização dos fins do ordenamento constitucional” (CHECA GONZÁLEZ, 1983, p. 507, tradução nossa).10

Mateo (1983) considera que o sistema tributário, em seu conjunto, envolve tanto

os tributos com a finalidade arrecadatória, quanto aqueles que têm por fim a intervenção

econômica dirigida, especialmente a distribuição da riqueza, superando “a ideia liberal

de reduzir o fim do mesmo à cobertura das necessidades públicas”.11 Sobre a inclusão

da finalidade arrecadatória no conceito de tributo, o que afastaria da realidade as normas

extrafiscais, Mateo cita Cortés Dominguéz:12

Sua realidade [das normas extrafiscais] é tão manifesta aparentemente que tem sido motivo para objetar a tradicional inclusão da finalidade arrecadatória no conceito de tributo, já que, nas palavras do professor Cortés Domingues, ‘sua característica mais importante é de haver surgido para cumprir uma finalidade que nada tem a ver, em princípio, com a

9 E não como entende Grizziotii, citado por González4 (1983, p. 507): os gastos públicos são instrumento imediato para a busca dos fins do Estado e os ingressos públicos são um meio necessário para os gastos públicos. 10 [...] no puede ya sostenerse en la actualidad que los impuestos tengan como única función la de allegar los medios necesarios para cubrir los gastos, aspecto que sigue siendo aún fundamental, sino que junto a esta tienen que intentar conseguir ‘directa y automáticamente, en concurso con otros instrumentos, la realización de los fines del ordenamiento constitucional’. 11 Pero esta misión general, junto a la propiamente fiscal, corresponde al sistema tributario en su conjunto, en superación de la idea liberal de reducir el fin del mismo a la cobertura de las necesidades públicas.” (1983, p. 343). 12 CORTÉS DOMÍNGUEZ. Ordenamiento tributario español (en colaboración con J. M. Martín Delgado). Madrid: Civitas, 1977, p. 149.

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arrecadatória. São os tributos com finalidade extrafiscal. Este grupo de tributos que, como dissemos, não cumprem, em princípio, uma missão arrecadatória, senão que tratam de fazer mais gravosa uma determinada atividade dos particulares, desmente que o fim do tributo possa entrar no conceito do mesmo, posto que não seria possível negar-lhes caráter tributário dada a estrutura de muitos dos sistemas tributários atuais. (MATEO, 1983, p. 345, tradução nossa).13

Casado Ollero,14 citado por Godoi (2004, p. 229), esclarece a diferença da

utilização do princípio da capacidade contributiva como critério de graduação das

prestações tributárias e como pressuposto legitimador do tributo. A primeira visão não

se aplicaria aos tributos extrafiscais, que deveriam ter uma justificativa constitucional

para o desvio da capacidade econômica. Adverte que o desvio não pode importar em

“parâmetros contrários ou opostos” ao da capacidade econômica, mas apenas distintos.

Em relação à concepção do princípio da capacidade econômica como pressuposto

legitimador do tributo, esse deve atuar como “um requisito mínimo de razoabilidade ou

não arbitrariedade das normas tributárias.” Assim, o autor espanhol propõe que os

tributos extrafiscais respeitem “os limites da capacidade como fonte do tributo”, a saber

o mínimo existencial e o não confisco.

O Tribunal Constitucional da Espanha tem, contudo, traçado linha hermenêutica

de conciliação entre as normas extrafiscais e a capacidade contributiva, o que é criticado

por Palao Taboada (2005) e Herrera Molina (2000), por implicar a desnaturação do

conteúdo do princípio. Molina (2000, 159-160) menciona o argumento de alguns de

que, nos tributos ambientais, as atividades produtivas que importam degradação do

meio ambiente supõem um índice de capacidade contributiva, ao menos potencial.

Segundo o autor “o argumento é coerente se se admite a jurisprudência constitucional

que define a capacidade contributiva como mera exigência de que na generalidade dos

casos submetidos à imposição se grave uma riqueza atual ou potencial.” Cita a SSTC

37/1987, de 26 de março, FJ 13.º, e 186/1993, de 6 de junho, FJ 4.º, mas discordando do

13 Su realidad es tan manifiesta aparentemente que ha sido motivo para objetar la tradicional inclusión de la finalidad recaudatoria en el concepto de tributo, ya que, en palabras del profesor Cortés Domingues, “su característica más importante es la de haber surgido para cumplir una finalidad que nada tiene que ver, en principio, con la recaudatoria. Son los tributos con finalidad extrafiscal. Este grupo de tributos que, como decimos, no cumplen, en principio, una misión recaudatoria, sino que tratan de hacer más gravosa una determinada actividad de los particulares, desmiente que el fin del tributo pueda entrar en el concepto del mismo, puesto que no sería posible negarles carácter tributario dada la estructura de muchos de los sistemas tributarios actulales”. 14 CASADO OLLERO, Gabriel. El principio de capacidad y el control constitucional de la imposición indirecta(I), Civitas, REDF, nº 32, 1982 y El principio de capacidad y el control constitucional de la imposición indirecta(II), Civitas, REDF, nº 34, 1982.

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entendimento. Palao Taboada (2005), após analisar o fundamento da primeira

jurisprudência citada15, afirma que:

[...] a construção dogmática do Tribunal se explica com um intento de manter a necessidade de que todo tributo, sem exceção, se ajuste ao princípio de capacidade econômica, o qual só pode lograr, no caso dos tributos com fins não fiscais, ao custo de abandonar toda noção plausível de capacidade econômica (PALAO TABOADA, 2005, p. 85-86, tradução nossa).16

Embora a seção se proponha o estudo da problematização na Espanha, é útil

citar a discussão do tema na Alemanha, que também se dá em relação ao princípio da

capacidade contributiva. Segundo Vogel (1984, p. 543), a possibilidade de utilização

das normas extrafiscais foi questionada, a princípio17, pelo conceito de imposto previsto

no Código Tributário alemão, que previa a necessidade de obtenção de receitas em seu

conteúdo normativo. Contudo, foi expressamente reconhecida pelo Tribunal

Constitucional a legitimidade da veiculação de normas tributárias com fins não fiscais.

Entendeu o tribunal, na vigência do Código Tributário de 1919/1931, que a

característica de “obtenção de receitas” no conceito de “imposto” do § 1º não

necessitaria ser o primeiro objetivo da norma, bastando que fosse um dentre os seus

vários outros. Posteriormente, em 1976, o novo Código Tributário alemão, em seu § 3º,

modificou a definição de imposto para expressamente prever a possibilidade do imposto

ter fins não preponderantemente fiscais.18

Sobre a necessidade de conteúdo arrecadatório como forma de manter a natureza

tributária das normas indutoras, Vogel deixou claro que, embora seja útil a distinção

entre função arrecadatória (fiscal) e regulatória (extrafiscal), a discussão deveria 15 A sentença 37/1987 se refere à análise de uma lei de reforma agrária do parlamento de Andaluzia, na qual foi estabelecido um imposto sobre terras subutilizadas, assim consideradas as que não obtivessem o rendimento “ótimo” fixado pela administração. O tribunal entendeu que “a obtenção de rendimentos inferiores ao ótimo ‘é, por si mesmo, reveladora da titularidade de uma riqueza real ou potencial ou (...) de uma renda virtual cuja dimensão maior ou menor determina a maior ou menor quantia do imposto.’ (PALAO TABOADA, 2005, p. 85, tradução nossa). 16 La construcción dogmática del Tribunal se explica como un intento de mantener la necesidad de que todo tributo sin excepción se ajuste al principio de capacidad económica, lo cual se puede lograr, en el caso de los tributos con fines no fiscales, a costa de abandonar toda noción plausible de capacidad económica. 17 O questionamento se deu, ainda, em relação às normas de competência previstas na Lei Fundamental. Posteriormente, passou-se a questionar a extrafiscalidade em contraponto ao direito de propriedade. Quanto às normas de repartição de competência, apesar de opiniões contrárias na doutrina alemã, Vogel conclui que “enquanto a lei produz rendas, estas devem ser partilhadas e administradas de acordo com as regras do sistema de partilha tributária, dos arts. 105 e s. da Lei Fundamental”, aplicando, sem diferenças, a disciplina dos impostos. A relação entre a extrafiscalidade e o direito de propriedade será analisada na seção 4, ao se tratar da legitimidade e limites do instituto. 18 O parágrafo 3.1 do Código Tributário Alemão prevê que “a obtenção de ingressos pode ser um fim secundário” do tributo. (PALAO TABOADA, 2005, p. 83, tradução nossa).

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centrar-se entre o conteúdo distributivo da carga tributária e o conteúdo regulatório das

leis tributárias (extafiscalidade):

[...] o contraste com a regulação não é a obtenção de receitas – também os impostos regulatórios têm a mesma função de gerar receita – mas a distribuição da carga tributária, deve-se dizer mais exatamente que a distinção está entre a função distributiva da carga tributária e a função regulatória das leis tributárias [...] (VOGEL, 1984, p. 548).

Não obstante Vogel indicar alguns pontos em que a distinção entre normas

fiscais (entendida pelo autor como aquelas com “objetivo de receita”) e extrafiscais

seria necessária - o que importa quando se discute nesta seção a possibilidade e

necessidade da distinção entre tais normas - a inserção citada tem conteúdo bem mais

profundo. A seção 2.5 tratará das funções da norma tributária, na qual será proposto que

a função distributiva – que o autor considera ser o melhor contraponto às normas

extrafiscais – se insere na própria fiscalidade. Na seção 3, ao se cuidar do conceito da

fiscalidade, também será mencionado esse importante raciocínio do autor alemão.

No Brasil, o art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN), ao conceituar o

tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se

possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada

mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (BRASIL, 1966), não

menciona a característica de arrecadação como seu fundamento de validade. Inexiste

empecilho legal e constitucional para a utilização do tributo como forma de indução de

comportamentos. Ao contrário, o constituinte já deixou clara a presença de tributos que

têm por finalidade precípua a regulação econômica, ao invés da arrecadação de

recursos, no caso dos impostos aduaneiros, do imposto sobre produtos industrializados e

do imposto sobre operações financeiras.

Conclui-se, assim, pela utilidade e possibilidade do manejo extrafiscal do tributo

e da distinção das normas tributárias em fiscais e extrafiscais. A discussão na doutrina

espanhola, que envolve a questão do uso do tributo extrafiscal não observar a

capacidade contributiva, é especialmente bem pontuada por Palao Taboada (1976; 1979;

2005), sendo certo que o princípio da capacidade contributiva não é o único fundamento

da tributação, mas apenas uma especificação possível do princípio da igualdade. O

princípio deve ser observado nas normas fiscais, o que não exclui a possibilidade de

outros fundamentos para o tributo, o que ocorre com as normas extrafiscais.

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2.4 Critérios de distinção Aqueles que defendem a distinção entre as normas fiscais e extrafiscais em geral

se baseiam no critério finalístico, ou seja, a norma extrafiscal tem finalidade diversa da

buscada pela norma fiscal, a exemplo de Domingues (2007, p. 47), Falcão (1981, p. 28)

e Tipke e Lang (2008, p. 175). Tal entendimento não impede que, por vezes, uma

mesma norma tributária possa atender a finalidades fiscais e extrafiscais. A finalidade,

como instrumento eleito para a distinção entre as normas, poderia ser apurada mediante

a análise de critérios subjetivos, objetivos ou mistos, conforme cita Schoueri (2005,

p.18).

Tipke e Lang (2008, p. 203) indicam que a capacidade contributiva seria um

elemento que diferenciaria os tributos fiscais dos extrafiscais, estando presente apenas

nos primeiros tipos.

Schoueri (2005, p. 26-32) propõe, na linha de Vogel, o critério funcional para a

distinção. As normas tributárias teriam diversas funções, dentre elas a função indutora,

que se caracterizaria pela aptidão para a produção dos efeitos indutores, diferenciando-

as das demais funções do tributo (distributiva, simplificadora e arrecadadora).

Passa-se à análise dos critérios propostos para a distinção.

2.4.1 Finalidade

A grande maioria dos autores identifica a extrafiscalidade quando na norma

tributária se destaca a finalidade não arrecadatória. Outros acrescentam a finalidade de

indução de comportamentos. O ponto fundamental é, então, delinear qual a finalidade

da norma tributária - questão sabidamente tormentosa – o que pode ser estudado por

dois focos distintos: a busca dos aspectos subjetivos do legislador ou dos objetivos da

norma jurídica tributária.

2.4.1.1 Aspectos subjetivos

A análise dos aspectos subjetivos caracteriza-se pela busca dos elementos

volitivos do legislador para o delineamento da exação no contexto de edição da norma,

ainda que não expressos no seu texto. Isso poderia ser obtido, por exemplo, através da

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análise da exposição de motivos das leis, das atas parlamentares, do contexto em que foi

criada a norma e do programa dos partidos que sustentam a base governamental.

A busca de elementos volitivos subjetivos do legislador para a caracterização da

finalidade da norma é duramente criticada na obra de Dworkin (1999). Através da

crítica ao que o autor denomina “teoria da intenção do interlocutor”19, extrai-se o quão

problemática é a identificação da vontade do legislador.

A primeira dificuldade seria identificar aqueles que teriam elaborado a lei (para,

posteriormente, buscar a sua intenção), diante da diversidade de partícipes no processo

legislativo, como assessores, lobistas, o próprio povo (quando a proposta surgiu a partir

da iniciativa popular), dentre outros. No segundo momento, o da apuração de intenções,

a dificuldade permanece, citando o autor a “intenção representativa” e a “intenção da

maioria”. A primeira é baseada no “mito do legislador médio ou representativo”, cuja

opinião seria a mais próxima da maioria dos parlamentares. A segunda forma de

apuração teria que confrontar-se com a diversidade de pensamentos dos congressistas e

suas ambições pessoais, o estado de espírito, a diferença dos ideais partidários e o

interesse egoístico de determinados grupos - que poderia justificar de forma equivocada

a real intenção visada pelo legislador - ou as misteriosas questões contrafactuais.

Por outro lado, a norma criada com um determinado fim pelo legislador, ainda

que expresso, pode, em um momento posterior, perder o sentido e a finalidade buscada

em sua edição, dependendo de mudanças históricas, econômicas, sociais e culturais,

contrariando a “história em movimento”. Tudo isso termina em avaliações inseguras e

vagas, construídas sobre “previsões” ou “expectativas”.

Nesse raciocínio, entende-se que não é recomendável a adoção do critério da

intenção subjetiva do legislador para identificar a finalidade da norma tributária, se

fiscal ou extrafiscal. Como não parece ser critério apto para interpretação das normas

jurídicas em geral.

19 Para Dworkin, a respeito da busca da finalidade da lei, a questão pode ser vista de duas formas, ao se analisarem os relatórios ou debates formais dos parlamentares. A primeira seria através da adoção da “teoria da intenção do interlocutor” (como aquele que formula o enunciado), que trata as declarações como evidência do estado mental dos legisladores que a fizeram, presumindo ser representativa do estado de espírito da maioria dos legisladores que participaram do processo legislativo. Pressupõe que a interpretação correta seja a conversacional, não construtiva. A segunda forma, que seria a adotada pelo “juiz Hércules”, aborda as múltiplas declarações feitas pelos legisladores no processo de elaboração da lei, como atos políticos importantes em si próprios (não como evidência de estado de espírito dos parlamentares), aos quais a interpretação da lei deve ajustar-se e poder explicá-las, assim como a interpretação precisa ajustar-se ao próprio texto da lei e explicá-lo. Entende a ideia do propósito ou intenção da lei como o resultado da “integridade”, não como combinação de propósito dos legisladores.

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2.4.1.2 Aspectos objetivos

A análise objetiva, por sua vez, consiste na busca de sinais objetivos na lei que

indiquem a finalidade pretendida, o aspecto volitivo da norma. Schoueri cita Dora

Schmidt20, em estudo pioneiro sobre o tema, em 1926, no qual citou como sinais

objetivos o próprio texto da lei, que indica expressamente a sua finalidade indutora, a

base de cálculo, a alíquota, o contexto político (se a medida tributária não é isolada, mas

criada em um “pacote tributário”), a escolha dos objetos tributados, dentre outros. A

busca da finalidade da norma pelo aspecto objetivo leva em conta os elementos nela

expressos de forma literal.

Obviamente, os elementos indicados acima são fundamentais na análise da busca

da finalidade da norma tributária. A lei pode determinar expressamente o fim que

caracteriza a instituição, a minoração ou a majoração de determinado tributo, bem como

ser a finalidade deduzida da diferenciação entre as alíquotas ou base de cálculo entre

situações distintas combinado com a situação fática que constitui objeto do fato gerador.

Contudo, muitas vezes o texto da lei não é claro o suficiente para se concluir pela

finalidade da exação.

Sugere-se a análise do texto das normas jurídicas como “ponto de partida” para a

interpretação de seu conteúdo (que abrange a finalidade) sabendo-se, contudo, que essa

análise nele não se encerra. Dworkin (1999) explicita a “integridade textual” como um

dos elementos utilizados para a interpretação das leis,21 a qual, levando em conta as

justificativas de princípio e política, evitaria conclusões contrárias ao sentido mínimo

que dela pode ser extraído.

No âmbito da realidade política, não há como desprezar a impropriedade técnica

e o conteúdo incoerente e deturpado que muitas vezes eiva o texto e o conteúdo da lei,

dificultando a tarefa do seu intérprete. Tipke e Lang (2008, p. 168), explicitando a

20 SCHMIDT, Dora. Nichtfiskalische Zeweck der Besteuerung, Ein Beitrag zur Steuerthorie und Steuerpolitik, Tübingen, J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1926, p. 16-19. 21 Para a interpretação das leis em sua “melhor luz”, além da integridade textual, o autor ainda cita a equidade, que compreende a análise de qualquer expressão de pontos de vista políticos que pareça relevante para decidir se uma determinada lei, compreendida de acordo com uma interpretação que ele esteja considerando, seria equitativa, tendo-se em vista o caráter e o alcance da opinião pública e a história legislativa, como as convicções concretas que os legisladores expressam dentro de uma “comunidade de princípios”, que trata a legislação como uma decorrência do compromisso atual da comunidade com o esquema precedente de moral política.

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dificuldade de averiguação da finalidade expressa pelo texto da lei, ao tratarem do

sistema externo22, em boa parte responsável pelo “caos tributário”, aduzem que:

A qualidade jurídica das leis tributárias sofre especialmente sob a caotização do direito tributário por meio de uma legislação tributária orientada pelos objetivos políticos do dia. De quando em quando adquirem as leis tributárias a natureza de leis desleixadas (Wegwerfgesetzen). Dessa maneira evidenciam-se frequentemente como insuficientes os argumentos provindos do sistema externo das leis tributárias, tanto assim que para a obtenção de consequências jurídicas aceitáveis precisam logicamente ser introduzidos outros métodos.

Tipke e Yamashita (2002, p. 40) vislumbraram outra dificuldade no que tange à

busca da finalidade, apontando a facilidade que o legislador tem de justificar a norma

extrafiscal por “uma razão objetiva qualquer, tal como o fomento do crescimento

econômico, a redução do desemprego, a garantia da infraestrutura pública, a

manutenção ou melhoria da saúde pública, a proteção ao meio ambiente [...]”.

Especialmente quanto à justificativa econômica, há que se ter bastante cuidado

ao analisar a norma tributária. Parece que toda norma tributária, independente do seu

caráter fiscal ou extrafiscal, terá um efeito sobre a economia, afinal, é sobre o

patrimônio do contribuinte que incide o tributo; mesmo a opção do poder público pela

ausência de tributação estará a interferir nessa esfera, implicando o aumento do

patrimônio daquele beneficiado pelo incentivo. A consideração de tal efeito, sem uma

investigação crítica da sua incidência, acaba por não diferenciar a norma fiscal da

extrafiscal, tendo, nesse diapasão, toda norma tributária uma finalidade extrafiscal, com

o que não se pode coadunar.

Outrossim, por mais que do texto da norma seja possível deduzir a sua

finalidade, pode haver a total impropriedade do alcance de seu resultado pela forma de

tributação escolhida, o que torna insuficiente o critério da busca da vontade objetiva da

lei para a escorreita e segura qualificação da norma tributária como fiscal ou extrafiscal.

2.4.2 Capacidade contributiva

22 O sistema externo, segundo os autores, “diz respeito ao modo da ordenação formal da matéria, a articulação técnica e ordem da matéria. Elementos do sistema externo são os conceitos de ordenamento da lei, a construção da lei e a posição da matéria jurídica singela na estrutura da lei.” (TIPKE e LANG, 2008, p. 168). O sistema interno, seguindo os autores o viés da jurisprudência de valores, seria composto dos valores que informam o conteúdo da ordem jurídica.

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Schoueri (2005, p. 23) menciona que a capacidade contributiva é apontada por

Tipke como um dos possíveis critérios para distinguir as normas fiscais das extrafiscais

em se tratando de impostos, sendo princípio presente nas normas arrecadadoras. Ao

contrário, ausente a gradação segundo a capacidade contributiva, ter-se-ia um tributo

extrafiscal.

Tipke e Yamashita (2002) registram que a capacidade contributiva pode ser

afastada em se tratando de normas de cunho extrafiscal, mas não se encontra, nessa

obra, a indicação de tal fato como critério de distinção entre as normas fiscais e

extrafiscais. Tipke e Lang (2008, p. 203) mencionam, quando do estudo da igualdade,

que “o princípio da capacidade contributiva é o critério comparativo para normas de fim

fiscal [...]; para as normas de fim social valem princípios, que são apropriados para

justificar derrogações do princípio da capacidade contributiva”. Os autores

complementam, ainda, que embora nos tributos extrafiscais (por eles denominados

sociais) a capacidade contributiva pode ser afastada, não se pode desprezar nessa

espécie de tributos o mínimo existencial.

Embora não fique totalmente claro se os autores defendem a capacidade

contributiva como o único critério de distinção entre os tributos fiscais e sociais, não

parece suficiente e adequado realizar a distinção que se preconiza neste estudo através

do princípio em questão. Isso porque, em alguns casos, mesmo presente a função

extrafiscal como primária, pode ocorrer que a capacidade contributiva seja observada,

mas não como fundamento da exação. Um exemplo é fornecido por Schoueri (2005, p.

25), ao tratar da tributação dos juros sobre capital próprio. As normas concernentes à

matéria, instituídas no art. 9º da Lei nº 9.249/1995 (BRASIL, 1995), teriam a finalidade

de promover a capitalização das empresas, isso após o fim da medida que possibilitava a

correção dos balanços das sociedades empresárias. Contudo, conferiam “ao investidor

tributação equivalente à que teria em caso de investimento no mercado financeiro de

renda fixa, atendendo, daí, a capacidade contributiva”.

Concorda-se com a afirmação de Tipke e Lang (2008) de que, nos tributos

extrafiscais, a capacidade contributiva não deve, obrigatoriamente, se fazer valer, mas

não se pode, daí, concluir que o princípio seria sempre o critério oportuno para

distinguir as normas, devendo ser visto como um elemento que fará parte (ou não) da

natureza jurídica das normas fiscais e extrafiscais.

Esclarecimento, oportuno, relaciona-se à diferença da utilização do princípio da

capacidade contributiva como o critério que distinguiria normas fiscais de extrafiscais,

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que pressupõe a possibilidade do emprego de ambas as funções da norma tributária no

ordenamento jurídico, do raciocínio que, conforme parte da doutrina espanhola,

valorizando de forma exacerbada o princípio da capacidade contributiva, afasta a

tributação extrafiscal por não observar o princípio (admitindo-se apenas a função fiscal),

o que foi objeto da exposição na seção 2.3 ao ser analisada a doutrina espanhola e

novamente será tratado na seção 4.3.5.

2.4.3 Funcionalidade

Schoueri (2005) propõe um critério de distinção entre as normas fiscais e

extrafiscais pelo qual a investigação fundamenta-se na eficácia, adotando a definição de

Ferraz Júnior (2008, p. 168), que a considera, “no sentido técnico, como aptidão, mais

ou menos extensa, para produzir efeitos”.23

Ferraz Júnior (2008) explicita que, no sentido técnico, a aptidão para produzir

efeitos admite “graus”, e que para aferição desses, deve-se levar em conta “as funções

da eficácia no plano da realização normativa”, que denomina “funções eficaciais”.24

A eficácia das normas jurídicas tributárias é analisada por Ávila (2008).

Segundo o autor, todas as normas jurídicas possuem objetos de proteção, sendo que

“quando se faz referência à eficácia das normas tributárias, está-se a fazer referência - a

rigor - aos bens atingidos, cuja disponibilidade é protegida pelos princípios jurídicos”

23 Segundo Ferraz Júnior, “a capacidade de produzir efeitos depende de certos requisitos. Alguns são de natureza fática; outros de natureza técnico-normativa. A presença de requisitos fáticos torna a norma efetiva ou socialmente eficaz [...] quando encontra na realidade condições adequadas para produzir seus efeitos.” Quanto aos requisitos técnicos, “a dogmática supõe, nesse caso, a necessidade de enlaces entre diversas normas, sem os quais a norma não pode produzir seus efeitos” (2008, p. 168). A teoria adaptada à extrafiscalidade pressupõe que a realidade fática suporte e torne possível a indução de comportamentos do contribuinte. Por exemplo, um aumento de alíquota do IPI, utilizando o critério da “essencialidade” para um produto supérfluo deve ser adequado à realidade social, no sentido de que a redução de seu consumo não importará prejuízo à sociedade. O aumento do tributo em tela para aparelhos de ar condicionado, por exemplo, não se adequaria à realidade futura do superaquecimento do planeta. Outrossim, em termos técnicos, o que é comum em se tratando de normas extrafiscais, possuindo o seu texto conceitos indeterminados ou referências que dependam da regulamentação ou atuação de órgãos competentes, estes devem produzir os atos normativos necessários a possibilitar a produção de efeitos da norma. 24 A primeira seria a “função de bloqueio” de condutas indesejáveis e contrárias ao preceito da norma. A segunda liga-se à “realização de objetivo, que funciona com um telos programático” (2008, p. 169), sendo a “função de programa.” A terceira e última seria a “função de resguardo”, visando a “assegurar uma conduta desejada”. As funções podem ser primárias ou secundárias, a depender da natureza da norma. Ferraz Júnior cita o exemplo do art. 129 do Código Penal que imputa pena de três meses a um ano a quem “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.” A função de bloqueio seria “evidente e primária.” A função de resguardo seria secundária, pois “a contrario sensu”, por força do princípio da legalidade, assegura a conduta de não provocar lesões corporais. Na mesma norma, de forma indireta, há também um telos objetivado na paz social e na integridade física de qualquer cidadão contra agressões” (2008, p. 169).

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(2008, p. 82). A análise da eficácia leva à análise (e controle) de elementos que não são

considerados quando essa é “circunscrita aos meros enunciados linguísticos e às

estruturas lógicas” (2008, p. 84). O autor conclui que:

A análise da eficácia das normas (tributárias) faz parte do próprio objeto da Ciência do Direito. Sem a análise dessa eficácia, não se sabe quais os bens jurídicos promovidos ou restringidos na aplicação das normas tributárias. Sem o exame dos bens jurídicos, não se sabe quais são as normas constitucionais – princípios e regras – que devem ser buscadas para resolver os problemas tributários. E sem saber quais são as normas constitucionais, não se sabe quais são os critérios de controle de sua aplicação. Uma parte importantíssima do Direito fica esquecida (2008, p. 86).

Schoueri considera que o critério de distinção entre as normas tributárias fiscais

e indutoras (para este estudo, extrafiscais) deve ser baseado na função, entendida como

aptidão para produção de resultados. Seguindo Vogel25, os tributos teriam a função

arrecadadora, no sentido próprio terminológico, a qual considera presente em qualquer

norma tributária (posição com a qual não compartilha este estudo) e a função indutora,

caracterizada por possibilidade de influenciar o comportamento do contribuinte para

adotar, ou não, determinada conduta possível no ordenamento jurídico. Além destas

funções, o autor cita a distributiva, que representa a “repartição das necessidades

financeiras do Estado segundo os critérios de justiça distributiva” e a simplificadora

(2005, p. 27), o que será tratado na seção seguinte.

Na linha do supracitado autor, propõe-se neste trabalho, ao invés da investigação

do objetivo visado pela norma tributária (cuja insuficiência dos critérios de averiguação

foram apontados anteriormente), a busca pelo efeito prático que dela possa ser

alcançado, a sua “aptidão para produzir efeitos”, no caso, indutores de comportamentos,

em uma postura pragmática. Ao invés de se questionar se o legislador ou a norma visam

a estimular ou desestimular alguma conduta do contribuinte, propõe-se verificar se,

fática e tecnicamente, a norma é apta a fazê-lo. Caso a resposta seja positiva, a norma

caracterizar-se-ia como extrafiscal, distinguindo-se das normas fiscais.

Assim, a busca da função exercida pela norma parece ser o critério que trará

melhor luz ao tema. A função fiscal se caracteriza pela aptidão da norma a produzir

receitas, mas não somente, o que se enfatiza e se demonstrará na seção seguinte. A

função extrafiscal é determinada pela aptidão para produzir a indução de

25 VOGEL, Klaus. Die Abschichtung Von Rechtsfolgen im Steuerrecht. Steuer und Wirtschaft, nº 2, 1977, p. 106-107.

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comportamentos do contribuinte desejada. Deve estar presente na norma tributária e

verificada no momento em que esta for apta a produzir os seus efeitos.

2.5 Funções da norma tributária segundo a doutrina

Na linha de Vogel, citado por Shoueri (2005), verifica-se que as normas

tributárias teriam quatro funções diversas. A primeira, arrecadadora, estaria presente em

qualquer norma tributária. Ao lado dessa, haveria a função de simplificar o ordenamento

jurídico tributário (função simplificadora), citando-se como exemplo a norma que cria o

regime de apuração pelo lucro presumido no cálculo do imposto de renda. Haveria

também a função distributiva, relacionada à distribuição dos encargos do Estado entre

os particulares, através de critérios de justiça fiscal e uma quarta, a função indutora,

ligada ao impulsionamento econômico por parte do Estado. Uma ou mais funções

poderiam estar presentes de forma concomitante em uma mesma norma tributária.

Como salientado anteriormente, Vogel (1984) considera mais propício o contraponto

entre normas indutoras e distributivas, e não entre as indutoras e as de conteúdo

arrecadatório, pois o conteúdo arrecadatório estaria presente em todas as normas

tributárias).

Tipke e Lang (2008) agrupam as normas tributárias no sistema, de acordo com a

sua finalidade,26 em normas fiscais, sociais e simplificadoras. O conceito de normas

fiscais envolve o conteúdo arrecadatório, servindo para cobrir as necessidades

financeiras do Estado. Seriam fundadas em “decisões concretas de dignidade tributária

segundo critérios distributivos (melhor, atributivos) de justiça, em que evidentemente

devem considerar-se os direitos fundamentais” (2008, p. 175). Interessante notar que,

em análise sistemática da obra dos autores, a distribuição compreende a aplicação da

capacidade contributiva, reconhecida mundialmente como “o princípio fundamental da

tributação justa” (2008, p. 201). O raciocínio não envolve, contudo, a progressividade,

que, para Tipke e Lang, integra o conteúdo das normas sociais.27

26 Optou-se neste trabalho pelo tratamento das funções da norma tributária (e não finalidades), diante dos motivos já expostos. 27 O raciocínio dos autores fica claro na seguinte passagem: “A alíquota progressiva do imposto de renda é norma de escopo social com finalidade de redistribuição: ela não colhe sua justificação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva; esses princípios levam a uma regra proporcional da finalidade fiscal. A progressão é muito mais a expressão da social-estatabilidade redistributiva [...]” (TIPKE E LANG, 2008, p. 262).

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As normas simplificadoras “devem facilitar por motivos técnico-econômicos a

aplicação do direito tributário, simplificar, dar uma forma mais prática ou mais

econômica; [...] evitar a excessiva complexidade e inexequibilidade da lei.” (Tipke e

Lang, 2008, p. 178). Advertem, contudo, que simplificar não significa o tratamento do

direito tributário por “poucas cláusulas gerais”: “a fácil legibilidade para leigos de uma

cláusula geral esconde frequentemente sua alta propensão a litígio”.

As normas nomeadas pelos autores como “sociais” seriam as reguladoras, que

serviriam a objetivos políticos diversos, estimulando comportamentos desejados e

onerando comportamentos indesejados. Os autores as classificam em normas sociais

dirigistas (estímulo de comportamento voltado ao bem comum) e de redistribuição

(visam à correção do bem-estar no interesse de um equilíbrio social):

São normas direcionantes (reguladoras, dirigistas, intervencionistas, instrumentalistas) que são político-social (especialmente melhoradoras do bem-estar ou redistributivas), político-econômica, político-cultural, político-sanitária, político-profissional etc., não fiscalmente motivadas. Elas não subministram nenhuma decisão de dignidade tributária. Elas podem produzir exonerações tributárias através de privilégios fiscais [...], mas também onerações tributárias adicionais (por exemplo, por limitações de dedução fiscal) ou criar tributos especiais. Quem se comporta “de modo socialmente desejado” é fiscalmente desonerado, quem “de modo indesejado” se comporta, é tributariamente especialmente onerado”(2008, p. 176).

Concorda-se com as diversas funções citadas pelos autores, sendo que

provavelmente outras poderiam ser elencadas, quando se visa a instrumentalizar o

tributo de forma a atender às múltiplas funções que o Estado desempenha nas

complexas sociedades modernas. Contudo, verifica-se que a função arrecadatória não

pode, em solitário, definir a fiscalidade, pelo que se entende necessário manejar

algumas funções citadas para o conteúdo do instituto, sejam aquelas identificadas como

funções autônomas, a exemplo da simplificadora e distributiva (Schoueri, 2005) sejam

aquelas identificadas de forma equivocada no conteúdo da extrafiscalidade, como a

função social redistributiva de Tipke e Lang (2008).

2.6 Proposta de classificação

Não obstante as várias funções possíveis das normas tributárias, por opção

metodológica opta-se por classificá-las em dois grupos, o das normas fiscais e o das

extrafiscais, o que não significa excluir as diversas funções elencadas na seção anterior.

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As normas fiscais, cujos efeitos mais conhecidos são os arrecadatórios, não

esgotam neste ponto a sua atuação. Como normas que têm, também, a tarefa de

promover a realização dos fins legítimos previstos no ordenamento constitucional e

infraconstitucional, especialmente da justiça fiscal, agrupam a função distributiva – essa

entendida como o critério de justa repartição da carga tributária na sociedade,

utilizando-se do princípio da capacidade contributiva e da progressividade. Assim, esses

princípios (que se relacionam à função distributiva) devem ser implementados ao lado

da função de arrecadar recursos para o custeio dos serviços públicos, das despesas do

Estado e para a promoção do bem-estar coletivo. Coaduna-se, assim, com Vogel (1984)

em que o contraponto com a função extrafiscal se dá, especialmente, na função

distributiva (ausente nas normas extrafiscais) e não na aptidão arrecadatória.

Nesse sentido, na classificação delineada por Tipke e Lang (2008), entende-se

que a fiscalidade abrange a finalidade [para este trabalho, função] fiscal mencionada

pelos autores, mas também a finalidade [função] social redistributiva, que para os

autores significa a correção do bem-estar no interesse de um equilíbrio social” (2008, p.

177), o que se daria através da progressividade. Ora, a progressividade é, junto à

capacidade contributiva, critério de distribuição justa da carga tributária, sendo certo

que se compreende no campo da fiscalidade, e não no campo das “normas sociais”.

A extrafiscalidade, por sua vez, abrange a função indutora de Vogel e Schoueri

(2005), bem como as normas de finalidade social dirigistas, de Tipke e Lang (2008).

A função simplificadora, citada por Schoueri (2005), na linha de Vogel, Tipke e

Lang (2008) deve ser implementada tanto pelas normas fiscais quanto pelas normas

extrafiscais.

O enquadramento proposto ficará mais claro com o aprofundamento realizado

nas seções posteriores.

2.7 Relevância da distinção

Definido o critério funcional para a distinção entre as normas fiscais e

extrafiscais, deve-se destacar a relevância da distinção no que concerne às

consequências práticas no uso e na aplicação dos institutos.

Poderia parecer, a princípio, parafraseando Godoi (2004, p. 256), que a

distinção não passaria de “estética da dogmática jurídica” ou “preciosismo

terminológico”, um jogo de palavras sem maiores consequências. Contudo, a distinção

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tem efeitos práticos relevantes no estudo do direito tributário, seja para a correta

interpretação desse no paradigma do Estado Democrático de Direito, seja para aclarar as

diversas funções do tributo, seja para delimitar os limites na aplicação dos tributos

fiscais e extrafiscais, inclusive pela percepção dos desvios das políticas públicas ao

manejá-los.

A distinção tem reflexos quanto aos limites ao poder de tributar. Enquanto nos

tributos fiscais não há dúvidas sobre a obrigatoriedade de adequação aos seus ditames,

que comporiam o “estatuto do contribuinte”, questiona-se qual a relação das normas

extrafiscais com as limitações ao poder de tributar estabelecidas pela Constituição de

1988. Poderiam ser mitigados tais limites, deveriam ser enrijecidos ou, simplesmente, as

normas extrafiscais obedeceriam ao mesmo regime das normas ditas fiscais?

Observa-se, ainda, a possibilidade de uso indevido dos tributos extrafiscais,

especialmente aqueles que, por sua natureza constitucional, têm flexibilizados os

princípios da legalidade e anterioridade. Nesse caso, verificado o desvio na sua

finalidade, qual a providência a ser tomada? Este estudo se propõe, nas seções

seguintes, a responder a tais questionamentos, que destacam ainda mais a relevância na

distinção das normas fiscais e extrafiscais.

Após esses apontamentos iniciais, com base na necessária distinção entre as

normas fiscais e extrafiscais, pelo critério da função, a pesquisa buscará, nas duas

seções seguintes (na seção 3, quanto à fiscalidade e na seção 4, quanto à

extrafiscalidade), construir um conceito que possa definir adequadamente os institutos

no paradigma do Estado Democrático de Direito, analisando, de forma crítica, o

tratamento doutrinário conferido ao tema. Quanto à extrafiscalidade, buscar-se-á tratar

da sua natureza jurídica, dos aspectos voltados à legitimidade de sua instituição e dos

erros frequentes ao enquadrar uma norma em função diversa, o que ocorre em razão de

claro equívoco metodológico ou, propositadamente, pelos desvios na utilização das

normas extrafiscais como fiscais pelos que elaboram e executam as políticas públicas.

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3 FISCALIDADE 3.1 Fiscalidade como interesse “meramente arrecadatório”: a teoria do “interesse

tutelado” pela norma tributária nos moldes do Estado Liberal e de acordo com a

visão “liberista”

Como se verificou pelos conceitos expressos na seção 1, a fiscalidade é

comumente tratada como a utilização do tributo para fins “meramente arrecadatórios”,

ligados ao custeio da “máquina pública” ou à prestação dos serviços públicos essenciais.

Tal tributação é vista como se tivesse por fim atender a um limitado rol de atividades,

como o pagamento do funcionalismo e a prestação de serviços básicos, como a

educação, a segurança pública e o serviço jurisdicional.

Outrossim, em viés garantista, é comum relacionar o objeto do direito tributário

somente à proteção do contribuinte quanto aos “desmandos” do poder de tributar,

valorizando a tal ponto as limitações contra tal poder como se estas constituíssem o

papel quase exclusivo do sistema tributário. É o que se percebe, por exemplo, na

afirmação de que “o direito tributário tem por finalidade limitar o poder de tributar e

proteger o cidadão contra os abusos deste poder” (MACHADO, 1998, p. 38) e na

construção engendrada por Martins (2000, p. 57), que trata o tributo como norma de

rejeição social, devendo o “sujeito mais débil da relação tributária” ser protegido contra

“as lanças penetrantes do sujeito ativo”.28

Tais visões, intrinsecamente relacionadas uma a outra, são vinculadas ao

paradigma liberal, já superado, o qual fincava suas raízes na intervenção mínima do

Estado nas relações privadas, partindo do pressuposto da supervalorização do

patrimônio individual e da premissa de que a autonomia dos indivíduos e do mercado

regulariam de forma suficiente o curso das relações na sociedade.

O raciocínio envolvendo a tradicional visão da fiscalidade tem por critério

metodológico o “interesse tutelado” pelo direito tributário como a arrecadação em favor

do Erário, contrapondo o interesse público ao particular e separando completamente o

Estado da sociedade civil. Esse raciocínio tem ainda, seguindo a classificação adotada

por Menéndez (2001), em obra que procura definir a legitimação do sistema tributário

no regime democrático, relação com a teoria liberista, que é antagônica à teoria liberal,

28 A teoria construída por Martins (2000) será exposta com maiores detalhes e terá seu conteúdo analisado criticamente na seção 4.

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ambas tentando explicar que papel deve exercer o Estado e o direito tributário na atual

conjuntura econômica e política.

É fundamental, então, delimitar no que consistiria o “conteúdo arrecadatório” do

tributo referido pela doutrina e qual seria a sua extensão. Esse é um dos pontos

problematizados neste trabalho. A incompreensão sobre essa questão explica o fato pelo

qual a doutrina dá diversos exemplos de tributo com finalidade não arrecadatória que,

ao ver deste estudo, compreendem o papel do sistema tributário em sua face

desenganadamente fiscal no contexto do Estado Democrático de Direito.

3.1.1 A teoria do “interesse tutelado” pela norma tributária: finalidade arrecadatória

nos moldes do Estado Liberal

Conforme lições de Lozano Serrano (1988), o critério do interesse tutelado pelas

normas tributárias supõe a aplicação formalista e dogmática do Direito, na hermenêutica

da jurisprudência dos conceitos, embora tenha por intenção preconizar a aplicação

substantiva do direito29. O autor considera que muito mais que um critério

metodológico, o raciocínio remete a uma concepção de fundo sobre o direito, à justiça e

à posição do intérprete quanto à interpretação e aplicação do ordenamento jurídico.

O interesse tutelado pelo direito tributário seria a arrecadação, o interesse fiscal e

o crédito tributário em favor da fazenda pública. O interesse do particular, de proteção

do seu patrimônio, é tratado como contraposto ao interesse público, que deve ser o

normalmente prestigiado pela tributação. Tal raciocínio encontra a justificativa do

tributo no poder de império do Estado, considerando o direito financeiro meramente

instrumental, já que trataria dos ingressos, cabendo a outro ramo a “designação dos fins

e objetivos de justiça na atuação pública” (LOZANO SERRANO, 1988, p. 35).

Tal critério do interesse tutelado explicita uma “formalização” do dever de

contribuir, de apenas entregar uma quantia ao poder público, despido dos princípios de

29 A jurisprudência de conceitos, na qual o nome de maior destaque é Puchta, percebe o direito como uma realidade fechada, com viés exegético e formalista, caracterizando-se pela interpretação do Direito com base no produto da dedução científica. A jurisprudência de interesses tentou superar o formalismo da concepção anterior, encarando o direito como um fim. A aplicação do direito deveria observar os interesses e necessidades do caso concreto. Ambas as formas hermenêuticas pregavam a dicotomia entre direito e moral. Já na jurisprudência de valores, o Direito é visto como a “ciência dos valores” de determinado momento histórico, admitindo a graduação hierárquica. Nesse método, direito e moral não são antinômicos. A crítica a tal concepção do Direito é realizada na medida em que conduz a um processo de pré-compreensão dos valores, arriscando a racionalidade do direito e sobrecarregando a base de legitimação do Poder Judiciário (HABERMAS, 1997, p. 175).

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justiça que, nesse raciocínio, não teriam relação com o direito tributário. O interesse

tutelado como único conteúdo da norma jurídica é positivista, ao considerar unicamente

uma pretensa vontade do legislador, abandonando outros critérios valorativos que

integram o ordenamento jurídico e a norma tributária.

A teoria citada é uma consequência do liberalismo filosófico e jurídico, já que o

conceito de interesse público era bem diverso do que temos atualmente. No paradigma

de Estado Liberal, separava-se rigidamente Estado e sociedade. O interesse público não

representava o interesse da coletividade, apenas contrapunha-se ao interesse do

particular. O Estado deveria se impor aos particulares através de sua autoridade - poder

de império. Daí a ideia de interesse arrecadatório, de um lado, e interesse do sujeito

passivo, do outro - ideia que frequentemente verifica-se nos debates que envolvem os

temas tributários e que resulta na visão míope de que o direito tributário teria como

objeto exclusivo a proteção do contribuinte contra o Estado, explicitada sobretudo

através das limitações ao poder de tributar.

O aumento da intervenção estatal, resultado da insuficiência da ideologia liberal

para atender aos anseios da sociedade, leva à revisão do papel do Estado, do direito e,

consequentemente, do direito tributário. Segundo Habermas (2004, p. 299), passa-se á

relação de equiprimordialidade entre a autonomia pública e a privada, não podendo se

separar o interesse público do particular. O interesse tutelado pelo sistema tributário não

é o meramente arrecadatório, mas sim a consecução dos fins previstos na Constituição,

devendo o sistema tributário realizar este papel, tanto na elaboração das normas

tributárias quanto na posterior destinação dos recursos arrecadados – e também na tarefa

de interpretação do direito. No Estado Democrático de Direito não há como sustentar a

dicotomia interesse público versus interesse privado, que a teoria da tutela do interesse

prestigia.

É por essa razão que a fiscalidade e o próprio conceito da arrecadação devem ser

reavaliados, de forma a se livrar dos ideais de paradigma superado e acolher o papel de

que o sistema tributário se reveste no atual Estado Democrático de Direito. Muito do

que é relacionado, por diversos autores, à extrafiscalidade nada mais é que a própria

fiscalidade, com a necessária configuração que o Estado e a sociedade moderna

requerem, o que será detalhado em seção posterior.

3.1.2 Liberistas x liberais

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A terminologia utilizada por Menéndez (2001) pode causar certo estranhamento

e induzir o leitor a erro, já que a teoria que o autor nomeia de “liberal” é o oposto do

que o termo comumente significa no contexto político-econômico no Brasil. Trata-se de

uma teoria com eminente preocupação social no manejo do sistema tributário,

utilizando, em sua plenitude, instrumentos relacionados à capacidade contributiva dos

cidadãos como forma de redistribuição de rendas.

Já a teoria que o autor nomeia de “liberista” é a que representa o que se costuma

chamar, no Brasil, de pensamento “liberal” ou “neoliberal”, privilegiando a propriedade

privada e o mercado de transferência pelo contrato, conferindo ao sistema tributário a

tarefa simples de prover os bens públicos básicos e o custeio da máquina estatal.

As teorias acima têm respostas distintas quanto ao papel do sistema tributário:

este deve ser responsável pelo financiamento de um conjunto muito limitado de bens

públicos (liberistas) ou deve proporcionar receitas suficientes para redistribuir os

recursos econômicos e auxiliar na gestão da economia, com a redistribuição do

rendimento da sociedade com vistas a garantir certa igualdade entre os cidadãos

(liberais).

Verifica-se que ambas as correntes concordam em relação à atribuição ao

sistema tributário do papel de fornecedor de receitas para o financiamento dos bens

públicos básicos, sendo a discordância em torno da função que o Estado (inclusive

através do sistema tributário) deve representar em termos políticos, sociais e

econômicos.

Para a teoria liberista, o mercado autorregulado constitui a ordem social mais

justa, construída sobre o princípio da autonomia individual. Os liberistas são contra

qualquer intervenção no mercado livre. A relação entre o público e a autonomia privada

se baseia na autonomia da última. Quanto aos tributos, devem ser limitados à cobrança

de receitas necessárias para financiar os gastos públicos.

Como fundamentos da tese liberista, Menéndez (2001), embora adepto da tese

liberal, arrola argumentos funcionalistas, evolutivos e normativos. O argumento

funcionalista aduz que o mercado é mais eficiente para alocar seus recursos, já que tem

a eficiência como valor primordial. O evolutivo defende o fato de que o mercado de

autorregulação reflete a ordenação espontânea da sociedade. Já o argumento normativo

conclui que a economia de mercado deixa o máximo possível de espaço à autonomia

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individual, o que deve ser preservado pelo Estado, adotando a ideia do contrato,

corolário da autonomia das vontades, como padrão de troca e distribuição.

Para a teoria liberal, no sentido conferido por Menéndez (2001), às finanças

públicas é atribuído um papel mais importante do que o conferido pelos liberistas. Os

liberais admitem ser necessária a intervenção do Estado na economia privada como

forma de promoção do bem-estar econômico e social e apresentam os tributos como

uma combinação de custo e de seguro contra o risco de extrema privação, a má sorte,

exatamente na linha das teorias da justiça de Rawls (2000)30 e da igualdade de recursos

de Dworkin (2005)31.

Os liberais combatem o argumento funcionalista pelo fato de que o mercado

regulado gera níveis mais elevados de ordem social que o de autorregulação: épocas de

plena maturidade do bem-estar social coincidiram com tempos de maior crescimento

econômico e prosperidade na Europa Ocidental.

Sobre o argumento evolutivo, os liberais questionam por que o estado

redistributivo também não pode ser visto como uma ordem espontânea da sociedade.

Segundo Menéndez (2001), realidades históricas demonstrariam que o sucesso de cada

modelo depende do contexto, tal como houve a crise da bolsa de Nova Iorque no

mercado autorregulado e ordens sociais bem estruturadas no pós-guerra, quando o

Estado foi intervencionista.

A teoria liberal, neste diapasão, é favorável aos tributos progressivos, à

utilização na maior medida do princípio da capacidade contributiva, que se pauta na

capacidade econômica dos contribuintes.

30 A teoria da justiça construída por Rawls (2000, p. 64-69) baseia-se em dois princípios. O primeiro constitui-se no direito de cada indivíduo ter igual acesso ao sistema de liberdades básicas (com conteúdo material e equitativo) oportunizado aos demais membros da sociedade. O segundo relaciona-se à distribuição de bens primários (posições sociais, cargos, riqueza). A desigualdade na distribuição dos mesmos só será legítima se for resultado de um processo de acesso universal em igualdade equitativa de oportunidades e trouxer o máximo de benefícios aos menos favorecidos. 31 Para Dworkin (2005, p. 79-156), o mercado deve ter uma importância ética, de forma a respeitar a igualdade de condições (recursos) entre os indivíduos - metáfora do leilão, o que deve ser assegurado pelas políticas públicas. As circunstâncias acidentais ou arbitrárias, como a transferência de riquezas pelo nascimento, a falta de talentos, os aspectos físicos ou doenças que importem na diferenciação e, consequentemente, em desigualdades na obtenção dos recursos (denominada “sorte bruta” pelo autor), devem ser consideradas para efeitos de transferências pelo Estado. Por outro lado, ao contrário de Rawls, Dworkin considera que as preferências, crenças e convicções pessoais, resultado das escolhas autônomas dos indivíduos (“sorte escolhida”), não devem ser fatores que influenciem nas políticas públicas, dada a inviolabilidade da liberdade de cada um. Daí a metáfora dos tributos como prêmios de seguro de forma a se implementar a justiça distributiva. Neste “seguro coletivo”, todos contribuem para o eventual insucesso de si e/ou dos outros, sendo o “prêmio” a contribuição paga para o eventual sinistro da má-sorte. Tal “prêmio” corresponde justamente ao tributo que será utilizado para o pagamento das “indenizações” aos que dela necessitarem. É a solidariedade fiscal como forma de promoção da justiça distributiva.

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3.2 Mito do tributo como instrumento de “abastecimento dos cofres públicos”:

necessária desconstrução da “finalidade meramente arrecadatória” no paradigma

do Estado Democrático de Direito

A visão da fiscalidade baseada no interesse tutelado e de acordo com os

fundamentos da tese liberista não é adequada ao contexto da atual ordem jurídica.

Criou-se um mito de que a tributação “fiscal” estaria voltada ao atendimento de

interesses “simplesmente” ou “meramente” arrecadatórios, destinados ao

“abastecimento dos cofres públicos”, sendo tal premissa aceita de forma acrítica pelos

autores, abstraindo a substancial mudança verificada nos fundamentos da tributação na

nova ordem social democrática, quais sejam, a justiça social, a igualdade material e a

solidariedade.

Isso não significa desconsiderar a característica arrecadatória do tributo. Pelo

contrário. Não há dúvidas de que a arrecadação tributária constitui, já há muito tempo, a

maior fonte de receita do Estado - caracterizando o Estado Fiscal. Contudo, atualmente,

a face fiscal do tributo não pode se esgotar neste ponto. Daí a importância do correto

posicionamento sobre a função arrecadatória do tributo, a qual se liga à fiscalidade.

O debate remonta ao papel que o Estado e o sistema tributário exercem no nível

de desenvolvimento da sociedade moderna, bem como à questão do fundamento do

pagamento dos tributos pelos contribuintes.

3.2.1 A evolução do papel do sistema tributário nos diferentes paradigmas de Estado

Para a avaliação do papel do Estado e do sistema tributário, é necessário

compreender a evolução paradigmática do Estado Liberal para o Estado Social e deste

para o Estado Democrático de Direito. Paralelamente à tal evolução, o papel do tributo

sofreu significativas alterações, que devem ser mencionadas.

Como salientado em tópico anterior, no regime do laissez faire, o Estado teve

limitado o seu papel à operacionalização da organização estatal de forma a garantir as

liberdades individuais em seu status negativus, interferindo o menos possível na

autonomia privada, de forma a não ferir os interesses econômicos da classe burguesa

dominante32. A razão de existir do Estado estaria vinculada à necessidade de

32 Bonavides (2003, p. 158) aponta para o fato de que o calcanhar de Aquiles do modelo liberal se encontra no fato de que o conteúdo material da liberdade humana não foi dotado de universalidade, mas

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manutenção das conquistas obtidas com a Revolução Francesa: liberdade, igualdade e

fraternidade, impedindo o retorno à ordem absolutista anterior pela conformação do

Estado à lei, sendo este o fundamento da soberania estatal sobre os indivíduos. A

igualdade alcançava apenas o sentido formal e a fraternidade era encarada como forma

de assistencialismo estatal, despida de conteúdo horizontal, entre os indivíduos. A

liberdade era o direito em voga, a concreta herança da revolução científica do

“iluminismo”.

A atividade financeira do Estado nesse período marcou a transição do Estado

Patrimonial33 para o Estado Fiscal, este caracterizado pelo predomínio das receitas

tributárias na atividade financeira pública, cobradas agora de forma regular e habitual, o

que levou ao desenvolvimento do aparato estatal tributário. No Estado Fiscal

minimalista (primeira fase do Estado Fiscal, ocorrida do final do séc. XVII ao início do

séc. XX), a tributação era vista com cautelas, já que a função do Estado era a garantia

das liberdades, mas sem transpor a medida necessária da autonomia individual. O

tributo era visto justamente como a contrapartida dos contribuintes pela conquista de

tais liberdades (com destaque ao fim dos privilégios odiosos outorgados à nobreza e à

Igreja no regime anterior patrimonialista), sendo centrais as noções de

representatividade, de livre consentimento da tributação – através da legalidade

tributária, de cidadania fiscal. A sociedade política coincidia com a sociedade dos

contribuintes, já que os detentores do direito ao voto eram justamente os que possuíam

capacidade econômica. Nessa quadra histórica, fazia algum sentido que o tributo fosse

visto como a fonte de receitas destinada à “manutenção da máquina pública”.

O desenvolvimento do capitalismo, a reação ao excesso de autonomia na

condução do mercado pela iniciativa privada, típica do Estado burguês, as mazelas da

revolução industrial, que oprimia e explorava a massa de trabalhadores, fomentando a

miséria e acentuando as desigualdades de toda ordem e o crescimento dos movimentos

alcançado apenas em favor do capitalismo burguês, “a serviço de seu Estado-gendarme”. (grifo nosso). 33 Torres (2007, p. 7-10), ao mencionar a atividade financeira do Estado em momentos históricos distintos, explicita a seguinte classificação: o Estado patrimonial, o Estado fiscal e o Estado socialista. O Estado patrimonial, presente desde o séc. XVI, tinha a sua maior fonte de receita nas rendas patrimoniais do príncipe, em aparente unidade do patrimônio deste e do Estado, do público com o privado. A arrecadação dos tributos era esporádica e apropriada de forma privada, como resultado do exercício da jurisdictio.

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democráticos levaram à problematização da ideologia liberal: sob a forte influência dos

ideais marxistas, ascendeu o paradigma do Estado Social.

O welfare state, em sentido oposto ao do Estado Liberal, pregava a forte

intervenção do Estado nos assuntos sociais e econômicos, carregando a função de

promover segurança e bem-estar dos administrados. A atuação não era meramente

negativa, de abstenção e preservação dos direitos à liberdade, mas positiva, no sentido

do implemento efetivo das medidas necessárias ao alcance dos direitos sociais dos

indivíduos pelo Estado. O direito à igualdade (agora no sentido material) passa a ser a

principal preocupação do Estado, enfatizando-se os direitos denominados de “segunda

geração”. A relação entre Estado e particulares era novamente verticalizada e baseada

na soberania daquele, ao qual os indivíduos deveriam servir (e não o contrário, como no

liberalismo). Nas palavras de Bonavides (2003, p. 151) “era, assim, o Estado Social do

Estado e não o Estado Social da sociedade,” afastando o fundamento da soberania

popular como sustentação do poder estatal.

No campo financeiro e tributário, constituiu-se o Estado Social Fiscal (séc. XX,

iniciando com as Constituições do México, de 1917, e da Alemanha, de 1919, até a

queda do muro de Berlim, em 1989, aproximadamente). O aumento da atuação do

Estado na ordem econômica e social gerou o aumento das receitas tributárias e, mais

ainda, das despesas públicas. A expansão descontrolada do orçamento levou à crise

financeira e orçamentária do modelo34, não sendo a arrecadação suficiente para arcar

com a atuação inflada do Estado. Conforme Godoi (2005, p. 154), “o imposto passa a

ganhar outras funcionalidades que não a meramente arrecadatória.” Nesse período, o

pagamento do tributo era justificado pela teoria do sacrifício35.

Segundo Baracho (2000, p. 167) a crise de tal paradigma se deveu ao fato de que

[...] a redução do Direito ao Estado retirou o vigor das tentativas de justificação racional do Direito, ao impor a consecução de finalidades materiais a todo custo e, assim, ao menosprezar as suas necessidades de legitimação formal. Este paradigma foi superado em razão de sua incapacidade de ver o caráter privado essencial à própria dimensão pública,

34 Por fim, o Estado socialista controla os meios de produção e distribuição, sendo reservado ao sistema tributário papel quase insignificante. Na atualidade, verifica-se a dificuldade de se identificar algum sistema puramente socialista, tendo em vista a realidade da crescente abertura dos mercados nos poucos países que assim se denominam e o aumento do papel da arrecadação via tributos, podendo-se dizer híbridos pela face do Estado Fiscal que apresentam. 35 A teoria do sacrifício igual, segundo o Godoi (2005), baseia-se “na premissa de que os recursos econômicos agregam-se à renda ou ao patrimônio de um indivíduo segundo uma curva decrescente de utilidade marginal” (GODOI, 2005, p. 156). O raciocínio é contrário, pois, à tributação fixa e favorável, obviamente, à tributação proporcional, progressiva

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enquanto locus privilegiado da construção e reconstrução das estruturas de personalidade, das identidades sociais e das formas de vida.

O Estado Democrático de Direito surge na tentativa de resolver os problemas

evidenciados tanto pelo Estado Liberal quanto pelo Estado Social. O grau de

complexidade das sociedades modernas não aceita a justificação da relação entre Estado

e sociedade na verticalização hierárquica entre a autonomia privada e a pública, mas sim

na relação complementar e essencial entre ambas (BARACHO, 2000, p. 168). O Estado

tem o papel de promover o bem-estar, mas tem como limites os direitos conquistados

pelos indivíduos, especialmente os direitos humanos, a promoção de condições

objetivas de desenvolvimento da liberdade e personalidade individuais e o poder de

autodeterminação democrática da sociedade. Nesse ponto, os direitos à liberdade,

igualdade e fraternidade (primeira, segunda e terceira gerações) são materialmente

consagrados e, como afirma Bonavides (2003. p. 162), a democracia deve ser vista

também como um direito fundamental dos povos, pelo que acrescenta à classificação os

direitos de quarta geração.

A fim de concretizar os ideais do paradigma ora em comentário, o Estado tem o

papel de intervir na economia, de buscar a redução das desigualdades entre os

indivíduos através da distribuição justa da carga tributária e da redistribuição das rendas

e de promover a justiça social, nos moldes da teoria liberal tal como exposta por

Menéndez (2001). A figura neutra do Estado há muito foi afastada, se é que, conforme

aduz Sidou (1978), em algum momento, em termos práticos, pôde-se confirmar tal

neutralidade.

Em termos financeiros, o Estado Fiscal, em sua fase atual, se preocupa em

atender às expectativas coletivas, através da intervenção na vida social e econômica,

destacando a função regulatória, de forma a garantir o bem-estar social, mas

abandonando a “utopia da inesgotabilidade de recursos públicos”. (TORRES, 2007, p.

9).

Como instrumento preferencial à disposição do Estado para que esse possa

atingir os objetivos pretensiosos das constituições contemporâneas, o sistema tributário

tem o papel de, através de suas receitas, financiar as despesas do Estado e o

fornecimento dos serviços públicos básicos, a universalização de serviços como a saúde,

a educação em todos os níveis e a previdência, dentre outros, de proporcionar a correta

distribuição da carga tributária e redistribuição das riquezas no seio da comunidade

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política e ainda de atuar como forma de implementação das diretrizes constitucionais,

especialmente os direitos fundamentais.

SCHOUERI explicita a influência da nova concepção de Estado no papel da

ordem tributária:

Seguindo a evolução que também se verificou em outros ordenamentos jurídicos, adotam-se as finanças funcionais, que se propõem a intervir no campo sócio-econômico, com fins de tutela, redistribuição, equilíbrio. Daí que dentre os instrumentos de que se vale o Estado para atuação sobre a ordem econômica e social, modificando-a segundo os desígnios constitucionais, surgem as normas tributárias, já que nas palavras de Duverger, “No Estado moderno, as finanças públicas não são apenas um meio de assegurar a cobertura de suas despesas administrativas, mas também e principalmente um meio de intervir na vida social, de exercer uma pressão sobre os cidadãos para organizar o conjunto da nação (2005, p. 3).

A propósito do papel do tributo além dos fins “meramente arrecadatórios”, nos

Estados Unidos, Murphy e Nagel (2005) compreendem que:

[...] numa economia capitalista, os impostos não são um simples método de pagamento pelos serviços públicos e governamentais: são também o instrumento mais importante por meio do qual o sistema político põe em prática uma determinada concepção de justiça econômica ou distributiva. (2005, p. 5).

Godoi (2009. p. 8) trata da insuficiência da tese “liberista” (utilizando a

terminologia de Menéndez), também denominada “libertarista”, considerando o papel

do Estado e do direito tributário nos moldes acima delineados:

Se a teste libertarista já é falha para explicar a inserção do tributo na ordem jurídica e social de um Estado Liberal clássico, no contexto de um Estado Democrático de Direito a tese libertarista se revela ainda mais inepta. Os libertaristas parecem não se dar conta de que, se levarmos a sério o compromisso gravado na Constituição de 1988 de “assegurar o exercício dos direitos sociais (“educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância” – art. 6º) e individuais” (preâmbulo), de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º), então a atividade financeira do Estado (da qual o tributo é um elemento central) deve ser vista como um instrumento de transformação social necessário para conferir e preservar a legitimidade do regime político e dar eficácia aos direitos constitucionais dos cidadãos, e não como um capricho dos governantes que simplesmente retira recursos da atividade produtiva para desbaratá-los nas gargantas vorazes da máquina estatal.

3.2.2 Qualificação do vínculo jurídico da relação obrigacional tributária e

fundamento do dever de contribuir

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Definido o papel que o Estado e o sistema tributário devem exercer no contexto

do Estado Democrático de Direito, passa-se ao exame da qualificação do vínculo

jurídico da relação obrigacional tributária e do fundamento do pagamento de tributos

pelos contribuintes.

Por óbvio, não suscita qualquer dúvida de que o vínculo jurídico da relação

obrigacional tributária constitui um “dever” para os cidadãos. Contudo, a discussão vai

muito além desta premissa para qualificar tal vínculo no paradigma do Estado

Democrático de Direito como um “dever fundamental”, conforme Nabais (1988, p. 35 e

ss.). Segundo o autor, como herança do período pós-guerra e do liberalismo, há certa

polarização na discussão sobre os direitos fundamentais, pouco se mencionando sobre a

face oculta dos mesmos, que corresponderia a uma categoria autônoma, os denominados

“deveres fundamentais”.

A doutrina de Nabais (2005b, p. 57) desenvolve a ideia de cidadania na qual

todos os indivíduos são titulares de direitos e deveres universais situados no mesmo

plano (e não em relação de hierarquia ou prevalência dos direitos sobre os deveres ou

vice-versa). A cidadania fiscal, especificamente, se relaciona ao dever de pagar

impostos, sendo o preço devido pela sociedade baseada nos ideais de liberdade (posição

passiva do contribuinte frente ao Estado) e num mínimo de solidariedade. Também se

relaciona ao direito de exigir do Estado a tributação universal segundo a capacidade

contributiva dos contribuintes (posição ativa do contribuinte frente ao Estado).

O dever fundamental não é aquele que corresponde à simples obrigação negativa

de respeitar algum direito, visão tipicamente “liberista” (utilizando a teoria de

Menéndez), mas aquele que se baseia na ideia de que cada direito garantido ao cidadão

possui, necessariamente, um custo para a sua implementação, custo esse que será

financiado, no Estado tributário, pelas receitas advindas dos tributos, em especial a dos

impostos (NABAIS, 2005a).

[...] os direitos, todos os direitos, porque não são dádiva divina nem frutos da natureza, porque não são auto-realizáveis nem podem ser realisticamente protegidos num estado falido ou incapacitado, implicam a cooperação social e a responsabilidade individual. Daí que a melhor abordagem para os direitos seja vê-los como liberdades privadas com custos públicos. Na verdade, todos os direitos têm custos comunitários, ou seja, custos financeiros públicos. Têm, portanto, custos públicos não só os modernos direitos sociais, aos quais toda a gente facilmente aponta esses custos, mas também custos públicos os clássicos direitos e liberdades, em relação aos quais, por via de regra, tais custos tendem a ficar na sombra ou mesmo no

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esquecimento. Por conseguinte, não há direitos de borla, apresentando-se todos eles como bens públicos em sentido estrito (NABAIS, 2005a, p. 19).

Nesta linha também Holmes e Sustein (1999) consideram que em termos

financeiros, todos os direitos, positivos e negativos, têm um custo, e esses custos devem

ser vistos como compatíveis com a liberdade, os quais, para terem existência,

necessitam de todo o aparato do Estado.

O fundamento do dever de pagar tributos, por outro lado, é fundado na

solidariedade.

Sidou (1978), ao tentar justificar o fundamento do dever de contribuir, cita, a

princípio, a teoria do lucro, que encontra a resposta ao dever de contribuir em uma

teoria obrigacional entre Estado e contribuinte, segundo a qual esse tem o dever de

pagar em razão dos benefícios que recebe do poder público (teoria que justificava o

pagamento do tributo no Estado Liberal). Tal teoria, segundo constatado pelo próprio

autor, é insuficiente e inadequada, já que implicaria o pagamento de uma carga

tributária maior àquele que recebesse do Estado uma maior gama de benefícios, ou seja,

em geral, os menos afortunados. Seria a teoria da equivalência, que atualmente se aplica

em relação às taxas no nosso ordenamento jurídico, como estruturante de todo o sistema

tributário. O autor defende, então, que a base do dever de contribuir é a capacidade

contributiva. Cada um arca com os custos do Estado de acordo com a proporção da

riqueza que possui. A adoção de tal teoria seria a evolução da concepção do tributo no

interesse do particular (teoria do lucro) para o tributo como interesse social.

Godoi (2005) menciona que a justificativa atual para o princípio da capacidade

contributiva é a solidariedade social (e cita a teoria da equivalência e a teoria do

sacrifício como outras formas de justificação do princípio). O elo entre o Estado Fiscal

e a solidariedade seria, então, a capacidade contributiva do contribuinte, esta

compreendida pelo “caráter informador do conjunto do sistema tributário” e não na sua

“faceta individual limitativa”:

[...] a tendência de sublinhar as relações do tributo com a solidariedade social e de afirmar o dever fundamental de contribuir com os gastos públicos mediante o princípio da capacidade contributiva veio à baila exatamente para afastar a noção autoritária do direito tributário como direito de império, composto por normas cuja característica fundamental radicava na tutela do interesse público arrecadatório, o que dava um caráter formal e instrumental ao dever de recolher impostos (GODOI, 2005, p. 159).

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Herrera Molina (2000), ao tratar dos tributos ambientais, considera que o

fundamento jurídico da proteção ao meio ambiente é a solidariedade - assim como é esta

o fundamento do dever de contribuir ao sustento dos gastos públicos em geral - e não a

capacidade contributiva, “que poderá ceder ante outros valores constitucionais” (p.

163).

Por conseguinte, pode-se afirmar que a relação jurídica entre Estado e

contribuinte não é fundada no poder de império do Estado, mas sim nos princípios de

solidariedade, justiça social e de igualdade, que se relacionam à noção do dever

fundamental de pagar tributos, concepção que se coloca paralela à proteção dos direitos

fundamentais dos cidadãos e contribuintes. Direitos e obrigações convivem

harmonicamente e o “dever fundamental” de pagar tributos assegurará a implementação

dos direitos fundamentais que o Estado deve garantir por mandamento expresso da

Constituição.

Propõe-se, portanto, seja repensada a visão da arrecadação fiscal apenas como

destinada ao “abastecimento dos cofres públicos”, passando-se a concebê-la como

forma de realização dos fins previstos constitucionalmente, de se efetivarem as

prestações positivas em relação à sociedade, de se garantir a promoção do bem comum,

e a realização dos direitos fundamentais previstos e assegurados no texto constitucional.

Neste sentido, oportuna a lição de Godoi (2009, p. 5) quanto ao “mito do tributo

como combustível consumido nas atividades da máquina estatal”, referindo-se à

descrição doutrinária da arrecadação como um “recurso do Estado”, destinada ao

custeio de suas atividades administrativo-burocráticas:

Não é que essa descrição esteja errada; a questão é que se trata de uma descrição incompleta e pouco esclarecedora. Porque não reconhecer que o tributo se destina, ao fim e ao cabo, a financiar toda uma gama de atividades direta ou indiretamente relacionadas com o próprio sistema de direitos individuais e coletivos assegurados na Constituição? [...] Seria exato dizer que, conforme nossa Constituição, a contribuição de seguridade social recolhida por empregados e empregadores se destina a custear as atividades do “Estado”? Não seria mais preciso afirmar que o valor arrecadado se destina ao pagamento de aposentadorias, pensões e atendimento de saúde pública? É exato descrever os salários pagos aos professores da rede pública e aos policiais militares como simples “despesas da máquina estatal”? Não seria mais esclarecedor descrever tais despesas como recursos (oriundos dos tributos) diretamente relacionados à eficácia dos direitos dos cidadãos à educação e à segurança jurídica? (GODOI, 2009, p. 5).

3.3 O papel do sistema tributário na Constituição de 1988

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3.3.1 Ideologias dialeticamente adotadas

A Constituição de 1988 mostra notável distinção estrutural e normativa em

relação às anteriores, especialmente a de 1967, modificada pela Emenda nº 1, de 17 de

outubro de 1969. Esta caracterizou-se por ser uma Constituição do Estado, com

preocupação em delimitar os seus poderes, com a previsão de um rol de direitos

despidos da executoriedade plena e, ainda assim, no que tange aos direitos e garantias

individuais, com a possibilidade de exceção em situações que culminavam na análise

discricionária das autoridades em contexto ditatorial. A título de exemplo, a pena de

morte era permitida em casos de guerra externa, psicológica adversa, revolucionária ou

subversiva (art. 153, § 11) (BRASIL, 1967). O tema da ordem econômica e social era

tratado no Título III e o referente à família, educação e cultura no Título IV, seguido das

Disposições Constitucionais e Transitórias.

Baleeiro (2001, p. 83) considerou que a Constituição de 1967 era calvinista.

“A preocupação é de proteger o comércio e a indústria, mesmo que se sacrifique aquela

coisa que é o essencial de qualquer um, de qualquer povo, de qualquer civilização, de

qualquer desenvolvimento – o homem”.

No que concerne ao sistema tributário, Greco (2005, p. 176-177) menciona, em

relação à Carta de 1967, que tal “Constituição via a tributação como instrumento de

geração de recursos para o funcionamento do Poder público”, “como exercício de um

poder juridicizado pela Constituição,” sendo sua disciplina constitucional voltada à

preservação dos interesses do particular contra o Estado, através das limitações ao poder

de tributar.

A Constituição de 1988 se baseia em uma ideologia bem diferente da anterior,

na tentativa de superar os óbices de uma democracia puramente formal. Neste sentido,

foram inseridas diversas normas principiológicas e programáticas de cunho social,

visando a amenizar a influência liberal dominante nos séculos XIX e XX e fincar a

necessária intervenção do Estado na economia (não propriamente o modelo socialista, já

que a proteção ao social pode-se revelar também no seio de um Estado capitalista).

Sistematicamente, a Constituição de 1988 já inicia o seu texto, no Preâmbulo,

com a afirmação da reunião dos representantes do povo para instituir um Estado

Democrático de Direito “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a

justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,

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fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a

solução pacífica das controvérsias”.

O art. 1º da Constituição de 1988 elenca os fundamentos da República

Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito, compreendendo a

soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, da

livre iniciativa e o pluralismo político. O princípio democrático vem insculpido no

parágrafo único do dispositivo.

A Constituição enumera os “objetivos fundamentais” da República no art. 3º: a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento

nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, além da redução das

desigualdades regionais e a promoção do bem geral, sem preconceitos de origem, raça,

sexo, cor, idade e outras formas de discriminação.

Como princípios regentes das relações internacionais, são mencionados, no art.

4º, a independência nacional, a prevalência dos direitos humanos, a autodeterminação

dos povos, a não intervenção, a igualdade entre os Estados, a defesa da paz, a solução

pacífica dos conflitos, o repúdio ao terrorismo e ao racismo, a cooperação entre os

povos para o progresso da humanidade e a concessão de asilo político.

Em posição sistematicamente distinta em relação às constituições anteriores, são

previstos os direitos e garantias fundamentais no art. 5º, mas não apenas neste

dispositivo (como se expressa no seu § 2º)36. O prestígio dessas disposições pode ser

afirmado ao serem previstas, sistematicamente, antes mesmo das normas de organização

do Estado. Os direitos e garantias fundamentais foram concebidos como forma de

proteção do indivíduo contra o Estado, mas atualmente, são vistos também como forma

de garantias entre os próprios indivíduos, no âmbito civil – noção da horizontalização

dos direitos fundamentais37. A importância dos direitos humanos foi reforçada com a

Emenda Constitucional nº 45/2004 (que acrescentou o § 3º ao art. 5º), tendo os tratados

e convenções internacionais sobre a matéria aprovados pelo Congresso Nacional,

através de quórum qualificado, força constitucional, equivalente à das emendas à

Constituição.

36 “§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. (BRASIL, 1988). 37 Neste sentido, SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004. CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Hermenêutica Jurídica em Debate. O constitucionalismo brasileiro entre a teoria do discurso e a ontologia existencial, p. 338-355.

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Há um título específico sobre a Ordem Social (Título VII), onde são tratadas as

questões referentes a seguridade social, educação, cultura e desporto, ciência e

tecnologia, comunicação social, meio ambiente, família, criança, adolescente e idoso e

índios.

Como absorção da ordem capitalista liberal, no Título VII, concernente à Ordem

Econômica, são evidenciadas a propriedade privada, a livre iniciativa e a livre

concorrência, mas com uma nova roupagem, ao ser assegurada a função social da

propriedade privada, a valorização do trabalho humano, os princípios da defesa do

consumidor, do meio ambiente, da redução das desigualdades regionais e sociais, dentre

outros, sendo fim da ordem econômica “assegurar a todos existência digna, conforme os

ditames da justiça social”.

Albino, cunhando a expressão “ideologia constitucionalmente adotada” ao

referir-se “aos princípios que sejam fundamentais na ordem jurídica considerada”

(2003, p. 29), reconhece que a Constituição de 1988 tem princípios que se relacionam

ora ao viés liberal (no sentido comumente utilizado no Brasil), ora social (2003, p. 33),

devendo ser interpretada de forma a se obter “a linha de maior vantagem em busca da

justiça” (2003, p. 30) – função do princípio da economicidade, de Max Weber, adaptado

ao direito econômico. A aplicação do princípio da economicidade, para o autor, não se

trata de “simbiose, nem muito menos de adoção de uma afirmativa, em definitiva

exclusão da outra [...]; permanecerão as duas com o mesmo peso e mesma importância

no texto” (2003, p. 233); contudo, pode haver a exclusão de uma no caso concreto, mas

jamais do ordenamento jurídico. Também há casos de harmonização dos princípios com

ideologias distintas, tais como o “nacionalismo econômico com o capital estrangeiro

(art. 172)” (2003, p. 33), o que deve ser sempre priorizado, ao prestigiar-se a análise

sistêmica da Constituição.

Elali (2007, p. 61) considera dual o sistema jurídico brasileiro:

O direito brasileiro, neste sentido, serve de alicerce para uma economia de mercado, notadamente influenciada pelos movimentos capitalistas e liberais [no sentido comumente utilizado no Brasil]. Todavia, não valoriza somente os elementos de tais movimentos, pois, como já se registrou no decorrer do presente estudo, o seu sistema pode ser considerado dual, por também proteger direitos sociais, que, numa análise teórica mais profunda, seriam incompatíveis como um sistema totalmente capitalista. Ultrapassada essa fase de sistemas que se prendiam a um grupo de valores específicos, os diferentes valores se concretizam juntos, através de princípios aparentemente contraditórios. Mas só aparentemente, porquanto, se tem um capitalismo socializado, que determina um limite para a propriedade, para a livre-iniciativa.

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Greco (2005, p. 189), ao mencionar os “valores constitucionalmente

consagrados” pela Constituição de 1988 e sua relação com a tributação, afirma que:

O grande desafio para todos aqueles que lidam com o direito tributário é encontrar o ponto de equilíbrio entre os valores constitucionalmente consagrados. Não podemos ler a Constituição pela metade, ou seja, só pensando em solidariedade social, pois estaríamos cometendo a mesma distorção cometida por aqueles que leem a Constituição só pensando na liberdade individual; temos de ler o conjunto, porque é pela conjugação dos valores protetivos da liberdade e modificadores da solidariedade que iremos construir uma tributação efetivamente justa.

Não há dúvidas sobre a positivação dos valores da liberdade na Constituição de

1988, o que não apenas é herança, mas uma conquista efetiva do Estado Liberal38 e

obviamente deve ser observado na execução das políticas públicas como dever negativo

e positivo do Estado nas suas esferas de atuação, especialmente a tributária. Contudo, ao

ser prestigiado o Estado Social, restou claro no presente estudo que a tutela das

liberdades é qualificada pela busca da concretização da igualdade, da justiça social. O

desenvolvimento deve ser buscado de forma sustentável, através da intervenção do

Estado em uma economia capitalista. Assim, não é a liberdade que modifica a

solidariedade, como expõe o comentário acima, mas ambos os valores positivados se

tensionam dialeticamente de forma complementar, o que se extrai, por exemplo, dos

diversos princípios da ordem econômica esparsos na Constituição. O art. 170 é o

exemplo mais claro, ao determinar que “a ordem econômica tem por fim assegurar a

todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (BRASIL, 1988).

Daí a adaptação do termo utilizado por Albino no título desta seção, no sentido

de contemplar as conquistas liberais e as necessárias garantias sociais como “ideologias

dialeticamente adotadas” pela Constituição de 1988.

3.3.2 Objetivos e metas detalhadamente positivados: opção do constituinte pela

Constituição Dirigente

38 Bonavides (2003, p. 159), embora considere a restauração do modelo liberal (no sentido utilizado no Brasil) “episódica, circunstancial, improvável, inconveniente e sobretudo fatal aos interesses dos países do Terceiro Mundo,” chegando a denominá-lo “úlcera da sociedade”, critica a rejeição integral aos seus princípios, se propondo a analisar o que de benéfico restou incorporado do paradigma, “tão incompreendido por quantos, afoitamente e desprovidos de serenidade, se cingem a uma rejeição superficial e liminar de todos os seus princípios” (2005, p. 144). Cita como herança benéfica do modelo, a sua missão revolucionária, racionalizadora, a incorporação às instituições estatais do princípio da separação dos poderes, dando ênfase às garantias constitucionais da liberdade, que segundo o autor seria o seu ponto mais próspero e estimável. Para se aprofundar no tema, vide BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros.

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Após essa breve incursão pelo panorama constitucional, é útil ao estudo a análise

da natureza da Constituição de 1988. Não há dúvidas de que esta se caracteriza como

uma Constituição dirigente e não como uma Constituição procedimental39.

Por Constituição dirigente entende-se o modelo de Constituição surgido após a

2ª Guerra Mundial, caracterizada pela preocupação de se descreverem as premissas

básicas, políticas, e não apenas as ligadas à separação e à organização de poderes, que

regeriam o Estado e a sociedade. Neste modelo são traçadas concretas metas e objetivos

sociais a serem alcançados pelo Estado, sob a forma de normas-princípios. Seria uma

forma de vincular o legislador futuro àquelas premissas eleitas pelo poder constituinte,

determinando o comportamento do Estado, independente do momento político e

histórico que vier a se formar.

Bercovici (2005) afirma que a Constituição de 1988 é dirigente, o que pode ser

percebido pela fixação de objetivos fundamentais da República em seu art. 3º. Tal

dispositivo, segundo o autor, integra a “fórmula política” da Constituição, a qual

consiste na “síntese jurídico-política dos princípios ideológicos manifestados na

Constituição. O que contraria essa forma política “afeta a razão de ser da própria

Constituição” (2005, p. 36).

O autor afirma que, além de “forma política”, o art. 3º é a “cláusula

transformadora” da Constituição, utilizando a expressão de Pablo Lucas Verdu40. O

artigo teria como precedentes o art. 3º da Constituição da Itália de 194741 e art. 9º, 2 da

Constituição Espanhola de 197842. Ambos os dispositivos buscam a igualdade material

39 Por Constituição procedimental, conforme a linha da teoria discursiva do Direito, se entende a Constituição que pretende normatizar o mínimo necessário ao exercício das atividades do Estado e proteção ao indivíduo, o que favoreceria o pluralismo político e a cidadania, máximas da democracia participativa. Delega-se aos representantes do povo, eleitos de forma racional por este, o poder de decidir o que melhor atende às demandas da sociedade em determinado momento histórico e político. Embora este modelo possa ser o mais adequado para a efetiva democratização, a sua implementação exige um nível de desenvolvimento avançado da sociedade e do Estado, o que é distante da nossa realidade, especialmente tendo em vista as mazelas do poder legislativo e executivo no Brasil. 40 VERDU, Pablo Lucas. Teoría de la Constitución como Ciencia Cultural. Madrid: Editorial Dykinson, 1998, p. 50-54. 41 “Art. 3º. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, sem discriminação de sexo, de raça, de língua, de religião, de opiniões políticas, de condições pessoais e sociais. Cabe à República remover os obstáculos de ordem social e econômica que limitando de fato a liberdade e a igualdade dos cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos os trabalhadores na organização política, econômica e social do País.” (BERCOVICCI, 2005, p. 36). 42 “Art. 9º, 2. Devem os poderes públicos promover as condições para que a liberdade e a igualdade do indivíduo e dos grupos em que se integra sejam reais e efetivas; remover os obstáculos que impeçam ou dificultem sua plenitude e facilitar a participação de todos os cidadãos na vida política, econômica, cultural e social.” (BERCOVICCI, 2005, p. 36).

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e consideram que a realidade necessita ser modificada pelo Estado, através da estrutura

econômico-social.

A eficácia jurídica destes artigos, assim como a do nosso art. 3º, não é incompatível com o fato de que, por seu conteúdo, a realização destes preceitos tenha caráter progressivo e dinâmico e, de certo modo, sempre inacabado. Sua materialização não significa a imediata exigência de prestação estatal concreta, mas uma atitude positiva, constante e diligente do Estado. Do mesmo modo que os dispositivos italiano e espanhol mencionados, o art. 3º da Constituição de 1988 está voltado para a transformação da realidade brasileira: é a ‘cláusula transformadora’ que objetiva a superação do subdesenvolvimento. (BERCOVICI, 2005, p. 37)

Assim, sendo a Constituição de 1988 nitidamente dirigente, deve-se trabalhar

essa opção do poder constituinte e as diretrizes eleitas e que devem vincular,

materialmente, o legislador, o executor das políticas públicas e a sociedade. Constata-se

que, obviamente, a Constituição dirigente, per se, não será capaz de resolver todos os

problemas advindos da complexa sociedade atual. Isso dependerá da efetiva

implementação das diretrizes constitucionais positivadas no exercício da atividade

legislativa e das políticas públicas.

3.3.3 Interpretação sistemática da Constituição e as funções do Direito Tributário

Ao se discutir a eficácia das normas constitucionais, a dificuldade para a sua

concretude se encontra muita das vezes no conteúdo programático das mesmas.

Algumas normas constitucionais, em que pese possam aparentemente ser consideradas

como de conteúdo programático, são normas de eficácia plena, ao exemplo do art. 3º,

como bem pontua Silva:

Este artigo correlaciona-se com as promessas do Preâmbulo, pois “construir uma sociedade livre, justa e solidária” corresponde a formar uma sociedade dotada de valores supremos dos direitos sociais e individuais, tais a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça — que é aquela sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos e fundada na harmonia social. Mas também se vincula de alguma maneira com as normas que contemplam os direitos da Seguridade Social (arts. 194e ss.) como instrumentos de erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades e se desdobra em normas precisas e de eficácia plena como as que definem o princípio da igualdade (arts. 5º, caput, e inciso I, e 7º, XXX, XXXI e XXXII), de modo que só na aparência é que as disposições do art. 3º têm sentido programático. São, em verdade, normas dirigentes ou teleológicas, porque apontam fins positivos a serem alcançados pela aplicação de preceitos concretos definidos em outras partes da Constituição. (SILVA, 2007a, p. 46).

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Ainda que boa parte das normas constitucionais sobre a justiça social tenha a

característica de programática, ou seja, normas fim, cujos meios de efetivação são

delegados aos poderes do Estado, a doutrina de Silva (2007b) também enfatiza o seu

caráter imperativo e vinculativo, com eficácia para:

[...] estabelecer um dever para o legislador ordinário; condicionam a legislação futura, com a consequência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem; informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social na revelação dos componentes do bem comum; constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas; condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou de desvantagem [...]. (p. 164).

Há que se irradiarem os comandos e valores positivados na Constituição para

todas as fontes de atuação do Estado, e no que concerne ao presente estudo, ao sistema

tributário, que também deve implementar o estatuído como os alicerces da República

Federativa do Brasil, já que, conforme explicita Grau (2008, p. 164), “não se interpreta

a Constituição em tiras, aos pedaços”.

Certamente o papel que é reservado ao sistema tributário na Constituição de

1988 deve observar a realidade econômica e social do país e buscar atingir a igualdade

material, equitativa de oportunidades. Não se pode admitir (como ocorria no antigo

Estado Liberal) que lhe seja reservada apenas a função limitada e objetiva de prover os

gastos burocráticos de Estado e os bens públicos básicos à população (segurança,

judiciário, proteção externa e, no máximo, educação básica). Essa postura jamais levaria

a uma sociedade justa, solidária, permeada pela igualdade no sentido material, conforme

previsto no art. 3º de seu texto.

Também o art. 1º, III, da Carta Magna43 coloca como fundamento da República

o princípio da dignidade da pessoa humana que, embora de difícil e exata definição,

deve ser evidenciado quando se trata do manejo do sistema tributário. O preâmbulo da

Constituição de 1988, os artigos 5º e 6º do seu texto estipulam uma série de direitos e

garantias individuais, coletivos e sociais que também devem ser implementados pelo

Estado, ao que se liga diretamente o sistema tributário como resultado do princípio da

unidade da Constituição.

43 “art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – [...] III – a dignidade da pessoa humana;” (BRASIL, 1988).

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Especificamente sobre as normas tributárias de conteúdo programático, Tipke e

Lang (2008, p. 133) mencionam que a ausência de previsão expressa destas (o que

ocorre com a Constituição alemã) não pode ser tida como desvantajosa, já que a

realização da justiça fiscal não é assegurada unicamente pela previsão constitucional

financeira, mas principalmente pela previsão constitucional dos direitos fundamentais e

princípios estruturais da Constituição (princípio do Estado de Direito e princípio do

Estado Social).

Arrematam os autores, outrossim, que a consolidação dos valores materiais

fundamentais do ordenamento jurídico tributário dependerão da efetiva prática no

exercício dos poderes: “[...] depende em toda parte não tanto do texto constitucional

mas ao contrário da realidade constitucional produzida através do Poder legislativo,

Jurisprudência e Executivo, quanto Direito e Justiça uma Ordem Tributária garante”

(TIPKE e LANG, 2008, p. 133).

Não obstante a correção do pensamento exposto, o capítulo que trata do sistema

tributário na Constituição de 1988, embora de forma tímida, prevê algumas diretrizes

específicas relacionadas à justiça fiscal: o princípio da igualdade e o da capacidade

contributiva têm caráter deontológico ao serem positivados nos arts. 145, § 1º e art. 150,

II, este último na forma de limitação ao poder de tributar (BRASIL, 1988).

Não há dúvidas de que um dos instrumentos eficazes para se atingir a função do

sistema tributário defendida é a utilização do princípio da capacidade contributiva e da

progressividade.

Em nosso ordenamento, o princípio da capacidade contributiva foi

primeiramente esboçado na Constituição de 182444. Teve previsão tecnicamente mais

acabada na Constituição de 194645 e embora ausente na Constituição de 1967 e sua

Emenda nº 1 de 1969, teve sua aplicação reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal

(STF, RE nº 112.947, DJ 07.08.87).

44 “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte: [...] XV - Ninguem será exempto de contribuir pera as despezas do Estado em proporção dos seus haveres;” (BRASIL, 1824). 45 “Art. 202: Os tributos terão caráter pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”. (BRASIL, 1946). O dispositivo foi revogado através da Emenda Constitucional nº 18, de 1º de dezembro de 1965.

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Na Constituição da República de 1988, o art. 145 § 1º46, menciona que a

graduação dos impostos, “sempre que possível”, deve ser realizada com base na

capacidade econômica dos contribuintes. O dispositivo deve ter a sua interpretação

construída prestigiando a teleologia, a unicidade, a sistematicidade da Constituição e a

grandeza de tal princípio como meio de implementação da justiça fiscal.

Contudo, com a devida vênia, o Supremo Tribunal Federal tem corroborado

com o desprestígio a esse princípio em nosso ordenamento jurídico. A Corte Suprema

manifestou o entendimento de que o termo “sempre que possível” é relacionado tanto ao

caráter pessoal dos impostos quanto para a sua graduação segundo a capacidade

contributiva dos contribuintes, não se aplicando aos impostos com a característica de

reais, ou seja, aqueles que não levam em consideração características pessoais dos

contribuintes. Neste sentido, o RE nº 153.771 (STF, DJ 05.09.97) e o RE nº 204.827

(STF, DJ 25.04.97), ambos tratando do Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana

(IPTU) e o RE nº 234.105 (STF, DJ 31.03.00), sobre o Imposto sobre Transmissões de

Bens Imóveis e Direitos Reais sobre Imóveis (ITBI). No RE nº 116.121 (STF, DJ

25.05.01), tratou-se da locação de bens móveis, excluindo tal atividade da tributação do

Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), demonstrando, novamente, a

falta de prestígio do princípio da capacidade contributiva, acabando a atividade por não

sofrer a tributação de qualquer tributo indireto. Deve-se destacar, em sentido contrário,

que há julgamento em curso do RE nº 562.045/RS pelo Supremo Tribunal Federal,

analisando a possibilidade de fixação de alíquotas progressivas para o ITCD, em que 4

Ministros votaram de forma favorável à constitucionalidade47, vislumbrando-se a

possibilidade de importante precedente da Corte Constitucional.

O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto no art. 153, VII da

Constituição Federal também se fundamenta no princípio da capacidade contributiva.

Contudo, até hoje não foi instituído pelo legislador infraconstitucional, mediante lei

complementar (como determina o próprio dispositivo, neste ponto desnecessariamente,

conforme já prevê o art. 146, III, “a” do texto constitucional). Certamente, o

desinteresse relaciona-se à impopularidade da medida no meio dos eleitores que 46 “Art. 145, §1º: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. (BRASIL, 1988). 47 Após o voto do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Relator), desprovendo o recurso, e os votos dos Senhores Ministros Eros Grau, Menezes Direito, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, provendo-o, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Carlos Britto. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 17.09.2008.

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financiam as campanhas eleitorais e também aos interesses diretos daqueles que teriam

afetado o seu patrimônio com a execução da vontade do poder constituinte. Os

argumentos são previsíveis.

Zilveti (2004, p. 198) considera que o imposto em comento tem “conteúdo social

totalmente apelativo [...] a fim de tributar a renda acumulada, forçando uma distribuição

sem causa, o que os alemães chamaram de ‘imposto de inveja’ (Neidsteuer)”. Cita a

decisão do Tribunal Constitucional alemão que deixou de cobrar o imposto sobre

patrimônio em 22 de junho de 1995. Acrescenta, ainda (2004, p. 198), que não seria

“recomendável” a instituição do tributo no país por ser “antieconômico, produzir pouca

receita e de administração custosa,” além de implicar “evasão de divisas, utilização de

pessoas interpostas e outras formas jurídicas chamadas de planejamento fiscal”.

Não se pode coadunar com o raciocínio exposto, o qual contraria toda a

teleologia constitucional exposta nessa seção e despreza as funções do Estado e,

consequentemente, as funções do direito tributário na Constituição de 1988. A

redistribuição de rendas é medida necessária para atingir toda a gama de princípios

sociais inseridos no nosso ordenamento jurídico, especialmente o alcance de uma

“sociedade livre, justa e solidária”. O exemplo citado do Tribunal Alemão tem

fundamentos diversos dos argumentos do autor. Segundo Tipke e Lang (2008, p. 416), o

tribunal declarou a inconstitucionalidade do “§ 10 Nº 1 da lei do imposto sobre o

patrimônio com o Art. 3 I da Lei Fundamental e atribuiu a ofensa à regra da igualdade a

uma alíquota unitária para patrimônio sujeito a valor unitário e não sujeito a valor

unitário”. Tratou-se de excluir do ordenamento jurídico alemão o imposto sobre capital

de empresas e o imposto predial. Contudo, continua possível a tributação patrimonial

sobre a substância através do imposto fundiário, além daquele ordenamento considerar

imposto sobre a renda alguns dos impostos que denominamos patrimoniais, como o de

transferência de bens por doação e herança. É, pois, inapropriado falar em

impossibilidade de “tributação do patrimônio” (considerando o que o termo significa no

nosso sistema tributário) naquele país. Outrossim, além de confundir planejamento

fiscal com medidas evasivas, o autor não considera o fato de que é através de medidas

de fiscalização e investigação criminal que se reprimem condutas ilícitas do

contribuinte, não o absurdo de não se instituir o tributo para evitar a sua sonegação!

Além disso, o imposto sobre grandes fortunas teria o papel de submeter

efetivamente à tributação o patrimônio dos cidadãos mais ricos do país. Os impostos

“ordinários” sobre o patrimônio somente atingem imóveis (imposto sobre a propriedade

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territorial urbana e imposto sobre a propriedade territorial rural) e veículos automotores

(imposto sobre a propriedade de veículos automotores), que representam a quase

totalidade do patrimônio da classe média, mas uma ínfima parte do patrimônio dos

muito ricos, constituído principalmente por participações acionárias.

Conclui-se que há que se inserir na instituição e aplicação do sistema tributário o

manejo do princípio da capacidade contributiva, inclusive através da progressividade, o

que certamente levará à melhor distribuição da carga tributária. Na atual ordem

capitalista mundial e especialmente em um país socialmente deficitário como o Brasil,

este é um instrumento fundamental, mas não único, para promover a justa distribuição

da carga tributária e dividir as riquezas de forma a se alcançar a vida digna para todos, o

que, frise-se, é fundamento expresso da República Federativa do Brasil.

É bastante comum na sociedade a rejeição do raciocínio exposto com base no

argumento de que nada vale a contribuição tributária diante de tantos desvios praticados

pelos agentes públicos no exercício de suas funções.

Ora, não se desconhece a importância das despesas públicas para o sucesso

global de uma política fiscal. Embora não seja este o objeto central do estudo, não serão

alcançados os desígnios da Constituição de 1988 com o habitual desperdício, a

corrupção e a ineficiência das ações governamentais no campo das despesas públicas. A

efetiva moralidade dos agentes públicos, o fim da corrupção e a existência de políticas

eficazes são fatores fundamentais para a concretização dos desidérios constitucionais e

mudança da praxe na administração pública.

Contudo, não se pode ratificar o pensamento que visa deslegitimar a cobrança de

tributos (muitas vezes, até incentivando a sonegação) devido às várias formas de desvio

existentes. Erra duplamente quem se esquiva da conduta reta para justificar o erro de

outrem. Afirma Nabais que a contribuição tributária é “indeclinável dever de cidadania,

cujo cumprimento a todos nos deve honrar” (2005b, p. 44).

3.4 Conceito de fiscalidade

Na seção anterior buscou-se desmistificar a função “meramente” arrecadatória

do tributo, que é a base do conceito da fiscalidade, redelineada com as mudanças

estruturais experimentadas pelo Estado e pela sociedade desde a criação do tributo.

Não se pretende afastar a relação entre fiscalidade e arrecadação, mas sim,

compreender que aquela não se encerra na mera transferência de titularidade do

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patrimônio privado para os cofres públicos, devendo se estirparem de seu conteúdo as

expressões impróprias que desqualificam a função que desempenha no Estado

Democrático de Direito – função “meramente”, “simplesmente”, “exclusivamente”

arrecadatória - utilizadas pela quase totalidade da doutrina ao conceituar a fiscalidade,

como visto na seção 2.

Sidou (1978, p. 41-42) já criticava a exarcebação da função financeira do tributo.

O autor menciona, além da função financeira, a econômica e a social do tributo, que

conforme o tipo tributário é considerada imediata ou mediata. Menciona que, no caso do

tributo regulador da produção, a função do tributo seria diretamente econômica e

indiretamente social, citando como exemplos as barreiras alfandegárias, no sentido de se

eliminar a concorrência. Segundo o autor, agindo o tributo sobre a redistribuição da

riqueza, o que nos interessa neste tópico, o objetivo é imediatamente social e

mediatamente econômico, enquanto sobre a circulação, a um só tempo o tributo teria

função diretamente econômica e social, embora com resultados não imediatos, ou

diferidos.

O autor conclui que, embora a função financeira possa ser “sempre a imediata”,

não é a principal:

Fosse a principal a característicca financeira do tributo, representada como já bem exposto na busca de recursos para atender às despesas públicas, o Estado seria um mero caixa de recebimentos-pagamentos, perderia toda sua dinamicidade, seria, enfim, o fiel retrato do Estado contemplativo já de todo eliminado da face da Terra e do consenso da Humanidade. (SIDOU, 1978, p. 42).

Pode-se definir a fiscalidade, então, como o uso do tributo com finalidade

arrecadatória, mas não uma arrecadação autorreferente ou com um fim em si mesma.

No conceito deve ser compreendido que a arrecadação não é meio para “alimentar” a

“máquina estatal” e sim, um instrumento essencial para realizar e tornar efetivos os

direitos individuais e sociais que uma Constituição dirigente impõe ao Estado

implementar. Envolve, ainda, obrigatoriamente, a função distributiva, no sentido de se

repartir de forma justa a carga tributária na sociedade, para tanto sendo de aplicação

necessária o princípio da capacidade contributiva e técnicas como a progressividade.

Diz-se aplicação necessária do princípio da capacidade contributiva e não obrigatória, já

que há casos em que as normas terão função fiscal sem que se verifique fundamento no

princípio elencado. Exemplo de tal situação é a isenção do IRPF aos portadores de

doenças graves e do IPVA aos portadores de deficiência física.

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Em nosso ordenamento jurídico, a arrecadação de dinheiro é meio para cumprir

os fundamentos e objetivos da República, previstos no art. 1º e 3º da Constituição de

1988 - implementar uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a

marginalidade, garantir a dignidade da pessoa humana, reduzir as desigualdades sociais

e regionais, prestigiar o valor social do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo

político, dentre outros desidérios, estampados em diversas partes do texto

constitucional. A interpretação sistêmica e o princípio da unidade da Constituição

conjugam, necessariamente, o sistema tributário com todos os princípios e valores

prestigiados pela Constituição.

Neste sentido, não assiste razão a Gouvêa (2006, p. 38), ao considerar que a

garantia e a realização dos direitos fundamentais caracterizaria a função extrafiscal do

tributo. Tal característica é tipicamente fiscal no contexto do Estado Democrático de

Direito. Não se pode afirmar, outrossim, que a fiscalidade é “desvinculada de valores”

no contexto atual de democracia que se vivencia. Ademais, seguindo Cruz (2006, p.

276), sendo o Direito um subsistema social, reproduz valores todo o tempo. Qualquer

norma jurídica tem por base um valor adjacente48.

Oportuna a lição de Tipke e Lang quanto ao raciocínio construído nesta seção:

A maioria das normas tributárias são normas de finalidade fiscal (normas de finalidade financeira ou arrecadatória, normas fiscais ou fiscalmente motivadas). Elas servem para cobrir as necessidades financeiras do orçamento público (função primária). Elas ocorrem em decisões concretas de dignidade tributária segundo critérios distributivos (melhor: atributivos) de justiça, em que evidentemente devem considerar-se os direitos fundamentais. As normas de finalidade fiscal orientam-se predominantemente pelo princípio da capacidade contributiva ou devem fazê-lo (s. Rz. 81 ff.). Também normas de finalidade fiscal têm repercussões econômicas e sociais (efeitos colaterais); mas elas não perseguem primariamente nenhuma tal finalidade. As repercussões econômicas e sociais de normas de finalidade fiscal são consequências, não fim dessas normas. Assim, por exemplo, as normas de finalidade fiscal do direito dos impostos de renda e sobre o volume de rendas não tem a finalidade de entravar a atividade econômica, o investimento, a poupança, o consumo. (TIPKE e LANG, 2008, p. 175).

Resta claro no conceito dos autores o caráter de justiça social de que devem se

revestir as normas fiscais, especialmente pela utilização do princípio da capacidade

contributiva. Contudo, ao contrário desse entendimento, considera-se no presente

trabalho que a progressividade se enquadra no raciocínio de justiça fiscal distributiva,

48 O que não significa que a ordem jurídica, especialmente a Constituição de 1988, deva ser vista como “uma ordem concreta de valores”, a depender especialmente do poder jurisdicional para sua concretização, conforme se verificou na habitual interpretação conferida pelo Tribunal Constitucional federal da Alemanha em aplicação da hermenêutica da jurisprudência de valores (após a superação da jurisprudência de conceitos e de interesses), o que ocasiona indesejável ativismo na aplicação do Direito.

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ao lado da capacidade contributiva. Também não passou despercebido aos autores que

as normas fiscais geram consequências econômicas e sociais.

Além da presença no momento de instituição da norma tributária, não se

despreza, na fiscalidade, o destino da arrecadação. A receita derivada em questão deve

ser aplicada no custeio dos serviços públicos, na redistribuição de rendas, em todas as

políticas públicas voltadas à realização dos mandamentos constitucionais.

Os conceitos de Falcão (1981, p. 45), Oliveira (2007, p. 47) e Fernandes (2005,

p. 235) também situam a função de redistribuição de rendas no conceito de

extrafiscalidade. Essa função, salienta-se, é típica do Estado Social Democrático e,

consequentemente, o direito tributário deve se empenhar, obrigatoriamente, em

promovê-la, especialmente através da utilização do princípio da capacidade

contributiva, encontrando-se na face fiscal (e não extrafiscal) do tributo tal

característica.

Neste ponto, a explanação de Fernandes (2005) tem o mérito de distinguir as

imunidades e isenções que têm por objetivo a indução de comportamentos (que no

presente trabalho consideram-se verdadeiramente extrafiscais) daquelas que têm por

escopo a realização de fins constitucionais ligados à justiça social, sendo exemplo desta

última a isenção do Imposto de Renda para contribuintes que auferem receitas até

determinado teto. A autora se posiciona, corretamente, no sentido de que a faixa de

isenção no imposto de renda pessoa física não teria como objetivo o

estímulo/desestímulo à percepção de baixa/alta renda pelos contribuintes, mas sim a

atenuação das desigualdades sociais. Contudo, o exemplo não é manifestação da

extrafiscalidade, no sentido direto, mas da própria fiscalidade.

O conceito formulado por Falcão (1981, p. 45), embora critique com

proficiência a visão da fiscalidade arraigada em fundamentos do Estado Liberal, nada

acrescenta no sentido da modificação de tal estrutura. Ao mencionar que a fiscalidade se

“limita a retirar do patrimônio dos particulares recursos pecuniários para a satisfação

das necessidades públicas” (1981, p. 45), não delimita quais seriam tais necessidades,

omitindo o fato de que os recursos tributários são os principais responsáveis por tornar

efetivos e reais toda a gama de direitos que à coletividade são garantidos pela

Constituição dirigente, de forma a se promover o bem-estar e o interesse social. O autor

transfere os elementos de justiça social que devem ser buscados pela tributação para a

extrafiscalidade, com o que não se pode concordar.

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Também sem razão é a definição de Carvalho (2007, p. 243). A fiscalidade pura

e simples atende, sim, a interesses políticos, econômicos e sociais, já que a formulação

da norma arrecadatória prestigiará uns e (ou) outros fins. Vale dizer: as normas “fiscais”

que tributam certos fatos e deixam de tributar outros, sem buscar qualquer indução

positiva ou negativa de comportamentos, estão ligadas a interesses e geram claras

repercussões no âmbito econômico e social. A fiscalidade não é neutra nem alheia a

isso.

No momento de incidência da norma, podemos citar como exemplos da

fiscalidade os benefícios fiscais voltados à garantia do denominado “mínimo isento”.

Torres (2007, p. 69), ao tratar do mínimo existencial o define como o “direito às

condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de incidência

fiscal e que ainda exige prestações estatais positivas,” além de negativas, das quais a

imunidade é expressão. Complementa que:

Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais de liberdade. A dignidade humana e as condições materiais de existência não podem retroceder aquém de um mínimo [...] (TORRES, 2007, p. 69).

Segundo Torres (2007), a liberdade seria informada pelo princípio da igualdade,

mas não pelas condições de justiça, que seriam fundamento das políticas orçamentárias

destinadas ao combate à pobreza relativa. A discordância com a assertiva é flagrante, já

que o princípio da igualdade não pode ser desvinculado da ideia de justiça. Conforme

Godoi, “Forçosamente, uma concepção contemporânea de justiça no quadro das

sociedades atuais deve contemplar e combinar os valores da liberdade, da igualdade e da

solidariedade” (GODOI, 2005, p. 149).

3.5 Análise de casos práticos

Passa-se à análise de alguns casos práticos de exações com finalidade fiscal,

frisando que, muitas vezes, diante do equívoco metodológico arraigado na doutrina, são

exemplos tidos pelos autores como ligados à extrafiscalidade.

3.5.1 Legislação infraconstitucional

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Diversos tributos excluem da sua incidência os sinais não presuntivos de

riqueza, ou que o possuem de forma minorada, de forma que a tributação constitui

medida econômica apta a atender ao anseio social, à dignidade da pessoa humana,

através do princípio da capacidade contributiva, em seu lado negativo. É medida de

justiça fiscal, que deve permear a concepção arrecadatória. Exemplificando, tem-se a

isenção do IRPF para os que auferem rendimentos inferiores a R$ 1.499,15 ao me,s para

o ano calendário 2010, prevista na Lei nº 11.482/2007 (BRASIL, 2007).

A correção monetária da tabela do IRPF visa a recompor a base de cálculo do

tributo, em razão da inflação, pelo que objetiva apenas a manutenção da capacidade

contributiva já eleita, medida relacionada à fiscalidade. Não se percebe o caráter

supostamente indutor apontado por Schoueri (2005, p. 22) quanto à omissão do

legislador em corrigir a tabela progressiva do imposto de renda.

A própria progressividade do IRPF, em maior número de alíquotas (7,5%, 15%,

22,5% e 27,5%), prevista na Lei nº 11.482/2007 (BRASIL, 2007), é medida de justiça

fiscal para atenuação das desigualdades, que prestigia o princípio da capacidade

contributiva em seu aspecto positivo, ligada à fiscalidade e não à extrafiscalidade.

As deduções do IRPF também se caracterizam pelo caráter fiscal, já que visam a

adequar a capacidade contributiva do contribuinte à realidade, descontadas da base de

cálculo do tributo aquelas despesas necessárias à manutenção do contribuinte e de sua

família. Neste sentido, Tipke e Lang, (2008, p. 221), mencionam a teoria da renda

indisponível: “segundo o assim chamado princípio da liquidez privada deve ser

separada da base de cálculo a parte da renda de mercado utilizada como mínimo vital

necessário e portanto não disponível para o pagamento do imposto”. Acrescentam,

ainda, conforme doutrina confirmada pelo Tribunal Constitucional alemão, o princípio

especial de liquidez familiar, considerando as obrigações alimentares ínsitas à seara

familiar e exemplificam que “um rapaz solteiro e um pai de família não são na mesma

medida capazes de contribuir” (2008, p. 222).

Sidou, ao tratar da função do imposto de renda, menciona com clareza a

necessidade de revisão da interpretação relativa a esse tributo pessoal, entendido pelo

autor como o mais propício à correção dos desníveis socioeconômicos (mas não o

único):

Não se faz mister que o legislador inove, mas tão-só que recrie ou reveja princípios já assentes na infra-estrutura tributária, porfiando na ‘transferência de rendas’ uma das múltiplas tarefas do imposto e exatamente o fulcro de seu sentido social. Tal seria a pluralização de tratamento das

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rendas em função de seu fato gerador, com o retorno da diversidade tributativa cedular; a tributação mais gravosa dos rendimentos mais elevados; a elevação das isenções para os créditos mais modestos; e a tarifação progressiva das heranças (1978, p. 82).

Citando o princípio da capacidade contributiva como forma de promoção da

justiça social através das normas fiscais, Tipke e Lang (2008, p. 261) registram que “O

direito tributário realiza o equilíbrio social em primeiro lugar através de normas de

finalidade fiscal, ou seja, através da transferência consequente do princípio da

capacidade tributária.”

O art. 146, III, “d” da Constituição prevê a definição de tratamento tributário

diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte. O Estatuto Nacional

da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte – Simples Nacional (instituído pela

Lei Complementar nº 123/2006) (BRASIL, 2006), nesse sentido, tem a função fiscal de

simplificar a operacionalização do sistema tributário para as referidas empresas, que

detém menor capacidade contributiva, em realização da função simplificadora e

distributiva do tributo. Não se olvida, contudo, da natureza também extrafiscal do

Simples Nacional, ao estimular a formalidade e o emprego.

3.5.2 Constituição de 1988: imunidades

Em relação às imunidades, a grande maioria delas se compreende no campo da

fiscalidade, já que são normas de competência negativa49 que, longe de constituírem fins

em si mesmas, visam à garantia de mandamentos constitucionais (especialmente, os

direitos e garantias fundamentais)50, sem a indução de comportamentos dos

contribuintes.

Nesta seção, não se pretende a análise aprofundada de cada uma das imunidades,

o que foge ao objeto deste estudo, mas tão somente a avaliação da função que parte

49 Sobre a visão de que a atuação negativa do Estado para proteção de direitos seria pautada na ausência de gastos públicos, em posição de simples abstenção, as imunidades são clara comprovação da insubsistência da teoria. Isto porque a abstenção ao poder de tributar, por óbvio, é uma escolha que implica reflexo orçamentário, da mesma forma que a proteção aos direitos adjacentes às imunidades poderia ser realizada através de subvenções públicas ou outras ações afirmativas que levassem ao gasto com o valor que eventualmente fosse arrecadado. 50 Nada impede a existência de imunidades de cunho político fiscal, como se verifica pela conferida ao ouro, no art. 153, § 5º da Constituição Federal. Não se vislumbra nesta espécie qualquer tipo de intervenção de cunho social, mas estritamente econômico (e não no sentido de estímulo ou desestímulo), Tal preceito tem por finalidade proteger aqueles que possuem o ouro como ativo financeiro e exclui, por completo, a incidência de outros tributos além do imposto de que trata o inciso V do caput do artigo (imposto sobre operações financeiras).

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delas desempenham (e neste tópico, apenas a que entendemos possuir conteúdo fiscal,

especialmente pela ausência de qualquer indução de comportamentos do destinatário da

norma).

A imunidade recíproca, estabelecida pelo art. 150, VI, “a” da Constituição de

1988, tem como objetivo a preservação da forma federativa de Estado, a qual é de tal

importância no contexto constitucional que foi alçada à condição de cláusula pétrea, não

podendo ser suprimida pelo poder constituinte derivado (art. 60, § 4º, I, da Constituição

de 1988). Foi na Corte Suprema dos Estados Unidos que a teoria sobre tal imunidade

teve desenvolvida e consolidada sua aplicação,51 sendo a imunidade também

considerada cláusula pétrea pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação

Direta de Inconstitucionalidade nº 939 (STF, DJ 18.03.1994)52.

A imunidade dos templos de qualquer culto, prevista na alínea “b” do

dispositivo, visa à garantia, pelo Estado, da liberdade de crença dos indivíduos e do

livre exercício dos cultos religiosos (art. 5º, VI da Constituição de 1988). Sendo o

Estado laico (art. 19 da Constituição de 1988), não poderia a imunidade em questão

induzir à proliferação de estabelecimentos religiosos, mas apenas assegurar a sua

existência, o que certamente se verifica pela impossibilidade de tributação, via

impostos, caracterizando medida sem qualquer traço de extrafiscalidade.

A imunidade prevista na alínea “c” do inciso IV do mesmo dispositivo

contempla a renda, patrimônio e serviços dos partidos políticos (incluindo suas

51 Nos Estados Unidos, mesmo não estando expressamente previsto na Constituição, o princípio federativo é tido como consequência remota e indireta da teoria dos poderes implícitos. De tal ordenamento jurídico foi copiada a experiência pela Constituição de 1891 (art. 10), quando pela primeira vez foi previsto o instituto no Brasil. O Estado americano teve como leading case no caso da imunidade, em 1819, Mc Culloch vs Maryland, no qual foi analisado o fato de o Estado de Maryland tributar uma filial de um banco nacional criado para regular o comércio e a moeda. O acórdão foi redigido pelo juiz Marshall (considerado no país a sua mais notável sentença), no qual pela primeira vez se afirmou a tese da imunidade federal frente às pretensões dos Estados pois “the power to tax involves the power to destroy” e, portanto, ficariam à mercê de um governo todos os serviços e instrumentos de outro. 52 No julgamento da ADI nº 939 (DJ 18.03.1994), o voto do Ministro Relator, seguido pelos demais neste ponto, considerou que seria contradição imaginar o princípio da paridade jurídica das entidades federadas e, simultaneamente, pudessem elas exercitar suas competências impositivas sobre o patrimônio, rendas e serviços umas das outras. Citando Geraldo Ataliba, o ministro pontua a origem do vocábulo “federação”: “A palavra vem do latim foedus, foederis, que quer dizer pacto-associação. Daí que federação é a autonomia recíproca da União e dos Estados sob a égide da Constituição Federal. Autonomia vem de “auto nomus” aquele que é capaz de dar norma a si mesmo. Se a federação é autonomia recíproca, quer dizer: a união não pode dar normas para o Estado e o Estado não pode dar normas para a União.” O relator conclui que é da própria essência do pacto federal a imunidade recíproca dos entes que o compõem, porque, sendo a federação uma associação de estados, que se encontram no mesmo plano, não há que se falar em relação de súdito para soberano, de poder superior a inferior, o que exclui a possibilidade de tributação.

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fundações), das entidades sociais dos trabalhadores, das instituições de educação e de

assistência social sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.

Em relação aos partidos políticos, a imunidade parece ter caráter exclusivamente

extrafiscal, razão pela qual será tratada na próxima seção.

No que concerne aos sindicatos - apenas dos trabalhadores - a imunidade

considerou a hipossuficiência da classe, que ao lado dos sindicatos patronais, foi objeto

de previsão no rol dos direitos sociais - art. 8º da Constituição de 1988, cuja proteção se

perfaz. A importância do sindicalismo, aliás, levou à instituição da contribuição especial

sobre as categorias profissionais ou econômicas (art. 149 da Constituição de 1988). A

imunidade tem ligação à justa distribuição da carga tributária, considerando a menor

capacidade econômica do segmento dos trabalhadores em relação a do empresariado.

Vislumbra-se, no entanto, a função extrafiscal no benefício, que também incentiva a

proliferação dos órgãos de classe objeto da norma, ao eliminar custos que poderiam

influenciar na própria constituição dos mesmos.

As instituições de educação e entidades sociais fazem jus à imunidade desde que

atendidos os requisitos do art. 14 do CTN (BRASIL, 1966) e do art. 12, § 2º, da Lei nº

9.532/1997 (BRASIL, 1997). As imunidades têm ligação ao princípio da capacidade

contributiva, presumindo que as entidades beneficiadas não acumularão riquezas na

prestação dos serviços que se propõem. Nesse sentido, obriga a legislação que, para se

fazer jus ao benefício, a totalidade do lucro auferido (se auferido) deve destinar-se ao

implemento das atividades essenciais das instituições. Contudo, não se esgota aí o

sentido do dispositivo, que também tem a função de estímulo de comportamento da

sociedade civil. Assim, a imunidade em comento teria dupla natureza, fiscal e

extrafiscal (indução de comportamentos), sendo a última tratada na seção seguinte.

Fora da seção do sistema tributário, encontramos a imunidade prevista sobre a

contribuição para seguridade social em relação às entidades beneficentes de assistência

social que se enquadrem nos requisitos previstos pela legislação (art. 195, § 7º da

Constituição de 1988), embora esteja erroneamente utilizado o termo “isenção.” O art.

203 a estende aos beneficiários da assistência social. O mesmo raciocínio acima

mencionado sobre a imunidade da alínea “c” pode ser utilizado para definir o benefício

como de natureza mista.

Sobre as imunidades previstas nos incisos “b”, “c” e “d” do inciso VI da

Constituição de 1988, no julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade

(ADI) nº 939 (STF, DJ 18.03.1994), a maioria dos ministros as consideraram como

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direitos fundamentais dos contribuintes, já que tais direitos se encontram não apenas no

art. 5º da Constituição, cujo rol não é taxativo (como ressalva o § 2º de tal

dispositivo53).

O voto do Ministro Sepúlveda Pertence enfatizou a vinculação do instrumento

tributário à proteção e garantia de diversos princípios, liberdades e direitos básicos da

Constituição:

Ainda que não se tratem de garantias individuais [o que não foi a conclusão da Corte Suprema], as imunidades aos partidos políticos, sindicatos dos trabalhadores, entidades sociais e de educação sem fins lucrativos, templos de qualquer culto e livros, jornais, periódicos e os papéis destinados a sua impressão, constituem instrumentos de salvaguarda fundamentais de princípios, liberdades e direitos básicos da Constituição, como liberdade religiosa, de manifestação de pensamento, pluralismo político do regime, liberdade sindical, solidariedade social, direito a educação e assim por diante.

Deve-se salientar que a questão da proteção a direitos previstos no texto da

Constituição não é critério para se caracterizar a imunidade como fiscal ou extrafiscal.

Na parte do voto citado, observa-se que todas as imunidades visam à proteção de algum

direito ou garantia fundamental. Contudo, há que se verificar o fundamento do manejo

tributário. Se é realizado através da indução de comportamentos, estará a imunidade

ligada à função extrafiscal do tributo.

O art. 153, § 4º, II da nossa Constituição prevê a imunidade do ITR para as

pequenas glebas rurais, quando exploradas pelo proprietário que não possua outros

imóveis, caracterizando medida que protege o mínimo substancial, medida com nítido

caráter de justiça fiscal, que atende ao princípio da capacidade contributiva.

Também as imunidades em relação às taxas previstas em diversos incisos do art.

5º da Constituição ora prestigiam o mínimo existencial, ora o acesso à Justiça. Portanto,

observam a função fiscal: petições aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra

ilegalidade ou abuso de poder e certidões para defesa de direitos e esclarecimento de

situações de interesse pessoal (inciso XXXIV); custas em relação à interposição da ação

popular (inciso LXXIII); assistência jurídica gratuita aos que comprovarem

insuficiência de recursos (inciso LXXIV); registro civil e certidão de óbito aos

reconhecidamente pobres (incisos LXXVI); habeas corpus e habeas data e, na forma da

lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. O art. 206, IV prevê, ainda, a

53 “§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

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gratuidade do ensino nos estabelecimentos oficiais, ressalvada a característica de direito

público subjetivo no § 1º do art. 208 da Constituição de 1988. Em relação às

imunidades voltadas ao acesso à Justiça, não se verifica qualquer indução de

comportamento (no sentido de estimular que o indivíduo recorra ao Judiciário, por

exemplo), mas tão somente garantir que, se for da sua vontade fazê-lo, terá as condições

mínimas necessárias para o exercício do seu direito de ação.

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4 EXTRAFISCALIDADE 4.1 Da natureza jurídico-tributária das normas extrafiscais

A concepção sobre a natureza jurídico-tributária das normas extrafiscais não é

pacífica.

Tipke e Lang (2008, p. 177) aduzem que “materialmente, as normas de

finalidade social (para este estudo, extrafiscais) não pertencem ao direito tributário, mas

ao direito econômico, direito social ou outros ramos”.

Carvalho (1976, 2007, p. 246) aduz que “não se trata de entidade jurídica, mas

de acontecimento que cabe melhor nas categorias de política tributária ou mesmo

economia tributária, cogitadas no contexto da ciência das finanças”.

Schoueri (2005, p. 87), considera que as normas indutoras têm duplo

regramento, tributário e econômico, aplicando-se às mesmas os princípios informadores

de ambas as disciplinas, de forma recíproca e complementar.

Embora boa parte das normas indutoras de comportamento se voltem para a

regulação econômica, o entendimento citado envolve um equívoco metodológico ao

universalizar o tratamento das normas extrafiscais ao direito econômico

(exclusivamente ou em conjunto com o direito tributário). Como já salientado, apenas

em sentido genérico se compreende a tributação (e toda ela, não apenas a de cunho

extrafiscal) como forma de intervenção sobre o domínio econômico ao caracterizar

como compulsória a obrigação de entregar parcela do patrimônio privado (ou mesmo

público, quando se trata da tributação entre os entes federados) ao Estado. Em sentido

estrito, que deve ser observado quando se trata da disciplina jurídica de um instituto, a

intervenção sobre o domínio econômico só pode ser caracterizada, no campo tributário,

se a exação de fato implica a modificação, em algum sentido, no curso das relações

mercadológicas.

Nesse sentido, Mateo (1983, p. 346, tradução nossa)54 explicita que “embora seja

no âmbito econômico no qual, com maior frequência, os tributos extrafiscais encontram

aplicação, é certo que não há razão para que constitua seu âmbito exclusivo”. Citando

Gerloff, afirma que a possibilidade de aplicação das normas extrafiscais se encontra em

54 Pero si bien es el ámbito económico donde con mayor frecuencia encuentran aplicación los tributos extrafiscales, es lo cierto que no tiene por que constituir su ámbito exclusivo.

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quase todo o domínio da administração pública: políticas social, demográfica, de saúde,

moral, cultural e outras.

Defende-se nesta pesquisa a natureza jurídica tributária das normas extrafiscais

exatamente nos termos propostos por Gouvêa (2006, p. 250), que considera dever a

análise da extrafiscalidade ser feita no enfoque do direito tributário e não do direito

econômico, podendo, contudo, ser estudada pelos dois ramos da ciência (que alteram o

seu objeto formal e a metodologia). Embora “tanto os princípios que constituem o

chamado estatuto do contribuinte, quanto aqueles que orientam as ordens social e

econômica (e não apenas essa última), delimitam o perfil da extrafiscalidade”, cabe ao

direito tributário o seu enquadramento:

Porém, a análise da extrafiscalidade pelo Direito Econômico fica restrita, quanto ao objeto, às normas de conteúdo econômico. De outra sorte, os institutos extrafiscais encontram análise total pelo direito tributário. No direito tributário, a extrafiscalidade é matéria essencial, colocada juntamente com a fiscalidade e com as limitações ao poder de tributar. A extrafiscalidade é essencialmente objeto do direito tributário. É, porém, objeto acidental do Direito Econômico (2006, p. 14).

Assim, a extrafiscalidade pode atuar no campo econômico, mas também nos

campos social, cultural, desportivo e educacional, por exemplo, sem que o fator

econômico (no sentido de regulação do mercado) seja relevante. Além do tratamento

tributário, conforme o objeto da norma, serão aplicados os princípios e regras de outras

disciplinas, de forma acidental.

Outrossim, cogita-se por variada doutrina, especialmente espanhola, objeto de

investigação neste estudo, se as normas indutoras, especialmente desestimuladoras de

comportamento, poderiam caracterizar-se não como normas tributárias, mas sim, como

sanções, portanto afeitas à disciplina do direito sancionador, administrativo ou penal.

Isso porque as normas extrafiscais se afastariam do conteúdo arrecadatório obrigatório

em se tratando de ingressos tributários, o que foi explanado na seção 2.2.1.

Nesse sentido, Godoi (1999, p. 230) cita Albiñana55, o qual entende que as

normas extrafiscais, embora busquem fins socialmente desejáveis e sirvam ao propósito

de alcance da justiça genericamente entendida, não observam os ditames da capacidade

contributiva, nem se destinam a sustentar os gastos públicos, daí não possuírem a

natureza de impostos. Os denominados “impostos de ordenamento”, ao visarem à

55 ALBIÑANA GARCÍA-QUINTANA. Los impuestos de ordenamiento económico. Hacienda Pública Española (HPE), nº 71, 1981.

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correção de atividades ou condutas humanas, se constituiriam em “multas sem infração

prévia”.

Como já salientado, entende-se que a arrecadação é, ao lado da indução de

comportamentos, uma função possível da norma tributária, mas não obrigatória. A

presença de uma ou outra função não desnatura a prestação pecuniária como tributária e,

portanto, sujeita a norma ao estudo do direito tributário.

4.2 Conceito de extrafiscalidade

O sentido etimológico do termo “extrafiscalidade” é explicitado por Aizega

Zubillaga:

Com o prefixo extra, que significa ‘fora de’, se pretende identificar um conceito que, de acordo com seu próprio nome, se colocaria fora da fiscalidade, como um elemento estranho à mesma, entendendo a fiscalidade como a utilização dos tributos com fins arrecadatórios e a extrafiscalidade como a utilização do tributo com outros fins, distintos dos arrecadatórios. (2001, p. 46, tradução nossa)56.

Tal sentido etimológico tem notável influência sobre a doutrina brasileira, o que

se percebe pelo teor da seção 2.1 deste trabalho, em que os conceitos de extrafiscalidade

citados, em grande parte, são explicitados através de uma mera contraposição com o

conceito da fiscalidade (essa definida como o uso do tributo para fins “meramente

arrecadatórios”). Contudo, o conteúdo da extrafiscalidade não se encerra no sentido

etimológico do termo, que se limita à característica negativa da função “não

arrecadatória” do tributo. Devem ser acrescidos outros elementos para se compreender e

definir as normas cujo estudo esta seção se propõe realizar.

Já se sabe que a extrafiscalidade é uma função da norma tributária. Tal função é

eleita como forma de política fiscal pelo detentor da competência tributária, como

alternativa ao uso do tributo, em sua função fiscal. O Estado poderia arrecadar recursos

e com eles realizar uma série de medidas: prestar serviços, investir em infraestrutura,

realizar programas sociais como o “bolsa família”, adquirir bens, dentre tantas outras

possibilidades. Pode, porém, utilizar o tributo para obter diretamente outras

56 Con el prefixo extra, que significa «fuera de», se pretende identificar un concepto que de acuerdo con su propio nombre, se colocaría fuera de la fiscalidad, como un elemento extraño a la misma, entendiendo fiscalidad como la utilización de los tributos con fines recaudatorios, y extrafiscalidad, como la utilización de los tributos con otros fines distintos de los recaudatorios.

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consequências, que com independência da arrecadação (pode deixar de existir, ser maior

ou menor), influirão postivamente na consecução de um fim legítimo e constitucional,

eleito pela política pública e que prevalecerá sobre a função de obtenção de receita que

possa advir da exação. Assim, a primeira questão envolvida quando se trata da

extrafiscalidade é política, ou seja, escolher em quais casos a função de arrecadação será

secundária ou inexistente, em prol de um fim legítimo.57

Por essa razão pode-se afirmar que também a extrafiscalidade se presta à

promoção da justiça, pois sempre deverá almejar o alcance de um fim legítimo,

prestigiado pelo ordenamento jurídico. Lejeune Valcárcel, considerando que a

extrafiscalidade “tem um papel que cumprir ao serviço do programa e dos princípios

constitucionais” (1980, p. 121), aponta que:

Com efeito, precisamente porque o tributo não é apenas um instrumento de arrecadação de receitas públicas, o princípio da capacidade contributiva não pode presidir sozinho todo o fenômeno da tributação e, como consequência, a justiça tributária não é um conceito que possa ter como critério orientador exclusivo a capacidade contributiva das pessoas chamadas a suportar as diferentes obrigações tributárias. Na medida em que o instituto tributário está convocado a cumprir uma pluralidade de funções, a justiça do mesmo dependerá do grau de eficiência no cumprimento das funções atribuídas ou, dito de outra forma, do grau em que o instituto tributário se ajuste ao princípio constitucional básico, em virtude do qual se atribui ao instituto tributário (pelo fato de ser um instituto constitucional) uma diversidade de funções (LEJEUNE VALCÁRCEL, 1980, p. 120, tradução nossa)58.

Segundo o autor, a justiça tributária não pode ter por conteúdo exclusivo a

capacidade contributiva diante da variedade de funções que a Constituição reserva ao

tributo (inclusive extrafiscais). Ao sugerir a utilização do princípio da igualdade

tributária “como princípio retor da justiça tributária”, se resolveriam aparentes conflitos

entre o conceito de “justiça tributária” e as demais funções constitucionais direcionadas

aos tributos, além de permitir o cruzamento do princípio da igualdade tributária com o

princípio constitucional da igualdade, do qual aquele é especificação. Assim, a justiça

57 A seção 4.4 trará esclarecimentos sobre a legitimidade do fim buscado pela norma extrafiscal. 58 En efecto, precisamente porque el tributo no es ya sólo un instrumento de recaudación de ingresos públicos, el principio de capacidad contributiva no puede presidir en solitario todo el fenómeno de la tributación, y, como consecuencia, la justicia tributaria no es un concepto que pueda tener como criterio orientador exclusivo la capacidad contributiva de las personas llamadas a soportar las diferentes obligaciones tributarias. En la medida que el instituto tributario está llamado a cumplir con una pluralidad de funciones, la justicia del mismo dependerá del grado de eficiencia en el cumplimiento de las funciones asignadas, o dicho de otra forma, del grado en que el instituto tributario se adecue al principio constitucional básico, en virtud del cual se asignan al instituto tributario (como instituto constitucional que es) una diversidad de funciones.

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tributária seria “um dos aspectos da mais ampla justiça constitucional”. (LEJEUNE,

1980, p. 121).

Na extrafiscalidade, considerando a indução de comportamentos que é o seu

objetivo, a norma tributária o alcançará geralmente arrecadando menos quanto à receita

do tributo indutor, o que não impede o aumento da arrecadação em geral em

determinadas situações. É o que se verifica no caso da redução do Imposto sobre

Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários

(IOF) sobre operações de crédito, isto visando fomentar o consumo. Nesse caso, obtido

o resultado indutor, haverá aumento na arrecadação do ICMS, do IPI, do IRPJ etc. Se a

norma tributária agrava o tributo, espera-se que grande parte dos contribuintes,

verificando que pagará mais ao realizar a conduta que a norma visa a evitar, opte por

não realizá-la. Nos casos de benefícios fiscais (isenções extrafiscais e minoração da

carga tributária), o Estado abre mão da arrecadação visando a estimular o contribuinte a

realizar a conduta prestigiada pela norma. Contudo, não se desconhece que muitas vezes

ocorrerá o aumento da arrecadação. Nesse ponto, deverá ser verificado se o percentual

de sucesso da norma é suficiente para mantê-la como norma extrafiscal no ordenamento

ou deverá ser revista a sua racionalidade (essa última premissa será discutida na seção

4.4).

No entendimento deste estudo, a aptidão para influenciar o comportamento do

contribuinte ou de terceiros relacionados ao fato gerador da hipótese de incidência é a

essência da norma extrafiscal (e a base do critério funcional, exposto na seção 2.4.3),

devendo tal aptidão ser capaz de produzir efeitos indutores de comportamento. A

conduta desejada deverá influir, de alguma forma, no bem jurídico eleito para proteção,

como, por exemplo, o mercado, o meio ambiente, o consumo, o estimulo à produção

nacional e a pesquisa.

A extrafiscalidade se caracteriza, outrossim, por não se prestar a punir a

ilicitude. As condutas permitidas devem ser lícitas no ordenamento positivo.

O direito financeiro não pode ser desprezado quando se trata das normas

extrafiscais. O produto arrecadado, se houver, por óbvio, será utilizado para concretizar

as funções do Estado e os desígnios constitucionais. Contudo, não é a receita/despesa

que define a natureza da norma extrafiscal, pois a sua essência é a de privilegiar um

bem constitucionalmente protegido através da indução positiva ou negativa de

comportamentos. Realizada no plano concreto a função indutora da norma, a

arrecadação tende a ser menor, ou sequer existir (como no caso das isenções e das

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imunidades), mas existindo, frise-se, também deve ser empregada de forma a

concretizar as funções estatais e valores positivados constitucionalmente.

Após esses breves apontamentos, passa-se à análise pontual dos elementos que

atuam na caracterização da extrafiscalidade, ao lado do critério negativo de não buscar a

arrecadação como fim principal.

4.2.1 Indução de comportamentos através do manejo do tributo: agravamento,

minoração, exclusão, remanejamento

A aptidão efetiva para influenciar o comportamento do contribuinte de forma a

ser atingido o bem jurídico visado pela norma é a essência da norma extrafiscal (e a

base do critério funcional). Deve a norma, através do comportamento estimulado ou

desestimulado, ser efetivamente capaz de produzir resultados positivos em relação ao

bem jurídico protegido.

Entende-se, neste estudo, que a aferição de tal capacidade se dá, em um primeiro

momento, no plano abstrato, uma vez que no momento da formulação da norma é

possível adiantar, ao menos em tese, a sua chance de atingir, em alguma forma, o bem

jurídico que a norma tributária visa a proteger. Em um segundo momento, porém,

quando da vigência e aplicação da mesma, a efetiva indução de comportamentos será

apurada no plano concreto, verificando se a norma extrafiscal atinge, real e

satisfatoriamente, o objetivo visado. No final desta seção serão analisadas as

consequências, quando da verificação da ineficácia da norma, tanto no plano abstrato,

quanto no plano concreto, questão que se relaciona à legitimidade da norma extrafiscal.

Discorda-se de Schoueri no ponto em que afirma que a função indutora pode ser

caracterizada em momento posterior à edição ou à modificação da norma, como pela

omissão do legislador, da qual se extrai força equivalente ao ato de legislar. O autor cita

como exemplo a falta de correção monetária da tabela progressiva do IRPF (Schoueri,

2005, p. 22). Mas qual seria a indução de comportamentos que a omissão do legislador

provocaria ao corrigir a tabela? A correção é medida de justiça fiscal ligada à

capacidade contributiva, na intenção de conservar o valor econômico dos salários,

vencimentos e proventos, o que não se encontra vinculado à extrafiscalidade.

A capacidade de induzir comportamentos, característica fundamental e

necessária da norma extrafiscal, pode se dar através de incentivos, “vantagens

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adicionais àqueles que incorrem nos atos contemplados pela norma, que não seriam

obtidas no livre funcionamento do mercado” (SCHOUERI, 2005, p. 54) ou por

desestímulos, nos quais “recai o destinatário da norma em custos que não lhe seriam

imputados, em caso de livre curso do mercado” (SCHOUERI, 2005, p. 54).

A exteriorização dos incentivos se dá especialmente através da minoração, da

exclusão ou mesmo do remanejamento na forma original de cobrança da exação – nesse

último caso, sem prejuízo da carga tributária. O desestímulo, por outro lado, se dá

mediante a instituição de exação ou agravamento de exação existente no ordenamento.

Note-se que as maiores possibilidades de manejo extrafiscal se encontram no tratamento

simultâneo do elemento material e quantitativo da hipótese de incidência.

O agravamento da carga tributária se concretiza principalmente através de

modificações na alíquota ou na base de cálculo tradicional do tributo já instituído. É

possível, ainda, a criação de imposto novo (observada a competência residual prevista

na Constituição de 1988, no art. 154, I) ou a instituição de imposto já previsto no texto,

mas que se limita a situações extraordinárias e eventuais, como o imposto extraordinário

de guerra (art. 154, II da Constituição de 1988) ou a espécie tributária dos empréstimos

compulsórios (art. 148 da Constituição de 1988). Em ambos os casos, desde que tenha

por fato imponível situação que induza o comportamento do contribuinte, esses tributos

terão, simultaneamente, natureza fiscal e extrafiscal, já que o objetivo de arrecadação é

obviamente presente quando a Constituição explicita o seu caráter de imposto afetado às

despesas extraordinárias de guerra, de calamidade pública ou a investimentos de caráter

urgente e relevante interesse nacional.

Em relação aos benefícios fiscais, além do manuseio das alíquotas e base de

cálculo, é possível a concessão de crédito presumido em tributos que observam o

princípio da não cumulatividade, sempre ao relacionar a minoração do fato imponível à

finalidade de proteção de um determinado bem jurídico. A exclusão da carga tributária

pode se dar através das imunidades ou isenções de tributo existente. Entende-se também

possível o manejo da extrafiscalidade no remanejamento da forma original de cobrança,

o que se verifica, conforme exemplo fornecido por Fernandes (2005, p. 236), na criação

de formas de dedução do imposto de renda aos contribuintes que “assumam

comportamentos incentivadores do desenvolvimento da cultura e da arte”.

Questão interessante é a indagação sobre se seria possível o manejo da

extrafiscalidade, através de incentivos ou desestímulos de comportamento, em toda e

qualquer espécie tributária.

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Embora não seja objeto do trabalho a investigação do juízo de compatibilidade

das espécies tributárias com as normas extrafiscais - o que exigiria um estudo detalhado

sobre a polêmica questão da natureza de cada uma das espécies tributárias admitidas

pelo ordenamento jurídico, avança-se em algumas conclusões que parecem adequadas à

análise do tema. Considerar-se-á a teoria das espécies tributárias pela classificação

quinquipartida, reconhecida por grande parte da doutrina e especialmente consagrada no

Supremo Tribunal Federal a partir do julgamento do RE nº 148.754 (STF, DJ

04/03/1994). Neste sentido, no ordenamento jurídico brasileiro são espécies tributárias

os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as

contribuições especiais.

O imposto, tendo como fato jurígeno uma ação do contribuinte, é campo

preferencial para a consecução da extrafiscalidade, atuando diretamente na indução ou

desestímulo de comportamentos. A natureza afinalística do produto da arrecadação dos

impostos não impede a presença da extrafiscalidade, já que esta se caracteriza no

momento da incidência ou não da norma, sendo equívoco identificar a extrafiscalidade

na realização dos gastos públicos, aspecto a ser discutido na seção 4.2.3.

Nas taxas, que pressupõem como fato gerador uma atividade específica e

divisível do Estado e não do contribuinte, a extrafiscalidade tem maior dificuldade de

ser implementada. Se, por um lado, a teoria da equivalência pode resistir ao teste de

fundamentação extrafiscal, quando os valores prestigiados reflitam na mensuração da

base de cálculo da taxa, o mesmo não se pode dizer quanto à indução de

comportamentos. Isso porque, se a extrafiscalidade é identificada no momento da

incidência ou não da norma, não se poderia induzir uma conduta do próprio Estado.

Contudo, em alguns casos, como parece ser o das taxas ambientais (se é que têm esta

natureza), atingido o comportamento do contribuinte (ainda que de forma indireta), com

a incidência ou não da norma, poderia se cogitar da presença da extrafiscalidade. Um

exemplo disso seria o da possível distinção entre o valor da taxa de coleta de lixo, caso

o usuário separe ou não os itens do lixo, visando à reciclagem.

Quanto à contribuição de melhoria, tributo cobrado em razão da valorização do

imóvel em função de obra pública, entende-se não haver margem para conteúdo

extrafiscal, já que não há indução de comportamento com a simples incidência do

tributo. Seguindo o conceito proposto para a extrafiscalidade, não vislumbramos

hipótese em que o agravamento ou vantagem poderiam motivar o contribuinte a adotar

comportamento desejado pelo legislador. Não há sentido em um eventual incentivo à

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compra ou venda do imóvel atingido pela valorização, única indução que se vislumbra

possível à hipótese.

No empréstimo compulsório, pela abstração do conteúdo da hipótese descrita no

inciso I do art. 148 da Constituição Federal, pode-se aceitar a possibilidade da presença

da extrafiscalidade, conforme a eleição do fato gerador do tributo e/ou de elementos de

sua quantificação.

Quanto às contribuições especiais, caracterizando tal espécie tributária pela

destinação específica do produto de sua arrecadação à determinada finalidade (imposto

afetado), entende-se que a extrafiscalidade não é determinada com base nessa

característica. Há que se verificar, em cada espécie de contribuição, a existência de

efetiva norma indutora de comportamento, caso em que, se presente, caracterizado

estará o efeito extrafiscal. O mesmo não ocorre no caso das contribuições sobre as

categorias profissionais, nas quais não enxergamos qualquer forma de induzir

comportamentos com a simples incidência ou não da norma tributária. Nas

contribuições sociais previdenciárias, excluída está a possibilidade de atuação

extrafiscal, já que são instituídas com base no princípio da solidariedade e da

universalidade para garantir aos contribuintes os benefícios previdencários.

No que concerne às contribuições sociais do empregador, da empresa e da

entidade a ela equiparada (art. 195, I da Constituição de 1988), entende-se possível a

presença da extrafiscalidade, desde que a alíquota ou a base de cálculo diferenciada

impliquem indução justificada de comportamento considerando os critérios da atividade

econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição

estrutural do mercado de trabalho (§ 9º do art. 195 da Constituição Federal). É bem

verdade que critérios relativos ao porte da empresa se relacionam, em geral, à

capacidade contributiva, no que constituiriam benefícios de natureza fiscal. O § 12 do

art. 195 da Constituição de 1988, ao prever a possibilidade de substituição da

contribuição em comento pelas que incidem sobre a receita e o faturamento, deixa clara

a possibilidade do manejo do tributo para fins fiscais, o que não comportaria o

comentário primeiramente exposto neste parágrafo.

4.2.2 Licitude do comportamento estimulado: conformidade com o art. 3º do Código

Tributário Nacional

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A extrafiscalidade se caracteriza, outrossim, pelo fato de não se prestar a punir a

ilicitude.

Os comportamentos possíveis aos contribuintes (seção anterior) devem ser

lícitos no ordenamento positivo. O tributo, conforme o caso, irá incentivar ou

desestimular um (ou mais) desses comportamentos lícitos possíveis.

O artigo 3º do CTN é expresso ao determinar que o tributo não constitui sanção

por ato ilícito, sendo tal dispositivo citado na seção 2.2.1.

A afirmação não é de fácil constatação em termos práticos. Por vezes, é tarefa

árdua delinear a tênue linha do que deve ser tratado como lícito e ilícito no ordenamento

jurídico e a primeira questão polêmica quanto ao requisito em estudo situa-se

justamente neste ponto. Palao Taboada (1984, p. 82), no campo do direito tributário

ambiental, ao mencionar alguns problemas técnicos dos impostos com tal natureza, cita

a dificuldade de distinguir as atividades contaminantes lícitas e ilícitas59 que, segundo

Herrera Molina (2000, p. 63), devem ser proibidas e não integrar o fato imponível

tributário:

Se determinada atividade é gravemente perigosa para a saúde pública ou produz danos irreversíveis, não deve contemplar-se no fato imponível, mas sim proibir-se em aplicação do art. 45 CE. O campo natural dos tributos ecológicos – como norma incentivadora de condutas limpas – está mais além, no âmbito da “contaminação residual”, não proibida pelo ordenamento jurídico (HERRERA MOLINA, 2000, p. 63, tradução nossa)60.

Becker (1972) menciona o uso da norma extrafiscal como forma gradativa de

mudança de comportamento social não desejável, antes de torná-lo ilícito. Afirma que o

Estado, visando a impedir ou desestimular um fato social, pode intervir criando norma

jurídica que preveja o ilícito ou através do tributo extrafiscal “proibitivo”, que teria um

papel educativo, de “reforma social” (como forma de modificar ou neutralizar a opinião

pública), antes de determinar a proibição da conduta. A tributação seria preferível para o

autor (1972, p. 540). Herrera Molina Molina (2000), ao tratar dos impostos ecológicos e

da natureza não estática do caracteriza um dano ambiental irreversível (caracterizada a

59 Esse autor menciona que as atividades contaminantes lícitas não devem ser tributadas, senão proibidas (parece que houve um equívoco de redação neste ponto: provavelmente o autor pretendeu referir-se às atividades contaminantes ilícitas, até mesmo pela nota, que cita Herrera Molina, cujo entendimento é no sentido ora citado pelo trabalho). Ao lado dessa questão, o autor menciona a dificuldade de definir a base imponível do imposto de maneira a graduá-la conforme a intensidade do dano ambiental, o que remete à necessária e concreta graduação do dano, não apenas tomando-se como base indícios e presunções. 60 Si determinada actividad es gravemente peligrosa para la salud pública o produce daños irreversibles, no debe contemplarse en el hecho imponible, sino prohibirse en aplicación del art. 45 CE. El campo natural de los impuestos ecológicos – como norma incentivadora de conductas limpias – está más allá, en el ámbito de la “contaminación residual” , no prohibida por el ordenamiento jurídico.

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gravidade do dano como tal, a medida deveria ser alocada do campo tributário para o

sancionatório), menciona a possibilidade de os impostos ecológicos “serem utilizados

como medida transitória para desincentivar uma conduta antes que se proceda a sua

expressa proibição” (2000, p. 63, tradução nossa)61, mas sem relacionar a situação ao

uso de “tributo proibitivo”.

Em defesa do “tributo proibitivo”, Becker (1972) critica a atribuição conferida

ao direito tributário de apenas cuidar dos fatos econômicos, o que possibilitaria a

tributação do ato ilícito justamente pela abstração da ilicitude do ato, ao se focar apenas

o seu efeito econômico. Segundo o positivista gaúcho, a interpretação econômica do

direito tributário “destrói precisamente o que há de jurídico no direito tributário”,

fulminando a certeza e praticabilidade deste, importando na inversão da fenomenologia

jurídica (BECKER, 1972, p. 549).

Contudo, o denominado “tributo proibitivo” não passaria no crivo de legalidade

e constitucionalidade em nosso ordenamento jurídico, por ferir o disposto no art. 3º do

CTN e os arts. 150, IV, e 170 da Constituição de 1988. Se é proibição, não é tributo,

mas sanção. Se se apurar que a sanção é insuficiente para evitar o ilícito, deve a multa

ser majorada e não utilizar a tributação de forma complementar, desnaturando o

conteúdo da prestação tributária62 (a norma extrafiscal perderia seu objeto) bem como

constituindo bis in idem, como bem pontua Herrera Molina (2000, p. 65), que faz um

paralelo do ponto de vista entre o imposto de renda63 relacionado à renda decorrente de

atividades ilícitas e os tributos ambientais.

O Supremo Tribunal Federal, no RE 94.001 (STF, DJ 11.06.82), em voto da

lavra do Ministro Moreira Alves, ao entender pela inconstitucionalidade de adicional de

61 Además, los impuestos ecológicos pueden utilizarse como medida transitoria para desincentivar una conducta antes de que se proceda a su expresa prohibición. 62 Após citar jurisprudência do Tribunal Supremo espanhol que, à vista de manter tributos tipicamente sancionatórios, utilizando a tese das “cláusulas penais não sancionadoras,” Herrera Molina critica tal entendimento, especialmente “quando o pressuposto fático de ditas condutas recai sobre um ilícito radical”. (HERRERA MOLINA, 2000, p. 68). Assevera, frise-se, que as sanções e a devida indenização pelo dano causado são as medidas apropriadas para evitar e corrigir os efeitos do comportamento prejudicial ao meio ambiente. 63 Herrera Molina (2000) menciona que é correta a cobrança do Imposto de Renda decorrente de atividades ilícitas - o contrário constituiria privilégio insustentável em relação àqueles que exercem atividades lícitas, normalmente onerados pelo tributo. Contudo, se se conclui que um elemento patrimonial tem origem delitiva, não deveria ser gravado tributariamente como incremento não justificado, mas sim aplicada a pena de confisco prevista no ordenamento. No caso do tributo ambiental, se se está diante de exploração de substância altamente tóxica e nociva ao meio ambiente, a prevenção geral será adequada através da sanção (administrativa ou penal), pelo que “carece de objeto um tributo extrafiscal” (2000, p. 65).

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200% no IPTU em casos de construções irregulares, explicitou que a extrafiscalidade

não se presta à penalização do ato ilícito, tendo por limite o próprio conceito de tributo.

4.2.3 Destino da arrecadação: fator irrelevante para a conceituação da

extrafiscalidade

A receita está intimamente ligada à face fiscal do tributo. Nela, a arrecadação é

um dos fundamentos da exação. O produto arrecadado será utilizado para atender aos

fins do Estado e à implementação das políticas públicas, caracterizando as despesas

públicas. Na extrafiscalidade, tais elementos não demonstram importância para a

caracterização da norma, pois, como já salientado, a sua essência é a de privilegiar um

bem constitucionalmente protegido através da indução de comportamentos. Realizada

no plano concreto a função indutora da norma, a arrecadação em geral será menor, ou

sequer existirá (como no caso das isenções e imunidades), mas existindo, também será

empregada de forma a concretizar as funções estatais e valores positivados

constitucionalmente, convivendo as funções fiscal e extrafiscal no tributo.

Deve-se salientar que tanto a fiscalidade quanto a extrafiscalidade atuarão de

forma a prestigiar algum bem ou direito constitucionalmente previsto. Contudo, na

fiscalidade, esta atuação dependerá imediatamente de uma conduta do Estado, tanto ao

manejar a incidência (ou não) do tributo quanto na destinação da sua receita. Na

extrafiscalidade, o prestígio do bem dependerá da atuação imediata do contribuinte ou

do terceiro relacionado ao fato gerador. Exemplificando, na tributação fiscal, o Estado

institui isenção do IPVA aos portadores de deficiência física como medida de justiça

social; institui a isenção do IRPF até um determinado teto, como medida de justiça

fiscal, relacionada à capacidade contributiva. Na destinação de qualquer receita

arrecadada, o Estado irá fazer face às suas despesas e também atuar na promoção dos

interesses coletivos, conforme as variadas funções que lhe são destinadas pela

Constituição. Na tributação extrafiscal, ao se instituir alíquotas variadas de IPI para

veículos movidos à álcool e à gasolina através do Decreto nº 755/1993 (BRASIL,

1993), sendo menores para os primeiros, pretende-se incentivar o contribuinte de direito

à maior produção dos veículos que utilizem combustíveis não poluentes e o contribuinte

de fato a consumir tais veículos. O meio ambiente é prestigiado, então, de forma

imediata pela atuação do contribuinte de direito e de fato.

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Assim, não se pode concordar com o entendimento de Oliveira (2007, p. 41) de

que o critério de legitimação das normas extrafiscais é a vinculação da receita ao fim

que justifica a criação da norma indutora.

Não é pela destinação da receita que se verifica a “verdadeira condição de

legitimidade concreta da extrafiscalidade” (Oliveira, 2007, p. 41), pelo fato de que,

frise-se, é no momento da incidência ou não da norma tributária que se determina a sua

aptidão para produzir resultados indutores, que são a essência das normas extrafiscais.

Se a norma for capaz de induzir o comportamento do contribuinte para um fim lícito e

razoável, conforme a política pública determina e de acordo com um valor prestigiado

pela Constituição, a norma cumpre o papel que lhe é reservado. Fosse correto esse

critério de legitimação (vinculação das receitas), entendemos que não se explicaria o

manejo extrafiscal que não importasse em arrecadação para o Estado, a exemplo das

isenções dotadas de caráter extrafiscal. De toda forma, o que se entende por critérios de

legitimidade das normas extrafiscais será tratado na seção 4.4 deste estudo.

Oliveira defende a necessária vinculação do produto arrecadado, no caso dos

impostos extrafiscais, não apenas em se tratando de tributos ambientais (Oliveira, 2007,

p. 150-162). Segundo o autor, “a extrafiscalidade seria finalista” (2007, p. 155).

Tal entendimento contraria frontalmente o art. 167, IV da Constituição de

198864, que proíbe a destinação vinculada pela norma, em se tratando de impostos, com

as exceções elencadas no § 4º do mesmo dispositivo. A razão de ser do dispositivo é a

necessária margem de discricionariedade que o administrador deve possuir para

executar as funções do Estado, o que poderia restar prejudicado se fossem afetadas

todas as receitas tributárias a um determinado e prévio setor ou medida.

Neste ponto, Oliveira confunde os conceitos de “imposto afetado” e “imposto

finalista”, equívoco que não passa despercebido a Mateo (1983, p. 358), ao deixar clara

a distinção entre tributo “afetado” e tributo “finalista.” Esse autor explica que, a

princípio, o termo “imposto finalista” se referia à busca de fins não fiscais, mediante a

“ordenação de conduta do indivíduo”. Posteriormente, diante da quantidade de tributos

com tal característica, passou o termo a ser habitualmente utilizado para indicar o 64 “Art. 167. São vedados: [...] IV. a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para a manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades de administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo” (BRASIL, 1988).

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tributo que teria sua receita previamente afetada a certa destinação. Daí porque, ele

propõe seja utilizado o termo “afetado” quando se tratar de tributo qualificado pela

destinação da receita e “impostos de ordenamento” para os tributos extrafiscais.

Não se trata de desprestigiar a destinação da receita do tributo. Seja fiscal ou

extrafiscal (quando importar em arrecadação), esse é um tema que exige máxima

atenção especialmente dos que implementam e executam as políticas públicas. Não é,

porém, elemento que definirá a legitimidade da norma extrafiscal. A propósito, o

argumento de que a afetação da receita nos tributos extrafiscais levaria “à certeza de que

o tributo será usado na finalidade (ambiental) assinalada, ensejando ao Juiz o necessário

controle da tredestinação” (OLIVEIRA, 2007, p. 154), não traduz a realidade da política

fiscal e legislativa envolvendo tributos de natureza afetada, nem a atuação do poder

judiciário em casos de desvios na receita desses tributos para fins diversos do previsto

na lei instituidora, a exemplo das diversas emendas constitucionais vigentes

desvinculando do destino inicial a receita das contribuições.65

Também se discorda de Gouvêa, para quem, nas contribuições, a destinação da

receita é considerada para fins extrafiscais, caracterizando “realização direta dos valores

constitucionalmente adotados” (2006, p. 173), o que não ocorreria nos impostos - não

abordando o autor as demais espécies tributárias.

Não se compreende haver diferença entre a destinação como elemento da própria

hipótese de incidência nas contribuições e a destinação da receita nos demais tributos. A

distinção apenas serve para vincular, obrigatoriamente, o valor arrecadado àquela

finalidade previamente prestigiada nas contribuições. É indiferente se aquele numerário

é destinado à saúde, pela CPMF (hoje extinta), ou pelo imposto de renda, por exemplo.

Não se vê por que excluir, no raciocínio do autor, a destinação das receitas de todos os

tributos como indicativo de extrafiscalidade. Este é um primeiro ponto. O segundo é

que, considerada a destinação da arrecadação em qualquer dos tributos, tal fator não

caracteriza a extrafiscalidade, que se verifica no momento de incidência (ou não) da

tributação. Não custa salientar que, na fiscalidade, o valor arrecadado é utilizado para a

realização de fins e valores positivados na Constituição, seja custear a própria despesa,

promover a justiça tributária, distribuição de renda, justiça social, econômica, satisfação

65 Para aprofundamento do tema, vide GODOI, Marciano Seabra de. Contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico: a paulatina desconstrução de sua identidade constitucional. Revista de Direito Tributário da APET, vol. 15, p. 81-110, 2007.

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dos direitos fundamentais, dentre outros. É a leitura da fiscalidade que é exigida pelo

Estado Democrático de Direito.

4.2.4 Análise crítica dos conceitos doutrinários sobre a extrafiscalidade

Não se pode compreender a extrafiscalidade como um princípio, como defende

Gouvêa (2006, p. 35). A extrafiscalidade não é um “princípio implícito do sistema

tributário”, um “mandamento nuclear do sistema”, mas uma função possível da

tributação, mas não com caráter principiológico.

O autor ainda compreende a tributação extrafiscal como aquela dotada dos

“objetivos axiológicos da tributação”, dos quais estaria despida a tributação fiscal (sobre

a fiscalidade, a crítica a tal raciocínio foi realizada na seção 3.4). Entende-se neste

trabalho que não é a presença de valores que diferencia a norma extrafiscal. Como já

salientado, não há norma jurídica sem um valor adjacente. Discorda-se, ainda, da

assertiva de que uma norma tributária não pode ser “avessa” à arrecadação (GOUVÊA,

2006, p. 38). As isenções são exemplos disso, tanto na fiscalidade quanto na

extrafiscalidade. O conceito ventilado pelo autor (2006, p. 47) acaba por não diferenciar

os institutos da fiscalidade e da extrafiscalidade, que nem sempre convivem na mesma

norma.

Fanucchi (1976, p. 54) e Berti (2006, p. 41) utilizam-se de conceitos

demasiadamente vagos na definição da extrafiscalidade como sendo o uso do tributo

para fins outros, que não o “simplesmente”, “meramente” arrecadatórios, sequer se

referindo à indução de comportamentos.

Sobre o conceito explicitado por Carvalho (2007, p. 243), entende-se que o

mero prestígio de fim social, político ou econômico não é suficiente para caracterizar a

extrafiscalidade, que requer especialmente a indução de comportamentos do

contribuinte (ao lado dos demais elementos já elencados). O critério do interesse social

ou “não meramente arrecadatório” não seria, assim, suficiente para definir o instituto. A

título de exemplo, uma isenção pode ser concedida por critérios políticos, sociais ou

econômicos, como a isenção do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação

(ITCD), no Estado de Minas Gerais, para doações de valores até 10.000,00 UFEMG

(Unidade Fiscal do Estado de Minas Gerais). O benefício relaciona-se ao princípio da

capacidade contributiva (em seu aspecto negativo), à proteção do mínimo existencial,

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sem que importe qualquer indução de comportamento do contribuinte beneficiado. Não

se trata, portanto, de norma extrafiscal.

Machado (1998, p. 52), quando trata da extrafiscalidade, parece atribuir-lhe

conotação exclusivamente econômica, quando vários outros podem ser os bens que a

norma visa a prestigiar utilizando a indução de comportamentos.

A definição de extrafiscalidade de Oliveira (2007, p. 47) mescla elementos

fiscais e extrafiscais. O uso do tributo para redistribuição da renda é elemento fiscal,

voltado à realização da solidariedade e justiça irradiados do conteúdo da Constituição de

1988 ao sistema tributário, não caracterizando qualquer indução de comportamento por

parte do contribuinte e, portanto, afastando a característica indutora.

O conceito trazido por Schoueri (2005, p. 32) tem o mérito de delimitar o campo

de incidência das normas indutoras, contrapondo-as àquelas que têm por função a

distribuição equitativa da carga tributária (e não às que têm por função simplesmente

arrecadar), na linha de Vogel, embora para este estudo entendemos que a função

distributiva deve ser alocada na própria fiscalidade, ao lado da função arrecadatória.

Contudo, no decorrer da obra, o autor considera normas indutoras aquelas voltadas à

implementação do mínimo existencial (2005, p. 83), o que se compreende, neste estudo,

no papel fiscal do tributo.

Outrossim, a vinculação das normas indutoras ao conteúdo econômico, que

permeia toda a obra do autor, leva-o a considerar possível o uso indutor em todas as

espécies tributárias, o que ampliaria o conceito das normas extrafiscais ou se chocaria

com o conceito fornecido pelo próprio autor. A regulação econômica é uma espécie do

gênero de atuação das normas extrafiscais, ao qual também pertencem as normas de

regulação social, ambiental, familiar, dentre tantas outras possibilidades: a indução de

comportamentos pode se verificar para proteção de qualquer bem jurídico prestigiado

pelo ordenamento jurídico (obviamente legítimo), sendo equivocado reduzir a

extrafiscalidade à regulação econômica.

4.3 Extrafiscalidade e os limites ao poder de tributar

Ao se tratar da relevância da distinção entre as normas fiscais e extrafiscais na

seção 2.6, mencionamos especialmente a relação de tais normas com os limites ao poder

de tributar. Questionou-se se tanto as normas fiscais como as extrafiscais teriam igual

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regime quanto à observância das limitações trazidas pela Constituição de 1988, ou se as

normas extrafiscais admitiriam certa mitigação ou mesmo afastamento de alguns dos

princípios que as integram. Assim, pretende-se neste tópico avaliar a relação e a

compatibilidade das normas extrafiscais com os princípios que compõem os nomeados

“limites ao poder de tributar.” Quanto à fiscalidade, o tema não gera polêmicas, sendo

necessária a observância integral dos referidos limites, conhecidos em nosso

ordenamento como componentes do “estatuto do contribuinte”66.

Embora algumas linhas sobre cada um dos princípios sejam traçadas, não é

objetivo do trabalho uma análise aprofundada dos mesmos. Parte-se das premissas já

conhecidas de tais limitações, buscando apenas verificar a sua relação com as normas

extrafiscais, até porque, tratando-se de tão rico tema, o estudo acabaria por demandar

uma pesquisa paralela específica, desviando-se do tema principal proposto neste estudo.

Pois bem. Esclarecido o objeto do estudo nesta seção, Ávila (2008, p. 71)

pontua que “as limitações ao poder de tributar são uma espécie das várias limitações

estabelecidas ao ente estatal por meio de regras de competência, de princípios, de

garantias e de direitos fundamentais.” Ele enfatiza que as limitações nem sempre são

negativas, como muitos insistem em entendê-las, ora implicam o “dever de

abstenção”67, mas também o “dever de ação”68 e o “dever de composição”69 pelo

Estado.70

Não há divergência quanto à flexibilização, outorgada pela própria

Constituição de 1988, quanto aos limites ao poder de tributar em se tratando de tributos

66 Ávila (2001) define o “Estatuto do Contribuinte” como sendo o “conjunto de normas que regula a relação entre o contribuinte e o ente tributante. Sua utilização possui conotação tanto garantista dos direitos dos contribuintes quanto limitativa do poder de tributar.” E acrescenta que “a função da doutrina e jurisprudência não consiste em meramente descrever o significado do “Estatuto do Contribuinte”, mas em continuamente construí-lo. Considera que equipará-lo aos dispositivos contidos na Constituição de 1988 é igualar o objeto com o resultado da interpretação. O Ministro Celso de Melo, certamente o ministro da Suprema Corte que mais se refere à expressão e ao seu conteúdo em seus votos, enfatiza no voto proferido na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 712-2 (DJU 06.11.1998) que: “Delineado pela Lei Fundamental, revestindo-o do mais elevado grau de positividade jurídica, o estatuto do contribuinte compreende um complexo de direitos cujo reconhecimento fixa e impõe, no que concerne à tributação, limites intransponíveis pelos poderes do Estado”. 67 Cita as proibições de retroatividade, de não confisco e de cobrança de tributo no mesmo exercício no qual foi publicada a lei que aumentou ou instituiu o tributo (princípio da anterioridade). 68 O princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade fiscal a exigir a preservação do mínimo existencial seria um exemplo. 69 Exemplo do dever de composição seria o princípio da impessoalidade, exigindo que o Estado seja “imparcial, neutro e isento” (2008, p. 73). 70 Interessante pontuação do autor sobre o sujeito das limitações é a de que “as limitações não pressupõem relação estática entre particular e Estado” (2008, p. 74). Não apenas a este último sujeito (embora o principal) são direcionados o conteúdo das limitações, mas também aos particulares, quando se considera a “eficácia horizontal dos direitos fundamentais - servindo de “instrumento para conter as forças econômicas e sociais”.

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extrafiscais. É explícita a mitigação do princípio da legalidade e a exclusão da

anterioridade (art. 150, III, “b” e “c”) em se tratando dos impostos previstos no art. 153,

I, II, IV e V (BRASIL, 1988) de seu texto (II, IE, IPI71 e IOF), extrafiscais por natureza,

tendo a função de intervenção sobre o domínio econômico para regular a economia e o

mercado. Além desta flexibilização, constitucionalmente prevista, há que se investigar a

relação dos princípios limitadores do poder de tributar com as demais exações de

natureza extrafiscal.

Spagnol (2004, p. 128) considera que os princípios e limitações aplicados aos

tributos extrafiscais são os mesmos aplicáveis aos tributos fiscais. Segundo o autor, os

primeiros seriam “desdobramento ou complemento da atividade fiscal, geridas, nas

respectivas dimensões, pelos mesmos princípios consagrados constitucionalmente”.

Gouvêa (2006, p. 254), ao analisar os limites jurídico-principiológicos das

normas extrafiscais, entende que estas, assim como qualquer norma tributária, devem se

conformar aos “princípios de direito tributário, assim como a capacidade contributiva, o

princípio da não surpresa, o princípio da legalidade tributária (que não tem a mesma

conotação no direito econômico) e o princípio do não confisco.” Também não poderão

desrespeitar os princípios constitucionais não tributários e os direitos fundamentais,

sendo a extrafiscalidade “limitada pelo emaranhado principiológico constitucional,

formado pelas diretrizes tributárias, econômicas, políticas e sociais” (2006, p. 257).

Ataliba (1968) também não admite qualquer diferenciação no que concerne ao

âmbito de aplicação das normas extrafiscais:

Não pode a extrafiscalidade servir de invocação mágica que arrede o conjunto de restrições que – em nome da organização estatal, moralidade política e direitos individuais – constitui o regime jurídico tributário. Entender de outra forma seria franquear perigosamente ao legislador ordinário as portas a um arbítrio ilimitado, atentatório do nosso regime constitucional. É, aliás, comum a invocação de pretextos tais como a necessidade de intervenção sobre o Domínio Econômico, para tentar validar exações diversas de que são exemplos os empréstimos compulsórios – ao arrepio das instâncias inescusáveis do regime constitucional (ATALIBA, 1968, p. 168-169).

Para o presente estudo, é possível ora o afastamento, ora a flexibilização de

alguns dos princípios que limitam o poder de tributar do Estado, o que se dá justamente

para possibilitar que a tributação extrafiscal possa atingir os fins visados pela norma.

Não se trata de “invocação mágica”, mas de conferir eficácia ao instrumento tributário

que tenha fundamento na proteção de bens constitucionalmente tutelados. Obviamente,

71 Em relação ao IPI, deve ser observada a anterioridade nonagesimal, prevista no art. 150, III, “c” da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), conforme art. 150, § 1º da mesma.

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o controle de proporcionalidade das leis deve ser exercido pelo Poder Judiciário, o que

impedirá as eventuais arbitrariedades cometidas pelo Poder Legislativo no manejo do

tributo extrafiscal, razão pela qual não se coaduna com o entendimento de Ataliba

(1968) e ainda de Spagnol (2004) e Gouvêa (2006).

4.3.1 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade atua de forma distinta conforme se encarem as

normas extrafiscais sob o prisma do poder de tributar ou do poder de regular.

Souza (2003) menciona a necessidade de maior flexibilidade e mobilidade das

leis que versam sobre a matéria econômica, a fim de acompanharem o dinamismo

próprio dessas relações, o que flexibiliza o princípio da legalidade geral previsto no art.

5º, II da Constituição de 1988. Schoueri, após citar o art. 174 da Constituição72, que

trata especificamente da legalidade na ordem econômica, conclui que a atuação estatal

deve ser baseada na lei, não se exigindo que esta “discipline em minúcias o ato de

intervenção, cabendo-lhe, apenas, estabelecer as metas e limites à autoridade delegada.”

(2005, p. 240).

Sob o prisma do direito tributário, o princípio da legalidade se reveste de maior

rigidez e é previsto especificamente no art. 150, I da Constituição de 198873, no capítulo

das limitações ao poder de tributar. Ávila (2008, p. 75-76) menciona dois significados

do princípio em comento. Em uma perspectiva formal, a legalidade “exige um

fundamento legal para qualquer prescrição normativa”. Enfatiza que “a lei é o único

meio para instituir tributos” (p. 122), ressalvando a equiparação às leis complementares

dos convênios interestaduais (§ 8º do art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias). Na perspectiva material, “a legalidade exige que qualquer comando

normativo tenha um conteúdo previamente determinável em lei” (2008, p. 76), pelo que

também a ela se refere como o princípio da tipicidade, melhor denominada pelo autor

como “princípio da determinabilidade fática”.

Coêlho (1995, p. 277) aponta a “singela justificação” do princípio da

legalidade, que “promana diretamente da experiência dos povos [...]: a tributação deve

72 “Art. 174. O Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento” (BRASIL, 1988). 73 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça” (BRASIL, 1988).

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ser decidida não pelo chefe do governo, mas pelos representantes do povo, livremente

eleitos para fazer leis”.

Adverte Schoueri que “se as normas indutoras se valem do veículo tributário,

abre mão o legislador da flexibilidade própria do direito econômico, dobrando-se à

legalidade tributária” (2005, p. 241). Contudo, o autor admite o uso dos conceitos

indeterminados e cláusulas gerais em matéria tributária e, mais especificamente, para as

normas indutoras, o que pode ser visto como certa flexibilização ao princípio da

legalidade, se comparado com posições mais ortodoxas envolvendo o princípio74, como

a da tipicidade fechada ou cerrada75:

A admissão de cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados reveste-se de importância por permitir a conciliação entre o veículo tributário, sujeito ao princípio da legalidade próprio do pouvoir financier e as normas indutoras, de resto adequadas à flexibilidade da legalidade do pouvoir lègislatif. Por meio das cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados, pode o legislador firmar a hipótese de incidência tributária, sem que a todo momento se faça necessário novo texto legal para adaptá-las às mudanças do cenário econômico. Assim, quando a Lei nº 4.131/62, versando sobre limites de dedutibilidade dos royalties, confere ao Ministro de Estado da Fazenda a competência para estabelecê-los e revê-los periodicamente, “segundo o grau de essencialidade”, emprega um conceito indeterminado. Nem por isso, note-se, se afasta da legalidade, já que a essencialidade, conquanto possa variar no tempo, pode ser determinada, hic et nunc, com base no conjunto da política econômica. (SCHOUERI, 2005, p. 253-254)

Concorda-se que os conceitos indeterminados e as cláusulas gerais devem ser

utilizados pelo ordenamento jurídico, especialmente pelo direito tributário, neste último

tanto nas normas fiscais quanto nas extrafiscais, sendo nesta categoria especialmente

necessárias para a produção de resultados indutores de comportamentos para além do

momento de elaboração da norma jurídica.

Oliveira (2007, p. 137) também defende o fato de que as normas extrafiscais,

especialmente aquelas voltadas à defesa do meio ambiente, devem ter flexibilizado o

princípio da legalidade através da utilização de conceitos indeterminados, com o que se

74 Neste sentido, ver XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais e CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros. 75 Adota-se o termo “tipicidade fechada” ou “cerrada” não obstante a controvérsia sobre o antagonismo da terminologia, como apontada por Schoueri: a ideia de “tipo” não se refere à de “determinação” normativa, que se liga ao “conceito”. O tipo é aberto, permite evolução em seu conteúdo, é afeito à “descrição”, enquanto o “conceito” é que remete à definição exata. Daí a impropriedade corrente da literatura, pelo que propõe Derzi a utilização do termo “princípio da conceitualização normativa especificante” ao invés do “princípio da tipicidade”. Neste sentido, também Larenz e Canaris (SCHOUERI, 2005, p. 242-247). De toda forma, a ideia de “tipicidade fechada” traz em seu seio a necessidade de formulação específica e determinada dos elementos do tipo na formulação legal, afastando a possibilidade dos “conceitos indeterminados”, isso como forma de proteção à segurança jurídica.

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estaria assegurando a efetiva finalidade do tributo pela “necessária atualização dos

critérios” utilizados para induzir o comportamento do contribuinte.

Exemplos de utilização das cláusulas gerais e conceitos indeterminados quanto

às normas indutoras também são oferecidos por Schoueri (2005, p. 252-253). A Medida

Provisória nº 2.199/2001, em seu art. 1º, criou incentivo fiscal de redução do imposto de

renda para “pessoas jurídicas que tenham projeto aprovado para instalação, ampliação,

modernização ou diversificação enquadrado em setores da economia considerados, em

ato do Poder Executivo, prioritários para o desenvolvimento regional” (BRASIL,

2001). Os “setores da economia prioritários para o desenvolvimento regional” são um

conceito indeterminado, o qual depende da aferição do órgão executivo competente

(através do Decreto nº 4.212/2002 foram elencados tais setores).

Outro exemplo é o Decreto-Lei nº 1968/1982, que prevê, em seu art. 2º, a

proibição para empresas em “mora contumaz” de serem favorecidas por benefícios

fiscais. Por “mora contumaz” explicitou a lei caracterizar “o atraso ou sonegação de

salários devidos aos empregados por período igual ou superior a três meses, sem motivo

grave e relevante, excluídas as causas pertinentes ao risco do empreendimento”

(BRASIL, 1982).

4.3.2 Princípio da anterioridade

Coêlho (1995, p. 277) justifica o princípio da anterioridade na expressão da

“ideia de que a lei tributária seja conhecida com antecedência, de modo que os

contribuintes, pessoas naturais ou jurídicas, saibam com certeza e segurança a que tipo

de gravame estarão sujeitos no futuro imediato, podendo dessa forma organizar e

planejar seus negócios e atividades”.

O princípio foi considerado cláusula pétrea pelo Supremo Tribunal Federal no

julgamento da ADI nº 939 (STF, DJ 18.03.1994), ou seja, não pode ser modificado para

reduzir o seu conteúdo pelo poder constituinte reformador, muito menos pelo legislador

infraconstitucional. Entendeu-se que o art. 5º, § 2º da Constituição de 1988 fez expressa

menção à existência de outros direitos individuais no texto da Constituição e, como tal,

o art. 150 estabeleceu garantias aos contribuintes, dentre elas o princípio da

anterioridade, cujas exceções foram esgotadas pelo poder constituinte originário e são

numerus clausus, não exemplificativas.

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Os tributos utilizados para regulação econômica são exceções à regra da

anterioridade, conforme o § 1º do art. 150 da Constituição de 1988 (além do imposto

extraordinário de guerra e dos empréstimos compulsórios fundados no inciso I do art.

149 da Constituição), frisando que após o advento da Emenda Constitucional nº

42/2003, o IPI deve observar a anterioridade nonagesimal, prevista no art. 150, III, “c”

da Constituição de 1988 (mas não a anterioridade de exercício, prevista no art. 150, III,

“b” do texto constitucional).

Tendo em vista a natureza de direito fundamental do contribuinte e o fato de o

próprio constituinte já afastar o princípio em se tratando dos tributos sobre importação,

exportação, produtos industrializados (se aplica apenas a anterioridade nonagesimal) e

operações financeiras (em que a mobilidade do mercado leva à necessária agilidade nas

medidas para sua regulação), fato é que o princípio da anterioridade deve ser observado

quando da implementação da indução de comportamentos via tributação, privilegiando,

ainda, a segurança jurídica que deve permear as relações fisco-contribuinte.

4.3.3 Princípio da irretroatividade

A proibição do efeito retroativo da lei tributária, prevista pelo art. 150, III, “a”

da Constituição de 1988, “deflui da necessidade de assegurar-se às pessoas segurança e

certeza quanto a seus atos pretéritos em face da lei” (COÊLHO, 1995, p. 277). O

princípio, contudo, não é universal, sendo possível a retroatividade da lei tributária na

França, Áustria, Bélgica, Estados Unidos, Itália e Argentina, segundo cita Schoueri

(2005, p. 271).

Em relação à extrafiscalidade, Schoueri (2005; 2009) aponta que, além da

segurança jurídica, há que se analisar o princípio sob o prisma da eficácia de tais

normas: “tendo elas a função de modificar comportamentos do contribuinte, não podem

elas atingir situações sobre as quais o contribuinte já não tem mais qualquer controle ou

influência” (2005, p. 271). O autor cita um exemplo que clarifica a sua ponderação. O

Decreto nº 1.343/1994 (BRASIL, 1994), aumentou a alíquota do II de diversos

produtos, tendo a Receita Federal passado a exigir a nova tributação para os produtos

que, embora já adquiridos no mercado externo, ainda não haviam sido desembaraçados

no Brasil.

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Trata-se de situação que envolve a irretroatividade imprópria76, ou seja, aquela

em que embora a operação se enquadre no esquema fático previsto pela hipótese

material de incidência em um dado momento, o fato gerador do tributo só ocorrerá

efetivamente depois; no caso do imposto de importação, com o desembaraço aduaneiro

das mercadorias adquiridas no exterior.

O Supremo Tribunal Federal, a partir do RE nº 225.602 (STF, DJ 06.04.2001)

decidiu a favor do Fisco, considerando que o fato gerador do tributo se dá com a

entrada da mercadoria no território aduaneiro. Schoueri, verificando que a decisão não

considerou a natureza extrafiscal do tributo, expõe que:

Outra poderia ter sido a solução, tivesse sido ponderada a natureza da norma que majorou o tributo, quando se revelaria norma tributária indutora, visando a inibir a importação de diversos produtos, dada a precária situação da balança comercial do País. Ora, nesse caso, a norma somente poderia atingir aqueles contribuintes cujo comportamento pudesse ser influenciado por ela. Tratando-se de mercadoria já adquirida e embarcada, objeto de contrato firme e irretratável, a decisão do importador já não mais poderia ser influenciada pelo incremento da carga tributária. Neste sentido, já não poderia subsistir a norma tributária indutora, porque nada induziria (SCHOUERI, 2009, p. 143; 2005, p. 272).

Não apenas concorda-se com a explanação do autor, como verifica-se na

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal certa superficialidade na análise do

conteúdo e eficácia próprios das normas extrafiscais, o que também foi constatado por

Ávila (2010) ao avaliar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto aos

limites da extrafiscalidade em relação ao princípio da igualdade, o que será melhor

considerado em seção posterior.

A proibição de retroação da norma tributária indutora também se aplica aos

incentivos fiscais: “se o contribuinte já incorreu na hipótese desejada pelo legislador,

sem que a tanto fosse movido pelo incentivo fiscal, a concessão deste configura

privilégio odioso, se não justificada por outro fundamento constitucionalmente válido”

(SCHOUERI, 2009, p. 145; 2005, p. 273).

Herrera Molina (2000) enfatiza a impossibilidade da retroação da norma

tributária no campo ambiental, tendo em vista o seu caráter indutor: “o elemento

incentivador também exclui a possibilidade de que os tributos ambientais possam ter

76 A irretroatividade própria se refere à impossibilidade de aplicação da lei nova a fatos geradores efetivamente ocorridos, no passado.

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efeitos retroativos” (2000, p. 63, tradução nossa)77 e cita decisão do Tribunal

Constitucional espanhol – STS, de 19 de abril de 1997 (JT, 6520) – que, embora com

argumentos distintos e confusos, afastou a possibilidade de retroação do plano de

saneamento a que se vincula o cânon de saneamento catalão. O alicerce do fundamento

da decisão é resumido pelo autor, o qual o presente estudo está de acordo:

Na base da argumentação do Tribunal subjaz a ideia de que a norma retroativa já não se mostrava idônea para alcançar a finalidade do tributo (reduzir a contaminação nos exercícios [financeiros] aos quais devia se referir o plano de saneamento) (2000, p. 170, tradução nossa)78.

4.3.4 Princípio do não confisco

O princípio do não confisco, previsto pelo ordenamento pátrio no art. 150, IV

da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), refere-se à impossibilidade de a tributação

fulminar a propriedade.

Em se tratando de tributos extrafiscais desestimuladores de condutas, entende-

se possível a flexibilização do conteúdo do princípio de forma a viabilizar a eficácia da

norma. O agravamento da carga tributária deve ser suficiente e adequado para atingir o

bem jurídico que a norma protege, nesse caso, utilizando-se de critérios de

proporcionalidade a fim de não ultrapassar o estritamente necessário para a

possibilidade de produção de resultados.

Ademais, entende-se que os direitos fundamentais (como o da propriedade),

assim como qualquer outro, não são absolutos, sendo a relativização oriunda das normas

extrafiscais fundadas na proteção de outros bens jurídicos constitucionalmente

protegidos. Oportuna, ainda, a lição de Murphy e Nagel (2005), pela qual a propriedade

deve ser vista como o resultado pós-tributação.

Berti (2006) entende ser possível a flexibilização do princípio do não confisco,

o qual “deve sofrer a devida adaptação à teleologia buscada pelo legislador constituinte

ao permitir a aplicação da extrafiscalidade em tema afeto aos impostos” (2006, p. 183).

Schoueri (2005, p. 306-307) aceita a tributação excessiva para atingir a função

prestigiada pela norma indutora, mas não a tributação proibitiva. Essa seria aquela que

77 El elemento incentivador también excluye que los tributos ambientales puedan tener efectos retroactivos. 78 En el fondo de la argumentación del Tribunal subyace la idea – que compartimos plenamente – de que la norma retroactiva no resultaba ya idónea para conseguir la finalidad del tributo (reducir la contaminación en los ejercicios a que debía referirse el plan de saneamiento).

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impossibilitaria, destruiria o exercício da atividade tributada, de forma absoluta. A

tributação excessiva, por seu turno, apenas a dificultaria ou desencorajaria o exercício

da atividade tributada.

Baleeiro (2005, p. 567) admite o afastamento do princípio do não confisco em se

tratando de normas extrafiscais:

[...] não ofendem à Constituição impostos que, em função extrafiscal, são instituídos com propósito de compelir ou afastar o indivíduo de certos atos ou atitudes. Nesse caso, o caráter destrutivo e agressivo é inerente a esta tributação admitida por tribunais americanos e argentinos e da qual há exemplos no Direito Fiscal brasileiro quando visa ao protecionismo, à indústria, ao incentivo à natalidade, ao combate ao ausentismo, ao latifúndio etc.[...] Esses fins extrafiscais, em geral, resultam de cláusulas da Constituição. Se essa pretende amparar a família, tolera a tributação pessoal drástica sobre o celibato79. Se promete melhor distribuição da propriedade e a condiciona ao bem-estar social, certamente autoriza o fiscalismo enérgico, capaz de reprimir o latifúndio, que impede essa distribuição e impossibilita aquele bem-estar social. Se a Constituição a todos assegura trabalho que possibilite existência digna, e o erige em dever social, é desejável e admissível a tributação violenta que repele acumulações de capitais favoráveis à ociosidade dos donos ou apenas incompatíveis, economicamente, com o pleno emprego.” (BALEEIRO, 2005, p. 567).

O autor ainda menciona o direito comparado norte-americano: “impostos

confiscatórios e proibitivos [...] são tolerados, muitas vezes, pela jurisprudência norte-

americana como manifestações do poder de polícia, desde que, em caso concreto, se

apure sua eficácia na defesa da segurança, saúde e bem-estar do povo.” (BALEEIRO,

1998, p. 190).

Coêlho admite “a tributação exacerbada, por razões extrafiscais e decorrentes do

poder de polícia (gravosidade que atinge o próprio direito de propriedade)” e, antes de

concordar com Baleeiro, menciona:

Nas sociedades modernas, penetradas pelo social mais que pelo individual, o princípio do não-confisco tem horas que assoma como velharia. É que o constitucionalismo moderno, nos países democráticos, prestigia e garante a propriedade referindo-a, porém, a sua função social. Os tributos visam a obter meios mas sempre preservando as fontes de onde se cevam e, até, induzem o crescimento das mesmas. Quanto maior a economia de uma nação, melhor para as finanças públicas. Esta é a índole do regime. Falar-se em confisco neste panorama é non sense. A tributação exacerbada tem finalidade exclusivamente extrafiscal, que arreda o princípio (1995, p. 333).

79 Não parece que, para a proteção à família, se considere legítima a alta tributação do celibato. O tributo assim justificado não passaria ao teste de legitimidade, como se verifica na seção 4.4.

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Sebastião (2007), em estudo sobre o tributo ambiental, admite a tributação

exacerbada em se tratando de normas extrafiscais, considerando possível o afastamento,

ainda que parcial, do princípio em comento:

(...) o princípio da essencialidade do meio ambiente, posto ser impregnado de valores relativos à perpetuação da vida no planeta, finda por afastar, mesmo que parcialmente – e em alguns casos aperfeiçoar – a presença dos princípios da isonomia tributária, da capacidade contributiva e da vedação ao confisco, sopesando-os, na instituição de isenções e tributos extrafiscais voltados àquele fim (SEBASTIÃO, 2007, p. 146).

Entende-se neste estudo que há a possibilidade de mitigação do princípio em

análise de forma a desincentivar comportamentos do contribuinte, sob pena da norma

extrafiscal não ter eficácia no cumprimento de sua função indutora. Ninguém duvida de

que a tributação do cigarro pelo IPI, a uma alíquota efetiva de 41,25% (considerando a

alíquota de 330%, mas a base de cálculo de 12,5% do preço da venda a varejo) é

excessiva, atingindo quase a metade do valor do produto, mas é necessária para produzir

o resultado visado pela norma, qual seja, inibir o consumo do produto.

Contudo, não se concorda com a tributação proibitiva, que inviabilizaria a

prática da atividade ou fato tributado, descambando ao campo das sanções. Um exemplo

do tributo nessas condições seria a utilização da alíquota acima citada para o IPTU, no

caso dos imóveis urbanos não utilizados ou subutilizados, que acabaria por fulminar o

direito de propriedade que é relacionado ao fato gerador do tributo.

4.3.5 Princípio da igualdade e capacidade contributiva

A capacidade contributiva decorre do princípio da igualdade. Esse princípio,

contudo, não se resume à capacidade contributiva, que não é o critério exclusivo de

justiça fiscal em um ordenamento jurídico. A capacidade contributiva deve ser efetivo

elemento dos tributos fiscais, a embasar e justificar a arrecadação tributária, quando

busca os sinais de riqueza do contribuinte de forma a distribuir com justiça a carga

tributária na sociedade. Mas outros critérios podem fundamentar o tributo, tais como os

diversos bens jurídicos protegidos pela Constituição.

Como a extrafiscalidade visa à indução de comportamentos, a capacidade

contributiva não fundamenta o tributo. O fundamento da norma extrafiscal é a proteção

de algum bem ou direito amparado pelo ordenamento jurídico constitucional, o qual

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será atingido pelo comportamento que se pretende estimular ou desestimular com a

norma.

Na Espanha, a discussão principal envolvendo as normas de cunho extrafiscal se

relacionou ao princípio da capacidade contributiva. A exposição do tema foi realizada

na seção 2.3 deste trabalho.

Na doutrina brasileira, Derzi (2005, p. 546) coaduna o pensamento dos autores

espanhóis que compreendem a fundamentação dos tributos com base em outros

critérios, além da capacidade contributiva:

A capacidade contributiva é, de fato, a espinha dorsal da justiça tributária. É o critério de comparação que inspira, em substância, o princípio da igualdade. Mas não é o único. Critérios constitucionalmente válidos podem presidir as exceções à proibição de discriminar entre pessoas que demonstram idêntica capacidade contributiva.

Assim, não há dúvidas de que é possível o afastamento do princípio da

capacidade contributiva em se tratando da tributação extrafiscal.

Contudo, questão de extrema relevância apontada por parte da doutrina

espanhola se refere aos riscos que a utilização desmedida e ilimitada da extrafiscalidade

pode trazer à justiça tributária como um todo.

A preocupação observada por alguns doutrinadores na Espanha se dá pelos

abusos que podem decorrer do uso imoderado dos tributos extrafiscais. Godoi (2004, p.

221) expõe o pensamento de Casado Ollero, que cita o uso excessivo dos tributos

extrafiscais pelas Comunidades Autônomas, o que além de gerar problemas em relação

à competência, poderia desvirtuar o conceito de tributo, que se converteria em uma

“prestação coativa polivalente”, abrangendo qualquer tarefa interventora do Estado.

Saínz de Bujanda80 também é mencionado por Godoi (1999, p. 223). Segundo o

professor espanhol, “a equitativa distribuição da carga fical não pode sacrificar-se para a

busca de outros fins, por mais elevados e atraentes que este sejam”. Godoi esclarece

que, ao contrário do que muitos entenderam naquele país, o autor não rechaça a

utilização da tributação extrafiscal, apenas adverte sobre os riscos do “seu uso

imoderado que pode solapar um mínimo grau de justiça no financiamento dos gastos

públicos”. Saínz de Bujanda aduz que os tributos extrafiscais produziriam a

redistribuição da renda de forma contrária ao seu sentido natural, beneficiando os mais

80 SAÍNZ DE BUJANDA, Fernando. Hacienda y Derecho. Instituto de Estudios Políticos. Madrid: 1963, p. 420.

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ricos ao invés dos mais pobres. Segundo o autor, essa situação teria como fundamento

“um mal dissimulado bem comum e uma leviana ideia de justiça social”. Ele cita como

exemplo o caso das desonerações sobre o capital. No Brasil, pode-se citar a isenção

sobre a distribuição de lucros e dividendos nas sociedades empresárias. O argumento do

autor espanhol é procedente, já que, no exemplo brasileiro, sob o argumento de se

incentivar o investimento estrangeiro no país, deixa-se de tributar a renda auferida pelos

empresários (em geral, mais ricos), enquanto todos aqueles que auferem rendas

mediante relação de emprego ou de serviço, são tributados pelo imposto de renda. O

caso parece contrariar o princípio da igualdade, já que o critério de diferenciação não é

legítimo para justificar a repartição diferenciada da carga tributária.81

Soler Roch82, citada por Godoi (2004, p. 232) demonstra a preocupação com o

fato de os incentivos fiscais ao investimento deixarem de ser excepcionais para

tornarem-se gerais (diante da exagerada quantidade e oferta indiscriminada a todos os

sujeitos passivos), implicando no desvio completo do conceito de renda determinado

pela norma e na neutralização dos princípios de justiça tributária (especialmente o da

capacidade contributiva) no sistema tributário.

Lasarte83 aponta que a eficácia econômica é a base teórica dos impostos ao

investimento, denunciando que a utilização excessiva desses leva à caracterização do

sistema tributário como “um mero instrumento de domínio da classe dominante, um

diabolus ex machina que facilita a manutenção das desigualdades sociais”, utilizando as

palavras de Godoi (2004, p. 233).

Derzi (2005, p. 395-396) menciona o caso brasileiro, no qual também se

verificou o abuso no uso de incentivos tributários para fins de desenvolvimento

econômico, especialmente no período que sucedeu a década de 60, que coincidiu com o

crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) a índices médios de 8% a 9%, sobretudo na

década de 70. E afirma que:

Entretanto, muitos erros foram cometidos. Questionáveis foram as prioridades escolhidas e o próprio modelo de desenvolvimento. Isenções foram dadas e mantidas por anos, sem preocupação com seu elevado custo social, com a concentração e transferência de renda e, sobretudo, sem o conhecimento preciso de sua eficiência, só apurável pela observação dos custos frente aos benefícios dela advindos (DERZI, 2005, p. 395).

81 A seção 4.4 tratará da questão da legitimidade. 82 SOLER ROCH, María Teresa. Incentivos a la inversión y justicia tributaria. Madrid: Civitas, 1983, p. 29-47. 83 LASARTE, Javier. Funcionalidad del sistema fiscal y exigencia de cambio. Civitas, REDF, nº 37, 1983.

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A autora menciona o fato de que embora os incentivos fiscais possam ser usados

“a favor de uma determinada política socioeconômica [...] isoladamente eles não podem

transformar a realidade, mas tudo depende de um conjunto de medidas de outra

natureza” (2005, p. 395), citando a autora “a relação entre preços e salários, crescimento

dos salários na renda nacional, direção dos gastos públicos e prioridades escolhidas,

mecanismos de financiamento” (2005, p. 395-396). Ela conclui que o acompanhamento

do resultados das medidas indutoras “deve ser criteriosamente seguido para revisão,

retificação ou cancelamento, o que raramente ocorreu” no país (2005, p. 396).

Lozano Serrano (1988, p. 33) propõe que as preocupações relacionadas às

concessões de benefícios se relacionam a uma visão ligada ao método do interesse

tutelado pelo direito tributário, no sentido de ser fundamento exclusivo do tributo a

arrecadação, em uma visão formalista do dever de contribuir de forma a contrapor o

interesse público ao do particular, típica visão liberal, como já tratado na seção 3. O

autor entende que as isenções não são contrárias ao tributo, mas sim, exigência que

também se relaciona à justiça fiscal. O sistema tributário tem que ser analisado de forma

integrada e não apenas o interesse de arrecadar tem proteção. Ambos os institutos, do

tributo e da isenção, têm a mesma matriz constitucional, ambos se baseiam na justiça

fiscal, na igualdade, na solidariedade. No passado, as isenções eram tidas como

instrumentos estranhos, excepcionais à tributação, não devendo respeito aos princípios

que norteavam esta última. Hoje, não persiste tal raciocínio. Os mesmos princípios de

justiça que norteiam o ordenamento jurídico e a tributação, mais especificamente,

devem nortear a estrutura das isenções. A simples uniformidade da tributação poderia

ferir a equidade do sistema tributário e a justiça que deve norteá-lo. O autor também

considera que, além da justiça, outros critérios também são dignos de consideração pelo

legislador, quando se trata do tema das isenções. Propõe a substituição do critério do

interesse tutelado pela vinculação do dever de contribuir aos princípios elencados como

objetivo de todo o ordenamento pela Constituição espanhola.

Apesar dos riscos apontados especialmente pela doutrina espanhola sobre o

excesso no manejo do tributo extrafiscal, que poderia retirar o elemento de justiça do

ordenamento, há que se ponderar o seguinte: as normas extrafiscais, como instrumentos

de política pública, devem ser analisadas e fiscalizadas pelos detentores da competência

material, sendo certo que, não correspondendo aos fins objetivados no seu manejo,

devem ser revistas de forma a não justificar tratamentos arbitrários. O Poder Judiciário

pode e deve interferir quando os critérios utilizados pela norma extrafiscal para a

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concessão de benefícios sejam arbitrários. Outrossim, não podem os benefícios fiscais

ser encarados como contrários ao interesse público e à justiça fiscal, já que a capacidade

contributiva não é o único fundamento do tributo nem da justiça do sistema tributário,

podendo outros fins justificarem plenamente a incidência ou não incidência do tributo.

Godoi (2004), reconhecendo os riscos globais do uso indiscriminado das normas

extrafiscais, traça os limites que entende necessários à utilização da referida função do

tributo. Cita os direitos fundamentais, o direito à propriedade, a nova configuração

jurídica do dever de contribuir84, o limite da competência85 e a capacidade econômica

que, na extrafiscalidade, deve observar o seu sentido negativo.

Ainda que seja inequívoca neste estudo a possibilidade do afastamento da

capacidade contributiva do contribuinte em se tratando das normas extrafiscais,

concorda-se com Godoi ao limitar tal flexibilização à observância da capacidade

contributiva no sentido negativo, ou seja, não desrespeitando o mínimo existencial e o

direito de propriedade (tributo não confiscatório):

Os limites de tal conflito começam por exigir a capacidade econômica real e efetiva como pressuposto ou fonte da imposição frente a todo e qualquer tributo extrafiscal, garantindo a não imposição sobre o mínimo existencial e a não configuração de uma imposição com efeitos confiscatórios (vulneração do conteúdo essencial do direito de propriedade). Por outra parte, se é verdade que não se pode exigir que os tributos extrafiscais realizem positivamente a capacidade econômica, também é certo que o critério distinto utilizado pela norma tributária não pode ser oposto ou contrário à capacidade econômica, o que seria ainda mais grave e pernicioso se ocorresse no seio dos impostos com maiores responsabilidades de imprimir progressividade ao conjunto do sistema tributário (GODOI, 2000, p. 261-262, tradução nossa)86.

No Brasil, ao contrário da problematização espanhola, parece prevalecer, ao

menos no campo prático, certo desdém em relação ao princípio da capacidade

contributiva, que não tem sido aplicado sequer como forma característica obrigatória

84 Baseada no princípio da solidariedade, da qual decorrem as “notas clássicas do conceito de tributo”: o princípio da capacidade contributiva “como pressuposto legitimador” e a “arrecadação de ingressos públicos como propósito típico”. 85 Pelo qual o ente que instituir a norma intervencionista deve ter a competência material para tratar da matéria, além da competência tributária. 86 Los límites de tal conflicto empiezan por exigir la capacidad económica real y efectiva como presupuesto o fuente de la imposición frente a todo y cualquier tributo extrafiscal, garantizando la no imposición sobre el mínimo vital y la no configuración de una imposición con efectos confiscatorios (vulneración del contenido esencial del derecho de propiedad). Por otra parte, si es verdad que no se puede exigir de los tributos extrafiscales que realicen positivamente la capacidad económica, también es cierto que el distinto criterio utilizado por la norma tributaria no puede ser opuesto o contrario a la capacidad económica, lo que sería aún más grave y pernicioso si ocurriera en el seno de los impuestos con mayores responsabilidades de imprimir progresividad al conjunto del sistema tributario.

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dos tributos nitidamente fiscais, e muito menos considerado fundamento único do

tributo e critério de justiça do sistema tributário em geral. A interpretação conferida ao

art. 145, § 1º da Constituição de 1988, como já salientado, a despeito da doutrina

majoritária, muitas vezes é no sentido de que apenas “quando possível” os impostos (e

apenas esta espécie tributária e, ainda, exclusivamente os impostos pessoais) serão

graduados segundo a capacidade contributiva do contribuinte87.

Contudo, há autores que defendem a impossibilidade de o princípio da

capacidade contributiva ser afastado em se tratando de normas extrafiscais. Nesse

sentido, Oliveira (1988, p. 116-117) afirma ser equivocado entender como incompatível

o princípio em se tratando das normas em estudo:

Em primeiro lugar, salvo no caso da tributação ambiental, a tributação extrafiscal é e será sempre excepcional, pois a necessidade de recursos materiais pelo Estado é permanente e inarredável já que, ele mesmo, não produz riqueza, mas tem que consumir vultosas verbas na prestação de serviços públicos. E não se deve raciocinar por exceções, máxime em tema tão grave qual seja a igualdade tributária. Em segundo lugar, as hipóteses de tributação extrafiscais pelo só se justificarão juridicamente, se revelarem a real existência ou a movimentação de riqueza (...) servindo de instrumento de efetivação da progressividade do sistema tributário e ensejando, pois, a realização do princípio da capacidade contributiva.

Não se coaduna com o entendimento citado. Não é compreensível porque seriam

as normas tributárias extrafiscais exceções, já que visam à proteção de bens jurídicos

que, na ausência de tais normas, igualmente levariam à diminuição da receita pública,

porém, pela via dos gastos públicos. Outrossim, qual seria a diferença entre os tributos

que protegem o meio ambiente e aqueles que visam a proteger a educação, a ciência e a

tecnologia, a promoção de empregos e tantos outros bens também protegidos pela

Constituição? A defesa da presença do princípio da capacidade contributiva pelo autor,

ao que parece, apegada à interpretação econômica do direito tributário, refere-se mais a

aspectos da fiscalidade, nos quais a progressividade é uma das formas de

implementação da justiça fiscal pela correta aferição e distribuição das riquezas dos

contribuintes, como já explicitado na seção 2.

O Supremo Tribunal Federal analisou a relação da capacidade contributiva nos

tributos fiscais e extrafiscais, diferenciando a aplicação do princípio nos institutos e

permitindo o afastamento do princípio da capacidade contributiva nas exações

extrafiscais.

87 Nesse sentido, ver jurisprudência citada na seção 3.3.

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Sobre os benefícios fiscais advindos da extrafiscalidade, cuidou o acórdão

proferido no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade

(ADIMC) nº 1.643 (STF, DJ 19.12.97) e ADI nº 1.643 (STF, DJ 05.12.2002) de avaliar

a constitucionalidade da exclusão de pessoas jurídicas de determinados ramos de

atividade econômica – profissionais cujo exercício da atividade dependa de habilitação

legalmente exigida - dos benefícios do Simples (art. 9º, XIII, da Lei nº 9.317/1996,

vigente à época). O Tribunal atestou a constitucionalidade do dispositivo por considerar

que a lei, por motivos extrafiscais, pode estipular tratamento desigual para atividades

econômicas diferenciadas, desde que os critérios de distinção sejam razoáveis, não

ferindo o princípio da igualdade (art. 150, II da Constituição de 1988) nem constituindo

discriminação arbitrária, nos moldes do art. 3º, IV da mesma Constituição. Conforme

voto do Ministro Relator, Maurício Corrêa, na Ação Direta de Inconstitucionalidade e

na Medida Cautelar, a razoabilidade do critério escolhido estaria no fato de “beneficiar

as pessoas que não possuem habilitação profissional exigida por lei, seguramente as de

menor capacidade contributiva e sem estrutura bastante para atender a complexidade

burocrática comum aos empresários de maior porte e aos profissionais liberais”. A

norma teria por fim a proteção contra o abuso do poder econômico, a defesa da

formalidade, a promoção de empregos, proteção que não se compatibilizaria com as

sociedades formadas por profissionais liberais, que já teriam sua estrutura solidificada,

independente dos ditames da lei do Simples Nacional.

No RE nº 153.771 (STF, DJ 05.09.97), fora examinada a constitucionalidade da

progressividade no IPTU instituída em lei do município de Belo Horizonte, que

majorava as alíquotas do tributo conforme o valor venal do imóvel, à luz dos arts. 156, §

1º (com redação anterior à Emenda nº 29/2000) e do art. 182, § 4º da Constituição de

1988. Foi reconhecido que a progressividade expressa no art. 156, § 1º estaria

relacionada à função social da propriedade, dado o conteúdo extrafiscal visado pelo

agravamento tributário no texto constitucional. O voto do Ministro Moreira Alves

deixou claro que a progressividade fiscal, baseada na capacidade contributiva, deve

estar presente apenas nos impostos pessoais com finalidade fiscal, sendo afastada a sua

aplicação nos impostos reais e nas normas indutoras. A progressividade, na norma

indutora em análise, deveria basear-se nos critérios já estipulados na Constituição no

título referente à política urbana e não na capacidade contributiva do contribuinte,

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representada pelo valor venal do imóvel. Assim, a única forma de progressividade

possível para o IPTU seria, no texto da época, a relacionada à extrafiscalidade88.

O texto do § 1º do art. 156 da Constituição de 1988, em sua redação anterior à

Emenda nº 29/2000, determinava que o IPTU “poderá ser progressivo nos termos de lei

municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”. O art.

182, § 4º da Constituição (BRASIL, 1988) prevê a progressividade no tempo, como

forma de desestimular a propriedade não edificada, subutilizada ou não utilizada. De

fato, ambos os dispositivos tratam de normas extrafiscais, já que o objetivo da

progressividade é o estímulo ao comportamento do contribuinte, visando a conferir a

devida função social à sua propriedade. Neste ponto, é correta a exposição do Ministro

Moreira Alves no sentido de que critérios relacionados à capacidade contributiva não

devem ser utilizados para se determinar o agravamento trazido pelas normas

extrafiscais. Frisamos que os critérios buscados devem ter relação com a finalidade

desejada pela norma, o que não ocorreu no caso, já que foi eleito o valor venal do

imóvel.

Contudo, entendemos que haveria outra forma possível de utilização da

progressividade no caso em tela, voltada aos fins fiscais do sistema tributário, com base

na progressividade relacionada à capacidade contributiva do contribuinte.

O voto do Ministro Carlos Velloso, embora vencido, é de fundamental

importância para diferenciar a progressividade utilizada para fins fiscais e extrafiscais.

Expôs o ministro que a progressividade do IPTU, como forma de tributação a atender o

princípio da capacidade contributiva, é medida que se relaciona à fiscalidade. Seria o

comando do art. 145, § 1º combinado com o art. 156, § 1º da Constituição de 1988

(BRASIL, 1988), em sua redação anterior. Entendeu o Ministro que a função social da

propriedade exigida pelo dispositivo restaria atendida pelo critério distributivo que

caracterizaria a progressividade no caso. Já a progressividade do IPTU prevista no art.

182, § 4º da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), teria o viés extrafiscal, pois é

destinada a induzir o contribuinte a conferir a função social à sua propriedade, buscando

o desenvolvimento urbano.

A distinção relatada é fundamental, como já exposto, mas discordamos da

classificação da progressividade estatuída pelo texto anterior do art. 156, § 1º da

88 No texto atual do art. 156, § 1º da Constituição de 1988, modificado pela Emenda nº 29/2000, foi expressamente prevista a possibilidade de progressividade fiscal para o IPTU: “Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: I – ser progressivo em razão do valor do imóvel (...).” (BRASIL, 1988).

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Constituição de 1988 como fiscal. O texto do dispositivo relacionava a progressividade

à função social da propriedade, restando flagrante a função da norma de induzir o

comportamento do contribuinte nesse sentido afirmativo. Embora o ministro tenha

considerado a relação da progressividade em tela com o fim de incentivar o

cumprimento da função social da propriedade, declinou-a com a natureza fiscal, o que é

contraditório. Outro equívoco seria o de considerar a função distributiva da carga

tributária como apta a caracterizar a função social da propriedade preconizada pelo art.

156, § 1º da Constituição de 1988. Tal função (distributiva) é ligada à justiça fiscal do

sistema tributário, que assim, estaria relacionada à própria fiscalidade, como já foi

exposto. A progressividade de natureza fiscal seria embasada no art. 145, § 1º da

Constituição de 1988.

Quanto à capacidade contributiva e os seus desdobramentos quanto à

fiscalidade e à extrafiscalidade, entendemos correto o entendimento exposto no voto do

Ministro Carlos Velloso, no sentido de que a capacidade contributiva é elemento da

fiscalidade e pode ser empregada também nos impostos reais, incluindo o IPTU. A

capacidade contributiva relaciona-se à função distributiva do tributo e esta não é

elemento que caracteriza a extrafiscalidade simplesmente por ser medida de justiça

fiscal. A progressividade das alíquotas, como forma de agravamento do tributo, só

caracterizará a extrafiscalidade se houver indução de comportamentos visando à

consecução da finalidade legítima prestigiada pela norma. Como salientado em nota

anterior, a redação atual do art. 156, § 1º da Constituição de 1988, após o advento da

Emenda nº 29/2000, prevê expressamente a possibilidade de progressividade fiscal do

tributo em exame.

4.3.6 Imunidades

As imunidades que possuem função fiscal foram tratadas na seção 3. Trata-se,

neste momento, das que apresentam, exclusivamente, ou de forma simultânea, a função

extrafiscal.

A imunidade prevista na alínea “c” do inciso IV do art. 150 da Constituição de

1988 contempla a renda, patrimônio e serviços dos partidos políticos (incluindo suas

fundações), das entidades sociais dos trabalhadores, das instituições de educação e de

assistência social sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.

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Em relação aos partidos políticos, como decorrência do princípio democrático, é

assegurado pelo art. 17 do texto constitucional a liberdade de sua criação (fusão,

incorporação e extinção) e a pluralidade partidária, tendo a imunidade a função de

assegurar a proteção referida, desembaraçando da tributação os referidos institutos

como forma de assegurar a sua existência e induzir a criação e funcionamento efetivo

das entidades partidárias.

No que concerne aos sindicatos – apenas dos trabalhadores - a imunidade

considerou a hipossuficiência da classe, que ao lado dos sindicatos patronais, foi objeto

de previsão no rol dos direitos sociais – art. 8º da Constituição de 1988, cuja proteção se

perfaz. A importância do sindicalismo, aliás, levou à instituição da contribuição especial

sobre as categorias profissionais ou econômicas (art. 149 da Constituição de 1988),

sendo perceptível o objetivo de fortalecimento da classe através da indução à criação

dos órgãos corporativos.

A imunidade prevista na alínea “c” do inciso IV do art. 150 da Constituição de

1988 também contempla a renda, patrimônio e serviços das instituições de educação e

de assistência social sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei e além da função

fiscal salientada na seção própria, tem função extrafiscal.

Razão assiste à Vasconcellos Neto e Cruz ao considerarem que a imunidade, na

mesma medida, incentiva a cidadania ativa, induzindo a sociedade civil a assumir o

compromisso de cooperação na realização dos direitos fundamentais de educação e

assistência social, ao lado do Estado:

Aprofundando a análise: segundo a dicção constitucional, tal imunidade não objetiva somente a concretização do mínimo existencial a que fazem jus os indivíduos carentes e necessitados — destinatários mediatos do referido instituto; tampouco busca preservar apenas a incolumidade tributária de um empreendimento que em nada manifesta a existência de capacidade contributiva (CRFB, art. 145, §1º, c/c art. 150, IV). Para além disso, a imunidade das instituições de assistência social sem finalidade lucrativa também se destina, em larga medida, adjutoriamente, a fomentar a prática virtuosa da cidadania ativa (CRFB, art. 1º, II, c/c art. 5º, XVII e XVIII), assegurando que os membros de nossa comunidade política — destinatários imediatos da mesma imunidade — possam gozar/cumprir, eles mesmos, autônoma e diretamente, sem os naturais embargos de natureza tributária, o seu direito/dever fundamental de solidariedade para com os seus concidadãos menos afortunados (VASCONCELLOS NETO; CRUZ, 2009, p.26-27).

Contudo, quanto à justificativa fiscal, não se concorda que essa visa à proteção

do mínimo existencial “dos indivíduos carentes e necessitados”. O benefício fiscal deve

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ser voltado aos contribuintes ou terceiros que tenham ligação direta com o fato gerador

do tributo. O fato de os desamparados socialmente serem os reais beneficiários dos

serviços prestados pelas entidades sociais não justifica de forma adequada a concessão

do benefício fiscal que parece mais se adequar à capacidade contributiva das próprias

instituições sociais, conforme explicitado na seção 3.

O art. 150, VI, “d” da Constituição de 1988 trata da imunidade dos livros,

jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão. A imunidade em questão visa a

proteger e incentivar a manifestação de pensamento, a liberdade de expressão, assim

como o estímulo à educação, informação e cultura.

O Supremo Tribunal Federal vem assim entendendo e interpretando o

dispositivo de forma a ampliar a sua abrangência. “(...) estão abrangidos pela

imunidade, além dos livros propriamente ditos, as apostilas (vide RE 183.403, DJ

04.05.2001), as listas telefônicas (RE 101.441, DJ 19.09.1988) (...)” (GODOI, 2006, p.

50).

No referido RE nº 183.403 (STF, DJ 04.05.2001), o voto de lavra do Ministro

Relator, Marco Aurélio, apontou que:

[...] o objetivo maior do preceito constitucional realmente não é outro senão o estímulo, em si, à cultura, pouco importando que, no preceito, não se aluda, de forma expressa, a apostilas que, em última análise, podem ser tidas como a simplificação de um livro. Abandone-se a interpretação meramente verbal, gramatical: embora seduzindo, por ser a mais fácil, deve ser observada em conjunto com métodos mais seguros, como é o teleológico. O reconhecimento, pela Corte de origem, do conteúdo de veiculação de mensagem de comunicação, de pensamento em contexto de cultura, é suficiente a dizer-se da fidelidade do órgão julgador de origem à Carta da República.

No RE nº 221.239 (STF, DJ 06.08.2004), fora reconhecida a incidência da

imunidade para os álbuns de figurinhas, sendo fundamento do voto da relatora,

Ministra Ellen Gracie, a impossibilidade de restrição do conteúdo da imunidade “por

força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de

uma publicação destinada ao público infanto-juvenil.” Entende a Corte Suprema que,

além do papel, outros insumos utilizados no processo de confeccção do objeto da

imunidade também são abrangidos pelo seu conteúdo. A Súmula 657 determina que

“a imunidade prevista no art. 150, VI, d da CF abrange os filmes e papéis

fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos.” No RE nº 87.049

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(STF, DJ 01.09.1978), fora estendida a imunidade aos serviços prestados pela

empresa jornalística na transmissão de anúncios e de propaganda.

Embora vislumbre-se algum excesso na interpretação da imunidade em

questão, o que poderia ferir o princípio da igualdade, discorda-se de Torres (2007, p.

77) ao considerar a imunidade como privilégio constitucional e, em relação aos

jornais, um privilégio “odioso”. Os bens jurídicos amparados pela imunidade em

questão têm fundamento constitucional e são dignos da proteção que lhes é

assegurada, especialmente em um país em desenvolvimento como o Brasil, em que o

acesso à informação e à cultura são importantes instrumentos para a evolução do

quadro social no país.

4.4 Legitimidade

Neste estudo, compreende-se que a legitimidade das normas extrafiscais deve ser

apurada a partir dos fins buscados pela norma, que devem ter conformidade com o

ordenamento jurídico, pela eficácia da norma para induzir comportamentos e produzir

resultados quanto ao bem jurídico prestigiado e pela razoabilidade dos critérios eleitos

pela norma a fim de justificar o tributo sob o prisma da igualdade, sendo esse último

ponto analisado a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

4.4.1 Conformidade dos fins buscados pelas normas extrafiscais com o ordenamento

jurídico: análise dos chamados impostos moralizadores

Ao se mencionarem os fins buscados pela norma extrafiscal, poder-se-ia

questionar sobre a eventual contradição com o critério funcional, escolhido para a

caracterização da extrafiscalidade, ao invés do critério que buscaria a finalidade da

norma. Adverte-se que não há contradição, já que a norma extrafiscal, obviamente, visa

a um fim determinado, prestigiado pelo ordenamento jurídico. O critério funcional

apenas vai mais além, ao determinar a possibilidade da efetiva realização daquele fim

almejado pela norma.

A indução de comportamentos que a norma é capaz de realizar tem por objetivo

implementar um bem relevante segundo o ordenamento jurídico. Na prática, há que se

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analisar a legitimidade da escolha desses fins e quais os fins possíveis para fundamentar

a instituição da norma indutora de comportamentos.

A legitimação das normas extrafiscais não se encontra na simples possibilidade

de ser apta a produzir resultados indutores, que influenciem de alguma forma a conduta

dos contribuintes ou terceiros em busca de um fim. Este fim prestigiado deve estar em

consonância com os ditames do ordenamento jurídico e, especialmente, da Constituição,

com o que se conformaria a diminuição da carga tributária ou o seu agravamento. Como

pontua Palao Taboada (2004, p. 83), os fins visados pela norma extrafiscal (diversos da

arrecadação), devem ser “constitucionalmente reconhecidos e tutelados”.

Sobre o fim que pode ser prestigiado pela extrafiscalidade, interessante a análise

da tese de doutorado de Ives Gandra Martins (2000). Ao traçar uma teoria sobre a

imposição tributária, o autor considera o tributo como norma de rejeição social, fruto do

poder impositivo do Estado, sendo a carga tributária “desmedida e injusta” diante da

negligência e desvios do Poder Executivo na prestação dos serviços públicos. Após

delinear a ilicitude moral e a jurídica, sendo aquela a proveniente do direito natural e

esta a positivada no ordenamento jurídico, o autor entende que o ilícito moral, mesmo

não sendo jurídico [o autor afirma que deveria sempre haver a correlação entre ambos, o

contrário sinalizando “Estado, Nação e povo decadente” (p. 296)], deve ser evitado pelo

ordenamento jurídico. O direito tributário atuaria, neste sentido, desincentivando

aqueles comportamentos amorais e ilícitos através de exações mais gravosas: “a

imposição fiscal poderá tornar-se grande instrumento de moralização de costumes e de

vedação legal para o exercício de atividades indesejáveis” (MARTINS, 2000, p. 313). O

autor cita o exemplo da exibição de filmes e fotos pornográficos e das casas noturnas

(taxi-dancings).

Não há dúvidas sobre a viabilidadade fática da imposição tributária gravosa

para desincentivar comportamentos socialmente indesejados, pelo que parece propor

Martins o uso de tributos de forma extrafiscal. Contudo, há que se analisar a proposta

sobre dois enfoques. O primeiro, se é possível o uso da extrafiscalidade em se tratando

de condutas ilícitas; o segundo, se os fins propostos pelo autor, de “moralização dos

costumes”, seriam aceitos pelo ordenamento jurídico para tratar de forma diferenciada

os contribuintes através da tributação.

Como salientado na seção 4.2.3, sendo ilícita a conduta que se pretende

desincentivar com a norma, não deve servir o tributo como meio de evitá-la, já que não

resta outra opção ao contribuinte senão a abstenção de praticar a conduta. O raciocínio

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desenvolvido por Martins (2000) não passaria pelo juízo de adequação ao art. 3º do

CTN, o qual define expressamente que o tributo não se presta à punição do ato ilícito. O

que, por vezes, interessa ao campo tributário, é a consequência da prática ilícita, se o

resultado da conduta amoldar-se a um dos fatos geradores das exações previstas em lei.

Neste sentido, a renda proveniente de atividades ilícitas deve ser objeto de tributação

pela União, como se dá no clássico exemplo do tráfico de drogas. A receita advinda

dessa atividade é fato gerador do imposto de renda. Não se poderia, contudo, pretender

o Estado a cobrança do ICMS pela circulação das mercadorias objeto da mercância

proibida.

Assim, se fosse caracterizada como ilícito jurídico a exibição de fotos ou

filmes pornográficos (exemplos concebidos pelo autor), por constituírem forma indireta

de se praticar o meretrício, considerado ilícito pelo Código Penal (é o que defende

Martins), entende-se neste trabalho que não se poderia cobrar ISSQN mais gravoso

sobre a atividade, como sugere o autor, por ferir a própria concepção jurídica do tributo,

mas sim, multa.

A segunda análise que se faz necessária quanto à proposta de Martins (2000) e

a que mais interessa neste tópico, é se a “moralização dos costumes” seria um fim aceito

pelo ordenamento jurídico para justificar a norma tributária indutora de

comportamentos.

A primeira dificuldade que se põe é a própria relação entre direito e moral.

Sem pretender aprofundar o tema nesta curta exposição, vale lembrar que atualmente

não se considera a cisão total e absoluta entre ambos, podendo-se afirmar, por outro

lado, que longe está a fusão de direito e moral.

A dificuldade na obtenção de uma moral coletiva é atestada por diversos

autores, das mais variadas épocas, sendo difícil, senão impossível, concluir que a

“moralização dos costumes” sugerida por Martins (2000) encontraria amparo em um

conceito de moral que daria respaldo à coerção estatal89.

89 Sobre a relação entre moral e direito, verifica-se que houve momento em que se considerou a total separação entre o conteúdo de ambos, o que pode ser observado através do pensamento de Weber. Posteriormente, direito e moral passaram a ter uma relação de dependência, sendo a fundamentação do direito, obrigatoriamente, baseada na moral. É o pensamento de Kant. Em uma visão pós-moderna, explicitada nesta seção, direito e moral passaram à uma relação de cooriginariedade. Para uma melhor compreensão dos paradigmas, passa-se a explicitar os fundamentos das duas primeiras fases. A última fase será tratada na nota seguinte. Para Weber, moral e direito seriam totalmente dissociáveis, sendo a primeira “mecanismo de enfraquecimento” do Direito; se aplicada, conduziria à irracionalidade deste, prejudicando a sua autonomia científica. Segundo Cruz, “para Weber, o direito teria uma racionalidade neutra no tocante aos aspectos da moralidade. Essa racionalidade seria composta de três aspectos: a) sistematicidade conceitual;

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Moreira (2004), avaliando o pensamento de Habermas, explicita o atual

entendimento do autor alemão sobre a relação de cooriginariedade entre direito e moral,

substituindo a relação de dependência entre os institutos defendida por Kant, raciocínio

com o qual se coaduna o presente estudo:

Ora, segundo a teoria discursiva do Direito, não há um atrelamento do Direito à Moral, mas ambos originam-se simultaneamente. Apenas pelo procedimento é que se dá o entrelaçamento dessas esferas. Isso vai significar um abalo na estrutura da ética do discurso. Habermas vai rejeitar o atrelamento em favor de uma relação de cooriginariedade. Com essa relação de cooriginariedade, há uma mudança de perspectiva no modo de conceber sua teoria: primeiro, o Direito passa a assumir o papel principal na resolução dos problemas de integração social. É por intermédio do Direito que são institucionalizadas as aspirações, vontades e opiniões dos cidadãos. Nessa institucionalização, as razões que guiam as ações individuais, e que são o cerne da razão prática, adquirem a forma de um procedimento democrático, isto é, sua normatividade deixa de ser imediata para tornar-se mediata. Em uma palavra, só adquirem obrigatoriedade as questões que puderem resistir aos questionamentos do processo democrático; segundo, a recusa dessa normatividade imediata em favor de uma normatividade procedimental significa que nós não temos uma esfera moral para orientar nossas ações. A resolução de nossos problemas desliga-se da tradição para atrelar-se ao procedimento discursivo, onde apenas a normatividade do melhor argumento adquire obrigatoriedade (2004, p. 194).

Diante da complexidade e pluralidade das sociedades atuais, da

heterogeneidade das visões éticas, do multiculturalismo, do respeito às diferenças, do

direito à privacidade, à individualidade, à liberdade de crença, à liberdade de profissão,

de expressão artística e cultural, de iniciativa e tantos outros direitos e garantias

fundamentais do indivíduo, parece difícil sustentar como fim legítimo da tributação a

“moralização dos costumes”, especialmente se ligado a viés religioso conservador,

como se houvesse um padrão axiológico homogêneo aplicável.

b) a base do direito seria um conjunto de normas que garantiriam as liberdades negativas em face do Estado e c) institucionalização de procedimentos que permitiriam um grau de previsibilidade das relações sociais regulamentadas. Em outras palavras, a neutralidade do direito se sustentaria exclusivamente nos seus aspectos formais. (...) E a racionalidade da ciência jurídica centrar-se-ia exclusivamente no trabalho reconstrutivo e analítico dos conceitos” (2004, p. 211). É o primeiro paradigma. No segundo paradigma, Kant, o seu principal nome, parte do conceito fundamental da lei da liberdade moral e extrai dela as leis jurídicas, seguindo o caminho da redução. “A teoria moral fornece os conceitos superiores: vontade e arbítrio, ação e mola impulsionadora, dever e inclinação, lei e legislação, que servem inicialmente para a determinação do agir e do julgar moral. Na doutrina do direito, esses conceitos fundamentais da norma são reduzidos a três dimensões. Segundo Kant, o conceito de direito não se refere primariamente à vontade livre, mas ao arbítrio dos destinatários; abrange a relação externa de uma pessoa com outra e recebe a autorização para a coerção que um está autorizado a usar contra o outro, em caso de abuso. O princípio do direito limita o princípio da moral sob esses três pontos de vista. A partir dessa limitação, a legislação moral reflete-se na jurídica, a moralidade na legalidade, os deveres éticos nos deveres jurídicos etc” (Habermas, Direito e Democracia, vol. I, 2003, p. 140, grifo nosso).

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Como bem enfatiza Cruz (2006, p. 131), “na modernidade, o consenso

valorativo material de formas específicas de vida reduz-se ao campo da ética, mas não

tem condição de, por si só, racionalmente, fundamentar a praxis jurídica90.

Neste sentido, o agravamento da carga tributária para os motéis, outro caso

defendido por Martins (2000) se revela ilegítimo. Segundo o autor, a defesa pela

tributação sugerida se dá pelo fato de tais estabelecimentos servirem “apenas para dar

cobertura legal às relações sexuais ilegítimas”, como a exploração do adultério, da

prostituição, da corrupção da juventude ou para a exploração do lenocínio. Tal juízo de

valor não parece adequado ao paradigma do Estado Democrático de Direito,

confrontando a liberdade do indivíduo, inclusive sexual, o direito ao lazer e a liberdade

de iniciativa dos estabelecimentos que exploram a atividade. Seguindo o raciocínio do

autor, entender-se-ia possível a instituição de benefício fiscal para os indivíduos que

frequentassem cultos religiosos, ou para as empresas que promovessem cultos em seu

estabelecimento. Tal fim não estaria a contrariar a liberdade de culto prevista na

Constituição de 1988, que contempla, inclusive, a liberdade de não ter crença?

Sobre a justificativa moral para embasar tributos extrafiscais, Mateo (1983)

argumenta que no ordenamento espanhol a Lei de Regime Local de 1955 permitia à

Fazenda local a utilização de exações para “correção dos costumes”. O autor analisa o

tributo cobrado sobre a exibição de filmes nas “salas X”, instituída pela Lei 1/1982, em

seu artigo 3º91. Critica, a princípio, a qualificação conferida pela lei como exação

“parafiscal”. A afetação do produto arrecadado (como em geral se justifica a escolha da

terminologia) não seria suficiente para assim defini-la, mencionando o autor que “uma

vez mais o legislador recorre à ‘gaveta do costureiro’ da denominada parafiscalidade

para estabelecer uma nova figura tributária” (MATEO, 1983, p. 353, tradução nossa)92.

Admite o autor que se trata de tributo extrafiscal.

Analisando a exação enquanto medida para desincentivar a exibição de filmes X,

Mateo pondera sobre a efetividade da exação para atingir o fim buscado e o grau de

conformidade com direitos fundamentais, como a liberdade de expressão. Quanto à

90 Segundo Cruz, na proposta de Habermas, “a moralidade deve transcender as diversas visões de mundo, com enunciados derivados de um diálogo/discurso público e racional, incluindo tanto concepções individuais e coletivas sobre a noção de vida digna” (CRUZ, 2004, p. 213), o que é encontrado na moral pós-convencional, em que “os indivíduos, mesmo detentores de uma herança cultural, conseguem identificar os valores que formam sua identidade e passam a ter juízos críticos sobre os mesmos, por meio do reconhecimento dos direitos individuais e de princípios universais” (CRUZ, 2006, p. 135). 91 O dispositivo foi revogado pela Lei 30/1985, de 2 de agosto. 92 Una vez más nuestro legislador recurre al ‘cajón de sastre’ de la denominada ‘parafiscalidad’ para establecer una nueva figura tributaria.

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primeira questão, dúvidas há sobre a quem o legislador visou a desestimular, se o

espectador contribuinte ou o empresário, já que a base de cálculo do tributo é a renda

adquirida em função da exibição e dos preços. Na segunda questão, o autor questiona se

é possível utilizar o tributo como forma de “corrigir uma tendência considerada imoral”

e conclui que “não parece próprio dos tempos atuais, nem sequer dos de 1955, recorrer à

instituição tributária, forçando seu próprio fundamento, para supostamente ordenar a

moralidade dos cidadãos.” (MATEO, 1983, p. 347, tradução nossa)93. Neste caso, o

tributo, embora apresente formalmente a natureza tributária, não se adequaria ao

conceito de tributo por desconsiderar o princípio da igualdade (que justificaria as

normas extrafiscais) e da capacidade contributiva (que justificaria as normas fiscais).

Citando Albiñana, Mateo explicita a natureza da exação, que se assemelha a de “multas

sem infração prévia, pois cumprem funções corretivas diminuindo, moderando ou

obstaculizando uma determinada atividade ou conduta humana.” (MATEO, 1983, p.

363, tradução nossa)94. E assim, conclui que:

Ante tão clara conclusão, só nos resta reiterar nossa posição contrária à sanção de condutas declaradas legais e que não prejudicam a esfera jurídica alheia, nossas reservas a respeito da efetividade da medida no cumprimento das funções indicadas e, enfim, nossa objeção ao fato de que uma instituição com as características e o fundamento da tributária, quando já parece totalmente superado o velho preconceito de sua odiosidade, seja utilizada com finalidades repressivas (MATEO, 1983, p. 363, tradução nossa)95.

Godoi explicita, quanto ao assunto, que:

Outro direito fundamental que costuma ser violado pelos impostos extrafiscais é o da livre expressão de pensamentos, ideias e opiniões mediante qualquer meio de reprodução (art. 20 CE). Com efeito, os impropriamente chamados “impostos de ordenamento moral” costumam criar exações sobre determinadas atividades (exibição de certos filmes, publicações com determinado conteúdo) que, além de promover um uso inadequado do instituto do tributo como meio de sanção, violam o conteúdo plural e respeitoso das diferenças de moralidade individual que é da essência

93 No parece propio de los tiempos actuales, y ni siquiera de los de 1955, recurrir a la instituición tributaria, forzando su propio fundamento, para ordenar supuestamente la moralidad de los ciudadanos. 94 [...] bien puede afirmarse que tales tributos no fiscales no son impuestos y que podrían ser asimilados a ‘multas’ sin infracción previa, pues cumplen funciones correctoras disminuyendo, moderando u obstaculizando una determinada actividad o conducta humana. 95 Ante tan clara conclusión, solo nos resta reiterar nuestra posición contraria a la sanción de conductas declaradas legales y que no dañan la esfera jurídica ajena, nuestras reservas respecto a la efectividad de la medida en el cumplimiento de las indicadas funciones y, en fin, nuestro rechazo al hecho de que una instituicíon con las características y el fundamento de la tributaria, cuando ya parece totalmente superado el viejo prejuicio de su odiosidad, sea utilizada con finalidades represivas.

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do Estado Democrático e Social de Direito (GODOI, 2004, 251-252, tradução nossa)96.

Sendo assim, conclui-se que os fins protegidos pela norma tributária indutora

devem ser legítimos, amparados pelos valores adjacentes às normas constitucionais, sob

pena de eivá-la de inconstitucionalidade e, na linha de Mateo (1983), desviarem a

natureza tributária da exação. Os analisados “impostos para moralização dos costumes”

não passariam no teste de legitimidade pois estariam baseados em uma espécie de ética

solipsista, não se adequando à complexidade das sociedades modernas e ao paradigma

democrático.

4.4.2 A questão da função extrafiscal como aptidão para induzir comportamentos e

produzir resultados quanto ao bem jurídico prestigiado

Como já salientado no decorrer desta pesquisa, a norma extrafiscal deve ser apta

para atingir os fins visados pelo incentivo ou agravamento da carga tributária. Trata-se

do cerne do critério funcional, eleito como adequado a distinguir as funções fiscais das

extrafiscais.

Questionamento relevante no que concerne à aplicabilidade das normas

extrafiscais situa-se justamente neste aspecto: a efetiva possibilidade de induzir

comportamentos que levarão ao alcance dos fins buscados pela norma. Verificado,

ainda no plano abstrato ou no plano concreto, que a norma não é capaz de interferir ou

interfere insatisfatoriamente no bem jurídico que visou a proteger, qual a solução? Seria

a norma inconstitucional?

Herrera Molina (2000) enfatiza a necessidade do “controle de idoneidade” das

normas indutoras, tratando justamente desse aspecto em seu estudo sobre as normas

ambientais: “Em primeiro lugar, os tributos ou elementos tributários ambientais hão de

ser idôneos para alcançar seu objetivo. Ou seja, hão de constituir um verdadeiro

incentivo para a proteção do meio ambiente” (2000, p. 166, tradução nossa)97. Assinala,

96 Otro derecho fundamental que suele ser conculcado por los impuestos extrafiscales es el de la libre expresión de pensamientos, ideas y opiniones mediante cualquier medio de reproducción (art. 20 CE). En efecto, los impropiamente llamados “impuestos de ordenamiento moral” suelen crear exacciones sobre determinadas actividades (exhibición de ciertas películas, publicaciones con determinado contenido) que, además de promover un uso inadecuado del instituto del tributo como medio de sanción, violan el contenido plural y respetuoso de las diferencias de moralidad individual que es de la esencia del Estado democrático y social de Derecho. 97 “En primer término, los tributos o elementos tributarios ambientales han de ser idóneos para alcanzar su objetivo. Es decir, han de constituir un verdadero incentivo para la protección del medio ambiente (...).”

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como consequência do raciocínio, a inconstitucionalidade do imposto balear sobre

instalações poluidoras na Espanha, que tem por fato gerador o exercício de certas

atividades poluentes e por base imponível o volume de faturamento, sendo certo que

qualquer esforço do contribuinte para afetar positivamente o meio ambiente não refletirá

em sua carga tributária.

Ferraz Júnior (2008, p. 167), tratando da validade das normas jurídicas em geral,

conclui que “a ineficácia de uma norma, a ausência de um mínimo de efetividade não

altera sua validade, pois a norma editada entrou para o ordenamento, ainda que nunca

tivesse produzido efeitos”. Ele entende que se inexistem as questões de fato necessárias

à efetividade ou à eficácia social da norma, restará alterada a sua produção de efeitos,

não a sua validade. Argumenta, por outro lado, que a questão da eficácia social ou

efetividade da norma “não se reduz à sua obediência”, citando o exemplo das normas

programáticas que, muitas vezes, não são “obedecidas” (acrescenta-se, especialmente

pelo Poder Legislativo e Executivo), mas que são eficazes socialmente no sentido de

estatuírem “prescrições reclamadas ideologicamente pela sociedade”98.

Entende-se que se a norma não é capaz, de forma alguma, de modificar a

situação fática que justifica a sua existência, certo é que deve ser revista a sua

racionalidade pelo detentor da competência material. Sendo norma de minoração da

carga tributária, não haverá respaldo para a diferenciação com os demais contribuintes,

ferindo o princípio da igualdade e passando ao campo da arbitrariedade. Sendo norma

de agravamento da carga tributária, não haverá justificativa para o excesso, razão pela

98 Neste ponto, o autor cita o exemplo do salário mínimo, que pelo art. 7º, IV da Constituição da República, deve ter valor adequado a atender às necessidades vitais do trabalhador e de sua família, o que não é observado ao verificar-se a realidade do país. Curiosamente, porém, o autor adverte, quanto ao preceito, que “se atendido, certamente levaria a um tumulto nas relações econômico-sociais; mas a norma constitucional produz, não obstante isso, um efeito ideológico simbólico: a Constituição garante salário mínimo!” (2008, p. 168). Não se coaduna com esta espécie de eficácia artificial. As normas programáticas, como visto na seção 2, possuem, sim, forma de eficácia própria, sendo o maior desafio para a resolução desse problema o alcance de meios exequíveis para compelir o legislativo e o executivo a conferirem a eficácia plena a tais normas. No ordenamento jurídico brasileiro, o mandado de injunção (art. 5º, LXXI da Constituição de 1988) é ainda instrumento insatisfatório para a implementação dos direitos constitucionais - inaplicáveis em razão da omissão de norma regulamentadora pelo Poder Público - não obstante a evolução (morosa) da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A recente Lei nº 12.083/2009, ao regulamentar a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por omissão, se ateve especialmente aos aspectos formais do procedimento, ao invés de buscar assegurar o alcance do seu objetivo maior, que é a edição da norma ausente no ordenamento jurídico pelo órgão competente, de forma a ter eficácia erga omnes. A lei contudo previu algumas medidas interessantes para a valorização da ação em comento, como a possibilidade de medidas cautelares, a suspensão do ato legislativo eivado de omissão parcial, suspensão dos processos nas instâncias ordinárias que tratarem do tema e, especialmente, a possibilidade de “adoção de outra providência a ser fixada pelo tribunal”, como a aplicação da legislação análoga para resolver a lide, providência que já têm sido realizada nos mandados de injunção.

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qual ferirá o direito de propriedade do contribuinte e também o princípio da igualdade.

Tais problemas devem ser corrigidos pelo administrador (quando de sua competência,

caso dos tributos regulatórios econômicos) e pelo legislador (legítimo detentor da

prática legislativa), que devem adequar ou estirpar do ordenamento as normas jurídicas

arbitrárias. Caso não o sejam, não pode ser a norma aplicada de forma a corromper a

ordem jurídica, pelo que o Judiciário deve intervir, quando provocado, para adequá-la

ou afastá-la do direito positivo, lembrando-se de que o ilícito não é parâmetro para a

igualdade99.

Passemos ao estudo de alguns exemplos práticos.

Gouvêa (2006) menciona os limites lógicos da tributação extrafiscal100, que se

relacionam à imprestabilidade da norma extrafiscal para atingir o fim pretendido. O

autor menciona diversos casos em que seria vedada a utilização da extrafiscalidade

como, por exemplo, as isenções nos tributos plurifásicos sobre o consumo. O benefício

só cumpriria o objetivo de redução de preços se concedido no final da cadeia produtiva

ou, se concedido nas operações intermediárias, de forma que se preservasse o direito de

crédito ao adquirente.

O raciocínio é correto se se considera que o objetivo da norma extrafiscal é a

indução do comportamento do contribuinte de fato, ou seja, estimular a redução de

preços e o aumento do consumo de certo bem pelo consumidor, como ademais, ocorreu

neste país no ano de 2009, através de várias medidas de renúncia fiscal. Em meio à crise

mundial, o governo federal reduziu à “alíquota zero” o IPI aos setores da construção

civil, de eletrodomésticos (linha branca) e automotivo, objetivando o consumo101. Visou

com tal medida a incrementar as vendas em setores diretamente atingidos pela crise

(embora critica-se a escolha dos setores prestigiados pelas medidas, que pode não ser

totalmente justificada considerando o princípio da igualdade), impedir a paralisação das

atividades com o encerramento de empresas e evitar as demissões em massa.

99 Conforme preconizado pela doutrina e, ainda, reconhecido, há muito, pelo Supremo Tribunal Federal (STF, RE nº 12.782, DJ 15.04.52). 100 Além desse limite à extrafiscalidade, o autor elenca os jurídico-normativos (embora considere a extrafiscalidade como um princípio, os instrumentos de veiculação da norma extrafiscal se sujeitam aos limites das regras jurídicas, por exemplo, regras de competência e técnica legislativa), limites lógicos (que se referem à imprestabilidade da norma extrafiscal para atingir o fim por ela visado) e limites atinentes à eficácia (análise da realidade sócioeconômica, que determinará a repercussão das medidas extrafiscais quanto aos sujeitos passivos e ao mercado, interferindo na eficácia do objetivo visado pela norma). 101 Decreto nº 6.743/2009 (setor automotivo); Decreto nº 6.823/2009 (construção civil); Decreto nº 6.825/ 2009 (eletrodomésticos da linha branca); Decreto nº 6.890/2009 e Decreto nº 6.996/2009.

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Nesse sentido, o objetivo da norma extrafiscal pode não ser o de beneficiar o

consumidor de fato, mas o de direito. Outro exemplo seria incentivar um dos ramos

envolvidos nas cadeias anteriores ao consumo final, como o processo produtivo ou

industrial de produtos em escassez no mercado, pelo que a norma tributária de incentivo

seria apta a cumprir o seu objetivo.

Outro exemplo fornecido por Gouvêa é a incompatibilidade da utilização de

normas extrafiscais por meio dos tributos diretos para afetar os preços do mercado e, no

mesmo passo, a utilização de normas extrafiscais por meio de tributos indiretos para

redistribuir renda e riqueza. Em que pese a tarefa de redistribuição de rendas refletir a

função fiscal do tributo, como salientado na seção 3, a conclusão do autor parece ser

procedente.

Gouvêa ainda afirma não seriam veículo apto ao conteúdo extrafiscal os

impostos extraordinários, empréstimos compulsórios e contribuições de intervenção

sobre o domínio econômico se estas espécies tributárias destinassem os seus recursos a

projetos culturais, por exemplo. Isto porque que seus fins estariam previamente

vinculados pelo constituinte. Já foi explicitado neste trabalho que a extrafiscalidade não

se atesta pela destinação do produto arrecadado, o que per se, confrontaria o raciocínio

do autor, especialmente no que concerne às contribuições sobre o domínio

econômico102. O empréstimo compulsório e o imposto extraordinário de guerra não

tiveram o seu fato gerador explicitado pelo constituinte. A depender da escolha do

legislador, nada impediria que prestigiassem um objetivo lícito através da indução de

comportamentos dos contribuintes, ao lado da prévia e sabida destinação das receitas

arrecadadas.

Questão interessante é a do uso dos tributos ICMS e IPI de forma majorada para

produtos maléficos à saúde, como cigarro e bebidas. De acordo com o “discurso

oficial”, a carga tributária é aumentada com o objetivo de evitar ou minorar o consumo

de produtos caros ao interesse social, o que na prática não se verifica. O preço dos

produtos não é recurso suficiente para se evitar o consumo. Contudo, nesses casos,

estando na esfera da vida privada a decisão pelo consumo, não há como proibir a venda

102 Interessante e atual questão é a da destinação do produto arrecadado com as contribuições no ordenamento jurídico brasileiro. Embora o tema não se relacione à extrafiscalidade (que, como salientado, não se interessa, para sua caracterização, pelo produto arrecadado com a exação) certo é que o fundamental traço de tal espécie tributária, inclusive, que a diferencia das demais, é a destinação do produto arrecadado para finalidade específica. Não obstante tal característica ser delimitada pela própria Constituição, certo é que o Poder Executivo não tem observado tais diretrizes na formulação e execução das políticas fiscais, o que, infelizmente, vem sendo corroborado pelo Supremo Tribunal Federal.

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dos mesmos103, podendo o meio tributário ser apto para influenciar o comportamento

dos indíviduos. Mas indaga-se: se a majoração não impede o consumo, a ausência dessa

majoração não estaria a estimulá-lo? Por esse motivo entende-se que se encontra

eficácia na norma, que seria aprovada, no entendimento deste estudo, no teste de

legitimidade pelo desestímulo positivo, ainda que pequeno (e ao mesmo tempo, o

desestímulo negativo, no sentido de não estimular), à conduta que é compatível com o

interesse público, neste caso, o interesse social ligado à saúde.

Outro exemplo é dado por Tipke e Lang (2008, p. 136) ao mencionarem o

imposto alemão sobre cães de briga, que consideram inconstitucional por não alcançar

efetivamente o fim de proteger a população, já que por mais que o imposto seja elevado,

não atingirá o seu objetivo pelo alto poder econômico dos que geralmente cultuam a

prática. O autor considera que, neste caso, melhor seria a proibição regulamentar da

criação de cão de briga, que tornaria ilícita a conduta e, então, seria “capaz de proteger

mais eficazmente a população que um imposto de fim social”. Neste caso, concorda-se

que a proibição da criação de cães teria justificação na segurança social e proteção

ambiental da fauna, o que justificaria a relativização do direito à propriedade dos

semoventes através da proibição administrativa, mais eficaz ao fim proposto que a

norma tributária.

Além do ponto acima, relacionado aos limites do poder de tributar, há que se

considerar que o tratamento diferenciado aos tributos extrafiscais não pode levar ao

manuseio dessas exações para fins apenas arrecadatórios, desprezando-se a função que

qualifica a norma jurídica extrafiscal, sob pena de inconstitucionalidade. Não são

incomuns os casos em que o Estado utiliza o tributo “extrafiscal” de forma desviada,

contrariando o ordenamento.

A CPMF foi extinta em dezembro de 2007, o que implicou perda de arrecadação

de 40 bilhões de reais ao ano. Ato contínuo e sem qualquer pudor em deixar clara a

intenção arrecadatória, o governo federal anunciou o aumento do IOF, através dos

Decretos nº 6.339/2008 (BRASIL, 2008) e nº Decreto nº 6.345/2008 (BRASIL, 2008).

Nem é preciso argumentar que a extinção da CPMF não causou qualquer interferência

nas atividades atingidas pelo aumento do IOF, não atendendo, assim, ao objetivo de

103 Mas há como limitar o seu uso. Atualmente, vários estados da federação, como São Paulo (Lei nº 13.541/2009), Rio de Janeiro (Lei nº 5.517/2009) e, recentemente, Minas Gerais (Lei nº 18.552/2009, que entrará em vigor em 120 dias da publicação) proibiram o fumo em ambientes coletivos fechados, públicos ou privados (com exceção de Minas Gerais, onde são permitidos os “fumódromos”). A proibição de fumar em locais públicos se deu em momento bem anterior, com a Lei Federal nº 9.294/1996. São medidas que, igualmente, visam à proteção da saúde pública no contexto administrativo sancionatório.

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regulação econômica a que se presta esse último tributo, que deve ter reflexos na

política monetária, cambial ou fiscal (art. 1º da Lei nº 8.894/1994, com a devida e

melhor interpretação à luz da Constituição de 1988) (BRASIL, 1994).

Novamente, em meio à crise financeira que assola o planeta desde 2008, foi

anunciada a redução do IPI para o mercado de veículos, construção civil e

eletrodomésticos, através dos decretos já citados. Em contrapartida, foi aumentado o IPI

e PIS/COFINS sobre o cigarro, no mesmo decreto, demonstrando a utilização da

tributação pretensamente extrafiscal como forma de equilíbrio orçamentário pela perda

de arrecadação com os setores beneficiados pela redução do tributo IPI.

Outra situação prática relacionada ao debate é trazida por Schoueri (1999) e

Gonçalves (1999), quanto ao IOF.

Ao analisar a Lei nº 9.779/1999 (BRASIL, 1999), que trouxe significativas

modificações ao imposto previsto pelo art. 153, IV da Constituição de 1988,

especialmente a possibilidade de ser tributada a operação civil de mútuo entre pessoas

jurídicas e entre pessoa jurídica e pessoa física, Schoueri (1999) traz importantes

considerações sobre a impossibilidade de ser desvirtuada a função do tributo em

questão, tipicamente extrafiscal, para um tributo com fim arrecadatório, à luz da

Constituição de 1988.

O autor menciona que, ao lado do II, IE e IPI, o IOF tem a função regulatória do

mercado e da economia, sendo as exceções às limitações do poder de tributar conferidas

a esses tributos justamente para possibilitar a realização dos fins que pretendeu conferir-

lhes a Carta Magna. A esse respeito, Gonçalves (1999), tratando do mesmo tema,

acrescenta que as justificativas para a flexibilização aos princípios constitucionais da

legalidade e anterioridade “estão, sempre, na circunstância de que o IOC104, dizendo

diretamente com, e instrumentalizando a, (sic) política monetária e financeira do país,

não poderia subordinar-se aos rigores de tais preceitos, sob pena de comprometimento

de sua necessária agilidade, incompatível com as delongas inerentes à democrática

discussão pressuposta pelo processo legislativo. Daí sua natureza ‘extra fiscal,

unanimemente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência’” (1999, p. 180).

Ambos os autores mencionam que a inclusão como fato gerador do imposto de

operações civis de mútuo não se enquadraria na função extrafiscal proposta

constitucionalmente ao tributo regulatório.

104 O autor trata o IOF, no caso específico, como Imposto sobre Operações de Crédito.

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Gonçalves (1999) pontua que o papel dos recursos objeto de operações de

transferência civil é “irrrelevante para os destinos da política econômica e monetária

nacional, para o controle da moeda, para a vigilância dos mercados financeiros, para

indução e administração da política de crédito etc.” (1999, p. 182), não havendo, com

base no princípio da coerência da Constituição, fundamento para a tributação instituída

pela Lei nº 9.779/1999. Equivocadamente, tentou-se através do instrumento normativo

ampliar o conteúdo da expressão “operações de crédito”, prevista como fato gerador da

exação pelo art. 153, IV da Constituição de 1988.

Schoueri afirma que “o Poder Executivo alterou o perfil constitucional desse

imposto, transformando-o em mais um instrumento de arrecadação de recursos,

afastando-o de sua função de controle de mercado financeiro, o que, todavia, lhe é

totalmente vedado” (1999, p. 218). Conclui o autor105:

Neste sentido, portanto, a Lei nº 9.779/99 é inconstitucional, pois instituiu um IOF incidente sobre operações de mútuo contratadas entre pessoa física e pessoa jurídica, e entre pessoas jurídicas não financeiras, operações estas que em nada se relacionam com o mercado financeiro, gerando incoerência dentro do sistema, na medida que se afasta do perfil constitucional traçado para este imposto” (SCHOUERI, 1999, p. 221).

Nesse caso, o tributo regulatório perdeu a função que a própria Constituição lhe

assegura, razão pela qual se concorda com o fato de que a solução não poderia ser outra

senão a declaração de sua inconstitucionalidade. Não se afasta a hipótese de que tal

espécie de tributos (voltados à regulação econômica) pode ter uma face fiscal

secundária, ao gerar arrecadação aos cofres públicos, porém, desde que seja preservada

a sua identidade de induzir o comportamento do mercado ou de seus participantes.

Assim, é fundamental a percepção da função da norma que se analisa, por parte

dos magistrados. O ideal, que nem sempre se verifica, é que a norma jurídica tenha

clareza ao identificar a função extrafiscal na exação (o que muitas vezes é realizado

propositalmente a fim de camuflar intenções contrárias ao ordenamento jurídico). A

propósito, Tipke e Lang (2008, p. 176) citam decisão do Tribunal Constitucional

Federal alemão em relação à necessidade de clareza quanto à finalidade extrafiscal da

norma, que não pode estar “escondida” em norma de função fiscal:

105 O autor ainda acrescenta, concluindo, que “tratando-se de imposto novo, tem-se que sua instituição jamais poderia ter sido veiculada por lei ordinária (conversão de medida provisória), sendo obrigatória a observância da via complementar, nos termos do art. 154, I da Constituição Federal” (1999, p. 222).

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O BVerfG [Tribunal Constitucional Federal] exige certeza normativa de Estado de Direito: “dispondo uma lei tributária admissivelmente também objetivos dirigistas, então deve a finalidade dirigista estar tipicamente tracejada com bastante certeza [...]” (BVerfGE 93, 121,148) [Repertório de Jurisprudência 93, 121, 148]. A norma dirigista não pode portanto estar irreconhecível em uma norma de finalidade fiscal, por exemplo, escondida numa trivial norma de avaliação; (BVerfGE 93, 121, 148) [Repertório de Jurisprudência 93, 121, 148]. (2008, p. 176).

4.4.3 Razoabilidade: a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o controle

de legitimidade da extrafiscalidade face ao princípio da igualdade

No que concerne à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é comum a

referência ao critério de razoabilidade para avaliar o conteúdo da norma sob o prisma do

princípio da igualdade.

Ao analisar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em relação ao

princípio da igualdade e as normas extrafiscais, Ávila (2010, p. 350-351) pontua que:

O Supremo Tribunal Federal decidiu, a respeito de uma diferenciação de tratamento com base em finalidades extrafiscais, que o princípio da igualdade proíbe apenas desigualdades injustificadas.106 Deve haver um fundamento para justificar o tratamento diferenciado. Se houver fundamentos materiais (concretos), o tratamento diferenciado não é arbitrário. As decisões apenas afirmam que deve ser encontrado um fundamento, mas não determinam quando um fundamento é suficiente e como isso pode ser controlado.

E acrescenta: [...] não há, nas decisões do Supremo Tribunal Federal, uma clara divisão entre justificação da desigualdade com base em fins internos (finalidades fiscais) e fins externos (finalidades extrafiscais). Esta compreensão traz consigo dois problemas. Primeiro, a perda da função de controle do princípio da igualdade: enquanto a desigualdade com base em fins internos (finalidades fiscais) deve corresponder à capacidade contributiva dos contribuintes (relação “parâmetro-medida”), a desigualdade com base em fins externos (finalidades extrafiscais) deve ser proporcional (relação “medida-fim-bem jurídico), no sentido de saber se a medida (o meio) é apto para promover a finalidade extrafiscal almejada (relação “meio-fim”), se a medida consiste no meio mais suave relativamente ao direito fundamental à igualdade de tratamento (relação “meio x meio”) e se as vantagens decorrentes da promoção da finalidade extrafiscal estão em relação de proporção com as desvantagens advindas da desigualdade (relação “vantagens x desvantagens). (ÁVILA, 2010, p. 357).

106 RE nº 203.954-3 (STF, DJ 07.02.97). Veja-se p. 4 do acórdão.

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O autor elenca diversos pontos críticos da jurisprudência da Suprema Corte ao

analisar acórdãos sobre o tema da extrafiscalidade e o seu controle de razoabilidade107.

Em se tratando da extrafiscalidade, além do argumento utilizado pela Corte

Suprema de que “inexiste desigualdade de tratamento quando o pretendido afastamento

da igualdade de tratamento baseia-se na ‘política social e econômica do Estado’”,

acrescenta o autor que “essa espécie de tratamento diferenciado ‘é um ato que envolve

apreciação discricionária”,108 indicando a adoção pelo órgão julgador da tese do

legislador negativo. Ávila (2010) explicita e critica a adoção de tal interpretação pelo

Supremo Tribunal Federal, que se baseia no princípio da separação dos poderes,

impedindo a substituição ou conformação da norma violadora do princípio da igualdade

pelo Poder Judiciário, especialmente em se tratando do controle abstrato. A

autolimitação de competência, na visão do autor, viola a Constituição, a própria

separação entre os poderes (ao conferir poder ilimitado ao Estado para agir sem que

possa ter o devido controle jurisdicional) e, em última ratio, o próprio Estado de

Direito.

O autor aponta a negligência da Suprema Corte quanto ao controle pelo

princípio da proporcionalidade. Menciona que, em que pese o Supremo Tribunal

Federal utilizar o princípio (na dimensão positiva) em diversos casos envolvendo o

controle de constitucionalidade das leis, quanto ao princípio da igualdade, “mantém-se

passivo, observando, sem controle, a atividade do Poder Legislativo” (2010, p. 362). O

órgão “limita-se a controlar a arbitrariedade da utilização de critérios diferenciadores”

(2010, p. 362), avaliando “se a discriminação mantinha uma relação lógica com a

finalidade da distinção estabelecida pela lei” (2010, p. 359). Isso significa que “o

Supremo Tribunal Federal faz um controle de congruência nos casos de desigualdade

baseada em finalidades extrafiscais”, ao passo que “a constitucionalidade da finalidade e

sua ponderação com outras finalidades que o Estado deve atingir deixam de ser

examinadas” (2010, p. 359). Nesse ponto, cita o RE nº 336.134 (DJ 16.05.03), que

107 Deve-se pontuar que alguns dos acórdãos citados pelo autor, como será indicado abaixo, se referem à fiscalidade, na forma em que entendida nesta pesquisa. 108 Neste sentido, o autor cita os seguintes julgados: RE nº 185.802-SP (STF, DJ 04.08.95); RE nº 184.957 (STF, DJ 04.08.95) e RE nº 185.993-SP (STF, DJ 18.08.95), todos julgando constitucional a isenção do IOF instituída pelo Decreto-lei nº 2434/88 para as operações de câmbio ao amparo de guia de importação emitida a partir de 1º de julho de 1988. O RE nº 199.090-PE (STF, DJ 07.03.97) e RE nº 203.308 (STF, DJ 14.03.97), embora tenham como fundamento a discricionariedade do Poder Executivo para proibir a importação de veículos usados, no entendimento deste estudo, não se enquadram em exemplo de extrafiscalidade, já que a medida encontra-se no campo da proibição, fruto do exercício do poder de polícia do Estado, não ensejando a possibilidade de o indivíduo agir em sentido diverso da norma.

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envolve, na verdade, a análise de tributação fiscal. Porém, é útil para entender o

raciocínio do autor. O julgamento do recurso citado foi no sentido da

“constitucionalidade da norma que previa o direito de compensação da contribuição

social sobre a receita [COFINS] com a contribuição social sobre o lucro líquido [CSLL]

apenas para as empresas lucrativas” (2010, p. 364). Nesse caso, não houve exame pelo

STF do critério escolhido pelo legislador para diferenciar os contribuintes, no caso a

lucratividade, relativamente à alíquota a ser paga, entendendo a Corte Suprema que

todos os contribuintes da COFINS pagariam a mesma alíquota, enquanto os

contribuintes da CSLL poderiam compensar parte do valor devido pelo tributo com o

que foi recolhido a título da COFINS.

Verifica o autor, ainda, a limitação das decisões ao controle do direito individual

à igualdade: a Suprema Corte foca a análise sob o prisma dos bens jurídicos individuais,

quando “a promoção de finalidades econômico-políticas diz respeito a bens jurídicos

coletivos e não a pessoas que diretamente possam ter proveito delas” (2010, p. 360), o

que deveria ser realizado através da proporcionalidade.

É apontado por Ávila o caráter formal e limitado do controle de

constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. As decisões se voltam à análise do

conteúdo normativo da igualdade ao âmbito de aplicação da lei, evitando a análise do

âmbito de edição da lei, “especialmente no que se refere ao exame de

constitucionalidade do critério escolhido” (2010, p. 364). Valoriza-se a “aplicação

uniforme da lei” (2010, p.365), mas não a razoabilidade do critério eleito pelo

legislador, deixando-o de fora da submissão ao princípio da igualdade.

O autor conclui que “é preciso ultrapassar o controle formal, aplicativo e

limitado à evidência de arbitrariedade em favor de um modelo material, integral e

justificativo de controle do princípio da igualdade” (2010, P. 365), afastando a “solução

simplista de que o Poder Judiciário não pode controlar outro poder com base no

princípio da separação dos poderes (2010, p. 369). Arremata que “o princípio

democrático só será realizado se o Poder Legislativo escolher premissas concretas que

levem à realização dos direitos fundamentais e das finalidades estatais” (2010, p. 369).

Embora o presente estudo compartilhe da crítica de que é necessário um controle

das normas extrafiscais pelo Supremo Tribunal Federal de forma mais contundente e

efetiva, deve-se ressaltar, porém, a delicada questão ao ser aplicado o critério da

proporcionalidade na forma defendida por Ávila, o qual é fundado na adequação,

necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

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No caso específico das normas extrafiscais, é complicada a mensuração da

“necessidade”, entendida esta como a verificação da inexistência de meio menos

gravoso para se atingir os fins visados. Isso porque o exercício da função extrafiscal é

forma de política pública eleita pelo detentor da competência legislativa. A

consideração do meio eleito como mais ou menos gravoso pode ferir o princípio

democrático, especialmente quando se consideram as leis como atos de soberania

popular. Da mesma forma, a apreciação das “vantagens decorrentes da promoção da

finalidade extrafiscal” em relação às “desvantagens advindas da desigualdade” também

poderia ferir a discricionariedade que é própria na eleição das políticas fiscais, o que

encontraria óbice no princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da

Constituição de 1988. Ambos os elementos da proporcionalidade citados poderiam levar

ao denominado “ativismo judicial”, em que a função expressa na norma poderia ser

substituída pela função que cada julgador entende menos gravosa ou mais vantajosa no

caso concreto.

Isso não significa, por outro lado, que tal poder deve adotar uma postura passiva

ou positivista diante das normas.

Concorda-se com a apuração da legitimidade da norma extrafiscal através de

uma análise de adequação entre meios e fins, o que foi objeto da seção 4.4.2, na qual foi

indicada a obrigatoriedade da norma ser apta para produzir os resultados almejados, o

que, sem dúvidas, pode ser realizado sem se conduzir a uma apreciação subjetivista do

julgador. Outrossim, a legitimidade deve ser apurada através da conformação do bem

jurídico protegido pela norma com os ditames da Constituição de 1988.

Entende-se que o critério da razoabilidade, entendido como o não arbítrio ou a

proibição do excesso é, ainda, elemento que deve ser apreciado na legitimação das

normas extrafiscais em relação ao princípio da igualdade.

Daí que se concorda com Godoi (2004, p. 251), o qual adverte sobre a

necessidade das medidas extrafiscais passarem pelo crivo da razoabilidade e adequação

a fim de não infringirem o princípio da igualdade:

Como as possibilidades de diferenciação nas cargas tributárias são maiores nesse campo, é preciso redobrada atenção para a necessária razoabilidade ou não arbitrariedade das diferenças de trato, buscando sua justificação em algum preceito ou valor constitucional e verificando a adequação da medida fiscal intervencionista para o êxito de sua finalidade (2004, p. 251, tradução nossa)109.

109 Como las posibilidades de diferenciación en las cargas tributarias son mayores en ese campo, es necesario redoblada atención para la necesaria razonabilidad o no-arbitrariedad de las diferencias de trato,

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Ainda que o Supremo Tribunal Federal fundamente os seus acórdãos no

princípio da razoabilidade (e não na proporcionalidade), razão assiste a Ávila de criticar

que, embora a Corte afirme que é necessário um fundamento para justificar a não

arbitrariedade, por vezes não há determinação de “quando um fundamento é suficiente e

como isso pode ser controlado” (ÁVILA, 2010, p. 350). Outrossim, muitas vezes é

notória a timidez do órgão ao acolher a tese do legislador negativo em situações nas

quais seria necessária a análise do mérito administrativo.

Analisando, porém, o acórdão proferido na ADIMC 1.276 (DJ 15.12.95) e ADI

1.276 (DJ 29.08.2002), verifica-se que o controle da razoabilidade pelo Supremo

Tribunal Federal foi realizado considerando-se a idoneidade do fim pretendido pela

norma extrafiscal, que justificaria a desigualdade de tratamento em relação aos demais

contribuintes. Na decisão foi analisada a constitucionalidade de dispositivo de lei do

Estado de São Paulo que criou incentivo fiscal (emissão de certificados que seriam

utilizados para pagamento de ICMS e IPVA) aos empregadores que possuíssem mais de

30% dos empregados com idade superior a 40 anos. Foi considerado razoável o critério

eleito para a concessão do benefício, que seria o incentivo ao emprego às pessoas de

meia idade e idosas, tendo em vista a dificuldade de inserção econômica no mercado de

trabalho, tentando amenizar a desigualdade social. Considerou o voto da ministra

relatora, Ellen Gracie, no julgamento da ADI, acompanhado à unanimidade pelos

demais ministros, que o incentivo não feriu o princípio da igualdade, sendo mantido em

relação ao IPVA (quanto ao ICMS, declararam a inconstitucionalidade do benefício, por

afrontar o art. 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição de 1988). Entende-se que, embora o

fim da norma possa ser utilizado na averiguação de sua não arbitrariedade, nele não se

esgota, devendo ser analisado, ainda, se os elementos do benefício (e agravamento, em

outros casos) não possuem também algum parâmetro arbitrário ou excessivo.

4.5 Algumas considerações sobre a vantagem do uso de técnicas indutoras

Não se pode afirmar que a utilização das normas extrafiscais é, em geral,

preferível à utilização das normas fiscais ou mesmo a outras medidas à disposição do

Poder Público como forma de atingir aos fins constitucionais. É intuitiva a necessidade buscando su justificación en algún precepto o valor constitucional y verificando la adecuación de la medida fiscal intervencionista para el logro de su finalidad.

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de recursos para o funcionamento do Estado e realização do interesse público, base do

Estado Fiscal. Por outro lado, o uso de subvenções públicas é forma de atuação estatal

que atenderá, muitas vezes, de forma também direta e objetiva, o fim almejado pelo ente

público.

Assim, a avaliação da conveniência e eficácia do manejo das normas extrafiscais

como forma de se atingirem os fins buscados pelo Estado deve ser realizada no caso

concreto, sem juízos sintéticos, a priori .

Musgrave, Richard e Musgrave, Peggy (1980) ao mencionarem o método de

análise de sua obra, indagam sobre o critério que seria aplicável para se optar, dentre as

diversas políticas públicas possíveis, pela melhor, em termos de eficiência:

A primeira questão indaga-se a respeito de como avaliar a qualidade das instituições e políticas fiscais, e de como melhorar o desempenho das mesmas. A resposta requer que estabeleçamos padrões “ótimos” de desempenho. Esse tipo de análise corresponde ao estudo, que no jargão profissional é apresentado como “Economia do bem-estar”, que investiga o comportamento eficiente das famílias e firmas no setor privado. Tal enfoque também é conhecido como ‘economia normativa’. Ao considerarmos a questão de como formular adequadamente as medidas fiscais tendo em vista os objetivos do setor público, devemos também analisar como tais objetivos são determinados. Isto transforma a aplicação da economia do bem-estar no setor público em uma tarefa mais difícil de que sua utilização no setor privado (1980, p. 4).

Algumas vantagens do uso do instrumento tributário indutor de comportamentos

foram arroladas por Schoueri (2005, p. 69): contribuição para a cidadania ativa, com a

participação da sociedade civil nos programas de governo, simplicidade da execução, o

que demandaria um menor controle estatal e atratividade aos contribuintes, no sentido

de ser menor a “burocracia” em consideração às subvenções diretas.

Mencionando a doutrina alemã, Schoueri ainda cita a vantagem da

economicidade aos cofres públicos, já que haveria o pagamento de apenas parte dos

custos necessários à implementação do bem jurídico protegido pela norma extrafiscal.

Isso porque efetivado o objetivo da norma, o prestígio do bem é realizado de forma

imediata. Adverte, contudo, que também deve ser considerado o fato de que a adesão

não será absoluta e que a norma extrafiscal não será capaz de resolver, por completo, a

situação que ensejou a sua edição.

Quanto a esse último ponto, Checa González (1983) afirma a vantagem

“orçamentária” do manejo das normas extrafiscais, ainda que haja diminuição dos

ingressos tributários:

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A diminuição de ingressos que tem lugar nos impostos com fins não fiscais costuma supor para a Fazenda Pública uma carga orçamentária per saldo menor que a que suporia o gasto destinado a alcançar essa mesma finalidade, pois, evidentemente, quando se utiliza o instrumento impositivo de acordo com sua tradicional finalidade de prévia obtenção de ingressos para posteriormente aplicá-los aos gastos públicos, gerar-se-á um maior custo, devido à necessidade existente de intercalar instâncias burocráticas encarregadas de arrecadar e depois controlar o destino dos fundos, que diretamente, se concedem isenções ou bonificações àquelas pessoas que tenham contribuído com sua atividade e meios econômicos à feliz consecução dos objetivos pretendidos pelos entes públicos, que deste modo se veem exonerados de grande parte da carga a que, em caso contrário, se veriam obrigados a assumir. (CHECA GONZALÉZ, 1983, p. 508, tradução nossa).110

O controle dos incentivos fiscais (não apenas aqueles advindos em razão de

normas extrafiscais) é fundamental para a verificação real da vantagem da concessão do

benefício. A Constituição de 1988, no art. 165, § 6º, exige que sejam identificados os

benefícios fiscais no projeto de lei orçamentária bem como seja acompanhado de

demonstrativo regionalizado do efeito sobre as receitas e despesas. O art. 150, § 6º da

Constituição de 1988 determina que a concessão de benefícios fiscais deverá ser

realizada através de lei específica do ente competente e que trate de forma exclusiva a

questão dos benefícios ou do tributo a que se refere. A Lei Complementar nº 101/2000,

em seu art. 14, determina que a renúncia fiscal decorrente de incentivo ou benefício de

natureza tributária deve ser acompanhada da estimativa de impacto orçamentário-

financeiro.

Alguns dos argumentos citados sobre as vantagens da adoção da extrafiscalidade

não se limitam aos incentivos fiscais. Também na utilização das normas extrafiscais de

agravamento verifica-se que, ao ser atingido, de forma imediata e positiva, o bem a que

a norma jurídica visa proteger, restará caracterizada a economicidade aos cofres

públicos e incentivada a cidadania ativa.

110 La disminución de ingresos que tiene lugar en los impuestos con fines no fiscales suele suponer para la Hacienda una carga presupuestaria per saldo menor que la que supondría el gasto destinado a lograr esa misma finalidad, y es que, evidentemente, cuando el instrumento impositivo se utiliza de acuerdo con su tradicional finalidad de previa obtención de ingresos para posteriormente aplicarlos a los gastos públicos, se generará un mayor coste, debido a la necesidad que existe de intercalar instancias burocráticas encargadas de recaudar y después de controlar el destino de los fondos, que si directamente se conceden exenciones o bonificaciones a aquellas personas que hayan contribuido con su actividad y sus medios económicos a la feliz consecución de los objetivos pretendidos por los entes públicos, que de este modo se ven exonerados de gran parte de la carga a la que, en caso contrario, se veían obligados a hacer frente.

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134

Becker (1972), ao tratar da extrafiscalidade, sinaliza uma nova era, vivenciada

através das “energias genéticas de uma nova civilização”. Pontua o autor que tal

mudança é necessária e poderá ser realizada através da “rebelião, nos moldes do

comunismo soviético ou da “revolução humanista cristã, que instaurará a democracia

social”, isso através de um direito positivo renovado. O direito tributário, com esse

aspecto de renovação, passaria a utilizar os tributos extrafiscais, in natura e in labore,

de forma que realize a “revolução social pelo impacto dos tributos” e “simultaneamente,

financie a tarefa de reconstrução social disciplinada pelos demais ramos do Direito

Positivo”.

O pensamento expresso por Becker embora pareça mais se referir à função fiscal

do tributo delineada na seção 3 desta investigação, na medida em que sobreleva os

aspectos de justiça social ao direito tributário (já um tanto contraditório com o caráter

positivista de sua obra genericamente considerada, preocupada especialmente com a

postura garantista do direito tributário), revela a possibilidade de uso do tributo

extrafiscal como forma de renovar o tradicionalismo do direito tributário em sua forma

fiscal. Em que pese o fato de as propostas da tributação in natura e in labore não

coadunarem com o conceito de tributo estabelecido pelo art. 3º do CTN, já vigente na

época da publicação da obra, o manejo das normas tributárias de forma indutora é

proposta que deve ser incentivada diante dos inúmeros benefícios que pode trazer como

forma de política pública.

A suposta reconstrução do Direito deveria ser alcançada, também, pela revisão

da própria fiscalidade, já que não se pode admitir que essa possua papel de

simplesmente arrecadar receitas para o Estado no atual paradigma do Estado

Democrático de Direito. Outrossim, o pensamento “renovador” do autor, que revela o

direito tributário como forma de alcance da democracia social, não obstante aponte

sérias e reais celeumas na atuação do Estado no ramo tributário, não percebe o tributo,

na sua face fiscal, como instrumento que atenda às nobres e necessárias funções estatis

de modo a realizar aos anseios sociais frustados pelo Estado Liberal.

Enfim, por todos esses motivos, a extrafiscalidade é uma opção útil e relevante

no manejo do sistema tributário, desde que realizada de forma a respeitar a natureza

jurídica própria que o instituto requer, bem como os aspectos que lhe conferem

legitimidade. Aos detentores da competência de implementação das políticas públicas e

ao legislador é oportunizado o seu manejo. Almeja-se que seja realizado de forma

transparente, efetiva e eficaz, adequando-se aos fundamentos do Estado Democrático de

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Direito. Dos aplicadores do Direito, espera-se a atenção devida para verificar tal

conformação e, em caso negativo, a atitude concreta de se afastar dos desvios e excessos

injustificados na aplicação do instituto.

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5 CONCLUSÕES

É necessária uma adequada distinção entre as normas fiscais e extrafiscais no

contexto da Constituição de 1988, inserida no atual paradigma de um Estado

Democrático de Direito.

A formulação dos conceitos de fiscalidade e extrafiscalidade no âmbito de

grande parcela da doutrina parte de um grave equívoco metodológico, que contraria

frontalmente os fundamentos da ordem constitucional democrática vigente. A doutrina

brasileira estudada nesta pesquisa considera, de forma unânime, a fiscalidade como o

uso do tributo com fins “meramente” arrecadatórios, raciocínio ligado à teoria do

“interesse tutelado” pelo direito tributário, que por sua vez, é baseado em concepções do

superado Estado Liberal. Disso decorre o “mito” do tributo como instrumento de

simples abastecimento dos cofres públicos. Por outro lado, a mesma doutrina conceitua

as normas extrafiscais através de um critério de contraposição, como o que está “fora”

da referida noção de fiscalidade. O próprio sentido etimológico do prefixo “extrafiscal”

induz o distorcido entendimento. É corrente integrar na função extrafiscal do tributo

qualquer medida que interfira no meio econômico e social, especialmente medidas de

justiça fiscal, como as que protegem o mínimo existencial, o que não é propriamente o

que caracteriza as normas extrafiscais.

Desse equívoco metodológico e conceitual decorre a afirmação de que todo e

qualquer tributo terá, ao mesmo tempo, uma face fiscal e outra extrafiscal. Nesse ponto,

a problematização se ramifica para o questionamento da necessidade da efetiva

distinção entre normas fiscais e extrafiscais. Partilha-se o entendimento de que, muitas

vezes, uma mesma exação terá a função fiscal e extrafiscal, mas não se pode

universalizar a afirmação quando se aplicam os conceitos adequados dos institutos em

questão, que serão citados ao final desta conclusão.

A distinção entre a fiscalidade e a extrafiscalidade é melhor compreendida

quando se adota o critério da função da norma tributária, baseado na eficácia da norma

para produzir resultados, em enfoque pragmático. A função fiscal compreende o

conteúdo arrecadatório (na forma em que é delineado na seção 3) e a distribuição justa

da carga tributária no meio social. A função extrafiscal é compreendida pela indução de

comportamentos de forma a influir em algum bem ou direito tutelado pela Constituição.

Já a função simplificadora, pode estar presente tanto na fiscalidade quanto na

extrafiscalidade.

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A revisão dos conceitos da fiscalidade e extrafiscalidade é medida necessária

quando se identificam as tarefas do Estado contemporâneo o que, consequentemente,

reflete diretamente no papel do sistema tributário e do tributo, instrumentos essenciais

no exercício das funções estatais.

Atualmente, o Estado tem o papel de promover o bem-estar, as condições

objetivas de desenvolvimento da liberdade e personalidade individuais e o poder de

autodeterminação democrática da sociedade; tem o papel de intervir na economia, de

buscar a redução das desigualdades entre os indivíduos através da redistribuição de

rendas e de promover a justiça social, nos moldes da teoria liberal, tal como exposta por

Menéndez (2001). A figura neutra do Estado há muito foi afastada.

A Constituição de 1988 apresenta notável distinção estrutural e normativa em

relação às anteriores, sendo nela inseridas diversas normas principiológicas e

programáticas de cunho social, visando a amenizar a influência liberal dominante nos

séculos XIX e XX e a implementar a necessária intervenção do Estado na economia, o

que não exclui as conquistas advindas das épocas referidas, no tocante à positivação dos

valores da liberdade. Contudo, ao ser prestigiado o Estado Social, restou claro que a

tutela das liberdades é qualificada pela busca da concretização da igualdade, da justiça

social. O desenvolvimento deve ser buscado de forma sustentável, através da

intervenção do Estado em uma economia capitalista. A liberdade e a solidariedade se

tensionam dialeticamente, de forma complementar, o que se extrai, por exemplo, dos

diversos princípios da ordem econômica esparsos na Constituição de 1988. O art. 170 é

o exemplo mais claro, ao determinar que “a ordem econômica tem por fim assegurar a

todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

Como Constituição dirigente, caracterizada pela preocupação de se descreverem

as premissas básicas, políticas, e não apenas as ligadas à separação e à organização de

poderes regentes do Estado e da sociedade, foram traçados em seu texto metas concretas

e objetivos sociais a serem alcançados pelo Estado, sob a forma de normas-princípios.

Os valores, acrescidos de conteúdo normativo deontológico, são ideias centrais da

Constituição de 1988, vinculando o legislador futuro e o comportamento do Estado e da

sociedade àquelas premissas eleitas pelo poder constituinte, independente do momento

político e histórico que vier a se formar.

Há que se irradiarem os comandos positivados na Constituição de 1988 para

todas as fontes de atuação do Estado, e no que concerne ao presente estudo, ao sistema

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tributário, que deve implementar o que foi estatuído como alicerces da República

Federativa do Brasil.

Como instrumento preferencial à disposição do Estado para que esse possa

atingir os pretendidos objetivos das constituições contemporâneas, ao sistema tributário

incumbe, através de suas receitas, financiar as despesas do Estado e o fornecimento dos

serviços públicos básicos, mas não apenas isso. É também forma de se universalizar

serviços como os da saúde e da educação em todos os níveis, proporcionar segurança

efetiva e a adequada e justa distribuição da carga tributária no seio da comunidade.

Enfim, cabe ao sistema tributário atuar na implementação das diretrizes constitucionais,

especialmente as que dizem respeito aos direitos fundamentais.

Certamente o papel que é reservado ao sistema tributário na Constituição de

1988 deve observar a realidade econômica e social do país e buscar atingir a igualdade

material e equitativa de oportunidades. Não se pode admitir (como ocorria no antigo

Estado Liberal) que lhe seja reservado apenas a função limitada e objetiva de prover os

gastos burocráticos de Estado e os bens públicos básicos à população (segurança,

judiciário, proteção externa e, no máximo, educação básica). Essa postura jamais levaria

a uma sociedade justa, solidária, permeada pela igualdade no sentido material, conforme

previsto no art. 3º (BRASIL, 1988) do texto constitucional.

O vínculo jurídico da relação obrigacional tributária no paradigma do Estado

Democrático de Direito deve ser caracterizado como um “dever fundamental”. Esse não

corresponde à simples obrigação negativa de respeitar algum direito, mas à ideia de que

cada direito garantido ao cidadão possui, necessariamente, um custo para a sua

implementação, custo esse que será financiado, no Estado Tributário, pelas receitas

advindas dos tributos. A solidariedade social é vista como fundamento do dever de

pagar tributos. A “cidadania fiscal” significa que todos devem suportar os custos do

Estado na medida de sua capacidade contributiva.

O capítulo do sistema tributário na Constituição de 1988, embora de forma

tímida, prevê algumas diretrizes específicas relacionadas à justiça fiscal: o princípio da

igualdade e o da capacidade contributiva têm caráter deontológico ao serem positivados

nos artigos 145, § 1º e art. 150, II (BRASIL, 1988), esse último na forma de limitação

ao poder de tributar.

Nesse sentido, há que se inserir na instituição e aplicação do sistema tributário o

manejo do princípio da capacidade contributiva, inclusive através da progressividade, o

que certamente levará a uma melhor e mais justa distribuição da carga tributária. Na

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atual ordem capitalista mundial e especialmente em um país socialmente deficitário

como o Brasil, este é um instrumento fundamental para se alcançar a vida digna para

todos, o que, frise-se, é fundamento expresso na Constituição de 1988.

Nesse contexto, que afasta por completo as premissas em geral utilizadas pela

doutrina para definir a fiscalidade, pode-se concluir pelo seu conceito.

A fiscalidade é a função do tributo que compreende vários aspectos. A princípio,

refere-se à arrecadação, mas não uma arrecadação autorreferente ou com um fim em si

mesma. No conceito deve ser compreendido que a arrecadação não é meio para

“alimentar a máquina estatal” e sim, um instrumento essencial para realizar e tornar

efetivos os direitos individuais e sociais que uma Constituição dirigente impõe ao

Estado implementar. Envolve, ainda, obrigatoriamente, a função distributiva, no sentido

de distribuir de forma justa a carga tributária na sociedade, para tanto sendo de

aplicação necessária o princípio da capacidade contributiva e técnicas como a da

progressividade. Diz-se aplicação necessária do princípio da capacidade contributiva e

não obrigatória, já que há casos em que as normas terão função fiscal sem que se

verifique fundamento no princípio elencado. Exemplo de tal situação é a isenção do

IRPF aos portadores de doenças graves e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos

Automotores (IPVA) aos portadores de deficiência física.

Em nosso ordenamento jurídico, a arrecadação de dinheiro é meio para cumprir

os fundamentos e objetivos da República, previstos no art. 1º e 3º da Constituição de

1988: implementar uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a

marginalidade, garantir a dignidade da pessoa humana, reduzir as desigualdades sociais

e regionais, prestigiar o valor social do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo

político, dentre outros desidérios estampados em outras partes do texto constitucional. A

interpretação sistêmica e o princípio da unidade da Constituição conjugam,

necessariamente, o sistema tributário com todos os princípios e valores prestigiados pela

Constituição.

Quanto à extrafiscalidade, o estudo considera a sua natureza jurídico-tributária.

É expressiva a doutrina que elabora a natureza jurídica de tais normas como afetas ao

direito econômico, ou mesmo à economia, o que evidencia o apego à ideologia do

interesse tutelado, já insuficiente para fundamentar a tributação no contexto da nossa

realidade constitucional. Frise-se novamente que o tributo não tem por único fim a

arrecadação, o que ficou claro no próprio conceito da fiscalidade. Obviamente,

conforme o objeto da tributação extrafiscal interferir, de forma específica, nas relações

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econômicas stricto sensu, as regras da disciplina atuarão de forma acidental na

interpretação e aplicação dos institutos. Deve-se frisar que a extrafiscalidade pode atuar,

também, nos campos social, cultural, desportivo e educacional, sem que o fator

econômico (no sentido de regulação do mercado) seja relevante. Assim, além do

tratamento tributário, conforme o objeto da norma, serão aplicados, acidentalmente, os

princípios e regras de outras disciplinas.

A extrafiscalidade pode ser definida como uma função da norma tributária eleita

pelo detentor da competência tributária, como alternativa ao uso do tributo em sua

função fiscal. A aptidão para influenciar o comportamento do contribuinte é a essência

da norma extrafiscal (e a base do critério funcional, eleito como critério diferenciador

entre as normas fiscais e extrafiscais), devendo ser capaz de produzir efeitos indutores

de comportamento. A conduta desejada deverá influir, positivamente, para o alcance da

proteção ao bem jurídico prestigiado pela norma como, por exemplo, o mercado, o meio

ambiente, o consumo, o estimulo à produção nacional, à pesquisa. A extrafiscalidade se

caracteriza, outrossim, por não se prestar a punir a ilicitude. As condutas permitidas

devem ser lícitas no ordenamento positivo.

O direito financeiro não pode ser desprezado quando se trata das normas

extrafiscais. Contudo, não é a relação receita/despesa que define a natureza da norma

extrafiscal, pois a sua essência é a de privilegiar um bem constitucionalmente protegido

através da indução positiva ou negativa de comportamentos. O produto arrecadado, se

houver, por óbvio, será utilizado para concretizar as funções do Estado e os desígnios

constitucionais, mas no exercício da função fiscal. Assim, é equivocada a doutrina que

pretende legitimar o uso das normas extrafiscais pela afetação da receita do tributo.

Deve-se frisar que a extrafiscalidade também se presta à promoção da justiça,

pois sempre deverá almejar o alcance de um fim legítimo, prestigiado pelo ordenamento

jurídico. A justiça tributária não pode ter por conteúdo exclusivo a capacidade

contributiva diante da variedade de fins previstos na Constituição, o que possibilita ao

tributo se prestar a funções diversas, inclusive extrafiscais.

Importante questão sobre a distinção entre as normas fiscais e extrafiscais, e que

destaca a sua relevância, se relaciona aos limites constitucionais ao poder de tributar. A

Constituição de 1988 já flexibiliza o princípio da legalidade e da anterioridade em se

tratando de determinados tributos extrafiscais. Contudo, entende-se que o princípio da

legalidade, do não confisco e da capacidade contributiva podem ser mitigados ou

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mesmo afastados (considerando o último princípio) a fim de que as normas extrafiscais

possam produzir os resultados almejados pelo legislador.

No que concerne à legitimidade, entende-se que essa é atingida pela correição

dos fins buscados pela norma extrafiscal e sua conformidade com o ordenamento

jurídico, pela aptidão para induzir comportamentos e produzir resultados quanto ao

bem jurídico prestigiado e pelo controle de razoabilidade relacionado ao princípio da

igualdade.

Apesar dos riscos apontados especialmente pela doutrina espanhola sobre os

excessos no manejo do tributo extrafiscal, que poderia retirar o elemento de justiça do

ordenamento, há que se ponderar o seguinte: as normas extrafiscais, como instrumentos

de política pública, devem ser analisadas e fiscalizadas pelos detentores da competência

material, sendo certo que, não correspondendo aos fins objetivados no seu manejo,

devem ser revistas de forma a não justificar tratamentos arbitrários. Outrossim, não

podem os benefícios fiscais serem encarados como contrários ao interesse público e à

justiça fiscal, já que a capacidade contributiva não é o único fundamento do tributo nem

da justiça do sistema tributário, podendo outros fins justificarem plenamente a presença

ou não do princípio na exação.

Embora não se possa afirmar que a utilização das normas extrafiscais é, em geral

e a priori , preferível à utilização das normas fiscais ou mesmo de outras medidas à

disposição do Poder Público como forma de atingir os fins constitucionais (como as

subvenções, por exemplo), podem-se citar alguns aspectos vantajosos na sua utilização.

A adoção de normas indutoras contribui para a cidadania ativa, ao incentivar a

participação da sociedade civil nos programas de governo. Verifica-se a simplicidade da

execução das referidas normas ao demandar um menor controle estatal. É também

constatada a atratividade aos contribuintes, no sentido de ser menor a “burocracia” em

consideração às subvenções diretas. Por fim, a utilização das normas extrafiscais traria

economia aos cofres públicos, por haver o custeio de apenas parte dos gastos

necessários à implementação do bem jurídico protegido pela norma extrafiscal; isso ao

considerar-se que, efetivado o objetivo da norma, o prestígio do bem é realizado de

forma imediata.

Após essas considerações e a clarificação dos conceitos da fiscalidade e da

extrafiscalidade, considera-se que o trabalho atingiu o fim proposto ao apontar os

amplos e possíveis papéis do sistema tributário no Estado Democrático de Direito,

buscando desmistificar a visão do tributo como instrumento puro e simples de

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arrecadação, bem como analisando o uso da tributação através da indução de

comportamentos. Ao problematizar as funções fiscal e extrafiscal do tributo deseja-se

que o estudo contribua para a discussão jurídica do direito tributário no atual paradigma

de Estado e de acordo com a Constituição de 1988 e para uma visão sociopolítica do

sistema tributário.

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