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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Marcus Vinicius Fraga O Canadá na rota das migrações internacionais: brasileiros em Quebec MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Marcus Vinicius Fraga

O Canadá na rota das migrações internacionais:

brasileiros em Quebec

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO

2013

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Marcus Vinicius Fraga

O Canadá na rota das migrações internacionais:

brasileiros em Quebec

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo como exigência

parcial para obtenção do título de MESTRE

em Ciências Sociais (área de concentração:

sociologia) sob orientação da Profa. Dra.

Lucia Maria Machado Bógus.

SÃO PAULO

2013

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Banca Examinadora

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DEDICATÓRIA

A José Coriolano Fraga, meu pai,

primeiro migrante que conheci e minha principal fonte de inspiração, aonde estiver.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à professora Lucia Maria

Machado Bógus, orientadora dessa dissertação, pelo sempre providente apoio e dedicação

para o bom andamento da pesquisa. Depois, a Helena de Barros Garcia, companheira de vida

que com carinho e compreensão sempre esteve ao meu lado para este trabalho ser concluído

com êxito.

Agradeço também ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq) pelo financiamento desta pesquisa. Agradeço também à Empresa Brasil

de Comunicação (EBC) por me conceder licença para o desenvolvimento do trabalho de

campo no Canadá.

Quero também agradecer aos professores Philip Oxhorn e Rosana

Baeninger pelo suporte teórico e pela sempre providencial ajuda na correção de rumos.

Agradeço também a minha irmã, Ana Maria Fraga, pelo sempre prestativo trabalho gratuito

de revisão de texto ao longo da minha carreira. Por fim, agradeço aos amigos de PUC/SP e

Unicamp pelas sempre construtivas trocas de conhecimentos e experiências acadêmicas.

 

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Marcus Vinicius Fraga

O Canadá na rota das migrações internacionais:

brasileiros em Quebec

Resumo

Esta dissertação apresenta o fluxo migratório de brasileiros para Quebec. Através do estudo

da política de imigração de Quebec no contexto do modelo canadense de federalismo

assimétrico, buscamos entender o que deu ensejo à política de imigração da província franco-

canadense. Objetivamos, com isso, ter o respaldo teórico necessário para compreender os

motivos que levam brasileiros de classe média a serem atraídos para Quebec. Após a

aplicação de questionários socioeconômicos e de entrevistas qualitativas, acreditamos que

razões sociais – a precária oferta de serviços públicos, a violência urbana, e a descrença da

população no sistema político nacional – são fomentadores desse fluxo.

Palavras-chave: migrações internacionais, federalismo canadense, política de imigração,

Quebec, classe média.

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Marcus Vinicius Fraga

O Canadá na rota das migrações internacionais:

brasileiros em Quebec

Abstract

This work presents the migration of Brazilians to Quebec. By studying the immigration in

Quebec under the context of Canadian asymmetrical federalism, we seek to understand what

gave rise to the immigration policy of the French-Canadian province. We aim to have the

theoretical support needed to understand the reasons why middle-class Brazilians are attracted

to Quebec. After applying socioeconomical questionnaires and qualitative interviews, we

believe that social reasons – a poor quality of public services, urban violence, and doughts

about the Brazilian political system – have developed this flow.

Keywords: international migrations, Canadian federalism, immigration policy, Quebec,

middle class.

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1

Porcentagem de residentes permanentes entrando a cada ano no Canadá inteiro por língua

falada........................................................................................................................................ 28

TABELA 2

Porcentagem de residentes permanentes entrando a cada ano em Quebec por língua

falada.........................................................................................................................................29

TABELA 3

Número de brasileiros imigrantes no Canadá...........................................................................29

TABELA 4

Número de brasileiros imigrantes em Quebec..........................................................................30

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1

População nascida no exterior em proporção da população total, países G8 e Austrália

...................................................................................................................................................18

FIGURA 2

Região de nascimento dos imigrantes, de acordo com o período da imigração ......................26

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................1

CAPÍTULO 1 – MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS PARA O CANADÁ: O CASO DE

QUEBEC...................................................................................................................................10

CAPÍTULO 2 – FEDERALISMO CANADENSE...................................................................37

CAPÍTULO 3 – BRASILEIROS EM QUEBEC......................................................................59

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................................98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................105

ANEXO A

QUESTIONÁRIO SÓCIO-ECONÔMICO SOBRE IMIGRAÇÃO PARA QUEBEC..............I

ANEXO B

QUESTIONÁRIO OBSERVATÓRIO DAS MIGRAÇÕES EM SÃO PAULO.....................IV

ANEXO C

AUDIO COMPLETO DAS ENTREVISTAS QUALITATIVAS...........................................IX

ANEXO D

ROTEIRO DE PERGUNTAS FEITAS COM GRAVADOR...................................................X

ANEXO E

DECUPAGEM DAS ENTREVISTAS QUALITATIVAS...................................................XIII

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INTRODUÇÃO

O foco desta pesquisa é buscar compreender por que na primeira década

do século XXI, momento em que o Brasil apresenta crescimento econômico, pleno emprego,

redistribuição de renda, e surgimento de uma classe média emergente, há uma contínua e

crescente imigração brasileira para Quebec. O que esses brasileiros estão procurando?

Podemos falar de um "custo social" alto no Brasil? As garantias sociais oferecidas pelo

Estado brasileiro estão corrompidas (OLIVEIRA, 2003)? O Brasil é uma zona de expulsão

por conta de uma má qualidade dos serviços públicos (saúde, educação, segurança pública,

habitação e transporte), combinada com uma desilusão em relação ao nosso sistema político

(permeado por escândalos de corrupção e constituído por partidos aparentemente sem

identidade ideológica, e apenas interessados em ter o poder em suas mãos para desfrutar dos

benefícios que ele traz)? Que desilusão é essa que alguns brasileiros têm e procuram escapar

imigrando para Quebec? O Estado brasileiro oferece uma perspectiva de qualidade de vida e

segurança? O contrato social brasileiro está danificado? Essas questões são o norte

motivacional da pesquisa.

Fazendo um estudo de sociologia política comparada, analisamos

Quebec/Canadá como um modelo de sociedade com qualidade dos serviços públicos e

garantias sociais que está atraindo um contingente de classe média brasileira desiludida com o

modelo político/social brasileiro. Buscamos entender o fundamento do sistema político e

social que corrompe nossa cidadania. A escolha de entender o fluxo migratório de brasileiros

para Quebec justifica-se pelo fato da província canadense historicamente não ter grandes

laços com o Brasil do ponto de vista político ou econômico. Entretanto, a partir dos anos

1990, a província franco-canadense passa a ter autonomia para normatizar e fazer a seleção

dos imigrantes. E cabe ao governo central canadense apenas o papel de carimbar o visto de

residente permanente no passaporte daqueles escolhidos por Quebec.

Percebemos que o perfil de imigrantes brasileiros desembarcando em

Quebec é o de uma classe média desiludida com o contrato social nacional. Essas pessoas são

atraídas pela promessa de viverem em um lugar onde o poder público de fato oferece

garantias de uma vida mais segura, com oferta de transporte público eficaz, serviços de saúde1

e educação públicos e de qualidade, além de moradias melhor estruturadas – contrastando

com o crônico déficit habitacional brasileiro, com a ainda persistente existência de moradias

                                                                                                               1  Ao   longo  da  pesquisa,  muitos  brasileiros  em  Quebec  são  críticos  à  qualidade  dos   serviços  de   saúde  da  província.   Aparentemente,   eles   não   são   da   mesma   qualidade   a   que   esses   brasileiros   de   classe   média  estavam  acostumados  a  desfrutar  com  os  serviços  privados  no  Brasil.  

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não adequadas, e recentemente ao boom dos preço do metro quadrado que estrangula ainda

mais a classe média.

Fazendo a leitura de textos sobre urbanização e migrações escritos no final

da década de 1960 e início de 1970 (PEREIRA, 1969; SINGER, 1973), percebemos de que

forma o modelo de desenvolvimento econômico adotado no país causou impactos na nossa

estrutura de organização social e urbana. Dessa forma, achamos importante retomar esses

estudos para trabalhar novamente conceitos como urbanização socio-pática com o intuito de

apontar que o pacto social estabelecido no Brasil não se realiza plenamente e está danificado,

causando em alguns de seus cidadãos o sentimento de desintegração e não pertença.

O termo urbanização socio-pática foi cunhado pelo professor de

sociologia da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Pereira, assistente do professor

Florestan Fernandes na disciplina Sociologia I, e que morreu em 1985. Entendemos que há

um paralelo entre o contrato social brasileiro e o fluxo de brasileiros para Quebec. A leitura

de textos de vários autores no livro organizado por Luiz Pereira (1969) aponta para a

necessidade de olharmos a urbanização, demografia, geopolítica, e economia política

internacional como assuntos correlacionados aos fluxos migratórios.

A América Latina passou por um rápido processo de urbanização

acompanhado por um intenso crescimento demográfico ao longo do século XX. Para ter-se

uma ideia, no início do século passado, o continente possuía apenas 4,1% da população

mundial. Após 50 anos, esse número era de 6,5%. Enquanto neste período a população

mundial cresceu 61,1%, na América Latina esse crescimento era de 158,8% (CEPAL, 1969a).

A rápida urbanização observada no continente latino-americano e no

Brasil trouxe a modernização de determinados setores da população em alguns grandes

centros urbanos ao mesmo tempo que o atraso perdura em outros lugares. Os efeitos desse

processo foram dois: criou uma população urbana modernizada que demanda uma maior

oferta do setor produtivo e de serviços e relega uma grande proporção da população latino-

americana à margem do mercado global.

Em resumo, muitas das economias latino-americanas parecem ter-se enfrentado não só com a exigência normal de se industrializarem como parte de um processo regular de desenvolvimento, mas também como a acentuação dessa exigência em consequência de fenômenos particularmente rápidos de urbanização, de crescimento demográfico geral e de prematuros declínios do setor externo em relação com as necessidades do processo global de desenvolvimento. Não se trata de características que tenham ocorrido por igual em cada um dos países da região (CEPAL, 1969a, p. 45).

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O forte crescimento demográfico urbano trouxe a necessidade de se

investir uma porção apreciável dos recursos para atender às necessidades básicas da

população em saúde, educação, transporte, segurança pública, saneamento e habitação. Não

observamos essa demanda sendo adequadamente atendida.

(...) urbanismo significa a satisfação de necessidades “materiais” e “não-materiais” diversas em conteúdo e quantidade das inerentes aos estilos de vida pré-urbanos, de tal modo que, embora não-redutível a um quantum maior de consumo, o urbanismo o exige ao implicar basicamente um padrão mais elevado de consumo de bens e serviços (PEREIRA, 1969, p. 62).

Dentre essas necessidades, estão um padrão de condições de trabalho

regulamentado, a oferta de bens de consumo material e as “facilidades” dos serviços públicos

concentrados em um dado espaço (a cidade). Se comparado ao estilo de vida das zonas rurais,

a urbanização altera a estrutura das necessidades das populações, gerando um grande mercado

consumidor potencial que pressiona o sistema nacional de produção de bens e serviços. As

populações urbanas almejam um estilo de vida capitalista inspiradas pelos modelos de

desenvolvimento internacionais, o que pressiona o Estado a implantar políticas visando

satisfazer as demandas criadas. Dessa forma, enxergamos um descompasso entre o que é

exigido pela sociedade e ofertado pelo Estado para consumo (pensando em bens, produtos e

serviços – inclusive os públicos) na urbanização brasileira.

(…) a intensidade diferencial do contraste entre o padrão de vida almejado e os meios locais disponíveis para sua realização manifesta-se num grande “protesto mudo” contra as condições devidas de regiões ou áreas onde é menor a vitalidade do desenvolvimento da produção capitalista. Consiste esse “protesto” nas volumosas correntes migratórias das zonas rurais para as cidades e de umas regiões e estados para outros: afluem elas para setores socio-geográficos onde maior é a vitalidade da produção capitalista e nos quais mais se efetivam o modo de vida urbano e as possibilidades de sua concretização numa formação econômico-social capitalista em desenvolvimento bastante desequilibrado internamente; ou seja, afluem para áreas com mercado de trabalho em expansão e com maior concentração da renda, inclusive da renda-salário (PEREIRA, 1969, p. 64-65).

Podemos dizer, então, que a opção por emigrar ocorre por fatores de

repulsão encontrados em determinados lugares (falta de oferta de serviços públicos de

qualidade). Mas, ela também ocorre por fatores de atração de outros lugares (oferta de

emprego formal e bons salários, por exemplo). Por isso, entender um fluxo migratório é

semelhante a fazer a leitura de um termômetro sociológico, pois ele é indicador da situação

social, política e econômica de determinada sociedade. O primeiro passo dado em um estudo

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que pretende entender um fluxo é buscar compreender os limites históricos que dão sentido a

esse movimento de pessoas.

A emigração realiza-se, então, como mecanismo e como momento do processo em que esses contingentes inconformistas com o status quo local buscam diminuir a diferença entre suas necessidades e os meios de satisfação destas: nessa particular configuração de tal processo, sobre esses contingentes humanos operam convergentemente a atração da cidade ou de áreas mais “progressistas” e a repulsão do campo ou de áreas “sufocadas”, ao que corresponde, na consciência dos agentes envolvidos no processo migratório, respectivamente o momento de negação do status quo local de origem e o de afirmação do setor socio-geográfico com maior vitalidade capitalista para onde emigram (PEREIRA, 1969, p. 71).

Surge, assim, uma nova necessidade de consumo no capitalismo através da

urbanização, vontades até então típicas de pequenos contingentes populacionais presentes

apenas nas cidades. Com a persistência desse sufocamento de oferta de possibilidades de

consumo exigidas, as pressões são transferidas com maior intensidade para os maiores

aglomerados citadinos. Essa transferência acaba por gerar uma acumulação das tensões

sociais. “Completa-se, com isso, o círculo entre 'vitalização' das necessidades de consumo e

'sufocamento' da produção, configurando-se o processo por alguns autores denominado

urbanização socio-pática” (PEREIRA, 1969, p. 72, grifos nosso). Como consequência, o

desemprego e o subemprego se tornam parte integrante, expressão estrutural desse modo de

urbanização típica dos países latino-americanos.

A urbanização socio-pática caracteriza, pois, o estado disnômico (desequilíbrio) do sistema nacional de produção-distribuição-consumo (efetivo mais potencial) em sua etapa contemporânea, apresentando-se de uma parte como resultante desse estado disnômico: enquanto urbanização tout court e atuando convergentemente com o aumento demográfico, promove a aspiração de um padrão de vida “material” e “não-material” não atendido pelos setores sócio-geográficos capitalistas “sufocados” e, em conexão, estimula a concentração populacional “desmesurada”, nos setores sócio-geográficos capitalistas mais “dinâmicos”, sobretudo nas áreas citadinas industrializada. (...) o caráter sócio-pático da urbanização advém da inadequação dos meios fornecidos pelo estado do sistema de produção de bens e serviços à afirmação pelos agentes de trabalho de um maior valor de sua força de trabalho (PEIREIRA, 1969, p. 74, grifos do autor).

As novas necessidades criadas pela urbanização são de aspectos

econômicos, políticos, materiais e sociais. Ela traz um novo dimensionamento psicossocial.

Para tentarmos entender por que a urbanização latino-americana se caracteriza como socio-

pática, alguns dados se fazem necessários: em apenas 15 anos, a América Latina passou a ser

um continente de maioria populacional urbana. Em 1950, 39% das pessoas estavam nas

cidades; já em 1975, esse número salta para 54% (CEPAL, 1969b). Essa rápida urbanização

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não veio sem custos e com problemas e coordenação de interesses coletivos. Assim,

sociedade do puxadinho, sociedade do improviso, sociedade da emergência, todos são termos

que descrevem o que identificamos como característica da sociopatia brasileira – desrespeito

ou desprezo a normas sociais, direitos e sentimentos dos outros. Essas conotações possuem

relação com escolhas de modelos de desenvolvimento que o país vem seguindo. No Brasil, o

bem-estar coletivo ainda não ganhou a preocupação central do Estado para oferecer um

padrão mais equânime de tratamento do indivíduo no espaço coletivo.

Além dessas questões do lado de cá, vale a pena pensarmos sobre o lado

de lá. O Canadá é o primeiro país do mundo a adotar o multiculturalismo como uma política

de Estado, em 1971 (CAMERON, 2004). Ao longo de sua história, o país prospera baseado

na diversidade e em uma coexistência pacífica. Esta diversidade é o produto de decisões

racionais tomadas por seus habitantes, os quais, em sua maioria, têm a imigração e a

diversidade de etnias como um orgulho nacional.

Na história canadense, a imigração está associada à construção de uma

nação, especificamente no desenvolvimento de uma economia robusta em um vasto território.

E este ímpeto por desenvolver o país trouxe um modelo de imigração de larga escala ao longo

do século XX. A intenção de atrair um grande contingente populacional baseava-se na

necessidade de construção de um mercado interno forte que pudesse absorver a produção

industrial canadense (CAMERON, 2004).

Hoje, com a aceleração das trocas e a ampliação dos comércios

ultramarinos, não existe mais a necessidade de se criar um grande mercado interno. E isso

produz uma alteração também na política de imigração canadense, atualmente mais focada na

atração de imigrantes qualificados e para funções que são carentes de mão de obra no país.

Por outro lado, os requisitos do mercado de trabalho têm se mostrado cada vez mais

complexos e isso aumenta os custos e problemas para a integração deste imigrante. “(...) a

contínua dificuldade dos imigrantes terem o reconhecimento de suas habilidades adquiridas

no exterior sugere que, sem estratégias robustas de integração e redução de barreiras, o

programa de imigração continuará a enfrentar dificuldades” (BILES et al., 2008a, p. 8,

tradução nossa)2. Há um consenso nos pesquisadores canadenses de que hoje em dia o poder

de comunicação nas línguas oficiais do país é uma lacuna que o imigrante precisa superar

para conseguir se integrar ao mercado de trabalho: somente com os conhecimentos

                                                                                                               2 “(...) the immigrants' continuing difficulties getting their foreign skills, education, and credentials recognized suggest that without robust complementary integration strategies and strategies to reduce barriers, the immigration program will continue to struggle” (BILES; BURSTEIN; FRIDERES, 2008a, p. 8).

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linguísticos é que um imigrante altamente qualificado conseguirá traduzir para o seu dia a dia

os conhecimentos que já possui em sua língua materna (BILES et al., 2008b).

A globalização, os tratados de livre comércio (NAFTA) e a competição

internacional são fatores que trazem dificuldades para atrair um imigrante qualificado. É por

isso que o Canadá propagandeia que o país possui uma infraestrutura física – boas estradas,

aeroportos, ferrovias, etc –, intelectual – escolas públicas de qualidade e universidades

internacionalmente reconhecidas – e um sistema de saúde modelo, além de paz e tolerância

social. A diversidade étnica e cultural é tida no Canadá como um instrumento para se criar um

círculo virtuoso sustentado na imigração de trabalhadores qualificados e em uma rede de

suporte social destes. Tal rede baseia-se na oferta de escolas, hospitais, e empregos ao

imigrante. No Canadá, entidades civis do terceiro setor e os governos (federal, provinciais e

municipais) trabalham para criar um ambiente atrativo.

Entretanto, um desafio que se enfrenta no país é quanto à taxa de retorno

de imigrantes permanentes. Mais de 1/3 dos homens imigrantes em idade de trabalho deixam

o país em até 20 anos após a chegada. Outro dado que chama a atenção é que

aproximadamente 60% dos que deixam o país o fazem ainda no primeiro ano após a entrada.

Por um lado, pode-se deduzir que a existência dessa taxa de retorno representaria que o

mercado de trabalho no Canadá não está oferecendo os ganhos que estes imigrantes gostariam

de receber. Por outro, as questões de ordem cultural e sentimental tornam a situação tão

complexa que não há como ter uma clareza analítica a respeito dos fatores motivadores deste

retorno (SWEETMAN; WARMAN, 2008).

Do ponto de vista econômico, a imigração contribui para elevar o Produto

Interno Bruto (PIB) do Canadá. Mas, isso não significa que se eleve o PIB per capita. As

pesquisas econômicas conduzidas sobre o tópico da imigração divergem sobre se o impacto

da política imigratória é positivo ou negativo. Mas, todas chegam à conclusão de que mesmo

que o impacto seja positivo ele tem sido pequeno. A quantidade de imigrantes que entram por

ano no Canadá é muito pequena para gerar consequências deletérias na estabilidade do

modelo político e econômico adotado pelo país (SWEETMAN; WARMAN, 2008).

Dessa forma, essa dissertação apresenta a caracterização do fluxo de

brasileiros imigrando via política de imigração para a província franco-canadense de Quebec.

Objetivamos mostrar que existe uma insatisfação latente de determinados setores da

sociedade brasileira que se expressa através da saída de pessoas do país em um momento de

crescimento econômico, amplo emprego e redistribuição de renda. Almejamos apontar limites

do modelo de desenvolvimento econômico brasileiro dos últimos anos – que nem tudo vai tão

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bem assim. A partir da análise do fluxo migratório de brasileiros para Quebec, mostramos em

que medida as fronteiras e as políticas de ingresso podem gerar externalidades econômicas,

políticas e sociais.

Ao longo dessa dissertação, pretendemos demonstrar que a mais

tradicional teoria das migrações, a teoria neoclássica dos estudos migratórios, não é

suficiente para mapear todos os fluxos de pessoas pelo mundo hoje em dia. “As vantagens

salariais comparativas apenas potencializam a mobilidade da força de trabalho” (MARTES,

1999, p, 37), mas não são determinantes da existência de um fluxo migratório. Concordamos

com a autora que as vantagens de renda são atrativas, mas no atual contexto de era pós-

moderna3 elas não são necessariamente fatores motivacional decisivos para a mudança de

determinadas pessoas.

Propomos que fatores sociais devam ser levados em conta também, pois,

sobretudo, são eles que conseguem explicar a existência de brasileiros atraídos pela política

de imigração de Quebec. Martes (1999) mapeia o fluxo de brasileiros para uma determinada

região dos Estados Unidos (Massachusetts). Entendemos que o referencial teórico utilizado

para identificar os fatores motivacionais deste fluxo é apropriado, mas que se a mesma

metodologia fosse utilizada para observar as características da imigração de brasileiros para

Quebec não chegaríamos a uma resposta adequada. Uma explicação sob o olhar da teoria

neoclássica diria que o fluxo de brasileiros para Quebec é decorrente de melhores salários

encontrados na província. Entretanto, não é isso que observamos nos brasileiros que

entrevistamos.

Diferentemente do fluxo analisado por Martes (1999), não há um projeto

familiar envolvido na chegada dos brasileiros que entrevistamos. O movimento migratório

que analisamos é predominantemente urbano e a maior parte das pessoas que encontramos é

egressa de regiões metropolitanas brasileiras. O que explica que em um momento de forte

crescimento econômico, pleno emprego e redistribuição de renda existam brasileiros

querendo sair do Brasil para um lugar onde não terão necessariamente maior renda? “É

importante destacar que a decisão de emigrar é motivada por fatores diversos, ou seja,

dificilmente se encontra um entrevistado que tenha apontado uma razão única para justificar

sua decisão de emigrar” (MARTES, 1999, p. 58). Concordamos com esta análise da autora. A

                                                                                                               3 Entendemos a pós-modernidade como a era da fragmentação das identidades culturais, de contradições políticas e econômicas, de desregulamentação e privatização do espaço coletivo. Vivemos a era da pluralidade de atores na qual polaridades são ultrapassadas (ser de esquerda ou direita perde importância para escolhas e posicionamentos políticos, pois o importante é a eficiência de mercado). Sugerimos as leituras de Augé (2010), Bauman (1998, 2003 e 2009), Eagleton (1998), Giddens (1991), Hall (2006) e Lyotard (2009).

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decisão de emigrar é multicausal e variável de acordo com a característica de cada fluxo. Para

o caso de brasileiros em Quebec, por exemplo, a estrutura política e social do Brasil é o

principal motivo. Existem três grandes fatores motivacionais para a existência do fluxo de

brasileiros para Quebec: escapar de uma crise generalizada de segurança pública; fugir dos

problemas que a rápida urbanização do país trouxe; e a busca por aumentar o capital cultural e

ter-se uma carreira profissional internacionalizada.

Ao longo dos últimos anos, o estudo da cidadania foi impulsionado por acontecimentos tão diversos como o processo de redemocratização da América Latina e do Leste Europeu na década de 1980, a crise do Welfare State e a hegemonia do neoliberalismo entre as elites políticas, o chamado processo de globalização, e seus efeitos de deslocamento das esferas de decisões políticas, a reivindicação de direitos especiais por minorias sociais, o processo de construção de uma cidadania supranacional no espaço da União Européia, entre outros. Tudo isso ajudou a levantar questões sobre o sentido da cidadania, suas possibilidades, seus limites e suas condições de existência. O estudo das políticas de imigração pode contribuir para essa discussão, uma vez que ilumina um aspecto da cidadania que nem sempre recebeu a devida atenção, a relação entre identidades e direitos (REIS, 2007, p. 165).

Um dos grandes erros dos fazedores de política e analistas está em não

entenderem as migrações como possuidoras de dinâmicas enraizadas em problemas políticos

e sociais. A falha dessas visões geralmente se assenta em avaliações, sobretudo,

economicistas que entendem os fluxos de indivíduos como resposta direta apenas a fatores de

mercado. O modelo de urbanização e organização social brasileira gera insatisfação coletiva

na sociedade. Ao longo deste trabalho, analisaremos dados da Pesquisa Nacional por Amostra

de Domicílios (2011) e do Censo Demográfico 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) 2011, os quais apontam as mudanças econômicas que se deram na

sociedade brasileira nos últimos anos e como elas podem estar diretamente relacionadas ao

fluxo de brasileiros para Quebec.

Uma das questões que mostraremos na pesquisa é que os brasileiros que

entrevistamos apresentam uma visão muito positiva do espaço público no Canadá. A maioria

dos entrevistados afirma que no Brasil é preciso competir pelo espaço público, o que não

acontece tão intensamente em Quebec. Rousseau (2001 e 2006) explica que o pacto social é

uma obra que estabelece em todos os cidadãos compromissos de igualdade, obriga todos a

aceitarem determinadas condições e gozar dos mesmos direitos: não pode haver diferenciação

entre seus cidadãos nem atos que não visem o bem geral – sob pena de rompimento do

contrato social. A vontade soberana para Rousseau (2006) é o respeito à vontade geral.

Entendemos que não é exatamente essa a percepção que brasileiros imigrantes em Quebec

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9  

têm do Brasil.

No primeiro capítulo, faremos uma breve introdução das teorias de

migrações internacionais para entendermos por que defendemos que o fluxo de brasileiros

para Quebec é adverso e não é explicado pelo que correntemente é discutido pelos

pesquisadores que conduzem estudos clássicos da economia política das imigrações

internacionais (PIORE, 1980). Mostramos as características da política pública estudada e

seus dados sobre recrutamento de brasileiros. No segundo capítulo, discutiremos o modelo de

federalismo assimétrico canadense. Acreditamos que é ele quem dá ensejo a uma política de

imigração autônoma por uma província dentro do país. Fazemos uma abordagem teórica do

federalismo do ponto de vista de seus arranjos institucionais políticos, fiscais e jurídicos. Por

fim, partimos para a análise da pesquisa de campo desenvolvida em Quebec. Aplicamos dois

questionários socioeconômicos (ANEXO A e B) e fizemos entrevistas qualitativas (ANEXO

C) com 30 brasileiros residentes permanentes (que entraram por meio de política de

imigração) na província entre outubro e novembro de 2012. O capítulo busca responder quem

são esses brasileiros e quais seus motivos.

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10  

CAPÍTULO 1 - MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS PARA O CANADÁ: O CASO DE

QUEBEC

As migrações internacionais não são um fenômeno novo (CASTLES;

MILLER, 2009; PATARRA; BAENINGER, 1996; e PIORI, 1980). Ao longo da história, os

seres humanos sempre migraram na busca por melhores oportunidades, para escapar da

pobreza, conflitos ou devastações do meio ambiente. Entretanto, as migrações tomaram novos

rumos a partir da expansão europeia no século XVI. E, através das novas gerações, as

migrações internacionais recentes são cada vez mais permeadas pela diversidade, o que

aumenta dilemas para Estados e comunidades receptoras e os meios de responder às

mudanças.

Um ponto alto foram as migrações em massa da Europa para a América do Norte a partir do século XIX até a Primeira Guerra Mundial. Alguns estudiosos chamam essa época de “era das migrações em massa” e argumentam que esses movimentos internacionais eram maiores do que os de hoje. No entanto, o período 1850-1914 foi principalmente marcado por migrações transatlânticas enquanto os movimentos que começaram depois de 1945 e se expandiram fortemente a partir dos anos 1980 envolvem todas as regiões do mundo. A mobilidade tornou-se muito mais fácil, como resultado de mudanças políticas e culturais recentes, e também com o desenvolvimento de novas tecnologias de transporte e comunicação. A migração internacional, assim, ganhou centralidade na globalização (CASTLES; MILLER, 2009, p 2-3, tradução nossa)4.

A questão central na era das migrações é o desafio às habilidades dos

Estados em regularem fluxos internacionais de pessoas através de suas fronteiras.

Observamos hoje que há um grande número de indocumentados (imigrantes ilegais), talvez

como nunca antes na história.

Enquanto os movimentos de pessoas através das fronteiras vêm dando forma a estados e sociedades desde tempos imemoriais, o que é distinto do recente é seu aspecto global, sua centralidade nas políticas nacionais e internacionais e suas enormes consequências econômicas e sociais. [...] Milhões de pessoas estão à procura de trabalho, uma nova casa ou simplesmente um lugar seguro para viver fora de seus países de nascimento. Para muitos países menos desenvolvidos, a emigração é um aspecto da crise social que acompanha a integração no mercado mundial e modernização. O crescimento da população e da “revolução verde” em áreas rurais leva maciços exércitos de reserva de mão de obra. As pessoas se movem para cidades em processo de aburguesamento, onde as oportunidades de emprego são em condições

                                                                                                               4 A high point was the mass migrations from Europe to North America from the mid-nineteenth century until World War I. Some scholars call this the ‘age of mass migration’ and argue that these international movements were bigger than today’s. However, the 1850-1914 period was mainly one of trasatlantic migration while the movements that started after 1945 and expanded sharply from the 1980s envolve all regions of the world. Mobility has become much easier as a result of recent political and cultural changes, as well as the development of new transport and communication Technologies. International migration, in turn, is a central dynamics within globalization (CASTLES; MILLER, 2009, p. 2-3).

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inadequadas e com miséria social. A urbanização maciça supera a criação de empregos nos primeiros estágios de industrialização. Alguns dos migrantes rural-urbanos anteriores embarcam em uma segunda migração, buscando melhorar suas vidas mudando-se para os países recém-industrializados do Sul ou para países altamente desenvolvidos no Norte (CASTLES; MILLER, 2009, p 3-4, tradução nossa)5.

Os mesmos autores defendem que observemos o surgimento de novos

fatores para as migrações: aposentadorias, busca por melhores e/ou diferentes estilos de vida,

e movimentos repetitivos e circulares de pessoas. “A barreira entre migração e turismo vem se

tornando turva, pois algumas pessoas viajam a turismo para conhecer potenciais destinos

migratórios” (CASTLES; MILLER, 2009, p. 4, tradução nossa)6. As migrações se tornaram

causadoras de mudanças demográficas, econômicas, sociais e culturais que conduzem a

questionamentos sobre identidades nacionais. Elas não podem ser entendidas como um

fenômeno isolado7.

Há várias razões para esperar que a era das migrações fique cada vez mais dura: a crescente desigualdade de bem estar entre Norte e Sul tendem a impelir um crescente aumento do número de pessoas se mudando na procura por melhores padrões de vida; pressões politicas, de meio ambiente e demográficas devem forçar muitas pessoas a serem refugiados fora de seus países; conflitos políticos e étnicos em um numero de regiões poderiam levar a futuros voos migratórios; e a criação de novos acordos de áreas de livre mercado causaram movimentos de mão de obra, mesmo que isso não seja objetivado pelos governos. Mas, a migração não é apenas uma reação a condições difíceis em suas pátrias. Não são apenas pobres que se mudam: os movimentos entre países ricos estão aumentando também (CASTLES; MILLER, 2009, p. 5, tradução nossa)8.

                                                                                                               5 While movements of people across borders have shaped states and societies since time imemorial, what is distinctive in recente years is their global scope, their centrality to domestic and internacional politics and their enormous economic and social consequences. [...] Millions of people are seeking work, a new home or simply a safe place to live outside their countries of birth. For many less developed countries, emigration is one aspecto of the social crisis which accompanies integration into the world Market and modernization. Population growth and the ‘green revolution’ in rural áreas lead to massive surplus populations. People move to burgeoning cities, where employment opportunities are inadequate and social conditions miserable. Massive urbanization outstrips the creation of Jobs in the early stages of industrialization. Some of the previous rural-urban migrants embark on a second migration, seeking to improve their lives by moving to newly industrializing countries in the South or to highly developed countries in the North (CASTLES; MILLER, 2009, p. 3-4). 6 “The barrier between migration and tourism is becoming blurred, as some people travel as tourists to check out potential migration destinations” (CASTLES; MILLER, 2009, p. 4). 7 Movimentos de commodities e capital quase sempre levam também a movimentos de pessoas e (…) “International migration ranks as one of the most important factors in global change” (CASTLES; MILLER, 2009, p. 5). 8 There are several reasons to expect the age of migration to endure: growing inequalities in wealth between the North and South are likely to impel increasing numbers of people to move in search of better living standards; political, environmental and demographic pressures may force many people to seek refuge outside their own countries; political or ethnic conflict in a number of regions could lead to future mass flights; and the creation of new free trade areas will cause movements of labour, whether or not this is intended by the governments concerned. But migration is not just a reaction to difficult conditions at home: it is also motivated by the search for better opportunities and lifestyles elsewhere. It is not just the poor who move: movements between rich countries are increasing too. (CASTLES; MILLER, 2009, p. 5).

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12  

Hoje, os migrantes internacionais representam entre 2% e 3% da

população total do mundo, números que se mantém estáveis nos últimos anos (CASTLES;

MILLER, 2009). Grande parte das pessoas não se muda de seus países. Entretanto, o impacto

das migrações é frequentemente maior do que observado por esses números. Os fluxos

migratórios tendem a ser compostos por indivíduos que formam um grupo com características

semelhantes. A mudança causa tanto consequências na área de emissão como de recepção.

A migração internacional é parte de uma revolução transnacional que está dando nova forma a sociedades e políticas públicas no mundo. A velha dicotomia entre países remetentes e receptores foi erodida. A maioria dos países experimenta tanto emigração como imigração (entretanto uma ou outra é geralmente predominante) enquanto alguns países vêm assumindo importante papel como zonas de transição para migrantes (CASTLES; MILLER, 2009, p. 7-8, tradução nossa)9.

Países receptores costumazes normalmente veem os imigrantes como

pessoas que devem ser assimiladas e integradas. As migrações são ações coletivas que trazem

desafios tanto para zonas de recepção como de envio. “Pesquisa sobre migração é

intrinsecamente interdisciplinar: sociologia, ciência política, história, economia, geografia,

demografia, psicologia, estudos culturais e leis são todas disciplinas relevantes” (CASTLES;

MILLER, 2009, p. 21, tradução nossa)10.

É desse modo que pretendemos desenvolver nossa análise. A partir dos

anos 1980, os fluxos emigratórios ganharam importância crescente e passaram a constituir um

fenômeno demográfico relevante para o Brasil. A principal hipótese, no contexto de uma

economia política das migrações (PATARRA; BAENINGER, 1996) é que a forma pela qual

o fenômeno ocorreu no Brasil nos anos 1980 expressou, entre outros fatores:

a) o esgotamento das migrações internas como meio de acomodação das

questões fundiárias não resolvidas, já que uma reforma agrária que objetivasse atender às

reivindicações dos movimentos de luta pelo direito à utilização coletiva da terra, de fato não

foi executada;

b) os anseios por maior mobilidade socioeconômica de segmentos

populacionais residentes nas cidades. Neste caso, apesar dos avanços trazidos pela                                                                                                                9 International migration is part of a transnational revolution that is reshaping societies and politics around the globe. The old dichotomy between migrant-sending and migrant-receiving states is being eroded. Most countries experience both emigration and immigration (although one or the other often predominates) while some countries have taken on an important role as transit zones for migrants (CASTLES; MILLER, 2009, p. 7-8). 10 Research on migration is therefore intrinsically interdisciplinary: sociology, political science, history, economics, geography, demography, psychology, cultural studies and law are all relevant (CASTLES; MILLER, 2009, p. 21).

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13  

implementação de políticas de redistribuição de renda, como o programa Bolsa Família, as

políticas públicas inclusivas não conseguiram superar o dilema da ampliação das

desigualdades sociais;

c) a reconfiguração econômica do país frente a um capitalismo financeiro

internacional que promoveu o surgimento de uma classe trabalhadora mundializada.

O crescimento dos fluxos migratórios internacionais foi, por outro lado,

favorecido tanto pelo desenvolvimento e barateamento dos custos de transporte, como pela

diminuição do tempo de deslocamento e a maior segurança das viagens11. Nos anos 1960, as

teorias migratórias entendiam o fenômeno da atração de outros cidadãos como uma forma

vantajosa de alguns países enfrentarem a queda na taxa de crescimento populacional. Naquele

momento, presenciávamos um período de forte crescimento econômico das principais

economias mundiais, aliado a um incentivo à imigração. Estes fatos favoreceram a formação

de grandes fluxos migratórios e o estabelecimento de redes.

Após a crise energética em 1973, observou-se, no entanto, uma depressão

econômica que trouxe mudanças conjunturais nas políticas migratórias até então adotadas

pelas principais economias mundiais. A opinião pública de grande parte dos países

desenvolvidos passou a posicionar-se contrariamente ao ingresso de novos imigrantes, muitas

vezes culpabilizadondo estes pela precarização das condições econômicas e sociais nas

regiões de destino. O desgaste eleitoral dos políticos favoráveis aos imigrantes provocou uma

mudança de posicionamento e o custo político levou ao estabelecimento das barreiras de

entrada, que passaram a se chocar com os fluxos resultantes de redes migratórias já

estabelecidas (ZOLBERG, 1989).

As fronteiras passaram então a funcionar mais incisivamente como

barreiras tendo em vista evitar uma “enxurrada” de não-cidadãos nos principais países

receptores. Conforme Zolberg, “(...) Dadas as disparidades entre os países do mundo, o

estabelecimento de entradas livres causaria fluxos ilimitados, levando a uma drástica mudança

que traria a equalização mundial e, portanto, uma queda violenta nos níveis de emprego e

                                                                                                               11 Encontramos semelhanças no impacto provocado pela melhoria dos meios de transporte e de comunicação na pesquisa de campo que apresentaremos ao longo dessa dissertação com o relatado de Martes (1999):

Mas, diferentemente dos imigrantes que até meados do século XX lotavam os navios aportados na Europa e na Ásia em direção ao Novo Continente, os imigrantes atualmente conseguem aterrizar na Ámerica depois de apenas algumas horas de vôo, e suas cartas não mais demoram meses até chegar às pequenas vilas de onde eles então partiram. Assim que desembarcam, é possível chamar ao telefone alguém de sua terra natal, da mesma forma que é possível obter notícias diárias sobre seu país através do computador ou de um aparelho de TV (MARTES, 1999, p. 21-22).

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14  

consumo entre os países mais desenvolvidos” (ZOLBERG, 1989, p. 409, tradução nossa)12.

À transformação das fronteiras como mecanismos de controle dos acessos

seguiu, a partir de então, um processo de judicialização da pertença. Ou seja, a necessidade de

possuir um status comprobatório frente ao Estado. E, as decisões legislativas, ancoradas na

avaliação da opinião pública, passaram a embasar, cada vez mais, as políticas migratórias nos

diferentes países do mundo.

Nas últimas décadas, as democracias capitalistas têm reafirmado as suas políticas de imigração de longo prazo que, no geral, estabelecem barreiras contra a imigração, mas com pequenas portas de entrada que permitem fluxos específicos. Uma das portas foi criada para permitir a aquisição de certos tipos de fluxos e outra para ingresso de um pequeno número de asilados. As características das migrações internacionais dependem em grande medida de como essas aberturas são definidas (ZOLBERG, 1989, p. 406, tradução nossa)13.

TEORIAS DAS MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS

Devemos diferenciar duas categorias de imigração: as forçadas

(geralmente representadas por migrantes refugiados e asilados politicamente) e as de

motivações espontâneas (abrangemos, nessa categoria, migrantes econômicos e aqueles em

busca de melhoria do grau de estado de bem-estar social). Dentro dessa segunda, encaixa-se a

abordagem teórica abaixo. A teoria neoclássica dos estudos migratórios é a mais tradicional

no campo dos estudos demográficos. Ela trabalha principalmente com paradigmas

econômicos e continua sendo importante nos estudos sobre fluxos ao enfatizar que a

tendência das pessoas é se moverem de regiões densamente povoadas para áreas menos

habitadas, de lugares de baixos rendimentos para de altos, e relaciona as migrações às

flutuações do ciclo de negócios. “Essas abordagens são geralmente conhecidas como teorias

de fatores de ‘repulsão e atração’” (CASTLES; MILLER, 2009, p. 22, tradução nossa)14.

Entretanto, algumas das principais premissas da teoria neoclássica vêm sendo questionadas

por abordagens interdisciplinares. Uma abordagem neoclássica geralmente peca por ser

individualista e carecer de contextualização histórica.

                                                                                                               12 “(...) Given worldwide disparities, free entry would induce unlimited flows, leading to a drastic jump toward worldwide equalization, and hence a violent tumble in emplyment and consumtion levels among the more developed countries” 13 In recent decades, the capitalist democracies have reaffirmed their long-established immigration policies which, collectively, constitute a protective wall against self-propelled migration, but with small doors that allow for specific flows. One of the doors was provided to allow for the procurement of certain types of labor; and the other to let in a small number of asylum-seekers. The future shape of international migrations depends in large part on how these doors are manipulated (ZOLBERG, 1989, p. 406). 14 “These approaches are often known as ‘push-pull’ theories” (CASTLES; MILLER, 2009, p. 22).

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15  

Ela enfatiza a decisão individual de migrar baseada em conhecimento e comparação racional do custo relativo e benefícios de ficar em casa ou mudar. A teoria neoclássica pressupõe que migrantes potenciais têm perfeito conhecimento de níveis salariais e oportunidades de emprego nas regiões de destino, e que a decisão de migrar é predominantemente baseada em fatores econômicos (CASTLES; MILLER, 2009, p. 22, tradução nossa)15.

Desse modo, o ser humano seria considerado um capital em si, ou seja, as

pessoas decidem investir nelas mesmas com o ato de migrar da mesma forma que investem na

própria educação, “(...) e vão migrar se têm a expectativa de taxas de retorno e salários

maiores no local de destino do que o custo implícito ao ato de migrar” (CASTLES; MILLER,

2009, p. 22, tradução nossa)16. A teoria neoclássica afirma que a tendência é observarmos a

migração de pessoas altamente especializadas, pois elas conseguem aferir maior rendimento

de capital que depositam em si na mudança. Contudo, observamos que a grande maioria dos

imigrantes voluntários são pessoas de estrato social intermediário em áreas atravessando

mudanças econômicas e sociais.

Parece absurdo tratar migrantes como atores individuais de mercado que têm ampla informação de suas opções e liberdade para fazer escolhas racionais. Ao contrário, migrantes possuem informações limitadas e contraditórias, e são sujeitos a uma grande gama de restrições (especialmente falta de poder frente a empregadores e governos) (CASTLES; MILLER, 2009, p. 23, tradução nossa)17.

Assim, uma pesquisa sobre migração internacional que utilize uma

abordagem neoclássica não conseguirá explicar exatamente o que motiva a mudança de

pessoas. A teoria neoclássica é vista como incapaz de explicar os atuais fluxos e prever novos.

Percebemos que o comportamento dos migrantes é determinado por experiências históricas

(individuais e coletivas, na comunidade, na família, na sociedade, etc).

Outra abordagem que não foge muito da anterior é a teoria da migração na

nova economia do trabalho. Ela surge nos anos 1980 e argumenta que a decisão de migrar não

é tomada pelo indivíduo isoladamente, mas por sua família e/ou comunidade. Uma tentativa

de evolução da teoria neoclássica, a teoria da nova economia do trabalho busca mostrar que

                                                                                                               15 It emphasizes the individual decision to migrate, based on rational comparison of the relative costs and benefits of remaining at home or moving. Neoclassical theory assumes that potential migrants have perfect knowledge of wage levels and employment opportunities in destination regions, and that their migration decisions are overwhelmingly based on these economic factors (CASTLES; MILLER, 2009, p. 22). 16 “(...) and will migrate if the expected rate of return from higher wages in the destination country is greater than the costs incurred through migrating” (CASTLES; MILLEr, 2009, p. 22). 17 It seems absurd to treat migrants as individual market-players who have full information on their options and freedom to make rational choices. Instead migrants have limited and often contradictory information, and are subject to a range of constraints (especially lack if power in the face of employers and governments) (CASTLES; MILLER, 2009, p. 23).

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16  

não são apenas diferenças de rendas entre dois países que explicam um fluxo – além destas, a

busca por empregos mais estáveis, a possibilidade de investimentos e a necessidade de

gerenciar riscos a longo prazo precisam ser levadas em conta. Entretanto, essa teoria também

falha ao realizar apenas análises predominantemente econômicas.

Concentrar em fatores de repulsão e atração é simplista e enganoso. As decisões de migrar são influenciadas por uma ampla série de condições tanto em áreas de envio como de recepção. Essas condições não são estáticas, mas sim em processo de constante mudança, relacionada tanto com fatores globais e com o modo como eles interagem com padrões da história e cultura locais (CASTLES; MILLER, 2009, p. 25-26, tradução nossa)18.

Passando adiante, a teoria das redes surge para explicar que as migrações

ocorrem por estruturas macro e micro-sociais, estabelecidas nas relações interpessoais

(CASTLES; MILLER, 2009). Macro tem relação com abordagens de economia política do

mercado de trabalho global, da relação entre estados, leis, estruturas e práticas estabelecidas

tanto em zonas de envio como de recebimento no controle das migrações. Micro é a busca por

mostrar que práticas e crenças pessoais informais são desenvolvidas pelos migrantes na

consolidação de um fluxo – a família e a comunidade são cruciais para explicar o ato de

mudança das pessoas, pois as redes sociais fazem da migração um processo mais seguro e

administrável tanto para o migrante como para seus entes próximos. A partir do momento que

um fluxo é estabelecido, ele se torna autossustentável (CASTLES; MILLER, 2009).

A abordagem teórica das redes mostra que os grupos desenvolvem

dinâmicas próprias e estabelecem estruturas sociais e econômicas como lojas, associações,

cafés, prestadores de serviços, etc. Além disso, ela mostra que os migrantes tendem a trazer a

família – e que, após os filhos entrarem no sistema escolar do novo país e adquirirem uma

nova língua e hábitos multiculturais, fica cada vez mais difícil o retorno dos pais a seus países

de origem (CASTLES; MILLER, 2009). Consideramos o fluxo de imigrantes brasileiros em

Quebec atípico e que essa fonte teórica também não dá conta de explicar – conforme ficará

claro no capítulo seguinte.

Por fim, a teoria transnacional explica que um dos principais aspectos da

globalização é a melhoria dos meios de comunicação e transporte. E isso vem facilitando a

manutenção de ligações entre pessoas e seus lugares de origem e criando mobilidades

                                                                                                               18 Concentration on push an pull factors is simplistic and misleading. Migration decisions are influenced by a wide range of conditions in both sending and receiving areas. These conditions are not static, but in a process of constant chance, linked both to global factors and to the way these interact with local historical and cultural patterns (CASTLES; MILLER, 2009, p. 25-26).

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17  

circulares e temporárias. As pessoas migram mais frequentemente e repetidamente entre

lugares com laços econômicos, sociais e culturais (CASTLES; MILLER, 2009). Também

entendemos que essa abordagem não consegue explicar o fluxo que nos propomos analisar

justamente porque esses laços historicamente não existem entre Brasil e Quebec.

CONTEXTO DE SURGIMENTO DA POLÍTICA DE IMIGRAÇÃO DE QUEBEC

A política de imigração é tratada como uma política pública favorável para

se amenizar alguns problemas demográficos do Canadá, mas não para resolvê-los. Sua

efetividade situa-se em quatro pontos de amenização: primeiro, ajuda a combater o custo da

geração baby boomer pós-Segunda Guerra Mundial – como outros países desenvolvidos, o

Canadá presenciou um crescimento 18% acima do esperado nos nascimentos entre 1945 e

1960, e esta geração está se aposentando e gerando custos para a previdência social do país

(SWEETMAN; WARMAN, 2008); segundo, na atração de imigrantes qualificados que não

são produzidos pelo sistema educacional canadense (além do que um imigrante qualificado

representa um custo muito baixo para o país que o recebe, pois sua trajetória profissional não

foi custeada pelo país receptor); terceiro, os imigrantes geralmente não rompem totalmente a

relação com o país de origem e isso amplia as perspectivas de relações econômicas que

podem incrementar as exportações; por último, ao receber o capital e/ou o espírito

empreendedor dos que chegam com uma perspectiva de estabelecer-se.

Observando a Figura 1 vemos que o Canadá é um dos maiores destinos de

imigrantes do mundo proporcionalmente à população nativa. A opinião pública canadense

aprova a política de imigração do país (JEDWAB, 2008). Pesquisas conduzidas pelo governo

mostram que mesmo durante os ataques de 11 de Setembro, nos Estados Unidos (o momento

de maior tensão na relação com os imigrantes), a popularidade da política de imigração do

país manteve-se estável. A porcentagem de nascidos no Canadá que acreditam que o número

de imigrantes desembarcando no país a cada ano é pequeno ou adequado nunca foi menor que

60%, nem durante os ataques terroristas a torres gêmeas do World Trade Center, em Nova

Iorque. Nos últimos anos, esse dado se mantém. “Os canadenses são mais propensos a

acreditar que os imigrantes têm uma influência positiva no país do que normalmente cidadãos

da maioria dos países receptores de imigrantes” (JEDWAB, 2008, p. 221)19. Chama a atenção

que esses dados são para um dos países do mundo com maior porcentagem de imigrantes

dentre sua população (20,6%).

                                                                                                               19 “Canadians are more likely to agree that immigrants have a positive influence on their country than are citizens of most other immigrant-receiving countries” (JEDWAB, 2008, p. 221).

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18  

O Canadá é uma democracia federativa multicultural no sentido de que

valoriza a diversidade étnica como uma bandeira da nação. Quebec é vista pelos

pesquisadores canadenses como um ponto de análise essencial para compreender o que

significa “ser canadense”. O nacionalismo de Quebec é algo levado extremamente a sério no

Canadá, sendo parte principal do que levou à formação de uma política multicultural no país.

Muitas das demandas pela autonomia política de Quebec persistem desde a fundação do país e

são caracterizadas pelos partidários de Quebec como uma espécie de consenso enquanto

objetivo de luta política.

Sendo um Estado multinacional, os atores políticos canadenses entendem

que negar a igualdade e equilíbrio implica em instabilidade política que não favorece os

interesses econômicos do país e o sentimento de cooperação social. O estabelecimento legal

de um marco como a Constituição é um atributo importante para a identidade e estabilidade

de uma sociedade multinacional. O Canadá segue as bases institucionais e legais de todas as

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19  

federações. Grande parte das disputas de poder no federalismo canadense esteve envolta no

peso de cada membro disputante em sua estrutura. Assim sendo, é normal ver um governo

federal agir visando uma questão comum a todos os membros ao mesmo tempo em que

governos estaduais (provinciais e territórios, no caso do Canadá), agem almejando autonomia

local e valorização das particularidades das identidades regionais – e enxergam-se como

sendo melhores executores de políticas públicas para sua população.

No caso do Canadá, a falta de uma identidade nacional unificadora – pelo

que se percebe, gerada pela diversidade linguística estabelecida territorialmente – cria

questionamentos quanto à legitimidade do poder federal e perpetua uma luta por

reconhecimento constitucional por parte de Quebec. Por não existir uma unidade étnica, os

conflitos no modelo canadense de federalismo fugiram da tradicional disputa legalista de

equilíbrio de poder, como a que se configura nos Estados Unidos (GAGNON; IACOVINO,

2007).

A história da união entre a parte francesa e a inglesa remete ao século

XVIII. A Guerra dos Sete Anos, conflito internacional entre os estados-nações Europeus,

entre 1756 e 1763, foi a desencadeadora da união forjada. Durante o reinado de Luís XV,

França, Áustria, Saxônia, Rússia, Suécia e Espanha foram derrotadas pela união de Inglaterra,

Portugal, Prússia e Hannover.

Pelo Tratado de Paris, firmado no pós-Guerra, em 1763, franceses

(derrotados) e ingleses assinaram a paz. Uma das conquistas inglesas é justamente a Nova

França (Quebec). “Isto culminou na Proclamação Real de 1763, a qual deu aos francófonos

habitantes de Quebec a sua primeira constituição civil sob o poder da coroa britânica”

(GAGNON; IACOVINO, 2007, p. 65, tradução nossa)20. Neste período, as autoridades

britânicas deparam-se com habitantes que não são leais à coroa britânica e que possuíam uma

história de ligação política à corte francesa. Além disso, a Inglaterra se vê frente a uma nação

de natureza linguística diversa, e que temia a perda de suas tradições e cultura (talvez a mais

importante, no momento, sua fé católica), suas instituições e suas leis. A Proclamação Real

instituiu a lei britânica e não permitiu qualquer direito político aos Canadiens (os franco-

canadenses). A intenção da Corte Britânica era assimilar os habitantes quebequenses o mais

rápido possível.

                                                                                                               20 “This culminated in the Royal Proclamation of 1763, which gave the French-speaking inhabitants of Quebec their first civil constitution under the British crown” (GAGNON; IACOVINO, 2007, p. 65).

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20  

[…] o primeiro governador da colônia, General Murray, logo aprendeu depois que a Proclamação Real passou a valer, em agosto de 1764, que esse grupo de sujeitos não seria facilmente assimilado e ele não forçou a implantação de muitos dos provimentos do ato. […] Mais do que isso, ele acreditou que o Parlamento sem representação desses habitantes não funcionaria – então isso nunca foi adotado. Murray também restituiu o regime senhorial e permitiu aos Canadiens continuarem praticando a fé católica (GAGNON; IACOVINO, 2007, p. 66)21.

Então, em 1774, o Ato de Quebec é declarado pelas autoridades britânicas

com o objetivo de formalizar aquilo que o governador Murray já havia colocado em prática. O

Ato de Quebec adotou um conselho legislativo cujos membros eram nomeados por Londres.

Murray já havia autorizado a aplicação das leis francesas nas cortes inferiores, a utilização da

língua francesa, quando os litigantes fossem francófonos, e permitido que franco-canadenses

fossem advogados e juízes. Os hábitos e costumes de uma minoria foram permitidos. O Ato

de Quebec encorajou os franco-canadenses a considerarem-se membros da colônia: ele

legalizou a sobrevivência deste grupo. Percebe-se, entretanto, que a Corte Inglesa e a elite

anglo-canadense executaram esta estratégia de autorizar liberdades aos quebequenses

observando o movimento pela independência dos colonos dos Estados Unidos da América

(EUA) que se avizinhava.

Temendo um movimento separatista em Quebec – que, além de tudo,

possuía os fatores motivacionais de estar estabelecido em um território, possuindo uma

identidade geográfica e, também, por possuir uma identidade linguística e cultural diversa do

colonizador –, estabelece-se o Ato de Quebec. O Governador observa que leis fundamentais

não poderiam ser facilmente arrancadas por uma força conquistadora sem negar a liberdade

das pessoas. O Ato de Quebec funciona como o momento fundador da identidade nacional

dos franco-canadenses, pois estabelece seu reconhecimento, sua afirmação e os legitima. Em

1791, o Ato Constitucional dividiu a colônia em Canadá Alto e Canadá Baixo, a qual seria

constituída por dois parlamentos e apenas um Governador nomeado pela corte. Os

historiadores apontam este como o momento em que o vigor separatista dos franco-

canadenses é renovado. O Ato dá a Quebec os fatos geográficos e políticos para reivindicar o

rompimento. O dualismo cultural aliado à distinção territorial e institucional ganha corpo na

colônia (GAGNON; IACOVINO, 2007).

                                                                                                               21 [...] the colony's first governor, General Murray, who learned soon after the Royal Proclamation came into effect in August 1764 that this group of subjects would not be easily assimilated, and did not enforce many of the act's provisions. […] Moreover, he believed that a House of Assembly with no representation for the overwhelming majority of inhabitants would be an unworkable arrangement, so it was never actually adopted. Murray also reinstituted the seigneural system and allowed the Canadiens to continue practicing the Catholic faith (GAGNON; IACOVINO, 2007, p. 66).

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21  

O início do século XIX marca o começo de um movimento nacionalista

dos franco-canadenses perante uma dominação e uma política de supremacia dos anglo-

canadenses. Não por acaso que a denominação do Ato Constitucional é a de Canadá Alto

(inglês) e Canadá Baixo (francês). O Ato é mais uma tentativa de estabelecer uma supremacia

anglo-canadense sobre a população francesa em Quebec. Esta distorção só será corrigida em

1840, quando Lorde Durham22 percebe que para o bem comum dos anglo-canadenses seria de

bom tom acabar com esta imposição de poder. Ele passar a denominar ambos os lados como

sendo Canadá do Leste (francófono) e Canadá do Oeste (anglófono). Durham argumentava

que o crescimento cada vez mais rápido da maioria inglesa seria importante para, após uma

união legislativa, fazer com que os franco-canadenses aos poucos abandonassem o

separatismo quando constatassem que estavam se tornando uma minoria populacional frente

aos anglófonos. Vale lembrar que desde o final do século XIX a proporção de canadenses

franceses tem se mantido constante comparando-se ao total da população do país, por volta de

30% (CONSEIL DES RELATIONS INTERCULTURELLES, 2008).

Conforme Gagnon e Iacovino (2007), os modelos “puros” de federalismo

estadunidense e alemão foram criados para limitar os excessos do poder executivo. No

Canadá, o federalismo foi criado para acomodar a diversidade de nacionalidades. Ao longo da

constituição histórica de Quebec, a província constitui um ponto de resistência cultural

francesa e reivindica autonomia política e econômica. Na primeira conferência

interprovincial, em 1887, ficou claro aos habitantes de Quebec que a noção de construção de

um país fundado no dualismo cultural (uma parte francesa e outra inglesa) e na sua

coexistência, dificilmente seria respeitada. Até porque as outras províncias utilizavam a

doutrina do dualismo para restringir o acesso à educação em língua francesa à minoria franco-

canadense espalhada pelos territórios não quebequenses.

Nesse quadro, a província franco-canadense passou a considerar-se como

um gueto de resistência, no qual poderia ser assegurada a representação institucional à

maioria populacional francesa. A grande depressão dos anos 1930 favoreceu o surgimento de

reivindicações e consentimentos pela centralização da política econômica e por um “New

Deal” canadense orquestrado pelo poder federal e a ser executado em todo Canadá como a

única salvação plausível.

                                                                                                               22 Durham foi governador-geral entre 1838 e 1839. O Lorde foi enviado pela corte inglesa para o Canadá com o intuito de investigar as circunstâncias das rebeliões separatistas do Baixo Canadá, em 1837. Seu relatório recomendou uma união legislativa entre ambas as partes. A partir daí, o Canadá se torna um país de duas maiorias. Nenhuma mudança que afetasse um grupo linguístico poderia ser adotada sem o consentimento daquele bloco político.

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22  

Entretanto, politicamente, Quebec continuou firme em sua concepção do

princípio federal do dualismo, que conserva até os dias de hoje. A Comissão Real de Inquérito

sobre Problemas Constitucionais, de 1956, também conhecida como Comissão Tremblay, foi

criada por Quebec e defendeu a continuação do respeito à divisão dos poderes do

compromisso original dualista por conta da distinção das comunidades culturais que levaram

à formação do federalismo canadense. Até então, as outras províncias rejeitavam que Quebec

pudesse negociar diretamente com Ottawa (cidade capital e sede do governo central

canadense) mais autonomia em um momento em que a intervenção do governo federal vinha

crescendo rapidamente.

Duas visões dominantes em Quebec dividem a corrente principal de seus

pensadores nacionalistas a partir dos 1960 (GAGNON; IACOVINO, 2007). A primeira

enxerga que o federalismo assimétrico poderia adequadamente satisfazer às necessidades de

estabilidade e união no Canadá sem sobrepujar a diversidade do país. Para isso, cinco pré-

requisitos deveriam ser respeitados em uma renovação constitucional:

1 – o reconhecimento explícito em um preâmbulo da Constituição

Canadense de que Quebec é uma sociedade distinta;

2 – a concessão de maior poder para Quebec executar as políticas públicas

de imigração visando à administração do recrutamento e integração dos recém-chegados;

3 – a participação de Quebec na nomeação de três membros da Suprema

Corte de Justiça com especialização em civil law (sistema jurídico no qual os tribunais

fundamentam suas sentenças nas disposições de códigos e leis; em oposição, o restante do

Canadá adota o common law, praticado normalmente por países anglo-saxões, no qual o

costume prevalece sobre o direito escrito).

4 – limitações ao poder de gastos federais na província;

5 – o reconhecimento do direito de Quebec a vetar qualquer emenda

constitucional que venha a afetá-la.

Os partidários da assimetria acreditavam que o modelo simétrico23, até

então vigente no Canadá, não poderia mais operar uma vez que os cidadãos e os governos das

províncias do restante do país olhavam para o governo federal e o “enxergavam” como o

governo nacional, dotado de um instrumento principal de crescimento, enquanto este não era

o caso dos cidadãos de Quebec.

A segunda visão entre os nacionalistas quebequenses era a de que o

                                                                                                               23 Onde cada província possui o mesmo peso de representação junto ao poder federal.

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23  

experimento federal havia falhado e que Quebec só conseguiria realizar seu projeto a partir de

um rompimento com o restante do Canadá. Como decorrência, um novo acordo entre Quebec

e o Canadá estaria fora da instância do federalismo. Esta visão acreditava ser possível

estabelecer dois países distintos que mantivessem formalidade e proximidade econômica

(GAGNON; IACOVINO, 2007).

Essas duas propostas foram apresentadas no âmbito das negociações

Meech Lake, nos anos 1980, que elaboraram uma nova Constituição para o Canadá. Como

nenhuma recomendação quebequense não foi acatada na ratificação do acordo, Quebec

recusou-se a assinar a decisão24. A partir daí, surgiu a Comissão sobre a Política e o Futuro de

Quebec, estabelecida em setembro de 1990 pela Assembleia Nacional de Quebec. Os estudos

da Comissão chegaram às mesmas conclusões elaboradas pelos partidários de Quebec no

âmbito do acordo Meech Lake e foram publicados em 1991. Quebec não foi signatária do

acordo Meech Lake, optando, assim, pelo rompimento com a federação, o que levou à

realização de plebiscitos pela província a respeito da separação política (e não econômica) ou

não do Canadá.

Nos últimos anos, todos os plebiscitos que ocorreram em Quebec

apontaram para a existência de uma grande divisão na população entre aqueles que optam por

uma independência e um rompimento unilateral, e os outros que acreditam que manter o atual

status quo é a melhor alternativa para a província. O ano de 1995 é tido como o marco

histórico no sentido de esfriar o sentimento nacionalista franco-canadense. Neste ano, um

plebiscito indagando se Quebec deveria se separar do Canadá foi derrotado por uma margem

muito estreita de 49,42% “sim” para 50,58% “não” (GAGNON; IACOVINO, 2007).

Antes desse momento histórico, no entanto, o governo federal já previa a

possibilidade de rompimento como concreta e contando com apoio da população da

província. Assim, numa tentativa de amenizar os ânimos, o governo federal e o de Quebec

firmaram um acordo em 1991 (MINISTÈRE DES RELATIONS AVEC LES CITOYENS ET

l’IMMIGRATION, 1991). Quebec negociou exaustivamente para conseguir autoridade de

elaborar suas políticas migratórias. Estas são pensadas como corroboradoras da resistência

cultural da nação baseada no fortalecimento e disseminação da utilização do francês. A

preocupação dos cidadãos de Quebec tem por base o receio frente a um poder central que ao

longo da história demonstrou claramente seu interesse em indexar Quebec não só

territorialmente, mas, sobretudo, culturalmente.

                                                                                                               24 Até os dias de hoje, Quebec não é signatária da Constituição canadense.

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24  

A preservação da língua francesa é tida como o principal fator para o

florescimento de uma identidade cultural quebequense. “Deparando-se com um alarmante

declínio da taxa de natalidade em Quebec, atores estatais passaram a se preocupar com a

tendência de alófonos [pessoas que não falam nenhuma das línguas oficiais do Canadá:

inglês ou francês] a gravitar linguisticamente e aproximar-se da comunidade anglófona.

Imigração e integração, assim, tornaram-se intimamente ligadas ao destino da nação Quebec

(GAGNON; IACOVINO, 2007, p. 97, tradução nossa)25.

A valorização e exigência de que os imigrantes aprendam o francês

justifica-se por essa mesma lógica. O governo de Quebec investe em cursos de francês

gratuitos para os imigrantes da província objetivando uma completa articulação e integração

dos mesmos à sociedade franco-canadense. Além disso, para atrair trabalhadores qualificados,

o governo de Quebec estabeleceu escritórios de imigração voltados ao atendimento e ao

recrutamento de imigrantes em diversas regiões do mundo. Através destes postos avançados

de recrutamento, agentes de imigração do governo da província ministram palestras e fazem a

primeira triagem dos candidatos. O público-alvo é formado por jovens de até 35 anos, casados

ou não (ser casado atribui mais pontos), com filhos ou sem (ter filhos atribui mais pontos

ainda), que tenham formação universitária e dois anos comprovados de atuação profissional

na área de formação, nos últimos cinco anos precedentes à data de preenchimento do

formulário de solicitação. É necessário que tenham pelo menos o nível intermediário de

francês (quem sabe falar inglês também recebe mais pontos). Algumas profissões nas quais a

província possui carência de mão de obra – como enfermagem, análise de sistemas,

engenharias, etc. – possuem uma tramitação do visto de imigrante permanente mais acelerada

e dessa forma os solicitantes com pouco esforço são aceitos. Com essas informações, é

montado um ranking objetivo de recrutamento (<www.imigracao-quebec.ca>)26.

Os imigrantes constituem, hoje, aproximadamente 13,5% da população de

Quebec. Minorias visíveis27 são quase 50% dos imigrantes que desembarcam na província a

cada ano. A perspectiva é de que até 2017 aproximadamente 20% da população do Canadá

                                                                                                               25 “Compounded by an alarming decline of the birthrate in Quebec, state actors became concerned with the tendency of allophones to gravitate linguistically towards the Anglophone community. Immigration and integration thus became inextricably tied to the fate of the Quebec nation” (GAGNON; IACOVINO, 2007, p. 97). 26 Para mais informações, consultar o site. Vale lembrar que o Canadá e Quebec estão passando por mudanças em sua política de imigração. Tanto o governo central como a província elegeram governos conservadores que estão cortando gastos da política de recrutamento de imigrantes qualificados. Por exemplo, o escritório de imigração de Quebec no Brasil, em São Paulo, foi fechado e suas funções foram concentradas em outro escritório, no México. 27 Minorias visíveis são pessoas não nativas, não brancas. Normalmente o termo é usado para se referir a Asiáticos, Árabes, Negros e Latinos.

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25  

seja formada por minorias visíveis. Quebec recebe a cada ano por volta de 50 mil imigrantes

(o Canadá inteiro recebe aproximadamente 225 mil). Outra característica que precisa ser

mencionada é a alteração da composição dos países de origem dos imigrantes. Até a década

de 1970, a maior parte deles era de origem europeia. Hoje, o que vemos é uma diminuição da

porcentagem de participação dos imigrantes europeus e um aumento de asiáticos, dos

oriundos do continente americano – latino-americanos, principalmente – e africanos, os quais

já contam mais da metade (CONSEIL DES RELATIONS INTERCULTURELLES, 2008).

Ser um imigrante em Quebec representa aceitar e adotar os preceitos de valorização da

identidade da nação francófona. Desde que respeitem a lei, os imigrantes podem manter seus

costumes e cultura, dieta, vestimenta, preferências sexuais e celebrações. Isto porque é a

língua francesa que mantém em Quebec a base de uma sociedade coesa.

Podemos dizer que a visão que melhor arquitetou a constituição de um

Canadá multinacional baseado em um governo federal forte foi a elaborada e executada por

Pierre Elliott Trudeau. Ele foi o 15º primeiro-ministro do Canadá, entre abril de 1968 e junho

de 1979, e também entre marco de 1980 a junho de 1984. De sua base em Montreal, Trudeau

assumiu o controle do Partido Liberal em 1968 e tornou-se um líder carismático. Os cientistas

políticos canadenses percebem que ele teve perspicácia política para preservar a unidade

nacional ante o separatismo de Quebec. Trudeau trabalhava com a noção de que uma

sociedade justa deveria se basear em direitos iguais por todo o Canadá, igualdade de forças

entre as províncias e no bilingualismo institucional. Ele estabeleceu a Carta dos Direitos e

Liberdades, que definiu o Canadá como um país multicultural sobre um quadro bilíngue. Não

surpreende que hoje observamos uma mudança significativa dos locais fornecedores de

imigrantes para o Canadá e Quebec. Na Figura 2, podemos constatar um processo de

deseuropeirização que está em curso no Canadá desde a implantação de políticas

multiculturalistas.

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26  

Trudeau enxergou na cidadania um status onde o indivíduo é envolto por

um apanhado de direitos e a justiça é o valor de reparação. Espera-se que a cidadania funcione

como um mecanismo de junção que predispõe as pessoas a atingirem esforços comuns.

Assim, o Canadá caracteriza-se como sendo uma democracia multinacional. São quatro

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27  

atributos que este tipo de democracia deve possuir: 1 – dois ou mais nações que aspiram não

apenas direitos dos grupos, mas também autogoverno e autodeterminação; 2 – democracia

multinacional não significa o mesmo que uma confederação de estados-nações independentes;

3 – as nações menores e o conjunto delas (a nação multinacional de fato) devem constituir a

mesma democracia; 4 – este tipo de Estado deve ser multicultural e ser consistido de grupos

menores aspirando reconhecimento de suas particularidades (GAGNON; IACOVINO, 2007).

DADOS DA IMIGRAÇÃO NO CANADÁ E EM QUEBEC

Todos os dados apresentados abaixo se encontram em um documento

produzido pelo órgão de pesquisa oficial do Canadá (STATISTIQUE CANADA, 2013a). Em

2011, o número absoluto de imigrantes nascidos no exterior do Canadá era estimado em

6.775.800 pessoas – ou 20,6% da população total do país frente a 19,8% em 2006. Entre 2006

e 2011, aproximadamente 1.162.900 estrangeiros imigraram para o Canadá. Esses imigrantes

recentes são 17,2% do total de nascidos no exterior do país ou 3,5% da população geral. A

maior parte desses novos desembarques é proveniente da Ásia. Identificamos também leve

aumento dos provenientes da África, Antilhas, América Central e do Sul.

Em 2011, 94,8% dos nascidos fora do Canadá encontravam-se em quatro

províncias: Ontário (53,3%), Quebec (14,4%), Columbia Britânica (17,6%), e Alberta (9,5%).

Além disso, temos uma imigração marcadamente urbana no Canadá. Os números são de 91%

habitando uma das 33 regiões metropolitanas do país comparativamente a 63,3% dos nascidos

no país. Três lugares aglomeram 63,4% da população imigrante exterior do país: Toronto

(onde 46% dos habitantes nasceram fora do Canadá), Montreal (com 22,6% da população

total constituída de estrangeiros) e Vancouver (com 40% de estrangeiros).

Outra característica reforçada pelo censo 2011 é de uma imigração de

jovens para o Canadá. A idade média dos imigrantes recentes (aqueles que chegaram depois

de 2006) é de 31,7 anos. A média de idade da população do país é de 37,3 anos e dos

imigrantes totais de 47,4 anos.

Em 2011, minorias visíveis eram 19,1% da população geral do país –

16,2% em 2006. Observamos essa forte tendência de deseuroperização da população

canadense. Antes de 1970, ¾ dos imigrantes no Canadá proviam da Europa. Apenas 13,7%

dos novos desembarques no país são de europeus, 3,9% dos Estados Unidos, e 82,4% da Ásia,

Antilhas, América Central e do Sul, África, Oceania e outras regiões. Antes de 1971, minorias

visíveis eram apenas 12,4% dos imigrantes no Canadá. Esse número cresce para 53% nos

anos 1970 e é de 67,4% nos anos 1980. Hoje, minorias visíveis representam 19,1% da

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28  

população geral do Canadá – 30,9% nascidos no país e 65,1% fora, apenas 4% como

residentes não permanentes. Combinando negros, asiáticos do sul e chineses representam

61,3% do total de minorias visíveis. O grupo mais importante de minorias visíveis são os

asiáticos do sul (25% do total de imigrantes e 4,8% da população canadense), seguidos de

chineses (21,1% e 4%), e negros (15,1% e 2,9%). Assim como os imigrantes em geral, 95,2%

das minorias visíveis estão em Ontario, Quebec, Columbia Britânica e Alberta

(respectivamente 52,3%, 11%, 27,3% e 18,4% da população de cada província). Na região

metropolitana de Montreal, 20,3% são minorias visíveis.

Os dados abaixo encontram-se em documento do governo canadense

(CITOYENNETÉ ET IMMIGRATION CANADA, 2012). O número absoluto de residentes

permanentes recebidos pelo Canadá inteiro seguido por ano: 229.048-2002; 221.349-2003;

235.823-2004; 262.242-2005; 251.640-2006; 236-753-2007; 247.246-2008; 252.174-2009;

280.691-2010; 248.748-2011.

A porcentagem de residentes permanentes recebidos por Quebec em

relação ao Canadá inteiro seguido por ano: 16,4%-2002; 17,9%-2003; 18,8%-2004; 16,5%-

2005; 17,8%-2006; 19,1%-2007; 18,3%-2008; 19,6%-2009; 19,2%-2010; 20,8%-2011.

O número absoluto de residentes permanentes recebidos por Quebec,

seguido por ano: 37.581-2002; 39.555-2003; 44.245-2004; 43315-2005; 44.682-2006;

45.200-2007; 45.218-2008; 49.492-2009; 53.984-2010; 51.746-2011.

O número absoluto de residentes permanentes provenientes do Brasil no

Canadá seguido por ano: 759-2002; 865-2003; 934-2004; 976-2005; 1.209-2006; 1.759-

2007; 2.127-2008; 2.480-2009; 2.597-2010; 1.519-2011.

As tabelas abaixo são construídas com dados do governo canadense

(STATISTIQUE CANADA, 2013b). As Tabelas 1 e 2 mostram o resultado de políticas de

imigração similares, mas com a especificidade linguística do Canadá inglês e francês.

Podemos observar como Quebec recebe proporcionalmente muito mais falantes de francês ou

francês e inglês do que a parte anglófona, resultado direto de uma política migratória diversa.

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29  

As Tabelas 3 e 4 nos apresentam a quantidade absoluta de brasileiros entrando no Canadá

como um todo e em Quebec. Chamamos a atenção para a fragmentação da primeira década

dos anos 2000. Se no Canadá inteiro a imigração brasileira é aproximadamente 2,5 vezes

maior a partir da segunda metade da década, em Quebec esse salto é de mais de 5 vezes. Esses

são bons indícios de que a política de recrutamento de imigrantes qualificados da província

franco-canadense vem sendo bem sucedida. Vale lembrar que, a  partir  de  2004,  o  governo  

de  Quebec  adotou  a  estratégia  de  divulgar  a  política  de  imigração  da  província  através  

de   palestras   em   diversas   cidades   espalhadas   por   todo   o   território   brasileiro.   Estas  

palestras  são  realiadas  com  o  objetivo  de  apresentar  Quebec  e  seu  plano  de  inserção  de  

imigrantes  qualificados  em  suas  áreas  de  formação  profissional  também  no  Canadá.  Foi  

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30  

através  de  uma  dessas  palestras  que  entramos  em  contato  pela  primeira  vez  com  o  tema  

desta  dissertação.  

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31  

A população total de Quebec era de aproximadamente 6.575.800 de

habitantes em 2011. Destes, por volta de 887.800 eram imigrantes (13,5% da população total).

O censo 2006 contou 851.560 imigrantes em Quebec, ou 11,5% da população total da

província frente a 9,9% em 2001. No censo realizado em 1996, a população imigrante em

Quebec era de 9,4% e em 1991 era de 8,7% (MÉNARD, 2012; FILIP, 2012; MINISTÈRE DE

L’IMMIGRATION..., 2000).

A imigração permanente para Quebec é dividida em quatro categorias:

imigração econômica28 (69,8% dos imigrantes), reagrupamento familiar (19,4%), refugiados e

pessoas em circunstâncias semelhantes (9,7%), e outros imigrantes (razões humanitárias ou

interesse público (1,1%). Para o trabalho que desenvolvemos, interessa-nos a categoria de

imigrantes econômicos, dentro da qual estão os trabalhadores qualificados29. De todos os

419.485 imigrantes admitidos de 2000 a 2009 na província, 357.205 ainda estavam presentes

em Quebec em janeiro de 2011, uma taxa de permanência 85,2%. O salário médio semanal da

população imigrante era de CA$ 717,88 (setecentos e dezessete dólares canadenses e oitenta e

oito centavos) frente a CA$ 759,99 (setecentos e cinquenta e nove dólares canadenses e

noventa e nove centavos) da população geral. A taxa de desemprego dos imigrantes em

Quebec foi de 12,4% em 2011; dos nascidos no Canadá, era de 7,0% e para o total da

população ela era de 7,8% em Quebec. Em 2006, o desemprego dos imigrantes era de 12,8%

em Quebec (MÉNARD, 2012).

De acordo com as pesquisas conduzidas pelo governo de Quebec

(MÉNARD, 2012), a taxa de desemprego tende a diminuir com o tempo de inserção na

sociedade. Em 2011, ela era de 19,5% dos imigrantes chegados há cinco anos ou menos e

9,3% para os que estavam na província há mais de 10 anos. Analisando por local de origem, a

taxa de desemprego é mais baixa entre os nascidos na Europa (9,7%), seguido por aqueles que

nasceram na Ásia (12,4%), América Latina (14,3%) e África (15,3%). Desagregando os

continentes, quem nasceu na Europa ocidental tem o menor nível de desemprego (5,5%),

seguido por quem nasceu no sul da Europa (10,4%). Os números mais altos são para quem

nasceu no norte da África (15,3%), Caribe e Bermudas (14,2%) e na Ásia Ocidental e Central                                                                                                                28 Imigrantes econômicos são aqueles que têm a intenção de trabalhar em suas áreas de formação. Dentre os fatores de seleção estão formação, experiência profissional, idade, conhecimento de francês e inglês, laços com Quebec, estado civil e posse de filhos dependentes que o acompanham ou não, autonomia financeira e capacidade de adaptação. 29 Apenas dois dos imigrantes que entrevistamos entraram por reunificação familiar por terem se casado com canadenses. Mas, suas falas não se distinguem dos outros imigrantes, como veremos no Capítulo 3.

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32  

(13,4%). Em 2011, a média do salário semanal dos imigrantes foi de CA$ 717,88 (setecentos

e dezessete dólares canadenses e oitenta e oito centavos) em comparação a CA$ 759,99

(setecentos e cinquenta e nove dólares canadenses e noventa e nove centavos) para toda a

população o que representa uma diferença de 5,9%.

Analisando as três principais províncias receptoras de imigrantes, Quebec

tem a maior taxa de desemprego (12,4%) em comparação a Ontario (8,8%) e Columbia

Britânica (7,9%). Se observarmos a variação histórica recente, o desemprego de imigrantes

permaneceu praticamente inalterado de 12,8% no censo de 2006 para 12,4% em 2011. De

acordo com os órgãos de pesquisa do Canadá e Quebec, parte desse maior desemprego deve-

se ao fato das províncias contarem com uma maior proporção de imigrantes com cinco anos

ou menos de chegada. Em 2011, esse grupo era 20,4% do total da população imigrante em

Quebec em comparação com 10,6% em Ontário e 12,0% em Columbia Britânica. Nestas duas

províncias, a taxa de desemprego aumentou entre 2006 e 2011 (respectivamente, de 6,8% para

8,8% e de 5,1% para 7,9%) (MÉNARD, 2012).

Chamamos a atenção para os números acima porque nos critérios de

seleção de imigrantes para Quebec a integração das pessoas no mercado de trabalho é vista

como fator chave. Até por isso a província possui uma política de seleção em que o domínio

da língua francesa é fundamental para a aceitação do imigrante. Apenas a partir de 2006 que

Statistiques Canada conduz pesquisas sobre a participação dos imigrantes no mercado de

trabalho.

Quebec também apresenta uma tendência a diversificar os países

fornecedores de imigrantes que, tradicionalmente eram europeus. Em 1996, 43% da

população imigrante vinha da Europa, 25% da Ásia, 22% das América e 9% da África. Dessa

forma, 68% dos imigrantes do período são alófonos, 19% francófonos e 12% anglófonos. No

mesmo ano, 44% são minorias visíveis – em grande parte, negros, árabes, asiáticos e latino-

americanos. Também vemos forte concentração na região metropolitana de Montreal, que em

1996 detinha 88% da população imigrantes da província – 18% da população total de Quebec

(MINISTÈRE DE L’IMMIGRATION..., 2000).

Dos 441.022 imigrantes admitidos em Quebec entre 2001 e 201030,

334.696 estavam presentes na província em janeiro de 2012, uma taxa de permanência de

75,9% (FILIP, 2012). A presença varia de acordo com o lugar de nascimento do imigrante.

                                                                                                               30 Na pesquisa desenvolvida pelo governo de Quebec, uma pessoa é considerada presente se possuir carta de saúde pública válida na data da pesquisa (Medicare, uma espécie de cartão do SUS de Quebec). O período de validade dessa carta é um ano para a primeira e de quatro anos após a primeira renovação.

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33  

Ela é de 83,2% para os nativos das Américas, 81,6% para os da África, 76,3% para os

europeus e 64,9% para os asiáticos. Separando pelos continentes, chama atenção que 90% dos

provenientes das Antilhas permanecem; 83,2% da América Central, 80,9% da América do Sul

e 71,9% da América do Norte. Dentro da categoria de imigrantes econômicos, 72,7% ficam

em Quebec – sendo de 75,7% destes trabalhadores qualificados. Dentre os que só falam

francês no momento da seleção por Quebec, 85,1% permanecem – frente a 75,7% para quem

conhece também o inglês, 67,5% para apenas inglês e 73,1% para nenhuma das duas línguas

oficiais do Canadá (FILIP, 2012).

PROBLEMAS DA IMIGRAÇÃO EM QUEBEC/CANADÁ

Nos últimos anos, um dos grandes problemas enfrentados pelo Canadá diz

respeito ao aumento do nível de inequidade de inserção dos imigrantes no mercado de

trabalho. No ano 2000, 28,5% dos imigrantes estavam na faixa de população de baixa renda

contra 20% em 1980.

A preocupação se tormou mais intensa nos últimos anos assim como os problemas surgiram. Tradicionalmente, os imigrantes para o Canadá acessam rapidamente a economia. Entretanto, os recentes não vêm usufruindo o mesmo sucesso apesar de serem altamente qualificados. Eles estão começando com baixos salários e demorando mais tempo para convergir seus vencimentos com os de nativos. […] para imigrantes qualificados de profissões reguladas, o reconhecimento de suas credenciais adquiridas no exterior pelos conselhos de classe é crítico (BANTING, 2010, p. 5-13)31.

A mudança para uma sociedade que atrai como imigrantes uma minoria

visível talvez seja o grande fator causador dessa clivagem salarial observada hoje no Canadá.

É bem conhecido que os imigrantes estão entrando no Canadá de diferentes países agora do que era o caso nos anos 1970. Entre 1981 e 2001, houve uma queda de imigrantes dos Estados Unidos, Norte da Europa, Sul da Europa, Caribe, América do Sul e Central, e Sudeste asiático. O escopo de imigrantes “recentes” dessas áreas caiu de 65% para 28%. Regiões de onde vêm crescendo o escopo incluem o Leste europeu, o Sul da Ásia, (Índia e Paquistão), Leste da Ásia (China, Koreia, Japão), o Oeste da Ásia (Iraque, Irã, Afeganistão) e África. Coletivamente, o escopo de imigrantes recentes dessas regiões cresceu de 35% em 1981 para 72% em 2001. Imigrantes dessas áreas podem ter menores rendimentos na entrada, mesmo com níveis comparáveis de educação e experiência profissional. O capital

                                                                                                               31 The preoccupation has become more intense in recent years, as problems have emerged. Traditionally, immigrants to Canada moved quickly into the economic mainstream. However, recent cohorts of newcomers have not enjoyed the same economic success, despite having higher levels of education and training. They are starting at lower income levels and are taking much longer to converge on the income of the native-born population. […] For skilled immigrants trained in regulated professions, the recognition of their credentials by occupational regulatory bodies is critical (BANTING, 2010, p. 5-13).

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34  

humano deve inicialmente ser menos transferível devido potencialmente à língua, diferenças culturais, qualidade educacional, e possivelmente discriminação (PICOT; SWEETMAN, 2005, p. 16)32.

Esses dados sugerem que algum fator (por exemplo, o reconhecimento da

experiência de trabalho ou escolaridade, competências linguísticas, a qualidade escolar, etc)

associado com as regiões de origem podem desempenhar um papel significativo no declínio

dos vencimentos dos imigrantes. Aparentemente, os imigrantes vêm sofrendo do mercado de

trabalho dificuldades de credenciamento de suas habilidades – treinamento educacional e

experiência profissional – conquistadas antes da chegada. Há pouca evidência de que são

condições macro-econômicas as responsáveis pela queda relativa da renda dos imigrantes nos

últimos anos. No ano 2000, o desemprego no Canadá era o mais baixo dos últimos anos, mas

o país não observa uma equalização significativa entre rendas de imigrantes e canadenses

nascidos. O não reconhecimento da experiência de trabalho anterior à entrada é um dos

principais fatores para o declínio salarial dos imigrantes no Canadá nos últimos anos. Os

imigrantes, apesar da idade com que chegam ao mercado de trabalho e de sua experiência

profissional anterior, são tratados como se estivessem começando a trabalhar e na busca do

primeiro emprego. Além disso, os dados sugerem que como esse problema não é observado

em imigrantes provenientes dos tradicionais países remetentes de imigrantes para o Canadá,

aparentemente existe preconceito do empregador em aceitar a inclusão do imigrante (PICOT;

SWEETMAN, 2005).

Outro fator que vem tomando grande importância é a “negação de credenciamento de experiências exteriores”. O capital humano consiste em grande educação/treinamento e as habilidades desenvolvidas através da experiência de trabalho. Uma pessoa normalmente espera retornos desse capital humano quando entra no emprego, mas os imigrantes de países não tradicionalmente fontes recebem benefícios econômicos próximos de zero da potencial experiência profissional pré-Canadá (PICOT; SWEETMAN, 2005, p. 19)33.

                                                                                                               32  As is well known, immigrants are entering Canada from very different countries now than was the case in, say the 1970s. Between 1981 and 2001, a decreasing share of immigrants came from the U.S, Northern Europe, Southern Europe, the Caribbean, South and Central America, and Southeast Asia. The share of “recent” immigrants from these areas fell from 65% to 28%. Regions increasing their shares included Eastern Europe, South Asia (India, Pakistan), East Asia (China, Korea, Japan), Western Asia (Iraq, Iran, Afghanistan) and Africa. Collectively, the share of recent immigrants from these regions rose from 35% in 1981 to 72% in 2001. Immigrants from these source regions may have lower earnings at entry, even with comparable levels of education and experience. Their human capital may initially be less transferable due to potential issues regarding language, cultural differences, education quality, and possibly discrimination (PICOT;   SWEETMAN,   2005,   p.  16). 33  Another   factor   that   is   taking   on   increasing   importance   is   referred   to   as   “declining   returns   to   foreign  experience”.  Human  capital  consists  largely  of  education/training  and  the  skills  developed  through  work  experience.   One   typically   expects   some   return   to   this   human   capital   when   entering   employment,   but  immigrants   from   non-­‐traditional   source   countries   receive   close   to   zero   economic   benefits   from   pre-­‐Canadian  potential  labour  market  experience  (PICOT;  SWEETMAN,  2005,  p.  19).  

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35  

Apesar desses problemas apresentados, o número de imigrantes entrando

no Canadá permanece estável ao longo dos últimos anos. A principal hipótese que

trabalhamos é a de que o estado de bem-estar social canadense é uma das poucas alternativas

claras e objetivas de inserção de imigrantes entre os países da OCDE e, por isso, o país

continua sendo atrativo mesmo não tendo mais o mesmo vigor econômico.

Comparado com canadenses nascidos, os imigrantes recentes são geralmente mais bem qualificados. Ultimamente, a lacuna educacional vem se alargando. Por exemplo, 16% dos homens canadenses nascidos na nossa amostragem tinha diploma universitário em 1990 (ano de referencia); por volta de 2000, isso subiu para 19%. Em contraste, 25% dos recentes imigrantes tinham diploma universitário em 1990 e isso subiu para 44% [em 2000] (FRENETTE; MORISSETTE, 2003, p. 4)34.

Historicamente, o Canadá vê a imigração como um instrumento chave na

promoção de crescimento econômico e demográfico. Ao longo de sua história, as políticas de

imigração vêm mudando significativamente e acompanham as alterações de modelo

federativo que o país experimenta. Dessa forma, pretendemos discutir o contexto de

barganhas em que as políticas de imigração se inserem no Canadá. Três são os instrumentos

utilizados para a ampliação da diversidade cultural canadense. Primeiro, a adoção de políticas

bilinguísticas e multiculturalistas pelo governo central a partir dos anos 1960 refletiu um

processo de redefinição da identidade nacional. Um esforço para o país deixar de ser visto

como uma sociedade britânica e melhor refletir sua complexidade cultural. Inclusive uma

nova bandeira, sem referências étnicas, foi adotada em 1965 (a atual bandeira).

Segundo, a Carta de Direitos e Liberdades, a qual foi anexada à

Constituição de 1982. Ela prevê justiça social e proteção contra discriminação às minorias

populacionais. Dessa forma, há liberdade para todas as práticas religiosas e para a

comunicação em todas as línguas presentes no país. A Carta proíbe qualquer tipo de

preconceito, seja ele baseado na raça, nacionalidade ou grupo étnico, cor, religião, sexo e

doença mental. “(...) a Carta também é um instrumento para ‘canadizar’ os novos imigrantes

os convidando a verem o governo federal como fonte de proteção de discriminação e

identificação com a comunidade política pan-canadense” (BANTING, 2010, p. 15)35.

                                                                                                               34 Compared to Canadian-born individuals, recent immigrants are generally more educated. In recent years, the education gap has been widening. For example, 16% of Canadian-born men in our sample had a university degree in 1990 (reference year); by 2000, this had risen to 19%. In contrast, 25% of recent immigrants had a university degree in 1990, this shot up to 44% (FRENETTE; MORISSETTE, 2003, p. 4). 35 “(...) the Charter is also an instrument for “Canadianizing” newcomers, inviting them to see the federal

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36  

Por fim, a última ferramenta federal de integração é a naturalização. O

governo federal mantém exclusividade na concessão de cidadania e os imigrantes passam a

ter esse direito depois de três anos vivendo no país como residentes permanentes e após

passarem em um teste que visa aferir os conhecimentos sobre democracia, história e geografia

canadense. Isso faz com que o país tenha uma das mais altas taxas de naturalização do mundo

– aproximadamente 85% (BANTING, 2010).

A primeira geração de imigrantes – ou seja, aqueles nascidos fora –

representava aproximadamente 20% da população do Canadá de acordo com o último censo

de 2011. “O Canadá tem uma longa história de ver a imigração como instrumento para o

desenvolvimento econômico e construção nacional. Sua política de imigração dá prioridade a

migrantes econômicos que, espera-se, entrem no mercado de trabalho rapidamente”

(BANTING, 2010, p. 5)36. Mas, as políticas de imigração vêm sofrendo fortes transformações

no contexto do federalismo canadense. A substancial descentralização observada nos últimos

anos criou o que talvez seja o mais complexo sistema de imigração do mundo: a assimetria é a

marca.

Entre 1971 e 1991, Quebec foi a província canadense que constantemente

pressionou e negociou com o governo federal para ter autonomia em sua política de

imigração. Foram quatro acordos assinados ao logo desses anos, sendo o último o acordo

Canadá-Quebec de 1991 ainda em vigor nos dias de hoje (MINISTÈRE DES RELATIONS

AVEC LES CITOYENS ET L’IMMIGRATION, 1991). Cada um deles foi aos poucos dando

mais poder e autonomia para a província.

Mas, nem sempre a imigração foi bem vista pelos franco-canadenses. Até

os anos 1960, Quebec a via como algo perverso para seus interesses, pois os imigrantes

seriam uma ameaça à cultura e tradições locais. Entretanto, a partir dos anos 1960, o governo

provincial começou a perceber que um fluxo migratório bem gerido poderia vir ao encontro

das necessidades de contrabalançar a queda da taxa de natalidade e de fortalecer o vigor

econômico da província. A justificativa para a necessidade de existência de uma política

própria é o argumento de que Quebec é uma sociedade distinta e com necessidades diferentes

das outras províncias. Assim, a política de imigração de Quebec é um bom exemplo de

funcionamento do modelo de federalismo assimétrico canadense. E ela teve um importante

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         government as a souce of their protection from discrimination and to identify with the pan-Canadian political community (BANTING, 2010, p.15). 36 “Canada has long seen immigration as an instrument of economic development and nation-building. Its immigration policy gives priority to economic migrants who are expected to enter the labour force quickly” (BANTING, 2010, p. 5).

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37  

efeito descentralizador na dinâmica de relações entre Ottawa e as províncias como um todo

(GAGNON; IACOVINO, 2007).

Dentro da federação canadense, Quebec é a única província com

constantes demandas por assimetria. A justificativa para a adoção desse modelo de federação

está no fato dela ser a melhor forma de reter Quebec na federação através da satisfação das

necessidades da província, as quais são diferentes do restante do Canadá. Opositores do

modelo assimétrico alegam que essa é uma estratégia que a província vem adotando ao longo

dos anos para aos poucos ir se movimentando para uma completa independência (KOSTOV,

2009).

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38  

CAPÍTULO 2 - FEDERALISMO CANADENSE

Este capítulo faz a apresentação do modelo de federalismo canadense.

Acreditamos que para entender o contexto de surgimento da política de imigração de Quebec

é fundamental conhecer as bases teóricas e históricas que permitem a uma província possuir

autonomia para estabelecer e coordenar o recrutamento de imigrantes que atendam a seus

interesses.

Ao se tornar uma sociedade multicultural o Canadá deu origem a

demandas de Quebec para o recrutamento e implementação de sua própria política de

imigração. A província tornou-se autônoma para governar esta política porque, desde os anos

1970, Ottawa está tentando esfriar o nacionalismo quebequense. Dar a Quebec autonomia sob

este assunto foi uma forma do governo federal mostrar que estava aberto à negociação com a

província sobre demandas específicas, mas apenas quando a concessão de poder não

significasse um risco potencial para a separação entre Quebec e o resto do Canadá

(GAGNON; IACOVINO, 2007). Então, vemos a política de imigração de Quebec como um

bom exemplo de como o federalismo assimétrico funciona no país. Assim, a política de

imigração de Quebec nos parece um resultado direto do desenvolvimento de uma sociedade

multicultural dentro de um contexto de federalismo assimétrico.

A justificativa para a necessidade de ter a própria política de imigração foi

o argumento de que Quebec é uma sociedade diferente, com necessidades diferentes das

outras províncias. A política de imigração de Quebec teve um efeito importante sobre a

descentralização das relações entre Ottawa e províncias canadenses como um todo. Dentro da

federação, Quebec é a única província com demandas constantes por assimetria.

Dessa forma, começamos o capítulo apresentando o que é o federalismo

assimétrico canadense. Mostramos que Quebec é uma província que possui uma peculiaridade

cultural que resultou em uma maior autonomia para gerir determinadas políticas públicas. A

política de imigração da província é uma forma de apresentar essa relação. Entendemos que

para compreender um modelo federalista é importante saber as dinâmicas das relações

políticas, fiscais e judiciais que permeiam uma federação. São justamente esses três pontos

que tentamos discutir abaixo através da apresentação da visão de alguns cientistas sociais

canadenses.

FEDERALISMO ASSIMÉTRICO CANADENSE

Um estudo sobre o federalismo canadense deve levar em conta algumas

especificidades do país. Primeiro, o atual desenho institucional é contestado tanto pelos

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39  

nacionalistas de Quebec como pelos regionalistas das províncias do oeste, pelos centralistas e

pelos favoráveis à descentralização. Segundo, o Canadá é uma federação multinacional (além

dos francófonos, concentrados principalmente em Quebec, há as Primeiras Nações – os

autóctones – e a maioria inglesa no restante do Canadá) e, além disso, possui diversidades

regionais materializadas nos diferentes territórios da federação.

Também deve se levar em conta que da forma como é praticado no

Canadá, o federalismo nunca foi popular em Quebec. Isso não quer dizer que a população da

província francófona se oponha ao federalismo, mas sim que ela se recusa a aceitar o modo

como ele foi implementado pelo governo central. Duas são as razões apontadas para o

desacordo: os estados membros (as províncias e territórios) deveriam ter maior autonomia, e a

não subordinação às imposições de Ottawa (que é vista como partidária da maioria inglesa).

Quebec comumente interpreta que o federalismo canadense estaria melhor alinhado a seus

interesses se ele fosse mais comunitário e multinacional, o que permitiria às regiões terem

papel decisivo no jogo político em termos de identificação e suporte ao governo central

(GAGNON, 2009b).

Ao mesmo tempo, dentro desse caldeirão de críticas e pressões político-

sociais, o federalismo é visto pelos canadenses como possuidor de qualidades que contribuem

para a longevidade democrática quando garante o respeito aos direitos de acesso às

instituições pelos grupos minoritários. Pelo que se observa, esse respeito se dá através da

redistribuição de bens e recursos, através do balanço de poder entre o governo central

(materializado em Ottawa) e o periférico (das províncias e municipalidades), além do manejo

de conflitos políticos – geralmente através de partidos políticos que expressam a diversidade

do país no Parlamento Canadense e funcionam como mediadores dos interesses.

O modelo de Estado-Nação de Westfalia permanece muito popular no

Canadá Inglês, mas não na parte francesa. Esta entende que o federalismo assimétrico seria a

melhor forma de integração e funcionaria como um importante instrumento que permitiria

acomodar reivindicações políticas feitas por nações minoritárias em um ambiente

democrático. No entanto, no Canadá, políticas de concessões só vêm funcionando enquanto o

governo central está disposto a levar a sério alegações feitas pelas nações minoritárias –

sobretudo sob ameaças de rompimento. Os reajustes que o desenho federativo assimétrico

canadense vem sofrendo ao longo dos anos visam assegurar que as modificações serão apenas

para os parceiros mais fracos, mas o que vemos é que outros entes membros comumente

reivindicam os mesmo direitos ou “esbravejam” contra o que julgam serem privilégios

concedidos às minorias. No Canadá, o princípio federal da não subordinação vem sendo

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40  

frequentemente atacado pelo governo central sob o apoio das províncias anglófonas

(GAGNON, 2009c).

Federações multinacionais demandam o estabelecimento de modelos

assimétricos de federalismo para permitir que comunidades diversas possam oferecer a seus

cidadãos a possibilidade de perceberem-se plenamente. Isso pode ser feito através de ênfases

e reajustes que enriqueçam o contexto de escolha de cada uma das comunidades do contrato

original. Equidade para os cidadãos não significa a mesma coisa que igualdade de tratamento

das províncias. O modelo assimétrico pode ser visto como provedor de igualdade moral –

uma vez que garanta que a identidade nacional das minorias receba a mesma preocupação e

respeito que normalmente a nação majoritária angaria. No Canadá, dessa forma, Quebec

apresenta-se como um dos principais reivindicadores de mudanças instituídas

constitucionalmente e, assim, que não sejam revertidas facilmente pelo bel-prazer de qualquer

governo central. Ao longo da história, a província francófona vem sendo forçada a aceitar

arranjos políticos que poderiam ser modificados de acordo com o interesse momentâneo do

poder central: ela presencia acordos que não possuem estabilidade de longo prazo. Esse jeito

de coexistir é o que leva os quebequenses a pensarem na necessidade de se retirarem da

federação canadense.

O federalismo assimétrico, como vem sendo praticado no Canadá, é visto

pela maior parte dos partidários da soberania de Quebec como uma estratégia de

desmobilização do nacionalismo da província e também gerador de compensações

insignificantes perante as invasões de jurisdição da província pelo governo federal. Já para os

partidários do federalismo canadense dentro de Quebec, a assimetria é vista como uma última

esperança para a manutenção da convivência partilhada: acredita-se que é possível encontrar

uma fórmula mais adequada para um funcionamento sem tantas tensões.

No entanto, tais acomodações não se tornarão realidade enquanto uma oposição feroz ao desenvolvimento completo do federalismo assimétrico continuar a se manifestar. Fora de Quebec, frequentemente o federalismo assimétrico é denunciado como agente de erosão dos alicerces de uma nação canadense de costa a costa e indivisível (GAGNON, 2009c, p.260, tradução nossa)37.

                                                                                                               37 However, such arrangements cannot become reality as long as fierce opposition to a full-blown version of asymmetrical federalism continues to manifest itself. Outside of Quebec, asymmetrical federalism has more often than not been denounced as presaging the erosion of the very foundations of the Canadian nation that is usually presented as ‘sea-to-sea’ and indivisible (GAGNON, 2009c, p.260).

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41  

A aceitação da assimetria para a preservação da integridade nacional é

afetada pelos projetos independentes e às vezes interdependentes de “Canadá”, “Quebec” e

“primeiras nações”. Assim, é latejante na esfera político-social canadense o debate dos

princípios que a maioria do país (anglófona) e as nações minoritárias precisariam introjetar.

Entende-se que a sociedade como um todo é melhor que a soma de suas partes; para a

assimetria ter sucesso, propõe-se que as lealdades não precisem ser hierarquicamente

estabelecidas para serem fomentadas; e, acredita-se no compromisso de ampliar o acesso do

cidadão aos locais institucionais em que o diálogo democrático pode ocorrer de fato. De

acordo com Gagnon (2009c), são duas as condições para o estabelecimento estável do

federalismo assimétrico: os defensores do nacionalismo majoritário no Canadá e em Quebec

deveriam aceitar que outros projetos coletivos possam ser elaborados; e, mais importante,

nenhuma identidade cultural deve ser dominante à custa do reconhecimento da outra –

imposições que tanto a parte inglesa do Canadá faz com Quebec, e que ambas impõem às

primeiras nações.

Em um mundo caracterizado por grande diversidade o federalismo assimétrico representa a única construção constitucional que fornece flexibilidade considerável para a governança. A maioria das formas de tratamento diferenciadas no Canadá é geralmente vista por um bom número de canadenses fora de Quebec como uma expressão de tratamento desigual, como privilégios para os quebequenses. Esta mesma maioria de canadenses se opõe à expressão ou mesmo a um mínimo status de distinção a Quebec. [...] Os nacionalistas canadenses se opuseram a poucas iniciativas que talvez favoreceram a implementação do federalismo assimétrico no país (GAGNON, 2009c, p. 266-267, tradução nossa)38.

Alguns cientistas políticos canadenses acreditam que Quebec nunca

deixará de tentar exercer poder nas instituições centrais mesmo se o status de província

distinta – tão reivindicado – seja de fato institucionalizado, pois seu apetite é insaciável

(KOSTOW, 2009). Por outro lado, devemos lembrar-nos que, ao longo do século XX,

federações simétricas (como a União Soviética, Iugoslávia, Checoslováquia, etc) enfrentaram

secessão. Este argumento é visto no Canadá como um atenuador da oposição ao federalismo

                                                                                                               38 In a world characterized by deep diversity asymmetrical federalism represents a unique institutional construction that gives considerable flexibility in governance. Most forms of differentiated treatment in Canada are usually seen by a good number of Canadians outside of Quebec as an expression of unequal treatment, as privileges accorded to Quebecers. This same majority of Canadians is opposed to all expressions of even a minimally distinct status for Quebec. […] Canadians nationalists have opposed the few initiatives that might have favored the implementation of asymmetrical federalism in the country (GAGNON, 2009c, p. 266-267).

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assimétrico, mas não se observa uma desmobilização dos que barram a plena implementação

de um modelo institucional desproporcional.

A multinacionalidade canadense irá se materializar institucionalmente no dia em que o federalismo assimétrico for percebido como legítimo; pensando desse jeito é que vale a pena defender esse princípio que contribui para o reconhecimento da diversidade nacional de Quebec. Atualmente, o grande desafio é implantar o reconhecimento de Quebec de acordo com seus próprios termos – os termos de uma nação que é plenamente constituída (GAGNON, 2009c, p. 268, tradução nossa)39.

A nacionalidade canadense pressupõe um federalismo que reconhece a

existência de identidades diversas e compartilhadas. Dessa forma, ao mesmo tempo em que a

história de constituição do país é um grande feito, ela também é uma grande tragédia nas

relações cotidianas.

Uma contestação trágica existiu entre franceses e ingleses, os quais eram “como irmãos que se odeiam... [e] têm que viver sobre o mesmo teto”. [...] A tragédia do Canadá é agravada e complicada pela presença de minorias de vários tipos. Entre elas está a "terceira força" dos canadenses, os imigrantes recentes que não pertencem nem à maioria francesa nem inglesa e que consideram sua participação na sociedade canadense como precária. O seu medo – que é compartilhado por mulheres, gays e outros grupos – é que eles vão ser relegados a uma cidadania de segunda classe e sofrer as deficiências e indignidades que a acompanham. Como resultado, esses grupos divergentes muitas vezes se unem para exigir a criação de "um Canadá", ao qual se associam com cidadania um modelo de cidadania que não crie diferenças entre os canadenses. Juntamente com os aborígines, eles se opuseram ao (fracassado) Acordo Constitucional Meech Lake, de 1997, porque acreditavam que reconhecer Quebec como uma sociedade distinta minou os direitos e a dignidade de seu grupo (LASELVA, 1996, p. 4, tradução nossa)40.

Muitos canadenses – principalmente da parte inglesa – têm dificuldades

em aceitar com naturalidade um rompimento. Para eles, o desaparecimento do país como

                                                                                                               39 The Canadian multination will materialize institutionally the day that asymmetrical federalism is perceived to be legitimate; it is thus worthwhile to defend this principle that contributes to a recognition of Quebec’s national diversity. At present, the main challenge is to address the recognition of Quebec according to its own terms – in the terms of a nation that is fully constituted (GAGNON, 2009c, p. 268). 40 A tragic contest existed between French and English, who were “like brothers that hate each other… [and] have to dwell under roof”. […] The tragedy of Canada is compounded and complicated by the presence of minorities of various kinds. Among them are “third force” Canadians, recent immigrants who belong to neither the French nor English majorities and who regard their membership in Canadian society as precarious. Their fear – which is shared by women, gays, and other groups – is that they will be relegated to second-class citizenship and suffer the disabilities and indignities that accompany it. As a result, these divergent groups often join together in demanding the creation of “one Canada”, which they associate with undifferentiated citizenship for all Canadians. Together with Aboriginals, they opposed the (failed) Meech Lake Constitutional Accord of 1987 because they believed that the recognition of Quebec as a distinct society undermined the rights and dignity of their group (LASELVA, 1996, p. 4).

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constituído hoje seria um evento trágico e de consequências nefastas a todas as partes. A

fragmentação é vista como o caminho que levaria a parte inglesa a incorporar cada vez mais

aspectos culturais dos Estados Unidos, o que representaria não necessariamente o

desaparecimento de independência política, mas, sobretudo, o da identidade cultural distinta e

valorizada pelos canadenses.

O paradoxo do Canadá é que suas divisões internas ao mesmo tempo em

que fomentam uma identidade distinta geram instabilidade social. Mas, o lado positivo é que a

história de constituição do país também pode ser vista como a crônica da aceitação da divisão

e diferenças como conceitos de bens comuns. O ponto central do federalismo canadense – o

que concede estabilidade à federação – é a existência de uma cidadania com equidade de

garantias sociais, compartilhada tanto pela parte inglesa como pela francesa: “(...) quando

colisões não podem ser evitadas ao menos elas podem ser suavizadas” (LASELVA, 1996, p.

6)41. O Estado canadense luta para promover a liberdade das pessoas e das comunidades, e da

justiça social e penal – as quais são vistas como essências da liberdade. “Algumas nações

valorizam a homogeneidade cultural e grandeza militar, mas no Canadá a aceitação da

diferença e justiça social são mais frequentemente valorizadas” (LASELVA, 1996, p. 7,

tradução nossa)42.

Por isso, parte do sentimento de pertença do canadense se expressa por

meio do desenho institucional do federalismo. Este é visto como um instrumento para

amenizar as tensões e evitar rompimentos. Os cidadãos podem ser ao mesmo tempo membros

de uma comunidade ampla (o Canadá) e outra distinta (identidades regionais). Pode-se, assim,

dividir uma vida comum sem renunciar identificações e particularidades.

Entretanto, por conta dessa liberdade de diversidade, os próprios

canadenses veem seu país como de difícil governabilidade e integridade frágil. “Parte da

dificuldade é que os canadenses geralmente consideram o federalismo como uma solução para

suas dificuldades ao mesmo tempo em que os instrumentos do federalismo são

frequentemente fonte de tensões que afligem seu país” (LASELVA, 1996, p.9)43. Os três

pilares do sistema constitucional do Canadá são: o federalismo, o governo parlamentar e a

Carta de Direitos e Liberdades (SMILEY, 1986). Mas, não podemos deixar de ressaltar a

                                                                                                               41 “(...) when collisions cannot be avoided, they often can be softened” (LASELVA, 1996, p. 6). 42 “Some nations associate greatness with cultural homogeneity and military aggrandizement, but in Canada it is more often identified with the acceptance of difference and with the creation of a more just society” (LASELVA, 1996, p. 7). 43 “Part of the difficulty is that Canadians usually regard federalism as a solution to their difficulties, yet the instrumentalities of federalism are as often a source of the strains that afflict their country” (LASELVA, 1996, p.9).

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importância do estado de bem-estar social para a sustentação da integridade territorial do país.

É a chegada desse modelo de sociedade que ajuda a centralizar a federação durante a segunda

metade do século XX.

Identidades políticas são altamente contestadas no Canadá e programas sociais emergiram como instrumentos de construção da nação. Para o govenro central, a política social vem sendo vista como um instrumento para a integração territorial, parte da cola social que coloca junto um vasto país sujeito a tendências centrífugas. Os programas sociais nacionais criaram uma rede de relações entre cidadãos e o governo central por todo o país, ajudando a definir a comunidade política nacional e fortalecendo a legitimidade do estado federal. Entretanto, os governos provinciais, especialmente o de Quebec, também vêem políticas sociais como um instrumnto para construção de uma comunidade distinta em nível regional, refletindo dinâmicas linguísticas e culturais da sociedade quebequense. Para ambos os níveis de governo, contudo, políticas sociais vêm sendo instrumento não apenas de justiça social, mas também do estadismo a ser implantado em um processo competitivo de construção da nação (BANTING, 2005, p. 90)44.

Assim, as políticas de bem-estar social são territoriais, enraizadas em

divisões lingüísticas e regionais. Além de um estado federal, o Canadá é uma sociedade

federal. Ele é o primeiro país do mundo a fundir instituições federalistas com o modelo de

governo parlamentar de Westminster – o qual concentra poder nas mãos do executivo tanto no

nível federal como provincial, conhecido como federalismo executivo (WATTS, 1989). Em

poucas províncias do país observamos representação partidária que transpassam o nível local

e nacional. Essa dinâmica criou negociações políticas distintas, pois são poucas as

verticalizações partidárias de poder. Assim, muitos dos programas sociais são elaborados via

negociações diretas entre os executivos do governo federal e provincial, o que gera críticas

quanto ao nível de republicanismo das decisões tomadas nas reuniões interministeriais45.

Para melhor entendermos a história do federalista no Canadá, podemos

ressaltar três grandes momentos históricos distintos: o pré-Segunda Guerra Mundial, no qual

o país apresentava um federalismo descentralizado com poucas políticas sociais implantadas;

                                                                                                               44 Political identities are highly contested in Canada, and social programmes have emerged as instruments of nation-building. For the central government, social policy has been seen as an instrument of territorial integration, part of the social glue holding together a vast country subject to powerful centrifugal tendencies. National social programmes create a network of relations between citizens and the central government throughout the country, helping to define the boundaries of the national political community and enhancing the legitimacy of the federal state. However, provincial governments, especially the Quebec government, have also seen social policy as an instrument for building a distinctive community at the regional level, one reflecting the linguistic and cultural dynamics of Québécois society. For both levels of government, therefore, social policy has been an instrument not only of social justice but also of statecraft, to be deployed in the competitive processes of nation-building (BANTING, 2005, p. 90). 45 No Canadá, frequentemente reuniões entre os chefes dos podere executivos (o primeiro do país e de cada província) funcionam como instâncias para tomada de decisões. Essas reuniões não são previstas pela Constituição.

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45  

a fase expansionista centralizadora a partir de 1940 e até meados dos anos 1970, que observou

um rápido desenvolvimento de programas sociais implantados via governo federal; e o pós-

1980, que apresenta um modelo de centralismo compartilhado no qual as decisões de políticas

a serem implantadas são feitas através de negociações diretas entre províncias e Ottawa.

Os anos 1940 marcaram um período de forte dominação política do

governo federal. Podemos colocar grande parte do poder obtido por Ottawa na conta do

esforço de guerra. Houve aumento do poder das burocracias nacionais e domínio da

arrecadação de impostos. “(...) o governo federal entrou na era pós-guerra fortalecido.

Durante as décadas subsequentes, Ottawa ficou ansiosa para reter impostos e expandir

transferências condicionadas de recursos para programas de equalização de pagamentos para

as províncias mais pobres” (BANTING, 2005, p.102)46. Dessa forma, o governo federal

conseguiu construir a agenda de um pan-Canadá via o desenvolvimento de programas de

equalização interprovincial. Mas, a partir dos anos 1960 começam a surgir insatisfações dos

governos provinciais por conta da concentração de poder. O nacionalismo em Quebec renasce

através da revolução tranquila, um momento de modernização administrativa da província

francófona que transformou o papel cultural da burocracia do governo provincial para uma

posição muito mais proativa. “Após os anos 1960, os governos de Quebec começaram a ver

as políticas sociais como centrais para a preservação e fortalecimento de uma comunidade

falante de francês distinta na América do Norte” (BANTING, 2005, p. 132)47.

Quebec estava obstinada com a ideia de construção de um modelo de bem-

estar social próprio e que possuísse relação com sua diversidade linguística e cultural. A partir

desse momento, observamos o surgimento de um modelo semicentralizado de bem-estar

social, mas ainda com forte controle do governo central via o poder econômico de

recolhimento dos impostos e do condicionamento de transferências para programas sociais de

interesse de Ottawa. “Os meados dos anos 1990 representaram um ponto alto de cerceamento

do poder federal sobre as províncias. A partir daí, os governos vêm reparando parte do

estrago” (BANTING, 2005, p. 129)48.

                                                                                                               46 “(...) the federal government entered the post-war era in a powerful position. During the subsequent decades Ottawa was anxious to retain enough of the tax fields to expand conditional grant programmes and equalization payments to poorer provinces” (BANTING, 2005, p.102). 47 “After the 1960s Quebec governments came to see social policy as central to the preservation and enhancement of a distinctive French-speaking community in North America” (BANTING, 2005, p. 132). 48 “The mid-1990s represented the high point of federal retrenchment and the low point in federal-provincial relations. Since then, governments have sought to repair some of the damage” (BANTING, 2005, p. 129).

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46  

FEDERALISMO FISCAL NO CANADÁ

Até o início dos anos 1990, as relações intergovernamentais do Canadá

eram dominadas por discussões constitucionais. A distribuição de recursos financeiros

obviamente sempre foi importante, mas ela aparecia mais como uma discussão administrativa

e técnica ao invés de uma questão constitucional.

O fracasso do acordo Charlottetown49 em 1992 assinalou o final de uma era. Um ano depois o Partido Liberal assumiu o poder compromissado em não tratar de assuntos constitucionais e focado na criação de empregos. Eventos subsequentes, entretanto, logo mudaram a situação para o novo governo. Primeiro, a vitória do Partido Quebequense50 em 1994 colocou Ottawa em posição de defesa da unidade nacional. Segundo, o estado das finanças públicas empurrou o governo de Chrétien51 a enfatizar a redução do déficit fiscal mais do que a criação de empregos, o que o levou inclusive a revisar a política de transferências para as províncias. Como a janela de contestação constitucional estava sendo fechada quase que definitivamente, uma nova divisão de recursos financeiros abriu nova frente de disputa (NOËL, 2009, P.273, tradução nossa)52.

O desequilíbrio fiscal, dessa forma, passa a ser um dos grandes temas de

disputa entre as províncias e o governo federal a partir de meados dos anos 1990 e perdura até

hoje.

As questões a este respeito são múltiplas, importantes e complexas. Elas envolvem, obviamente, o desequilíbrio fiscal, um problema que se tornou objeto de um amplo consenso em todo o país e que todos os partidos políticos federais reconhecem como importante. Eles incluíram também os diversos acordos de financiamento de saúde pública, notadamente o acordo de 2004, o qual abriu a porta para o federalismo assimétrico, o debate em curso sobre a reforma da equalização, e as tensões criadas pelo crescimento das receitas do petróleo em algumas províncias. Todas essas questões dizem respeito ao modo como os recursos financeiros são compartilhados dentro da federação canadense, entre as duas ordens de governo, e entre as províncias e territórios (NOËL, 2009, p.274, tradução nossa)53.

                                                                                                               49 O acordo de Charlottetown foi um pacote de emendas à Constituição do Canadá proposto pelos governos federal e provinciais em 1992. Ele foi submetido a um referendo popular em 26 de outubro daquele ano e foi derrotado. 50 Parti Québécois, partido nacionalista cujo lema central é a luta pela soberania de Quebec e que assumiu o controle politico da provincia em 1994. 51 Jean Chrétien, chefe do Partido Liberal, primeiro-ministro do Canadá entre 1993 e 2003. 52 The failure of the Charlottetown Accord in 1992 signaled the end to this era. A year later, the Liberal Party took power with a commitment not to talk about the constitution and to focus instead on creating jobs. Subsequent events, however, soon changed the situation for the new government. First, the victory of the Parti Québécois in 1994 placed Ottawa on the defensive on national unity. Second, the state of public finances pushed the Chrétien government to emphasize deficit reduction rather than employment and led it to undertake a major revision of federal transfer payments to the provinces. As the window on constitutional questions was being closed almost definitively, a new one on the division of financial resources opened up at the forefront (NOËL, 2009, P.273). 53 The issues in this respect are multiple, important, and complex. They involve, obviously, fiscal imbalance, a problem that became the object of a wide consensus across the country and that all federal political parties ended up acknowledging. They included as well the various agreements on health care financing, notably the 2004

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Noël (2009) apresenta uma revisão histórica dos momentos de partilha de

proventos na federação canadense. O autor busca mostrar a importância de se atentar para a

correspondência entre divisão de poderes e recursos. A federação canadense é baseada em

uma constituição que integra comunidades separadas dentro de um mesmo arcabouço legal.

Dentre os princípios que normalmente marcam uma federação estão separação de poderes e

autonomia administrativa. Além disso, o estabelecimento de uma segunda câmara (um

Senado) normalmente é visto como mecanismo de representação dos interesses das unidades

regionais integrantes. Mas, no Canadá, o Senado tornou-se uma instituição com pouca

legitimidade e, dessa forma, grande parte das reivindicações provinciais se dão através de

relações diretas com o governo central.

A divisão de recursos financeiros tem relação com o princípio da autonomia. Para ser autônomo, um ente federal deve dispor de suas próprias receitas e poder executá-las dentro de sua jurisdição sem nenhuma exigência para a transferência por parte do governo federal, transferências que são sempre suscetíveis a serem acompanhadas de condições (NOËL, 2009, p. 275, tradução nossa)54.

A descentralização pode apresentar custos para a equidade e a eficiência.

Normalmente, quando ela é implantada, observa-se a ampliação de desigualdades sociais. Por

isso, se esta não é a intenção, parece desejável que uma federação tenha desequilíbrio fiscal

com favorecimento do governo federal, mesmo em detrimento da autonomia dos entes

membros – grande parte dos teóricos do federalismo reconhece que a centralização

orçamentária favorece a igualdade, mesmo que gere ausência de competição e ineficiência

econômica55. Essa é justamente a posição argumentativa defendida pela parte inglesa do

Canadá, apesar dela implicar em comprometimento do princípio constitucional da autonomia

provincial que existe no país.

A partir da crise de 1929, o Canadá observa um movimento de

centralização da arrecadação tributária. Após meados dos anos 1950, essa direção de política

fiscal centrípeta passa a ser camuflada e aparentemente se expressar de forma centrífuga – de

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         agreement, which opened the door to asymmetrical federalism, the ongoing debate on the reform of equalization, and the tensions created by the growth of oil revenues in a few provinces. All of these questions concern the way in which financial resources are shared within the Canadian federation, between the two orders of government, and among the provinces and territories themselves (NOËL, 2009, p.274). 54 The division of financial resources concerns primarily the autonomy principle. To be autonomous, a federal entity must dispose of its own revenues, and be able to exercise its jurisdiction without requiring transfers from the federal government, transfers that are always susceptible to being accompanied by conditions (NOËL, 2009, p. 275). 55 Rodden (2002) e Weingest (2007);

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48  

retomada do poder das províncias. Novas formas de taxação e arrecadação passam a ser

autorizadas e o poder provincial consegue, de algum modo, compensar a inequidade das

transferências nacionais.

Essas novas taxas – provenientes da venda de bens, álcool e de registro de automóveis, por exemplo – mostraram-se frágeis frente a crises econômicas e as receitas provinciais diminuíram drasticamente durante a Grande Depressão de 1929-1939, ao mesmo tempo as necessidades foram aumentando. Então enfraquecidos, os governos provinciais aceitaram no começo da Segunda Guerra Mundial uma emenda constitucional que permitiu ao governo federal adotar uma lei que introduziu o programa de seguro desemprego federal (1940). Eles também concordaram em temporariamente ceder a Ottawa suas quotas de imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas (1942). Em termos de recursos financeiros, o contrato de cessão fiscal de 1942 foi particularmente significativo. Com esse acordo, as províncias abandonaram todo o controle sobre taxações diretas e concederam ao governo federal o papel preeminente na divisão dos recursos. O acordo de 1942 era para ser temporário para permitir ao governo federal o financiamento do esforço de guerra (NOËL, 2009, p, 279, tradução nossa)56.

Após a Segunda Guerra Mundial, o Estado no Canadá passa a ser um ator

relativamente modesto. Depois da explosão de poder e capacidade arrecadatória associado ao

esforço de guerra, as despesas de todos os governos do Canadá caíram para 24,2% de todo

Produto Interno Bruto (PIB) em 1950, um nível pouco acima da metade do que é gasto agora

– 42,2% do PIB em 2004 (NOËL, 2009). Em 1954, o governo do primeiro-ministro de

Quebec, Maurice Duplessis, implantou a arrecadação de imposto de renda diretamente pela

província no montante de 15% do que o governo federal repassava. Isso levou Ottawa a retirar

parte semelhante do orçamento que era redistribuído para Quebec. Em 1971, tanto o governo

federal como as províncias concordaram em acabar com a ideia de um espaço comum e

integrado de arrecadação tributária.

A partir daí, cada governo regional pôde determinar seu próprio nível de

arrecadação – mas, com base numa receita determinada por Ottawa. Aparentemente, o

                                                                                                               56 These new taxes – on the sale of goods and alcohol and the registration of automobiles, for instance – turned out to be fragile in the face of economic downturns, and provincial revenues declined dramatically during the Great Depression of 1929-39, just as needs were jumping up. Thus weakened, provincial governments accepted at the beginning of the Second World War a constitutional amendment that allowed the federal government to adopt a law introducing a federal unemployment insurance program (1940). They also agreed to temporarily cede to Ottawa their share of personal and corporate income taxes (1942). In terms of financial resources, the 1942 tax rental agreement was particularly significant. With this agreement, the provinces abandoned all control over direct taxation, and gave back to the federal government the pre-eminent role in the division of resources. The 1942 agreement was supposed to be a temporary arrangement, to allow the federal government to finance the war effort (NOËL, 2009, p, 279).

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49  

Canadá vivia um modelo de federalismo fortemente descentralizado 57 . As regiões

administrativas coletam a maior parte de suas receitas e são menos dependentes dos aportes

federais. Porém, não é tão simples assim de entender o que se passa no país até os dias de hoje

e que gera grande inquietação e disputa entre as diferentes esferas de governos. Por conta de

questões constitucionais que garantem a autonomia das províncias, as políticas sociais de

Ottawa não podem ser implementadas sem a colaboração dos governos regionais.

Entretanto, o que se observa é um modo de intervenção de “custos

compartilhados”. Após a Segunda Guerra Mundial e até os dias de hoje, o governo federal

introduz programas “compartilhados”, compromete-se a custear grande parte deles desde que

as províncias respeitem as determinações de Ottawa. Dessa forma, foi possível emergir

programas de equidade nas áreas de educação, saúde, programas de desenvolvimento urbano

e rural, e em serviços de assistência social (temas de jurisdição das províncias). “Ottawa

promoveu a difusão de políticas sociais inovadoras e a harmonização de programas já que

financiava o desenvolvimento de um pan-Canadá com normas e medidas” (NOËL, 2009,

p.282, tradução nossa)58.

Assim, o governo federal conseguiu impor a equidade e integração,

fomentando a proteção social. Esse federalismo “colaborativo” e vertical aconteceu com

desigualdade nas relações políticas entre as esferas de governos. “O governo de Quebec

consistentemente se opôs a essa orientação centralista para reafirmar sua autonomia e

preservar sua jurisdição” (NOËL, 2009, p. 283, tradução nossa)59. A situação começou a se

extremar com um movimento político de Quebec que lutava por autonomia e que ficou

conhecido como Revolução Tranquila (Quiet Revolution60). Essa carência de autonomia para

elaborar diretrizes e administrar seus próprios recursos fomentou uma modernização da

gestão pública provincial do pequeno orçamento – se comparado ao do governo federal – dos

                                                                                                               57 Em 1960, o governo federal ficou com 60,8% de todos os impostos do país frente a 21,8% das províncias e 17,3% dos municípios. As transferências federais foram responsáveis por quase 30% das receitas provinciais. Em 2004, as receitas federais diminuíram para 38,7% das receitas fiscais totais, com 42,1% indo para as províncias e 11,7% para os municípios (os 7,5% restantes foram direcionados tanto para o Plano de Pensões do Canadá e como para o Plano de Pensões de Quebec). Dessa forma, a proporção de receitas provinciais provenientes de transferências caiu 15% (NOËL, 2009); 58 Ottawa promoted the diffusion of social policy innovations and facilitated the harmonization of programs as it financed the development of pan-Canadian measures and standards (NOËL, 2009, p.282). 59 The Quebec government consistently opposed this centralist orientation, to assert its autonomy and preserve its jurisdictions (NOËL, 2009, p. 283). 60 A Revolução Tranquila (Quiet Revolution) foi o período dos anos 1960 marcado pela retomada dos ânimos nacionalistas em Quebec. O governo da província assumiu as áreas de saúde e educação criando os ministérios respectivos, ampliou o serviço público, e fez grandes aportes para o sistema público de educação e infraestrutura do território. O governo permitiu a sindicalização do funcionalismo público. Ele tomou medidas para aumentar controle sobre a economia quebequense e nacionalizou a produção e distribuição de eletricidade. A Revolução Tranquila foi um período de grande desenvolvimento econômico e social em Quebec.

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50  

quais tinham liberdade de dotamento. E isso deu ensejo a novas demandas das sociedades

canadenses. Ao invés de se opor às intrusões federais em nome do status quo político e social,

o governo de Quebec definiu o seu projeto de transformação social mais adequado a suas

necessidades e passou a exigir as compensações dos custos: “(...) à era do federalismo

colaborativo, marcada por transferências federais diretas aos cidadãos e programas de custos

compartilhados (1940-1977) sucedeu-se um período de transição caracterizado pelo bloqueio

de transferências e a definição de ‘padrões nacionais’ (1977-1995). As províncias ganharam

tanto em capacidade como em autonomia” (NOËL, 2009, p. 284, tradução nossa)61.

No início da década de 1960, o governo federal mostrou abertura e

permitiu que Quebec fosse compensada financeiramente através de “custos compartilhados”.

Assim, o governo de Quebec conseguiu criar seu próprio Plano de Previdência – em paralelo

ao Plano de Pensões do Canadá. Os governos provinciais foram modernizando-se e ganhando

autonomia fiscal. E o governo federal viu o aumento de sua dívida pública num contexto de

desaceleração econômica, inflação e crescimento dos gastos sociais. Nestas circunstâncias,

programas de “custos compartilhados” cada vez mais aparentavam serem pesados e

desnecessários, pois reduziam o controle de ambos os governos sobre os gastos. Essa abertura

política e fiscal logo se fechou com a chegada ao poder do primeiro-ministro canadense Pierre

Elliott Trudeau62, que se opôs a qualquer forma de estatuto especial para Quebec.

Nos anos 1990, a maior necessidade da administração pública federal era a

redução do déficit fiscal em um ambiente de aumento de taxas de juros e desvalorização do

dólar canadense – principalmente após a crise Mexicana, em dezembro de 1994. Assim, o

governo federal de plantão63 decidiu fazer da redução de déficit uma prioridade. A partir daí,

observamos uma redução drástica dos aportes federais em programas sociais compartilhados.

Enquanto o orçamento provincial ficou cada vez mais restringido pela necessidade de

aumentar seus investimentos em programas sociais com o intuito de compensar as reduções

do governo federal, este rapidamente conseguiu sair da situação de déficit e até apresentou

superávit. Por isso, Noël (2009) vê esses superávits federais como sendo realizados às custas

das províncias.

                                                                                                               61 (...) to the era of collaborative federalism, marked by direct federal transfers to citizens and shared-cost programs (1940-77), succeeded a period of transition characterized by block transfers and the definition of ‘national standards’ (1977-95). Provinces then gained both in capacity and in autonomy (NOËL, 2009, p. 284). 62 Tido como um dos mais marcantes primeiros-ministros da história do Canadá, Trudeau, foi chefe do Partido Liberal e assumiu o governo do Canadá em dois períodos distintos: entre 1968 e 1979, e entre 1980 e 1984. 63 Governo de Jean Chrétien, chefe do Partido Liberal.

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51  

Este foi o paradoxo central do período que começou em 1995. De um lado as províncias se tornaram mais autônomas, pois dependiam menos de transferências federais e confiavam em suas próprias receitas para crescerem. Ao mesmo tempo, os governos provinciais permaneceram fortemente reprimidos pelos gastos que se mostraram difíceis de serem administrados, notadamente os custos de saúde, e lutaram para manter orçamentos equilibrados, assim como o governo federal acumulou grandes excedentes que poderiam ser usados para aumentar os gastos tanto em seus próprios programas e em programas com jurisdição provincial. (...) A partir deste ponto, o desequilíbrio fiscal se tornou central nas discussões de relações intergovernamentais canadenses (NOËL, 2009, p. 285, tradução nossa)64.

Baseado no arrocho orçamentário, o governo federal canadense consegue

manter as províncias sob uma relação de dependência às suas decisões. Enquanto o governo

central consegue rapidamente reduzir seu déficit, as províncias lutam para manter o equilíbrio

orçamentário. Com o aumento dos preços das commodities no cenário internacional, observa-

se disparidade de receita entre as províncias. O programa federal de equalização regional

tornou-se cada vez menos bem sucedido na realização de seu objetivo constitucional, que era

permitir que todas as províncias oferecessem qualidades de serviços públicos similares.

Quando chegou ao poder, em 2006, o governo conservador do atual

primeiro-ministro canadense, Stephen Harper, tomou medidas para corrigir a situação através

do aumento das transferências para investimentos sociais e reformando o programa de

equalização. A partir daí, os governos provinciais viram a sua situação orçamentária

melhorar. Entretanto, o maior desequilíbrio fiscal – e fonte de constantes questionamentos por

parte dos governos provinciais – ainda perdura: o governo federal continua acumulando

importantes excedentes e investindo em áreas de competência constitucional das províncias.

A reforma fiscal implantada por Harper deixou esta questão de lado e recebe a crítica de ser

centralista. Desde a eleição do governo do Partido Conservador, reconheceu-se oficialmente a

existência do desequilíbrio fiscal e prometeu-se resolver esse problema, ponto central de

reivindicação de Quebec atualmente. O governo franco-canadense coloca grande peso no

princípio constitucional que permite às províncias determinarem seu próprio caminho – o que

não vem sendo possível pela desigualdade fiscal entre as esferas de governo (PELLETIER,

2009). A província, assim, luta por uma divisão mais equilibrada de poderes como

instrumento essencial para o fomento da diversidade, marca histórica da consolidação do país.

                                                                                                               64 This was the central paradox of the period that began in 1995. In a sense the provinces became more autonomous since they depended less on federal transfers and relied more on their growing own source revenues. At the same time, provincial governments remained strongly constrained by expenditures that proved difficult to contain, notably in health care, and they struggled to maintain balanced budgets just as the federal government accumulated large surpluses that could be used to increase spending both on its own programs and on programs with provincial jurisdiction. (…) From this point onwards, the fiscal imbalance took centre place in Canadian intergovernmental relations (NOËL, 2009, p. 285).

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52  

SUPREMA CORTE DO CANADÁ

Qualquer abordagem sobre a Suprema Corte do Canadá que ignore seu

papel federal seria falha. Desde a implementação da Carta de Direitos e Liberdades65, a corte

jamais se ausentou em discutir e ser um ator importante na equalização das tensões sociais no

país. Ao todo, a Suprema Corte do Canadá possui nove juízes. Convencionou-se que três

sejam indicados por Quebec e os outros pelas outras províncias do Canadá – três por Ontário,

dois das províncias ocidentais (normalmente, um da Colúmbia Britânia e um revezando entre

Alberta, Saskatchewan e Manitoba), e um via províncias do Atlântico (Nova Escócia ou Novo

Brunswick). Todos são nomeados pelo governador geral do Canadá – o qual é o representante

da rainha do Reino Unido no país e é nomeado por esta –, sendo que o primeiro-ministro

também tem voz ativa na indicação de quem será apontado. Um juiz da Suprema Corte, como

todos os juízes federais do país, só pode ocupar suas funções até a idade limite de 75 anos.

O princípio federal é uma cláusula pétrea do Estado canadense. Mas, como

podemos perceber, esse princípio de algum modo é posto de lado na nomeação dos juízes da

Suprema Corte, o que acaba por conceder a ela um status regionalizado. Ao mesmo tempo,

esse balanço de forças não muda a estrutura centralizada – e de tendência de favorecimento ao

poder federal – do poder judiciário do país. “A evolução do federalismo canadense ao longo

da última geração confirma que a centralização é quase inevitável. No entanto, a globalização

dos sistemas econômicos e das comunicações na década de 1980 está reforçando as pressões

sobre as unidades locais que desejam preservar o seu poder” (BANTING, 1991, p. 48,

tradução nossa)66.

Dentro do jogo de tensões sociopolíticas que existe no Canadá, a Suprema

Corte tem um papel importante como instrumento de controle da ambição dos governos

provinciais – ou seja, ela funciona na direção da centralização. “A decisão de colocar a

Suprema Corte em primeiro lugar foi motivada em grande medida pelo desejo de uma fonte

de respeito e opinião judicial da qual Ottawa poderia se apoiar para a condução e apoio no

exercício de poder em desacordo e em disputa com as províncias” (BANTING, 1991, p. 42,

tradução nossa)67.

                                                                                                               65 A Carta de Direitos e Liberdades (Canadian Charter of Rights and Freedoms) foi um documento estabelecendo direitos constitucionais. Ela é projetada para unificar os canadenses e foi pensada durante o governo Trudeau. 66 The evolution of Canadian federalism over the last generation also confirms that centralization is hardly inevitable. Nevertheless, the globalization of economic and communications systems in the 1980’s is reinforcing the pressures on local units wishing to preserve their power (BANTING, 1991, p. 48). 67 The decision to establish a supreme court in the first place was motivated in large part by a desire for a source of respected judicial opinion on which Ottawa could draw for guidance and support in the exercise of the power of disallowance and in battles with the provinces (BANTING, 1991, p. 42).

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53  

O debate sobre a necessidade de um tribunal nacional enfrenta tensão

enraizada na função da corte como árbitra do equilíbrio federal-provincial, e tribunal geral de

recursos em todas as outras questões de direito. Muitas vezes, seu papel como mediadora

jurídica das tensões do federalismo canadense foi questionado por Quebec. Não surpreende o

fato da província francófona se recusar a ratificar a Constituição canadense até hoje. Ao longo

da história, muitas vezes a corte mais alta de Quebec se ausentou de apresentar apelações à

Suprema Corte justamente pelo ponto de vista clássico de que esta não é qualificada para

julgar casos de civil law68. Isso dá certo ar de ilegitimidade para decisões que possam afetar

interesses da parte francófona.

Por toda essa instabilidade, externalizada principalmente no referendo de

1995, quando, por uma margem muito pequena, não aconteceu o aceite da maioria

quebequense pela secessão, Ottawa resolveu estabelecer normas e procedimentos para

Quebec ou qualquer outra província que queira romper (CANADA, 2000). Em dezembro de

1999, o projeto de ato de esclarecimento (Clarity Act) foi entregue pelo governo federal para

a primeira leitura na Casa dos Comuns (House of Commons). Ele foi aprovado por esta em

março de 2000 e pelo Senado, na sua versão final, em 29 de junho de 2000. O Clarity Act visa

estabelecer as regras de andamento legal para a secessão em caso de decisão nesse sentido por

qualquer província. Reconhece-se o direito de rompimento, mas este não pode ser feito

unilateralmente. Após decisão de maioria populacional provincial em um referendo que

contenha uma pergunta clara (e apenas se a pergunta não gerar qualquer tipo de ambiguidade

ou dúvida para os votantes), Ottawa abre negociações sobre como se dará a desfederalização.

O ato de esclarecimento funda-se na decisão anterior da Suprema Corte

frente a uma consulta quanto ao direito de Quebec fazer o rompimento unilateral (IN THE

MATTER OF, 1998). Nesta consulta, a corte superior respondeu a três questões: se sob a

Constituição canadense, a Assembleia Nacional de Quebec ou o governo de Quebec poderiam

proceder para secessão unilateralmente; se sob o ponto de vista do direito internacional a

Assembleia Nacional de Quebec ou o governo de Quebec teriam o direito de fazer o

rompimento unilateral sob a alegação do direito de autodeterminação; e se sob um conflito

legislativo entre a lei canadense e a internacional, qual das duas precederia e prevaleceria para

decidir sobre um rompimento unilateral de Quebec.

                                                                                                               68 A doutrina de Civil Law é a estrutura jurídica oficialmente adotada em Quebec. Ao contrário, a Common Law é praticada no restante do Canadá. A grande diferença prática entre ambas é que a primeira se baseia mais no texto da lei e a segunda na jurisprudência.

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54  

Em resposta a essas três questões, a Suprema Corte estabeleceu que não há

qualquer legalidade em se fazer o rompimento unilateral seja sob o ponto de vista da

legislação canadense ou internacional. Entretanto, a Corte alerta para a necessidade de se

abrirem negociações entre o governo federal e o regional em caso de resultado de maioria em

referendo provincial sobre a secessão, desde que este tenha uma pergunta clara e não

ambígua. Portanto, os juízes da mais alta esfera do judiciário canadense reconhecem o direito

de secessão, desde que este siga determinados procedimentos democráticos.

Decisão democrática de quebequenses em favor da secessão colocaria as relações em risco. A segurança e estabilidade da ordem Constitucional, e, consequentemente, a separação de uma província não poderia ser feita de forma unilateral, ou seja, sem negociação baseada em princípios com os outros participantes da Confederação existente. [...] Uma clara maioria votante em Quebec respondendo a uma questão clara e em favor da secessão conferiria legitimidade constitucional para iniciativas de rompimento, o que todos os outros participantes da Confederação deveriam ter de reconhecer (IN THE MATTER OF..., 1998, p. 5, tradução nossa)69.

Por outro lado, desde os anos 1970, sob a batuta da doutrina Peace, Order,

and Good Government (Paz, Ordem, e Bom Governo) – POGG –, a Suprema Corte do

Canadá toma decisões que tendem a favorecer o governo central na disputa com as

províncias. Ela é a responsável por dar respaldo legal às ações do governo federal. Apesar

disso, a maior parte de suas decisões é vista como equilibrada suficientemente para serem

encaradas como vitórias tanto do governo federal como das províncias (BAIER, 2006)70.

Não só a nacionalidade política canadense é frágil como também o país

presenciou diversas tentativas de estabelecimento constitucional que constantemente não são

ratificados por Quebec. Apesar de tais falhas poderem ser vistas como uma indicação de

rompimento, os cientistas sociais canadenses entendem que ao invés de crise o Canadá vive

um impasse latejante. Diferentemente da Suprema Corte dos Estados Unidos – criada garantir

direitos e liberdades individuais –, a canadense foi criada para defender comunidades

minoritárias frente ao poder da maioria. A judicialização estabelece-se como instrumento para

                                                                                                               69 Democratic decision of Quebecers in favour of secession would put those relationships at risk. The Constitution vouchsafes order and stability, and accordingly secession of a province “under the Constitution” could not be achieved unilaterally, that is, without principled negotiation with other participants in Confederation within the existing constitutional framework. […] A clear majority vote in Quebec on a clear question in favour of secession would confer democratic legitimacy on the secession initiatives which all of the other participants in Confederation would have to recognize (IN THE MATTER OF..., 1998, p. 5). 70 Como na resposta da Corte quanto ao direito de Quebec fazer um rompimento unilateral, encarada tanto pelo governo federal como pelo governo de Quebec como vitória.

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55  

acomodar distintas identidades dentro de um mesmo ambiente político e nacional (BAIER,

2006).

Questionamentos sobre a necessidade dos juízes da Suprema Corte serem

bilíngues são frequentes. Percebe-se que no não domínio da língua francesa há um grande

ponto de divergência quanto à atuação dos juízes da corte. Apesar das audiências e sessões em

francês serem traduzidas simultaneamente para os magistrados que não dominam a língua71,

entende-se que a tradução possui limites e não consegue dar todas as impressões e emoções

transmitidas por um advogado no ato da advocacia. Assim, um juiz anglófono monolíngue

fica sem acesso direto a um caso apresentado em francês por um litigante francófono.

Outro aspecto importante dos deveres dos juízes da Suprema Corte é interpretar as legislações bilíngues. Legislações federais, bem como de Quebec, Novo Brunswick, Manitoba, Nunavut, Territórios do Noroeste e Yukon são bilíngues, e ambas as versões têm o mesmo status e autoridade. A situação é a mesma para todos os estatutos públicos em geral de Ontário desde 1992, assim como muitos outros estatutos e regulamentações da província. Algumas legislações em outras províncias são bilíngues. O mesmo também é verdadeiro da Lei Constitucional de 1982, que inclui a Carta Canadense de Direitos e Liberdades. Deve notar-se que a versão francesa da legislação federal não é uma mera tradução do inglês. Em vez disso, o processo de elaboração federal envolve a elaboração simultânea das duas versões por duas equipes de redatores que se esforçam para produzir versões em inglês e francês, que respeitem a tradição de elaboração de cada idioma. Como resultado, a versão francesa é muitas vezes mais concisa e mais precisa do que a versão em inglês. Dar status igual a ambas as versões, certamente, significa que o intérprete final da legislação deve ser capaz de compreendê-las em ambas as línguas. Na verdade, um juiz bilíngue vai estar em uma posição de beneficiar-se de informações adicionais contidas na versão francesa. Em alguns casos, até mesmo uma rápida olhada na versão francesa poderia muito bem resolver uma ambiguidade que surge a partir da versão em inglês. Além disso, a exigência de que os juízes deem disposições bilíngues e com significados comuns em suas decisões exige, obviamente, que o juiz possa compreender ambas as línguas (GRAMMOND; POWER, 2011, p. 7-8, grifos do autor, tradução nossa)72.

                                                                                                               71 Os juízes indicados por Quebec normalmente são bilíngues. 72 Another important aspect of a Supreme Court judge’s duties is to interpret bilingual legislation. Federal legislation, as well as the legislation of Quebec, New Brunswick, Manitoba, Nunavut, the Northwest Territories and the Yukon is bilingual, and both versions have equal status and authority. The situation is the same for all public general statutes of Ontario since 1992, as well as many other statues and many regulations in that province. Some legislation in other provinces is bilingual. The same is also true of the Constitution Act, 1982, which includes the Canadian Charter of Rights and Freedoms. It should be noted that the French version of federal legislation is not a mere translation of the English. Rather, the federal drafting process involves the concurrent drafting of the two versions by two teams of drafters who strive to produce English and French versions that respect each language’s drafting tradition. As a result, the French version is often more concise and more precise than the English version. Giving equal status to both versions surely means that the ultimate interpreter of legislation must be able to understand them both. In truth, a bilingual judge will be in a position to benefit from the additional information contained in the French version. In some cases, even a quick look at the French version might very well resolve an ambiguity that arises from the English version. Moreover, the well established rule of interpretation that requires judges to give bilingual provisions their shared meaning, that is, a meaning that can be supported by both versions, obviously requires the judge to be able to understand both (GRAMMOND; POWER, 2011, p. 7-8, grifos do autor).

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56  

Desta maneira, a presença de juízes monolíngues ingleses na Suprema

Corte vem contribuindo para marginalizar a parte francesa, pois desrespeita a forma como o

princípio da equidade deveria ser tratado. Outro argumento contrário a não exigência de que

os juízes da Suprema Corte sejam bilíngues está no fato deles não terem acesso a uma ampla

literatura de direito escrita apenas em francês. Para muitos quebequenses, a legitimidade da

Suprema Corte em atuar para sua defesa muitas vezes é vista com suspeitas. E a ausência de

juízes ingleses bilíngues colabora para reforçar essa percepção e levantar argumentos de que,

de fato, não existe estatuto jurídico igualitário entre as diferentes nações, sendo, dessa forma,

os cidadãos da parte inglesa privilegiados. Além disso, levanta-se a questão de que o

conhecimento de uma segunda língua representa consciência intelectual aberta para a

curiosidade, uma característica que deveria ser intrínseca a quem ocupa um posto de tão

grande relevância social. “A Constituição requer que a Suprema Corte do Canadá seja uma

instituição bilíngue e apta a receber casos em francês. A tradução simultânea ao escutar um

caso não substitui adequadamente juízes que sejam capazes de ouvir argumentos em francês.

Isso colabora para minar o estatuto de igualdade de uso de francês ou inglês” (GRAMMOND;

POWER, 2011, p. 16, tradução nossa)73.

APONTAMENTOS

No Canadá, o federalismo assimétrico manifesta-se de diferentes formas:

constitucionalmente, financeiramente, no legislativo e no administrativo. Quebec enfrenta

forte resistência centralista do restante das províncias, as quais entendem que a assimetria é

uma ameaça à igualdade provincial e entre indivíduos, e o governo federal é o único guardião

possível. A assimetria em si – bem como a flexibilidade e a diversidade – é, ao contrário, um

meio eficaz para a promoção dos valores reais do federalismo canadense.

A história demonstrou que longe de mitigar a unidade nacional e dividir o país a adoção de critérios assimétricos fomenta entes descentralizados (províncias) a coexistirem harmoniosamente com a autoridade central, então reduzindo tensões não garantidas, confrontações contraprodutivas, e também demandas por secessão (PELLETIER, 2009, p. 478, tradução nossa)74.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          73 The Constitution requires the Supreme Court of Canada to be bilingual institution fully able to hear cases in French. Simultaneous translation at the hearing is not an adequate substitute to judges being able to listen to argument in French. It undermines the equality of status and use of French and English (GRAMMOND; POWER, 2011, p. 16). 74 History has demonstrated that, far from undermining national unity and dividing countries, the adoption of

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Apesar de todos esses questionamentos, Quebec ainda é um ator

internacional autônomo e, de certo modo, com política de relações exteriores própria. A

província possui grande peso dentro do cenário de promoção e valorização da francofonia no

mundo – até porque essa é sua estratégia histórica de sobrevivência cultural dentro do Canadá

– e pode inclusive assinar acordos bilaterais que constituem métodos para a promoção de seus

interesses. Internamente, sua luta persiste pela afirmação constitucional de sua unicidade.

Percebemos que a união entre as diferentes nações no Canadá ao mesmo tempo em que

favorece o país também gera externalidades positivas para as províncias como um todo.

Vemos que tanto a parte inglesa como a francesa se negam mutuamente e

se tratam como estranhos dentro do mesmo país. O grande desafio que perdura até hoje é

como incutir dentro do desenho institucional a afinidade que deu ensejo à fundação da união.

Além disso, questões importantes vêm sendo constantemente resolvidas no âmbito judicial,

e/ou pelas elites políticas e burocráticas. Muitos franco-canadenses são contra o federalismo,

pois eles acreditam que deveriam ter o controle do próprio destino de acordo com a própria

cultura. Por outro lado, eles enxergam vantagens econômicas, políticas e sociais de

permanecerem unidos, o que os levam a reduzir a importância da união apenas a relações

instrumentais com o restante do país.

“O federalismo canadense tem sua fundação moral precisamente por sua

conexão com essa ideia poderosa [a identidade política canadense]. Mais do que isso, o

conceito de fraternidade contém dentro de si as identidades e lealdades que o federalismo

pressupõe” (LASELVA, 1996, p. 23, tradução nossa)75. O Canadá pauta-se no valor moral da

fraternidade, que por sua vez se instrumentaliza através de programas governamentais de

equalização regional baseados na ideia do Estado de bem-estar social. Entretanto, também na

fraternidade se encontra a fragilidade do federalismo canadense.

A fraternidade, entretanto, é um ideal difícil de se realizar. Não apenas o Canadá algumas vezes falhou em realizar fraternidade nas relações entre franceses e ingleses, mas também canadenses aborígenes não vêm sendo tratados fraternalmente de fato. O tratamento que recebem vem sendo paternalista, e as demandas por governos nativos autônomos dentro do Canadá deveriam ser aplicadas para eles também. O federalismo pode facilitar a concretização de tal

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         asymmetrical measures enables decentralized entities (provinces) to coexist harmoniously with the central authority, thus reducing unwarranted tensions, counterproductive confrontations, and even demands for secession (PELLETIER, 2009, p. 478). 75 “Canadian federalism has moral foundations precisely because of its connection with this powerful ideal [Canadian political nationality]. Moreover, the concept of fraternity contains within it the very identities and loyalties that federalism presupposes” (LASELVA, 1996, p. 23).

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demanda porque favorece cada cidadão a ter mais de uma lealdade e mais de uma identidade (LASELVA, 1996, p. 29, tradução nossa)76.

Quase sempre, a união do país foi colocada em questão tanto pela parte

francesa como pelos aborígenes. Isso porque, quando um ou outro pensam em sua nação,

quase sempre a primeira imagem que lhes vêm à cabeça é, respectivamente, Quebec e sua

etnia indígena – e eles se identificam apenas fraternalmente com a parte inglesa. Ao mesmo

tempo, historicamente a união foi vista pelas elites das partes inglesa e francesa como a

melhor estratégia de sobrevivência frente ao temor de indexação pelos Estados Unidos.

Particularmente para os franco-canadenses, esta foi a melhor saída para a sobrevivência da

“raça” francesa.

Enquanto os nacionalistas querem limitar a fraternidade, os federalistas

buscam expandi-la. Se a fraternidade dentro de uma federação não exclui necessariamente o

que os nacionalistas procuram realizar, muitos canadenses não entendem a possibilidade de se

dividir lealdades e serem membros de duas comunidades. “Federalismo não é simplesmente

uma ideia moral. Ele também é um instrumento constitucional com implicações cruciais para

o tipo de vida que o cidadão pode levar” (LASELVA, 1996, p.27, tradução nossa)77.

Para se resolver de vez a questão, os cientistas políticos canadenses que

apresentamos de certo modo convergem para uma mesma impressão: as barreiras psicológicas

que existem só serão rompidas com igualdade de oportunidades, o que exigiria uma

reconsideração sobre o atual modelo de federação – uma concessão que aparentemente a parte

inglesa ainda não está disposta a fazer.

“O federalismo canadense é permeado de divisões jurídicas, de lealdades,

múltiplas identidades, e comunidades com intersecções de pertença. Quando é assim

entendido, ele é capaz de mediar a divisão de tradições potencialmente presentes do

pluralismo canadense” (LASELVA, 1996, p. 187, tradução nossa)78. Por parte de Quebec, a

grande demanda é pelo reconhecimento de que a língua francesa é a melhor forma de se

expressar no que concerne seus interesses (mesmo com o domínio da língua inglesa no atual                                                                                                                76 Fraternity, however, is a difficult ideal to realize. Not only has Canada sometimes failed to realize fraternal relations between French and English, but aboriginal Canadians have not been treated fraternally at all. Their treatment has been paternalistic, and their demand for native self-government within Canada can be interpreted as a demand that the ideal of fraternity should apply to them as well. Federalism can facilitate the realization of such a demand because it enables each citizen to have more than one loyalty and more than one identity (LASELVA, 1996, p. 29). 77 Federalism is not simply a moral ideal. It is also a constitutional device that has crucial implications for the kind of life that citizens can lead (LASELVA, 1996, p.27). 78 Canadian federalism is about divided jurisdiction, divided loyalties, multiple identities, and intersecting communities of belonging. When it is so understood, it becomes capable of mediating the potentially divisive traditions of Canadian pluralism (LASELVA, 1996, p. 187).

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momento do mundo globalizado), que o domínio linguístico do francês fosse garantia de

dignidade e valor social. Pelos aborígenes, a luta é por autonomia de gestão de seus territórios

em grau parecido com o que as províncias canadenses já possuem.

Observamos que ações federais foram importantes para transformar

iniciativas inovadoras regionais em programas nacionais. A política de imigração de Quebec é

um ótimo exemplo de respeito ao pacto federativo canadense por Ottawa. Ela permite a

proposição de políticas públicas inovadoras bem sucedidas no sentido que aproxima a

característica dos imigrantes às demandas do mercado de trabalho de cada província.

O modelo descentralizado de política de imigração trouxe ao Canadá

inovações mais adaptadas às realidades do mercado de trabalho local (como em Quebec, a

exigência do francês), mas ao mesmo tempo trouxe desigualdades sociais entre os novos

imigrantes. Uma ação conjunta do governo federal e os governos provinciais se faz necessária

para a implantação de políticas compartilhadas de integração do imigrante ao mercado de

trabalho.

Ao mesmo tempo que observamos o federalismo formatando as políticas

sociais no Canadá, observamos estas formatando o federalismo. Os programas de bem-estar

social são vistos como instrumentos de integração social em sociedades divididas. Se em

muitos países os programas sociais são pensados para remediar divisões de classes sociais, no

Canadá eles são vistos como integradores. “Muitos canadenses, especialmente da parte

inglesa, veem a assistência médica e outros programas nacionais como parte da identidade

canadense, algo que os distingue do poderoso vizinho do sul e parte da ligação social que os

mantém juntos em seu vasto país” (BANTING, 2005, p. 131)79.

                                                                                                               79 “Many Canadians, especially in English Canada, have come to see Medicare and other national social programmes as part of the Canadian identity, something that distinguishes them from their powerful neighbours to the South, and part of the social glue holding their vast country together” (BANTING, 2005, p. 131).

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60  

CAPÍTULO 3 - BRASILEIROS EM QUEBEC

Este capítulo faz uma caracterização do perfil dos imigrantes brasileiros

em Quebec. Para isso, iremos apresentar os dados colhidos ao longo de aproximadamente seis

meses de intensa pesquisa de campo desenvolvida na província franco-canadense. Iremos

discutir a diferenciação do conceito de classe média tradicional e de nova classe média

objetivando demonstrar que a primeira caracteriza grande parte do contingente de brasileiros

que encontramos.

Entre os dias 26 de junho e 14 de dezembro de 2012, fizemos estágio de

pesquisa em pós-graduação no Instituto para o Estudo do Desenvolvimento Internacional80 da

Universidade McGill 81 . Ao longo desse semestre morando em Montreal, além de

aproveitarmos para aumentar as referências bibliográficas com o acesso à biblioteca da

Universidade, também desenvolvemos a pesquisa de campo. Desse modo, foram trinta

imigrantes brasileiros ouvidos no período. Todos possuíam no mínimo o visto de residência

permanente.

O critério de escolha dos imigrantes que responderiam ao questionário

socioeconômico e seriam entrevistados para formar a amostra de dados da pesquisa foi

aleatório. Contamos com a ajuda de ferramentas de redes sociais via internet para localizar

alguns potenciais entrevistados – apesar de que essas ferramentas poderiam ser prescindidas.

Outros foram achados através de indicações pessoais realizadas por imigrantes já

entrevistados e por encontros ao acaso do cotidiano no Canadá – por exemplo, fomos a um

tradicional bar de esportes em Montreal para assistir a jogos de times de futebol do Brasil e

também a encontro de venda de produtos brasileiros que os próprios imigrantes organizam em

uma igreja portuguesa da cidade.

Todos os imigrantes brasileiros em Quebec responderam ao questionário

socioeconômico e às perguntas qualitativas diretamente ao autor da pesquisa. Antes de cada

trabalho desenvolvido, os imigrantes eram informados que se tratava de uma pesquisa com a

finalidade de elaboração desta dissertação de mestrado em ciências sociais na Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e que não seriam identificados diretamente.

Parte do questionário socioeconômico elaborado por nós foi preenchida

diretamente pelo imigrante. Utilizamos também parte do questionário elaborado pelo Núcleo

de Estudos de Populações (NEPO), da Universidade de Campinas (Unicamp), sendo esse

                                                                                                               80 Institute for the Study of International Development; 81 Graduate Research Trainee at McGill University;

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61  

preenchido diretamente pelo entrevistador82. As entrevistas qualitativas foram gravadas para

posterior análise – e isso também foi informado aos imigrantes (ANEXO C).

Por volta da 15a entrevista, sentimos a saturação dos dados informados

pelos imigrantes – a repetição exaustiva dos motivos para a imigração –, situação típica de

pesquisas qualitativa em ciências sociais. Optamos por ir até a 30a entrevista para de alguma

forma conseguir ter dados mais consistentes.

As respostas dos entrevistados às perguntas qualitativas gravadas variaram

entre aproximadamente 25 minutos a até 1h48 minutos. O local para a realização era sempre

sugerido pelos imigrantes – era explicado que eles deveriam escolher um espaço onde se

sentissem confortáveis. Dessa forma, tanto cafés, ambiente de trabalho, residência ou bares

foram locais de encontros. Todos foram entrevistados entre outubro e novembro de 2012.

Inicialmente, acreditamos que poderia haver alguma diferença de perfil

entre imigrantes brasileiros que optam por morar em uma cidade multicultural, como

Montreal, ou em cidades menores. Dessa forma, viajamos pela província franco-canadense

entrevistando brasileiros em Montreal, Laval, Longueil, Sherbrooke, Drummondville, Saint-

Foy, Cidade de Quebec e Gatineau. Não conseguimos identificar diferença entre o perfil

socioeconômico e cultural dos imigrantes de acordo com o lugar onde eles escolhem se

instalar. Mas, em algumas entrevistas, alguns imigrantes citaram que a escolha de imigração

foi por uma cidade multicultural e culturalmente efervescente como Montreal.

Tendo essas informações em mente, vamos apresentar os conceitos de

classe média tradicional e nova classe média (ou classe C). Pretendemos mostrar que o perfil

dos brasileiros que encontramos em Quebec é proveniente da primeira categoria em sua

grande maioria. Até podemos encontrar pessoas da nova classe média imigrando para a

província franco-canadense. Mas, o número é muito reduzido em comparação com a presença

de brasileiros da classe média tradicional.

A PRESENÇA DA CLASSE MÉDIA BRASILEIRA NO FLUXO PARA QUEBEC

A ascensão da classe média nos países em desenvolvimento é um dos

fenômenos mais importantes da história global recente. Entre os fatores que desencadearam

esse processo está a prosperidade econômica mundial observada nos 20 anos até o crash de

2008 (MORRIS, 2009). Dentro dos autores que vêm procurando compreender se essa

ascensão na última década da classe C faz com que já possamos conceituá-la como classe

                                                                                                               82 Agradecemos encarecidamente ao NEPO, no nome da professora Rosana Baeninger, pela autorização para aplicarmos a parte do questionário que teria relação com a pesquisa desenvolvida;

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média por indicadores políticos, econômicos e sociais, não existe uma definição consensual.

Mas, entendemos que a nova classe média brasileira não é a mesma coisa que a classe média

tradicional. Para nós, classe média é aquela cujos membros conseguem desfrutar de padrões

elevados de habitação, consumo de bens e serviços (inclusive os públicos) e lazer. Casa

própria, educação universitária, padrão de vida estável, profissão de prestígio, acesso a lazer e

diversão, renda alta, acesso a boas escolas, e negócio próprio: esses sãos os indicadores do

que é classe média. A diferença entre a classe média tradicional (A/B) e a emergente (C) está

no fato da primeira ter realizado suas conquistas no passado e ter hoje seus ganhos

estabelecidos. A classe média tradicional sofreu profundas mudanças sociais desde a

redemocratização – principalmente, desde o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da

Silva.

No Brasil, a classe média alta (A/B) não atravessou incólume as profundas mudanças sociais do passado recente. Em termos econômicos, sofreu perdas consideráveis em comparação com os ganhos propiciados aos estratos de baixa renda pela expansão do crédito e do emprego. A oferta de educação e saúde pela rede pública dista muito de suas necessidades ou aspirações, e o crescimento da violência urbana lhe impõe uma vida social confinada a condomínios fechados e shoppings. Soma-se a isso o descumprimento generalizado das leis e ter-se-á um quadro marcado ora pelo ressentimento, ora por sentimentos de impotência diante do que parece ser um permanente ataque às instituições e aos princípios morais que prezam (SOUZA; LAMOUNIER, 2010, p. 101).

Já Neri (2011) faz uma análise de classes por estratos econômicos, além de

medidas de pobreza e bem-estar social baseadas na renda domiciliar per capita. O que ele

denomina como “nova classe média” é a classe C buscando se estabelecer na estrutura

hierárquica nacional frente ao padrão já adquirido – o das classes A/B. A ascensão da nova

classe média na primeira década do século XXI é marcada pela expansão do crédito ao

consumidor e por benefícios oficiais do governo federal (estes últimos não como o principal

fator da subida). A carteira de trabalho assinada é o maior símbolo da ascensão estabelecida.

E o concurso público é o objetivo platônico dessa nova classe média. “Ser nova classe média

também é consumir serviços públicos de melhor qualidade no setor privado, aí incluindo

colégio privado, plano de saúde e produto prêmio, que é a previdência complementar” (NERI,

2011, p. 19).

De acordo com dados da OCDE83, na década de 2000 o Brasil apresentou

crescimento anual de renda domiciliar per capita de 6,3% para os 20% mais pobres e de

                                                                                                               83 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico: organização internacional de 34 países que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado. A maioria dos membros são

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1,7% para os 20% mais ricos. Assim, o ponto central da mudança da pirâmide social

brasileira é a diminuição da desigualdade. “De acordo com a Pnad84, a desigualdade de renda

no Brasil vem caindo desde 2001. Entre 2001 e 2009, a renda per capita dos 10% mais ricos

aumentou 12,8% em termos acumulados, enquanto a renda dos mais pobres cresceu notáveis

69,08% no período. Nos demais Brics85, a desigualdade, embora menor, seguiu crescendo”

(NERI, 2011, p. 25).

Desde a década de 1960, esse é o menor nível de desigualdade de renda

constatado pelos registros da Pnad. Apesar disso, nosso nível ainda coloca o Brasil entre as 10

maiores do mundo. Seriam necessários 20 anos nesse ritmo de crescimento de renda para nos

aproximarmos dos Estados Unidos (Neri, 2011). Por outro lado, isso significa um enorme

potencial de ascensão e integração social a serem explorados. Aproximadamente 40 milhões

de brasileiros passaram à nova classe médica (classe C) entre 2003 e 2011 – desde 1993, o

total foi de aproximadamente 60 milhões. “Traduzindo em números absolutos, atingimos a

marca de 100,5 milhões de brasileiros que têm renda entre R$ 1.200,00 até R$ 5.174,00

mensais (NERI, 2011, p. 27)86. No lado oposto, a base da pirâmide econômica (formada pelas

classes D e E) foi reduzida de aproximadamente 96 milhões de pessoas em 2003 para 63,6

milhões.

Os números acima ensejam duas reflexões, uma política e outra econômica. Os 105,5 milhões de brasileiros que estão na nova classe média correspondem a 55,05% da população. Isto significa que a nova classe média brasileira não só inclui o eleitor mediano, aquele que decide o segundo turno de uma eleição, mas também que ela poderia sozinha decidir um pleito eleitoral. Complementarmente, a nova classe média também é a classe dominante, do ponto de vista econômico, pois já concentrava 46,6% do poder de compra dos brasileiros em 2011, superando as classes A e B, estas com 45,6% do total do poder de compra. As demais classes D e E tem hoje 7,8% do poder de compra, caindo do nível de 19,79% logo antes do lançamento do Plano Real (NERI, 2011, p. 28-29).

A renda per capita média do brasileiro também subiu 23,7% entre 2001 e

2009, de acordo com os dados da Pnad – o que não configura um espetáculo de crescimento,

se compararmos aos outros Brics. Entretanto, a renda dos 10% mais pobres subiu 69,08%

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         países com economias de alta renda e alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). 84 A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD investiga anualmente, de forma permanente, características gerais da população, de educação, trabalho, rendimento e habitação e outras, com periodicidade variável, de acordo com as necessidades de informação para o País, como as características sobre migração, fecundidade, nupcialidade, saúde, segurança alimentar, entre outros temas. 85 Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. 86 Neri (2011) utiliza um índice de potencial de consumo calculado em cima da renda como unidade de medida do indicador. O autor usa o conceito de classe referente à família e renda per capita por família. Ele separa as classes por renda per capita em A/B (aqueles que ganham mais de R$ 5.174,00), C (entre R$ 1.200,00 e R$ 5.174,00), D (entre R$ 751,00 e R$ 1.200,00) e E (até R$ 751,00).

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64  

neste mesmo período. No topo da pirâmide, a taxa de crescimento dos mais ricos para o

período foi de apenas 12,8% – ou seja, abaixo da média. “Os mais pobres sentem os olhos

puxados pelo crescimento chinês. Os mais ricos se veem num país estagnado, como sugere a

manchete do crescimento do PIB que não enxerga desigualdade” (NERI, 2011, p. 32).

Assim, o fenômeno brasileiro pode ser sintetizado na seguinte frase: “De

maneira geral, a renda de grupos tradicionalmente excluídos, como negros, analfabetos,

mulheres e nordestinos, assim como moradores das periferias, campos e construções, cresceu

mais no século XXI. Essa tendência é contrastante com a de países desenvolvidos e a de

outros países emergentes como os demais Brics, em que a desigualdade cresce a olhos vistos”

(NERI, 2011, p. 33-34).

Com os dados acima, é possível observar um indicador econômico que

leva a classe média tradicional a querer deixar o Brasil87. O governo Lula implantou uma

política redistributiva que alterou a fatia de cada classe do bolo da renda nacional. Neri (2011)

mostra, pela sua metodologia, aumento dos estratos populacionais nas classes A/B e C, com

maior crescimento deste último, e diminuição das classes D e E. De acordo com dados da

Pnad, de 1992 até 2011, a porcentagem da população brasileira nas classes A/B saltou de

5,35% para 11,76%; na classe C, de 32,52% para 55,05%; e nas classes D/E caiu de 62,13%

para 33,19%. Em termos absolutos, foram 59,8 milhões de pessoas entrando para a Classe C

entre 1993 e 2011.

A transformação demográfica da estrutura da pirâmide social brasileira

mostra uma aceleração rumo a uma sociedade mais igualitária, apesar da desigualdade ainda

ser uma marca. Em números absolutos, com base na Pnad, Neri (2011) mostra que em 2011 o

Brasil conta com o seguinte contingente populacional aproximado por classe social: A/B

(22,5 milhões), C (105,5 milhões), D (38,9 milhões) e E (24,6 milhões). Olhando os números

em 1993 – A/B (8,8 milhões), C (45,6 milhões), D (41,2 milhões) e E (51,6 milhões) – fica

clara a forte tendência à diminuição da porcentagem de estratos sociais de baixos rendimentos

frente a um aumento no meio da pirâmide. Desde 2003, no governo Lula, essa trajetória se

acelera. E a perspectiva para até 2014, de acordo com Neri (2011), é que esse movimento

continue.

Uma crítica que merece ser feita ao estudo de Neri (2011) é que bem-estar

social não pode ser unicamente medido por distribuição de renda, como o autor faz. Nossa

hipótese é que bem-estar precisa ser medido também pela qualidade da oferta e acesso a

                                                                                                               87 Entretanto, conforme mostramos neste capítulo, não entendemos que foram estes os motivos que levaram os brasileiros que encontramos a tomarem a decisão de emigrar.

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serviços públicos. Indicadores sociais baseados em renda traduzem para números e de forma

incompleta o aspecto da vida de determinada sociedade. Se por um lado a desigualdade

brasileira medida na série histórica desde 1960 pelo índice Gini nunca esteve tão baixa no

Brasil, por outro vemos que a cidade como espaço público está marcada por opções

segregadoras e individualistas – como os estudos arquitetônicos e urbanísticos sobre os

enclaves fortificados apontam (CALDEIRA, 2000).

Após a ditadura militar, quando a concentração de renda se intensificou, o

brasileiro vive hoje o momento mais promissor no sentido de equidade social do ponto de

vista da renda. Por sua vez, Pochmann (2012) não entende que há a emergência de uma nova

classe média. Para ele, presenciamos uma orientação ideológica que visa divulgar o sucesso

da globalização neoliberal. No Brasil, acompanhamos o fortalecimento do mercado de

trabalho com forte expansão de vagas no setor de serviços com remuneração de até 1,5 salário

mínimo (nove em cada dez vagas criadas recentemente), além de políticas redistributivas para

a base da pirâmide (bolsa família e aumento real do salário mínimo).

Dessa forma, observamos o assentamento das classes populares pelo

trabalho. Aparentemente, essa intensidade do mercado de trabalho de baixa remuneração é

compatível com o anterior excedente de mão de obra criado pelo neoliberalismo nos anos

1990 (POCHMANN, 2012). Neste momento, já começam a aparecer sinais de limitações

desse modelo de expansão econômica por conta da escassez de força de trabalho qualificado.

Desde os anos 2000, a maior parte dos novos postos de trabalho gerados

está na base da pirâmide social – 95% das vagas de até 1,5 salário mínimo mensal. Isso dá

uma média de aproximadamente dois milhões de ocupações novas com salário base ao ano.

Por outro lado, aquelas sem remuneração e de mais de três salários mínimos mensais

apresentaram redução no nível de emprego: em média, o Brasil perdeu 108 mil vagas das

primeiras e 300 mil das últimas ao ano. No meio da pirâmide – entre 1,5 e 3 salários mínimos

por mês –, foram abertas por volta de 616 mil vagas ano. Essas informações estão na Pnad e

no Censo Demográfico do IBGE (POCHMANN, 2012). O que vemos, então, é o achatamento

da classe média tradicional.

Na década de 2000, a transformação econômica nacional fez com que

aproximadamente 59% das ocupações fossem de até 1,5 salário mínimo, com crescimento

desde os anos anteriores. As faixas superiores de remuneração perderam participação relativa.

O Brasil, desta forma, combina ampliação da renda per capita com redução de desigualdade

proveniente da melhora do exercício do trabalho com diminuição considerável do desemprego

e intensiva formalização. O saldo líquido das novas ocupações gira em torno de um salário

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mínimo, que combinado com programas sociais de transferências favoreceu uma redução

substancial da pobreza.

Mas, esse forte crescimento da base contrasta com estagnação (entre 1,5 e

3 salários mínimos) ou recessão (acima de 3 salários mínimos) para as outras categorias de

trabalhadores. Do total aproximado de 2,1 milhões de vagas criadas por ano, 2 milhões

encontram-se nas de até 1,5 salário mínimo. Assim, a economia brasileira se mostra

fortemente urbanizada, baseada no setor de serviços e com salários extremamente contidos

(POCHMANN, 2012). Do total líquido de 21 milhões das ocupações criadas na década de

2000, por volta de 95% foram para rendimentos de até 1,5 salário mínimo. Ao mesmo tempo,

no mesmo período, houve redução de 1,1 milhão das ocupações sem remuneração. Já aquelas

de mais de 5 salários mínimos tiveram redução de 4,3 milhões (POCHMANN, 2012).

Assim, vemos uma acelerada mobilidade social na base da pirâmide

combinada com crescimento do consumo de bens e serviços associados à economia popular.

Vale ressaltar, também, que 85% de todas as vagas abertas são para possuidores do

equivalente ao ensino médio. Vemos, com esse indicador, que não são vagas para possuidores

de ensino superior. Os trabalhadores com salário base tornaram-se, dessa forma, protagonistas

da estrutura social brasileira.

CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA DOS ENTREVISTADOS

Dos trinta brasileiros que entrevistamos, vinte e três estavam empregados88

e sete desempregados. Dos desempregados, dois eram homens – os quais tinham chegado a

Quebec havia menos de seis meses – e cinco eram mulheres – dentre elas, uma tinha chegado

a Quebec havia menos de seis meses, uma estava vivendo um processo de transição de área de

atuação profissional e procurava emprego nessa nova área, e três eram donas de casa que

cuidavam da família.

Dos que se declararam empregados, todos estavam trabalhando em

empregos formais. Vinte e cinco possuíam emprego antes de imigrar e cinco não. Dos que

estavam desempregados antes da mudança, três saíram do país ainda como estudantes, um era

padre no Brasil, e um tinha feito mudança de área de atuação profissional no Brasil – e estava

desempregado também em Quebec. Dos que trabalhavam no Brasil, vinte e três tinham

emprego formal – carteira de trabalho assinada –, um se declarou autônomo, e um declarou

que tinha trabalho informal atuando como advogado.

                                                                                                               88 Um dos imigrantes possuía uma bolsa para realizar o doutorado no Canadá – concedida pelo governo canadense – e, por isso, consideramos ele como empregado;

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67  

Em relação ao anos de escolaridade, observamos que os brasileiros que

chegam a Quebec respondem aos anseios da política de imigração, pois possuem um alto

nível: dezoito responderam que possuíam pós-graduação completa, um tinha pós-graduação

incompleta, nove tinham ensino superior completo, um tinha ensino superior incompleto, e

um tinha o ensino médio completo. Fazendo a leitura dos dados de forma numérica, o menor

número de anos de estudos encontrado foram 11 e o maior foram 27.

Quanto ao nível de conhecimento de francês antes da imigração, três

declararam possuir o nível superior, três o avançado, onze o intermediário e onze o básico.

Após a imigração, catorze afirmaram ter nível superior, dez o avançado, quatro o

intermediário e dois o básico. Já quanto ao conhecimento de inglês antes da imigração, cinco

responderam possuir nível superior, treze o avançado, oito o intermediário, quatro o básico e

um que sabia apenas o verbo “to be”89. Após a imigração, oito tinham nível superior, quinze o

avançado, três o intermediário e quatro o básico. Notamos forte presença de conhecimentos

tanto de francês como de inglês nos brasileiros que encontramos.

Em relação à idade, os entrevistados mais novos tinham 28 anos e o mais

velho tinha 60. Do total, dezoito tinham menos de 35 anos; três tinham entre 36 e 40 anos;

dois tinham entre 41 e 45 anos; quatro tinham entre 46 e 50 anos; e três tinha mais que 51

anos. Foram dezessete homens e treze mulheres ouvidos na pesquisa.

Dezesseis eram casados, seis em união civil, seis solteiros, e dois

separados ou divorciados. Em relação à religiosidade, treze declararam não ter qualquer

religião, onze eram católicos, quatro espiritistas kardecistas, um protestante, e um respondeu

que a questão não se aplicava. Cor/raça autodeclarada mostrou vinte e um brancos, seis

pardos, um negro, um indígena, e um não quis declarar – mas, ao entrevistador, parecia pardo.

Neste parágrafo, as opções de respostas que os imigrantes assinalaram no

questionário poderiam ser múltiplas. Em relação a quem ajudou a conseguir o primeiro

emprego, dezenove declararam que sozinhos, cinco foram amigos, quatro não responderam ou

a pergunta não se aplica, um o cônjuge, um outro parente, um outra pessoa, e um uma

empresa. Quem ajudou na primeira hospedagem dos imigrantes, treze foram eles mesmos, dez

declararam que um amigo(a), três o cônjuge, dois outro parente, um o irmão ou irmã, um

outra pessoa. A quem recorre em momentos de dificuldade: dezessete ao cônjuge, nove à

mãe, nove a amigo(a)(s), sete ao pai, cinco a ninguém, três ao irmão ou irmã, dois a outro

parente, e um ao filho(a).

                                                                                                               89 Essa foi a forma como o imigrante caracterizou seus conhecimentos de inglês;

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Sobre proximidade com o Brasil, vinte e um viajaram para o país nos

últimos três anos – sendo que, desses, quinze foram ao país uma vez ao ano, dois a cada dois

anos, dois uma vez nos últimos dois anos, e um duas vezes ao ano – e nove não estiveram no

Brasil. Sobre relações interpessoal, vinte e oito disseram ter amigos brasileiros em Quebec e

apenas dois não. Sobre o envio de remessas ao Brasil, mais uma amostra que esse fluxo de

imigrantes é atípico: vinte e dois não enviam dinheiro. Dos oito que enviam, três o fazem

para investimentos próprios. Os outros quatro fazem remessas para consumo familiar, ajudar a

sustentar a família, pagar plano de saúde e estudos de dependentes.

INFORMAÇÕES OBTIDAS NAS ENTREVISTAS QUALITATIVAS Para tentarmos traçar um perfil do imigrante brasileiro em Quebec,

destacamos uma lista com 19 pontos de questionamentos que buscamos ressaltar do que foi

apresentado nas entrevistas qualitativas. O roteiro das perguntas que foram aplicadas a todos

os 30 brasileiros que ouvimos encontra-se no Anexo D90. No Anexo E encontram-se os

principais pontos da “decupagem” das respostas dos imigrantes. Segue a compilação do que

achamos mais marcante nas verbalizações dos entrevistados:

1-Foi a alguma palestra91 do governo de Quebec no Brasil? Dezenove

responderam que sim e onze que não.

2-Visitou Quebec antes de imigrar? Catorze responderam que sim e

dezesseis que não ou não revelou na entrevista.

3-Desde que deu entrada no pedido de visto de residente permanente,

quanto tempo demorou até sair? O tempo mais curto encontrado foram seis meses (sendo que

também encontramos uma imigrante que entrou com visto de reunificação familiar, pois se

casou com um canadense e o visto saiu em apenas três meses) e o mais longo foram três anos.

4-Em relação à profissão, buscamos nas entrevistas se os imigrantes

alegam dificuldade para se inserir no mercado de trabalho e qual era a profissão no Brasil.

Encontramos que doze alegam dificuldades (sendo que neste grupo estão um(a) produtor(a)

audiovisual, um(a) geólogo(a), um(a) estatístico(a), um(a) relações públicas, um(a)

psicólogo(a), um(a) advogado(a), um(a) analista de sistemas, um(a) produtor(a) de TV, um(a)

gerente de logística, um(a) programador(a) analista, e dois(duas) estudantes). Dezoito

                                                                                                               90 Disponibilizamos no Anexo C o áudio de todas as entrevistas gravadas. 91 A partir de 2004, o governo de Quebec adotou a estratégia de divulgar a política de imigração da província através de palestras em diversas cidades espalhadas por todo o território brasileiro. Estas palestras eram realiadas com o objetivo de apresentar Quebec e seu plano de inserção de imigrantes qualificados em suas áreas de formação profissional também no Canadá. Foi através de uma dessas palestras que entramos em contato pela primeira vez com o tema da dissertação.

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disseram não ter dificuldade (neste grupo estão um(a) publicitário(a), um(a) professor(a) de

ensino médio, um(a) professor(a) universitário(a), um(a) gerente de projetos, um(a)

coordenador(a) de operações bancárias, um(a) químico(a) e comerciante, um(a) diarista,

um(a) tradutor(a), um(a) educador(a) físico(a), um(a) consultor(a) de negócios, um(a)

administrador(a) de empresa, um(a) assessor(a) migratório(a), um(a) contador(a) e

músico(musicista), um(a) funcionário(a) público(a) na área de TI, um(a) web designer, um(a)

analista de sistemas, um(a) analista de suporte, e um ex-padre92).

5-Sem ter sido elaborada a questão no nosso roteiro de entrevista,

observamos problemas quanto às relações interpessoais em Quebec: catorze alegam ter

dificuldades e dezesseis não.

6-Em relação ao que julgamos serem fortes indícios de fatores de

imigração de brasileiros em Quebec, vinte e cinco entrevistados alegaram espontaneamente

problemas na qualidade de vida urbana no Brasil (situações de dificuldade com mobilidade

urbana, saúde, educação e estrutura do mercado de trabalho – horas extras trabalhadas e não

remuneradas, o tempo do trabalho tomando parte do tempo de lazer, etc).

7-Em relação a problemas de segurança pública no Brasil, também

espontaneamente vinte e quatro disseram ter problemas e seis nada declararam a esse respeito.

8-Outro questionamento que buscamos identificar nas respostas é se os

imigrantes julgam que fazem mais coisas no Brasil ou em Quebec. Vinte e cinco disseram que

em Quebec, quatro no Brasil e um achou que é equivalente.

9-Chama também a atenção que quinze pessoas imigraram sozinhas, dez

com esposa ou marido ou companheiro com união civil, quatro com esposa ou marido ou

companheiro com união civil e com o(a)(s) filho(a)(s), e apenas um com outro parente.

10-Em relação à renda familiar bruta ao ano93, encontramos uma renda

anual bruta per capta média de aproximadamente CA$ 27.800,00 (vinte e sete mil e oitocentos

dólares canadenses). Segue abaixo as rendas encontradas em ordem crescente e a indicação

de quantas pessoas são sustentadas com esses recursos:

• Não revelou

• CA$ 14.400 – uma pessoa (tinha chegado há menos de seis meses)

• CA$ 18.000 – duas pessoas (tinha chegado há menos de seis meses)

• CA$ 18.000 – duas pessoas (tinha chegado há menos de seis meses)

                                                                                                               92 O qual entrou com visto de reunificação familiar após se casar com uma canadense. 93 No Canadá, é comum as pessoas calcularem a renda de um emprego anualmente e não mensalmente como estamos acostumados no Brasil;

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• CA$ 25.000 – uma pessoa

• CA$ 28.000 – uma pessoa

• CA$ 30.00 – duas pessoas

• CA$ 30.000 – duas pessoas

• CA$ 36.000 – três pessoas

• CA$ 38.000 – duas pessoas

• CA$ 40.000 – três pessoas

• CA$ 40.000 – duas pessoas

• CA$ 50.000 – quatro pessoas

• CA$ 50.000 – uma pessoa

• CA$ 55.000 – quatro pessoas

• CA$ 60.000 – cinco pessoas

• CA$ 60.000 – três pessoas

• CA$ 60.000 – duas pessoas

• CA$ 65.000 – duas pessoas

• CA$ 70.000 – três pessoas

• CA$ 80.000 – três pessoas

• CA$ 80.000 três pessoas

• CA$ 85.000 – quatro pessoas

• CA$ 90.000 – três pessoas

• CA$ 96.000 – duas pessoas

• CA$ 100.000 – duas pessoas

• CA$ 110.000 – duas pessoas

• CA$ 130.000 – duas pessoas

• CA$ 200.000 – quatro pessoas

• CA$ 300.000 – quatro pessoas

11-Se já sofreu preconceito no Brasil, apenas sete dizem que sim e vinte e

três alegam que não.

12-Já em Quebec, catorze alegam que sofreram preconceito e dezesseis

que não.

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13-Se o inverno ou o frio ou a neve é fonte gerador de inquietação, nove

disseram que sim e dezoito disseram que não. Três ainda não tinham vivenciado um inverno

no Canadá no momento da entrevista.

14-Outra questão que buscamos trazer para o debate é que o Brasil vive

um problema endêmico em qualidade de vida e segurança pública em todas suas regiões

metropolitanas. Pretendemos ilustrar isso mostrando que os imigrantes são provenientes de

diversas regiões do país. Dessa forma, encontramos pessoas que moravam nas seguintes

cidades antes da imigração:

• Aracaju/SE (uma pessoa);

• Belo Horizonte/MG (uma pessoa);

• Betim/MG (uma pessoa);

• Brasília/DF (quatro pessoas);

• Campinas/SP (duas pessoas);

• Curitiba/PR (três pessoas);

• Descalvado/SP (uma pessoa);

• Florianópolis/SP (uma pessoa);

• Fortaleza/CE (uma pessoa);

• Guarapari/ES (uma pessoa);

• Maringá/PR (uma pessoa);

• Mauá/SP (uma pessoa);

• Porto Alegre/RS (duas pessoas);

• Recife/PE (uma pessoa);

• Rio de Janeiro/RJ (duas pessoas);

• São Paulo/SP (seis pessoas);

• Toulouse/França (uma pessoa);

15-Quanto à cidade de nascimento, observamos o seguinte:

• Aracaju/SE (uma pessoa);

• Belém/PA (uma pessoa);

• Belo Horizonte/BH (uma pessoa);

• Brasília/DF (três pessoas);

• Conselheiro Lafaiete/MG (uma pessoa);

• Cuiabá/MT (uma pessoa);

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• Curitiba/PR (duas pessoas);

• Descalvado/SP (uma pessoa);

• Fortaleza/CE (uma pessoa);

• Guarapari/ES (uma pessoa);

• Guarapuava/PR (uma pessoa);

• Itumbiara/GO (uma pessoa);

• Mauá/SP (uma pessoa);

• Monte Alto/SP (uma pessoa);

• Piracicaba/SP (uma pessoa);

• Porto Alegre/RS (duas pessoas);

• Recife/PE (uma pessoa);

• Rio de Janeiro/RJ (duas pessoas);

• Salvador/BA (uma pessoa);

• Santa Maria/RS (uma pessoa);

• Santo André/SP (uma pessoa);

• São José do Rio Preto/SP (uma pessoa);

• São Paulo/SP (duas pessoas);

• Vitória da Conquista/BA (uma pessoa);

16-Outro aspecto que buscamos captar nas entrevistas foi a relação com a

pátria de nascimento. Constatamos que nove dos imigrantes pensam em voltar para o Brasil,

dezessete não e quatro não sabem ou deixam o futuro aberto para se mudarem para o Brasil

ou outros lugares.

17-Constatamos também que não existe uma razão puramente econômica

para a imigração para Quebec. Dos trinta imigrantes, treze declaram ganhar mais em Quebec,

onze disseram que ganhavam mais no Brasil, quatro declararam ganhar equivalentemente e

dois tinham acabado de chegar e estavam desempregados não sabendo dizer ao certo. Esses

dados sugerem que a maior parte dos imigrantes brasileiros que encontramos pertencia às

classes A/B94 no Brasil antes da imigração.

                                                                                                               94 Como uma média salarial de CA$ 27.800,00 (vinte e sete mil e oitocentos dólares canadenses) representa uma renda anual bruta per capta de aproximadamente R$ 70.000,00 (setenta mil reais, com variação cambial de aproximadamente dois vírgula vinte e cinco centavos de real para um dólar), isso representa uma renda mensal bruta per capta de aproximadamente R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais). A/B são aqueles que ganham mais de R$ 5.174,00; C entre R$ 1.200,00 e R$ 5.174,00; D entre R$ 751,00 e R$ 1.200,00; e E até R$ 751,00 (NERI, 2011). A cotação que sugerimos para o cálculo do valor aproximado de câmbio foi consultada no site

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18-Outra constatação é a de que a imigração para Quebec não representa o

modelo típico de projeto familiar. Vinte e dois dos imigrantes declararam que custearam o

próprio projeto. Seis disseram que dividiram a despesa com o marido ou esposa (união civil).

Apenas um disse que foi ajudado pelo marido (ou esposa ou união civil) e a família, e um

disse que foram os pais.

19-O ano de entrada reflete o que constatamos com os dados de entrada de

imigrantes do Statistique Canada: a maior parte das entradas a partir de meados dos anos

2000. Segue o número de imigrantes por faixa de ano de entrada:

• Antes de 1971: nenhum

• 1971-1980: um

• 1981-1990: nenhum

• 1991-2000: cinco

• 2001-2005: um

• 2006-2010: dezessete

• Após 2011: seis

ANÁLISE DAS ENTREVISTAS QUALITATIVAS

Pretendemos nesta parte mostrar alguns fragmentos do que encontramos

de mais marcante nas entrevistas qualitativas conduzidas com os brasileiros em Quebec95.

Entendemos que há tanto fatores de repulsão como fatores de atração para determinar o fluxo

de brasileiros para Quebec. Dentre as motivações para a mudança, estão principalmente

problemas de segurança pública, de qualidade de vida urbana no Brasil e de relações

trabalhistas com empregadores. Questionamentos e queixas a respeito da baixa qualidade dos

serviços públicos de saúde, educação, mobilidade urbana, e uma cultura de trabalho muito

extenuante, que toma longas horas da jornada, não deixando espaço para a convivência

familiar e para o lazer, foram máximas relatadas espontaneamente pelos imigrantes.

Insistimos na utilização da palavra espontaneamente porque a elaboração

do roteiro de perguntas propositadamente buscou questões abertas e que não direcionassem as

respostas dos entrevistados para os fatores de imigração apontados no parágrafo acima. Desde

o início da realização desta pesquisa, partíamos da hipótese de que os problemas do parágrafo

anterior eram fatos geradores da motivação para o enfrentamento de um processo migratório –

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         <http://economia.uol.com.br/cotacoes/cambio/dolar-canadense-canada/> no dia 23 de agosto de 2013. 95 As entrevistas na íntegra estão no Anexo C.

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insatisfações ocasionadas pela rápida e pouco eficientemente planejada transição urbana que o

Brasil atravessou a partir de meados do século XX.

Dessa forma, separamos algumas categorias que sintetizam verbalizações

constantemente encontradas: qualidade de vida, na qual estão inseridos questionamentos da

qualidade dos serviços públicos no Brasil, oferta de espaços de lazer, tranquilidade e

previsibilidade; universo do trabalho, encontramos críticas a uma cultura do trabalho que

“exige” a realização de horas extras não remuneradas e ameaças de demissão por conta de um

mercado de trabalho competitivo; segurança pública, presente falas sobre violência urbana e

medo de andar na rua; relações interpessoais, que abrangem como o imigrante caracteriza sua

interação com a sociedade quebequense; homofobia, presente no discurso de imigrantes que

espontaneamente se assumem homossexuais e alegam que tinham dificuldade e medo no

Brasil; espaço público mais democrático, que envolve a percepção de maior possibilidade de

interferência na direção de políticas; igualdade de acesso aos serviços públicos como

equalizador de oportunidades, os imigrantes enxergam que a presença de serviços públicos

universalizados e com qualidade tende a regular desigualdades de classes sociais; preconceito,

que apresenta falas sobre atitudes discriminatórias no acesso ao mercado de trabalho de

Quebec em função de falarem francês com sotaque; acesso a bens materiais mais facilmente,

verbalização comum sobre a compra de bens materiais (carro, casa, computador, celular, etc),

como são mais fáceis em Quebec; percepção de corrupção, sentimento que os brasileiros

expressam dizendo que sentem um índice mais elevado no Brasil do que em Quebec96; e

problemas da política de imigração, que são falas apontando descompasso entre o discurso

que ouviram do governo de Quebec nas palestras de imigração no Brasil e a realidade que

encontraram na província após a entrada, e também sugestões de campos de ação do governo

franco-canadense para amenizar tensões de acesso ao mercado de trabalho. Dessa forma,

destacamos o que mais nos chamou a atenção em cada entrevista97:

1-Rafael I. Espaço público democrático, segurança pública e homofobia:

Bastante, bastante [respeitado em Quebec]. Principalmente em espaços públicos. Tudo que em São Paulo não funcionava na convivência pública, aqui é um negócio que eu sinto, é impressionante para mim o quanto se respeita. Não só liberdades, mas possessões materiais, por exemplo. Não se vê tanta violência, pequenos roubos e aproveitamentos que se tem no dia a dia como se tem no Brasil. E também pela orientação sexual [Rafael I se declara espontaneamente na entrevista homossexual] me vejo muito mais tranquilo e como igual e não sendo uma minoria como me sinto em São Paulo.

                                                                                                               96 As falas dos imigrantes brasileiros estão de acordo com o que aponta o índice de percepção de corrupção da Organização Não Governamental Transparência Internacional: http://www.transparency.org/country. 97 Os nomes dos entrevistados são fictícios.

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2-Bruno C. Qualidade de vida:

Então a diferença para mim é com relação à segurança social, aos benefícios que eu tenho: médico, aposentadoria, etc. Agora eu virei cidadão também. Eu tenho uma segurança maior como indivíduo. Isso eu não sei se teria no Brasil. [...] Do ponto de vista individual, existem pessoas com quem tive problema de desrespeito. Mas, no Brasil também tem a falta de educação [coletiva] que reina também. Existe muita gente mal acostumada, aquela coisa de furar fila no Brasil... o trânsito no Brasil também é aquela coisa muito terrível, ao menos em Curitiba. Furam o sinal vermelho, quase te atropelam e ainda vão mostrar o dedo se você reclamar. Aqui o trânsito pode ser lento, as pessoas podem reagir devagar quando o sinal abre, mas é um trânsito muito mais civilizado do que no Brasil. Eu costumava dizer nos primeiros anos aqui que se a única diferença entre morar aqui e no Brasil fosse o trânsito – se não tivesse questão familiar, linguística, se não tivesse nenhuma outra diferença – eu preferiria morar aqui porque é mais civilizado. As chances de você continuar vivo são bem maiores. E as chances de você morrer atropelado ou num acidente de carro no Brasil são bem maiores do que aqui. Então, existem algumas diferenças que muitos brasileiros escolheram imigrar e preferem ficar aqui por causa dessa diferença de vida. A violência é bem menor, a possibilidade de você ser assaltado é bem menor, você tem uma vida mais tranquila. Então você tem uma qualidade e vida melhor.

2-Bruno C. Percepção de corrupção:

Eu já vi caso de ministros [no Canadá] que renunciaram a cargos de ministro porque não concorda especificamente com uma política do governo federal. Aqui o primeiro ministro de Quebec não precisava chamar eleições, mas teve pressão popular através de uma série de protestos, ele acabou chamando a eleição e perdendo. Me contrasta esses exemplos e outros que eu poderia citar aqui com lá no Brasil... Renan Calheiros, a forma como ele se segurou no mandato dele de senador e de presidente do Senado com todas aquelas denúncias da amante dele que ficou grávida, teve a filha dele e o lobista dele pagava (o lobista defendia uma empresa e o Renan Calheiros defendia os interesses da empresa no ministério da Previdência no Brasil)... e ele está lá. Aqui muitas vezes, se houver uma denúncia, muitas vezes as pessoas renunciam porque querem defender a honra. [Aqui] a pessoa perde uma eleição e abandona a política.

3-Rafael II. Qualidade de vida, segurança pública, acesso a bens materiais

mais facilmente:

A qualidade de vida, a tranquilidade de viver em um lugar sem violência onde as pessoas são muito mais iguais do que no Brasil, o acesso à cultura e bens materiais que são muito mais fáceis que no Brasil. Mas, principalmente a tranquilidade e qualidade de vida [são as diferenças entre Brasil e Quebec].

3-Rafael II. Universo do trabalho:

As pessoas aqui tem parte do seu dia a dia dedicado ao trabalho e o resto dedicado à família, por exemplo. Aqui as pessoas são diferentes. Elas têm o tempo do seu trabalho – das 8h às 17h, por exemplo –, acabou o seu trabalho você vai para casa.

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No Brasil é comum as pessoas ficarem até 20h-22h no trabalho para o patrão enxergar que você está trabalhando. Aqui isso não existe. A valorização da sua vida pós-trabalho é legal, as pessoas têm tempo para dedicar à família.

3-Rafael II. Espaço público mais democrático:

Cidadania plena é conseguir participar dos debates da sociedade, conseguir ter acesso aos serviços que você precisa, os serviços básicos estão funcionando, existe um respeito institucional com relação ao indivíduo.

3-Rafael II. Segurança Pública, percepção de corrupção:

A igualdade que existe entre as pessoas aqui é muito grande. Você anda na rua e não distingue quem é rico de quem é pobre – talvez uma ou outra pessoa [dá para distinguir]. Essa igualdade eu acho muito legal. O ‘gap’ que a gente tem no Brasil entre ricos e pobre é muito grande e gera violência, um monte de fatores negativos. Aqui, isso é bem menor. Existe, mas é muito menor. Você vive em uma sociedade mais tranquila. A polícia está sempre presente. Corrupção existe, mas é em menor escala que no Brasil, com certeza.

3-Rafael II. Acesso a bens materiais mais facilmente:

Acesso a bens materiais aqui é bem mais simples e mais fácil que no Brasil. Se você quiser comprar um carro ou uma casa, produtos eletrônicos, isso você consegue sem ter um emprego dos sonhos. Você pode trabalhar como um ‘cleaner’ e conseguir comprar um carro, alguma coisa. Isso que no Brasil é uma coisa de sonho para as pessoas. A igualdade aqui é maior. Os salários são melhores e qualquer serviço que você vai fazer aqui você vai ser remunerado de uma maneira digna. No Brasil, não.

4-Patricia Z. Qualidade de vida:

Profissionalmente eu não estou onde eu gostaria de estar. Estou dentro da minha área, mas eu gostaria de ter um cargo como professor que eu não tenho. Qualidade de vida é tranquilo, está muito bom. A parte que me falta é a realização profissional. Mas, eu não desconsidero voltar para o Brasil. Mas, o conjunto de aspectos que fazem a qualidade de vida eu acho que teria dificuldades [com o retorno] para me readaptar mais uma vez. Eu gosto de andar de bicicleta aqui. No Brasil eu andei de bicicleta antes de ter carro. Não sei se eu iria poder andar de bicicleta no Brasil para ir trabalhar porque não tem lugar para você amarrar sua bicicleta. E se você amarra sua bicicleta provavelmente ela não vai estar ali depois que você sair do trabalho. Esses aspectos que podem ser pequenos, mas me garantem uma qualidade de vida. Aqui eu não tenho empregada. No Brasil eu tinha uma empregada quando minha filha nasceu. E não era uma coisa que eu gostava de sentir essa disparidade social dentro da minha casa. Quer dizer, eu tinha uma pessoa às minhas ordens. Isso não estava bom para mim. Fora falar que tem gente miserável no Brasil. Então, globalmente, a qualidade de vida aqui é boa, eu prefiro morar aqui. A vida é mais organizada, mais planejada. Mas, profissionalmente tem essa ambição que ainda não está completa e minha família está no Brasil, não é para descartar a possibilidade de voltar.

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[...] O Brasil funciona muito por aparência e aqui isso é menos. E um aspecto que eu gosto de Quebec é o planejamento. Sua agenda está definida com uma semana de antecedência. Às vezes eles têm até uma antecedência muito grande. No Brasil, inúmeras vezes, aconteceu de me ligarem ‘Patrícia, será que dá para você começar a dar um curso amanhã para uma turma de mestrado para empresários’. Então, era uma improvisação. Aqui eu sei que vou dar um curso com seis meses de antecedência. Então dá para me preparar melhor.

4-Patricia Z. Relações interpessoais:

O Quebec se vê muito como latino-americano, mas tem um lado anglófono muito forte que faz uma diferença muito grande. Outra diferença é que as pessoas que nasceram aqui já estão com o ‘hall’ de amigos arranjados, está tudo esquematizado. Aí você chega aqui que nem um cabelo na sopa, você não espera que as pessoas vão te chamar para a casa delas. Isso não acontece. A vida deles continua. É difícil você conseguir espaço na vida das pessoas. Difícil você conseguir amigos quebecois [quebequense], bastante difícil. Agora, eu nem sei se é um problema deles ou um problema meu.

4-Patricia Z. Igualdade de acesso aos serviços públicos como equalizador

de oportunidades:

Tudo que eu queria fazer no Brasil eu podia comprar. Aqui eu não posso comprar muita coisa, mas eu tenho acesso gratuito a muita coisa. No Brasil, se eu quero uma boa escola para minha filha eu pago. Aqui eu não tenho dinheiro, mas tenho uma boa escola pública que minha filha frequenta e eu estou muito satisfeita.

4-Patricia Z. Preconceito:

Aqui existe o politicamente correto e ele impede que esse preconceito seja escancarado. Mas, ele existe. Por exemplo, os alunos aqui fazem avaliação de professor no final do curso. Ninguém nunca mencionou [durante o semestre letivo] que meu sotaque causava problemas. Mas, na avaliação, que é anônima, eu recebi já umas três vezes comentários de alunos a respeito do meu sotaque. Isso é uma forma de preconceito. Não era nada incompreensível não. Era tipo: ‘é inadmissível que professor que tenha sotaque dê aula em uma universidade francófona’. Eu podia ter sotaque de onde fosse. Não interessava a competência, o conteúdo, era inadmissível que houvesse o sotaque. Então, ele existe, mas ele é muito mais sutil e velado que no Brasil porque não é politicamente correto aqui a gente ter preconceito.

5-Ismael J. Segurança pública:

Eu moro em um lugar bacana, eu me sinto seguro, eu não me sinto com medo de sair na rua por causa de ladrão. Ladrões que roubam bicicletas existem, mas isso acontece em todo o mundo, não só aqui, não só no Brasil. Mas, eu me sinto feliz aqui.

5-Ismael J. Homofobia:

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Uma das razões de eu ter vindo para cá é que eu sou homossexual e minha família não sabe. Eu acho que com essa nova vida o lugar daria a possibilidade de viver como eu sou ser tem problema de justificar a razão de ser ou não. Então isso me faz viver no Canadá muito tranquilo, principalmente porque é um país muito aberto a isso. No Brasil eu sabia que não seria fácil, possível seria. Mas, não seria a mesma realidade de viver em um meio religioso sendo gay. Então, acho que essa foi uma das razões também que me fez mudar para cá.

5-Ismael J. Espaço público mais democrático:

Eu acho que você se sente mais cidadão quando você percebe que o governo te valoriza de alguma forma. Mesmo que você pague impostos, você tem um retorno sobre esses impostos que você paga. E aqui você vê claramente isso. Você tem um bom sistema de transporte, você vê que o governo da cidade te dá lixeira para poder colocar o lixo reciclável, por exemplo. Você vê retorno nas construções, nas calçadas [falando sobre a qualidade], na limpeza e isso acaba de dando uma referência que no Brasil você não tem.

5-Ismael J. Problemas da política de imigração:

Claro que palestra de imigração eles vão vender o país, vão vender a necessidade deles. Mas, quando você chega aqui eles não abrem o mercado para pessoas que são médicas que não podem trabalhar na área de medicina. Tenho amigos aqui que são médicos e que tiveram que voltar para a universidade para fazer biomedicina para poder entrar no mercado de trabalho porque eles não podem atuar como médico aqui. E hoje eles não atuam como médicos, eles atuam como biomédicos. O país pede para alguém para vir, eles dizem que estão precisando, mas o imigrante quando chega aqui eles não abrem a porta para certas profissões. E isso é algo que deveria ser revisto.

6-Daniel H. Problemas da política de imigração:

Fiquei um pouco chateado pelo processo de reconhecimento de diplomas. Eu achei que seria uma coisa mais simples porque já que eles estão buscando profissionais qualificados eu achei que ao chegar aqui o processo de reconhecimento do diploma seria um pouco mais rápido. Mas, pelo que já pesquisei, demora um pouco mais do que a gente esperava. Acho que esse para mim é o ponto mais chave. Não adianta nada eles falarem que é tudo prioritário, darem velocidade ao nosso processo no Brasil e quando a gente chega aqui a gente tem que ficar três, quatro, cinco meses esperando o reconhecimento do diploma. Acho que isso já poderia ser feito durante o processo.

6-Daniel H. Igualdade de acesso aos serviços públicos como equalizador

de oportunidades:

Mesmo tendo algumas coisas que são restritas a mim [não poder participar da vida política], como residente permanente eu tenho acesso a tudo que Quebec e o Canadá me oferecem. Até mais do que no Brasil: saúde educação, segurança,

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acesso a emprego, acesso aos organismos do governo de apoio e auxílio – que prestam serviços para você se adaptar – acho que você tem um pouco mais que no Brasil. A mentalidade está um pouco mais evoluída nessa questão de dignidade da vida humana. Acho que eles deram uns dois passo a mais que nós.

6-Daniel H. Qualidade de vida:

Se eu tenho oportunidade de trabalhar aqui [na minha área], o principal motivo é a qualidade de vida que o Canadá oferece. Como a gente tem parentes em cidades grandes no Brasil, o que nos deixa chateado é a violência, ter que ter cuidado todas as vezes quando chega em casa para não sofrer sequestro relâmpago, você conhece várias pessoas que já sofreram, foram assaltadas, vítimas de arma de fogo, educação muito cara para quem quer ter uma educação de qualidade – tem que gastar muito com colégio particular – ou ficar na rede pública e torcer para que dê certo, ou tentar alguma coisa diferente – alguns amigos que eu tive entraram em colégio militar e eu não precisei [por ser filho de militar] – em algumas cidades apenas do país. A saúde pública é o caos, tem que pagar plano de saúde. Casa própria é acessível, mas nem tanto: depende do lugar que você mora. Segurança é só ligar o jornal que você fica cansado. No Canadá eu acho que isso é um pouco diferente. Não que não tenha isso. Mas a taxa de frequência desses eventos é extremamente menor do que no Brasil e isso para mim já eleva a qualidade de vida do imigrante ao espaço.

7-Viviane I. Universo do trabalho:

O pessoal tem mais tempo para viver fora do trabalho. Você tem o trabalho. Mas, as horas de trabalho são um pouco mais rígidas porque o pessoal realmente paga as horas extras e nem todas as empresas gostam de ficar pagando horas extras para o empregado. Eu tenho certeza que mesmo numa empresa privada eu vou ter que trabalhar até certo ponto, mas é da cultura local você acabar sua hora de trabalho e ir buscar seu filho, ir praticar esporte, curtir o mundo lá fora porque sua vida não é só trabalho, o que acaba sendo invertido no Brasil. Às vezes as pessoas para crescerem profissionalmente precisam se dedicar muito ao trabalho e acabam tendo tempo muito reduzido para outras coisas. Então essa vida um pouco mais equilibrada entre trabalho e atividades do seu interesse fora do trabalho me atraiu bastante para cá.

7-Viviane I. Segurança pública:

Quando eu penso que tem pessoas vivendo situações muito complicadas e eu jamais vou dizer que eu vivia uma situação ruim no Brasil. Mas, o que eu vejo é que certas tranquilidades, a parte de violência no Brasil é muito forte. Então você fica o tempo todo um pouco preocupado, você entra no carro olhando, essa parte do dia a dia do ambiente com disparidade social é um pouco mais tenso do que aqui. Mas, eu não falo que viver lá é menos digno do que aqui. Eu vejo alguns benefícios que eu tenho aqui. Eu jamais vou dizer que eu tinha uma vida indigna no Brasil. São só certas situações que você escolhe: vou viver mais tenso ou não? Vou ficar congelado ou não? Vou ter o sol sempre lindo e a praia maravilhosa? Cada um escolhe a sua escala de prioridades.

7-Viviane I. Espaço público mais democrático:

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No Brasil eu via uma distinção de classe social mais evidente e aqui eu faço parte de um todo. As pessoas que usam o transporte público [no Canadá] vão desde o diretor até o pessoal que de cargos que exigem menos estudos. Em Brasília eu tinha meu próprio carro. Aqui é escolha se eu quero ter carro ou não. Utilizar o transporte público no dia a dia é tranquilo.

7-Viviane I. Qualidade de vida:

Eu queria provar um pouquinho dessa sociedade mais igualitária, ver o que muda na vida, se é tão bonitinho como as pessoas pintam, se realmente no hospital fazer parte do plano público de saúde funciona ou não. No Brasil [eu] estou muito acostumada a reclamar. Eu dizia que ‘o transporte público não funciona’. Aqui o transporte público funciona e vamos ver se eu gosto de andar todo dia nele. Aqui a saúde pública funciona. Mas, será que eu vou gostar de entrar na fila? Tudo faz parte de uma experiência de uma sociedade que às vezes eu gostaria que o Brasil já tivesse.

7-Viviane I. Igualdade de acesso aos serviços públicos como equalizador

de oportunidades:

Eu sei que os salários aqui são um pouco mais baixos que no Brasil. Lá era tranquilo eu ganhar R$ 3 mil. Aqui eu vou ganhar CA$ 2 a CA$ 2,5 mil. Eu não vou fazer conversão porque nos dois lugares eu estou gastando na moeda local. Mas, com dois e pouco aqui eu vivo duzentas vezes melhor do que eu vivia com três mil no Brasil. Com três mil em Brasília, eu não ia conseguir morar no Plano [Piloto], eu ia gastar com plano de saúde, eu ia usar carro para me locomover porque o transporte público é muito ruim, o aluguel é muito caro, comprar um imóvel é muito caro. Então eu tinha uma série de gastos que comiam muito o meu dinheiro. Eu não teria uma vida muito boa. Agora, aqui, com dois mil e pouco você tem uma vida muito boa. O aluguel come bem menos do seu salário, os apartamentos são melhores, as condições são melhores, carros são melhores e mais baratos. De certa forma você tem acesso a muito mais coisas mesmo ganhando menos.

7-Viviane I. Qualidade de vida:

Sou de uma classe social um pouco mais alta [no Brasil], classe média alta, que tem condições de pagar escola particular para os filhos, que os filhos têm condições de ter carro. Então isso me torna um alvo. Malandro olha para mim e pensa: ‘ah, uma menina frágil com um carro. Vou lá roubar ela’. De certa forma, eu sinto que não sou tão rica que consigo comprar minha dignidade. Você tem que pagar muito no Brasil para conseguir coisas que são meio básicas aqui. Vir para cá foi para ver se eu consigo ter naturalmente uma vida mais tranquila sem ter que pagar muito por isso.

8-Gisele A. Qualidade de vida e segurança pública:

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Antes [no Brasil] eu trabalhava de segunda a sexta-feira, das 8h às 19h, chegava em casa podre e não queria fazer outra coisa. Aqui eu trabalho, consigo estudar e tenho espaço livre para algum hobby – posso ir à academia – que era uma coisa que eu não tinha no Brasil. Se você me perguntar se é desorganização da minha parte ou se porque é desse jeito, eu não sei. Mas, eu gosto dessa fórmula de vida. E a questão da segurança que eu não sei até que ponto é fictício. Porque segurança ou falta de segurança você também vai sentir em outro lugar. Aqui em Montreal também tem roubo e outras coisas que no Brasil e em qualquer lugar do mundo vai ter, mas eu tenho uma segurança maior aqui. Quando caminho na rua de noite eu me sinto mais segura. Acho que isso é uma vantagem também. O que me atraiu bastante foi a qualidade de vida: poder trabalhar menos e viver mais. Acho que no Brasil a gente não tem – no meu caso, eu não tinha. Talvez outras pessoas tenham.

8-Gisele A. Qualidade de vida:

A bicicleta foi uma descoberta para mim. No Brasil, se você tem essa possibilidade, você tem n fatores que acabam te desencorajando a fazer. E eu acho que a gente tem uma pressão social muito grande no Brasil. No caso, ser mulher, ser bonita, ser uma boa mãe de família, ser uma boa profissional, uma mulher apaixonada, zelosa, que aqui eu não sinto. Não vejo que as mulheres tenham essa pressão. Então eu tentei desacelerar um pouco essa forma de pensar. Eu me lembro das minhas experiências no Brasil que eram assim: eu tenho que ganhar dinheiro, eu tenho que ter um carro, eu tenho que ter isso, tenho que fazer aqui, que aqui eu não quero ter, não quero ter essa pressão de ter que, de ter que ser, de ter que ter. Apesar daqui as pessoas consumirem mais, eu não acho que as pessoas [aqui] olhem para ti e ‘por você não ter um iPhone você não é interessante’. Talvez eu esteja enganada, talvez seja o círculo [social] que eu vivo. [...] Se eu não tivesse me apaixonado, eu não sei se eu teria imigrado mesmo98. Eu venho de uma família estruturada. Eu tenho pai, mãe, duas irmãs, classe média alta, sempre tive possibilidades de estudar em boas escolas. Eu falo inglês desde muito cedo, depois francês. Eu sempre tive muitas possibilidades. Então eu me considero uma pessoa que tem muita sorte de ter tido as possibilidades que eu tive, que meus pais me deram. Eu nunca tive dificuldade de arrumar trabalho. Minha vida sempre foi digna nesse sentido, eu sempre tive possibilidades de escolher o que eu quero fazer, de ser o que eu gostaria de ser, inclusive a possibilidade de imigrar – não são todas as pessoas que possuem essa possibilidade também. Digno para mim é isso: ter possibilidades.

8-Gisele A. Igualdade de acesso aos serviços públicos como equalizador

de oportunidades:

Aqui as pessoas têm possibilidade de estudar, por exemplo, até mais que no Brasil. Aqui se tu nasce em uma família um pouco mais desfavorecida não quer dizer que toda sua vida você vai passar nesse meio. E no Brasil acho que é mais difícil. Quando nasce em uma família com menos condições financeiras a possibilidade de viver nessa classe social é maior. Acho que em Quebec não é assim.

9-Luciana I. Qualidade de vida: [Em relação a dinheiro, não ganha mais em Quebec que no Brasil]. Pode ter pessoas que vão olhar para essa questão e dizer: ‘nossa, não tem lógica isso que você fez’. Porque justamente no Brasil eu estava em um momento em que eu

                                                                                                               98 Vale ressaltar que Gisele entrou como residente permanente no Canadá e não por reunificação familiar.

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estava em um trabalho estável, eu era funcionária pública, então eu tinha um salário que em termos de concurso público para psicólogo era um dos mais altos, só que não só não estava satisfeita como eu senti que estava me fazendo mal. [...] Então, não foi por causa de dinheiro que eu vim para cá.

9-Luciana I. Problemas da política de imigração:

[A política de imigração de Quebec] É vender uma coisa e fazer você se sentir numa situação de humilhação durante o processo. Eu sempre penso na parte psicológica da história e nessa parte é muito difícil. Muitas pessoas vêm para cá já ocupando uma posição, tendo um percurso, chegam aqui e tem que começar de novo, ir para trás para depois chegar ao ponto que quer. Eu acho complicado. Não sei o que precisaria ser feito para mudar, se teria como melhorar... mas, eu gostaria que mudasse, que fosse mais humano e respeitasse mais as qualificações das pessoas os percursos. Mas, dependendo da área – tecnologia, por exemplo – a maioria das pessoas que eu conheço que veio para cá trabalhar já chegou aqui em outra posição: não tem que voltar para trás, às vezes nem falam o francês – coisas que eles [o governo de Quebec] exigem muito.

10-Luciana II. Igualdade de acesso aos serviços públicos como

equalizador de oportunidades e segurança pública:

[Uma vida] com futuro pela frente, [aqui] tem muito estudo, ela [minha filha] vai poder estudar o que ela quiser: mestrado, doutorado. E lá no Brasil eu não sei se eu ia poder dar isso. E quando ela sai à noite eu sei que ela vai voltar porque ela tem juízo também, mas não tem perigo de ladrão, etc. Isso para mim não tem preço. Eu faria de novo e não me arrependo de nada. [...] Só de você andar pela rua e não ter medo de ser assaltado, quando você sai de um carro no estacionamento não tem medo que ninguém te pegue, e também pelo fato da minha filha sair de noite e eu não ter medo que ela vai ser estuprada. Não estou dizendo que não acontece. Pode até ser que aconteça. Mas, a probabilidade é muito menor que no Brasil. Só isso para mim já paga tudo. A segurança para mim é mais importante que tudo. E a tranquilidade da vida. Aqui você não tem a escravidão do corpo, da aparência. Você é o que você é. Pode usar roupa antiga, rasgada, descolorida, você pode olhar o que você quiser. Ninguém vai ter olhar na rua torto. Essa liberdade que você tem aqui eu gosto muito.

10-Luciana II. Percepção de corrupção:

No Brasil, eu me sentia desrespeitada pela política. Eu estava em uma área em que eu via muita coisa. Muita sujeira, muita coisa errada, muita corrupção, apadrinhamento, e isso me deixava doente. Gente que não sabia nada e que tinha acabado de fazer o curso [de direito] passava no concurso de juiz e eu fazia o concurso de juiz... não quer dizer que eu merecia passar não. Mas, aquela pessoa também não. Eu era mais capaz do que ela. Eu podia até não ser capaz, mas ela era menos do que eu ainda. Só porque ela era casada com filho de desembargador? Isso que me deixava doente. Isso para mim é a pior coisa do mundo. E aqui eu sei que acontece isso também. Mas, aqui ainda tem a mentalidade que se as pessoas são pegas na corrupção elas são apontadas na rua, elas têm vergonha, e no Brasil ninguém tem mais vergonha. Aqui tem ainda. Então, acho que ainda tem salvação. Para mim a pior coisa do mundo para um país é a corrupção. Me deixa doente ver algumas coisas do Brasil.

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10-Luciana II. Espaço público mais democrático:

Eles te escutam mais aqui. Lá no Brasil ninguém te escuta, você pode reclamar à vontade. Acho que cidadania é isso: escutar os outros e dar uma resposta para o que as pessoas esperam de você. E isso passa não só pelos governantes, mas por todo mundo: pelo lojista, no trânsito... no trânsito então, as pessoas aqui não ficam buzinando atrás. Isso para mim, essa sensação de respeito [que você sente] quando você para na rua para atravessar o sinal e as pessoas param mesmo se o sinal está fechado para você, as pessoas param e não passam por cima de você... isso para mim é cidadania.

11-Rafael III. Qualidade de vida:

Meu processo migratório foi como uma aventura, uma descoberta. Larguei o Brasil com certa estabilidade, sabendo que posso me lançar em uma descoberta de Quebec. As coisas que eu procurava aqui era estabilidade financeira, social, e que se isso funcionasse eu ficaria e que se na verdade as coisas não tomassem o rumo certo eu voltaria. A minha imigração foi realmente saber que o Canadá precisava de gente para trabalhar. Isso foi um dos pontos que me saltou aos olhos. A estabilidade política e financeira que a gente vê aqui: mesmo quando você tem um salário médio você tem acesso a tudo em relação à saúde, educação e tudo mais. Os motivos que me fizeram vir foram um pouco esses e sabendo das dificuldades que para um imigrante vai existir.

11-Rafael III. Relações interpessoais:

A relação que existe entre um quebecois [quebequense] e um imigrante não é a mesma que a gente tem entre imigrantes entre si ou um brasileiro com um brasileiro. É óbvio, tem a diferença cultural que está em jogo. Mas, o quebecois é muito certo da sua sociedade, ele tem seu grupo de amigos e ele não faz questão de dividir isso com imigrantes. Eu tenho amigos quebecois. Mas, quando a gente põe na lista cinco anos depois quantos amigos quebecois a gente tem em relação a quantos amigos imigrantes de todas as nacionalidades, é muito maior sua lista de pessoas que não são quebecois que a de quebecois em si. Acho que essa é a parte chata.

11-Rafael III. Segurança pública e percepção de corrupção:

Eu acho que aqui eu me sinto mais respeitado porque eu sei que a política não vai abusar... esse outro tipo de respeito que no Brasil você acaba não tendo... [...] ou então questão política... bom, aqui a gente tem problema também como em todos os outros lugares... mas, acho que a falta de respeito no Brasil é que a corrupção é mais próxima, ela está presente todos os dias. É você estar na sua casa e vir um segurança de rua e dizer: ‘bom, vou te cobrar 60 reais por mês para fazer a segurança da sua casa. Você não é obrigado a pagar. Mas, se acontecer alguma coisa... pode acontecer...’. Esse tipo de respeito é muito menor no Brasil. Nesse sentido eu me sinto mais respeitado aqui. No Brasil, para você ser respeitado você acaba tendo gastos e custos mais altos. Em relação à saúde, o meu sistema de saúde é publico, eu tenho meu médico de família, faço meu check-up uma vez por ano, não pago nada. No trabalho, tenho até um plano de seguro médico que acaba

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pagando meus medicamentos. No Brasil, se você quer ir num hospital público, seis horas de fila. Então, nesse sentido, é uma falta de respeito. Você tem que pagar para poder chegar ao seu respeito. Se você quer ter acesso a tudo que é público, eu diria. Segurança é a mesma coisa: você tem que comprar uma casa num condomínio que você tem que pagar para ter acesso. Ou então uma apartamento num condomínio com segurança 24h para ter o respeito, o acesso à segurança. Essa falta de respeito que eu acho que eu tenho no Brasil, que eu acho que é social, não é pessoal, e aqui a gente não tem esse tipo de problema. A minha casa não tem nenhum muro. A gente vai para a cidade e volta 1h da manhã de ônibus sabendo que não vai ser agredido.

11-Rafael III. Espaço público mais democrático:

Eu diria que eu tinha acesso a uma vida digna porque eu poderia pagar por isso. Você precisa comprar sua dignidade, sua paz, e não é o mesmo caso para todo mundo e deveria ser. Isoladamente é uma coisa. Mas, quando você olha ao redor, é um pouco menos digno [estar no Brasil]. [...] Aqui custa um pouco menos cara a dignidade. Aqui você pode ter acesso aos bens de base: alimentação, saúde, e educação são muito mais acessíveis para você ter acesso a um emprego, que você tenha acesso a uma vida digna aqui é mais fácil.

12-Aulos B. Segurança pública:

O fato de poder andar na rua 3h da manhã sem ser molestado por ninguém. O fato de pegar uma estrada e a polícia te parar e você conversar com ela sem ter medo de ser... de levar um tiro dela ou coisas do gênero. Eu sei que os impostos que eu pago são destinados ao bem coletivo de uma forma geral, naturalmente. Eu sei que os serviços que a gente tem da sociedade provenientes desses impostos são para todo mundo.

12-Aulos B. Percepção de corrupção: “Os políticos aqui vivem em função

do cidadão, não o cidadão em função deles. São coisas que eu dou muito valor”.

12-Aulos B. Qualidade de vida:

[...] Então, se eu ficar doente aqui nesse momento e eu ligar para a ambulância eu sei que em 15 minutos ela vai estar aí. Se minha casa pegar fogo e eu ligar para o bombeiro eu sei que em 6 minutos ele vai estar aqui. Se eu tiver um problema qualquer e ligar para a polícia eu sei que vai chegar uma pessoa educada, instruída e bem preparada para me atender. Se eu tiver uma doença e for para um hospital público, como já aconteceu, eu sei que vou ser bem atendido. Pode demorar um pouquinho, depende do nível de gravidade da minha doença, mas eu vou ser atendido, como já fui – eu e os membros da minha família. São todos esses elementos que compõem o cenário para o que eu considero dignidade.

13-Marly Q. Preconceito:

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A vida aqui é bem mais fácil. Por exemplo, esse trabalho que eu faço [femme de ménage – diarista], nenhum trabalho é discriminado. E é com esse trabalho que eu pude conseguir tudo isso que eu tenho junto com meu marido – porque trabalham os dois, trabalhamos muito pesado, muito duro. Mas, é um trabalho que te valoriza, que ninguém te julga pelo que você faz. A diferença aqui é essa. Ao invés que esse trabalho que eu faço no Brasil não é bem visto. Eu me vi com esse trabalho, foi esse que surgiu no meu caminho e foi esse que eu aceitei.

14-Fernando P. Universo do trabalho:

São momentos de vida diferentes. Aqui eu evoluí profissionalmente. São seis anos que se passaram de lá para cá. Se eu tivesse no Brasil nesses seis anos talvez eu até pudesse estar ganhando mais. Mas, considerando isso, antes no Brasil eu não tinha condições de pagar meu próprio aluguel, morar sozinho e ter uma vida relativamente confortável, viajar, comprar umas coisas... quer dizer, eu fazia com muito mais dificuldade. Se eu estivesse na mesma situação no Brasil: se eu fosse estudante de doutorado bolsista eu acho que seria muito mais difícil eu ter o mesmo padrão de vida.

14-Fernando P. Igualdade de acesso aos serviços públicos como

equalizador de oportunidades:

No Brasil tem menos oportunidades para pessoas de classe média baixa avançar. Não se aplica ao meu caso em particular. Mas, no Brasil você tem a sua cidadania se você é classe média para cima. Aqui, isso se aplica a mais classes sociais. [...] Em geral, é um sistema mais igual para as pessoas todas. Se você é de uma classe desfavorecida, você está muito melhor aqui que no Brasil. Se você é de uma classe mais favorecida, você vai ter mais coisas: vai ter uma saúde melhor, vai comer melhor, vai ter empregada... aqui não... então depende para quem, onde você se encontra, os valores, o que você acha importante.

14-Fernando P. Qualidade de vida:

Uma coisa boa daqui é que as coisas em geral funcionam bem. Transporte público funciona. Eu não tenho carro e não pretendo ter carro. As coisas funcionam. O ônibus passa na hora na maioria das vezes. O metrô funciona na maioria das vezes. Isso por si só já elimina o estresse de ter carro, já elimina custos, uma porção de coisas. Eu tiro uma vantagem disso. Mas, o Brasil tem coisas boas... depende da classe social um pouco... aqui o sistema de saúde é muito fraco. Então para alguém de uma classe média, classe média alta para cima você tem um plano de saúde em geral. Então você tem um atendimento de saúde melhor no Brasil. Aqui, classe média, classe média alta você tem um sistema de saúde fraco, tem que esperar na urgência, tem médico que não é muito bom...

15-Lincoln Z. Problemas da política de imigração:

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[Escolhi imigrar] para Quebec por falta de opção porque se convidassem para ir para a Noruega, Finlândia, eu ia. O que eu conhecia de porta aberta no exterior só aqui. Se os Estados Unidos fizesse o mesmo trabalho que Quebec faz não tinha ninguém aqui não. Não faz sentido vir para aqui não. Se bem que o cara [palestrante do governo de Quebec] fazia uma propaganda maravilhosa, era tudo perfeito. Depois que você chega que você vê que tudo era mentira.

15-Lincoln Z. Relações interpessoais:

Primeiro você chega com a ideia, querendo fazer amizade com o pessoal daqui. Com o tempo você vê que isso é impossível. O pessoal daqui não faz amizade nem entre eles, quanto mais com o imigrante. Não é 100%, tem gente boa aqui. Mas, no geral, o pessoal daqui... [...] Então essa é a maior dificuldade. Você fala: ‘vou chegar, em pouco tempo vou estar falando francês porque vou fazer amizade com o pessoal de lá... aí quando você vê que não dá... muita gente passa por depressão aqui exatamente por isso: chega aqui e não consegue conhecer ninguém, não consegue fazer amizade com ninguém e acha que o defeito está nela [na pessoa que imigrou], e na verdade o defeito está no povo daqui.

15-Lincoln Z. Segurança pública e qualidade de vida:

No Brasil, eu fui sequestrado, fui assaltado várias vezes... mas, aqui eu não sei se vale a pena [a imigração somente por conta da segurança púlica]... para as crianças é ótimo. Para quem tem filho, eu tenho três meninas, para elas é muito bom. Pode estudar, onde quiser, de graça...

16-Leticia L. Qualidade de vida:

O que me atrai no primeiro mundo é a previsibilidade das coisas, o que a gente não tem muito no Brasil. Você faz projeto financeiro, tem objetivos, se seguir tudo certinho você alcança. Para a vida prática é muito melhor que no Brasil. [...] As vezes que eu passo férias lá é complicado. É tudo no improviso, as pessoas não pensam em manutenção, é tudo na emergência, quase nada é previsto e isso é uma coisa que a minha vida inteira me deixou agoniada. Eu sou uma pessoa que planifica, que tem objetivos. [...] A dificuldade é isso, é você estar sozinha, não ter empregada, não tem mamãe, não tem papai, não tem ninguém: você tem que se virar e eu tenho dois filhos para criar. Mas, era previsível.

17-Rafael IV. Igualdade de acesso aos serviços públicos como equalizador

de oportunidades:

Uma coisa que é muito complicada no Brasil – pelo menos no Rio de Janeiro – não existem escolas públicas de boa qualidade. Qualquer creche, qualquer primário e secundário que você tenha que mandar seus filhos é muito caro em relação ao quanto sai do meu salário para isso. E aqui é tudo de graça. Hoje pode não ter mudado tanto nesse aspecto [porque ainda não tenho filhos], mas já mudou

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bastante, a gente [minha esposa e eu] já se sente muito mais confortável. Mas, o fato também de conseguir se planejar para o futuro e pensar que podemos ter filhos e não vai ser um problema financeiro é muito bom.

17-Rafael IV. Universo do trabalho:

A quantidade de gente que existe no Brasil e a quantidade de gente que se forma para um número pequeno de empregos que já faz com que várias empresas utilizem o fato de você estar empregado como já ser um grande benefício. Então, certas ameaças e certos medos são colocados em você. Se você não ficar 12 horas por dia trabalhando você vai ser demitido porque você não está trabalhando suficiente. Coisas assim. Então, esse tipo de coisa não existe aqui e esse tipo de coisa eu achava inadmissível lá. [...] Aqui eu trabalho em horário normal. Quando eu fico até mais tarde eu recebo agradecimento dos meus chefes, dos meus superiores, do presidente da empresa, e o tipo de trabalho que eu faço não é um que eu bata ponto. É um trabalho mais voltado a resultados. Os meus chefes não se prendem a horários assim como talvez no Brasil se prendessem e outros lugares se prendem. Eu me sinto muito bem tratado e respeitado aqui.

18-Angela W. Qualidade de vida e segurança pública:

Não é por dinheiro [que eu imigrei] porque aqui ninguém fica rico trabalhando o dia a dia. Talvez se abrir um negócio, pode ficar muito bem de vida, mas não rico. Não viemos para cá pensamos que a gente sairia de lá de uma vida média para vir para cá e ter uma vida rica de dinheiro. Mas, rica sim em estudo, qualidade de vida para nosso filho, para ele poder sair na rua sem ter medo, nós podemos sair sem ter medo. Basicamente é isso, qualidade de vida.

18-Angela W. Problemas da política de imigração:

Acho que o sistema de saúde deles deveria melhorar um pouco no atendimento porque a gente fica muitas horas esperando. Mas, as pessoas que já estão aqui há mais tempo, acham que isso é certo porque todos são atendidos – desde o presidente da Bombardier até o mendigo que está na rua. O atendimento é por ordem de chegada. Se tem alguém que está passando mal ele passa na sua frente, é mais que lógico. Você tá lá com dor de garganta, mas você não sofreu um acidente, não está sangrando, não está desmaiando, não está com febre de 40 graus. Então, você pode esperar. No Brasil a gente é acostumado a pagar plano de saúde e não quer esperar. Aqui você não paga e espera. Não paga entre aspas também porque você paga bastante imposto.

18-Angela W. Igualdade de acesso aos serviços públicos como equalizador

de oportunidades:

Ganha-se mais aqui porque aqui você não paga escola, não paga assistência médica, meu filho com todo o problema de saúde que teve [câncer linfático] nós não gastamos um centavo com ele – nós só ganhamos ainda: roupas no hospital, a ONG que cuida de crianças no hospital depositou 800 dólares na minha conta na semana seguinte que ele começou a fazer a primeira quimioterapia para que a

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gente pagasse gasolina, comprasse comida especial para ele, e o governo depositou 1400 dólares de contribuição também para que a gente tornasse a vida dele mais confortável. Para nós, não faria diferença se eles tivessem depositado ou não. Mas, eles depositaram mesmo com o salário alto que o Carlos [meu marido] tem. [...] Porque aqui eu tenho meus direitos e meus deveres e o governo respeita os meus direitos. E no Brasil eu tenho meus direitos e meus deveres, mas o Brasil não respeita meus direitos em muitas vezes. Eu tenho direito pela Constituição brasileira a ter casa, lazer, educação, etc, e nem sempre esse direito meu é respeitado. Se eu quero uma escola boa no Brasil eu tenho que pagar. Aqui se eu quero uma escola boa eu vou no governo.

18-Angela W. Segurança pública:

Quando você assiste o jornal e vê a violência que tem no Brasil você pensa: ‘ai que bom que eu estou no Canadá. Que bom que estou criando meu filho aqui. Que bom que meu filho vai poder viver aqui tranquilo, sair, conversar, ter amigos, passear, viajar e eu não vou ter tantas preocupações’. Nesse sentido eu prefiro 10 mil vezes aqui e eu te digo que eu não voltaria para o Brasil. [...] O que mais nos fez sair do Brasil foi a violência, o medo de sair na rua, de deixar seu carro em qualquer lugar... aqui, eu deixo meu carro em qualquer lugar, não tenho medo. Eu sei que ninguém vai roubar... o roubo de carro aqui é tão pouco que... ninguém vai passar com uma chave riscando meu carro de ponta a ponta só pelo bel prazer de riscar, não vai quebrar o vidro do meu carro como quebraram o meu em Curitiba para levar uma caixinha que eu tinha que não tinha nada [dentro]. E depois eu fui assaltada em Curitiba, o cara colocou a arma na minha cabeça em plena luz do dia, 11h20, em pleno centro da cidade no sinaleiro... então... depois desse assalto nós apressamos os papeis e tudo e vamos sair daqui [Brasil]... isso daqui não é vida para nós. E se eu estivesse com meu filho? E se eles tivessem levado o meu carro e arrastado o meu filho como tantas coisas que você vê lá. Então violência para mim é tudo. A qualidade de vida e a segurança que nós temos aqui não tem dinheiro que pague.

19-Stella V. Segurança pública e preconceito:

Eu sempre tive vontade de ter o direito de ir e vir que é uma coisa que eu acho que nós somos tolhidos no Brasil pela violência. Para mim, isso era fundamental. Eu estava disposta – como fiz – a sair do Brasil, sozinha, sem família, sem nada, para ter essa experiência de vida. Agora, com meus filhos, é impensável ir para um lugar onde eu tenha que ficar em uma gaiola de ouro. Nesse ponto, eu estou adaptada e gosto. Mas, no resto, eu nunca vou me adaptar. A mentalidade das pessoas de Quebec eu acho muito complicada pelo racismo. A pessoa que se sente bem-vinda ao Quebec porque é imigrante é ingênua e de uma certa maneira é bom porque daí ela pode se adaptar, se sentir totalmente adaptada. Eu não acredito que uma pessoa se sinta bem-vinda pelas pessoas daqui. [...] Quando você não tem segurança de ir e vir, quando você não tem segurança dentro da sua própria casa, quando você tem que pagar duas vezes pela mesma coisa, quando você sempre tem que prestar atenção para saber se as pessoas não estão te roubando, acho que é inexistente [a dignidade]. Essa é a razão.

19-Stella V. Igualdade de acesso aos serviços públicos como equalizador

de oportunidades: “Eu acho que aqui a gente ganha mais porque a gente paga o nosso imposto

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[no Brasil] e não recebe nada em troca, não tem retorno. Aqui a gente tem. Então, no final das

contas, meu estilo de vida é de uma certa maneira superior”

20-Paulo I. Igualdade de acesso aos serviços públicos como equalizador de

oportunidades:

É mais fácil ser pobre aqui que no Brasil. E os valores, a ostentação de riqueza, não se dá pelo estilo de roupa que você veste, o carro que você anda. É em outro grau. Então, isso foi uma coisa boa. Como músico, eu sempre tenho uma desconexão completa sobre qual é o salário médio, isso nem passou pela minha cabeça. Como nós temos um quadro social muito mais homogêneo, eu não precisaria me preocupar de repente como meus amigos que ficaram em São Paulo em fazer alguns trabalhos que não são bons, que não dizem nada em respeito à arte porque preciso pagar condomínio para garantir a segurança, porque preciso pagar o financiamento do carro porque não tem transporte público, porque tem que pagar, enfim, isto ou aquilo para serem aceitos socialmente dentro de um círculo que se frequenta... então, isso daí foi a coisa que mais me atraiu. [...] Eu não preciso comprar serviços acessórios porque a sociedade me garante que eles funcionam. Por exemplo, eu não preciso pagar um condomínio fechado para ter segurança porque as ruas e os bairros são naturalmente seguros; e eu não preciso comprar o título de um clube de campo para poder usar uma piscina ou um espaço de lazer conveniente porque as piscinas e os espaços de lazer são públicos e estão aí pela cidade, e etc. [...] Por ser artista, fazer dinheiro não é a minha primeira preocupação. O dinheiro que eu ganho não é meu objetivo. Eu não tenho uma pretensão de carreira de salário tão clara como teria outro profissional de uma área outra que não a música. Nesse momento, eu tinha uma dificuldade muito grande no Brasil porque, obviamente, para manter certo conforto, para eu ter acesso a algumas coisas que eu gostava, eu precisava de certa quantidade de dinheiro ou uma completa readaptação. E isso me causou um problema grande porque as contas nunca fechavam. Então, não dava. Em compensação aqui eu consigo o dinheiro necessário para eu continuar minha vida e frequentar as coisas que eu gosto e ter o conforto que eu julgo necessário para poder continuar vivendo.

20-Paulo I. Segurança pública:

Se houve um fator decisivo que me fez escolher vir ao Quebec? Houve sim. Em 2008, eu morava em Campinas. Eu estava saindo de um complexo de empresas, saindo do trabalho [como contador], eram dez horas da noite e eu assisti um sequestro desses de filme com perseguição de carro, fulano que desce com uma arma em punho, faz a mira, pontaria, escorrega e o cara faz uma manobra de carro e o assaltante volta para dentro do carro e o comparsa dele continua na perseguição, enquadra o cara... um negócio de filme mesmo. Tudo isso eu vi ali perto. Tão de perto que daria para, se eu tivesse uma arma dificilmente eu... eu... é uma pergunta que eu fiz... havia um segurança ao meu lado, um segurança patrimonial e a gente estava a uma distância de 5 a 10 metros da cena. Se ele quisesse ele teria acertado um tiro no bandido. E eu falei para ele: “o senhor não se sentiu coagido a fazer isso?”. Ele respondeu: “rapaz, se eu fizesse um negócio desses, hoje mesmo esse prédio estaria crivado de bala e um monte de gente daqui estaria sequestrada ou morta”. Aí eu falei: “rapaz, isso daí é grave, não, não dá, cara”. Eu estava saindo para ir pegar o ônibus e era tudo na frente do prédio, entendeu? Ou seja, foi uma coisa que me deu muito medo, muito medo mesmo. Eu falei: “não, vou embora, vou para lá porque lá eu não tenho que me preocupar, isso

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não faz parte da realidade canadense”. Tem assaltos aqui, tenho amigo que teve o gps do carro roubado... bicicleta, o que eu conheço de gente que teve a bicicleta roubada aqui... mas, nunca conheci alguém que foi assassinado aqui. E no Brasil conheci bastante gente assassinada, infelizmente. Aí eu pensei: “não quero ter esse fim... ou, não quero nem a chance de ter esse fim”.

21-Mateus H. Segurança pública:

Se for roubado [aqui] provavelmente você não vai ser roubando com uma faca enfiada na barriga ou com uma arma na sua cabeça, entendeu? A violência é muito, muito, muito baixa. Pelos parâmetros do que a gente conhece no Brasil, do que a gente imagina numa cidade grande no Brasil... Brasília é uma cidade segura e eu tive um colega que passou [no concurso] comigo no Tesouro que levou um tiro sentado no bar com a filha de cinco meses e morreu. Imagina? O cara estava sentado fazendo uma refeição com a esposa, a filhinha e um casal de amigos. Passaram roubando, dois caras roubando um laptop e aí foram fugir de moto, alguém gritou, o cara nem olhou para trás, deu um tiro e ele morreu. Um cara novo em uma situação absolutamente tranquila onde nem era para ele estar preocupado, ele toma um tiro e morre? Aí as pessoas começam a ficar paranoicas, todo mundo começa a ficar nervoso mesmo, entendeu? Você vive um nível de estresse por causa da violência que é desconfortável. E isso para a gente aqui atrai muito. É difícil dizer que isso não faz diferença... isso faz muita diferença, você se sente tranquilo o tempo inteiro, as casas não têm grade, você não vê uma casa com portão. Casa que tem alguma coisa, tem uma cerca para o cachorro não fugir.

21-Mateus H. Igualdade de acesso aos serviços públicos como equalizador

de oportunidades e segurança pública:

Educação e saúde lá são caros, tudo é caro. Você paga imposto para o governo e você compra o serviço. Você acaba pagando duas vezes pelo serviço. Você paga segurança para o governo, mas você tem que encher sua casa de grade, o portão estraga é você que conserta, a grade da janela, o alarme, a cerca elétrica é você quem tem que manter porque se você não põe cerca elétrica te roubam... a cerca elétrica do vizinho fica uma semana sem funcionar e roubam ele. Então, tudo você gasta dinheiro: você paga a segurança pública, você paga sua segurança; você paga a educação pública, você tem que pagar para ter um bom ensino privado – segundo grau em Brasília se não for privado o moleque não passa no vestibular. [...] Aqui o imposto é caro. Mas, quando você vê o serviço que você tem, você tem saúde, tem segurança, o transporte público funciona e etc, você se sente mais cidadão, se sente mais respeitado como cidadão, sente que você está trabalhando e dando uma parte de seu dinheiro para um governo ou Estado, mas por uma razão. Sem ser nenhum milionário, sendo um ser humano comum você tem a possiblidade de ser uma vida completa – com família, lazer, educação, esporte – aqui estas possibilidades estão todas aí para o cidadão comum. A pessoa não precisa ser rica, excepcional para ter de tudo.

22-Joana A. Universo do trabalho:

Será que a vida é isso? Trabalhar 15h por dia, estar sempre cansada? Eu tive um problema de saúde e eu comecei a me questionar. [...] Então quando a gente chegou aqui a gente falou: “é possível”. A gente via pelos amigos que trabalhavam, que saiam às 5 da tarde e não se sentiam culpados e

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o chefe não dizia que ele era preguiçoso porque saia às 5 da tarde. A gente via os parques cheios. Mesmo no frio, os parques cheios também de outro tipo de divertimento que são os esportes de inverno. A gente descobriu aqui a viver com mais simplicidade. A preocupação com o dinheiro não era tão significativa como era em São Paulo. Então, hoje eu estou muito satisfeita com essa decisão. [...] A diferença é que eu saía cinco da tarde sem nenhuma culpa [no momento da entrevista ela estava em licença-maternidade]. No Brasil meu horário era às 18h. Eu sempre ia embora 20h30-21h porque é feio você ir embora antes. Quem vai às 18h é funcionário público – que é o que meu chefe dizia. Isso para mim é uma grande diferença. Não me sinto culpada de ir embora às 17h. No Brasil eu me sentia muito culpada de trabalhar menos que... de o estagiário estar lá e eu ir embora? Não! Eu ficava, né? Mesmo que não tivesse nada para fazer... ficava na internet, porque às vezes não tinha o que fazer, mas eu ficava lá.

22-Joana A. Problemas da política de imigração:

Eu acho que existe um descompasso entre a proposta do governo e a proposta das empresas. Eu tive, na minha área, um pouco de dificuldade de encontrar emprego. E eu encontrei dificuldade por parte do empregador, certa resistência com o imigrante. Isso eu senti. Não sei se é com todo mundo. [...] Aí você bate na porta do seu empregador com seu diploma da USP [Universidade de São Paulo], ninguém conhece a USP. Com seus sete anos de Multishow, três anos de MTV – MTV o povo ainda conhece porque os Estados Unidos está aqui do lado –, tudo aquilo que no Brasil é muito legal aqui ninguém sabia o que era. Então, o meu diploma e o diploma de qualquer um que fez – sem querer desmerecer – Uninove [Universidade Nove de Julho] é a mesma coisa aqui. Pela primeira vez, eu tive um choque. Foi um estranhamento, eu achei que seria mais fácil, eu cheguei muito autoconfiante. Eu nunca tive problema de arrumar emprego, sou comunicativa, e demorei cinco meses para arrumar um emprego.

23-Camila C. Segurança pública e acesso a bens materiais mais

facilmente:

[Imigrei] Porque aqui é muito seguro, principalmente. Aqui tudo é muito mais acessível, principalmente no lado financeiro: a vida material é mais acessível, você pode ter um carro bom, morar em um apartamento bom sendo estudante. No Brasil estudante com uma bolsa de mestrado... difícil. Aqui eu acho a vida mais fácil. Eu gosto daqui.

23-Camila C. Problemas da política de imigração:

Eles chegam falando que o Quebec está precisando deles, pessoas qualificadas e tudo – então, são pessoas que tem uma vida boa no Brasil, um emprego bom, mas que querem um estilo de vida melhor e acabam vindo. Só que chegam aqui, se você tenta procurar um emprego qualificado logo que chega são raríssimos os casos que eu vi que conseguiram. A maioria ou tem que voltar para a faculdade para estudar, para fazer algum curso, ou espera muito tempo para poder conseguir, ou começa com um subemprego, qualquer emprego só para ter experiência aqui e um salário. Eu acho que o governo deixa a desejar um pouco na inserção dessas pessoas qualificadas no mercado. Acho que falta um pouco dessa ligação entre os qualificados do Brasil que chegam e o governo entrar em contato com as empresas para fazer uma obrigação. Porque se está precisando da gente, das pessoas

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qualificadas que estão buscando fora, tem que ter praticamente a vaga para a pessoa quando ela chega aqui porque ela não está deixando uma vida miserável, não. A maioria das pessoas que deixam o Brasil [para imigrar para Quebec] é bem de vida.

24-Miller R. Igualdade de acesso aos serviços públicos como equalizador

de oportunidades:

No Brasil você pode ganhar mais, mas você paga um pouco mais para ter coisas de base como... você ganha mais no Brasil, mas você chega no Quebec, você não gasta com segurança, com educação, você gasta menos com transporte. No geral, se você for colocar tudo isso em conta, você tem mais pelo que você trabalha.

25-Rafael V. Problemas da política de imigração:

Mas, o quebecois não está pronto para a imigração. Ele precisa da imigração, mas não está pronto. Ele fala: “ah, a gente é aberto e blá, blá, blá”. Quando chega no realismo do que precisa de mão de obra eles pegam seu diploma, colocam de lado e falam para você: ‘agora você tem que trabalhar na construção, você vai ter que fazer um ano de estudo para trabalhar na construção’. Claro que olhando agora esse tempo que passou eu entendo um pouco. Mas, o governo não poderia chegar e falar que tem trabalho e está tão aberto assim porque não está. O mercado de trabalho não aceita, tem uma restrição muito grande, existe racismo, preconceito. Tem pessoas que estão aqui que sofrem racismo e preconceito e eles não enxergam. Eles preferem não acreditar que isso existe. [...] Eu acho que o governo tem que parar de tentar preparar o imigrante – eu acho que o governo do Quebec dá um suporte bom. Só que eu acho que eles têm que tentar preparar a sociedade para o imigrante, não o imigrante para a sociedade. Acho que eles tinham que falar para a sociedade dar mais um incentivo real através de tentar engajar [empregar] o imigrante na sua profissão mais rápido de uma maneira mais justa – não só ‘vai e te vira’, que é isso que acontece aqui, sabe?

26-Paulo II. Segurança pública:

Para mim, olhando ela [a esposa] e agora a gente tem uma filha, isso pesa também. Morro de medo de voltar e acontecer alguma coisa com minha filha lá, eu vou me arrepender pelo resto dos meus dias. Esse é o ponto que faz pesar. Do ponto de vista família, que para mim é um lado muito importante, eu valorizo muito, embora eu vou frequentemente – uma ou duas vezes por ano – e minha família vem me visitar, mas para mim não é a mesma coisa, é o que eu sinto mais falta: no domingo, ir almoçar na casa da minha mãe, meus familiares.

26-Paulo II. Igualdade de acesso aos serviços públicos como equalizador

de oportunidades:

No Brasil, embora você pague o imposto, você acaba pagando uma escola particular. Então, é como se eu não exigisse tanto meu direito de cidadão. Como

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cidadão, eu paguei meu imposto e eu acho que eu deveria exigir. Então, lá no Brasil, eu já não exigisse tanto porque eu já não esperava tanto do governo, já tinha a ideia concebida que o governo não daria para minha filha escola de qualidade. Então, eu acho que eu tinha menos cidadania nesse sentido. [...] Quando minha filha nasceu, minha esposa estava na faculdade e eu acabei pegando licença-paternidade. Eu fiquei talvez sete meses em casa [cuidando da filha]99.

26-Paulo II. Universo do trabalho:

O trabalho é parecido o que eu faço, mas lá era mais exigente, eu trabalhava mais. Lá é normal trabalhar uma hora a mais por dia. Ao invés de trabalhar oito, trabalha-se nove, dez horas, isso era o considerado normal na empresa em que eu trabalhava. E aqui isso é mais qualidade de vida. Lá o meu horário também era um pouco flexível e aqui o horário também é bem flexível, mas trabalho menos, com certeza trabalho menos. A qualidade de vida aumenta. Eu tenho menos tempo no transporte também. Lá, no Brasil, eu demorava uma hora e quinze [para chegar no trabalho] e, hoje em dia, com as novas linhas de metrô [inauguradas] eu demoraria uma hora, cinquenta minutos de onde eu morava. Aqui eu demoro hoje em dia 20 minutos com trânsito. Isso eu ganho tempo e qualidade de vida.

27-Luiz Y. Relações interpessoais:

A dificuldade da língua acaba distanciando um pouco para você ter amigos de verdade daqui da terra. Então, você acaba se relacionando com brasileiros. Como aqui existe uma quantidade menor de brasileiros que no Brasil, para você encontrar um amigo que tenha as mesmas afinidades nem sempre você encontra facilmente. Então, você acaba tendo um isolamento maior. Então basicamente é isso que eu vejo de mais difícil.

27-Luiz Y. Problemas da política de imigração: “Tem hora que você vê

que as Ordens estão lá guardando mercado para manter seus salários altos: médicos, dentistas,

engenheiros nessa panela. Então, uma vontade política para mudar essas Ordens seria

interessante”

28-Amanda L. Problemas da política de imigração:

Aqui não tem nada do que eles inventam, porque é uma propaganda muito bem feita. O processo de imigração como eles falam que é, aceitar os valores quebequenses... não tenho menor problema em aceitar os valores quebequenses. O problema é que é um país – se é que podemos chamar Quebec de um país –, é um lugar onde tem muita burocracia, eles conseguiram transformar o sistema em um sistema perverso. Eles tentam ajudar o imigrante, mas no final das contas eles não ajudam porra nenhuma. Não adianta o governo fazer um processo de imigração que serve para trazer imigrantes se a população quebequense não está pronta para receber os imigrantes. Uma pessoa que é imigrante e que não fala bem francês dá

                                                                                                               99 No Canadá, a licença por maternidade é de até um ano, mas ela pode ter os seis meses usufruídos pelo pai se essa for a decisão do casal.

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até para entender porque ela não consegue trabalho. Agora, uma pessoa que fala fluentemente o francês... eu fiz estudos na França, eu morei cinco anos na França, eu aprendi a falar o francês correto. Como é que eu não consigo trabalho [na área de formação]?

28-Amanda L. Relações interpessoais:

As pessoas são fechadas, elas são ignorantes em relação ao que é o imigrante – elas não têm noção de mundo. É o típico estereótipo de norte-americano: estúpido, só enxerga o próprio umbigo, eles são extremamente egoístas, falta de cultura e abertura de mente que você encontra muito na Europa: falar com as pessoas, não ter preconceito em relação a conhecer o outro. Eu sempre gostei de conhecer o outro, foi por isso que eu estudei relações internacionais. E aqui você não vê isso. [...] Eu queria me integrar com o quebequense, eu queria ter o estilo de vida dos quebequenses. Mas, eles não permitem isso, eles não estão preparados para receber o imigrante. A população não está preparada. Para mim, quebequense tinha que viver entre eles. O governo não faz uma sensibilização em relação às pessoas de como deveria ser. Porque você viver em gueto... eu não gosto disso, viver em gueto. Na França, eu não vivia em gueto. Meus melhores amigos na França são franceses. Eu vivi na França e não tinha amigos brasileiros. Então sou eu que tenho um problema, sou eu que não sei me adaptar ou é por que o Quebec não sabe aceitar esses imigrantes e não quer também se adaptar aos imigrantes? Porque é um processo de troca. Todo processo de imigração é um processo de troca. Os quebequenses não estão preparados para isso.

28-Amanda L. Igualdade de acesso aos serviços públicos como

equalizador de oportunidades:

Aí quando você vê que o seu país não quer financiar sua pesquisa dizendo [um doutorado pleno na França]: ‘ah, você tem condições de se virar na Europa. Se você já mora lá você tem condições’. Eu fiquei quase seis meses morando na casa de uma amiga minha porque eu não tinha condições de pagar um aluguel. Para a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], eu tinha condições de me virar sozinha.

29-Ana T. Problemas da política de imigração:

Sempre quando você vai atrás das vagas, você não tem a famosa ‘experiência canadense’ [experiência de trabalho no Canadá]. Então, eles olham o seu currículo, seu sobrenome – não é um sobrenome francês –, olham suas experiências, então eles botam ou no final da pilha ou já no lixo. Quando você tem o primeiro contato com o departamento de recursos humanos, geralmente é por telefone. Eles me perguntavam coisas que eu não entendia, que eu não tinha ainda a capacidade de entender. Eles agradeciam e encerravam, acabava ali. Por mais que a gente se prepara no Brasil, a realidade é outra. [...] Primeiro, porque eles exigem demais dos imigrantes quando eu olho que nem eles mesmos são perfeitos. Às vezes, você vê eles mesmos cometendo erros [ao falar francês], mas que para eles passa despercebido – mas, para um imigrante não.

29-Ana T. Segurança pública: A segurança de você sair na rua e estar tranquilo.

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[...] Porque aqui você tem a liberdade. Você sai, pode passar um dia no parque, tem eventos lá, o evento é de graça. Eu vejo muito essa questão da tranquilidade de você poder sair.

30-Maurílio A. Relações interpessoais:

A gente se arrepende porque a gente sofre no Brasil, mas é feliz. O povo do Canadá não é meu povo, nunca me senti realmente no meu país aqui. É um povo que, segundo eu, é diferente demais, é um povo frio, individualista, que respeita muito as instituições, as regras. Mas o que falta é uma paixão. Eu não me sinto parte dessa história, parte dessa emoção. Não sinto nenhuma paixão por esse país. [...] A minha raiz, minha paixão, minha raiva, meu amor está pelo Brasil e não pelo Canadá. Me arrependo muito. Preferia ser pobre no Brasil que rico no Canadá. A gente sempre vive na nostalgia de voltar para o Brasil quando se aposentar, comprar uma chácara e voltar a ajudar o pessoal a se integrar por lá. Não vejo meu futuro no Canadá. Mas, eu estou aqui num beco sem saída porque os meus filhos estão aqui. Me sinto realmente em uma prisão emocional. Mas, não posso reclamar, estou bem.

30-Maurílio A. Igualdade de acesso aos serviços públicos como

equalizador de oportunidades:

A gente se vira sozinho. Aqui ninguém se vira. No Brasil, o Estado nunca ajudou ninguém. Nos quinhentos anos de história do Brasil, o Estado abandonou o povo. E o povo sobreviveu se ajudando, fazendo mutirão. Aqui, durante quinhentos anos, o povo não teria sobrevivido se não fosse o Estado porque eles são individualistas, ninguém ajuda ninguém. Então, o povo daqui depende do Estado. No Brasil, o povo não depende do Estado. A diferença que me choca é que aqui ninguém se ajuda e todo mundo confia que o Estado vai salvar o indivíduo. No Brasil, ninguém confia no Estado, o Estado não vai ajudar ninguém, então a gente é muito tribal, muito amigo, muito comunitário. E a comunidade resolve os problemas dela mesma, acha soluções. [...] Aqui ninguém apaga fogo. No Canadá você tem que planificar antes que o fogo apareça. Então, você tem que ter um caminhão, tem que ter os recursos, formar o bombeiro, comprar o equipamento do bombeiro, comprar o chapéu, pagar o seguro de vida do bombeiro, tudo isso quando chega o fogo você está pronto. No Brasil, não: o fogo chegou você chama o povo na última hora sem equipamento, sem caminhão, sem água e tem que se virar. Então, a planificação aqui é muito séria. O pessoal não improvisa nas ideias. Você não inventa, não fala besteira. E se você fala besteira o pessoal percebe. E, quando você fala besteira, você é excluído, não tem chance. E só vai para frente e cresce quem é sério. No Brasil, quem não é sério dirige um país, vira político, o Tiririca... você pode falar besteira. Quanto mais você inventa, mais enrola, mais você cresce. Aqui, quanto mais você inventa, quanto mais enrola, mais você vai para baixo, não tem espaço.

30-Maurílio A. Preconceito:

O Quebec e o Canadá é realmente especial porque eles não são racistas... eu diria que o Estado não é racista. O povo é racista e o Estado te protege, te dá os direitos, você vai ter a proteção do Estado, você vai ter um cheque, saúde, educação de graça. Mas, você nunca vai ter amigo porque o pessoal é racista. No Brasil, o povo

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é racista e o Estado é racista. Então você não consegue ser respeitado como cidadão.

As falas apresentam certa uniformidade: a busca por uma melhor

qualidade de vida, mais segurança pública, menos problemas de mobilidade urbana, a falta de

serviços públicos de qualidade, impunidade, desigualdade social, corrupção em diferentes

esferas da sociedade, baixo reconhecimento profissional, uma cultura corporativa do trabalho

que se apropria do que os imigrantes julgam como tempo de lazer ou dedicação à família, e

violência por orientações sexuais (motivos para deixar o Brasil). Como motivos, para se

mudarem para Quebec, encontramos a propaganda de uma aceitação da sociedade

quebequense do imigrante, viver uma experiência de vida e de trabalho no exterior, um local

com oferta de serviços públicos de qualidade, menor presença de situações de preconceito

(motivos para ir para Quebec), mesmo esse existindo de outra forma.

Mesclando os dados colhidos por nós com as análises de Neri (2011),

Souza e Lamounier (2010), e Pochmann (2012), percebemos que a recuperação do salário

mínimo dos últimos anos, juntamente com os programas sociais de transferências, foi capaz

de potencializar a mobilidade social e o acesso ao consumo de bens e serviços no Brasil. Mas,

ela não trouxe o bem-estar social necessário para cessar o fluxo migratório para Quebec

porque não atinge quem está imigrando. Mais do que isso, gera competição por serviços

públicos e privados causando ainda mais mal-estar para a classe média tradicional.

Aparentemente, os grandes problemas brasileiros hoje são de coordenação

coletiva de interesses individuais. E o Canadá parece oferecer um espaço de interação coletivo

já estruturado que atrai a classe média tradicional cansada de esperar por um lugar onde o

serviço público de fato funcione para equalizar as desigualdades, e não para acentuá-las.

Dessa forma, a imigração para Quebec se configura como uma possível fuga. Os brasileiros

que encontramos em Quebec respondem diretamente aos anseios da política de imigração de

Quebec: em sua maioria, são jovens em idade fértil, altamente instruídos, falantes de francês e

inglês, possuidores de vasta experiência profissional e dispostos a constituir família no

Canadá. Esse imigrante frequentemente chega sem os filhos, não pensa em voltar para o

Brasil – os que pensam, após a procriação, tende a reverter essa vontade em favor de uma

vida “mais tranquila” para sua prole –, é conectado à rede mundial de computadores (todos os

imigrantes que ouvimos possuíam internet banda larga em casa e computador), comunica-se

com amigos e familiares que ficaram no Brasil frequentemente utilizando as Novas

Tecnologias de Informação e Comunicação. Supreendentemente para nós, o frio e a neve não

são fatores que geraram espontaneamente respostas de inquietação para a maioria dos

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ouvidos. Eles também afirmam que a parte mais difícil da imigração é a distância da família e

dos amigos que ficam no Brasil. Não existe perspectiva de reunificação familiar (membros da

família imigrar para o Canadá), eles financiaram sozinhos o próprio projeto migratório e não

atingem patamares de renda extremamente mais elevados do que já auferiam no Brasil –

alguns, inclusive, passam a ganhar menos.

Portanto, defendemos a ideia de que a imigração de brasileiros para

Quebec caracteriza um fluxo atípico em relação aos tradicionais fluxos migratórios

caracterizados na literatura clássica dos estudos migratórios (PIORI, 1980; CASTLES;

MILLER, 2009; ZOLBERG, 2006; e PATARRA; BAENINGER, 1996). Essa afirmativa se

baseia nos dados colhidos que mostram não serem razões econômicas as responsáveis por

catapultar as motivações. Acreditamos que o Brasil vive uma crise social endêmica

caracterizada pela oferta de serviços públicos de saúde, educação, mobilidade urbana, e

segurança pública de pouca qualidade, além de ter uma cultura do universo do trabalho que

“exige” longas jornadas e restringe o tempo de dedicação aos interesses de cada indivíduo em

suas vidas particulares.

As pessoas que entrevistamos em Quebec possuem escolhas. E elas

escolheram a mudança por acreditarem que encontrariam na província – e de fato encontram –

a solução imediata para uma crise social que presenciam no Brasil. Entretanto, ao ingressarem

em uma nova cultura, elas enfrentam novos desafios como a dificuldade nas relações

interpessoais e o não reconhecimento da experiência de trabalho anterior ao desembarque.

Identificamos na fala dos imigrantes que falta no Brasil uma maior democratização de acesso

aos espaços públicos: estes estão muitas vezes privatizados e individualizados. Já em Quebec,

encontramos uma queixa constante quanto à dificuldade de acesso aos espaços interpessoais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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CONSIDERAÇÕES  FINAIS  

O final da década de 2010 trouxe um sentimento renovado de

autoconfiança e otimismo em relação ao Brasil; o sentimento de que o país finalmente poderá

dar certo e atingir sua saga desenvolvimentista. Parece que a máxima de que os países em

desenvolvimento não seriam capazes de oferecer emprego e poder de consumo (ver esse

argumento em: ZOLBERG, 1989) para seus cidadãos cada vez menos se aplica ao Brasil.

Entretanto, isso não parece ser suficiente para brasileiros qualificados profissionalmente se

“agarrarem” a esse sentimento ufanista de que “agora o Brasil vai dar certo”. Por que mesmo

em um momento de crescimento econômico, pleno emprego e redistribuição de renda,

observamos a continuidade de um fluxo migratório de brasileiros para Quebec? Essa é uma

pergunta que não tem apenas uma resposta e que demanda múltiplas hipóteses.

Podemos dizer que a percepção das pessoas sobre a atividade econômica

no Brasil – mesmo nos dias de hoje – é permeada de incertezas e instabilidades, as quais

criam uma cultura de que as coisas estão dando certo, mas podem retroceder e darem errado.

Enxergamos essa relação quando observamos uma opinião deletéria sobre o sistema político e

a honestidade de seus membros. Esse sentimento de incerteza é indicador de que o Brasil

pode ser visto como uma zona de repulsão, ao mesmo tempo que apresenta atrativos para

outros fluxos migratórios, pois estes são resultados de fatores estruturais (causas e

condicionantes) que determinam seu andamento no espaço e no tempo. Uma mesma área

pode ser lugar de destino de um fluxo migratório e de origem de outro. A mobilidade social

parece que não assegura um aproveitamento ótimo dos recursos humanos existentes no Brasil.

Há disseminada a cultura de que não existe igualdade de oportunidades que corresponda a

uma mobilidade efetiva, o que leva à anulação da expectativa de ascensão.

Os fatores que nas sociedades menos desenvolvidas perturbam ou limitam em seu grau (sic) e em sua forma a mobilidade social requerida para o desenvolvimento podem ser devidos à sobrevivência da antiga estrutura, às suas normas e valores, à distribuição do poder político e econômico derivado dessa sobrevivência, à interferência de outros elementos que, por exemplo, introduzam critérios inadequados na seleção individual ou que de um modo ou outro limitem seriamente o aproveitamento dos recursos humanos. […] persistência de uma aristocracia tradicional, com sua correspondente hegemonia política e social e consequente manutenção de uma imagem bipartida da sociedade, com seus conexos ideais de vida, tanto para os estratos baixos como para os altos (nestes: o estilo senhorial, com nula ou escassa inclinação para atividades ou inversões propícias ao desenvolvimento; naquelas: a manutenção da relação de dependência, paternalismo e vínculos de um tipo primário e particularistas, apatia, escassa propensão para a mudança ou para aproveitar oportunidades novas, persistência de baixos níveis de aspiração, dificuldades para surgimento de um estilo de vida e valores de classe média, (…) manutenção de barreiras intransponíveis entre os estratos, com frequência com base em critérios

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étnicos (GERMANI, 1969, p. 114).

Outra questão importante é a persistência de uma aristocracia política que

possui controle social e econômico do país, mantendo uma relação de dependência e

paternalismo que geram vínculos particularistas, uma espécie de coronelismo pós-moderno.

Por isso, não podemos pecar pela simplificação do fenômeno. A urbanização traz a

necessidade por um modo de vida mais moderno, o que cria, também, a ênfase no

consumismo e funde-se com o tradicional estilo de vida (o qual possui a valorização do ócio,

consumo ostentatório e vida senhorial) das oligarquias. O Estado de garantias sociais do

Welfare State é exemplo que influencia as aspirações das massas em países como o Brasil.

Além disso, outro fator que nos leva a crer na existência de um contrato social danificado é

justamente a forma como se dá a escolha dos quadros que irão gerir os serviços públicos:

(…) outro fator que perturba ou dificulta o funcionamento de mecanismos de mobilidade adequados para o desenvolvimento. Com frequência, a sobrevivência de atitudes tradicionais e também outros motivos conduzem não mais a limitar a mobilidade, mas baseá-la em mecanismos de seleção negativa. Tanto a persistência de formas particularistas como o predomínio de outras modalidades irracionais de seleção do pessoal conduzem, especialmente no caso das funções públicas, tanto no que se refere aos cargos políticos como aos administrativos, a um recrutamento de todo inadequado do pessoal, a uma verdadeira seleção negativa. A esse mesmo resultado se chega pela instabilidade política, pela falta de um serviço civil organizado racionalmente e pelo caráter predatório da atividade política. Esses problemas são bem conhecidos na maioria dos países da América Latina. […] Tanto na seleção dos dirigentes políticos como no recrutamento para o serviço civil, o caráter irracional de seleção afeta seriamente o funcionamento das entidades públicas e do Estado com um gravíssimo prejuízo para as possibilidades de desenvolvimento. Conjuntamente com o problema da escassez de pessoal preparado para funções especializadas, tende a surgir um círculo vicioso pelo qual, enquanto se deixa de utilizar ao máximo o pouco pessoal preparado disponível, se prossegue selecionando técnicos e funcionários sobre bases não-relacionadas com eficiência e as tarefas específicas do cargo (GERMANI, 1969, p. 119-133).

A estrutura política brasileira implica um processo de marginalização que

leva pessoas qualificadas muitas vezes a estarem fora dos quadros de gestão técnica da

burocracia do país. O poder político possui uma estrutura oligárquica ou quase oligárquica,

estabelecido numa participação política limitada e criador de compromissos com um reduzido

número de setores sociais (interesses particularistas). Esses compromissos não vêm dando

conta de resolver demandas da classe média tradicional, cada vez mais em contato com o

mundo e que reclama constantemente de problemas de urbanização do país – e tendem a não

dar conta também dos novos desafios apresentados pela nova classe média na medida em que

esta comece a experimentar outras formas de interação social através da internet ou em

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viagens internacionais cada vez mais acessíveis.

Nos países que chegaram tarde à corrida industrial, (…) o custo da mão de obra passou a ser subsidiado indiretamente mediante o fornecimento de serviços sociais – de saúde, seguro social, educação, alimentação, habitação – em parte ou inteiramente pagos pelo Estado. É preciso referir ainda a extensa série de serviços de infraestrutura – transporte, energia, água, esgotos, comunicações – fornecidos às empresas a preços subvencionados. […] a carência de serviços urbanos, sintoma visível do congestionamento, recai sobre as camadas mais pobres da população, pois o mercado imobiliário encarece o solo das áreas melhor servidas, que ficam deste modo “reservadas” aos indivíduos dotados de mais recursos e... às empresas, naturalmente (SINGER, 1973, p. 34-36).

O crescimento acelerado e desorganizado das metrópoles brasileiras trouxe

a problemática da procura e oferta de habitações e serviços públicos. Percebemos a ausência

de um planejamento a longo prazo que objetive dar conta da demanda de consumo de serviços

públicos de qualidade. Uma característica das cidades é justamente o de socializar os custos

de solução para os problemas resultantes da aglomeração. O problema a esse respeito, no

Brasil, é a forma como esses custos são socializados. Observamos que proporcionalmente aos

proventos, os menos favorecidos são justamente aqueles que pagam a maior carga tributária e

recebem, em troca, serviços que quase sempre não possuem uma qualidade adequada.

Achamos importante a passagem abaixo, publicada em 1973. Dá para ver que não é por falta

de conhecimento dos problemas de urbanização que eles não se resolvem: aproximadamente

40 anos e nenhuma solução a longo prazo adotada.

(…) seria errôneo pensar que a economia da Grande São Paulo está se tornando inviável. A sua problemática, que causa incontáveis sofrimentos à população (longas horas de espera no transporte coletivo, más condições de saneamento nas áreas de população pobre, cujos alojamentos são precários e longe dos serviços essenciais, pois a especulação imobiliária trata de repartir os recursos escassos de acordo com o poder aquisitivo dos indivíduos) provém antes do atraso na adoção de medidas do que na ausência de recursos para financiá-las. […] as únicas maneiras de se reduzir os desníveis entre demanda e oferta de serviços urbanos seriam ou deter a expansão da economia urbana ou planejá-la a longo prazo. Tudo leva a crer que nem uma nem outra são compatíveis com o modo de produção capitalista, tal qual ele se apresenta no Brasil atualmente (SINGER, 1973, p. 126-127).

Por tudo isso, consideramos que o Brasil vive uma crise ainda não

resolvida de planejamento e gestão de políticas públicas – e evidente, com alguns setores

muito bem servidos e outros ainda deixados de lado. A reestruturação produtiva do

capitalismo é algo que possivelmente cria um fator de repulsão simbólico, pois impõe um

redesenho das necessidades de qualificação de mão de obra (por exemplo, a necessidade que a

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101  

economia globalizada traz do trabalhador falar várias línguas). Utilizando a essência do

pensamento rousseauniano na tentativa de compreender o contrato social existente no Brasil,

podemos ver que o fundamento de nosso funcionamento desigual está na possibilidade de

acesso aos serviços públicos – os quais muitas vezes são tidos como privilégios e não como

direitos geradores de externalidades positivas em uma sociedade que busca o

desenvolvimento. O que de pior acontece no contrato social brasileiro é justamente a forte

influência que os poderes privados possuem nas decisões públicas.

Acreditamos, portanto, que boa parte do fluxo migratório de brasileiros de

classe média para Quebec ocorre por uma espécie de desilusão causada pelos fatores aqui

apresentados. As zonas de repulsão são áreas de onde se originam os fluxos migratórios.

Entretanto, as zonas de atração orientam para onde esses fluxos se destinam. Dentre os fatores

de atração, a oferta de vagas de trabalho, mas não o único. A qualidade de serviços públicos e

gestão governamental também parecem configurar, cada vez mais, como fatores de

competitividade entre os países pelos melhores quadros de capital humano. Entendemos que,

se um país deixar de aplicar recursos para aprimorar seus equipamentos educacionais, de

saúde, mobilidade urbana, saneamento, moradia, e segurança pública (principalmente estes

seis), ele perde competitividade no cenário concorrencial internacional.

Convém sempre distinguir os motivos (individuais) para migrar das causas (estruturais) da migração. Os motivos se manifestam no quadro geral de condições socioeconômicas que induzem a migrar. É óbvio que os motivos, embora subjetivos em parte, correspondem a características dos indivíduos: jovens podem ser mais propensos a migrar que velhos, alfabetizados mais que analfabetos, solteiros mais que casados e assim por diante. O que importa é não esquecer que a primeira determinação de quem vai e de quem fica é social ou, se quiser, de classe. Dadas determinadas circunstâncias, uma classe social é posta em movimento. Num segundo momento, condições objetivas e subjetivas determinam que membros desta classe migrarão antes e quais ficarão para trás. […] Os migrantes da pequena burguesia não são, como os trabalhadores, expulsos da área devido ao aniquilamento de seus meios de vida. Eles fogem da estagnação econômica e social, da falta de perspectivas de mobilidade social (SINGER, 1973, p. 52-53).

Nossa leitura é de que as migrações de brasileiros de classe média para

Quebec em um momento de crescimento econômico, pleno emprego e redistribuição de renda

é multicausal. Ela configura um indicador de que algo não vai tão bem assim, aponta uma

renúncia em relação a um pacto social que entendemos como não sendo republicano, pois não

favorece o bem coletivo. Causas estruturais terminam por impedir o desenvolvimento de

determinadas potencialidades. A sociedade brasileira parece se estabelecer sob essa lógica. O

próprio modelo do sistema judiciário cria um fosso pelo qual, de um lado, quem consegue

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102  

contratar bons advogados pode viver quase que impunemente enquanto quem não possui a

instrumentalização (capital) parece fadado à estagnação social.

O discurso comum dos brasileiros ouvidos na pesquisa de campo expressa

a desilusão com a qualidade dos serviços públicos e garantias sociais no Brasil – segurança,

saúde, educação, desigualdade social, transporte público precário, corrupção política, etc, –

uma espécie de insegurança quanto ao contrato social vigente na sociedade brasileira. A

emigração aparece, assim, como uma tentativa de escapar desse desencanto. Observamos que

esses brasileiros buscam ser tratados pelo Estado como cidadãos, conseguindo ter acesso a

serviços públicos e serem respeitados pelo trabalho que realizam. O perfil sociodemográfico

dos imigrantes brasileiros em Quebec mostra que eles se enquadram no modelo típico da

pirâmide demográfica brasileira hoje, com o predomínio de jovens em plena fase produtiva e

reprodutiva.

Há fortes indícios de que o nível de escolaridade é um dos fatores

diretamente ligados à forma como alguém aceita, ou não, os problemas da sociedade

brasileira. Pertencer a uma sociedade é uma das necessidades fundamentais dos seres

humanos. A falta desse sentimento pode trazer consequências físicas e psicológicas ao

desenvolvimento do bem-estar de um cidadão (DOVIDO et al., 2010).

Castles (2008) afirma que uma das ambivalências deste início de século

XXI é ele comumente estar associado à fluidez e abertura proporcionadas pelas melhorias nas

infraestruturas de transporte e comunicações, levando as pessoas a pensarem frequentemente

na permeabilidade das fronteiras dos estados nacionais, ao mesmo tempo em que o aumento

do fluxo migratório gera o comportamento contrário por parte dos países potencialmente

receptores, que cada vez mais levantam muros para barrar o acesso dos “indesejáveis”. O

autor também mostra que grande parte do fluxo global deste século que se inicia deverá ter o

sentido sul-norte. De acordo com essa ideia, percebemos que um dos principais objetivos de

Quebec ao implementar restrições de entrada mediante uma política de imigração está em

minimizar o crescimento de tensões sociais criadas pela presença de um grande número de

imigrantes: em democracias liberais, geralmente as políticas públicas refletem interesses

capitalistas.

Entretanto, observamos neste momento de crise econômica internacional

(MORRIS, 2009) aumento do número de cidadãos europeus se mudando para países em

amplo percurso de desenvolvimento econômico, como o Brasil. Desse modo, entendemos que

o fluxo migratório de brasileiros para Quebec e de europeus para o Brasil aponta para uma

nova tendência pós-moderna (BAUMAN, 1998) que deve ser levada em consideração em

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103  

pesquisas cujo tema seja a imigração. Cada vez mais, caminhamos para uma perda de

centralidade de lugares de atração tradicional de novos imigrantes e devemos levar em conta a

classe social a qual esse imigrante pertencia em seu país de origem e quais são os fatores de

atração do país de destino – que por questões apresentadas nesta dissertação não podem mais

ser consideradas apenas políticas e econômicas, mas, sobretudo, a busca pelo Estado de bem-

estar social.

O recrutamento internacional de pessoas altamente qualificadas é

considerado positivo em praticamente todos os países, enquanto trabalhadores pouco

qualificados são vistos como fora de propósito em um contexto de economia pós-industrial.

“Hoje em dia, o discurso político dominante é de que a migração é um problema que precisa

ser corrigido através de políticas públicas apropriadas” (CASTLES, 2008, p. 2, grifo do autor,

tradução nossa)100.

A movimentação de imigrantes qualificados é comumente associada à

mobilidade profissional. Outro ponto importante a ser ponderado em relação ao fenômeno das

migrações é que o desenvolvimento dos países periféricos não tende a reduzir os fluxos de

pessoas que emigram, mas sim apenas o sul-norte de trabalhadores não qualidicados. Com

menor disparidade social entre os países, o fluxo migratório com vistas à ascensão econômica

e social tenderá a ser menor. Entretanto, a migração é um fenômeno multicausal e outras

circunstâncias poderão se tornar alavancadoras dos fluxos. Afinal, “(...) a migração faz parte

das relações sociais normais” (CASTLES, 2008, p. 4, tradução nossa)101.

O modelo neoclássico de análise da migração está baseado numa relação

de custos e perdas na qual o migrante avalia se, de acordo com seus critérios individuais, é

mais vantajoso permanecer ou mudar. “De acordo com esse modelo analítico, a mera

existência de disparidades econômicas entre determinadas áreas é suficiente para gerar fluxos

migratórios” (CASTLES, 2008, p. 7, tradução nossa)102. Dessa forma, estes fluxos tenderiam

a trazer, no médio prazo, um equilíbrio das desigualdades.

Consideramos que as políticas de imigração, assim como a adotada por

Quebec, levam essa questão econômica em conta para a elaboração das barreiras de entrada,

mas esta não é a única variável que deve ser levada em conta para a análise destas políticas,

pois este modelo teórico falha em identificar outros fatores motivacionais. São eles: inter-

                                                                                                               100 A dominant political discourse today is that migration is a problem that needs to be fixed by appropriate policies”. (CASTLES, 2008, p. 2, grifos do autor). 101 “(...) migration is a normal part of social relations” (CASTLES, 2008, p. 4). 102 “According to this model, the mere existence of economic disparities between various areas should be sufficient to generate migrant flows (CASTLES, 2008, p. 7).

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104  

relações entre os diferentes fluxos migratórios, as migrações forçadas, a importância da

história individual e da bagagem cultural de cada indivíduo, a complexa natureza

transnacional e em vários níveis da migração (econômica, política e geográfica, por exemplo),

e, sobretudo, a importância das relações interpessoais que alteram profundamente sua

dinâmica conforme bem demonstra a teoria das redes (CASTLES, 2008).

Nesse sentido, não podemos esquecer que a globalização afetou

diretamente essa dinâmica ao gerar um intercâmbio cultural jamais experimentado até então

na história da humanidade. A migração deve ser vista não apenas como uma consequência das

transformações sociais, mas também como uma de suas causas. A migração, como nos alerta

Bauman (2009), é uma das questões mais importantes da pós-modernidade.

Portanto, entendemos que a compreensão das características desse fluxo

migratório de brasileiros para Quebec funciona como espécie de termômetro, um indicador de

que há algumas insatisfações latentes que geram fatores motivacionais e “empurram” as

pessoas para a mudança de país. A violência urbana e social do Brasil se materializa de várias

formas. Mas, na figura da segurança pública, este é o local onde enxergamos o ponto de maior

consenso de insatisfação dos brasileiros na província canadense. As pessoas que migram para

Quebec se caracterizam em sua maioria por ter um padrão de vida de classe média tradicional.

No Canadá, elas começam a identificar outros fatores de qualidade de vida – saúde, educação,

e transporte público eficiente – que ajudam a prendê-las ao país. Além disso, uma novidade

da fala dos imigrantes que não esperávamos no início dos trabalhos tem relação com

problemas trabalhistas no Brasil. Aparentemente, uma cultura do trabalho de longas jornadas

também causa grande insatisfação após a entrada em contato com “uma alternativa possível”.

Provenientes da classe média, muitos dos imigrantes estavam acostumados a pagar pelo

próprio plano de saúde privado, por educação privada, por transporte individual (o carro), por

segurança privada (condomínios, etc) – os que não pagavam ao menos almejavam. Eles eram

condicionados socialmente a fazê-lo. É nesse ponto que centramos nosso argumento de uma

crise endêmica no modelo brasileiro de garantias sociais. É nele que repousa o principal fator

motivacional do fluxo migratório. Não é por falta de conhecimento de seus problemas que o

Brasil perde mão de obra qualificada para Quebec.

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I  

ANEXO A QUESTIONÁRIO SÓCIO-ECONÔMICO SOBRE IMIGRAÇÃO PARA QUEBEC

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

QUESTIONÁRIO SÓCIO-ECONÔMICO SOBRE IMIGRAÇÃO PARA QUEBEC

PESQUISADOR: MARCUS VINICIUS FRAGA

................................................................................................................................................

O presente questionário visa aferir dados sobre brasileiros que imigraram para Quebec. Para

isso, solicitamos o preenchimento abaixo:

1 – ESTÁ EMPREGADO?

a) sim; b) não;

2 - CASO ESTEJA EMPREGADO, QUE TIPO DE EMPREGO?

a) formal; b) informal;

3 – POSSUÍA EMPREGO NO BRASIL?

a) sim; b) não;

4 – QUE TIPO DE EMPREGO?

a) formal (carteira de trabalho assinada);

b) informal (não possuía carteira de trabalho assinada)

5 - NÍVEL MÁXIMO DE ESCOLARIDADE:

a) ensino fundamental incompleto;

b) ensino fundamental completo;

c) ensino médio incompleto;

d) ensino médio completo;

e) ensino superior incompleto;

f) ensino superior completo;

g) pós-graduação incompleta (especialização, mestrado ou doutorado);

h) pós-graduação completa (especialização, mestrado ou doutorado);

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   II  

6 – NÍVEL DE CONHECIMENTO DE FRANCÊS ANTES DA IMIGRAÇÃO:

a) básico;

b) intermediário;

c) avançado;

d) superior;

7 – NÍVEL DE CONHECIMENTO DE FRANCÊS DEPOIS DA IMIGRAÇÃO:

a) básico;

b) intermediário;

c) avançado;

d) superior;

8 – NÍVEL DE CONHECIMENTO DE INGLÊS ANTES DA IMIGRAÇÃO:

a) básico;

b) intermediário;

c) avançado;

d) superior;

9 – NÍVEL DE CONHECIMENTO DE INGLÊS DEPOIS DA IMIGRAÇÃO:

a) básico;

b) intermediário;

c) avançado;

d) superior;

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III  

QUESTIONÁRIO A SER RESPONDIDO PELO ENTREVISTADOR

Sexo

__________

Idade

__________

Quantos anos de estudos

__________

Estado Conjugal

__________

Religião

__________

Cor/Raça

__________

Formação profissional

__________

Profissão no Brasil

__________

Profissão no Canadá

__________

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   IV  

ANEXO B

Questionário do projeto Observatório das Migrações em São Paulo, gentilmente cedido para

esta pesquisa pela coordenadora do projeto, Rosana Baeninger, da Unicamp. Em nossa

pesquisa, utilizamos apenas parte do questionário que segue abaixo.

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V  

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   VI  

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VII  

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   VIII  

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IX  

ANEXO C

AUDIO COMPLETO DAS ENTREVISTAS QUALITATIVAS

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   X  

ANEXO D

ROTEIRO DE PERGUNTAS FEITAS COM GRAVADOR 1-Como você ouviu falar de Quebec? 2-Por que você escolheu imigrar para Quebec? 3-Como você ficou sabendo da possibilidade de imigrar para Quebec? 4-Você foi a alguma palestra do governo de Quebec no Brasil? 5-Você conhecia alguém em Quebec antes de migrar? 6-Como você imigrou para Quebec? Descreva o seu projeto migratório, por favor... 7-Foi difícil a adaptação? 8-Está satisfeito com a mudança? Por que? 9-Houve algum descompasso entre a expectativa e a realidade que encontrou? Qual? 10-Em que o estilo de vida de Quebec o atraiu? 11-O que você acha difícil da vida em Quebec? 12-Quais são os aspectos da sua vida que você buscou mudar imigrando? 13-Você acha que conseguiu? 14-Em relação a dinheiro, você ganha mais em Quebec que no Brasil? 15-Relativizando o custo de vida em Quebec e no Brasil, você acha que aqui com o que você ganha você consegue fazer mais coisas ou menos coisas? Que tipo de coisas você faz a mais ou a menos aqui? 16-Renda familiar bruta aproximada? Quantas pessoas são sustentadas por essa renda? 17-Você se sentia respeitado no Brasil? Por que sim ou por que não? 18-Você se sente respeitado em Quebec? 19-Você se sente mais respeitado em Quebec ou no Brasil? 20-Você se sentia mais cidadão no Brasil ou aqui em Quebec? Por que? 21-O que é cidadania plena para você? 22-Você acha que você tinha uma vida digna no Brasil? Por que? 23-Você acha que você tem uma vida digna em Quebec? Por que?

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XI  

24-Quais as diferenças entre sua vida no Brasil e em Quebec? 25-Você já sofreu algum tipo de preconceito quando morava no Brasil? Que tipo? Como foi? 26-Você já sofreu algum tipo de preconceito em Quebec? Que tipo? Como foi? 27-Você já fez algum curso de qualificação em Quebec? Por que? Qual curso? Por que optou por esse curso? Durante quanto tempo fez o curso? Concluiu? Após o curso, isso lhe ajudou a se inserir no mercado de trabalho de Quebec ou não? Por que acha que sim ou por que acha que não? 28-Qual sua opinião sobre a política de imigração de Quebec? 29-Após enviar o dossiê para o governo do Quebec, quanto tempo demorou até você imigrar? 30-Você é a favor ou contra o recente fechamento de entrada de novos imigrantes tomados pelo governo do Quebec? Por que? 31-Você já virou cidadão canadense? Pretende virar cidadão? Se já é cidadão, foi difícil e longo o processo? Se não, pensa em se nacionalizar? Por que ou por que não? 32-Você pretende sair de Quebec e ir imigrar para algum outro lugar? Se sim, qual lugar e por que? Se não, por que? 33-Você pretende morar em Quebec para sempre? 34-Você pensa em voltar para o Brasil? 35-Em Quebec, você se sente mais parte do mundo que no Brasil? 36-Você tem filhos? Eles ficaram ou imigraram com você? Sua família (pais) ficaram no Brasil ou imigraram também? Eles devem vir morar em Quebec num futuro próximo? 37-Com qual frequência você se comunica com seus pais? Como você se comunica com eles? Telefone? Internet? 38-Tem computador em casa? 39-Tem acesso à internet banda larga? 40-Você tem TV a Cabo? Tem algum canal do Brasil? Qual canal? 41-Manter a proximidade cultural com o Brasil é algo importante para você ou não? 42-Em que ano você imigrou? 43-Você é de que estado e cidade do Brasil? 44-Antes de imigrar para Quebec, morava na sua cidade no Brasil ou não?

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   XII  

45-Conte, por favor, a sua trajetória de vida: você já morou aonde? 46-Para você, imigrar para Quebec é sinal de prestígio? 47-Quem custeou seu projeto de imigração para Quebec? 48-Trabalha na economia formal ou informal? 49-Qual era sua profissão no Brasil? E no Canadá? Qual sua profissão? 50-Por que você resolveu sair do Brasil?

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XIII  

ANEXO E

DECUPAGEM DAS ENTREVISTAS QUALITATIVAS

1-Rafael I., solteiro, 31 anos, produtor audiovisual, imigrou em 2012

Rafael ouviu falar de Quebec por meio de um amigo que já estava em Montreal, um amigo

brasileiro comentou com ele. Ele escolheu imigrar para a província por conta da facilidade

que identificou no processo migratório. Mas, ele já estava buscava uma oportunidade para sair

do Brasil para morar no exterior e começou a se informar. Rafael ficou sabendo da

possibilidade de imigrar através de uma da palestra do governo de Quebec onde viu que tinha

o perfil buscado pela província.

“Um ponto que para mim era importante era ter a condição de ir morar em um lugar que me

desse a liberdade de trabalhar e estudar como um cidadão. Eu não queria ter a dificuldade de

um estrangeiro em um país que não é a pátria e ter as dificuldades de mercado [de trabalho],

etc”.

Depois que ficou sabendo da política imigratória, Rafael visitou Montreal antes de imigrar

para ver se a cidade era o que ele imaginava, se ele se sentia à vontade. Vendo que sim,

resolveu aplicar para a imigração. Com o visto de residente permanente na mão, esperou

ainda um ano no Brasil e depois de dar entrada no pedido de visto resolveu arriscar. O

processo todo demorou dois anos e meio.

Rafael diz que no início foi difícil a adaptação, não se sentia 100% – ressaltamos que no

momento da entrevista havia seis meses que ele tinha imigrado para Quebec. Ele ainda não

tinha um emprego fixo. Entretanto, se dizia satisfeito com a mudança porque gostaria de sair

de São Paulo (capital) e não via nenhum outro lugar no Brasil que o atraísse: preferia a

possibilidade de experimentar uma língua e uma cultura diferente. O objetivo maior era ter

alguma coisa em troca na proposta de uma mudança.

Ele acha que antes de imigrar nunca criou muita expectativa sobre todas as mudanças que já

tinha feito na vida no Canadá, pois sabe que a frustração pode ser grande. Mas, ele diz que

imaginava que a inserção no mercado de trabalho fosse mais rápida em Quebec: isso foi um

pouco fora das expectativas. “Todo o resto, tudo que eu esperava em termos de qualidade de

vida acho que até superou o que eu esperava ou o que eu nem imaginava”. O que atraiu

Rafael para Quebec foi a qualidade de vida que julga não poder encontrar e nunca ter

vivenciado durante a própria vida no Brasil. “A condição de estar saudável, poder se

locomover de bicicleta, ter acesso a esportes, coisas gratuitas que a cidade tem e eu acho que

nunca tinha visto isso, nem imaginei. Culturalmente também acho a relação com a comida

aqui muito interessante: nunca comi tão bem como aqui ou nunca tive opções tão saudáveis

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   XIV  

como aqui”.

Rafael ainda não tinha passado pelo inverno e no momento da entrevista – em meados de

outubro – disse que achava o clima difícil. Além disso, o imigrante revela também o

distanciamento das pessoas como mais uma dificuldade.

“Você tem que ficar mais ligado no que você vai fazer na rua, no tempo que você vai levar, o

que você deve vestir durante os dias. Outra coisa é essa diferença que a gente tem do Brasil e

aqui em relação à proximidade, principalmente física, das pessoas. Aqui as pessoas são muito

fechadas, possuem um comportamento que não envolve muito o toque ou a liberdade que a

gente tem de falar e conhecer estranhos, a liberdade que a gente tem de invadir um pouco a

bolha do próximo. Acho que essas são as duas coisas que mais me chocaram, que me

mostraram que é diferente”.

Em termos financeiros, Rafael acha que tinha uma vida digna no Brasil, tinha acesso ao

básico e a pequenos luxo. Mas, diz que não achava digno morar em São Paulo, lugar para

onde diz ter se mudado para se inserir ao mercado de trabalho: “você tem que se submeter ao

dia a dia e à qualidade de vida da cidade, eu acho injusto, para mim é desumano. É um

negócio que não compensa o valor de você estar inserido ao mercado ou de ter acesso a

algumas coisas que a cidade lhe propõe. Todo o resto, o que ela te consome, o que ela toma de

você, botando na balança, não é válido. Em relação a saúde, consumo básico, acredito que

levava uma vida digna”.

Em Quebec Rafael acha que tem uma vida. Mesmo ainda não tendo se integrado ao mercado

de trabalho plenamente, com a reserva do que tinha acumulado no Brasil ele tinha

estabilidade financeira que o proporcionava acesso a coisas. Além disso, afirma que

conseguiu mudar a qualidade de vida. “Eu estou bem mais satisfeito [com a qualidade vida]

do que mentalmente eu tinha no Brasil. Eu me sinto mais tranquilo em relação ao acesso, ao

que é o meu dia a dia, ao que me faz saudável e tranquilo sem a paranoia que eu tinha em São

Paulo”.

Dentre os aprendizados penosos está saber como respeitar uma cultura que sabe não ser a dele.

No início, se sentia um pouco oprimido até entender como é a dinâmica, como são as pessoas.

Mas, acha que isso não é um retrato da cidade ou da província.

“A principal diferença é a qualidade de vida. A cidade oferece essa liberdade de você ter uma

qualidade de vida fazendo as mesmas coisas que fazia. Outra coisa que eu sinto muito

também é essa falta de pressão que no Brasil a gente tem para você estar dentro dessa

máquina do dia a dia – funcionando, trabalhando, se metendo em rotinas que às vezes não é a

sua. Acho que isso é uma grande diferença que eu sinto aqui. Eu vejo até em pessoas que eu

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XV  

acabo conhecendo que têm-se uma certa liberdade para você seguir o seu caminho e fazer

mais de uma coisa. Você tem uma liberdade para se inventar e se virar. Você tem mais tempo,

mais qualidade de coisas, mais condições de fazer coisas”.

Entre os aspectos que buscou mudar imigrando estão uma alimentação mais saudável e um

sistema de infraestrutura social público – o qual ele julga ser mais justo que no Brasil. “Eu

realmente sempre fui e continuo descontente do que é nossa máquina pública lá. Claro que

aqui também tem seus problemas. Mas a relação do que você contribui e do que tem de

retorno eu acho que aqui ainda é mais válido, mais justo”.

Rafael imigrou sozinho e em relação a dinheiro, no momento da entrevista afirmou viver com

uma renda mensal proveniente do Brasil – renda familiar bruta em torno de CA$ 14.400,00

por ano para sustentar ele mesmo. Afirma que, na relação de câmbio/custo de vida, mesmo a

moeda canadense valendo quase o dobro da brasileira ele consegue incluir tudo que está

dentro do próprio planejamento financeiro. “Não diria que eu ganho mais. Pensando no

mercado e na minha área, acho que o preço que se paga pelos profissionais é equivalente”.

Relativizando o custo de vida em Quebec e no Brasil, acha que consegue fazer mais coisas no

Canadá. “Acesso a cultura aqui eu acho muito mais barato do que no Brasil. Alimentação e

consumo básico é muito mais acessível. A diferença de acesso é onde eu mais presto atenção”.

Se declarando homossexual na entrevista, o imigrante diz que não se sentia respeitado no

Brasil. “Não só em relação a isso [opção sexual], mas as imposições sociais de classe,

emprego, a natureza do seu trabalho, tudo isso – principalmente em São Paulo, que é um

monstro de gente – você dá condições de sofrer desrespeitos. No dia a dia você é obrigado a

conviver com um monte e gente todo o dia e toda hora num espaço super pequeno e mal

planejado. Não se respeita. As pessoas não se olham como iguais e por algum motivo querem

sempre tomar vantagem e acham que têm a liberdade e fazer alguma coisa que só diz respeito

a elas, que pouco importa para as outras pessoas”.

Quando a pergunta foi se sente respeitado em Quebec, a resposta: “bastante, bastante.

Principalmente em espaços públicos. Tudo que em São Paulo não funcionava na convivência

pública aqui é um negócio que eu sinto, é impressionante para mim o quanto se respeita. Não

só liberdades, mas possessões materiais, por exemplo. Não se vê tanta violência, pequenos

roubos e aproveitamentos que se tem no dia a dia como se tem no Brasil. E também pela

orientação sexual me vejo muito mais tranquilo e como igual e não sendo uma minoria como

me sinto em São Paulo”.

Rafael diz se sentir mais respeitado em Quebec que no Brasil. Sobre o lugar de pertencimento,

ele diz que sempre se sentiu do mundo e que precisava se conhecer em outras culturas. Ele

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   XVI  

sempre viajou muito, mas nunca tinha morado em uma outra cultura. Afirma que nunca se

sentiu muito apegado ao Brasil, mas reconhece que essa é a pátria que ama. Diz que não

sentia orgulho de estar no Brasil e ser cidadão no Brasil. “Eu tenho orgulho de ser brasileiro,

mas sendo um cidadão aqui. Se for pensar nas condições que a cidade, o governo e a

sociedade oferece, eu me sinto mais cidadão aqui porque lá eu me sentia lutando contra

algumas coisas, algumas máquinas que já estavam impostas. [Lá] Você é cidadão, mas você

tem que tomar algum partido”.

Para ele, cidadania plena é: “estar inserido completamente na cultura. É dominar a língua,

fazer parte do mercado de trabalho, entender toda a dinâmica cultural e participar disso, e ter

todos os direitos legais de um cidadão. Eu me sinto por enquanto um residente, não um

cidadão. Considerar cidadania plena é fazer toda a vida no lugar, é estar aqui completamente”.

Rafael acha que tinha uma vida digna no Brasil, mas algumas coisas ainda o incomodavam.

Ele acha que tem uma vida digna em Quebec. Também alega que já sofreu preconceito no

Brasil por conta da orientação sexual e por diferença de cultura, classe, área de trabalho –

trabalhos ligados a arte não seriam valorizados no Brasil. “Você tem que ser um doutor [no

Brasil]. Fazer parte de um sistema corporativo, de uma grande empresa”. Ele alega que nunca

sofreu preconceito em Quebec.

Quanto a cursos de qualificação, o imigrante ainda não tinha cursado nenhum em Quebec,

mas diz que começaria no futuro (pouco tempo após a entrevista). Quando perguntado sobre o

motivo da escolha, afirmou que sentiu que o nível de conhecimento que possuía não se

equiparava entre os dois países, que achava os trabalhadores em Quebec mais especializados

para o mercado, pois eles possuem um percurso de educação diferente do Brasil. Rafael

esperava que após o curso conseguiria se inserir no mercado de trabalho, mas afirmava não

depositar esperanças ao mesmo tempo que acreditava estudar no local fazer parte do percurso

a seguir para abrir as portas do mercado.

Ele concorda com a política de imigração de Quebec, mas acredita que o imigrante fica

desamparado frente ao que é ofertado como políticas de assimilação. Reconhece que não

experimentou todas as condições que o governo de Quebec dá ao imigrante. Entretanto,

afirma que nunca ouviu outro imigrante comentando que tudo deu errado, que foi para

Quebec e as coisas não deram certo. “Eu acho que ela [a política de imigração de Quebec]

deveria ser um pouco mais especializada porque a província de Quebec precisa de pessoas

para morar aqui. Agora, todo mundo busca os grandes centros e eu vejo que Montreal pode

ficar saturada em algumas condições, profissões e tipo de pessoas até por causa da quantidade

de gente quem vem para estudar e não para morar ou imigrar”. Acha que outras cidades

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XVII  

menores não são muito procuradas. Ele acredita que a política deveria ter uma preocupação

maior com o tipo de profissional recrutado e que eles precisariam ser direcionados a regiões

que necessitem desse povoamento pregado pela política.

Além das críticas, afirma que em todas as necessidades que teve depois que chegou a Quebec

se sentiu amparado pelo governo. Afirma que, dependendo da situação, é a favor da recente

restrição à entrada de novos imigrantes pelo governo de Quebec. “Acho melhor que se feche

do que trazer um número grande de pessoas que não são absorvidas pela sociedade. Acredito

que um fechamento radical não é a solução. Pode-se continuar a fazer o processo com um

pouco mais de cautela, mais orientação para quem está interessado”. Rafael pensa em se

naturalizar canadense porque almeja a permanência em um horizonte de cinco anos e uma

dupla cidadania abre possibilidades. “A gente nunca sabe como vai ser o futuro”. Sobre

retorno: “Eu não tenho vontade de voltar para o Brasil, por enquanto. Mas, dependendo de

condições de crise no Canadá, por que não. E vice versa”.

O imigrante não pretende imigrar de Quebec para outras províncias, mas não descarta a

possibilidade. Justifica essa posição em não se sentir apegado a um lugar. Afirma estar

sempre buscando condições melhores. Também afirma que não em morar em Quebec para

sempre e pensa em voltar para o Brasil.

Sobre internacionalização da vida, em Quebec se sente mais parte do mundo que no Brasil

porque foi onde teve mais contado com pessoas de outras partes do mundo. Acha que o

brasileiro vê os estrangeiros como “pessoas que não são dali”., diferente do tratamento que

recebe como imigrante em Quebec.

Rafael não tem filhos, os pais são vivos, ficaram no Brasil e ele se comunica eles em média

duas vezes por semana por telefone e internet. Ele tem computador em casa, acesso a internet

banda larga, tem TV a cabo, não tem canal do Brasil. Acha importante manter proximidade

cultural com o Brasil. Ele chegou em Quebec em 2012. Nascido em Piracicaba/SP, chegou a

morar em Bauru/SP e vivia em São Paulo/SP antes de imigrar sozinho. Para ele, imigrar para

Quebec não é sinal de prestígio, não é uma busca por status. Quem custeou o processo de

imigração foi o próprio. Em Quebec ele já realizou trabalho forma e informal. No momento

da entrevista não trabalhava, mas afirma estar em busca de algo na economia formal. Rafael

resolveu sair do Brasil porque estava cansado da condição de vida em São Paulo. “Não me

sentia com objetivos: boas promessas ou esperanças de futuro eu não via lá”.

Profissão no Brasil: formado em engenheiro, trabalhou como engenheiro no Brasil, mas

mudou de área e trabalhava com produção audiovisual antes de imigrar

Profissão no Canadá: produção audiovisual

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   XVIII  

2-Bruno C., solteiro, 39 anos, publicitário, imigrou em 2006

Bruno ouviu falar de Quebec através de palestra do governo no Brasil. Antes de ir morar em

Quebec, morou também nos Estados Unidos e na parte inglesa do Canadá para estudar inglês.

Ele não conhecia ninguém em Quebec antes de imigrar.

No mesmo dia em que chegou como imigrante em Quebec conseguiu um trabalho em uma

fábrica. Pouco tempo depois, arrumou um trabalho de atendente de call center e largou o

curso de francização que vinha fazendo. Depois de algum tempo morando em Quebec, Bruno

diz que conseguiu eventualmente trabalho na sua área de formação – comunicação.

Sobre a adaptação, disse que para a primeira geração a vida inteira é um processo de

adaptação. Ele está satisfeito com a mudança porque afirma que trouxe mais estabilidade

financeiramente para sua vida. Afirma que no Brasil enfrentou momentos longos de

desemprego.

Bruno não sentiu descompasso entre as expectativas e o que encontrou. Diz que optou por

chegar e trabalhar em uma fábrica porque essa foi a forma que achou mais rápida para já ter

uma renda e se manter. Uma dificuldade que encontra na vida cotidiana em Quebec é o fato

das pessoas que ele vai conhecendo ou retornam para o Brasil ou se mudam para outras

províncias – o que o deixa com um sentimento de perda.

Ele diz que tinha uma vida digna no Brasil, mas instável do ponto de vista do trabalho. Acha

que tem uma vida digna em Quebec. A grande diferença é a perda da família que ficou no

Brasil e a vida multicultural que diz encontrar em Quebec também.

Em média Bruno ganha mais dinheiro em Quebec do que ganhava no Brasil. Mas, o que ele

alega pesar na decisão de imigrar é a estabilidade financeira que encontrou em Quebec. Ele

acha que já construiu a rede de contatos em Quebec e isso o segura para não voltar. Diz que

em Quebec consegue ter uma renda e trabalhar no que ele quer e diz não saber como seria isso

no Brasil.

Relativizando o custo de vida, em Quebec ele consegue fazer “a conta”. fechar no final do

mês com mais facilidade que no Brasil. Destaca que consegue usar a rede de benefícios

sociais de Quebec quando precisa, diferentemente do Brasil. “Então a diferença para mim é

com relação à segurança social, aos benefícios que eu tenho: médico, aposentadoria, etc.

Agora eu virei cidadão também. Eu tenho uma segurança maior como indivíduo. Isso eu não

sei se teria no Brasil”.

Ele tem uma renda familiar bruta de CA$ 28.000,00 por ano para sustentar apenas a si mesmo.

Afirma que se sentia respeitado no Brasil. Em Quebec, acredita que se sente respeitado na

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XIX  

maior parte das vezes. Sobre se é mais respeitado em Quebec ou no Brasil, afirmou: “pelos

políticos eu sou mais respeitado aqui do que lá. No Brasil, todas as vezes que eu assistia

televisão é um insulto que você escuta da classe política brasileira – seja a nível federal,

estadual ou municipal”.

Preconceito também é lembrado como presente no cotidiano em Quebec: “Com respeito ao

aspecto social, existe aqui no Quebec a questão da discriminação por vários motivos, ‘n’

razões. Existe uma certa animosidade de certos setores da sociedade – especialmente o

francófono – em relação ao imigrante. O governo de Quebec que foi eleito recentemente

[Parti Quebecois, governo de tendência esquerdista e nacionalista/separatista] é um caso

disso: não sabe lidar com os imigrantes”.

“Do ponto de vista individual, existem pessoas com quem tive problema de desrespeito. Mas,

no Brasil também tem a falta de educação [coletiva] que reina também. Existem muita gente

mal acostumada, aquela coisa de furar fila no Brasil... o trânsito no Brasil também é aquela

coisa muito terrível, ao menos em Curitiba. Furam o sinal vermelho, quase te atropelam e

ainda vão mostrar o dedo se você reclamar. Aqui o trânsito pode ser lento, as pessoas podem

reagir devagar quando o sinal abre, mas é um trânsito muito mais civilizado do que no Brasil.

Eu costumava dizer nos primeiros anos aqui que se a única diferença entre morar aqui e no

Brasil fosse o trânsito – se não tivesse questão familiar, linguística, se não tivesse nenhuma

outra diferença – eu preferiria morar aqui porque é mais civilizado. As chances de você

continuar vivo são bem maiores. E as chances de você morrer atropelado ou num acidente de

carro no Brasil são bem maiores do que aqui. Então, existem algumas diferenças que muitos

brasileiros escolheram imigrar e preferem ficar aqui por causa dessa diferença de vida. A

violência é bem menor, a possibilidade de você ser assaltado é bem menor, você tem uma

vida mais tranquila. Então você tem uma qualidade e vida melhor”.

Além do frio, que diz não ser um problema para ele, lembra também as diferenças de relações

interpessoais: “Tanto no Brasil como aqui existem níveis de respeito e de desrespeito. No

Brasil existe um pouco mais de calor humano, que é uma coisa que choca brasileiro quando a

gente chega aqui”.

Mas, existe no Brasil um pouco mais de rudeza. Ele dá exemplo de um caso em que leu na

internet que uma consumidora em São Paulo foi agredida verbalmente por um funcionário de

uma loja. “Esse tipo de coisa que acontece no Brasil aqui, assim, não acontece”.

Diz se sentir mais cidadão em Quebec por conta do que considera ser um sistema político e

social mais honesto. “Eu já vi caso de ministros que renunciaram a cargos de ministro porque

não concorda especificamente com uma política do governo federal. Aqui o primeiro ministro

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de Quebec não precisava chamar eleições, mas teve pressão popular através de uma série de

protestos, ele acabou chamando a eleição e perdendo. Me contrasta esses exemplos e outros

que eu poderia citar aqui com lá no Brasil... Renan Calheiros, a forma como ele se segurou no

mandato dele de senador e de presidente do Senado com todas aquelas denúncias da amante

dele que ficou grávida, teve a filha dele e o lobista dele pagava (o lobista defendia uma

empresa e o Renan Calheiros defendia os interesses da empresa no ministério da Previdência

no Brasil)... e ele está lá. Aqui muitas vezes, se houver uma denúncia, muitas vezes as pessoas

renunciam porque querem defender a honra. A pessoa perde uma eleição e abandona a

política”.

Ele também lembra que existem problemas na sociedade canadense. “Não pode pensar que

por ser o primeiro mundo tudo é perfeito. Na verdade é o conjunto das coisas que tende a ficar

melhor”. O que ele fala ser melhor seria uma certa dignidade e valor que no Brasil não

observava. Valores éticos e morais, pouco investimento em educação pelo país – Bruno acha

que são poucas pessoas no Brasil que falam outra língua além do português.

“Cidadania plena é conseguir participar dos debates da sociedade, conseguir ter acesso aos

serviço que você precisa, os serviços básicos estão funcionando, existe um respeito

institucional com relação ao indivíduo”.

Bruno acha que tinha uma vida digna no Brasil. Em Quebec acha que tem uma vida digna

porque possui maior segurança proporcionada por uma rede de proteção social.

Afirma que uma diferença fundamental que visualiza é em relação à igualdade social mais

intensa que observa em Quebec. “A diferença entre um trabalhador braçal e de escritório em

relação ao salario é pouca. Às vezes o salario é o mesmo, as vezes o trabalho braçal paga mais

que o do escritório. Com os menores salários aqui você vai ganhar na base dos CA$ 1.400,00-

CA$ 1.600,00, e os maiores salários você vai ter CA$ 2.500,00-CA$ 2.800,00 por mês,

descontados os impostos. Então a diferença entre os que estão lá embaixo e os que estão lá em

cima não é muito grande, não tem aquela diferença de salario que você tem no Brasil. Esse

contraste que você tem no Brasil aqui é menos exacerbado”.

Bruno acha que já sofreu preconceito social no Brasil permeado pela diferença de classes.

Alega também que já sofreu preconceito em Quebec por conta de falar francês com sotaque.

Ele lembra que fez o curso de francês pago pelo governo para se adaptar ao francês local por

seis semanas. Acha que lhe ajudou a se inserir no mercado de trabalho.

Acha que a política de imigração acertou na escolha dos brasileiros. Desde que deu entrada no

pedido da residência permanente Bruno demorou treze meses para mudar. Levou 18 meses o

processo para ser cidadão. Ele resolveu virar cidadão para formalizar laços culturais. Outra

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XXI  

questão é pratica: como canadense, ele tem sempre o Canadá aberto se resolver sair e voltar.

Diz não saber se pretende ficar em Quebec ou não. Não descarta a possibilidade de morar em

Quebec para sempre. Diz que só sairia por motivos de renda. Não pensa em voltar ao Brasil

porque já se sente instalado ao mercado de trabalho em Quebec. Diz se sentir mais parte do

mundo em Quebec do que no Brasil por conta do posicionamento do país ao cenário

internacional. Possui filho adulto que ficou no Brasil e os pais também ficaram, ninguém

imigrou. Não há perspectiva dos pais se mudarem para Quebec no futuro. Se comunica com

os pais uma vez por mês. Se comunica usando e-mail e telefone. Tem computador em casa,

internet banda larga, não tem TV a cabo. Acha importante manter proximidade cultural com o

Brasil.

Proveniente de Curitiba/PR, morava na cidade antes de imigrar. Quem custeou o projeto de

imigração foi o próprio. Trabalha na economia formal em Quebec.

Profissão no Brasil: publicitário.

Profissão em Quebec: publicitário, jornalista, promotor de eventos.

Imigrou porque achou que isso daria um impacto positivo profissionalmente e também pela

busca de qualidade de vida e de expansão dos horizontes de experiências pessoais.

Imigrou em 2006.

3-Rafael II., solteiro, 39 anos, professor ensino médio, imigrou em 2008

Rafael queria sair do Brasil desde a adolescência. Dessa forma, quando ele descobriu a

possibilidade de imigrar para o Canadá, achou que em Montreal teria uma boa perspectiva

profissional. Ele afirma que escolheu imigrar para a cidade, não para a província. Rafael diz

que desde os 15 anos já sabia da possibilidade de imigrar. Ele ficou sabendo pela internet e

nunca foi a palestras do governo de Quebec no Brasil. Ele também afirma que conhecia

pessoas em Quebec antes de imigrar.

Por decisões pessoais (estava cursando doutorado no Brasil), ele usou todo o prazo para entrar

no Canadá. Rafael encaminhou o pedido de imigração em 2002 e imigrou em 2008. Ele não

achou difícil a adaptação, está satisfeito com a mudança, trabalha na sua área de formação,

afirma que faz o que gosta. Além da possibilidade de entrar o mercado de trabalho, Rafael

lista outros motivos para se mudar para Quebec:

“A qualidade de vida, a tranquilidade de viver em um lugar sem violência onde as pessoas são

muito mais iguais do que no Brasil, o acesso à cultura e bens materiais que são muito mais

fáceis que no Brasil. Mas, principalmente a tranquilidade e qualidade de vida”.

Ele não sentiu descompasso entre o que esperava e o que encontrou. “As pessoas aqui tem

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   XXII  

parte do seu dia a dia dedicado ao trabalho e o resto dedicado à família, por exemplo. Aqui as

pessoas são diferentes. Elas tem o tempo do seu trabalho – das 8h às 17h, por exemplo –,

acabou o seu trabalho você vai para casa. No Brasil é comum as pessoas ficarem até 20h-22h

no trabalho para o patrão enxergar que você está trabalhando. Aqui isso não existe. A

valorização da sua vida pós-trabalho é legal, as pessoas tem tempo para dedicar à família”.

Ele também não vê dificuldades em Quebec. Acha que tinha uma vida digna no Brasil, mas

saiu para ganhar experiência internacional – cultural e profissional. Ele também acha que tem

uma vida digna em Quebec porque trabalha na própria área, afirma ter um bom emprego com

um bom salario, pode comprar casa e carro em pouco tempo – afirma que no Brasil a

aquisição de bens materiais é difícil.

No lado cultural e espiritual também se diz tranquilo, afirma que esse é um bom lugar para

estar. Ele afirma que ganhava menos no Brasil e trabalhava mais.

“A igualdade que existe entre as pessoas aqui é muito grande. Você anda na rua e não

distingue quem é rico de quem é pobre – talvez uma ou outra pessoa [dá para distinguir].

Essa igualdade eu acho muito legal. O ‘gap’ que a gente tem no Brasil entre ricos e pobre é

muito grande e gera violência, um monte de fatores negativos. Aqui isso é bem menor. Existe,

mais é muito menor. Você vive em uma sociedade mais tranquila. A polícia está sempre

presente. Corrupção existe, mas é em menor escala que no Brasil, com certeza”.

Ele afirma que se mudou para Quebec porque buscava uma experiência internacional e

melhorar a proficiência em idiomas. Rafael acha que conseguiu o que foi buscar fazer em

Quebec. Afirma que ganhava mais em relação à hora trabalhada no Brasil. Mas, relativizando

o custo de vida, afirma que consegue fazer mais coisas em Quebec que no Brasil. “Acesso a

bens materiais aqui é bem mais simples e mais fácil que no Brasil. Se você quiser comprar um

carro ou uma casa, produtos eletrônicos, isso você consegue sem ter um emprego dos sonhos.

Você pode trabalhar como um ‘cleaner’ e conseguir comprar um carro, alguma coisa. Isso que

no Brasil é uma coisa de sonho para as pessoas. A igualdade aqui é maior. Os salários são

melhores e qualquer serviço que você vai fazer aqui você vai ser remunerado de uma maneira

digna. No Brasil, não”.

Rafael não quis declarar o salario que ganha. Mas, informou que sua renda é para ele mesmo

apena. Diz que se sentia respeitado no Brasil, que os antigos empregadores deixaram as portas

abertas. E se sente respeitado em Quebec. Comparativamente, se sente mais respeitado em

Quebec pelo fato do tempo que está vivendo em Quebec (diz que talvez se sentiria mais

respeitado no Brasil se estivesse no Brasil).

Ele acha que as cidadanias que possui são diferentes. “Eu me sentia cidadão no Brasil,

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XXIII  

participada de atividades, era uma pessoa politizada. Aqui eu estou em outro país. Você

mantém uma dualidade. Eu continuo lendo muita coisa do Brasil, continuo participando de

atividades culturais do Brasil pela internet. E aqui também. Quando você migra você tem uma

vida dupla na verdade. Culturalmente você ainda está conectado ao seu país de origem e você

tem um novo país. Isso só te acrescenta como pessoa”.

Rafael acha que cidadania plena é poder participar politicamente, poder escolher os próprios

representantes, ter suas vontades respeitadas. Ele diz que tinha uma vida digna no Brasil, pois

trabalhava, e em Quebec é similar também porque trabalha. Ele não relata ter sofrido

preconceito tanto em Quebec como no Brasil e não chegou a fazer curso de qualificação em

Quebec.

Acha que a política de imigração do Canadá inteiro – não só de Quebec – precisaria ser

revista. “O problema é você atrair pessoas qualificadas para cá e essas pessoas depois

demorarem muito tempo para entrar na sua área de atuação. Isso não acontece pelas ordens

[conselhos profissionais] que existem aqui. As pessoas precisam se qualificar para serem

membros dessas ordens e às vezes não conseguem, se desanimam com esse processo, saem

daqui e vão para outro lugar – às vezes os Estados Unidos onde o processo algumas vezes é

mais rápido. Acho que precisa rever esse processo e integrar mais rapidamente as pessoas

qualificadas ao mercado. Para vim para cá como imigrante você precisa ser qualificado. O

pião não vem para cá, por exemplo, como residente permanente”.

Ele acrescenta que demorou para entrar, mas que se na época tivesse seguido com o processo

de imigração normalmente – se não tivesse tardado – deveria ter demorado entre 1,5 ano a

dois para entrar no Canadá. Rafael é a favor de uma revisão do processo de imigração.

Quando da entrevista, já tinha encaminhado a documentação para virar cidadão canadense.

Alega que queria virar cidadão para poder votar. Diz não pretender sair de Quebec e ir para

outro lugar. Mas, não sabe se fica em Quebec para sempre. Fica até o dia que se sentir bem. E,

por enquanto, se diz bem. Diz que não sabe se pensa em voltar para o Brasil. Em Quebec ele

diz que tem acesso a mais coisas que são mais difíceis de se ter no Brasil, mas diz que não se

sente mais parte do mundo não. Rafael não possui filhos, se comunica com os pais toda

semana pela internet, tem computador em casa com acesso a internet banda larga, tem TV a

cabo, mas sem canal brasileiro. Ele acha importante manter proximidade cultural com o Brasil.

Diz que é interessante agregar outra cultura, sem precisar cortar outra. Proveniente de

Descalvado-SP, morava em sua cidade natal antes de imigrar para Quebec. Ele não vê

prestígio em imigrar para Quebec. Alega que talvez outras pessoas vejam isso, mas ele não.

Ele mesmo custeou o processo de imigração. No Canadá, trabalha na economia formal. Era

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   XXIV  

professor universitário no Brasil e em Quebec também é professor, mas para alunos do ensino

médio. Uma curiosidade: Rafael possui cidadania italiana e chegou a ir para a Europa, mas

não gostou da vida lá.

Imigrou em 2008.

4-Patrícia Z., união civil, 43 anos, professora universitária, imigrou em 1999

Patrícia ouviu falar de Quebec quando tinha 18 anos. A mãe tinha uma amiga que tinha

imigrado para Quebec em meados dos anos 1960. Essa amiga ia visitar a mãe de Patrícia em

Belo Horizonte e, assim, ela resolveu, com 18 anos, visitar a amiga da mãe em Quebec. Ela

ficou um ano em Quebec antes de decidir imigrar. Quando estava se formando na graduação

no Brasil, conseguiu uma bolsa de mestrado em Montreal. Afirma que na época achou mais

fácil fazer o doutorado no Canadá que retornar para o Brasil. Desse modo, resolveu ficar e

fazer o doutorado. Após o doutorado imigrou, mas também voltou para o Brasil. Mas, no

Brasil, casou com uma pessoa de Quebec. Daí resolveu voltar. Acha que não foi uma escolha

imigrar, foi um caminho que foi acontecendo na própria vida.

Ela ficou sabendo da possibilidade de imigrar para Quebec durante o doutorado. Pegou as

informações pela internet. Mas, já estava em Quebec antes de imigrar. Nunca foi a palestra do

governo de Quebec no Brasil e conhecia pessoas em Quebec antes de imigrar. O projeto

imigratório se deu quando estava terminando o doutorado sem perspectiva de emprego no

Brasil nem em nenhum outro lugar. Assim, resolveu abrir mais uma porta. “Eu queria tentar a

vida no Brasil depois desses 10 anos de estudos em Quebec. Mas, ‘e se eu não conseguir nada

no Brasil?’. Aí eu volto para o Quebec mais uma vez. Foi uma coisa de ter uma opção, foi

esse o projeto. Era fácil para mim”.

Patrícia não achou difícil a adaptação na primeira experiência. Mas, depois, no mestrado,

sentiu dificuldade, sentiu o que alega como um certo choque cultural. Mas, ela está mais ou

menos satisfeita com a mudança. “Profissionalmente eu não estou onde eu gostaria de estar.

Estou dentro da minha área, mas eu gostaria de ter um cargo como professor que eu não tenho.

Qualidade de vida é tranquilo, está muito bom. A parte que me falta é a realização

profissional. Mas, eu não desconsidero voltar para o Brasil. Mas, o conjunto de aspectos que

fazem a qualidade de vida eu acho que teria dificuldades [com o retorno] para me readaptar

mais uma vez. Eu gosto de andar de bicicleta aqui. No Brasil eu andei de bicicleta antes de ter

carro. Não sei se eu iria poder andar de bicicleta no Brasil para ir trabalhar porque não tem

lugar para você amarrar sua bicicleta. E se você amarra sua bicicleta provavelmente ela não

vai estar ali depois que você sair do trabalho. Esses aspectos que podem ser pequenos, mas

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XXV  

me garantem uma qualidade de vida. Aqui eu não tenho empregada. No Brasil eu tinha uma

empregada quando minha filha nasceu. E não era uma coisa que eu gostava de sentir essa

disparidade social dentro da minha casa. Quer dizer, eu tinha uma pessoa às minhas ordens.

Isso não estava bom para mim. Fora falar que tem gente miserável no Brasil. Então,

globalmente, a qualidade de vida aqui é boa, eu prefiro morar aqui. A vida é mais organizada,

mais planejada. Mas, profissionalmente tem essa ambição que ainda não está completa e

minha família está no Brasil, não é para descartar a possibilidade de voltar”. O descompasso

que Patrícia alega ter encontrado foi na aspiração profissional ainda não realizada.

Em Quebec, ela afirma que as diferenças sociais são menores. Isso sempre a incomodou no

Brasil. Acha que o brasileiro, em geral, precisa se exibir e não vê isso no canadense. “O Brasil

funciona muito por aparência e aqui isso é menos. E um aspecto que eu gosto de Quebec é o

planejamento. Sua agenda está definida com uma semana de antecedência. Às vezes eles tem

até uma antecedência muito grande. No Brasil, inúmeras vezes aconteceu de me ligarem

‘Patrícia, será que dá para você começar a dar um curso amanhã para uma turma de mestrado

para empresários’. Então, era uma improvisação. Aqui eu sei que vou dar um curso com seis

meses de antecedência. Então dá para me preparar melhor”. O que ela acha difícil é o inverno

e as pessoas. “É uma cultura diferente da sua. Existem diferenças e você nota. É difícil de

você entender e se questionar a cada segundo”.

“O Quebec se vê muito como latino-americano, mas tem um lado anglófono muito forte que

faz uma diferença muito grande. Outra diferença é que as pessoas que nasceram aqui já estão

com o ‘hall’ de amigos arranjado, está tudo esquematizado. Aí você chega aqui que nem um

cabelo na sopa, você não espera que as pessoas vão te chamar para a casa delas. Isso não

acontece. A vida deles continua. É difícil você conseguir espaço na vida das pessoas. Difícil

você conseguir amigo quebecois [quebequense], bastante difícil. Agora, eu nem sei se é um

problema deles ou um problema meu”.

Patrícia acha que tinha uma vida super digna no Brasil. Afirma ter tido uma perda salarial

enorme com a imigração. “A última vez que eu vim foi por uma razão familiar. Meu marido e

eu íamos perder a residência permanente e a família dele estava aqui. E ele não queria ter que

pedir visto a cada vez que quisesse ver a mãe dele. Mas, eu tinha um emprego no Brasil onde

eu ganhava quatro vezes mais. Minha vida não era só digna não. Ela era muito mais digna e

cheia de luxos no Brasil”.

Ela também diz ter uma vida digna em Quebec. “Sem nenhum excesso. Eu vivo bem. Tenho

um carro, uma bicicleta, posso me permitir pequenas férias por ano, de dois em dois anos ir

para o Brasil. Minha filha frequenta escola pública. É uma vida digna. Eu tenho o que comer,

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   XXVI  

me vestir, minha casa é boa, me satisfaz minhas necessidades materiais”.

No Brasil, ela se considerava classe média alta e em Quebec classe média baixa. Alega que

tem que dar conta de tudo sozinha, dos cuidados com a família. Reclama que não há o apoio

social que ela teria no Brasil. “Esse apoio social vem com um preço. Domingo, você vai

visitar sua família. E olha que minha família não é muito tradicional, ela é pequena. Tinha

almoço de domingo na casa da avó. E não era uma coisa muito discutível não. Alguma vez ou

outra você podia até não ir almoçar. Mas, geralmente, você vai no almoço. Você é convidado

para uma festa, você vai na festa, é quase como uma obrigação social mesmo. Tem mais

apoio, mas tem muito mais cobrança. Isso influi no seu ritmo de vida. Você fica muito mais

autônomo aqui, mas também suas tarefas e responsabilidade são muito maiores porque você

não tem com quem dividir o trabalho [familiar dentro do lar]”.

Em relação a dinheiro, ganhava mais no Brasil. Relativizando o custo de vida, acha que no

Brasil conseguia fazer mais coisas porque tinha um salario melhor. “Tudo que eu queria fazer

no Brasil eu podia comprar. Aqui eu não posso comprar muita coisa, mas eu tenho acesso

gratuito a muita coisa. No Brasil, se eu quero uma boa escola para minha filha eu pago. Aqui

eu não tenho dinheiro, mas tenho uma boa escola pública que minha filha frequenta e eu estou

muito satisfeita”.

Diz que em Quebec encontra muita coisa pública, escola, atividade cultura, etc. Acha que a

vida custa mais barato em Quebec. Acha que faz coisas a menos e que considera luxos: ir a

um restaurante caro, comprar roupa cara, sair de férias, etc. Afirma que quando voltou para o

Brasil tentou adaptar alguns hábitos para a própria realidade. Por exemplo, ela só tinha um

carro em casa, mesmo tendo condições dela e o marido cada um ter um. Mas, julgada

desnecessário. Não tinha mais empregada doméstica, diferente de todos os amigos de

faculdade.

Afirma que não possui uma babá, uma pessoa constantemente para te apoiar, que ela afirma

não conseguir pagar em Quebec e conseguia pagar no Brasil.

Renda familiar bruta de aproximadamente 80 mil dólares por ano. Três pessoas são

sustentadas pela renda.

Achava que o improviso da vida profissional é algo que via como falta de respeito no Brasil.

“O que eu acho que é um desrespeito com o brasileiro geral é a relação de trabalho: é muita

improvisação e é muita exploração do trabalhador. O trabalhador deveria trabalhar oito horas

e ter uma vida. O Quebec tem essa mentalidade, pelo menos. Tem pessoas aqui que trabalham

mais. Mas, em geral, oito horas é suficiente e você tem o resto da vida [para você mesmo]. No

Brasil, não existe esse limite. Meus alunos de mestrado em administração trabalhavam 12

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XXVII  

horas e achavam que estava normal... talvez em nome da competitividade. A qualidade de

vida é muito ruim. No final, o cara só trabalha. O empregado, o trabalhador, o prestador de

serviço, ele não tem nenhuma proteção. Isso é o que me chateia. As outras partes: intromissão

na vida privada, aluno no Brasil te chama no celular sem achar ruim. Aqui é uma coisa

impensável ligar no celular do meu orientador. Não existe. Mas, como eu sabia que a coisa lá

rolava dessa forma eu não achava falta de respeito. O que eu acho que é falta de respeito é um

sistema institucionalizado de exploração do indivíduo. Exploração inclusive com trabalho

gratuito e outras coisas que são ruins”.

Se sente respeitada em Quebec. Em termos profissionais, com horários mais definidos,

qualidade de vida. “Eu não sinto proximidade, intimidade... esse é um passo difícil, você ser

íntimo da pessoa. Mas, há um respeito pela pessoa. Por exemplo, eu tenho sotaque e nunca me

senti desrespeitada por isso”.

Se sente mais respeitada em Quebec.

Cidadão em termos de relacionamento com a esfera pública com o governo, acha complicado

no Brasil. Mas, afirma que em Quebec também é complicado, que há uma aparência que as

coisas são fáceis e que se resolvem rapidamente, mas a maquina do Estado funciona de uma

forma mais eficiente, mas não se adapta a situações adversas com facilidade. “Quando tem

alguma coisa que sai da norma, a ineficiência impera. A distância do cidadão, o que você vai

pedir é muito complicado o acesso. Quando eles tem uma resposta pronta para te dar, está

fácil. Agora, qualquer coisa que você queira participar em uma instância, dar uma sugestão,

um erro administrativo, aí a coisa começa a empepinar. Acontece no Brasil e acontece aqui”.

Julga cidadania plena a possibilidade de conseguir ter interlocução com a esfera pública.

Em Quebec, se você quiser viver a vida sem votar, sem participar, você vai.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil, estava realizada profissionalmente.

Acha que tem uma vida digna em Quebec, com outro padrão de vida.

Já sofreu preconceito no Brasil. Relacionado a classe social.

Afirma que existe preconceito em Quebec, mas que é um preconceito velado. “Aqui existe o

politicamente correto e ele impede que esse preconceito seja escancarado. Mas, ele existe. Por

exemplo, os alunos aqui fazem avaliação de professor no final do curso. Ninguém nunca

mencionou [durante o semestre letivo] que meu sotaque causava problemas. Mas, na

avaliação, que é anônima, eu recebi já umas três vezes comentários de alunos a respeito do

meu sotaque. Isso é uma forma de preconceito. Não era nada incompreensível não. Era tipo:

‘é inadmissível que professor que tenha sotaque dê aula em uma universidade francófona’. Eu

podia ter sotaque de onde fosse. Não interessava a competência, o conteúdo, era inadmissível

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   XXVIII  

que houvesse o sotaque. Então, ele existe, mas ele é muito mais sutil e velado que no Brasil

porque não é politicamente correto aqui a gente ter preconceito”.

Concluiu mestrado e doutorado em Quebec. Acha que certamente ter feito os cursos em

Quebec lhe ajudou a se inserir no mercado.

Acha que o Quebec precisa de imigrantes. Mas, precisam se assegurar da integração das

pessoas e isso vem sendo deixado por conta do próprio imigrante, o que ainda é bem falho na

política. Os recrutadores de imigrantes fazem uma propaganda e não apresentam um retrato

fiel da realidade. Não sabe se teria como fazer de outra forma. Mas, acha que uma propaganda

que promete mundos e fundos também não é correta.

Demorou dois anos para receber a residência permanente.

Pretende se nacionalizar por uma questão prática: não ter limitação de tempo que pode passar

fora do Canadá. E poder ocupar alguns cargos na administração pública.

Não pretende sair de Quebec.

Pensa em voltar para o Brasil, mas acha uma possibilidade remota.

Imigrantes de primeira geração que não saem por causa de guerra sempre nutrem a

possibilidade de voltar.

Não se acha mais parte do mundo que no Brasil. Acha que no Brasil ouvia mais. Acho que o

Brasil está muito mais dentro do mundo que Quebec.

A filha mora com ela. Os pais ficaram no Brasil e não há perspectiva deles virem morar. A

cada 15 dias se comunica com os pais pela internet. Tem computador em casa, internet banda

larga, TV a cabo, sem canal brasileiro.

Acha importante manter proximidade cultural com o Brasil.

Morava em Belo Horizonte antes de imigrar.

Imigrar para Quebec não é sinal de prestígio.

Quem custeou o projeto de imigração foi ela própria.

Trabalha na economia forma.

No Brasil professora universitária.

Em Quebec também é professora universitária.

Resolveu sair do Brasil porque iria perder a residência permanente. Estava casada com

alguém que a família estava morando em Quebec.

Imigrou pela primeira vez em 1999.

5-Ismael J., união civil, 32 anos, administrador de empresas, imigrou em 2009

Um amigo da cidade natal mandou um e-mail com um anúncio de jornal do governo de

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XXIX  

Quebec falando da imigração sobre as palestras.

Foi para a palestra no Brasil.

Gostaria de ter uma experiência fora do Brasil. Diz que desde criança sempre teve vontade de

viver fora do Brasil.

Chegou a pesquisar outros países (Austrália).

Foi em umas três palestras do governo de Quebec.

Não conhecia ninguém em Quebec antes de imigrar.

Começou a aprender francês para dar entrada ao processo de imigração.

Conheceu pessoas em Brasília que estavam no processo de imigração para se aproximar das

outras pessoas.

Não foi difícil a adaptação.

Tem ligação direta com a família.

Diz que tem muitos amigos quebequenses e que essa é a melhor maneira que encontrou para

entrar na cultura.

Veio com o objetivo de aprender uma nova cultura, ter uma nova experiência, e de praticar o

idioma.

Está satisfeito com a mudança porque está trabalhando no que gosta, vive a vida como é, não

sente problemas de por ser imigrante ser um estranho. Está satisfeito porque todas as coisas

que tentou diz ter conseguido. Ter um emprego em uma nova carreira na qual gostaria de

alcançar.

“Eu moro em um lugar bacana, eu me sinto seguro, eu não me sinto com medo de sair na rua

por causa de ladrão. Ladrões que roubam bicicletas existem, mas isso acontece em todo o

mundo, não só aqui, não só no Brasil. Mas, eu me sinto feliz aqui”.

Não teve descompasso. Diz que não tinha muita expectativa.

Diz que se não conseguisse se inserir profissionalmente no mercado de trabalho em Quebec

voltaria para o Brasil sem vergonha, que não tem vergonha de voltar para o Brasil se um dia

quiser.

Diz que o que atraiu é a vida relaxada que sente existir em Quebec.

“As coisas que me agradavam no Brasil acabaram me direcionando a ter interesse por

Montreal”.

Acha difícil questões salariais. Afirma que a política financeira do país poderia ser melhor.

“Eu não vim para cá para fazer dinheiro. Mas, ao mesmo tempo, eu gostaria de crescer e ter

possibilidade de ter minha própria casa, ter meu carro. E isso, há três anos que estou aqui, eu

não tenho carro nem casa. Mas, acho que é uma coisa mais pessoal. Eu não quero ter carro

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   XXX  

agora, talvez no futuro. Eu gosto do jeito à pé de Montreal de ser. Você pode fazer tudo de

bicicleta, à pé, de metrô, e isso me ajuda bastante aqui”.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil, mas era uma realidade diferente. “Eu morava com

meus pais, minha independência era limitada e ao mesmo tempo eu tinha um emprego – não

um bom emprego – que me deu possibilidade de ter um carro, sair com os amigos, mas é uma

questão que era limitada. Para ter um carro eu tinha que comprar em várias parcelas, para

comprar um telefone, em várias parcelas... o crediário sempre tinha que estar junto para poder

te ajudar, sabe. Isso me deixava um pouco triste. Você não poder ir em um bom restaurante

porque você tinha que pagar a gasolina do mês do seu carro para ir trabalhar. Então era meio

digno”.

Acha que tem uma vida digna em Quebec pelos motivos contrários. “Aqui mesmo você não

tendo um grande salario você tem a possibilidade em um bom restaurante. Você não vai todos

os dias do mês, mas você tem a possibilidade de ir uma ou duas vezes no mês. Você tem

possibilidade de ir num show e viver experiências que pessoas ricas têm também. E você tem

possibilidade de ter aqui coisas que não acontecem no Brasil. Se você é rico no Brasil, você

vai em restaurante super caro e que pessoas normais não têm condições de ir”.

Tinha mais proximidade com a família e igreja no Brasil. Depois que saiu do Brasil, diz que

mudou um pouco. Diz que no Brasil vivia um ciclo de amigos ligados a igreja. Diz que como

em Quebec igreja não é forte teve que fazer amigos.

“Uma das razões de eu ter vindo para cá é que eu sou homossexual e minha família não sabe.

Eu acho que com essa nova vida o lugar daria a possibilidade de viver como eu sou ser tem

problema de justificar a razão de ser ou não. Então isso me faz viver no Canadá muito

tranquilo, principalmente porque é um país muito aberto a isso. No Brasil eu sabia que não

seria fácil, possível seria. Mas, não seria a mesma realidade de viver em um meio religioso

sendo gay. Então, acho que essa foi uma das razões também que me fez mudar para cá”.

Acha que conseguiu mudar o que gostaria de mudar.

Ganha mais em Quebec que no Brasil.

Consegue fazer mais coisas: vai a restaurantes, viaja, tem mais possibilidades de viagens que

no Brasil, come melhor, come de forma mais saudável, vai para shows, atrações culturais, etc,

com mais frequência que no Brasil.

Renda familiar bruta em 80 mil dólares por ano para duas pessoas.

Quanto ao respeito, reclamava da vida de trabalho: “não pelo meu trabalho. Meu trabalho era

bem feito, mas não era pago como tinha que ser pago. Eu não me arrependo, não reclamo

porque eu tive a experiência, mas não... não era bem aceito nesse sentido...”.

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XXXI  

Se sente respeitado em Quebec. “Mesmo no meio profissional, as pessoas tendem a não entrar

muito nos porquês das coisas. Teve uma saída de todos os empregados da empresa num chalé.

Eu disse que eu não iria. Não que eu não goste dos outros empregados, mas eu disse que não

me sentia à vontade para ir. Ninguém me pergunta porquê. Eu disse: não vou. O.K. Eu acho

que aqui as pessoas te respeitam na sua opinião e elas não tentam de convencer se você não

quiser”.

Se sente mais respeitado em Quebec.

“Eu acho que você se sente mais cidadão quando você percebe que o governo te valoriza de

alguma forma. Mesmo que você pague impostos, você tem um retorno sobre esses impostos

que você paga. E aqui você vê claramente isso. Você tem um bom sistema de transporte, você

vê que o governo da cidade te dá lixeira para poder colocar o lixo reciclável, por exemplo.

Você vê retorno nas construções, nas calçadas [falando sobre a qualidade], na limpeza e isso

acaba de dando uma referência que no Brasil você não tem”.

Acha que pode ser cidadão pleno onde for, o que muda são interesses ligados a valores. Se

julga um cidadão pleno em Quebec, mas acha que não seria no Brasil. “Por todos os motivos,

eu acho. Tanto motivo político quanto motivo profissional, acho que você investe mas você

vê que você tem possibilidade de crescer aqui também como cidadão. Mesmo sendo imigrante

você o respeito que o país tem por você. Acho que esse é o motivo inclusive que eles tem o

processo de imigração. Eles valorizam quem está aqui”.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil porque era feliz. “Eu não me sentia satisfeito de

estar no Brasil, por isso eu decidi sair. Tinha coisas que me faziam querer sair. Minha questão

sexual também, mas uma questão profissional também”.

Acha que tem uma vida digna em Quebec. “Eu tenho emprego, eu tenho um sistema de saúde

que é demorado, mas tem saúde para todo mundo, eu posso fazer o que eu quiser com o

dinheiro que eu recebo, então sobra um pouco. E se sobra a gente fica contente e se sente

digno, eu acho”.

Não alega ter sofrido preconceito no Brasil. “Não porque eu nunca tinha me demostrado

homossexual no Brasil. Mas, eu acho que se eu tivesse, sim”.

Já sofreu preconceito em Quebec relativo a não saber falar o idioma. “Isso é fato: você fala

com alguém, mesmo alguma loja, no transporte, e a pessoa vê o seu sotaque ela começa a

falar em inglês porque ela quer tentar te ajudar. Mas, ao mesmo tempo você não sente como

uma ajuda, você sente como um preconceito um pouco. Se você não fala bem, você fala outra

língua, então ele começa a falar com você em inglês por achar que seja mais fácil”.

Fez alguns cursos pequenos, nada universitário. Cursos de ferramentas de trabalho de internet.

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   XXXII  

Durante seis meses. Chegou a concluir os cursos. Acha que ajudou a se inserir no mercado de

trabalho.

Acha interessante a política de imigração de Quebec. Mas, acha o processo longo.

Demorou um ano para imigrar.

É a favor do fechamento porque precisa colocar ordem na casa.

Muita gente imigra, gasta dinheiro e não encontra uma realidade diferente.

“Claro que palestra e imigração eles vão vender o pais, vão vender a necessidade deles. Mas,

quando você chega aqui eles não abrem o mercado para pessoas que são médicas que não

podem trabalhar na área de medicina. Tenho amigos aqui que são médicos e que tiveram que

voltar para a universidade para fazer biomedicina para poder entrar no mercado de trabalho

porque eles não podem atuar como médico aqui. E hoje eles não atuam como médicos, eles

atuam como biomédicos. O país pede para alguém para vir, eles dizem que estão precisando,

mas o imigrante quando chega aqui eles não abrem a porta para certas profissões. E isso é

algo que deveria ser revisto”.

Ainda não é cidadão, mas já tinha enviado o pedido.

Pensa em se nacionalizar porque acha que é uma forma de ter acesso a coisas que o brasileiro

não teria. Ir para os Estados Unidos sem visto, poder trabalhar na Austrália, ir para outros

lugares do mundo onde o Canadá tem acordo. “Essa possibilidade de você ter um plus que

você não tem quando você é brasileiro me deu a vontade de ser um cidadão canadense

também”.

Não pretendia sair de Quebec.

Não sabe se vai ficar em Quebec para sempre.

Não pensa em voltar para o Brasil.

Se sente mais parte do mundo em Quebec.

Não tem filhos.

A família ficou no Brasil. Sem perspectiva de ir morar em Quebec no futuro.

Se comunica com os pais duas vezes por semana. Via internet.

Tem computador em casa com internet banda larga. Tem TV a cabo sem canal brasileiro.

Não acha muito importante manter proximidade cultural com o Brasil.

Imigrou em 2009.

Proveniente de Brasília. Morava em Brasília antes de imigrar.

Acha que é prestígio imigrar para Quebec. “Várias pessoas do Brasil não tem chance de fazer

o que eu estou fazendo hoje. E que eu gostaria que fizessem também”.

Quem custeou o projeto foi o próprio.

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XXXIII  

Trabalha na economia formal.

No Brasil administrador de empresas.

Gerente de projetos em Quebec.

Resolveu sair do Brasil por causa da opção pessoal e profissional. “Os dois estavam aliados

para me fazer mudar do Brasil”.

6-Daniel H., casado, 31 anos, geólogo, imigrou em 2012

Pela facilidade da profissão – é geólogo – tinha ideia de morar no exterior. A esposa viu o

processo de imigração e foi atrás para entrar com o processo.

Resolveu ir para Quebec pela facilidade do processo.

Pela internet ficou sabendo do processo migratório.

Foi a uma palestra em São Paulo.

Não foi apoiado por ninguém no processo.

Esposa tem prioridade no processo seletivo. Fez a simulação no site de Quebec.

Tinha um pouco de resistência porque tinha um emprego bom e ganhava bem.

A esposa que insistiu.

Quase dois anos o processo todo.

Está satisfeito com a mudança porque é um país tranquilo, diferente do que estava

acostumado. Acha que ficaria melhor quando tivesse mais segurança na língua.

“Fiquei um pouco chateado pelo processo de reconhecimento de diplomas. Eu achei que seria

uma coisa mais simples porque já que eles estão buscando profissionais qualificados eu achei

que ao chegar aqui o processo de reconhecimento do diploma seria um pouco mais rápido.

Mas, pelo que já pesquisei, demora um pouco mais do que a gente esperava. Acho que esse

para mim é o ponto mais chave. Não adianta nada eles falarem que é tudo prioritário, darem

velocidade ao nosso processo no Brasil e quando a gente chega aqui a gente tem que ficar três,

quatro, cinco meses esperando o reconhecimento do diploma. Acho que isso já poderia ser

feito durante o processo”.

Acha que vai ter mais acessibilidade a algumas coisas que no Brasil são mais difíceis.

Acha difícil a adaptação à língua francesa. Acredita quando passar isso as coisas devem ficar

mais fáceis. Ainda não tinha passado pelo primeiro inverno e acha que isso seria um desafio.

Acha que tinha uma vida no Brasil e acha que tem uma vida digna em Quebec.

No Brasil tem os amigos, trabalho, as pessoas falavam a mesma língua, etc. A grande

diferença é que em Quebec vive um processo de adaptação.

O que buscou mudar foi vivenciar uma cultura nova. Está mudando as coisa que gostaria aos

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   XXXIV  

poucos, sem muitos choques.

Em relação a dinheiro, ainda estava esperando revalidação de diploma para conseguir

trabalhar.

Relativizando os custos de vida, acha que em Quebec consegue fazer mais coisas.

“O acesso a produtos no supermercado, em lojas, é muito mais fácil. O poder de compra do

dólar aqui é maior que o do real no Brasil. Se eu comprar um casaco de inverno aqui vou

pagar um valor que no Brasil eu garanto que ia ser o dobro e mais um pouco devido aos

impostos. A carga tributária de lá ainda é maior que a daqui. O acesso a um carro aqui é mais

fácil que no Brasil”.

Renda familiar bruta 1500 dólares por mês para duas pessoas.

Se sentia respeitado no Brasil: “pelo fato de ter nível superior, emprego fixo, tem uma posição

de liderança em equipes, trabalhar em lugares não tão comuns à população brasileira – ou no

interior ou em cidades de médio porte onde por ter nível superior eu tinha uma posição de

liderança na estrutura – e na comunidade pelo fato de ser assalariado, ter profissão, coisas

bem de classe média. Eu não me sentia muito classe média. Pelo meu poder de compra, era

até um pouco maior lá”.

Se sente respeitado em Quebec. “Mesmo sendo imigrante e sem emprego”.

“Lá se eu fosse de uma minoria, de um nível social mais baixo, não teria o mesmo respeito

que acho. Mas, como lá eu era respeitado e aqui também, está na mesma linha”.

“Se cidadania é votar, eleger alguém, lá eu era mais cidadão. Aqui, como ainda não sou

cidadão canadense, não vejo essa pressão toda”.

Cidadania plena para ele é votar ou não votar. Ter o direito de acesso a educação, saúde,

segurança, emprego e alimentação.

Acha que tem uma vida digna em Quebec. “Mesmo tendo algumas coisas que são restritas a

mim [não poder participar da vida política], como residente permanente eu tenho acesso a

tudo que Quebec e o Canadá me oferecem. Até mais do que no Brasil: saúde educação,

segurança, acesso a emprego, acesso aos organismos do governo de apoio e auxílio – que

prestam serviços para você se adaptar – acho que você tem um pouco mais que no Brasil. A

mentalidade está um pouco mais evoluída nessa questão de dignidade da vida humana. Acho

que eles deram uns dois passo a mais que nós”.

Não lembra de ter sofrido preconceito no Brasil. “Acho que no Brasil quem mais sobre

preconceito infelizmente é aquela parcela da população ‘negro pobre’, ‘branco pobre’, sem

instrução, principalmente. Como consegui ter um nível de vida médio, acho que não sofri

desse problema”.

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XXXV  

Não tinha sofrido preconceito em Quebec e achava que não iria receber.

Não tinha feito ainda cursos de qualificação. Mas, pretendia fazer para conhecer o mercado de

trabalho para conhecer o mercado de trabalho.

Acha a política de imigração de Quebec um pouco benéfica para quem tem um nível de

educação mais elevado e quem quer mudar de pais. Acha ela interessante para o

fortalecimento da economia local.

Depois de encaminhar o documento, demorou quase um ano para imigrar.

É a favor de fechamento se for para manter a qualidade.

Ainda não sabe se pretende se naturalizar ou não. Não descarta se mudar para outros lugares

no Canadá, dependendo de oferta de trabalho. Não pretendia sair do Canadá.

Pretendia morar em Quebec para sempre se for possível.

Pretendia voltar para o Brasil para passar férias ou apenas em caso de uma crise econômica

muito grande que afete todo mundo e quem voltaria para o Brasil voltaria um pouco melhor.

Não se sente mais parte do mundo em Quebec.

Os pais ficaram no Brasil. Sem perspectiva deles virem morar no futuro, só visitar. Se

comunica com os pais no mínimo uma vez por semana.

Tem computador, acesso a internet banda larga, tem TV a cabo sem canal do Brasil.

Manter proximidade cultural com o Brasil é algo importante.

Nasceu em Santa Maria, morou em Porto Alegre, morou em Roraima, morou em Juiz de Fora,

retornou a Porto Alegre, mudou para Brasília, em Itabirito, voltou para Brasília e morou lá até

antes de mudar para Quebec.

Acha que para os brasileiros imigrar para Quebec é sinal de prestígio. “Para mim é só mais

um lugar que eu mudei. Para grande parcela da população, minha família, amigos [é prestígio].

Primeiro que para vir tem que ter coragem. Segundo porque brasileiro sair do país todo

mundo já fala, não importa o que ele vai fazer lá fora. Eu não vejo dessa forma”.

Quem custeou o projeto de imigração foi o próprio e a esposa.

Profissão no Brasil: geólogo.

No Canadá: busca trabalhar na mesma área.

Resolveu sair do Brasil pela qualidade de vida que o Canadá oferece. “Se eu tenho

oportunidade de trabalhar aqui [na minha área], o principal motivo é a qualidade de vida que

o Canadá oferece. Como a gente tem parentes em cidades grandes no Brasil, o que nos deixa

chateado é a violência, ter que ter cuidado todas as vezes quando chega em casa para não

sofrer sequestro relampado, você conhece várias pessoas que já sofreram, foram assaltadas,

vítimas de arma de fogo, educação muito cara para quem quer ter uma educação de qualidade

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– tem que gastar muito com colégio particular – ou ficar na rede pública e torcer para que dê

certo, ou tentar alguma coisa diferente – alguns amigos que eu tive entraram em colégio

militar e eu não precisei [por ser filho de militar] – em algumas cidades apenas do país. A

saúde pública é o caos, tem que pagar plano de saúde. Casa própria é acessível, mas nem tanto:

depende do lugar que você mora. Segurança, é só ligar o jornal que você fica cansado. No

Canadá eu acho que isso é um pouco diferente. Não que não tenha isso. Mas a taxa de

frequência desses eventos é extremamente menor do que no Brasil e isso para mim já eleva a

qualidade de vida do imigrante ao espaço”.

Imigrou em 2012.

7-Viviane I., casada, 28 anos, estatística, imigrou em 2012

Viu em uma revista semanal brasileira o anúncio sobre a imigração.

Escolheu imigrar para Quebec porque sempre quis morar fora. Procurou possibilidades

profissionais que seria boa para ela e o marido e achou em Quebec a imigração fácil.

Escolheu Quebec em detrimento do processo federal do Canadá porque achou o processo

mais simples, com menos exigências.

Foi a palestra do governo de Quebec no Brasil, mas diz que já estava abrindo o processo, não

foi o determinante.

Não conhecia pessoas em Quebec.

A preparação foi um pouco longa. Teve que estudar um pouco francês. A primeira parte – até

chamar para a entrevista – demorou seis meses.

A adaptação está sendo difícil, mas acha que seria difícil de qualquer forma.

“Tudo é um desafio: pegar um ônibus é um desafio, atender o telefone é um desafio. Mas, a

partir do momento em que você está predisposto para isso, não são coisas ruins. Cada etapa

que a gente vai passando que vai dando mais tranquilidade eu vejo como uma vitória. É difícil,

mas foi uma dificuldade que eu escolhi para mim e eu fico feliz cada vez que eu vejo que eu

venci uma dificuldade. É difícil, mas é gratificante ao mesmo tempo. Não falo que todos os

dias são rosas, mas não falo que eu não sabia. A gente sabe que é difícil”.

Está satisfeita com a mudança. “Eu vejo como etapas de vida. Eu planejo muito e das coisas

que eu tenho planejado vir para cá era um passo importante para poder prosseguir uma série

de coisas. Todo o tempo que eu passava no Brasil, apesar de eu estar adquirindo

conhecimento e tendo outras vivencias, não faziam parte do plano. Era um tempo em que eu

estava esperando. Vir para cá deu um start em outra fase da minha vida que eu estava

esperando muito chegar”.

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XXXVII  

Houve descompasso. Diz que tinha a expectativa de que conseguiria trabalho mais facilmente,

pois há muitos empregos disponíveis. Mas, o francês ainda não foi suficiente para se encaixar

em um emprego. Estão exigindo a equivalência de estudos, o que não depende dela. Alega

que demora entre três a seis meses e de acordo com a dependência do governo. “Então eu

passo muito tempo na berlinda sem ter uma certificação de que eu tenho ao menos o estudo

secundário. Mas, fazer o quê?”.

O que atraiu:

“O pessoal tem mais tempo para viver fora do trabalho. Você tem o trabalho. Mas, as horas de

trabalho são um pouco mais rígidas porque o pessoal realmente paga as horas extras e nem

todas as empresas gostam de ficar pagando horas extras para o empregado. Eu tenho certeza

que mesmo numa empresa privada eu vou ter que trabalhar até certo ponto, mas é da cultura

local você acabar sua hora de trabalho e ir buscar seu filho, ir praticar esporte, curtir o mundo

lá fora porque sua vida não é só trabalho, o que acaba sendo invertido no Brasil. Às vezes as

pessoas para crescerem profissionalmente precisam se dedicar muito ao trabalho e acabam

tendo tempo muito reduzido para outras coisas. Então essa vida um pouco mais equilibrada

entre trabalho e atividades do seu interesse fora do trabalho me atraiu bastante para cá”.

Acha difícil o bilinguismo. Ter que falar inglês e francês. Dificuldade de comunicação.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil. “Quando eu penso que tem pessoas vivendo

situações muito complicadas e eu jamais vou dizer que eu vivia uma situação ruim no Brasil.

Mas, o que eu vejo é que certas tranquilidades, a parte de violência no Brasil é muito forte.

Então você fica o tempo todo um pouco preocupado, você entra no carro olhando, essa parte

do dia a dia do ambiente com disparidade social é um pouco mais tenso do que aqui. Mas, eu

não falo que viver lá é menos digno do que aqui. Eu vejo alguns benefícios que eu tenho aqui.

Eu jamais vou dizer que eu tinha uma vida indigna no Brasil. É só certas situações que você

escolhe: vou viver mais tenso ou não. Vou ficar congelado ou não. Vou ter o sol sempre lindo

e a praia maravilhosa. Cada um escolhe a sua escala de prioridades”.

Acha que tem uma vida digna em Quebec. “Tudo tem prós e contras”. Já tinha no Brasil.

As diferenças da vida no Brasil e em Quebec.

“No Brasil eu via uma distinção de classe social mais evidente e aqui eu faço parte de um

todo. As pessoas que usam o transporte público [no Canadá] vai desde o diretor até o pessoal

que de cargos que exigem menos estudos. Em Brasília eu tinha meu próprio carro. Aqui é

escolha se eu quero ter carro ou não. Utilizar o transporte público no dia a dia é tranquilo.

Aqui sou imigrante, estudante, não estou inserida na sociedade ainda”.

Resolveu mudar o dia a dia, o cotidiano, ter um dia mais equilibrado, tranquilidade com a

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violência urbana. “Eu queria provar um pouquinho dessa sociedade mais igualitária, ver o que

muda na vida, se é tão bonitinho como as pessoas pintam, se realmente no hospital fazer parte

do plano público de saúde funciona ou não. No Brasil [eu] estou muito acostumada a reclamar.

Eu dizia que ‘o transporte público não funciona’. Aqui o transporte público funciona e vamos

ver se eu gosto de andar todo dia nele. Aqui a saúde pública funciona. Mas, será que eu vou

gostar de entrar na fila? Tudo faz parte de uma experiência de uma sociedade que as vezes eu

gostaria que o Brasil já tivesse”.

Acha que já conseguiu mudar.

Ainda não estava trabalhando. “Eu sei que os salários aqui são um poucos mais baixos que no

Brasil. Lá era tranquilo eu ganhar R$ 3 mil. Aqui eu vou ganhar CA$ 2 a CA$ 2,5 mil. Eu não

vou fazer conversão porque nos dois lugares eu estou gastando na moeda local. Mas, com

dois e pouco aqui eu vivo duzentas vezes melhor do que eu vivia com 3 mil no Brasil. Com

três mil em Brasília, eu não ia conseguir morar no Plano [Piloto], eu ia gastar com plano de

saúde, eu ia usar carro para me locomover porque o transporte público é muito ruim, o aluguel

é muito caro, comprar um imóvel é muito caro. Então eu tinha uma série de gastos que

comiam muito o meu dinheiro. Eu não teria uma via muito boa. Agora, aqui, com dois mil e

pouco você tem uma vida muito boa. O aluguel come bem menos do seu salario, os

apartamentos são melhores, as condições são melhores, carros são melhores e mais baratos.

De uma certa forma você tem acesso a muito mais coisas mesmo ganhando menos”. O poder

de compra maior.

Acha que em Quebec faz mais coisas. Pode mora melhor, ter um carro melhor, viajar mais, ter

acesso a produtos de qualidade por menor valor.

Renda familiar bruta em torno de CA$ 1,5 mil. “E está tranquilo. Está suficiente. A gente

garante transporte, passe livre pela cidade, tem comida, está pagando curso porque tem ajuda

do governo, milhares de ajudas que o Quebec dá”. Curso de francês durante cinco anos,

pagam teste de equivalência de francês internacional, centros de apoio ao imigrante – alguém

ajudando a arrumar emprego. O banco não cobra anuidade – o governo que paga.

Se sentia respeitada no Brasil nas relações pessoais. “É porque tem muitos aspectos [essa

pergunta]. Se você for ver todo o dinheiro que eu pago para o governo e é essa porcaria que

eu tenho de transporte público, de saúde pública, é um desrespeito. Você trabalha o dia inteiro,

meu chefe ainda me manda trabalhar à noite e eu não recebo, isso é um desrespeito. Mas, sei

lá, faz praticamente parte de uma cultura local. As pessoas acabam achando que isso não é

desrespeito. E eu acabo entrando nessa cultura local onde as pessoas trabalham mesmo mais

horas por dia e isso é normal, não é uma afronta, é cultural. Então, não acho que é um

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XXXIX  

desrespeito muito grande meu chefe pedir para eu ficar até mais tarde. Mas tem gente que

pode ser completamente contra isso e dizer que é um absurdo. São aspectos subjetivos. Eu me

sentia me desrespeitadas no Brasil? Não porque eu era tratada como quase mundo era tratado,

não tinha diferenciação quanto à minha pessoa. Agora, se aqui eu tenho mais respeito, se eu

for considerar esses aspectos, se alguém considera que meu tempo tem mais respeito, pagar

direito pelo meu tempo é ter mais respeito, O.K., eu tenho mais [respeito aqui]. Mas, não quer

dizer que as pessoas são mais alegres comigo no dia a dia. É uma cultura diferente”.

Se sentia respeitada em Quebec e no Brasil.

“Lá no Brasil o aborto é proibido. Aqui ele é aceito até para menor de 18 anos. Então se eu

sou uma mãe de uma menina de 16 anos e ela engravida ela pode ir lá fazer aborto sem nem

me falar. Eu posso considerar que isso é um desrespeito em relação a mim e minha família,

algo que no Brasil não é permitido de maneira alguma. Então, o que é respeito?”.

Sociedades organizadas de maneiras diferentes.

Se sente mais respeitada em Quebec por conta dos aspectos gerais, tem mais liberdade

individual.

Não se sente cidadã em Quebec, estava há apenas dois meses. Mas, também se questiona o

tipo de cidadania no Brasil de ir votar.

Já sofreu preconceito no Brasil. Por ser mulher, por ser jovem. Nada racial, mas, sim

preconceito de classe social. Mas, nada que tenha considerado marcante para a vida.

Já sofreu preconceito em Quebec. Relatava um certo preconceito com o imigrante, barreiras

culturais ligadas à seleção de emprego. “Na hora a pessoa decidir entre o imigrante e o

canadense ele vai pensar que é tudo farinha do mesmo saco? Não é. Existe sim um

preconceito na cabeça das pessoas em relação a facilidades e dificuldades que vão ter com

uma pessoa local e uma pessoa de outro país”.

Não tinha feito de curso de qualificação. Estava fazendo francização. Acha a comunicação

importante para se inserir no mercado de trabalho.

Acha que a mudança da política de imigração não é muito agradável. Começaram a receber

muitas pessoa sem a comunicação que eles exigem no dia a dia o que deixou as pessoas no

limbo, carregou o sistema, gastou muito com um imigrante que ficou desestimulado, com

problemas de comunicação.

“Toda essa fase de reorganização é um pouco nebulosa para quem está esperando. Tenho

amigos da internet no Brasil que um processo que deveria estar demorando no máximo dois

anos já está estagnado há três e sem expectativa de mudança. Quando você planeja mudar de

país você já faz uma poupança, você estuda todo dia a língua, você faz toda uma organização

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   XL  

que muda muito o seu dia a dia, você já não viaja para não gastar. Então são alguns estresse

que você acha que vai ter fim em um ano, dois anos, e acaba de prolongando indefinidamente

por causa dessa fase se mudança de processo. Tem muita gente com capacidade e boa que já

está desistindo e tem muita gente que já está vindo muito desestimulado porque foi um parto

chegar aqui. E chegar aqui é só o início de uma série de provações que a pessoa tem que

passar. Então se você pede para a pessoa ter muitas provações, muita paciência ainda no país

de origem para depois chegar aqui e ter mais um ano de paciência ainda, não sei se eles não

estão às vezes até pedindo demais. Porque, teoricamente, a bandeira que eles pintam é ‘nós

precisamos de vocês’. Mas, poxa, a que custo? Eles estão tendo que reestruturar, mas o

processo não está claro e isso está desgastando as pessoas”.

Desde que começou o processo, demorou um ano e meio.

Acha uma falta de respeito esse fechamento sem clareza. Mas, entende que o processo precisa

ser melhorado para Quebec.

Pretende virar cidadã canadense. Porque se quiser voltar para o Brasil garante o livre acesso

aos dois países. Diz que não sabe o dia de amanhã. “Por alguma razão se eu tiver que voltar

para o Brasil para passar dois anos e depois voltar para o Canadá, eu não quero passar por

todo o processo de imigração de novo. Ser imigrante é viver dividido. De uma certa forma

você sempre vai estar entre os dois lugares”.

Não pretendia sair de Quebec. Mas, não descartava uma mudança se fosse por melhorias

profissionais. Não pensava em sair do Canadá.

Gostaria de morar em Quebec para sempre, mas entende que estava lá há apenas dois meses.

Pensa em voltar para o Brasil como possibilidade, mas achava difícil por conta das

expectativas que possuía.

Se sente mais parte do mundo em Quebec que no Brasil.

Os pais ficaram no Brasil. Não vão imigrar. Fala com internet. Com os pais. Se comunica toda

semana.

Tem computador em casa com acesso a internet banda largo. Tem TV a cabo, sem canal do

Brasil.

Acha importante manter proximidade cultural com o Brasil.

De Brasília e morava lá a vida inteira até antes de vir para Quebec.

Estar em Quebec não é prestígio, é realização pessoal. Acha que as pessoas do Brasil acham

chique lavar louça no exterior.

Quem custeou o projeto de imigração foi o casal.

Sabe que se tiver dificuldade tem uma família que vai ajudar para voltar, para pagar a

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XLI  

passagem de volta.

Estava procurando emprego na área e já tinha entrevista de emprego.

Por que resolveu sair de Brasil:

“Qualidade de vida. No Brasil eu sou um alvo”. “Sou de uma classe social um pouco mais

alta, classe média alta, que tem condições de pagar escola particular para os filhos, que os

filhos tem condições de ser carro. Então isso me torna um alvo. Malandro olha para mim e

pensa: ‘ah, uma menina frágil com um carro. Vou lá roubar ela’. De uma certa forma, eu me

sinto que não sou tão rica que consigo comprar minha dignidade. Você tem que pagar muito

no Brasil para conseguir coisas que são meio básicas aqui. Vir para cá foi para ver se eu

consigo ter naturalmente uma vida mais tranquila sem ter que pagar muito por isso”.

Imigrou em 2012.

Profissão no Brasil: estatística

Profissão no Canadá: desempregada

8-Gisele A., união civil, 29 anos, relações públicas, imigrou em 2011

A faculdade tinha um projeto de intercâmbio no Canadá. Veio fazer intercâmbio e conheceu.

Em 2006 passou a ser supervisora do projeto de intercâmbio na faculdade onde se formou

durante três anos.

Se apaixonou por uma pessoa de Quebec. Está há cinco anos com essa pessoa.

Sentaram e avaliaram. A pessoa que ela conheceu não era formada, alegou dificuldades para

arrumar um emprego no Brasil, a insegurança pública, ele não falava tão bem português e ela

já fala bem inglês e francês. Diz que o motivo pelo qual imigrou foi por amor.

Conheceu uma amiga que tinha imigrado e daí ela começou a se informar sobre o processo de

imigração para o Canadá.

Foi em palestras do governo de Quebec no Brasil.

Imigrou como trabalhadora qualificada. Não foi casando. Achou que seria a porta mais fácil.

Casando ela perderia direito à francização, ficaria dependente do marido, ele que teria que

pagar os estudos, não teria direito a bolsa ou empréstimo, etc. Se não desse certo, casaria –

seria uma segunda alternativa.

Conhecia o marido e outras pessoas.

Imigrou sem planejar muito o processo. Deixou um trabalho que gostava. Se organizou para

ter dinheiro para ficar seis meses sem trabalhar se não arrumasse trabalho.

Preparou a família que os deixaria.

Já conhecia o lugar, já sabia para onde ir, já tinha amigos no local, o marido já sabia o que ela

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deveria fazer. A única coisa que planejou foi o dinheiro que trouxe.

Pensou que iria ser mais fácil a adaptação. Diz que tem dificuldade de se sentir parte da

cultura, do lugar. Mas, no geral, adaptação básica de comida, inverno e francês foi tranquilo.

Sente a falta de viver um ambiente de língua portuguesa.

Dificuldade de conhecer pessoas. Os amigos são fruto da relação amorosa. A não ser no

trabalho que alega ter conhecidos.

Apesar de tudo, diz estar satisfeita com a mudança. Está numa fase de dificuldade por conta

da dificuldade de adaptação a uma vida em francês. Mas, está bem. Não acha que a vida é

difícil.

Acha que houve descompasso. Achava que o francês que sabia antes seria suficiente. Acha

que menosprezou um pouco a dinâmica do processo de adaptação e da sociedade.

“A língua é uma barreira. Não sei até que certo ponto, mas ela é para desenvolver algo mais

próximo da minha profissão em que eu me sinta mais valorizada”.

Acha que a sociedade de Quebec não é muito quadrada, ela é mais flexível na legislação

trabalhista e ela gosta disso. “Com isso, eu ganhei em qualidade de vida que antes eu não

tinha. Antes eu trabalhava de segunda a sexta-feira, das 8h às 19h, chegava em casa podre e

não queria fazer outra coisa. Aqui eu trabalho, consigo estudar e tenho espaço livre para

algum hobby – posso ir na academia – que era uma coisa que eu não tinha no Brasil. Se você

me perguntar se é desorganização da minha parte ou se porque é desse jeito, eu não sei. Mas,

eu gosto dessa fórmula de vida. E a questão da segurança que eu não sei até que ponto é

fictício. Porque segurança ou falta de segurança você também vai sentir em outro lugar. Aqui

em Montreal também tem roubo e outras coisas que no Brasil e em qualquer lugar do mundo

vai ter, mas eu tenho uma segurança maior aqui. Quando caminho na rua de noite eu me sinto

mais segura. Acho que isso é uma vantagem também. O que me atraiu bastante foi a

qualidade devida: poder trabalhar menos e viver mais. Acho que no Brasil a gente não tem –

no meu caso, eu não tinha. Talvez outras pessoas tenham”.

Acha difícil a adaptação a uma nova língua. Os imigrantes quando vão procurar emprego

precisam passar por teste de francês que um quebequense não precisa. “Apesar de eu achar

que eles são abertos, eles tem uma certa descriminação. O processo de imigração tem várias

falhas. Por exemplo, eles imigram trabalhadores qualificados. Mas, no real, na hora de

trabalhar, essa qualificação tem que passar por uma série de outras qualificações para ser

considerada qualificada para o mercado de trabalho de Quebec. Então isso é a coisa que eu

menos gosto. Eu esperava quando saí do Brasil conseguir um trabalho no mesmo nível – eu

não digo financeiro – de valorização que eu tinha no Brasil. Eu não falo de ser chefe. Eu falo

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XLIII  

de me sentir valorizada no trabalho”.

Incorporou a qualidade de vida no tempo livre. “A bicicleta foi uma descoberta para mim. No

Brasil, se você tem essa possibilidade, você tem n fatores que acabem te desencorajando a

fazer. E eu acho que a gente tem uma pressão social muito grande no Brasil. No caso, ser

mulher, ser bonita, ser uma boa mãe de família, ser uma boa profissional, uma mulher

apaixonada, zelosa, que aqui eu não sinto. Não vejo que as mulheres tenham essa pressão.

Então eu tentei desacelerar um pouco essa forma de pensar. Eu me lembro das minhas

experiência no Brasil que era assim: eu tenho que ganhar dinheiro, eu tenho que ter um carro,

eu tenho que ter isso, tenho que fazer aqui, que aqui eu não quero ter, não quero ter essa

pressão de ter que, de ter que ser, de ter que ter. Apesar daqui as pessoas consumirem mais, eu

não acho que as pessoas [aqui] olhem para ti e ‘por você não ter um IPhone você não é

interessante’. Talvez eu esteja enganada, talvez seja o círculo [social] que eu vivo”.

Aquilo que eu vim buscar, a qualidade de vida, é o que está tentando encontrar.

Está tentando aproveitar para conhecer culturas diferentes, pessoas do mundo inteiro que ela

não tinha a experiência no Brasil.

Acha que tinha mudado, mas não tudo que gostaria.

Fazia um ano e meio que morava no Canadá.

“A imigração é um processo de perda interior também”. Tem a sensação de estar perdida.

Acha que tem relação com a falta de planejamento do processo.

Não pensou em fazer reavaliação da carreira profissional antes de imigrar. Demoraria quatro

anos a seis anos para conseguir um diploma da formação do Brasil.

Ainda não conseguiu mudar os aspectos que gostaria de mudar.

Acha que tem uma vida melhor em Quebec.

Não faz um trabalho intelectual, faz um trabalho mais físico. Ganha a mesma coisa que no

Brasil. Colocando os benefícios sociais, ganhava mais no Brasil.

No Brasil, era relações públicas.

Em Quebec, trabalhava como vendedora numa frutearia.

Leva o mesmo patrão de vida.

No Brasil andava de carro. Em Montreal, anda à pé, de metrô, de bicicleta.

Acha que existem muitas atividades culturais gratuitas, mas não sabe se faz mais coisas ou

menos coisas.

Renda familiar bruta de aproximadamente 40 mil dólares por ano para duas pessoas.

Diz que o salario está bom.

Se sentia respeitada no Brasil – em círculos próprios: trabalho, família, sempre se sentiu

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   XLIV  

respeitada, mesmo com as leis brasileiras, pois a justiça até pode ser lenta, mas existe para

quem quer fazer valer seus direitos.

Se sente desrespeitada como cidadã, com a política.

Se sente respeitada em Quebec.

Se sente respeitada em Quebec e no Brasil igual.

Sente que tem um estilo de vida igual. Investe em outras coisas.

Sente que o valor que ganha está bom para ela e o marido. Consegue viajar, sair para comer

fora, mora em um apartamento com o marido.

Se sentia mais participativa como cidadã no Brasil e acha que tem relação com a língua.

Participada do orçamento participativo, lia jornal, etc. Em Quebec, não participa, não sabe se

tem. Não vê televisão, não lê jornal, etc. Agora, começa a perceber que tem que se envolver

no que acontece em Quebec na política, na economia, para exercer melhor a cidadania. Acha

que no Brasil era mais cidadã porque era mais participativa.

Cidadania plena é saber, conhecer seus direitos e exercê-los. Saber o que está acontecendo,

porque está acontecendo – na política, por exemplo – respeitar os outros, ter conhecimento de

tudo de que tem direito – acha que no Brasil não tinha muito também. Acha que cidadania é

saber o que deve fazer e o que tem direito de fazer e ter.

“Se eu não tivesse me apaixonado, eu não sei se eu teria imigrado mesmo. Eu venho de uma

família estruturada. Eu tenho pai, mãe, duas irmãs, classe média alta, sempre tive

possibilidades de estudar em boas escolas. Eu falo inglês desde muito cedo, depois francês.

Eu sempre tive muitas possibilidades. Então eu me considero uma pessoa que tem muita sorte

de ter tido as possibilidades que eu tive, que meus pai me deram. Eu nunca tive dificuldade de

arrumar trabalho. Minha vida sempre foi digna nesse sentido, eu sempre tive possibilidades de

escolher o que eu quero fazer, de ser o que eu gostaria de ser, inclusive a possibilidade de

imigrar – não são todas as pessoas que possuem essa possibilidade também. Digno para mim

é isso: ter possibilidades”.

Acha que tem uma vida digna em Quebec, pois ainda tem poder decisório. “Tem um pouco

essa coisa que o imigrante é um pouco escanteado, velado, que as pessoa não levam muito a

sério e eu não sei se é uma forma de preconceito ou só um jeito de levar essa situação, se eles

[os canadenses] se sentem ameaçados ou não. Eu que sim [eles se sentem ameaçado]”.

Aqui as pessoas tem possibilidade de estudar, por exemplo, até mais que no Brasil. Aqui se tu

nasce em uma família um pouco mais desfavorecida não quer dizer que toda sua vida você vai

passar nesse meio. E no Brasil acha que é mais difícil. Quando nasce em uma família com

menos condições financeiras a possibilidade de viver nessa classe social é maior. Acha que

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XLV  

em Quebec não é assim. Acha que leva uma vida digna em Quebec.

Acha que vem de uma família super protetora. EM Quebec, perdeu essa família por opção,

está tentando se desvincular dessa situação. Foi estudar em Porto Alegre e os pais compraram

um apartamento para ela ir morar com a irmã.

Não lembra de ter sofrido preconceito no Brasil, nada direto. Talvez um pouco mais com a

questão de ser mulher, com as pessoas acharem que é frágil.

“Eu tive uma única situação que para mim me soou um pouco como isso [preconceito]. A

pessoa falou: ‘ah, tu é imigrante, tu não entende, vou te explicar então’. Tem isso e eu estou

começando a pensar também sobre: ‘ah, tu tem um sotaque diferente, interessante, da onde

você vem?’. O que isso quer dizer? Por que essa pessoa precisa remarcar que eu tenho

sotaque quando falo francês? Porque ela quer dizer que eu sou diferente? Que eu não sou

francófona? Ou ela quer engatar uma conversa? Ou ela quer mesmo dizer que é charmoso o

jeito que eu falo francês? Em geral, não é negativo. Mas, por que eles tem necessidade de

marcar isso? Eles poderiam falar outra coisa como: ‘você vende bem isso’. Para puxar um

assunto, tem ‘n’ coisas. Por que utilizam esse pretexto? Para mim, as duas coisas que me

acontecem seguido: por exemplo, ‘tu é imigrante, deixa que eu vou fazer, deixa que eu

escrevo; ou ‘ah, tu não entende isso, não vou te explicar porque tu não vai entender’”.

Estava fazendo um certificado de francês escrito para não francófonos com duração de um

ano e meio. Diz que tem muita dificuldade para escrever. Consegue se expressar bem falando,

mas não escrevendo. Espera que após o curso isso vai lhe ajudar a se inserir no mercado de

trabalho. Tem certeza que vai ajudar a encontrar um emprego.

Acha que a política de imigração de Quebec é um processo rápido e que não é tão caro. “Mas,

tem várias falhas nesse processo. Por exemplo, eles deixam várias pessoas que não falam

francês vir e daí quando chega aqui eles exigem um nível de francês super avançado. Ou seu

diploma, eles dizem nas palestras, ‘precisa de enfermeiras, muitas enfermeiras na cidade de

Sherbrooke’. Aí quando tu chega lá, não é muito bem assim. Você tem que fazer dois, três,

quatro anos de estudos para poder exercer a profissão de enfermagem. Tem algumas coisas

entre o dizer e a realidade que não é real. Eles chamam a imigração de trabalhador qualificado

que vai trabalhar vendendo cachorro quente. Não menosprezando quem vende cachorro

quente. Mas, qual é a vantagem de chamar o processo de imigração de ‘trabalhador

qualificado’ se essa pessoa não é qualificada para trabalhar no mercado de trabalho de

Quebec”.

O pessoal de TI não precisa fazer aperfeiçoamento e a maioria trabalha em inglês.

Saúde, educação, não tem relação com o processo. No processo, eles não dizem que você vai

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   XLVI  

imigrar e vai ter mais coisas porque é imigrante. Imigra e fica três meses sem seguro saúde até

o cartão vir.

Um ano e meio o tempo do início até o fim.

Acha que a porta foi fechada para proteger a língua francesa. Acha isso triste, se for isso.

Nada justifica a impossibilidade de vir.

Acha que deveriam aceitar imigrantes com um bom nível de francês para proteger a língua.

Quer virar cidadã canadense porque é um processo natural da imigração. A única diferença é

que vai poder votar.

A vantagem de poder entrar nos Estados Unidos sem precisar de visto.

Gera mais possibilidade de exercer seus direitos.

Instrumentalização.

Não tem intenção de voltar a morar no Brasil, gosta de Quebec.

Não pretende sair de Quebec.

Morou em Terra Neuve, no Canadá. Acha que as pessoas são mais fechadas em outros lugares.

Acha que em Quebec as pessoas são mais abertas, talvez por se sentirem oprimidos pelos

ingleses. Comida e músicas, acha parecido com o Brasil. Querer que a música sobreviva, tem

relação com o Rio Grande do Sul. Pensa em ir morar em cidades menores.

Pretende morar em Quebec para sempre. A única possibilidade de voltar para o Brasil seria

uma proposta irrecusável de trabalho não só financeiramente, mas um desafio profissional. “A

única coisa que eu sinto muita falta é dos meus amigos. Todo o resto – comida, jeito, etc – eu

não sinto. Mesmo que eu me separe eu ficaria aqui”.

Não pretende voltar para o Brasil.

Tem a possibilidade de viver a multiculturalidade que acha que não tinha em Porto Alegre.

Pelo contato com pessoas do mundo inteiro, acha que sim. Por outro aspecto de acesso a

informação, não”.

Não tem filhos. A Família ficou no Brasil e não tem perspectiva de ir para Quebec no futuro.

Fala com a família pela internet todos os dias. Via internet e também por telefone. Tem

computador em casa com acesso a internet banda larga. Tem TV a cabo sem canal do Brasil.

Manter proximidade cultural com o Brasil é um esforço que ela faz. Gosta de participar.

Imigrou em 2011.

De Porto Alegre. Antes de imigrar, morava em POA. Nasceu em uma cidade do interior do

RS e depois o pai, militar, foi transferido para MG. Depois, morou dois anos em BSB.

Chegou em POA em 2000.

Acha que os outros enxergam imigrar para Quebec como prestígio no Brasil. “Como tu é

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XLVII  

chique, tu mora no exterior”. Não acha que tem uma vida glamorosa. “Mas acho que as

pessoas veem como algo prestigioso”.

Quem custeou o projeto de imigração foi ela mesma.

Trabalha na economia formal.

No Brasil, era Relações Públicas.

Em Quebec, era estudante e fazia trabalho de tradução sem vínculos empregatícios e

trabalhava como vendedora como caixa em uma frutearia.

Resolveu sair do Brasil porque se apaixonou. “Só por isso”.

9-Luciana I., casada, 34 anos, psicóloga, imigrou em 2010

Chegou em Montreal pela primeira vez porque começou a namorar uma pessoa que morava

em Montreal.

Escolheu imigrar para Quebec quando estava repensando algumas coisas. Estava em um

trabalho em que não se sentia satisfeita. Que tipo de carreira, que qualidade de vida que

gostaria de ter.

Estava pensando em tomar uma direção nova. Começou o relacionamento e o namorado

morava em Quebec. Nas féria que tinha, ia visitar o namorado em Montreal, estudava francês.

Gostou muito da cidade, das pessoas, etc.

A decisão de ir para Quebec não era ainda de ir morar em Quebec com a imigração. Foi em

junho de 2010 para ver se gostava e a partir daí pedir a imigração.

Decidiu se casar e se casou em novembro de 2010. Em 2011 pediu a imigração. Só recebeu a

residência permanente em agosto de 2012. Nesse período, ficou como visitante e legalmente

não poderia trabalhar. Fez trabalhos voluntários. Poderia ter pedido do Brasil, nem precisaria

ficar dependente.

Todo o processo foi complexo. Fez desse jeito porque gostaria de ter certeza se gostaria de

ficar em Montreal alguns anos. Mas, tem o sonho de constituir família no Brasil. Acha que o

caso dela é diferente da maioria de pessoas brasileiras que conheceu em Quebec.

“Eu acabei decidindo mesmo vir morar aqui por dois motivos: um, porque realmente eu

estava em um momento da minha vida em São Paulo que eu não estava satisfeita

principalmente com o trabalho, mas eu acho que também com o estilo de vida em geral, eu

estava precisando ter uma experiência diferente, dar uma reviravolta porque até então a forma

como eu levava a minha vida eu achava muito certinha, muito numa zona de conforto que por

um lado era bom, mas por outro eu estava me sentindo limitada – e aí quando eu decidir vir

para cá foi porque eu estava achando que aqui eu poderia descobrir coisas e ter experiências

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   XLVIII  

diferentes que iam me fazer crescer, amadurecer, e eu acho que estou encontrando isso

mesmo; e também porque eu me apaixonei e naquele momento a gente pensou e conversou e

viu que apesar dele gostar muito do Brasil e ter vontade de um dia morar no Brasil naquele

momento específico não daria para acontecer isso. Ele precisaria ficar aqui mais alguns anos

para concretizar trabalhos. Ele é músico então ele está em um momento da carreira que seria

uma pena largar tudo para ir para o Brasil. Eu concordei com ele e eu vim para cá apoiar ele e

buscar isso que eu já estava querendo”.

Ficou sabendo da possibilidade de imigrar para Quebec através do marido, que é imigrante

francês, mas não é naturalizado ainda. O marido vai pedir a cidadania porque possuem planos

de morar no Brasil e eles acham importante. Através de uma amiga de São Paulo que já tinha

imigrado para Quebec que explicou todo o processo, como funcionava administrativamente,

burocraticamente financeiramente, etc. Não achou o processo nada simples na primeira vez

que ficou sabendo o que precisaria, achou complicado. Antes disso, nunca tinha ido pesquisar

na internet, site, ido a palestras.

Não foi em palestra do governo de Quebec no Brasil. Conhecia o marido e a amiga.

Dentro da categoria e apadrinhamento, tem que apresentar um dossiê comprovando que o

relacionamento é verdadeiro, comprovando que não havia passagem pela polícia, exames

médicos. O cerne do pedido de imigração foi o relacionamento, provar que o relacionamento

era sólido.

Acha que foi difícil a adaptação, apesar de já conhecer Montreal antes. A parte mais difícil foi

a distância da família. O idioma também foi uma dificuldade de adaptação.

Já fez cursos, está trabalhando com cinema e fotografia, área que diz que está se sentindo

melhor.

Tem um grupo de amigas brasileiras.

Durante um bom tempo, diz que viveu uma espécie de mini-Brasil em Quebec.

Está satisfeita com a mudança. Trabalhou bastante e passou por momentos que julga que não

foram agradáveis. Está satisfeita com o relacionamento com o marido. Ainda sente falta da

família, mas acha que foi um aprendizado a todos aprenderem a se relacionar com a distância.

Acha que também está se entendendo melhor as pessoas em Quebec.

Houve descompasso entre expectativa e realidade. O contexto que foi criada no Brasil, tinha

uma imagem de América do norte. “Talvez no Brasil em geral a gente tem uma imagem de

ame rica do norte, de país de primeiro mundo como se não tivesse problema nenhum, como

tudo fosse perfeito. Apesar de eu não ter procurado e pesquisado antes como era o contexto da

imigração, depois, no decorrer do processo, conforme eu fui vendo os sites, tudo o que

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XLIX  

aparece na mídia é muito vendendo uma imagem para te seduzir, te fazer sentir que a sua

‘salvação’ está aqui. E a realidade não é assim. Na prática, tem vários momentos que você se

sente quase como se você estivesse atrapalhando, como se a pessoas não tivessem muita

paciência para te explicar as coisas, para te acolher. Uma coisa que eu fiquei muito chocada

aqui também foi o sistema de saúde que eu imaginava... eu não aceito, eu não me conformo

que para você passar pela saúde pública, para passar por uma consulta de prevenção, de rotina,

você tem que esperar meses. Isso eu já conheço no meu país e eu achava que ia encontrar

diferente, ia encontrar melhor principalmente porque a população, o número, é bem menor, é

uma cidade comparado com São Paulo tem bem menos habitantes. Então eu achava que o

governo tinha obrigação de fornecer uma qualidade de um nível melhor. Mas, várias me

falaram: ‘ah, mas é de graça. Nos Estados Unidos, por exemplo, não existe saúde pública de

graça’. Tá, tudo bem, é de graça. Mas, porque então é de graça, tudo bem demorar seis meses

para marcar uma consulta? Eu não aceito isso”.

O curso universitário não é gratuito, apesar de no Brasil não ter acesso para todo mundo.

“Para mim, o que foi difícil, o que eu sofri bastante, foi o tratamento que os órgãos públicos

dão para quem está passando por todo o processo de imigração. São várias etapas e às vezes

você não entende o que precisa entregar, para onde precisa ir, o que precisa pagar. Cada vez

que você vai tentar se informar de alguma coisa o jeito que as pessoas falam com você é

muito parecido com a imagem que a gente tem de órgãos públicos no Brasil, que a pessoas

são muito frias, muito duras, tratam você como se você tivesse obrigação de saber, uma

situação de humilhação mesmo, principalmente na fronteira. Mesmo eu já estando no

processo de imigração, ter todas as provas, eu saí do país algumas vezes para ir para o Brasil e

para ir para outro país que eu fui e cada vez que eu voltava era uma tortura psicológica

terrível. Eles falavam para mim: ‘ah, você está de uma certa forma abusando porque se você

está pedindo a imigração o certo é você ficar dentro do país até o seu processo finalizar e sair

a sua residência permanente’. Eu não aceitava muito. Eu achava que eu tinha o direito e eles

não poderiam me podar desse direito. Legalmente estava tudo certo. Mas, sempre tem esse

tratamento partindo do princípio que você está querendo fazer uma coisa ruim ao invés de

querer fazer você se sentir bem para ficar, você sentir que aqui é o seu país”.

Já ficou horas esperando atendimento em fila de hospital em pronto socorro.

O que atraiu é que encontra pessoas do mundo inteiro. Mesmo sabendo que existiam pessoas

do mundo inteiro em São Paulo, vivia integrada com os brasileiros e principalmente imersa na

cultura de São Paulo – a qual ela julga ser diferente de outros estados. Entrar em contato com

pessoas do mundo inteiro. São imigrantes chegando a cada momento. Mora em um bairro

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   L  

bastante diversificado.

O incentivo para artes e cultura é muito mais acessível e democrático ao que tinha

experimentado em São Paulo.

Se sentiu mais inspirada a mudar a área de trabalho em Quebec, encontrou muitos incentivos.

Mas, pensando na questão financeira, não é mil maravilhas porque tudo é pago e às vezes

mais caro que no Brasil.

Está começando a ter trabalhos como autônoma e está se sentindo diferente. Estava buscando

uma trabalho com salario. Ainda faltavam etapas.

Acha difícil o inverno: frio e ausência de luz.

Para mudar, resolveu estar mais aberta para pessoas diferentes – em relação a muçulmanos,

pessoas de outros países, do continente africano, foi percebendo coisas que era ignorante não

conhecer coisas que achava que não tinha relação com a vida dela e hoje interage mais de

outros lugares.

Acha que conseguiu mudar o que buscou, já mudou bastante, ainda fica impactada com

algumas coisas, mas tem mais habilidade e rever as coisas. Sente que está mais flexível.

Em relação a dinheiro, não ganha mais que no Brasil. “Pode ter pessoas que vão olhar para

essa questão e dizer: ‘nossa, não tem lógica isso que você fez’. Porque justamente no Brasil

eu estava em um momento em que eu estava em um trabalho estável, eu era funcionária

pública, então eu tinha um salario que em termos de concurso público para psicólogo era um

dos mais altos, só que não só eu não eu estava satisfeita como eu senti que estava me fazendo

mal”.

Ficou três anos no trabalho. Quando decidiu sair, achou difícil porque era um trabalho estável.

Diz que teve o apoio da família para tomar a decisão, que os pais têm condições financeiras

de ajudá-la a ter a escolha de sair do trabalho.

Viver um tempo com o suporte financeiro do marido e dos pais. No momento da entrevista,

falou que estava começando a ter retorno financeiro fruto do próprio trabalho, mas ainda

pequeno. Mas, tinha a perspectiva de que é possível ter um retorno financeiro bom em

Quebec, mas sabe que leva um tempo.

“Então, não foi por causa de dinheiro que eu vim para cá”.

Vivia uma situação privilegiada que permitiu um recomeço profissional. Diz que no começo

se sentia quase uma adolescente que não podia fazer quase nada.

Diz que faz menos coisas em Quebec. Mas, diz que o lado bom que dependendo da época do

ano em Quebec há muita atividade de lazer e cultura gratuito. Mas, diz que viaja menos. Mas,

diz que não acha que vai ser assim para sempre. “E se for para ser, eu acho que eu não ficaria”.

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LI  

Renda familiar bruta e 2500 dólares por mês para sustentar duas pessoas.

Se sentia respeitada no Brasil, ela e todas as irmãs conseguiram fazer faculdade, tinha uma

condição classe média de vida que os pais alçaram com muito trabalho para chegar nesse

status. Questão de valores, ética, sentia isso no Brasil.

“Lá o que eu me sentia valorizada, respeitada, aqui no início foi uma coisa que no começo

tinha. Mas, era muito pequeno comparado. Onde eu me sentia valorizada? Em casa e nesse

grupo de amigas [brasileiras] pequeno. E para o resto eu não era ninguém. Ao contrário, eu

era alguém que estava trazendo uma ameaça para o país. Era essa a visão social que eu tinha”.

Diz que agora se sente respeitada em Quebec.

Se sente respeitada igual em Quebec e no Brasil.

Diz que nunca se sentiu menos respeitada no Brasil. Mas, em Quebec, diz que se sentiu

desrespeitada como nunca na vida.

Se sentia mais cidadã no Brasil. Porque relaciona o sentimento de cidadania com se sentir em

casa, pertencer a algum lugar, ter um controle sobre o modo de vida, sabe onde ir quando

precisa reivindicar alguma coisa, mesmo que não alcance, mas você sabe as estratégias, sabe

como se comportar. Diz que agora está começando a sentir mais isso em Quebec. Conforme

vai se sentindo mais integrada em Quebec se sente desintegrada no Brasil.

Cidadania plena é se sentir em casa, sentir que um lugar te pertence e você pertence a aquele

lugar.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil. “Depois que eu vim para cá que eu comecei a me

dar conta de como eu tinha uma condição privilegiada lá que eu talvez não dava tanto valor:

ter uma família que me amava, ter uma casa boa, ter uma vida no meu bairro em paz,

tranquila... tem vários problemas, tem a violência, o tráfico, uma certa guerra social, tem...

mas, eu sinto que tinha uma certa vida privilegiada porque eu não estava no meio disso,

sofrendo isso todos os dias como tem pessoas que vem para cá por causa disso, porque

estavam vivendo no meio da guerra literalmente”.

Relato de dificuldades de entender os rótulos no mercado que pode parecer algo simples, mas,

que a faziam sofrer.

Acha que tem uma vida digna em Quebec.

“A gente tem privilégios de ter, comprar... a gente vive numa sociedade que é assim e eu

gosto disso de ter coisas, conforto. A gente pode sair no final de semana, ter lazer... male má,

tem o direito a ter saúde, tem o direito a ter educação, e tem políticas financeiras do governo

para ajudar as pessoas a pagarem os estudos, enfim...”.

Se sente mais madura com a distância da família no Brasil.

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A maior diferença é que estava estudando, não estava trabalhando, e o padrão de vida que

mudou um pouco. Não pode fazer tudo que gostaria, mas tem isso como um norte que pode

alcançar. Não se sente sofrendo.

Acha que se sofreu no Brasil foi muito sutil e velado. Acha que chegou a sofrer preconceito

por não ter cabelo liso.

Acha que já sofreu um preconceito não explícito em Quebec por não ser residente permanente.

Já ouviu relatos de pessoas que sofreram preconceito. Que não é igual a propaganda, que

existe preconceito também.

Fez curso de formação de pequena duração – três meses, um mês, etc.

O curso de francês fez módulos de três meses e fez um cinco módulos. Concluiu os cursos.

Acha que depois dos cursos isso ajudou a se inserir no mercado de trabalho.

Acha que a política de imigração é um pouco perversa. “É vender uma coisa e fazer você se

sentir numa situação de humilhação durante o processo. Eu sempre penso na parte psicológica

da história e nessa parte é muito difícil. Muitas pessoas vem para cá já ocupando uma posição,

tendo um percurso, chegam aqui e tem que começar de novo, ir para trás para depois chegar

no ponto que quer. Eu acho complicado. Não sei o que precisaria ser feito para mudar, se teria

como melhorar... mas, eu gostaria que mudasse, que fosse mais humano e respeitasse mais as

qualificações das pessoas os percursos. Mas, dependendo da área – tecnologia, por exemplo –

a maioria das pessoas que eu conheço que vieram para cá trabalhar já chegam aqui em uma

outra posição: não tem que voltar para trás, às vezes nem falam o francês – coisas que eles [o

governo de Quebec] exigem muito”.

Demorou 19 meses para sair a receber a residência permanente.

É contra o fechamento. Assume que talvez deveria se informar mais. “Mas, pelo pouco que eu

sei, eu acho arrogante, hipocrisia, porque os imigrantes têm trazido muita riqueza para cá –

cultural, econômica, de mão de obra, social – aumentar exigências ou fechar, sendo que o país

precisa do imigrante, acho arrogante ter essa atitude e prejudicar pessoas que poderiam se

beneficiar. Tem muitas pessoas que vêm para cá porque estão em uma situação muito difícil e

vir para cá traz muitos benefícios. Pensando nessas pessoas, é uma postura hipócrita de não

reconhecer o benefício que essas pessoas trazem para cá”.

Pretende virar cidadão. Mesmo querendo morar no Brasil, quer preservar a possibilidade de

voltar para o Canadá sempre que quiser sem precisar passar novamente pelo estres do

processo burocrático.

Não quer perder os laços que vem criando no Canadá profissionalmente.

Não pretende em morar em Quebec para sempre e pensa em voltar para o Brasil.

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LIII  

Em Quebec se sente mais parte do mundo que no Brasil pelo intercâmbio com pessoas de

outros lugares do mundo.

Sente que quando voltar a morar no Brasil vai se relacionar diferentemente com pessoas de

outros países.

Os pais ficaram no Brasil e não vão morar em Quebec no futuro.

Se comunica com os pais por telefone.

Tem computador em casa com internet banda larga. Não tem TV a cabo.

Acha importante manter proximidade cultural com o Brasil porque se sente vazia se perder a

referencia de brasileira. Não assiste televisão – costumava a ver novela no Brasil. O que fazia

parte do laço cultural.

Sente falta da comida no Brasil.

Chegou em junho de 2010. Residência saiu em agosto de 2012.

Sempre morou em São Paulo. Antes de ir para Quebec estava em São Paulo.

Imigrar para Quebec não é sinal de prestígio. Para outras pessoa – no Brasil – pode parecer.

Quem financiou foi a família, ela e o marido.

Trabalha na economia formal.

Profissão no Brasil: psicóloga.

No Canadá: fotografa e videasta.

Resolveu sair do Brasil para ampliar a realidade, aprender, crescer, ter uma experiência

diferente na vida.

Os imigrantes brasileiros que encontramos são pessoas com escolhas.

10-Luciana II., casada, 48 anos, advogada, imigrou em 2004

Ouviu falar quando a irmã resolveu ir para Quebec. A irmã casou com um brasileiro filho de

pai canadense. Mas, a irmã nunca murou em Quebec, moravam no Rio de Janeiro por oito

anos. Depois de dificuldade profissional da irmã e do marido e também com dois filhos

pequenos e após sofrerem um assalto a mão armada resolveram mudar para Quebec.

Ajudou a irmã na mudança. Ficou um mês e meio durante o inverno e gostou. Depois foi

visitar mais uma vez. Na terceira vez que foi visitar com uma prima resolveu imigrar.

Procurou um advogado que fez a imigração. O advogado que trabalha para ajudar pessoas que

querem imigrar para Quebec. Começaram a estudar francês sob orientação do advogado –

exigência do processo de imigração para Quebec.

Fiz um ano e meio de francês no Brasil. Diz que foi classificada como intermediária, mas

quando chegou a Quebec sentiu que era básico o nível que possuía.

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Mesmo não sendo um a vida fácil, gostava da vida em Quebec.

“A gente [ela e a prima com quem imigrou juntamente] queria uma vida muito boa para

nossas filhas, um futuro melhor para elas. Lá em Guarapari [ES], lá naquele fim de mundo

que as pessoas só querem praia, cerveja e bar, não quero isso para ela não. Eu sei que vai ser

muito difícil para mim porque quem vem vai ter que começar tudo de novo. Mas, ela vai

começar bem. Então eu decidi vir”.

Resolveu mudar para Quebec por causa da irmã inicialmente. Mas, depois adorou e resolveu

se estabelecer. Também disse que acha o povo de Quebec [francófonos] mais calorosos que

os anglófonos. Já morou nos Estados Unidos e diz que já sabia como era e tinha medo da

frieza que sentia lá. Diz que tinha muito contato com brasileiros e isso fazia ela se sentir em

família. “Não quer dizer que o quebecois é brasileiro, mas eles são mais calorosos que os

anglófonos”.

Ficou sabendo da possibilidade de imigrar na segunda vez que foi para Quebec depois de

contatos que a irmã teve com outros brasileiros que imigraram pela política de imigração, pois

a irmã entrou como casada com um canadense. Daí descobriu que era aberta a imigração.

Não foi a palestra do governo de Quebec.

Conhecia a irmã e os amigos dela.

Na época que mandou o dossiê era importante ter filho, contava pontos.

Não achou difícil a adaptação. Mas, acha que para a filha foi no início, mas ela pegou o

francês muito rápido. Diz que as amizades em Quebec entre as crianças começam no primário

e as crianças convivem juntas até o final do primário e é assim que estabelece laços de

convivência. Acha que a filha sofreu muito, mas depois que entrou nos estudos secundários

ela começou a ter mais amizades e isso faz com que ela fale menos de ir ao Brasil. Mas, para

Luciana, a adaptação não foi difícil porque ela diz que estava “de saco cheio”. do Brasil.

Diz que no início tomou horror do Brasil, mas agora está mudando um pouco isso.

Está satisfeita com a mudança porque mudou de vida. Diz que não foi só porque casou e

encontrou “o príncipe”. em Quebec, mas sim porque vê a situação da filha e das amigas dela e

filhas no Brasil, ela vê a diferença do tipo de vida “com futuro pela frente, [aqui] tem muito

estudo, ela vai poder estudar o que ela quiser: mestrado, doutorado. E lá no Brasil eu não sei

se eu ia poder dar isso. E quando ela sai de noite eu sei que ela vai voltar porque ela tem juízo

também, mas não tem perigo de ladrão, etc. Isso para mim não tem preço. Eu faria de novo e

não me arrependo de nada”.

Não acha que teve descompasso. Sabia que iria ser difícil se incluir profissionalmente como

advogada. Tinha 15 anos de experiência profissional como advogada no Brasil. Diz que fez

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LV  

uma especialização de saúde e segurança do trabalho, mas não sabia que era importante fazer

um estágio ao final do curso (pago ou não) para ter experiência profissional comprovada, o

que a ajudaria a se incluir no mercado de trabalho. “A gente não conseguiu emprego. Tinha

emprego nessa área, que estava procurando muito, ainda está. Mas, só que sem experiência

eles não contratam. Nós estudamos dois anos, eu gastei 20 mil dólares e não serviu para nada.

Eu joguei dois anos da minha vida que eu estudei aqui pela janela. Gastei e não aproveitei.

Minha prima ainda conseguiu um emprego em um concurso. Agora eu não aproveitei nada”.

O que atraiu em Quebec foi a segurança. “Só de você andar pela rua e não ter medo de ser

assaltado, quando você sai de um carro no estacionamento não tem medo que ninguém te

pegue, e também pelo fato da minha filha sair de noite e eu não ter medo que ela vai ser

estuprada. Não estou dizendo que não acontece. Pode até ser que aconteça. Mas, a

probabilidade é muito menor que no Brasil. Só isso para mim já paga tudo. A segurança para

mim é mais importante que tudo. E a tranquilidade da vida. Aqui você não tem a escravidão

do corpo, a aparência. Você é o que você é. Pode usar roupa antiga, rasgada, descolorida,

você pode olhar o que você quiser. Ninguém vai ter olhar na rua torto. Essa liberdade que

você tem aqui eu gosto muito”.

Diz que acha difícil o frio. Acha o inverno uma maravilha, só que dura muito tempo e o verão

dura pouco tempo. “Ter que aguentar seis meses de neve não é fácil não”.

Resolveu buscar tranquilidade, a mudança que ela quis. “Eu era muito estressada no Brasil,

meu trabalho me estressava muito”.

Em relação a dinheiro, diz que no começo, quando fazia faxina, ganhava mais que no Brasil

como advogada. “Lá no Brasil, se você não faz um concurso, você depende de cliente. E eu

pegava cliente pobre, eu queria ajudar. Depois eu me via rodeada e pobre que me dava

galinha, trocado, eu sei que aquele dinheiro era muito para a pessoa, mas para mim pagava o

papel. Eu me estressava por isso. Eu lutava por eles como eu lutaria por alguém que me desse

dinheiro. Então, eu não posso ficar assim. Eu vou morrer e não vou dar o que eu quero a

minha filha”.

Diz que depois casou e não precisou continuar fazendo faxina.

Acha que em Quebec com dinheiro faz mais coisas. Compra mais roupa, viaja mais – acha

que é mais barato viajar para outros lugares do Canadá. Mas, a comida é mais cara que no

Brasil. Acha o custo de vida em Quebec se quiser colocar filho em escola particular fica mais

caro que no Brasil. Mas, diz que não precisa pagar plano de saúde e não acha mais caro que

no Brasil. “Pelo que você ganha aqui, tem muito mais coisa do que lá com um salário

equivalente”.

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   LVI  

Renda familiar bruta de 300 mil dólares anuais. Renda para quatro pessoas.

Se sentia respeitada pelas pessoas simples no Brasil. Mas, não se sentia respeitada por colegas

de profissão.

Se sente mais respeitada em Quebec. Acha que o difícil é entrar no mercado de trabalho. Mas,

depois que a pessoa entra ninguém quer que ela saia.

Se sente mais respeitada em Quebec. “Por exemplo, eu sou dona de casa. E quando eu digo

para as pessoas que eu sou dona de casa elas me respeitam. No Brasil, as pessoas falam assim:

‘é madame, mulher de médico que não faz nada na vida’. Aqui não. Aqui eles acham que

cuidar da casa é o must do problema: ‘ah, você trabalha o dia inteiro’, entendeu? Eu me sinto

respeitada, mesmo não trabalhando”.

Se sente mais cidadã em Quebec. Alega uma corrupção institucionalizada. “No Brasil, eu me

sentia desrespeitada pela política. Eu estava em uma área em que eu via muita coisa. Muita

sujeira, muita coisa errada, muita corrupção, apadrinhamento, e isso me deixava doente.

Gente que não sabia nada e que tinha acabado de fazer o curso [de direito] passava no

concurso de juiz e eu fazia o concurso de juiz... não quer dizer que eu merecia passar não.

Mas, aquela pessoa também não. Eu era mais capaz do que ela. Eu podia até não ser capaz,

mas ela era menos do que eu ainda. Só porque ela era casada com filho de desembargador?

Isso que me deixava doente. Isso para mim é a pior coisa do mundo. E aqui eu sei que

acontece isso também. Mas, aqui ainda tem a mentalidade que as pessoas são pegas na

corrupção elas são apontadas na rua, elas têm vergonha, e no Brasil ninguém tem mais

vergonha. Aqui tem ainda. Então, acho que ainda tem salvação. Para mim a pior coisa do

mundo para um país é a corrupção. Me deixa doente ver alguma coisas do Brasil”.

Cidadania plena é poder dizer o que está errado e ter sua opinião aceita. Acha que em Quebec

as pessoas são mais tolerantes com a opinião divergente. “Eles te escutam mais aqui. Lá no

Brasil ninguém te escuta, você pode reclamar à vontade. Acho que cidadania é isso: escutar

os outros e dar uma resposta para o que as pessoas esperam de você. E isso passa não só pelos

governantes, mas por tudo mundo: pelo lojista, no trânsito... no trânsito então, as pessoas aqui

não ficam buzinando atrás. Isso para mim, essa sensação de respeito [que você sente] quando

você para na rua para atravessar o sinal e as pessoas param mesmo se o sinal está fechado

para você, as pessoas param e não passam por cima de você... isso para mim é cidadania”.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil por conta da família. Mas, em relação a cidadã não.

Acha que tem uma vida digna em Quebec. Diz ser respeitada, vive em paz. Diz que os

brasileiros em Quebec se apegam como se fossem familiares. Diz que não sabe se foi sorte ou

não, mas acha que encontrou pessoas mais interessantes e se encontrou mais.

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LVII  

Diz que não se imagina voltando para o Brasil.

Não sofreu preconceito no Brasil nem em Quebec.

Fez o curso e não ajudou a se inserir no mercado de trabalho.

Acha a política de imigração de Quebec atrai brasileiros de alto nível, pessoas que querem

mudar de vida, pessoas sérias que não mudam para ganhar dinheiro e ir embora para o Brasil.

Demorou dois anos e três meses para imigrar.

Virou canadense para poder viajar mais tranquilamente, principalmente pelos Estados Unidos.

Não pretende sair de Quebec. Diz que tem uma família estabelecida. Diz que pretende morar

em Quebec para sempre e não pensa em voltar para o Brasil.

“Eu não me sinto esquecida, eu me sinto respeitada. Quando você viaja e tem um passaporte

canadense é uma coisa. Quando você viaja e tem um passaporte brasileiro é outra coisa

completamente diferente. Você é respeitado se você tem passaporte canadense. Se você é

brasileiro você é tratado como lixo. Eu sei porque eu já viajei com os dois”.

A filha imigrou. Os pais ficaram no Brasil. Não há perspectiva dos pais virem porque o

governo canadense mudou o status dos pais para reunificação familiar. Criaram o super visto,

onde os parentes podem ficar até dois anos mas tem que ter um seguro de saúde de 100 mil

dólares.

Se comunica com os pais pela internet todo os dias. Tem computador em casa com internet

banda larga. Tem TV a cabo sem canal do Brasil.

Acha importante manter proximidade cultural com o Brasil. Diz que em casa a comida é

brasileira todos os dias.

Imigrou em 2004. É de Guarapari. Morou em Vitória quando foi estudar a universidade.

Morava em Guarapari antes de Quebec.

Imigrar para Quebec é sinal de sorte. É prestigio para quem mora no Brasil.

Profissão no Brasil: advogada.

Profissão em Quebec: dona de casa.

Resolveu sair do Brasil por conta da segurança e inconformismo com a profissão.

11-Rafael III., união estável, 34 anos, administrador de empresas, imigrou em 2008

Ouviu falar de Quebec através de uma amiga e através de palestras do programa de imigração

de Quebec.

Daí, começou a pesquisar um pouco mais.

Também pela internet.

Foi a palestra do governo de Quebec.

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   LVIII  

Não conhecia ninguém antes de imigrar para Quebec.

“Meu processo migratório foi como uma aventura, uma descoberta. Larguei o Brasil com uma

certa estabilidade, sabendo que posso me lançar em uma descoberta do Quebec. As coisas que

eu procurava aqui era estabilidade financeira, social, e que se isso funcionasse eu ficaria e que

se na verdade as coisas não tomassem o rumo certo eu voltaria. A minha imigração foi

realmente saber que o Canadá precisava de gente para trabalhar. Isso foi um dos pontos que

me saltou aos olhos. A estabilidade política financeira que a gente vê aqui: mesmo quando

você tem um salario médio você tem acesso a tudo em relação a saúde, educação e tudo mais.

Os motivos que me fizeram vir foram um pouco esses e sabendo das dificuldades para um

imigrante vai existir”.

Diz que desde que imigrou as coisas deram certo para a vida. Não achou a adaptação difícil.

Já tinha morado em vários lugares no Brasil. Diz que achou bem diferente do Brasil, mas não

achou difícil porque não veio com expectativa.

Sabia que iria encontrar coisas que não tinham a ver com o Brasil em termos de língua, clima,

estrutura social. Achou bem diferente, mas não difícil.

Foi para Montreal sem conhecer a cidade antes. Não conhecia ainda, não tinha nada

preestabelecido.

Diz que a adaptação não é difícil contanto que você não tenha expectativas.

Está satisfeito com a mudança. Diz que quando chegou em duas semanas já tinha conseguido

um emprego estável já na área de trabalho.

Conheceu amigos rapidamente. Mesmo indo sozinho para o Quebec não se sentiu solitário.

Acha que as apostas que fez deram resultado.

Não sentiu descompasso entre expectativa e realidade que encontrou.

O que o atraiu foi a diversidade de Montreal. Diz que em Montreal tem tudo que uma grande

cidade pode oferecer culturalmente, emprego, etc.

“O pessoal [de Montreal] reclama [do trânsito] por conta das obras, mas o que a gente tem

como referência é muito pior do que isso. Transporte em comum [transporte público] mesmo

que tenha melhoria a fazer te dá acesso a muita coisa”.

Acha difícil o frio. “Aqui você tem que se programar ano por ano. Você chega nessa época

que a gente está em outubro e você sabe que daqui até o mês de abril tem coisas que você não

vai fazer e você tem que se preparar. Eu falo até aqui em casa, sabe: troca de porta, mudança,

arrumar jardim, você sempre tem um planejamento que você tem que fazer distante. É bacana

porque você aprende a se organizar em relação a isso, mas você vê que você tem seis meses

que você fica meio que preso sem poder fazer certas atividades”.

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LIX  

Acha um pouco difícil a relação com os quebequenses. “A relação que existe entre um

quebecois e um imigrante não é a mesma que a gente tem entre imigrantes entre si ou um

brasileiro com um brasileiro. É óbvio, tem a diferença cultural que está em jogo. Mas, o

quebecois é muito certo da sua sociedade, ele tem seu grupo de amigos e ele não faz questão

de dividir isso com imigrantes. Eu tenho amigos quebecois. Mas, quando a gente põe na lista

cinco anos depois quantos amigos quebecois a gente tem em relação a quantos amigos

imigrantes de todas as nacionalidades, é muito maior sua lista de pessoas que não são

quebecois que a de quebecois em si. Acho que essa é a parte chata”.

Imigrou com 30 anos e acha que isso o ajudou a ter mais foco.

Relata a dificuldade de deixar para trás uma vida profissional já consolidada. “Tudo que você

tem lá, você pode ter estudado na melhor escola do Brasil, na melhor universidade, e quando

você chega aqui ninguém conhece”.

Em relação a dinheiro, acha que ganhava aproximadamente o mesmo salario. “Mas, eu diria

que no Brasil eu tinha muito mais gastos do que eu tenho no Canadá”.

Diz que paga hipoteca, empréstimo com taxa de juros bem baixo, tem uma padrão de vida de

classe média/alta. Não teria isso no Brasil.

Consegue fazer mais coisas em Quebec: viagens internacionais. Acha o valor dos produtos em

mercado mais em conta que no Brasil.

Acha que o custo de vida em Quebec é caro, mas você ganha sempre um salario médio que te

permite ter acesso a um pouco de tudo, o que acredita não ver no Brasil. Acha mais fácil

consumir em Quebec.

Aqui você com um salario médio consegue ter um conforto de se permitir férias e não vê isso

no Brasil.

Renda familiar bruta de 110 mil dólares por ano.

Se sentia respeitado no Brasil. Diz que frequentou a boas escolas, teve acesso a trabalho, sabe

que se estivesse no Brasil estaria em uma posição de gerente de uma grande empresa.

“Socialmente respeitado... politicamente é outra coisa”.

Se sente respeitado em Quebec, afirma que nunca sofreu maus tratos em Quebec.

“Eu acho que aqui eu me sinto mais respeitado porque eu sei que a política não vai abusar...

esse outro tipo de respeito que no Brasil você acaba não tendo... [...] ou então questão

política... bom, aqui a gente tem problema também como em todos os outros lugares... mas,

acho que a falta de respeito no Brasil é que a corrupção é mais próxima, ela está presente

todos os dias. É você estar na sua casa e vir um segurança de rua e dizer: ‘bom, vou te cobrar

60 reais por mês para fazer a segurança da sua casa. Você não é obrigado a pagar. Mas, se

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   LX  

acontecer alguma coisa... pode acontecer...’. Esse tipo de respeito é muito menor no Brasil.

Nesse sentido eu me sinto mais respeitado aqui. No Brasil, para você ser respeitado você

acaba tendo gastos e custos mais altos. Em relação a saúde, o meu sistema de saúde é publico,

eu tenho meu médico de família, faço meu check-up uma vez por ano, não pago nada. No

trabalho, tenho até um plano de seguro médico que acaba pagando meus medicamentos. No

Brasil, se você quer ir num hospital público, seis horas de fila. Então, nesse sentido, é uma

falta de respeito. Você tem que pagar para poder chegar ao seu respeito. Se você quer ter

acesso a tudo que é público, eu diria. Segurança é a mesma coisa: você tem que comprar uma

casa num condomínio que que você tem que pagar para ter acesso. Ou então uma apartamento

num condomínio com segurança 24h para ter o respeito, o acesso à segurança. Essa falta de

respeito que eu acho que eu tenho no Brasil, que eu acho que é social, não é pessoal, e aqui a

gente não tem esse tipo de problema. A minha casa não tem nenhum muro. A gente vai para a

cidade e voltar 1 hora da manhã de ônibus sabendo que não vai ser agredido”.

Acha que em Quebec a regra é mais cumprida. Há casos de descumprimento, mas em escala

bem menor que no Brasil. Fala de 28 assassinatos ao ano em Montreal.

Acha que tinha uma vida digna. Tinha o suporte da família e amigos.

“Eu diria que eu tinha acesso a uma vida digna porque eu poderia pagar por isso. Você precisa

comprar sua dignidade, sua paz, e não é o mesmo caso para todo mundo e deveria ser.

Isoladamente é uma coisa. Mas, quando você olha ao redor, é um pouco menos digno”.

“Aqui custa um pouco menos cara a dignidade. Aqui você pode ter acesso aos bens de base:

alimentação, saúde, e educação são muito mais acessíveis para você ter acesso a um emprego,

que você tenha acesso a uma vida digna aqui é mais fácil”.

Em Quebec não tem a família, apenas o parceiro.

“No Canadá individualmente eu consegui conquistar mais coisas mais rapidamente do que eu

consegui no Brasil”.

Diz que nunca sofreu preconceito direto no Brasil. Mas, indiretamente, fala que sim. No

Brasil, existem piadas socialmente aceitáveis que o incomodavam.

Em Quebec, diz que a dentista furou o dedo com a agulha que tinha aplicado anestesia nele.

“Aí o senário muda porque você é gay. Todos os estereótipos possíveis e impossíveis vêm na

cabeça de alguém que tem um certo preconceito. Ela me pediu para fazer um exame da

sangue para verificar se tudo estava bem do meu lado. Essa é a falta de respeito que eu vivi

aqui. Mas, que foi único, isolado. Mudamos de dentista no mesmo dia”.

Fez uma especialização em finanças na Universidade de Concordia.

Começou a trabalhar em um banco em gestão de investimentos. Já estava inserido no mercado

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LXI  

de salario. Mas, teve um aumento de salario que vem com o curso. As possibilidade

aumentam. Teve um convite para mudar de emprego.

Achou a política de imigração fácil, apesar de burocrática. Achou que a maneira como a

seleção foi feita importante.

Demorou um ano e meio o processo de imigração inteiro.

Acha que a imigração não deveria ser fechada eternamente. Acha que a imigração de Quebec

nunca vai fechar porque é uma economia que cresce em uma população com baixa taxa de

natalidade.

Já tinha encaminhado o pedido para a cidadania canadense. O processo demorou

aproximadamente 1 ano, 1 ano e meio.

Queria virar cidadão porque queria o passaporte para poder viajar aos Estados Unidos e voltar

sem ter que parado a cada vez. Quer ter direito ao voto e ter acesso a posições públicas.

Não pretendia sair de Quebec.

Ficar para sempre é muito tempo.

Depois que aposentar, prevê uma segunda residência no Brasil durante o inverno canadense.

Diz que só volta ao Brasil para um emprego com um ótimo salario capaz de comprar a

segurança.

Não tinha filhos. Os pais ficaram no Brasil e sem perspectiva de irem para Quebec. Se

comunica com eles via internet e telefone. Tem computador em casa com internet banda larga,

tem TV a cabo sem canal do Brasil.

Acha importante manter proximidade cultural como Brasil musicalmente e o cinema também.

Imigrou em 2008.

Se diz paulistano.

Morava em Campinas antes de ir para Quebec.

Nasceu em Cuiabá/MT, dois aos depois morou em São Paulo/SP. Depois mudou para Aldeia

da Serra/SP. Fez graduação em Recife/PE. Voltou para São Paulo e morou até os 25 anos.

Conseguiu uma oferta de trabalho em Campinas e ficou lá até 30 anos e imigrou para

Montreal.

Não sente que seja prestígio morar em Quebec.

Quem custeou o projeto de imigração foi o próprio.

Trabalha na economia formal.

Profissão no Brasil: gestão de equipe

Canadá: coordenador de operações bancarias

Resolveu sair do Brasil para uma descoberta que se desse certo ficaria e se não voltaria.

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   LXII  

12-Aulos B., casado, 56 anos, químico, imigrou em 1996

Ouviu falar de Quebec em uma matéria na Folha de S. Paulo em 1995. Anúncio do governo

de Quebec.

Resolveu mudar para Quebec porque já falava a língua e estava de saco cheio do Brasil.

Não foi a palestras do governo de Quebec no Brasil.

Conhecia um amigo antes de imigrar.

Tinha vontade de dar uma educação em outras línguas para os filhos.

Foi difícil a adaptação.

Está satisfeito com a mudança porque atingiu os objetivos que buscava: os filhos aprenderam

outras línguas, estudaram em Quebec e possuem diplomas no Canadá, casaram-se, tiveram

filhos no Canadá, vive em uma sociedade democrática e justa.

“Teve um preço, sim, teve um preço. Mas, na vida a gente sempre paga um preço para tudo.

O preço foi alto, foi: se afastar da família, deixar os amigos, tudo que a gente tinha, mas as

circunstâncias do Brasil há 16 anos atrás eram terríveis. Eu teria me arrependido muito se há

16 anos atrás eu não tivesse tomado essa decisão”.

Os objetivos para a família era condição de educar os filhos. Tinha objetivos pessoais de

internacionalizar a carreira em um país sem muitas surpresas. Procurava estabilidade.

Não houve descompasso. Já conhecia o Canadá antes de se mudar.

“O fato de poder andar na rua 3 horas da manhã sem ser molestado por ninguém. O fato de

pegar uma estrada e a polícia te parar e você conversar com ela sem ter medo de ser... de levar

um tiro dela ou coisas do gênero. Eu sei que os impostos que eu pago são destinados ao bem

coletivo de uma forma geral, naturalmente. Eu sei que os serviços que a gente tem da

sociedade provenientes desses impostos são para todo mundo”.

A igualdade da sociedade foi o que o atraiu. A destinação correta dos impostos para serviços

públicos. “Os políticos aqui vivem em função do cidadão, não o cidadão em função deles. São

coisas que eu dou muito valor”.

Acha difícil as diferença culturais. “A falta de calor do país de origem”. Tem dificuldades de

captar as nuanças culturais, mas diz que os filhos não tem esses problemas.

Revolveu mudar conta de segurança pública, por oportunidade de trabalho, viver em um

ambiente cultural diferente. “As pessoas mediamente são muito mais educadas. Você tem

uma qualidade de vida interessante”.

Ganha mais em Quebec que no Brasil.

Relativizando o custo de vida, acha que consegue fazer mais coisas: viajar, ir para

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LXIII  

restaurantes, consumir bens. “O padrão de vida que eu tenho é melhor do que eu tinha no

Brasil”.

Renda familiar bruta de 85 mil dólares para quatro pessoas.

Não se sentia respeitado no Brasil.

Depende da esfera. Na comunidade em que estava inserido, sim. Mas, pelas autoridades

públicas não. “Eu tinha um comércio no Brasil. Quando você está em seu comércio e chega

uma autoridade federal de Brasília querendo te extorquir dinheiro isso é falta de respeito.

Quando chega em seu comércio um funcionário do governo estadual querendo te extorquir

dinheiro isso é falta de respeito, quando chega um funcionário do município querendo te

extorquir dinheiro isso é falta de respeito. Então, são valores que eu não consegui viver com.

Isso é falta de respeito grave para mim. São coisas que fizeram, favoreceram minha saída do

Brasil: essa falta de respeito à cidadania, compreende?”.

Se sente respeitado em Quebec. “As minhas palavras, culturalmente as pessoas confiam no

que você está falando. Mentira aqui é um erro grave. Se você me pergunta alguma coisa eu

respondo. Ser honesto aqui é um valor social, é uma coisa que é valorizada na sociedade. Ser

honesto no Brasil na minha época era uma coisa ‘você é bobo’. Não era uma coisa valorizada

na minha época. Pode ser que mudou, que hoje tenha mudado”.

Se sente mais cidadão em Quebec. Participa da vida política, pode ligar para o candidato para

o qual votou. “Qualquer um pode fazer isso aqui”.

Se sente mais respeitado em Quebec.

“Cidadania plena é o Estado viver em função do cidadão, é o Estado se preocupar com o

cidadão. Isso para mim é um valor de cidadania. Quando o Estado explora o cidadão, não

respeita seus direitos, isso para mim é uma coisa inaceitável”.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil. Os filhos frequentavam uma boa escola, tinha um

bom trabalho, mas diz que vivia em um país muito inseguro.

“Essa dignidade tinha um custo muito alto. Eu tive que aguentar muitas coisas que eu

aguentei. Outra coisa são os golpes econômicos que a gente teve no Brasil. Aí eu me

perguntei: até quando vou ficar em um país em que você vive em função desses golpes”.

Se sente privilegiado porque pôde sair.

Acha que tem uma vida digna em Quebec porque tem muitas possibilidades de trabalho.

O retorno dos impostos em forma de serviços. “Então, se eu ficar doente aqui nesse momento

e eu ligar para a ambulância eu sei que em 15 minutos ela vai estar aí. Se minha casa pegar

fogo e eu ligar para o bombeiro eu sei que em 6 minutos ele vai estar aqui. Se eu tiver um

problema qualquer e ligar para a polícia eu sei que vai chegar uma pessoa educada, instruída e

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   LXIV  

bem preparada para me atender. Se eu tiver uma doença e for para um hospital público, como

já aconteceu, eu sei que vou ser bem atendido. Pode demorar um pouquinho, depende do nível

de gravidade da minha doença, mas eu vou ser atendido, como já fui – eu e os membros da

minha família. São todos esses elementos que compõem o cenário para o que eu considero

dignidade”.

“No Brasil era um pequeno empresário e trabalhava 7 dias por semana e tinha uma qualidade

de vida difícil. Em Quebec, é um funcionário, dá aula em colégio e é consultor. Esse estilo de

vida me permite viver muito melhor do que eu vivia no Brasil. No Brasil eu trabalhava igual

um louco e como eu não queria aceitar as regras do jogo – como eu te falei, dos funcionários

que vêm te corromper – ficava muito difícil para sobreviver. [...] Aqui não, aqui é uma coisa

muito mais tranquila”.

Não lembra ter sofrido preconceito no Brasil.

Em Quebec não lembra.

Fez um curso de qualificação porque decidiu mudar de carreira quando tinha 47 anos.

Resolveu mudar a área de trabalho dentro da Química. Fez um curso focado no assunto que

queria.

Curso rápido, de um semestre e meio. Concluiu. Já estava no mercado de trabalho. Ajudou a

ter mobilidade no mercado de trabalho.

Acha que a política de imigração de Quebec falta um pouco o lado integração com o mercado

de trabalho. Meus alunos são pessoas que vêm de outros países então eu noto muito isso. O

imigrante chega aqui – sobretudo o brasileiro que não fala francês, ou fala inglês e não fala

francês. O governo deveria botar mais dinheiro, mais energia para ajudar as pessoas de uma

forma concreta a se inserirem no mercado de trabalho, deveria ser mais agressivo nesse

sentido. Porque as pessoas que chegam aqui do Brasil e de outros países são pessoas

preparadas. São imigrantes que têm formação universitária e experiência de trabalho e tal.

Então, falta um pouco essa integração do imigrante no mercado de trabalho. É muito

importante entrar no mercado de trabalho”.

Imigrou em 1996.

Demorou oito meses para imigrar.

É contra fechamento da imigração porque falta mão de obra. A longo prazo, Quebec não tem

alternativa.

Demorou menos de um ano para se nacionalizar.

Foi uma oportunidade única de escolherem ser cidadão de um país, contrário a nascer em um

lugar, que você não escolhe.

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LXV  

Não pretende sair de Quebec.

Pretende morar para sempre, mas não sabe o futuro.

Se sente brasileiro. Sente alegria de voltar ao Brasil. Já sentiu vergonha de ser brasileiro. Mas,

ultimamente, vem sentindo muito orgulho.

Pensa em voltar para o Brasil. Mas, criou raízes em Quebec – possuem amigos e netos. Possui

poucos amigos no Brasil. Diz ser possível. Na velhice não pretende ficar em Quebec no

inverno.

Se sente cidadão do mundo.

“É uma parte do preço que você tem que pagar. Você chega lá, você é meio que estrangeiro.

Você chega aqui, você é estrangeiro. Você vive essa dualidade, todos os imigrantes vivem

isso. Mas isso também permite que você seja cidadão do mundo. Para mim, meu país é o

planeta”.

Se sente mais parte do mundo que no Brasil.

Tem filhos e eles imigraram juntos. Os pais ficaram no Brasil. Não havia perspectiva deles

irem morar em Quebec no Futuro. Se comunica com os pais uma vez por semana via internet.

Tem computador em casa com internet banda larga. Tem TV a cabo sem canal do Brasil.

Acha importante manter proximidade cultural. A música brasileira faz parte do cotidiano.

Nasceu em Vitória da Conquista, na Bahia. Ainda criança mudou-se para São Paulo. Antes de

imigrar, foi para Maringá, no Paraná.

“Quando você sai do Brasil e você volta você não vê mais o Brasil com os mesmos olhos”.

“Frustração com aquela coisa do trabalho: você trabalha, mas não é valorizado pelo trabalho.

Você é valorizado pelo que você é esperto. Aí sim. Isso foi uma coisa que me desanimou, me

desapontou muito. Aí apareceu a oportunidade de vir para cá pelo governo canadense”.

Imigrar para Quebec não é prestígio.

Quem financiou o projeto de imigração foi o próprio.

Profissão no Brasil: Químico e comerciante

No Canadá: professor farmacêutico

Desapontamento com o Brasil. Dar oportunidades aos filhos. Diz que tentou dar emprego,

pegar recursos em um negócio, mas não conseguiu ter sucesso.

13-Marly Q., casada, 60 anos, comerciante, imigrou em 1976

A família do marido morava em Montreal. O marido é italiano que chegou muito pequeno no

Brasil. Muitas pessoas da família que estão em Quebec imigraram antes para o Brasil. O resto

voltou para a Itália e depois para o Canadá.

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   LXVI  

A família do esposo já morava em Montreal, por isso o marido escolheu ir para o Canadá.

Nunca foi a palestrado do governo de Quebec.

Não conhecia ninguém em Quebec antes de imigrar.

Sabia que tinha o marido tinha parentes que ele não revia há anos, pois ele ficou no Brasil.

Mas, ela não conhecia ninguém.

“O meu projeto de vida foi porque eu marido quis imigrar. Como eu estava casada com ele,

ou eu vinha com ele ou me separava. Na época, eu tinha 23 anos, tinha uma filha de um ano, e

ele resolveu vir arriscar a vida no Canadá porque no Brasil não estava dando mais”.

Foi difícil a adaptação porque nunca tinha deixado a família e teve que aprender duas novas

línguas ao mesmo tempo: francês e italiano.

“Primeiro, por conta da saudade. Segundo, porque eu não sabia nenhuma língua, só o

português. Sozinha, sem te ninguém da minha família aqui, ninguém em quem eu pudesse me

apoiar, não conhecia nenhum brasileiro na época porque eu vim para aqui em um bairro

italiano. E na época não tinha tanto brasileiro como tem agora. A imigração... os brasileiros

ainda não tinham se decidido a imigrar, a sair do Brasil. Os brasileiros eram muito agarrados

ainda ao seu país. Agora que a mente deles está se abrindo mais a escolher outro lugar para

morar que não o Brasil”.

Está satisfeita com a mudança.

“A vida aqui é bem mais fácil. Por exemplo, esse trabalho que eu faço, nenhum trabalho é

discriminado. E é com esse trabalho que eu puder conseguir tudo isso que eu tenho junto com

meu marido – porque trabalham os dois, trabalhamos muito pesado, muito duro. Mas, é um

trabalho que te valoriza, que ninguém te julga pelo que você faz. A diferença aqui é essa. Ao

invés que esse trabalho que eu faço no Brasil não é bem visto. Eu me vi com esse trabalho, foi

esse que surgiu no meu caminho e foi esse que eu aceitei”. [femme de ménage – diarista]

Primeira vez passou cinco anos no Canadá e trabalhou em uma fábrica. Depois, voltou para o

Brasil. Já na segunda vez, com os filhos adolescentes, o marido conseguiu o emprego de

síndico e a família trabalhava no prédio. A proprietária não permitia que trabalhasse fora do

prédio. Dessa forma, ela começou a ajudar os moradores com os afazeres de casa e os

próprios moradores começaram a pedir para ela continuar fazendo o serviço. Foi a forma que

ela diz ter encontrado para ajudar o marido financeiramente.

Propagando de boca a boca e foi fazendo a clientela.

“No Brasil, eu tinha uma situação econômica muito boa. Mas, quando o Collor chegou,

começou a tirar tudo da gente e as coisas começaram a ficar difíceis. Então o caminho que a

gente encontrou para poder dar aos nossos filhos o que eles estavam acostumados a ter no

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LXVII  

Brasil foi voltar a imigrar no Canadá. Eu quando cheguei aqui aceitei esse trabalho de diarista

que me apareceu bem normalmente, eu não sentia vergonha do que eu fazia, mesmo com a

posição que eu tinha no Brasil. No Brasil a gente tinha duas lojas, três empregadas, a gente

tinha uma situação econômica boa. Mas, por conta que o Collor veio, a gente foi perdendo

tudo foi pagando as dívidas e terminamos reemigrando para o Canadá. Eu não podia ficar

pensando no que eu tive lá. A minha realidade aqui era outra. Eu não podia viver de sonhos

do que passou, do que eu tinha. Eu passei a viver do presente, da minha realidade que era

recomeçar tudo do zero aqui”.

Tinha os parentes e sabia que o Canadá dava melhores condições de vida. Só ficou sabendo

das coisas, do estilo de vida, após chegar.

“Se você tem coragem para trabalhar e não ficar pensando no que você era no Brasil você

consegue um trabalho. Se você vir para aqui e não viver a realidade daqui, que é outra, você

nunca vai ser feliz. Se você quiser fazer só aquilo que você fazia no Brasil, você nunca vai ser

feliz porque aqui a realidade é outra. Tem pessoas que estavam acostumadas no Brasil a ter

empregada, a não fazer nada. Aqui é diferente a vida. Se você vem naquela mentalidade de

que a vida aqui é fácil... não é fácil... Se você saiu do país e veio para o Canadá é porque

alguma coisa não estava dando certo no seu. Porque você quer mudar de vida, você quer

melhorar... você não vai estar bem no Brasil e vir para o Canadá só por vir. Você só veio

porque alguma coisa aconteceu. Você quer mudar de vida, quer ter uma coisa melhor. Porque

senão você não estaria aqui, eu não estaria aqui... Se eu estivesse bem no Brasil, com dinheiro

bastante para sobreviver lá com todas as crises que tem eu estaria lá, não estaria aqui. Mas, se

eu escolhi o Canadá eu escolhi porque lá não estava mais dando para mim. Eu acho que a

maioria dos brasileiros que estão aqui é por isso também. Não sei... no meu caso foi por isso”.

Acha difícil o inverno longo.

“Aqui a vida é bem mais fácil de se viver. A gente consegue bem mais rápido as coisas que no

Brasil”.

Em relação a dinheiro, ganha mais em Quebec que no Brasil.

“É diferente porque você trabalha e você vê o fruto do seu trabalho. Lá no Brasil a gente

trabalhava e não via nada crescer. Você não podia ter um prazer, fazer uma viagem a mais.

Aqui a gente consegue fazer. Eu consigo viajar para vários países, para o Brasil... lá no Brasil

no tempo que eu estava lá eu não podia fazer uma viagem extra. O dinheiro era sempre

limitado. Não que aqui o dinheiro está sobrando”.

Acha que em Quebec faz mais coisas. Viagens. Como diarista acha que ganha mais que uma

diarista no Brasil. Acha que tem uma casa muitas vezes melhor que a das pessoas para quem

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   LXVIII  

trabalha. Se sente respeitada, valorizada no trabalho.

Achava que as pessoas no Brasil trabalhavam empregadas domésticas inferiores não só

financeiramente, mas principalmente como ser humano.

Renda bruta aproximada de 100 mil dólares por ano para duas pessoas.

Se sentia respeitada no Brasil por causa da posição financeira que tinha. “Geralmente, quando

a gente tem uma posição financeira boa, a gente é respeitado porque isso conta muito no

Brasil. A pessoa dá muito valor ao que você tem, não é nem ao que você é”.

Se sente respeitada em Quebec.

Se sente respeitada igual no Quebec ou no Brasil.

Se sente cidadã em ambas as partes.

Cidadania é ter liberdade para fazer o que quer.

Acha que tinha vida digna no Brasil e em Quebec.

Saiu do Brasil quando tinha 23 anos.

A segunda vez saiu quando tinha 40 anos.

Não sofreu preconceito no Brasil nem em Quebec.

Não fez curso de qualificação em Quebec.

Acha que está mais difícil e restritivo. Antes, aceitavam a reunificação familiar de parentes

indiretos (sobrinho, tio, etc). Agora, acha que eles só estão aceitando pessoas formadas, com

diploma, jovens.

“Uma pessoa que não tem estudos no Brasil e não tem dinheiro não pode imigrar nunca para o

Canadá porque eles não vão dar permissão para vir”.

Estão rigorosos na seleção. Exigência de falar língua que antes não existia. Criaram certas

barreiras que antes não existiam.

Chegou em 1976 via governo federal.

A segunda vez, 1992, teve que fazer o pedido para Quebec e depois Canadá.

Voltaram para o Brasil em 1981.

Diz que na época não poderia ter duas nacionalidades. O marido era Canadense.

Demorou um ano para dar a residência permanente em 1992.

Aplicou para a cidadania.

É contra fechar a imigração. Há muitas pessoas que tem o que dar e que não estão sendo

autorizados a chegar.

Acha que a imigração fomenta a economia porque o cidadão do lugar está numa posição

acomodada. Arregaça as mangas e vai trabalhar, o imigrante.

Resolveu se nacionalizar pela facilidade que o passaporte canadense oferece, pode viajar para

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LXIX  

alguns países sem visto.

Não pretende sair de Quebec.

Não disse se vai ficar para sempre ou não.

Não pretende voltar a morar no Brasil.

Aí você cria raízes familiares, que são os netos, que são os filhos, compromissos que

impedem de retornar. Pensa em passar o inverno de Quebec no Brasil.

Tem três filhos. Todos vieram na imigração. Os pais falecidos. Se comunica com a família no

Brasil, irmãos, tios, tias. Se comunica por telefone, e-mail, internet. Tem computador em casa

com acesso a internet banda larga, tem TV a cabo e com a globo.

É importante manter proximidade cultural com o Brasil.

Continua amando o Brasil, mas viver no Brasil é mais difícil.

Imigrou a primeira vez em 1976.

Ficou até 1981.

Voltou para o Canadá em 1992.

É de Recife. Antes de imigrar, morava em Recife.

Não acha que imigrar para Quebec seja sinal de prestígio. Foi um sinal de sobrevivência.

Quem custeou a imigração foi ela e o marido.

Trabalha na economia formal.

Profissão do Brasil: comerciante

No Canadá: diarista

Saiu do Brasil por conta de dificuldades econômicas decorrente do congelamento da

poupança do Collor.

Os filhos não queriam se mudar para o Canadá.

14-Fernando P., solteiro, 32 anos, pesquisador acadêmico e tradutor, imigrou em 2006

Ouviu falar em Quebec nos livros de história, mas muito pouco. Em termos de imigração, a

partir de palestras para Quebec.

Pensava em sair do Brasil e nas palestras aprendeu mais sobre a província.

Procurava uma experiência fora do Brasil. Procurava bolsas de estudos fora. Em Quebec,

recebeu uma boa proposta de bolsa. Resolveu aplicar porque se gostasse ficaria se não

gostasse voltaria.

Ficou sabendo da imigração pelas palestras.

Foi a palestras no Brasil.

Conheceu em Porto Alegre uma menina de Quebec que estava lá para aprender português.

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   LXX  

Essa menina ajudou a se estabelecer.

Aplicou para bolsas de estudos em Quebec. Depois de aprovado, pediu a residência

permanente.

Acha que foi menos difícil a adaptação do que pensava. Mas não era tudo muito simples.

Ajudou que ele tinha uma segurança porque estava na faculdade, o que o levou a conhecer

outros imigrantes e mais gente.

Está satisfeito com a mudança porque ela ajudou a descobrir o que gostaria de fazer da vida.

Um processo que estimulou abertura e contatos que ele acha que não teria no Brasil.

Não houve descompasso porque não veio com expectativas altas.

Superou as expectativas porque não esperava muita coisa.

Diz que não encontrou nada difícil.

Imigrando buscou se abrir e encontrar pessoas e fazer contatos, porque era tímido no Brasil.

Você chega e não conhece ninguém e a chance de conseguir alguma coisa fica mais reduzida.

Acha que conseguiu mudar isso que gostaria.

A grande maioria das pessoas não ajudou instrumentalmente para conseguir um emprego.

Mas, isso o ajudou na socialização e não se sentir isolado.

Ganha mais em Quebec que no Brasil.

Faz mais coisas em Quebec.

“São momentos de vida diferentes. Aqui eu evoluí profissionalmente. São seis anos que se

passaram de lá para cá. Se eu tivesse no Brasil nesses seis anos talvez eu até pudesse estar

ganhando mais. Mas, considerando isso, antes no Brasil eu não tinha condições de pagar meu

próprio aluguel, morar sozinho e ter uma vida relativamente confortável, viajar, comprar

umas coisas... quer dizer, eu fazia com muito mais dificuldade. Se eu estivesse na mesma

situação no Brasil: se eu fosse estudante de doutorado bolsista eu acho que seria muito mais

difícil eu ter o mesmo padrão de vida”.

60 mil dólares por ano por ano para duas pessoas a renda familiar.

Se sentia respeitado no Brasil, profissional e pessoalmente se sentia respeitado.

Se sente respeitado em Quebec porque é um imigrante, fala inglês e francês, e acha isso um

feito. O que já o define de uma maneira como trabalhador, alguém que se interessa pela

cultura.

“Aqui se você faz um bom trabalho você é respeitado pelo seu trabalho. No Brasil não é tanto

assim. Aqui também não é tanto assim. Mas, no Brasil é menos, eu acho. Você pode ser muito

trabalhador, honesto, mas as pessoas não reconhecem isso, tem mais politicagem... aqui

também tem, mas menos. Você não é facilmente respeitado aqui se você for uma malandro.

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LXXI  

No Brasil, até pode ser...”.

Se sente cidadão igual no Brasil e em Quebec. No Brasil tinha direito a votar e em Quebec

também. Não acha que as eleições mudam muita coisa em Quebec ou no Brasil.

Se sente mais cidadão brasileiros do que canadense. Cidadania plena é você ter os mesmos

direitos e deveres que todas as outras pessoas no território. Sente isso em Quebec e no Brasil

um pouco menos. “No Brasil tem menos oportunidades para pessoas de classe média baixa

avançar. Não se aplica ao meu caso em particular. Mas, no Brasil você tem a sua cidadania se

você é classe média para cima. Aqui, isso se aplica a mais classes sociais”.

Fazendo doutorado em Quebec.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil. Tinha o que comer, necessidades imediatas

atendidas, computador, lugar para morar, livros, não necessitava a se sujeitar a atividades que

consideraria degradante, como limpar fezes, fazer coisas que iriam contra o que acreditava,

não precisava se sujeitar a coisas que iria contra ele para ganhar a vida.

Acha que tem uma vida digna em Quebec porque além de lugar para morar, comida, etc, faz

algo que gosta e é pago por isso.

Acha que se tivesse no Brasil não teria o mesmo encaminhamento de carreira, porque é mais

complicado. Em Quebec, vê mais oportunidades, bolsas, atividades, etc, que favorecem quem

quer ser professor. No Brasil, acha mais complicado.

Não sofreu preconceito quando morava no Brasil. Nem em Quebec.

Fez o mestrado em Quebec e estava fazendo o doutorado.

Optou pelo mestrado e não pensava em fazer o doutorado.

Trabalhou com gestão da cultura.

Não encontrou emprego nesta área do mestrado e resolveu dar entrada no projeto de pesquisa

para o doutorado.

O mestrado ajudou a entrar no doutorado. O doutorado ele ainda não sabe, mas espera que

consiga se colocar no mercado, mas ainda não sabia.

Acha a política de imigração de Quebec boa no geral. Mas, ela cria muitas expectativas ao

imigrante. “Ela mostra uma versão muito otimista do Quebec. Não é uma versão falsa

necessariamente, mas muito otimista. Não é muito fácil como parece ser segundo as palestras

de imigração conseguir emprego aqui”.

Uma versão um pouco otimista e pode iludir certas pessoas. Por outro lado, existem outras

fontes de informação e os imigrantes poderiam se informar. Os critérios talvez não sejam

melhores considerando as necessidades de Quebec. Alguns imigrantes, um doutor em

filosofia, conseguiria imigrar, mas não conseguiria emprego. Outras áreas não pontuariam,

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   LXXII  

mas teriam empregos.

Após enviar o dossiê, demorou um ano para receber a residência permanente. Já estava em

Quebec.

“As pessoas que imigram para cá tem a tendência de ver tudo que acontece no Brasil ruim

para justificar para si mesmo a imigração. Principalmente os que acabam de chegar acham

que o Brasil é a última das piores coisas do mundo. Com o tempo isso acaba mudando e vice-

versa – achar que aqui e bom”.

Acha que o Quebec tem mais coisas boas do que ruins. Mas, não quer dizer que seja para

todas as pessoas. Depende da área e do estilo de vida. “Uma coisa boa daqui é que as coisas

em geral funcionam bem. Transporte público funciona. Eu não tenho carro e não pretendo ter

carro. As coisas funcionam. O ônibus passa na hora na maioria das vezes. O metrô funciona

na maioria das vezes. Isso por si só já elimina o estresse de ter carro, já elimina custos, uma

porção de coisas. Eu tiro uma vantagem disso. Mas, o Brasil tem coisas boas... depende da

classe social um pouco... aqui o sistema de saúde é muito fraco. Então para alguém de uma

classe média, classe média alta para cima você tem um plano de saúde em geral. Então você

tem um atendimento de saúde melhor no Brasil. Aqui você classe média, classe média alta

você tem um sistema de saúde fraco, tem que esperar na urgência, tem médicos que não é

muito bom...”.

“Em geral, é um sistema mais igual para as pessoas todas. Se você é de uma classe

desfavorecida, você está muito melhor aqui que no Brasil. Se você é de uma classe mais

favorecida, você vai ter mais coisas: vai ter uma saúde melhor, vai comer melhor, vai ter

empregada... aqui não... então depende para quem, onde você se encontra, os valores, o que

você acha importante”.

Virou cidadão canadense para ter mais mobilidade, morar o tempo que quiser no Brasil e

poder voltar para o Canadá sem nenhuma dificuldade.

Pretende ficar em Quebec ou sair dependendo de oportunidade de emprego,

Ficar em Quebec também emprego.

Voltar para o Brasil depende de emprego.

Se sente mais parte do mundo em Quebec que no Brasil.

Não tem filhos. Família ficou no Brasil. Não há perspectiva deles irem a Quebec.

Se comunica com os pais duas vezes por semana. Via internet. Tem computador em casa, tem

internet banda larga. Não tem TV a cabo.

Acha importante manter proximidade cultural porque não se sente canadense, apesar de ser.

“Talvez eu seja um brasileiro diferente agora por morar aqui, várias coisas canadenses que eu

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LXXIII  

nem me dou conta que fazem parte de mim”.

Acho importante saber mais sobre da onde eu venho.

Imigrou em 2006. De Porto Alegre. Morou dois anos nos Estados Unidos, dos oito aos dez

anos em Chicago.

Imigrar para Quebec não é sinal de prestígio.

Ele mesmo que custeou a imigração.

Trabalha no doutorado em Quebec.

No Brasil, era pesquisador de administração para universidades e tradutor, trabalhou em um

banco também (bancário).

Resolveu sair do Brasil porque buscava algo fora, queria ter uma experiência fora do Brasil,

ver se era possível ter uma vida fora do Brasil. O que fazia no Brasil não era bem o que queria.

Não via muita saída de fazer algo que gostasse. Queria ter uma experiência fora nem que

fosse uma espécie de jornada espiritual para descobrir o que gostaria. “O Quebec foi uma

coincidência porque foi onde tinha as portas mais abertas. Na Europa não tinha nenhum porta

aberta. Eu acharia muito mais interessante ir para lá, mas não tinha. Os Estados Unidos era

mais complicado. Então foi um pouco por causa disso. Eu não estava completamente

insatisfeito com o Brasil. Mas eu sentia que eu precisava sair, nem que fosse por um tempo.

Acabou acontecendo que eu estou aqui há seis anos. Mas, eu não vim com essa intenção”.

15-Lincoln Z., casado, 48 anos, analista de sistemas, imigrou em 2007

Um conhecido falou com o irmão sobre as palestras de imigração. Aí ele foi na palestra, diz

que foi enganado, ouviu um cara que contou um monte de história maravilhosa.

“[Escolhi imigrar] para Quebec por falta de opção porque se convidassem para ir para a

Noruega, Finlândia, eu ia. O que eu conhecia de porta aberta no exterior só aqui. Se os

Estados Unidos fizesse o mesmo trabalho que o Quebec faz não tinha ninguém aqui não. Não

faz sentido vir para aqui não. Se bem que o cara [palestrante do governo de Quebec] fazia

uma propaganda maravilhosa, era tudo perfeito. Depois que você chega que você que tudo era

mentira”.

Ficou sabendo da possibilidade de imigrar nas palestras. Foi em Belo Horizonte.

Não conhecia alguém em Quebec antes de imigrar.

Seguiu o processo normal. Mandou a documentação, fez exame médico, vendeu tudo que

tinha no Brasil. “Se eu não tivesse vendido eu já tinha voltado. Então essa foi uma boa ideia,

vender tudo... porque eu queria que desse certo aqui... porque a gente passou por dificuldade

demais aqui, dificuldade que não compensa no final. A única coisa que tem de bom aqui é a

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   LXXIV  

segurança”.

Achou difícil a adaptação. “Primeiro você chega com a ideia, querendo fazer amizade com o

pessoal daqui. Com o tempo você vê que isso é impossível. O pessoal daqui não faz amizade

nem entre eles, quanto mais com o imigrante. Não é 100%, tem gente boa aqui. Mas, no geral,

o pessoal daqui...”.

“Então essa é a maior dificuldade. Você fala: ‘vou chegar, em pouco tempo vou estar falando

francês porque vou fazer amizade com o pessoal de lá... aí quando você vê que não dá... muita

gente passa por depressão aqui exatamente por isso: chega aqui e não consegue conhecer

ninguém, não consegue fazer amizade com ninguém e acha que o defeito está nela [na pessoa

que imigrou], e na verdade o defeito está no povo daqui”.

Diz que não está satisfeito com a mudança, mas que está se acostumando porque a gente se

acostuma com tudo na vida.

“No Brasil, eu fui sequestrado, foi assaltado várias vezes... mas, aqui eu não sei se vale à

pena... para as crianças é ótimo. Para quem tem filho, eu tenho três meninas, para elas é muito

bom. Pode estudar, onde quiser, de graça... aqui médico é de graça, mas não existe médico,

você não consegue atendimento aqui. Eles falam mal do SUS, mas aqui é mil vezes pior. Eu

torci o pé, não sabia se tinha quebrado ou se não tinha, fui no médico, fiquei 10 horas

esperando, ninguém me atendeu e eu fui embora. Aí depois fiquei sabendo que eu não posso

ir em nenhum outro médico mais porque eu abandonei o negócio. Por exemplo, o tratamento

dentário eu faço no Brasil, quando eu preciso eu vou lá, aqui não dá.... é só a segurança

[porque vale à pena] e custa caro essa segurança, tem policial demais à toa na rua. A

criminalidade não tem por que [existir], o governo sustenta o povo, o cara tem tudo em casa,

não trabalha, mas também não falta nada para ele. Se faltar, aí explode”.

“A expectativa era que tinha muito emprego aqui e não tem. O governo mente, ele exige

pouca coisa, traz muita gente... por exemplo, um engenheiro, ele vai ter que trabalhar como

peão de obra, não tem vaga para ele, ele não pode trabalhar como engenheiro. Isso ninguém

conta. Existe um distúrbio entre o governo e as empresas. O governo fala: ‘vai para lá que tem

muito emprego’. Mas, as empresas não querem contratar os estrangeiros. Então o problema

está na imigração, não no povo [que imigra]. Eles querem gente especializada, mas chega

aqui e não tem emprego para eles. Conheço vários médicos aqui que não conseguem trabalhar

como médico, e nunca vão conseguir. E falta médico... você vai no hospital e não tem

ninguém”.

O que o atraiu foi a chance de morar na América do Norte. Diz que no Brasil ninguém

conhece Quebec. Diz que o primeiro choque é que quando chega percebe que não está no

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LXXV  

Canadá, mas sim em outro país – pelo que a população diz.

Acha difícil a convivência com o quebequense.

Diz que por conviver com pessoas de diferentes etnia isso é bom, porque diminui o

preconceito que ele tinha por não ter contato com essas pessoas, principalmente em suas

filhas.

Ganha menos que no Brasil e diz que a vida é mais barata. Diz que o salario brasileiro é mais

alto que no Brasil porque as coisas são muito caras.

Acha que consegue fazer mais coisas em Quebec. Diz que consegue comprar mais coisas no

supermercado (supermercado mais barato), faz mais viagens para o exterior sem dificuldade,

consegue comprar um carro novo. “E como não paga escola, sobra mais. O plano de saúde, a

gente paga. Acho que no final aqui você faz mais coisas”.

Renda familiar líquida de 5 mil dólares por mês para cinco pessoas.

Se sentia respeitado no Brasil.

Não se sente respeitado em Quebec. Diz que nenhum imigrante vai ser respeitado, “a não ser

se ficar rico. E aqui é impossível ficar rico, ninguém vai te deixar ficar rico”.

Se sente mais respeitado no Brasil.

Acha que nunca vai se sentir cidadão em Quebec.

Diz que pessoas mais novas tendem a aceitar melhor e quem trabalhou mais tempo no Brasil

tem mais dificuldade de aceitar.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil porque tinha dinheiro, tinha um bom emprego... “no

Brasil o único problema foram os assaltos. Eu morava em uma chácara e ela foi roubada umas

seis vezes. Aí nós mudamos de lá. Foi aí que eu decidi mudar do Brasil”.

Acha que tem uma vida digna em Quebec.

Diz que trabalhava menos no Brasil, mas corria mais risco.

Acha que a legislação trabalhista no Brasil é melhor que em Quebec.

Não sofreu preconceito no Brasil.

Diz que já sofreu preconceito em Quebec por ser brasileiro, por ser julgado vindo de um país

de terceiro mundo.

“Aqui é um espetáculo até começar a trabalhar. Enquanto você está estudando é tudo muito

bom. Mas, começou a trabalhar, aí começa... o ambiente aqui é muito carregado, não existe o

coleguismo que existe no Brasil, é um querendo prejudicar o outro”.

Fez curso de francização e um pouco de inglês. Disse que ajudou um pouco a se inserir no

mercado de trabalho.

Acha que para a política de imigração dar certo deveria haver um acordo entre as empresas e

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   LXXVI  

o governo, que o governo traz pessoas para viverem sob seu sustento.

Demorou seis meses para imigrar depois que encaminhou o dossiê.

Mandou a documentação para virar cidadão canadense para não ter que renovar o cartão de

residente permanente.

Não pretende voltar para o Brasil. Pretende morar seis meses em Quebec e seis meses no

Brasil, porque já se acostumou.

“Morar lá e aqui. Eu tenho três filhas e provavelmente elas quando crescerem não vão querer

voltar a morar lá”.

Não se sente mais parte do mundo em Quebec que no Brasil.

“Se você pensar bem, o Canadá vive nas costa dos Estados Unidos. O único cliente que eles

têm [o Canadá] são os Estados Unidos. Porque os Estados Unidos são autossuficientes. Se

eles não quiserem nada, acabou o Canadá de um dia para o outro ele quebra. Ele está no G8

por conta dos Estados Unidos. O Brasil não está no G8, mas a economia é seis vezes maior

que a do Canadá. Os Estados Unidos é o seguinte: ele não tem nenhum amigo aí ele fala ‘oh,

Canadá, quer ser meu amigo? Tá, eu te ponho em tudo lá, mas eu quero ter um amigo, pelo

menos um”.

Possui três meninas que imigraram. Os pais ficaram no Brasil e sem previsão de virem no

futuro. Se comunica com os pais uma vez por mês por telefone. Tem computador em casa

com internet banda larga, tem tv a cabo com canal brasileiro.

Acha importante manter comunidade cultural com o Brasil, inclusive incentiva que as filhas

aprendam português.

Imigrou em 2007.

É de Conselheiro Lafaiete, MG. Antes de imigrar em Quebec morava em Betim, MG.

Mirou em Barbacena, em Lavras e em Betim.

“O brasileiro – eu era assim também – desvaloriza o Brasil, ele acha que qualquer lugar do

mundo é melhor que o Brasil. Então, provavelmente para quem ficou no Brasil eles podem

achar que eu fiz uma coisa muito boa, que eu sou o estrangeiro da família. Mas, para mim

não... eu perdi muito aqui, não ganhei quase nada... quer dizer, as crianças vão aproveitar

mais do que eu. Mas, eu não aproveito quase nada”.

A filha mais velha tinha 9 anos, 5 e 1 ano e pouco quando chegaram.

Quem custeou o projeto de imigração foi o próprio. Trabalha como comerciante em Quebec.

No Brasil era analista de sistemas.

Chegou a trabalhar como analista de sistemas em Quebec, mas achou o ambiente de trabalho.

Acha que o imigrante chega com muito estudo e experiência o que contrasta com pessoas sem

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LXXVII  

estudo e sem experiência. Diz que o dono das empresas é um bobo porque pega um estagiário

e coloca para avaliar um novo empregado.

Resolveu sair do Brasil por conta da violência, que a segurança pública de Quebec o dá

tranquilidade. “As crianças ficam em casas sozinhas, elas vão para a escola sozinhas. Então

isso conta ponto”.

16-Leticia L., divorciada, 47 anos, professora de educação física, imigrou em 1995

Era atleta da seleção brasileira de polo-aquático. Ficou no Canadá para tratar uma lesão de

ombro que teve e ficou na casa de uma atleta da seleção canadense (fez uma operação). Já

tinha jogado no exterior. Voltou para o Brasil e foi convidada para jogar por um clube

canadense. Voltou para jogar por um clube.

Quando voltou para jogar, estava cansada de seleção brasileira. Foi esquiar e acabou

conhecendo o ex-marido. “Foi por causa não só dele, lógico, mas também a questão de

qualidade de vida que não se compara, né? Ter uma casa dessa toda aberta, você não tem isso

no Brasil, meu salario é seis vezes maior do que eu ganhava no Brasil, a vantagem é toda essa

– e com a vantagem que meus pais me ajudam a ir ao Brasil duas vezes por ano com os dois

filhos. Não tenho do que reclamar. Tem hora que é difícil mesmo, é tudo muito longe, eu

separada... fica difícil nesse sentido. Mas, financeiramente, saúde, essas coisas, não tem do

que reclamar. É quase 100%. Estou contando os dias, mais uns aninhos e eu aposento. Aí eu

vou passar seis meses lá e seis meses aqui. Eu não venho aqui no inverno não”.

Quando conheceu o ex-marido resolveu ficar. Ficou sabendo da política de imigração, viu que

tinha o perfil procurado e entrou.

Não foi a palestrada do governo de Quebec.

Quando resolveu imigrar, já falava francês bem porque ficava estudando de manhã e na parte

da tarde fazia fisioterapia.

Conhecia o ex-marido antes de imigrar.

Conheceu o ex-marido, resolveu imigrar. Era funcionaria pública no Brasil.

Chegou em 1995 em Quebec. Só se integrou com a comunidade brasileira em 2007, quando

se divorciou.

Não teve problema de adaptação.

Está satisfeita com a mudança, mas conta os dias para voltar. Em sete ou oito anos se

aposentadoria no Canadá e daí pretende ficar seis meses no Brasil e seis meses em Quebec.

“Vai ser uma aposentadoria um pouco pobre, sem luxos, mas como eu quero”.

Não houve descompasso. Diz que por ser atleta de elite sempre esteve acostumada a treinar

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   LXXVIII  

forte e alcançar os objetivos e isso a ajudou.

Chegou e cumpriu as etapas exigidas pelo governo de Quebec – equivalência, prova de nível

de francês, etc.

Nunca ficou sem trabalhar. “E dinheiro bom... quer dizer, aqui eles reclamam, mas é seis

vezes o que eu ganhava lá, não posso reclamar”.

“O que me atrai no primeiro mundo é a previsibilidade das coisas, o que agente não tem muito

no Brasil. Você faz projeto financeiro, tem objetivos, se seguir tudo certinho você alcança.

Para a vida prática é muito melhor que no Brasil”.

“As vezes que eu passo férias lá é complicado. É tudo no improviso, as pessoas não pensam

em manutenção, é tudo na emergência, quase nada é previsto e isso é uma coisa que a minha

vida inteira me deixou agoniada. Eu sou uma pessoa que planifica, que tem objetivos”.

Diz que desde os seis anos de idade sabia que queria ser professora de educação física. Diz

que estudou, planejou tudo, passou em um concurso e o salario foi um salario mínimo e meio,

o que não deu a qualidade de vida que ela via que seus mais tinham.

“Quando eu vi a possibilidade de vir para um país onde as coisas são mais previsíveis... foram

vários os motivos... tudo previsível, foi isso que fez realmente eu querer sair do Brasil. Correr

atrás dessa previsão de traçar um objetivo de vida e atingir com certeza, não chegar lá, fazer

tudo o trajeto e cair da escada no final. Considero que o que aconteceu comigo no Brasil foi

isso. Eu fiz uma história de vida acadêmica para chegar no final e tomar na cara”.

Acha que não tem muitas dificuldades em Quebec por conta de que tem estabilidade

financeira. Diz que o frio atrapalha, tem dois filhos pré-adolescentes, etc, enfrenta um meio de

trabalho difícil, cuida da casa. “A dificuldade é isso, é você estar sozinha, não ter empregada.

Não tem mamãe, não tem papai, não tem ninguém: você tem que se virar e eu tenho dois

filhos para criar. Mas, era previsível”.

Diz que não reclama da vida, tem saúde e tem dinheiro e viaja duas vezes por ano para o

Brasil.

Diz que sempre teve a impressão que as coisas estão muito bem, mas há coisas para melhorar.

Veio com o objetivo de fazer a vida que eu quis: viver do trabalho – o que alega que não

conseguia no Brasil – e fundar uma família, criar os filhos, se aposentar, e aproveitar a vida

ainda com saúde.

Mudou para um lugar onde as coisas são mais previsíveis. “Quando eu saí da faculdade e vi o

salario dos professores, com dois concursos públicos, eu falei: tem que fazer alguma coisa.

Não dá para ficar vivendo na casa dos meus pais. Tenho nível superior, sou concursada, tenho

dois empregos públicos e tenho que viver na casa dos meus pais para sobreviver. Não tem a

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LXXIX  

menor condição, isso é ridículo. Aí, o que eu vou fazer? Bom, eu não usei meu ex-marido,

mas aconteceu... está aí a oportunidade: Deus que botou no meu caminho, vou pegar”.

Disse que não mudou, mas seguiu o rumo do que sempre quis.

Acha que conseguiu.

O grande objetivo é quando fazer 55 anos aposentar e seguir para o Brasil.

“Acha que consegue fazer mais coisas. Sustenta a casa, vive bem. “Meus pais me ajudam com

a escola particular das crianças, mas se não fossem meus pais eles estariam no público e com

o salario do meu trabalho eu teria condições de sustenta minha família. O que eu tenho

demais é criança na escola particular e fazendo esporte, que aqui é caro, e a gente vai para o

Brasil duas vezes por ano e meus pais pagam as passagens das crianças. Se não fosse nada

disso, estaria bem também, com menos coisas, mas estaria bem. No Brasil, eu estaria

morando com os meus pais, eu não teria nem condições de pagar o aluguel com o que eu

ganhava”.

Renda familiar bruta de 40 mil dólares por ano para três pessoas.

Se sentia respeitada no Brasil como professora pelos alunos. Mas, como cidadão, se sente

mais respeitada como ser humano em Quebec.

Diz que é Brasil é a lei de Gerson que impera.

Um se preocupa com o bem estar do outro em Quebec. Tão importante quanto o seu próprio.

Se sente respeitada em Quebec.

Como professora, se sente respeitada igual pelos profissionais. Pelos alunos, se sentia mais no

Brasil. Como cidadão, como pessoa, o respeito é muito maior em Quebec.

“No Brasil é cada um por si e Deus por todos na maioria das vezes. Talvez agora esteja tendo

uma consciência maior. O Brasil está ficando mais consciente. Talvez porque como as

pessoas estão conseguindo viajar mais, viver mais esse tipo de coisas [respeito ao bem estar

do próximo] estão trazendo isso”.

Acha que no Brasil era difícil lutar por ideais, ter sua visão respeitada pelas pessoas.

Diz que na infância morou nos Estados Unidos por algum tempo. “Eu senti que eu era taxada

de boba, idiota pelos valores que eu aprendi no primeiro mundo”. Diz que acredita que as

pessoa estão passando a entender cada vez mais que o bem estar dos outros é o próprio bem

estar, mais ainda falta muito.

Cidadania plena é poder ter o trabalho, ir e vir, fazer o que quiser, ter deveres e fazer com a

consciência de que ele é necessário e que os outros tem os mesmos direitos que você tem.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil graças aos pais, mas se tivesse que viver com o

salário de professora talvez iria morar em uma favela.

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   LXXX  

Acha que tem uma vida digna em Quebec porque você trabalha e recebe pelo trabalho.

Diz que no Brasil tinha que viver em condomínio fechado, que a segurança era a coisa mais

importante e em Quebec é quase nula a violência urbana.

“Aqui é estável e lá é incógnita”.

Não sofreu preconceito em Quebec nem no Brasil. Mas, reconhece que existe preconceito em

Quebec para as coisas mais básicas.

Fez a revalidação do diploma em Quebec e isso foi importante porque foi exigido para entrar

no mercado de trabalho.

Acha a política de imigração de Quebec boa, sempre tem pontos para melhorar. Diz que eles

buscam pessoas que imigram para trabalhar.

Demorou dois anos para imigrar após enviar o dossiê.

Não se importa muito com as mudanças. Mas, espera que a sociedade mantenha a qualidade

de vida, que é uma escolha do país.

Demorou dois anos e meio para virar cidadã.

Se naturalizou para poder ter cargo público e poder viajar, passar pelos Estados Unidos sem

problemas, as passagens são mais baratas. “É muito melhor você ter o passaporte canadense

na questão de viagem internacional. O grande lance é esse”.

Imigrou em 1995.

Não pretende sair de Quebec e ir para outro lugar.

Fugir do inverno e viver seu país – seis meses lá e seis aqui.

Diz que o objetivo não é morrer no Canadá.

Se sente mais reconhecida como brasileira do que como canadense.

Possui dois filhos eu nasceram no Canadá. Os pais ficaram no Brasil e não há perspectiva de

irem morar no Canadá no futuro. Diz que eles tem um apartamento em Quebec e fica uns dois

meses por ano no Canadá.

Uma vez por semana fala com os pais.

Utiliza internet e celular.

Tem computador em casa com acesso a internet banda larga. Não tem tv a cabo.

Acha importante manter proximidade cultural com o Brasil. Diz que as crianças só assistem

televisão do Brasil via computador.

Nasceu em Belém, com seus anos foi para o Rio de Janeiro e com 30 anos imigrou. Morou no

Rio de Janeiro até imigrar.

Morou cinco meses nos Estados Unidos.

Não vê como prestígio morar no Canadá.

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LXXXI  

Quem custeou o projeto de imigração foram os pais que a financiaram até ela conseguir

arrumar um emprego.

Resolveu sair do Brasil por conta do ex-marido, por conta da segurança pública, por conta da

previsibilidade da vida, etc.

17-Rafael IV., casado, 31 anos, especialista de demanda de mercado, imigrou em 2010

Morou três anos em Quebec antes de imigrar.

O pai trabalhava na agência espacial canadense e ele se mudou para o Canadá quando tinha 8

anos de idade. Morou seis anos no Canadá. Três anos em Saskatchewan e três em Quebec.

Diz que o Canadá possui um processo de imigração fácil, se identificava com a cultural local,

escolheu Montreal porque julga que tinha o melhor dos dois lados da cultura anglófona e

francófona.

Tinha quinze anos quando voltou para o Brasil. Ficou no Brasil e fez o MBA no Canadá. Diz

que esperava voltar quando estava no Brasil.

Ficou sabendo da possibilidade de imigrar com os pais. Cresceu com a possibilidade de

imigrar.

Sabia que existia a possibilidade e que existiam duas portas de entrada: anglo e francês.

Avaliou a que seria mais rápida. Mas, diz que iria para Montreal de qualquer jeito.

Foi em palestra de imigração no Brasil mais para informar a esposa a se acostumar com a

ideia de vir.

Conhecia pessoas que em Quebec do colegial, mas não que ele mantivesse contato. Não foi

por causa deles que imigrou.

“Eu imigrei porque já era parte do meu plano de carreira trabalhar na América do Norte”.

A esposa não conseguiu ingressar na carreira de designer gráfica no Brasil e em 2009 ele

encaminhou a documentação para o governo de Quebec quando ela concordou.

Não achou difícil a adaptação, por tinha crescido no lugar. A adaptação foi quando voltou

para o Brasil.

Diz que está muito satisfeito com a mudança porque atingiu todos os objetivos que tinha

traçado para si e para a esposa tanto na carreira e adaptação.

Não teve descompasso. Para a esposa, que não tinha viajado antes, diz que foi um pouco

difícil porque ela não falava inglês e francês. Mas, para ele, foi imediato.

O que o atraiu pelo Quebec é a mistura de ser na América do Norte – benefícios de economia,

espaço e infraestrutura – e ter um lado um pouco mais relaxado dos franceses – para festas,

álcool, diversão, cultura, o resto do Canadá seria mais estrito.

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   LXXXII  

Saiu do Brasil porque o tipo de emprego que arrumaria e o salario que teria seria inferior ao

que tem no Canadá.

Diz que morou na Europa e lá era tudo muito apertado, tinha que morar em moradias menores,

etc.

Não acha nada difícil.

Resolveu mudar a qualidade de vida: “Tempo trabalhado por semana versus o quanto eu estou

ganhando para que eu pudesse chegar a um ponto onde eu soubesse que eu poderia ter filhos e

colocar eles em boas escolas e ter uma certa estabilidade e conforto”.

Acha que conseguiu.

Ganha mais em Quebec que no Brasil.

Acha que consegue fazer mais coisas. Viagem, consegue economizar.

“Uma coisa que é muito complicada no Brasil – pelo menos no Rio de Janeiro – não existem

escolas públicas de boa qualidade. Qualquer creche, qualquer primário e secundário que você

tenha que mandar seus filhos é muito caro em relação ao quanto sai do meu salario para isso.

E aqui é tudo de graça. Hoje pode não ter mudado tanto nesse aspecto [porque ainda não tinha

filhos], mas já mudou bastante, a gente já se sente muito mais confortável. Mas, o fato

também de conseguir se planejar para o futuro e pensar que podemos ter filhos e não vai ser

um problema financeiro é muito bom”.

Renda familiar bruta de 130 mil dólares por ano para duas pessoas.

Acha que se sentia relativamente respeitado no Brasil. Estava no topo da empresa dentre os

maus respeitados.

“A quantidade de gente que existe no Brasil e a quantidade de gente que se forma para um

número pequenos de empregos que há faz com que várias empresas utilizem o fato de você

estar empregado como já ser um grande benefício. Então, certas ameaças e certos medos são

colocados em você. Se você não ficar 12 horas por dia trabalhando você vai ser demitido

porque você não está trabalhando suficiente. Coisas assim. Então, esse tipo de coisa não

existe aqui e esse tipo de coisa eu achava inadmissível lá”.

Se sente respeitado em Quebec. “Aqui eu trabalho em horário normal. Quando eu fico até

mais tarde eu recebo agradecimento dos meus chefes, dos meus superiores, do presidente da

empresa, e o tipo de trabalho que eu faço não é um que eu bata ponto. É um trabalho mais

voltado a resultados. Os meus chefes não se prendem a horários assim como talvez no Brasil

se prendessem e outros lugares se prendem. Eu me sinto muito bem tratado e respeitado aqui”.

Se sente mais respeitado em Quebec. Se sente mais cidadão no Canadá porque cresceu no país

na idade da formação do indivíduo (dos oito aos quinze anos ficou no Canadá).

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LXXXIII  

Espera coisa do governo de saúde, segurança e educação que não vê em um futuro próximo

no Brasil.

Para ele cidadania plena é ficar em um país e ter todos os direitos assim como os filhos para

trabalhar e fazer negócios.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil.

Diz que vivia com o auxílio dos pais no Rio de Janeiro, mas conseguiu trabalhar para pagar as

próprias contas. Mas, diz que sempre foi apertado e trabalhando muitas horas por dia.

Acha que tem uma vida digna em Quebec porque tem mais respeito no ambiente de trabalho.

Diz que no Brasil trabalhava mais e aproveitava menos a vida. Em Quebec ele diz ter mais

folgas para aproveitar as coisas que quer e volta para casa 17h.

Não sofreu preconceito no Brasil nem em Quebec.

Fez um MBA na McGill University. Optou pelo curso por ter uma carreira de consultoria e

gestão de negócios. Após o curso, isso o ajudou a se inserir no mercado de trabalho. “É a

única razão por eu estar trabalhando onde estou”.

Diz que as pessoas no Canadá não reconheciam a experiência anterior e faculdade no Brasil.

Acha interessante o projeto de imigração de Quebec, acha ele inteligente.

Foram onze meses entre o envio do documento e chegada.

Para as profissões regulamentadas Quebec oferece muito e entrega pouco.

Pretende virar cidadão. Quer das aos filhos o que teve parcialmente: a vida completa no

Canadá que o ajudaria a trabalhar nos Estados Unidos ou outros países mais facilmente que

com um passaporte brasileiro.

Talvez se mude para outro lugar do Canadá, mas está dentro das possibilidades por questões

profissionais somente.

É anglófono.

Não pensa em voltar para o Brasil.

Se sente mais parte do mundo em Quebec que no Brasil por conta das conexões econômicas

da América do Norte com a Europa, centros de decisões.

Os pais ficaram no Brasil. Não tinha filhos. Os pais poderiam mudar para Quebec no futuro.

Se comunica com os pais uma vez por mês via internet. Tem computador em casa, internet

banda larga, TV a cabo sem canal do Brasil.

Manter proximidade cultural com o Brasil para ele não faz diferença.

Imigrou em 2010. É proveniente do Rio de Janeiro. Antes de imigrar morava no Rio de

Janeiro.

Nasceu no Rio de Janeiro, morou em Saskatchewan, morou em Quebec, voltou para o Rio de

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   LXXXIV  

Janeiro. Dos 15 anos aos 29 anos morou no Brasil passando um pequeno período de

intercâmbio na Alemanha.

Imigrar para Quebec não é sinal de prestígio.

Ele custeou o projeto de imigração. Trabalha na economia formal.

Profissão no Brasil e Canadá: consultoria de negócios.

Oportunidades de carreira e de vida (benefícios), por isso resolveu sair do Brasil.

18-Angela W., casada, 50anos, administradora, imigrou em 2011

Desde que se casou tinha a intenção de sair do Brasil. Desde então, há 23 anos, vem

pesquisando sobre países. Pesquisou Canadá, Nova Zelândia, Austrália e Holanda.

De todos os países, viu que não precisaria sair das Américas para ter uma qualidade de vida

melhor. Chegou ao Quebec porque começaram a pesquisar e descobriram que Quebec

facilitava a imigração para o mundo inteiro.

Nem só da assistência de que o governo dá, mas nós gostamos muito de francês.

Resolveu mudar por conta da qualidade de vida. “Não é por dinheiro porque aqui ninguém

fica rico trabalhando o dia a dia. Talvez se abrir um negócio, pode ficar muito bem de vida,

mas não rico. Não viemos para cá pensamos que a gente sairia de lá de uma vida média para

vir para cá e ter uma vida rica de dinheiro. Mas, rica sim em estudo, qualidade de vida para

nosso filho, para ele poder sair na rua sem ter medo, nós podemos sair sem ter medo.

Basicamente é isso, qualidade de vida”.

Em 2004 sabia da possibilidade de imigrar. Descobriu pesquisando.

Foi a duas palestras do governo de Quebec no Brasil.

“Como eu tenho 50 anos e meu marido tem 47 anos, como nós não somos duas crianças, nós

sabíamos que o cara pintava lá como se nós saíssemos do inferno e entrasse no paraíso. Mas,

nós sabíamos que não era bem assim. Tínhamos uma amigo que já tinha morado aqui, gostado,

voltou. A gente ficou pensando, ponderando uma coisa e outra, e através dos blogs... nós

lemos infinitos blogs para ver as comparações do que as pessoas diziam e fomos tirando

nossas conclusões”.

Conhecia uma pessoa em Curitiba, mas não ajudou no processo.

Entrou com o pedido da imigração em 2008. Demorou dois anos e sete meses até sair o visto.

O visto saiu em novembro de 2010.

Entrou em Quebec em junho de 2011.

Não acha difícil a adaptação. Diz que quem morou no Equador mora em qualquer lugar do

mundo.

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LXXXV  

Diz que tem o espírito de viajar, de conhecer.

Está satisfeita com a mudança porque o Canadá era o que esperava.

O filho teve câncer linfático e fez o tratamento público em Quebec.

Não tinham os parentes para visitar o filho, mas tinham os amigos enquanto ele estava

passando pelo tratamento.

Recém tinham chegado.

Os brasileiros em geral no Canadá se apoiam.

A adaptação do filho foi ótima.

Não houve descompasso porque já mantinha contato com outros adventistas da igreja.

O que atraiu é que em Quebec eles são calmos, não exigem tantas horas de trabalho nos

Estados Unidos. Diz que em início de conversa é difícil ser imigrante ilegal no Canadá. O

ambiente de trabalho é mais relaxado.

A facilidade que dão. Com o problema de saúde do filho o trabalho liberou o marido um mês

para ficar em casa sem trabalhar com aval da empresa.

Eles são solidários, bem diferente dos Estados Unidos e de outras empresas no Brasil. “Eles

podem até ser antipáticos por trás de você. Mas, na sua frente, eles são simpáticos”.

Acha a educação das pessoas refinada. Acha que na maioria das vezes os canadenses são

solidários.

“Acho que o sistema de saúde deles deveria melhorar um pouco no atendimento porque a

gente fica muitas horas esperando. Mas, as pessoas que já estão aqui há mais tempo, acham

que isso é certo porque todos são atendidos – desde o presidente da Bombardier até o

mendigo que está na rua. O atendimento é por ordem de chegada. Se tem alguém que está

passando mal ele passa na sua frente, é mais que lógico. Você tá lá com dor de garganta, mas

você não sofreu um acidente, não está sangrando, não está desmaiando, não está com febre de

40 graus. Então, você pode esperar. No Brasil a gente é acostumado a pagar plano de saúde e

não quer esperar. Aqui você não paga e espera. Não paga entre aspas também porque você

paga bastante imposto”.

Resolveu mudar: não ter medo de sair à rua.

“Em Curitiba e principalmente no Equador eu jamais caminharia na rua sozinha depois de

sete horas da noite. Aqui não”.

Ela não trabalhava, dona de casa. Acha que o marido poderia ganhar melhor no Brasil. Diz

que o que o marido ganha dá para manter filho, ela, a casa, em um ano compraram um carro

zero quilômetro, em duas horas o carro estava financiado – sem burocracia – e o mesmo carro

no Brasil nem ganhando o dobro ela acha que conseguiria comprar por conta dos impostos.

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   LXXXVI  

Pagaram 33 mil dólares para um carro que no Brasil estava sendo vendido a 160 mil reais.

A taxa de juros do financiamento existe, mas é de 1% a 2% ao ano.

“E é possível pagar. No Brasil eu teria que dar de entrada 50%, seriam 80 mil reais. E os 80

mil que restassem iria quase que triplicar”.

“Ganha-se mais aqui porque aqui você não paga escola, não paga assistência médica, meu

filho com todo o problema de saúde que teve nós não gastamos um centavo com ele – nós só

ganhamos ainda: roupas no hospital, a ONG que cuida de crianças no hospital depositou 800

dólares na minha conta na semana seguinte que ele começou a fazer a primeira quimioterapia

para que a gente pagasse gasolina, comprasse comida especial para ele, e o governo depositou

1400 dólares de contribuição também para que a gente tornasse a vida dele mais confortável.

Para nós, não faria diferença se eles tivessem depositado ou não. Mas, eles depositaram

mesmo com o salário alto que o Carlos [marido] tem”.

Recebe 500 dólares por mês de ajuda do governo para cuidar do filho porque ela não trabalha.

Acha que estão melhor que no Brasil.

Consegue fazer mais coisas: viagem.

Renda familiar bruta de 5 mil dólares por mês. Para sustentar três pessoas.

Se sentia respeitada no Brasil.

Quando não sabe falar o idioma acha que você não consegue se defender. No Brasil ela acha

que se fazia respeitada porque tinha o domínio do idioma.

Se sente respeitada em Quebec.

Acha que nunca foi desrespeitada.

Diz que se for olhar pelo lado político, se sente mais respeitada em Quebec. “Porque aqui eu

tenho meus direitos e meus deveres e o governo respeita os meus direitos. E no Brasil eu

tenho meus direitos e meus deveres, mas o Brasil não respeita meus direitos em muitas vezes.

Eu tenho direito pela Constituição brasileira a ter, casa, lazer, educação, etc, e nem sempre

esse direito meu é respeitado. Se eu quero uma escola boa no Brasil eu tenho que pagar. Aqui

se eu quero uma escola boa eu vou no governo”.

Se sente mais cidadão no Canadá pelo respeito político.

Cidadania plena é escolher quem vai governar.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil.

Acha que tem uma vida digna em Quebec.

Diz que não volta mais para o Brasil.

“A diferença para mim entre Brasil e Quebec é basicamente a violência. E eu particularmente

penso que para resolver a violência no Brasil vai ter que ser redescoberto de novo. Tem que

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LXXXVII  

mudar tudo. Não é diminuindo idade para ser preso que vai resolver o problema. Não é

implementando pena de morte ou cadeia perpétua nem nada”.

Critica a agressividade da política brasileira.

“Quando você assiste o jornal e vê a violência que tem no Brasil você pensa: “ai que bom que

eu estou no Canadá. Que bom que estou criando meu filho aqui. Que bom que meu filho vai

poder viver aqui tranquilo, sair, conversar, ter amigos, passear, viajar e eu não vou ter tantas

preocupações. Nesse sentido eu prefiro 10 mil vezes aqui e eu te digo que eu não voltaria para

o Brasil”.

Não sofreu preconceito no Brasil nem em Quebec. Não fez curso de qualificação.

Não fez curso de qualificação por conta da doença do filho.

Pretendia fazer um curso de francês do governo para se inserir no mercado de trabalho. Tinha

a ideia de fazer um empreendimento, uma creche ou restaurante.

Acha que a legislação de imigração de Quebec e Canadá é muito condescendente com os

asilados.

Entrou pela imigração do Canadá.

“Aqui não é muito fácil ficar ilegal não. Tem gente ilegal, mas em muito menor escala”.

Demorou dois anos e sete meses até vir o passaporte com o visto. Demorou oito meses até

imigrar.

É a favor do fechamento. Acha que precisa de uma reformulada para ver que tipo de pessoas

que eles querem.

Diz que faltam médicos e que deveriam haver cursos de capacitação para que as pessoa saiam

médicos após.

Pretende virar cidadão porque vai viver no Canadá para sempre.

Não pretendia sair de Quebec.

Não pensa em voltar para o Brasil.

Em Quebec se sentia mais parte do mundo que no Brasil.

O filho veio com ela e chegou quando ele tinha oito anos. Os pais ficaram no Brasil. Sem

perspectiva de ir morar em Quebec no futuro.

Fala com os pais todos os dias via telefone, internet. Tem computador em casa acesso a

internet banda larga, tv a cabo com canal do Brasil.

Operadora que faz a globo é a BELL.

Manter proximidade cultural com o Brasil é importante.

Imigrou em 2011.

Proveniente de Guarapuava no Paraná.

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   LXXXVIII  

Morava em Curitiba antes de imigrar.

Morou em São Paulo quando tinha 18 anos. Conheceu o marido em Guarapuava e se casaram.

Foram para Curitiba depois que se casaram.

Imigrar para Quebec não é sinal de prestígio. “O brasileiro sai do Brasil muito estudado

muitas vezes porque o país não dá as condições de ter uma vida digna lá. E daí, lá eles ficam

com glamour... as minhas irmãs, nossa! Elas tem uma loucura pelo Quebec”.

Quem custeou o projeto de imigração foram ela e o marido.

Profissão no Brasil: administradora de empresa.

Em Quebec: dona de casa.

“O que mais fez nós sairmos do Brasil foi a violência, o medo de sair na rua, de deixar seu

carro em qualquer lugar... aqui eu deixo meu carro em qualquer lugar, não tenho medo. Eu sei

que ninguém vai roubar... o roubo de carro aqui é tão pouco que... ninguém vai passar com

uma chave riscando meu carro de ponta a ponta só pelo bel prazer de riscar, não vai quebrar o

vidro do meu carro como quebraram o meu em Curitiba para levar uma caixinha que eu tinha

que não tinha nada [dentro]. E depois eu fui assaltada em Curitiba, o cara colocou a arma na

minha cabeça em plena luz do dia, 11h20, em pleno centro da cidade no sinaleiro... então...

depois desse assalto nós apressamos os papeis e tudo e vamos sair daqui... isso daqui não é

vida para nós. E se eu estivesse com meu filho? E se eles tivesse levado o meu carro e

arrastado o meu filho como tantas coisas que você vê lá. Então violência para mim é tudo. A

qualidade de vida e a segurança que nós temos aqui não tem dinheiro que pague”.

19-Stella V., casada, 40 anos, assessora migratória, imigrou em 2000

Tinha visitado Montreal como turista. Visitou uma amiga. Escolheu imigrar para Quebec

porque conhecia uma pessoa que conhecia previamente com quem pudesse contar em caso de

emergência. Tinha essa amiga em Montreal.

Quando foi para Montreal pela segunda fez quando foi fazer um curso de francês que resolveu

imigrar.

Não existia as palestras do governo de Quebec quando ela imigrou.

Tinha uma amiga em Quebec.

Não se preparou. Demorou três meses para sair o visto.

Uma amiga canadense nascida em Montreal.

Diz que está adaptada ao estilo de vida, que era o que sempre quis ter e diz que não

conseguiria ter no Brasil. Mas, quanto a se sentir parte da sociedade quebequense acha que

nunca vai se sentir.

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LXXXIX  

Está satisfeita com a mudança.

“Eu sempre tive vontade de ter o direito de ir e vir que é uma coisa que eu acho que nós

somos tolhidos no Brasil pela violência. Para mim, isso era fundamental. Eu estava disposta –

como fiz – a sair do Brasil sozinha sem família, sem nada, para ter essa experiência de vida.

Agora, com meus filhos, é impensável ir para um lugar onde eu tenha que ficar em uma gaiola

de ouro. Nesse ponto, eu estou adaptada e gosto. Mas, no resto, eu nunca vou me adaptar. A

mentalidade das pessoas de Quebec eu acho muito complicado pelo racismo. A pessoa que se

sente bem vinda ao Quebec porque é imigrante é ingênua e de uma certa maneira é bom

porque daí ela pode se adaptar, se sentir totalmente adaptada. Eu não acredito que uma pessoa

se sinta bem vinda pelas pessoas daqui”.

Não houve descompasso. A expectativa era morar em um lugar com uma vida calma e segura

e isso conseguiu.

Um estilo devida onde as pessoas dão mais importância para a vida do que ao dinheiro e ao

trabalho e à aquisição de bens materiais.

A mentalidade quebequense é o que estraga o Quebec. Reclama também do verão em Quebec,

diz que não gosta, prefere o outono e o inverno. Mentalidade de imposição da cultura deles a

quem chega. “O problema de Quebec é que eles não tem filhos suficiente então eles não

conseguem passar a cultura deles naturalmente como todas as nações fazem. Então, eles tem

que forçar e fazer leis que se tornam, na minha opinião, abusivas”.

Não conhece leis do mundo inteiro, mas diz que nunca tinha ouvido falar de uma lei que força

as pessoas a falar a língua do local.

Acha ruim a Xenofobia aqui.

O marido é americano e a mãe e de Montreal. É bilíngue.

Buscava desacelerar e se sentir segura com a imigração.

Em relação a dinheiro, ganha menos em Quebec que no Brasil. Não trabalha, há oito anos

resolveu parar de trabalhar para cuidar dos filhos. Acha que se trabalhasse no Brasil ganharia

mais.

“Eu acho que aqui a gente ganha mais porque a gente paga o nosso imposto e não recebe nada

em troca, não tem retorno. Aqui a gente tem. Então, no final das contas, meu estilo de vida é

de uma certa maneira superior”.

Acha que consegue fazer mais coisas em Quebec.

Renda familiar bruta de 50 mil dólares por ano para quatro pessoas.

“No Brasil a gente se acostuma com certas coisas e a gente não enxerga mais”.

“Como cidadã, eu era extremamente desrespeitada. Apesar de eu pagar todos os meus

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   XC  

impostos, como uma pessoa solteira no Brasil tinha uma renda classe média, eu não tinha

nada em retorno. E esse era um dos pontos que me deixou sempre afetada. Como pessoa e em

relacionamentos pessoais eu me sentia respeitada. Mas, aí são seus amigos e seus familiares,

as pessoas que te rodeiam e você escolhe”.

Se sente respeitada em Quebec financeiramente. Pessoalmente, algumas vezes não se sente

bem vinda. Diz que se sente um peixe fora d’água, mas se sentia assim também no Brasil. A

diferença é que no Brasil ela tinha a família e em Quebec não tem. Os amigos que foi

formando em Quebec ela se sente respeitada por eles.

De uma maneira geral, se sente mais respeitada em Quebec porque acha que seus direitos são

mais respeitados.

Não se sente cidadã no Brasil ou Quebec.

“Quando você não é aceito é difícil você aceitar”.

Cidadania plena é um sonho, acha que não existe isso para ninguém.

Acha que não tinha uma vida digna no Brasil. “Quando você não tem segurança de ir e vir,

quando você não tem segurança dentro da sua própria casa, quando você tem que pagar duas

vezes pela mesma coisa, quando você sempre tem que prestar atenção para saber se as pessoas

não estão te roubando, acho que é inexistente [a dignidade]. Essa é a razão”.

Acha que tem uma vida digna em Quebec, mesmo com as diferenças com a população local.

“Os meus direitos que eu considero fundamentais, necessários e básicos são atendidos”.

Diz que tem tempo, não tem medo, não tem pressa, não tem obrigação de estar dentro de um

padrão físico e visual que as pessoas tem, como mulher diz que não se sente obrigada a

agradar o olho masculino – uma sociedade menos machista, inclusive as mulheres.

Financeiramente acha que o dinheiro rende mais em Quebec.

Não sofreu preconceito no Brasil. “No Brasil eu era parte da classe média alta, eu era

considerada branca, então eu era tudo que a maior parte dos brasileiros quer ser”.

Já sofreu preconceito em Quebec. “Em Quebec eu sou só uma pessoa do terceiro mundo

escurinha, como já falaram para mim... aqui as pessoas enxergam muito a cor... para mim foi

chocante no começo porque eu me considerava branca. Quando alguém me chamou pela

primeira vez escura eu achei estranho, chocante. E eu acho que o preconceito vem rápido e

basicamente no formato de xenofobia”.

Descreve situações de preconceito linguístico, as pessoas reforçam que você não tem o

domínio, tanto francófonos como anglófonos. Diz que não sente isso de pessoas francófonas

de outras partes do mundo que imigraram, acha que é do quebequense.

Não fez curso de qualificação.

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XCI  

Diz que tem um relacionamento de amor e ódio com Quebec.

“Eles não estão interessados no adulto que está vindo. Eles estão interessados na criança que

eles vão transformar em quebequense. Essa é minha opinião. Eles não estão interessados em

quem está vindo, eles estão interessados na próxima geração. Essa geração se não tiver

emprego, se não se adaptar, eles não estão preocupados porque eles sabem que a força de uma

pessoa ser criada na outra cultura é tudo que eles precisam. Então, já que eles não vão ter

filhos, eles vão criar o filho dos outros na cultura deles. E isso é que vai transformar o mundo

do que eles precisam no futuro de pessoas daqui. Talvez seja um grande absurdo isso que

estou falando, mas essa é minha visão, talvez superficial porque eu não gosto muito de me

envolver com negócio de imigração pelas coisas que eu ouvi no começo. Quando meu visto

saiu, eu ouvi da própria imigração, quando eles começaram a pensar no Brasil, a pessoa da

imigração me falou: ‘ai, você é brasileira, agora você vai experimentar, vai ter muita gente do

Brasil vindo porque o Quebec vai investir em trazer pessoas do Brasil porque brasileiro não é

unido, não formam guetos, o brasileiro já fala uma língua então eles vão vir sem falar a língua

porque eles não tem uma educação formal em duas línguas. Então, eles vão vir com o

português e vão dar preferência pelo francês por ser uma língua latina’”.

Chegou em Quebec em 2000. Virou residente permanente em 2003.

Visto de reunião familiar inicialmente.

É a favor de fechar porque o mercado de trabalho não absorve as pessoas que chegam, acha

um gasto de dinheiro desnecessário. Mas, diz que não tem uma opinião formada.

Virou cidadã canadense. O processo demorou 16 meses e foi tudo muito simples.

Pensou em se naturalizar por conta da pressão do marido por medo de uma mudança de lei

que pudesse prejudicá-la e também perder certos direitos no futuro.

Chegou a tentar ir para outro lugar – Ontário. Mas, o marido não quer. Mas, achou Montreal

melhor que Toronto.

Não pretendia morar em Quebec para sempre justamente porque diz ter uma relação de amor

e ódio.

Diz que a experiência que teve em Toronto foi boa para ver um lugar que ela julga que aceita

melhor o imigrante e dá oportunidades para ele em cargos de gerenciamento. “Aqui,

basicamente, se você não for quebequense, é muito difícil você ter um posto de

gerenciamento”.

Diz que isso foi positivo, mas o estilo de vida mais norte americano não atraiu muito – vida

na cidade ser vida para quem não tem filhos, vida baseada em consumo.

Não pensa em voltar para o Brasil.

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   XCII  

Não sabe responder se se sente mais parte do mundo em Quebec que no Brasil.

Os filhos são nascidos (dois) em Quebec. Os pais ficaram no Brasil e não sabe se eles viriam

a Quebec no futuro.

Fala com a família todos os dias: telefone, internet. Tem computador em Casa, internet banda

larga, TV a cabo sem canal do Brasil.

Acha importante manter proximidade cultural com o Brasil. A parte artística do Brasil ela

gosta muito. A linguística ela também gosta muito.

Nascida em São Paulo, morava na cidade antes de imigrar.

Não acha prestígio morar em Quebec. “Talvez do ponto de vista brasileiro, da cultura

brasileira, morar em qualquer lugar no exterior é sinal de prestígio. Mas, para mim, não é

sinal de prestígio”.

Quem custeou o projeto de imigração foi a própria.

Profissão em Quebec: Dona de casa.

Profissão no Brasil: agente de migração

Saiu do Brasil por conta da violência urbana: falta de segurança e liberdade.

20-Paulo I., separado, 32 anos, músico e contador, imigrou em 2010

Ganhou uma bolsa intercâmbio na graduação foi o que o levou a conhecer Quebec. Diz que

teve uma boa experiência nos primeiros contatos.

Ficou sabendo da possibilidade de imigrar e resolveu imigrar.

Ficou sabendo da possibilidade de em Quebec.

Foi a palestras dos governo de Quebec no Brasil.

Conhecia pessoas em Quebec depois como imigrante. Como estudante não conhecia ninguém.

Mas, não foram pessoas que o ajudaram no processo.

Não foi difícil a adaptação.

Está satisfeito com a mudança porque o possibilitou a fazer música.

Não ouve descompasso. Diz que tudo que queria e projetou conseguia.

Diz que se considera um sortudo porque sabia de antemão o que esperar.

Diz que quando passou a ser imigrante passou a se beneficiar de vários benefícios que já

existiam no lugar.

“É mais fácil ser pobre aqui que no Brasil. E os valores, a ostentação de riqueza, não se dá

pelo estilo de roupa que você veste, o carro que você anda. É em outro grau. Então, isso foi

uma coisa boa. Como músico, eu sempre tenho uma desconexão completa sobre qual é o

salário médio, isso nem passou pela minha cabeça. Como nós temos um quadro social muito

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XCIII  

mais homogêneo, eu não precisaria me preocupar de repente como meus amigos que ficaram

em São Paulo em fazer alguns trabalhos que não são bons, que não dizem nada em respeito à

arte porque preciso pagar condomínio para garantir a segurança, porque preciso pagar o

financiamento do carro porque não tem transporte público, porque tem que pagar, enfim, isto

ou aquilo para serem aceitos socialmente dentro de um círculo que se frequenta... então isso

daí foi a coisa que mais me atraiu”.

Diz que pessoas ricas em Montreal são os próprios vizinhos, não sente um distanciamento.

“O que é mais difícil aqui é não ter todo mundo que a gente ama por perto. Essa é a maior

dificuldade de viver aqui”.

Família e amigos que ficaram no Brasil.

Se adaptar ao ambiente é um desafio. Outro é em relação ao contato social, sinais de

afetividade. Isso tudo teve que aprender.

Acha que vai aprendendo por osmose.

Em relação a dinheiro, ganhava mais no Brasil porque trabalhava como contador.

Acha que consegue fazer mais coisas em Quebec. Consegue viajar, ir a bares, assistir shows

que gostaria, frequentar espaços que não precisa pagar porque tem oferta de cultura grátis.

“Aqui é mais acessível as coisas, dá para se fazer mais. No Brasil, tem que se pagar um preço

caro que inclui várias coisas: estacionamento, etc. Então, aqui eu consigo fazer mais coisas

apesar de ter menos dinheiro”.

Renda familiar bruta de 25 mil por ano para uma pessoa.

Se sentia respeitado no Brasil. Morava bem, tinha uma vida tranquila. Mas, se sentia ultrajado

com a violência urbana.

“Eu não imigrei para fazer mais dinheiro, eu não imigrei por me sentir pressionado, com

medo, ser ameaçado de morte, não tiveram fatores que me levaram. Voluntariamente eu quis

vir. Mas, tiveram momentos que, de fato, quando você se pega em situações que são

claramente uma degradação. Abuso de autoridade no Brasil é comum”.

Estava descontente com corrupção generalizada no Brasil, violência em níveis que talvez

seria em guerra. “Pensar que depois que o sol se por ninguém precisa mais respeitar sinal de

trânsito com medo de ser assaltado...”.

Valores de shows e concertos no Brasil são muito caros.

Diz que se sentia desrespeitado nesse sentido, no outro não.

Se sente respeitado em Quebec. “Tudo que eu almejei me foi oferecido a mim e às outras

pessoas todas. O mesmo parque que eu vou tomar sol durante o verão é o mesmo parque que

vão as pessoas ricas que moram ao meu redor. Não é como São Paulo, por exemplo, que faz-

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   XCIV  

se uma exclusão social por n razões. Por esse aspecto eu acho mais respeitoso”.

Nos aspectos de acessibilidade, se sente mais respeitado em Quebec.

Se sente mais cidadão em Quebec. Acha que no Brasil ele era de um setor reduzido. Diz que

vê um maior trânsito entre as classes sociais em Quebec, maior comunicação e contato que no

Brasil. No Brasil, precisa morar em determinados bairros, ter certas coisas e frequentas certos

ambientes que tem relação com seu poder de compra. Em Quebec, por ser uma classe média

mais extensa, as pessoas conseguem conviver e ter contato com as coisas.

“Cidadania plena é gozar dos direitos que são oferecidos igualmente a todos”.

Acha que tinha menos vida digna no Brasil. Tinha que fazer mais coisas no Brasil para fazer

parte de um grupo social.

Acha que tem uma vida digna em Quebec porque faz o que gosta e vive do que faz e ainda

sobre dinheiro que dá para ele fazer coisas legais como fazer viagens, ir para restaurantes ou

comprar coisas.

Diz que não precisa de carro em Quebec e no Brasil a falta do carro é muito grande – não

tinha carro no Brasil. A ausência do carro dava restrições maiores no Brasil.

Diz que em Quebec tem a necessidade de se endividar menos. “Eu não preciso comprar

serviços acessórios porque a sociedade me garante que eles funcionam. Por exemplo, eu não

preciso pagar um condomínio fechado para ter segurança porque as ruas e os bairros são

naturalmente seguros; e eu não preciso comprar o título de um clube de campo para poder

usar uma piscina ou um espaço de lazer conveniente porque as piscinas e os espaços de lazer

são públicos e estão aí pela cidade, e etc”.

Nunca sofreu preconceito no Brasil. Nem em Quebec.

Fez um curso de empreendedorismo em arte. Isso o ajudou a conseguir fazer captações

financeiras para os projetos, conhecer o ramo da arte em Quebec.

Tem uma opinião favorável sobre a política de imigração de Quebec.

Diz que eles precisam de imigrantes.

O processo demorou até receber a residência demorou um ano.

É contra fechar a imigração.

Não virou cidadão canadense. Pretendia virar para continuar no Canadá, não via porque

mudar.

Não pretendia sair de Quebec e ir para outro lugar. Mas, não descartaria a possibilidade se ela

surgisse.

Não pensa em voltar para o Brasil, mas não descarta a possibilidade.

Se sente mais parte do mundo em Quebec que no Brasil porque é um cidadão do interior de

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XCV  

São Paulo. Mas, diz que porque mora em Montreal e se talvez morasse em São Paulo teria

outra percepção.

Sem filhos. Os pais ficaram no Brasil e não devem ir morar no Canadá no futuro. O pai é

falecido. Se comunica com a mãe várias vezes na semana. Usa internet. Tem computador com

internet banda larga, não tem TV a cabo.

Manter proximidade cultural com o Brasil é importante. Com certos traços que o fazem bem

que ficar próximo, para outros não.

Imigrou de vez em 2010 – antes, teve idas e vindas.

Proveniente de São José do Rio Preto, antes e ir para o Canadá morava em Campinas.

Não é sinal de prestígio imigrar para Quebec.

Quem financiou a imigração foi o próximo.

Profissão no Brasil: músico e contador

No Canadá: músico.

“[Trabalhou como contador porque] estava muito difícil viver como músico, viver com

dignidade. Enquanto contador não, estava sobrando emprego. Foi o tempo suficiente para

juntar o dinheiro e saber o que eu queria da vida”.

Resolveu sair do Brasil porque é mais fácil ser pobre no Canadá que no Brasil. “Por ser artista,

fazer dinheiro não é a minha primeira preocupação. O dinheiro que eu ganho não é meu

objetivo. Eu não tenho uma pretensão de carreira, de salário tão clara como teria outro

profissional de uma área outra que não a música. Nesse momento, eu tinha uma dificuldade

muito grande no Brasil porque, obviamente, para manter um certo conforto, para eu ter acesso

a algumas coisas que eu gostava, eu precisava de uma certa quantidade de dinheiro ou uma

completa readaptação. E isso me causou um problema grande porque as contas nunca

fechavam. Então, não dava. Em compensação aqui eu consigo o dinheiro necessário para eu

continuar minha vida e frequentar as coisas que eu gosto e ter o conforto que eu julgo

necessário para poder continuar vivendo”.

“Se houve um fator decisivo que me fez escolher vir ao Quebec? Houve sim. Em 2008 eu

morava em Campinas. Eu estava saindo de um complexo de empresas, saindo do trabalho,

eram dez horas da noite e eu assisti um sequestro desses de filme com perseguição de carro,

fulano que desce com uma arma em punho, faz a mira, pontaria, escorrega e o cara faz uma

manobra de carro e o assaltante volta para dentro do carro e o comparsa dele continua na

perseguição, enquadra o cara... um negócio de filme mesmo. Tudo isso eu vi ali perto. Tão de

perto que daria para, se eu tivesse uma arma dificilmente eu... eu... é uma pergunta que eu fiz...

havia um segurança ao meu lado, um segurança patrimonial e agente estava a uma distância

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   XCVI  

de 5 a 10 metros da cena. Se ele quisesse ele teria acertado um tiro no bandido. E eu falei para

ele: ‘o senhor não se sentiu coagido a fazer isso?’. Ele respondeu: ‘rapaz, se eu fizesse um

negócio desse hoje mesmo esse prédio estaria crivado de bala e um monte de gente daqui

estaria sequestrada ou morta’”. Aí eu falei: ‘rapaz, isso daí é grave, não, não dá, cara’. Eu

estava saindo para ir pegar o ônibus e era tudo na frente do prédio, entendeu? Ou seja, foi uma

coisa que me deu muito medo, muito medo mesmo. Eu falei: ‘não, vou embora, vou para lá

porque lá eu não tenho que me preocupar, isso não faz parte da realidade canadense’. Tem

assaltos aqui, tenho amigo que teve o GPS do carro roubado... bicicleta, o que eu conheço de

gente que teve a bicicleta roubada aqui... mas, nunca conheci alguém que foi assassinado aqui.

E no Brasil conheci bastante gente assassinada, infelizmente. Aí eu pensei: ‘não quero ter esse

fim... ou, não quero nem a chance de ter esse fim’”.

21-Mateus H., casado, 34 anos, funcionário público em TI, imigrou em 2011

Resolveu ir para o Canadá no inverno de 2009 para 2010 para conhecer o inverno. Foi com a

família de férias.

Diz que se apaixonou pela cidade – Montreal.

Foi para estudar um pouco de francês também.

Daí, a despachante falou de imigração. Eles ficaram interessados e foram pesquisar mais.

Decidiu fazer o processo de imigração. A área de trabalho dele é boa para conseguir emprego.

Já para a esposa, a área dela, psicologia, é mais difícil e ficaram buscando oportunidades. A

esposa conseguiu uma vaga na universidade para fazer mestrado numa universidade de

Quebec. A esposa entrou com visto de estudo e ele com visto de trabalho aberto. Mas, no

momento da entrevista, o visto de residente permanente estava quase chegando.

Sempre quis morar fora. A esposa já tinha morado na Inglaterra e na Finlândia.

Chegou a olhar lugares para morar fora – Austrália, França. Decidiu ir para Quebec quando se

apaixonou pela cidade de Montreal. Cidade segura com bom nível educacional, conheceu a

vida cultural da cidade que julga rica, passou o inverno e gostou, a saúde pública e de

qualidade.

Segurança e educação aos filhos que virão.

Seria mais fácil morar fora em Quebec do que a Austrália para ter contato com os pais.

Foi a palestra de imigração.

“A palestra ilude um pouco. A propaganda é muito boa. Mas, como a gente não é novinho... a

gente vê bastante gente mais nova que chega aqui mais iludida achando que está vindo para o

paraíso e que aqui não vai ter dificuldade e que a vida vai ser... A gente sabia que a gente iria

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XCVII  

trocar de problemas. O inverno lá não tem e aqui a gente tem que aprender a lidar. A

diferença de cultura lá não tem porque a gente é brasileiro está imerso na nossa cultura – a

gente nem nota isso e aqui a gente nota. O idioma a gente sabia que teria que resolver. A

burocracia aqui funciona de uma forma diferente. Então, aprender a vida civil aqui é toda uma

questão que a gente aprende um monte de coisa, todo dia tem uma questão nova”.

Diz que não estava fugindo de nada, estava apensas buscando enriquecer a própria vida. Se

sentia limitado em Brasília.

Não conhecia ninguém em Quebec.

A esposa entrou um mestrado em tradução no Quebec.

“Para a gente era essencial se sentir seguro com nosso projeto profissional e o projeto de

integração onde fosse”.

Elogia o Canadá como uma sociedade que está aberta a esse perfil de pessoas.

Diz que no Brasil a esposa tinha dificuldades de se inserir profissionalmente e esse foi um dos

principais motivos para eles quererem imigrar.

Passou em um concurso no Tesouro Federal e acha que passou porque ele é da área e TI –

poucas vagas para tradução que pagam bem.

“Como minha área a gente sabia que estaria bem resolvida lá e estaria bem resolvida aqui, a

gente se preocupou muito em estabelecer um plano onde ela também teria uma oportunidade.

Quando apareceu o negócio da universidade casou certinho com o que a gente queria”.

Acha que tem as dificuldades normais de chegar a um idioma novo e também a dificuldade de

lidar com pessoas de culturas diferentes em Montreal, mas não acha que seja uma grande

dificuldade. Diz que tem dificuldade também com a burocracia, com os formulários da vida,

mas são barreiras que vence.

Está satisfeito com a mudança. Está em Montreal há um ano e dois meses. “A nossa vida

ganhou outra perspectiva. A questão profissional nossa equilibrou bastante e isso era uma

coisa difícil para a gente [no Brasil]”. Diferenças entre reconhecimento profissional dela

(psicóloga no Brasil) e dele no Brasil.

Acha que é privilegiado porque já foi para o Brasil e a família já veio visitá-lo algumas vezes.

Acha Montreal uma cidade com a cultura fervendo e isso o atraiu.

A segurança foi outra coisas do estilo de vida em Montreal que o atraiu.

A taxa de crimes é tão baixa que não gera insegurança.

“Se for roubado provavelmente você não vai ser roubando com uma faca enfiada na barriga

ou com uma arma na sua cabeça, entendeu? A violência é muito, muito, muito baixa. Pelos

parâmetros do que a gente conhece no Brasil, do que a gente imagina numa cidade grande no

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Brasil... Brasília é uma cidade segura e eu tive um colega que passou [no concurso] comigo

no Tesouro que levou um tiro sentado no bar com a filha de cinco meses e morreu. Imagina?

O cara estava sentado fazendo uma refeição com a esposa, a filhinha e um casal de amigos.

Passaram roubando dois caras roubando um laptop e aí foram fugir de moto alguém gritou o

cara nem olhou para trás deu um tiro e ele morreu. Um cara novo em uma situação

absolutamente tranquila onde nem era para ele estar preocupado ele toma um tiro e morre? Aí

as pessoas começam a ficar paranoicas, todo mundo começa a ficar nervoso mesmo, entendeu?

Você vive um nível de estresse por causa da violência que é desconfortável. E isso para a

gente aqui atrai muito. É difícil dizer que isso não faz diferença... isso faz muita diferença,

você se sente tranquilo o tempo inteiro, as casas não tem grade, você não vê uma casa com

portão. Casa que tem alguma coisa tem uma cerca para o cachorro não fugir”.

Diz que no Brasil tinha empregada, jardineiro, ter as pessoas te servindo, o que não encontra

em Montreal. O subemprego no Brasil é acessível até para a classe média. Sua roupa é você

quem limpa, seu comida é você quem faz. “Isso é uma coisa que a gente demora um pouco

para se adaptar. A gente diminui o impacto disso com o tempo, já faz com muito mais

naturalidade. Por conta do serviço ser caro, o Do It Yourself aqui é muito valorizado. Então,

as ferramentas são boas, é tudo muito prático, você tem a máquina para lavar a louça, você

tem um robô para varrer o chão, os produtos de limpeza são mágicos. Essa vida toda você vai

se acostumando, vai se habituando e você percebe que isso não é tão ruim não e que na

verdade está certo as pessoas não terem subemprego, eu não usar a vida das pessoas

simplesmente ao meu serviço. Ou se eu quero que uma pessoa faça isso para mim porque meu

tempo é mais valioso ou eu me julgo importante ou porque não sou capaz de fazer eu vou

pagar e aquela pessoa merece receber bem. Então, você começa a aprender isso, é uma coisa

interessante”.

Resolveu ter contato com outras culturas, outras realidades e vida. Queria vivenciar isso.

“A decisão e vir para cá foi muito por conta do casal e para equilibrar e balancear um pouco

mesmo. Eu e minha esposa a gente não gosta do modelo do homem que provê, ganha o

dinheiro e sustenta a casa e da mulher que fica em casa cozinhando e limpando. A gente não

gosta disso e aqui a gente sente que é mais possível da gente fazer. E lá no Brasil estava um

pouco mais difícil não só por uma questão profissional, mas a cultura também”.

Diz que ganhava um salario no Brasil que a esposa poderia optar por não trabalhar e ficar

dentro de casa. Mas, o casal não gosta desse estilo de vida patriarcal.

Diz que a flexibilidade do salario e emprego é interessante. Ele poderia negociar no trabalho

diminuir a carga horaria com salario para ficar mais tempo com a família.

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XCIX  

Ganha menos em Quebec que no Brasil. “E não sei se vai ser o caso. Mas, também não faço

questão que seja, não foi atrás disso que eu vim”.

Ganhava 14 mil reais brutos por mês no Tesouro.

Acha que consegue fazer coisas similares no Brasil e em Quebec. Bens eletrônicos, carros,

roupas ele acha mais barato. Acesso a cultura tem muitas coisas que são de graça, mas tem

coisas que são caras. Mas, no geral é mais ou menos parecido.

O poder aquisitivo ficou mais ou menos o mesmo com a mudança.

“Educação e saúde lá é caro, tudo é caro. Você paga imposto para o governo e você compra o

serviço. Você acaba pagando duas vezes pelo serviço. Você paga segurança para o governo,

mas você tem que encher sua casa de grade, o portão estraga é você que conserta, a grade da

janela, o alarme, a cerca elétrica é você quem tem que manter porque se você não põe cerca

elétrica te roubam... a cerca elétrica do vizinho fica uma semana sem funcionar e roubam ele.

Então, tudo você gasta dinheiro: você paga a segurança pública, você paga sua segurança;

você paga a educação pública, você tem que pagar para ter um bom ensino privado – segundo

grau em Brasília se não for privado o moleque não passa no vestibular. Essa coisa acaba que o

custo de vida fica parecido”.

8 mil dólares bruto por mês para sustentar duas pessoas – renda.

Se sentia respeitado pelas pessoas no Brasil, mas só depois que conseguiu o emprego no

Tesouro. “Dentro da família e dos amigos sempre fomos respeitados. Socialmente falando, a

gente começou a se sentir respeitado depois que começou a ganhar mais dinheiro”.

A dificuldade da esposa entrar no mercado de trabalho sentia como um desrespeito.

Se sente um pouco mais respeitado em Quebec. Mas, acha que são questões diferentes. Diz

que nuca se sentiu desrespeitado como imigrante. Mas, se sente um pouco ameaçado por ser

de uma cultura de fora.

Diz que se sente mais respeitado em Quebec.

Depois que começou a ganhar bem se sentia cidadão no Brasil. Mas, não sabe dizer se acha

melhor Quebec ou o Brasil porque está a pouco tempo e por enquanto tudo é novidade.

A possibilidade de ser cidadão passa pela realização de ambos os membros do casa. “Aqui o

imposto é caro. Mas, quando você o serviço que você tem, você tem saúde, tem segurança, o

transporte público funciona e etc, você se sente mais cidadão, se sente mais respeitado como

cidadão, sente que você está trabalhando e dando uma parte de seu dinheiro para um governo

ou Estado, mas por uma razão. Sem ser nenhum milionário, sendo um ser humano comum

você tem a possibilidade de ser uma vida completa – com família, lazer, educação, esporte –

aqui estas possibilidades estão todas aí para o cidadão comum. A pessoa não precisa ser rica,

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   C  

excepcional para ter de tudo”.

Reclama do transporte público em Brasília. Pagava por um serviço que não funciona. E diz

que tinha carro porque quem pode ter um carro compra em Brasília. “E nós estamos falando

da capital do país, que é rica e tudo mais. Eu não imagino como seja isso em uma cidade que

não tem grana”.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil porque conseguia pagar as coisas. Pagava aluguel,

carro, etc. Via os amigos em situação pior e não conseguia entender.

“Algumas coisas que eu via me torciam o estômago. É engraçado que mesmo quando a gente

estava em uma situação boa a gente não conseguia ficar tranquilo porque você olha para o

lado e continua vendo os problemas. E outra: beleza, a gente tinha uma vida digna, uma boa

vida, mas eu não são sabia se amanhã eu iria tomar um tiro na rua”.

Acha que tem uma vida digna em Quebec. “A gente sente a qualidade de vida, a gente se

sente seguro, a gente se sente respeitado, reconhecido pelo trabalho que a gente faz, pelo

estudo... então, a gente sente a dignidade e a gente é imigrante”.

Mesmo com um emprego que não é o melhor do mundo diz que tem uma ótima vida.

Diz que o cotidiano mudou – ter alguém para fazer os serviços da casa. Agora são duas

pessoas trabalhando para sustentar a casa.

Não sofreu preconceito no Brasil. E nem em Quebec. “Se sofri não percebi, nem aqui nem lá”.

Não fez curso de qualificação.

Acha que o xenofobismo em Quebec são muito mais sutis que em qualquer outro lugar –

França, por exemplo. Mas, a política de imigração é bem feita para que as pessoas entendam a

importância dos imigrantes. Acha que xenofobismo existe em qualquer lugar, mesmo no

Brasil.

Acha uma política de imigração interessante e bem regulada de acordo com o que eles

precisam.

Enviou o dossiê para o governo de Quebec do Brasil. Estavam para pegar o visto.

Encaminhou o dossiê em 2010. A residência sairia e quase três anos.

Foi chamado para a entrevista em um mês.

Diz que entende o fechamento, pois as portas estavam muito abertas e o imigrante que estava

chegando que não estava conseguindo ser bem atendido, não conseguia ter emprego.

Ainda não era cidadão. Pensava em virar por conta das facilidades burocrática do passaporte

canadense para viagens internacionais.

Estava gostando muito do Canadá e pensava em ficar.

A questão política de votar é interessante, mas não faz diferença. A diferença é a abertura de

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CI  

fronteiras juntando com o passaporte brasileiro.

Pretende ter filhos.

Não pretendia sair de Quebec e ir para outro lugar.

Não pretendia morar em Quebec para sempre. Não sabe se volta ou não para o Brasil.

Está de licença.

Estava disposto a abrir mão da vaga.

Não tinha plano de voltar nem de ficar.

Pensa em visitar o Brasil, mas não voltar de vez.

Os pais ficaram no Brasil e não havia perspectiva de ir morar em Quebec no futuro.

Se comunica com os pais uma vez por semana por internet. Computador em casa, acesso a

internet banda larga, TV a cabo sem canal brasileiro.

Manter proximidade cultural é importante.

Imigrou em setembro de 2011. Proveniente de Brasília. Nasceu em Brasília e sempre morou

em Brasília.

Vê a qualidade de vida em Brasília abaixo que em Montreal.

Acha que imigrar para Quebec não é sinal de prestígio.

Quem custeou o projeto foram eles mesmos.

Trabalha na economia formal.

Profissão no Brasil: funcionário público na área e TI

No Canadá: TI

Resolveu sair do Brasil porque queria abrir os horizontes, conhecer outra perspectiva de

mundo.

“A razão central é qualidade de vida. O deslumbramento inicial existe um pouco na gente,

mas já passou. A qualidade de vida ainda me deixa claramente embasbacado. Dizem que com

o tempo as pessoas que resolvem voltar é porque esquecem dos problemas que tinham lá”.

O reconhecimento de carreiras alternativas, como professor. “Professor no Brasil é

simplesmente mal pago, só”.

22-Joana A., casada, 34 anos, produtora de TV, imigrou em 2010

Ouviu falar em Quebec estudando geografia do mundo. Fez intercâmbio em Toronto quando

foi estudar inglês. No Brasil estudou francês com uma professora que gostava do Quebec e

passava vários coisas sobre a província em sala de aula.

Tinha o sonho de morar fora do país. “A primeira ideia foi morar na Europa. Mas, na Europa

é muito difícil ter o visto que a gente tem aqui, ter o status que a gente tem aqui. Na Europa

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   CII  

um imigrante para chegar sem emprego por mais qualificado que seja é muito difícil ter um

visto. A gente teria que entrar como estudante e depois tentar o visto de trabalho, uma coisa

muito incerta. Acho que a imigração hoje para a Europa está muito difícil. Eles mal estão

dando conta do imigrante... de quem já vive lá, das suas colônias, quanto mais quem vem de

fora”.

Pesquisando viu que Montreal seria uma cidade para ela morar com o marido (ele não falava

nem inglês nem francês) e ela queria falar francês e ele inglês.

Ficou sabendo da possibilidade de imigrar através do marido pesquisando na internet.

“Mas, o que oferecia as melhores condições para o imigrante e nas condições nas quais a

gente se encaixava era o Canadá”.

Foi para palestra do governo de Quebec no Brasil.

Não conhecia alguém em Quebec antes de imigrar.

Foram seis meses de espera até marcar a entrevista.

Deu entrada e novembro de 2008. Durou um ano e um mês todo o processo.

Em um mês se adaptou em Montreal e demorou dois anos para se adaptar em São Paulo – é

do interior de São Paulo.

Está completamente satisfeita com a mudança. Ela tinha um sonho de morar fora. Quando foi

estudar em Toronto já tinha 26 anos e ficou pouco tempo. Tinha chegado em um nível

profissional em São Paulo que gostava, mas se sentia estagnada. Já tinha chegado aonde

queria chegar.

“Então, foi a hora de dar uma sacudida, o que é um risco, mas também é um desafio. E eu

acho que os desafios motivam”.

Crescimento profissional e pessoal.

Não estava satisfeita com o estilo de vida em São Paulo.

“São Paulo tem uma coisa com o dinheiro que eu acho muito perverso, eu acho. E sem querer

a gente acaba entrando. Eu digo por mim mesma: uma ambição profissional desmedida. Eu

digo que eu fiz o meu MBA um pouco motivada por uma ambição profissional. Foi legal? Foi

legal. Eu faria hoje de novo? Não faria. Eu faria outra coisa que me desse um retorno mais

pessoal que um retorno profissional”.

Acha que estava entrando em uma preocupação por dinheiro. Começou a se questionar.

“Será que a vida é isso? Trabalhar 15 horas por dia, estar sempre cansada? Eu tive um

problema de saúde e eu comecei a me questionar”.

A ideia foi ter um ano sabático. Tinha dinheiro para passar um ano tranquilamente.

Conhecia uma vida de trabalhar muito em São Paulo.

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CIII  

“Então quando a gente chegou aqui a gente falou: ‘é possível’. A gente via pelos amigos que

trabalhavam, que saiam às 5 da tarde e não se sentiam culpados e o chefe não dizia que ele era

preguiçoso porque saia às 5 da tarde. A gente via os parques cheios. Mesmo no frio, os

parques cheios também de outro tipo de divertimento que são os esportes de inverno. A gente

descobriu aqui a viver com mais simplicidade. A preocupação com o dinheiro não era tão

significativa como era em São Paulo. Então, hoje eu estou muito satisfeita com essa decisão”.

Começou a conhecer pessoas do mundo inteiro, escutou música do mundo inteiro, etc. A

cabeça abriu.

“Eu acho que existe um descompasso entre a proposta do governo e a proposta das empresas.

Eu tive, na minha área, um pouco de dificuldade de encontrar emprego. E eu encontrei

dificuldade por parte do empregador, uma certa resistência com o imigrante. Isso eu senti.

Não sei se é com todo mundo”.

“Aí você bate na porta do seu empregador com seu diploma da USP, ninguém conhece a USP.

Com seus sete anos de Multishow, três anos de MTV – MTV o povo ainda conhece porque os

Estados Unidos está aqui do lado –, tudo aquilo que no Brasil é muito legal aqui ninguém

sabia o que era. Então, o meu diploma e o diploma de qualquer um que fez – sem querer

desmerecer – Uninove é a mesma coisa aqui. Pela primeira vez eu tive um choque. Foi um

estranhamento, eu achei que seria mais fácil, eu cheguei muito alto confiante Eu nunca tive

problema de arrumar emprego, sou comunicativa, e demorei cinco meses para arrumar um

emprego”.

A vida mais simples a atraiu. Se vive com qualidade e simplicidade. “Aqui a gente não tem

carro... eu tinha duas empregadas no Brasil. Moro eu e meu marido e a gente tinha duas

empregadas... precisa? Hoje eu vejo que não”.

Manicure, depilação, carro, futilidades da vida cotidiana brasileira.

Acha difícil o frio.

Queria levar a vida menos a sério, ter mais poesia e menos trabalho. “O trabalho era minha

razão de ser. Hoje eu acho que é a minha quinta razão de ser”.

Busca por um desprendimento da vida profissional.

Ganhava mais no Brasil, mas gastava mais no Brasil.

Acha que consegue fazer mais coisas em Quebec, mesmo ganhando menos.

Renda familiar bruta aproximada de 3 mil dólares para três pessoas.

Se sentia respeitada no Brasil. Fazia parte de uma classe ideologicamente dominante, tem

nível de escolaridade alto, parda para branca, pessoas com baixa escolaridade no Brasil.

Se sente respeitada em Quebec.

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   CIV  

No Brasil é brasileira. No Canadá não é canadense, é latino-americana.

Sente um certo menosprezo pelo mundo latino-americano. “O nosso diploma da USP e o

diploma de qualquer universidade mequetrefe dos Estados Unidos, a universidade mequetrefe

dos Estados Unidos ganha do meu”.

Se sente como cidadão brasileira, mesmo em Quebec.

Cidadania plena é o que tem com o Brasil: nasceu, viveu, tem relação emocional. No Canadá

vai ter uma cidadania de papel.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil. Diz que estava cansada.

Acha que tem uma vida digna em Quebec.

Cita a licença maternidade de um ano no Canadá em comparação com quatro meses no Brasil.

“A diferença é que eu saia cinco da tarde sem nenhuma culpa [no momento da entrevista ela

estava em licença maternidade]. No Brasil meu horário era às 18h. Eu sempre ia embora

20h30-21h porque é feio você ir embora antes. Quem vai às 18h é funcionário público – que é

o que meu chefe dizia. Isso para mim é uma grande diferença. Não me sinto culpada de ir

embora às 17h. No Brasil eu me sentia muito culpada de trabalhar menos que... de o estagiário

estar lá e eu ir embora? Não! Eu ficava, né? Mesmo que não tivesse nada para fazer... ficava

na internet, porque às vezes não tinha o que fazer, mas eu ficava lá”.

Precisava de um staff que não precisa – para beleza.

Não gasta tanto com lazer porque os shows são baratos, muita coisa gratuita.

No Brasil não cozinhava. Em Quebec aprendeu a ter uma vida de dona de casa. Acha o

trabalho manual bem mais valorizado em Quebec que no Brasil.

Não sofreu preconceito no Brasil. Também diz que não em Quebec. “Eu acho que o

preconceito aqui é velado. Como no Brasil existe um preconceito contra uma classe, trabalhos

que são não de escritórios, mas manuais. Aqui existe – ele não é claro – mas tem um pouco

com essa coisa nossa de ser latino-americano. A gente não é Europeu, tem outro status. Tem

um status de hierarquia no mundo e o Brasil não está no topo, o Brasil está no chão. E isso é

velado, sutil, mas ele existe”.

Europeu é considerado mais classudo e americano mais inteligente, o latino-americano festivo,

o que não pega bem para um ambiente de trabalho.

Não fez curso de qualificação. Fez francização e inglês. Acha que foi fundamental para se

inserir no mercado de trabalho.

“O cara é canadense e ele não fala francês. Eu não sou canadense e falo inglês e francês”.

Acha que o governo é claro, eles não mentem. Eles ajudam e isso é muito bom. Por outro lado,

acha que existe um descompasso com os empregadores – o governo investe em você e o

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CV  

empregador não quer você, quer um quebequense.

Imigrou em julho de 2010.

É a favor do recente fechamento. Acha que primeiro tem que absorver a mão de obra que já

está em Quebec. Tem muita gente que não se encontrou ainda profissionalmente.

Pretendia virar cidadã porque existe uma hierarquia de culturas no mundo. Acha que a

cidadania canadense poderia permitir-lhe voos maiores profissionalmente, mais mobilidade

para viajar – menos burocracia, menos pedidos de visto.

Não pretende sair de Montreal.

Pensa em voltar para o Brasil apenas a turismo.

Em Quebec se sente mais parte do mundo que no Brasil.

“Você não perde aquilo que você já tem, você ganha outras coisas”.

Uma filha que nasceu em Quebec. O pai é falecido. A mãe deve ficar vindo e voltando. Se

comunica com a mãe três vezes por semana. Computador em casa, internet banda larga, TV a

cabo sem canal do Brasil.

Faz parte da vida manter proximidade cultural com o Brasil.

Morava em São Paulo. É de Monte Alto, interior de São Paulo, morou em Rio Branco-AC,

Campinas, Rondonópolis-MT, Maringá-PR. Estava em Sampa antes de imigrar.

Acha sinal de prestígio imigrar. Acha que você chegar em um lugar maior já é prestígio –

maio em termos de poder, sucesso. Está na América do Norte, fala francês e inglês, o que

entra na coisa mítica que é bacana.

Foram eles mesmos que bancaram o projeto de imigração.

Trabalha na economia formal.

Profissão no Brasil: produtora de TV

Profissão em Quebec: coordenadora de produção.

Buscava um pouco mais de qualidade de vida, menos estresse no trabalho.

No mínimo iria ganhar duas línguas e histórias boas para contar. Acha que ganhou mais do

que isso.

As coisa que tem no Brasil acha que não perde.

23-Camila C., união civil, 28 anos, estudante, imigrou em 2007

Fez graduação em UFSC. Foi bolsista de iniciação científica e fez estágio de final de

graduação em Quebec.

Já tinha estudado francês porque iria para a França inicialmente.

Chegando no estágio o professor em Quebec já a convidou para o mestrado. No mestrado

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   CVI  

decidiu que gostaria de ficar em Quebec mais algum tempo e deu entrada no pedido de

imigração depois do mestrado. Um processo mais rápido quando se tem um diploma de

Quebec.

Escolheu a imigração para facilitar a vida: plano de saúde público, margem de crédito no

banco, facilitar o dia a dia.

Não sabia que existia a imigração quando estava no Brasil. Conheceu a imigração já em

Quebec através dos brasileiros imigrantes.

Não foi a palestra do governo de Quebec no Brasil.

Só conhecia em Quebec o professor que a convidou para o estágio de pesquisa.

Quando terminou o mestrado tinha a possibilidade de seguir no doutorado. Para não precisar

pedir um visto de estudante e também ter as facilidades como residente permanente ela pediu

deu entrada no pedido de imigração.

Recebeu na mesma semana o CSQ. Depois aplicou para o governo federal e demorou uns 6

meses.

Foi tranquilo porque já tinha o mestrado, o diploma – PEC (Programme d’Experience

Quebecoise).

Não foi difícil a adaptação porque sempre teve vontade de morar fora, o que acha que estava

mais aberta. Foi difícil o clima porque chegou no final do inverno.

As pessoas também acha um pouco frias, mas logo conheceu brasileiros.

Está satisfeita com a mudança. “Porque aqui é muito seguro, principalmente. Aqui tudo é

muito mais acessível, principalmente no lado financeiro: a vida material é mais acessível,

você pode ter um carro bom, morar em um apartamento bom sendo estudante. No Brasil

estudante com uma bolsa de mestrado... difícil. Aqui eu acho a vida mais fácil. Eu gosto

daqui”.

Não houve descompasso porque não havia expectativa. Não conhecia ninguém.

Gosta das quatro estações do ano bem definidas, gosta da segurança pública de “poder dormir

com a porta de casa aberta”. Gosta de poder comprar coisas que no Brasil seriam mais caras.

Acha difícil o inverno longo, o sistema de saúde é difícil. Fica preocupada se pode ficar

doente porque já foi para emergência. “Você espera muito tempo, umas doze horas para ser

atendido. E ainda assim, se você tem alguma coisa que eles não consideram grave eles não

estão nem aí. Eu não gosto muito do sistema de saúde daqui”.

Em relação a dinheiro, ganha mais em Quebec como estudante bolsista de doutorado em no

Brasil.

Acha que faz mais coisas: viaja, vai em bons restaurantes, tem um carro novo, mobiliou o

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CVII  

apartamento alugado sendo ela e o namorado estudantes.

Renda familiar bruta de 38 mil dólares por ano para duas pessoas.

Se sentia respeitada no Brasil. Era uma boa aluna na faculdade, primeira a conseguir uma

bolsa, melhor aluna da turma na graduação.

Em Quebec se sente respeitada.

Se sente mais respeitadas em Quebec. “No Brasil tem muitas coisas que influenciam você ser

respeitada ou não. Agora, aqui, como eles são mais frios, não tem muitas coisas que eles te

julgam para você ser respeitada ou não. Acho que aqui é mais fácil, mais neutro para você ser

respeitado”.

Se sente mais cidadã em Quebec. A burocracia é mais simples. “Aqui eles simplesmente

acreditam na sua palavra”.

Cidadania plena é poder escolher os representantes, poder participar do seu país. Não era

cidadã no momento da entrevista. Os direitos de cidadãos em Quebec são mais fáceis.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil. Tinha uma vida boa em Florianópolis, era

sustentada pelos pais.

Acha que tem uma vida digna em Quebec porque vive bem, se sente bem, gosta de onde mora,

do cotidiano, não passa por muitas dificuldades.

“Lá no Brasil agente tem que sempre estar atento quando sai na rua. Mas, lá eu tinha a alegria

de viver das pessoa na rua, o seu dia a dia. Apesar de ser mais difícil a vida lá ela se parece

mais fácil pela alegria das pessoas. Aqui é muito individualista. Por mais que a vida material é

muito acessível a vida social aqui é mais complicada, a não ser quando você conhece vários

brasileiros... infelizmente você acaba tendo que formar um grupinho porque os quebecoises

não são muitos fáceis de você ser amigo”.

Não sofreu preconceito no Brasil.

Não sofreu preconceito em Quebec. “Talvez agora para arrumar emprego... ontem eu estava

falando com um amigo francês e de repente algumas vagas que eu emprego... tem uma vaga

que eu estou empregando que tinha um brasileiro que trabalhava antes e foi mandando

embora. Então, der repente eles não vão chamar para a entrevista porque eu sou uma

brasileira. Pelo meu nome eles sabem que eu sou de fora e eles me chamam para as

entrevista... eles chamariam mais se eu fosse uma quebecoise, de repente. Só se for esse

preconceito assim, mas eu ainda não sei”.

Fez uma mestrado em engenharia civil. Mestrado em dois anos e três meses.

Optou pelo curso porque foi uma oportunidade, uma área que gosta – resíduos sólidos.

Trabalhou como assistente de pesquisa. Parou o doutorado depois de um ano e meio

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   CVIII  

estudando porque não era o que queria e começou a procurar emprego.

Acha que o curso que fez a ajudaria a se inserir no mercado de trabalho.

“Quando você faz um curso aqui eles entendem que você domina a língua, que você já morou

aqui um tempo. Então, culturalmente, você também já está mais adaptado. Faz um

nivelamento porque para você concluir o mestrado você tem que fazer os cursos [disciplinas].

Então, se você conseguiu seu título você conseguiu passar pelas provas que eles aplicam aqui.

Então, é um tipo de nivelamento, vai ser bem mais fácil deles me aceitarem”.

Acha a política de imigração falha porque fazem propaganda enganosa no Brasil. Não sabe

muito porque não estava lá. Mas, de experiência de amigos que contam. “Eles chegam

falando que o Quebec está precisando deles, pessoas qualificadas e tudo – então, são pessoas

que tem uma vida boa no Brasil, um emprego bom, mas que querem um estilo de vida melhor

e acabam vindo. Só que chegam aqui, se você tenta procurar um emprego qualificado logo

que chega são raríssimos os caros que eu vi que conseguiram. A maioria ou tem que voltar

para a faculdade para estudar, para fazer algum curso, ou espera muito tempo para poder

conseguir, ou começa com um subemprego, qualquer emprego só para ter experiência aqui e

um salario. Eu acho que o governo deixa a desejar um pouco na inserção dessas pessoas

qualificadas no mercado. Acho que falta um pouco dessa ligação entre os qualificados do

Brasil que chegam e o governo entrar em contato com as empresas para fazer uma obrigação.

Porque se está precisando da gente, das pessoas qualificadas que estão buscando fora, tem que

ter praticamente a vaga para a pessoa quando ela chega aqui porque ela não está deixando

uma vida miserável, não. A maioria das pessoas que deixam o Brasil são bem de vida”.

Enviou o diploma para o governo de Quebec. A imigração foi anterior

É a favor do recente fechamento por falhas de gerenciamento dos imigrantes que já estão

dentro. Tem que melhorar a política de imigração para não gerar expectativas e a pessoa

chegar e não ser a verdade.

Pretende virar cidadã por uma facilidade futura. Pretende voltar para o Brasil, mas quer ter a

cidadania porque caso os filhos queiram estudar no Canadá por um tempo, ou volta para o

Brasil e percebe que não é o que está esperando e poderia voltar para o Canadá, para ter

facilidade de ir e vir. “Mas não porque eu quero ficar aqui”.

Não pretende sair de Quebec. Já pensou em morar em outra província por conta do inglês,

mas não.

Não pretende em morar em Quebec para sempre.

Pensa em voltar para o Brasil.

Não se sente mais parte do mundo que no Brasil, igual.

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CIX  

Não tinha filhos. A família ficou no Brasil. Sem perspectiva de irem morar em Quebec no

futuro. Se comunica com os pais uma vez por semana. Se comunica via internet. Com

computador, internet banda larga, com TV a cabo, sem canal do Brasil.

Diz que via internet vê muitos programas brasileiros e mantem contato.

Acha importante manter proximidade cultura porque são as raízes. Não abandonou o Brasil.

“Tem muitos imigrantes que vêm e criam uma máscara contra o Brasil. Tem muitos

imigrantes que para se convencerem de que aqui é melhor começam a querer ignorar o Brasil,

nem saber das notícias, nem do que acontece. Eu não, eu não pensei em abandonar o Brasil.

Minha imigração como foi diferente, como eu decidi só para facilitar minha vida aqui, eu

gosto de continuar sabendo das notícias do meu país e tudo. Minha família continua lá

inclusive”.

Chegou em 2007 e imigrou (residência permanente em 2010). Proveniente de Itumbiara/GO,

morou em Caldas Novas/GO. Antes de imigrar morava em Florianópolis. Morou no Acre, Rio

Branco quando era pequena, morou em Goiânia.

Para os outros acha sinal de prestígio, para ela é um pouco de prestígio. Pelo contato com

novas culturas e falar novas línguas.

Quem custeou o projeto foi ela mesma. Profissão no Brasil era estudante. No Canadá também

estudante.

Tinha muito vontade de morar em outro país, conhecer outra cultura desde crianças.

24-Miller R., casado, 29 anos, web designer, imigrou em 2008

Através da internet conheceu Quebec.

O primeiro contato foi esse e o segundo foram as palestras de divulgação.

Escolheu imigrar para Quebec pela língua, contexto econômico – ser uma mistura de América

do Norte com Europa – pela qualidade de vida.

Ficou sabendo da possibilidade de imigrar através das palestras de imigração.

Ele de Aracaju foi a palestra em Salvador.

Não conhecia pessoas em Quebec antes de imigrar.

Tinha amigos que fez durante o processo.

Quando percebeu que profissionalmente valia à pena resolveu imigrar.

Qualidade de vida, profissionalmente e educacionalmente valeria à pena, foi atrás dos

detalhes do que precisava para poder imigrar.

Não foi difícil a adaptação. O difícil é aprender a língua em um nível aceitável para estar no

lugar.

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   CX  

Está 100% satisfeito. Profissionalmente está melhor, pode acabar o mestrado e a qualidade de

vida responde ao que queria. Tranquilidade, escola de qualidade para os filhos, segurança.

Não houve descompasso.

O que o atraiu foi a ideia americana de ser empreendedor com a parte Europeia da qualidade

de vida de igualdade social.

Acha difícil para todos que chegam refazer a rede de contatos: amizades, trabalho etc.

“Quem imigra para resolver um problema vai achar outros. Na verdade você tem que tomar

isso como um desafio e uma continuidade”.

Em relação a dinheiro ganha um pouco a mais.

“No Brasil você pode ganhar mais, mas você paga um pouco mais para ter coisas de base

como... você ganha mais no Brasil, mas você chega no Quebec você não gasta com segurança,

com educação, você gasta menos com transporte. No geral, se você for colocar tudo isso em

conta você tem mais pelo que você trabalha”.

Acha que consegue fazer mais coisas. Compra mais, mais acesso a cultura, a show, espetáculo,

música, CD, livros, cinema, mais educação, mais bibliotecas, mais museus.

Renda familiar bruta aproximadamente 55 mil dólares por ano. Para quatro pessoas.

Se sentia respeita no Brasil. Profissionalmente tinha um cargo melhor no Brasil. Já tinha uma

rede de contatos e já era considerado um bom profissional.

Se sente respeitado em Quebec. Sente uma evolução no respeito que recebe quando começa a

mostrar resultado profissional.

Se sente mais respeitado no Brasil porque já tinha mais tempo de profissão porque ainda não

chegou no nível que estava no Brasil.

Se sentia mais cidadão provavelmente no Brasil. Mesmo tendo todos os direitos, se sente um

imigrante.

Cidadania plena é parar de pensar para tomar atitudes socialmente corretas ou erradas – entrar

no automático na decisões cotidianas.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil. “Apesar dos problemas que o Brasil tem, eu não

tenho nada a reclamar do Brasil. Tudo funcionava como eu queria e deveria. E quando não

funcionava eu sabia como fazer funcionar no sentido que eu sabia a quem reclamar e como

fazer para que o erro não se repetisse”.

Acha que tem uma vida digna em Quebec. “Tudo funciona aqui em Quebec. Aqui eu tenho

emprego, eu posso me planejar, eu tenho minha liberdade de fazer o que eu quero, tudo que

eu quero eu posso, eu sei como funcionam as coisas e eu consigo fazer funcionar tudo que eu

quero”.

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CXI  

A distância da família e a falta de praia são as grandes diferenças. “Aqui eu tenho acesso a

algumas coisas que eu não tinha no Brasil. O preço das coisas, como eu trabalho em

tecnologia, aqui você tem acesso”.

Sente que os Estados Unidos e o Canadá estão em ebulição no nível tecnológico, sente um

pouco antes as repercussões.

Nunca sofreu preconceito no Brasil ou Quebec.

Mestrado em administração, comércio eletrônico.

Cursos profissionalizantes – Google, Microsoft, da área de tecnologia, cursos rápidos.

Os cursos os ajudaram a se inserir no mercado de trabalho. “Apesar do reconhecimento que

você tem de fora, você ter uma formação local certifica sua bagagem anterior. Se você tem

uma graduação do Brasil, o fato de você ter um mestrado aqui certifica sua graduação

Brasileira, na verdade. Eles não conhecem muito o que vem de fora”.

Acha a política de imigração correta, mas existem pré-requisitos que não tem ligação com o

mercado de trabalho. Acha que o imigrante tem que procurar se adaptar do que ir contra.

Acha que apesar dos defeitos ela funciona bem.

Após mandar o dossiê, demorou um ano e meio para imigrar.

É contra o fechamento. Os critérios tinham que mudar, mas não fechar. “A verdade é que o

Quebec precisa de mão de obra. Eles estão em déficit de trabalhadores. Então fechar não é

uma boa forma de resolver o problema para eles”.

Acha que os critérios fossem mais ligados ao mercado de trabalho. Acha que as empresas

poderiam ter uma comissão para definir os critérios de trabalhadores qualificados no lugar de

políticos – uma comissão de empresários. O ministério da imigração deveria adotar esses

critérios.

Tinha dado entrada no pedido de cidadania, mas ainda não era cidadão.

Queria ter o direito do voto, “só por isso”.

Não pretende sair de Quebec.

Provavelmente pretende morar em Quebec para sempre.

Não pensa em voltar para o Brasil, já pensou.

Se sente mais parte do mundo em Quebec que no Brasil.

Tem dois filhos. Os dois nasceram no Canadá. Os pais ficaram no Brasil. Sem perspectiva de

irem morar em Quebec. Se comunica com eles duas vezes por semana pela internet. Uma vez

por ano os pais vão para o Canadá ou ele vai para o Brasil. Computador em casa. Tem acesso

a internet banda larga. Tem TV a cabo sem canal do Brasil.

Manter proximidade cultural é importante. É um curioso de política internacional e economia,

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   CXII  

acompanha sempre o que acontece no Brasil.

Imigrou em 2008.

Proveniente de Aracaju/SE. Morava lá antes de imigrar.

Nascido em Aracaju, sempre morou lá antes de imigrar.

Imigrar para Quebec não é sinal de prestigio.

Quem custeou o projeto de imigração foi o próprio. Trabalha na economia formal.

Profissão no Brasil: web designer.

Canadá: planejador de estratégia de internet.

Optou por sair do Brasil para desenvolver a carreira e também para entrar em contato com

outras culturas.

25-Rafael V., solteiro, 28 anos, gerente de operações, imigrou em 2010

O professor da universidade que falou. Estava interessado em fazer o mestrado fora. Queria

fazer na Itália. Mas, acabou indo a uma palestra em Curitiba.

Resolveu imigrar para Quebec pelo desafio. “Todo mundo fala que é maravilhoso de morar

fora e eu queria ter a oportunidade de viver a experiência fora, aprender uma nova língua, ver

o que é realmente essa história de morar fora. Só que eu fiz o processo de imigração porque

eu queria chegar correto. Eu não queria fazer nada ilegal. E eu achei que a imigração ia ser

uma maneira fácil de ter todo o suporte, todo o governo, porque está tudo certo, não tem nada

ilegal e eu achei isso interessante”.

Na palestra do governo de Quebec ficou sabendo da possibilidade.

Não conhecia ninguém antes.

Se tudo desse errado pelo menos o francês ele iria aprender.

Foi para Sherbrooke para aprender o francês e também o custo de vida é mais baixo que

outros lugares.

Depois que chegou e viu que as coisas não eram exatamente como ele pensava dar um passo

para trás e voltou para os estudos.

Achou o primeiro ano difícil. Tinha se preparado, mas o corpo não aceitava o frio, a comida,

as pessoas, o preconceito do lugar “Uma coisa que agente não sabe o que é até que a gente

vive ele”.

Se sentia cansado no começo por causa de ter que falar outra língua.

Depois que se soltou conseguiu se adaptar.

Não está satisfeito com a mudança. “É uma grande decepção em alguns aspectos e outra que

em meu caso eu aprendi a conhecer... aí você começa a conhecer as pessoas... eu aprendi

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CXIII  

muita coisa na verdade. Mas, para mim é uma decepção. Eu só que eu fico muito feliz com o

que eu consegui. Na verdade eu consigo muito mais do que eu penso agora. No começo eu

achava que meu limite era uma coisa. Era uma coisa que tanto nos falam lá, que é

maravilhoso [Quebec]. Quando você chega dentro, começa a morar, a viver, você tenta

entender... realmente é diferença, mas não tem nada de tão especial assim. E outra coisa é que

você vê que, no meu caso, eu não acho que dinheiro não é tudo na vida. Para mim, a família é

mais importante do que dinheiro”.

Descompasso. Primeiro ouve que em Quebec precisa de mão de obra. “Mas, o quebecois não

está pronto para a imigração. Ele precisa da imigração, mas não está pronto. Ele fala: ‘ah, a

gente é aberto e blá, blá, blá’. Quando chega no realismo do que precisa de mão de obra eles

pegam seu diploma, colocam de lado e falam para você: ‘agora você tem que trabalhar na

construção, você vai ter que fazer um ano de estudo para trabalhar na construção’. Claro que

olhando agora esse tempo que passou eu entendo um pouco. Mas, o governo não poderia

chegar e falar que tem trabalho e está tão aberto assim porque não está. O mercado de

trabalho não aceita, tem uma restrição muito grande, existe racismo, preconceito. Tem

pessoas que estão aqui que sofrem racismo e preconceito e eles não enxergam. Eles não

preferem acreditar que isso existe”.

O que o atraiu é que em Quebec você não precisa se preocupar com o futuro. “Se você quiser

ter uma vida mais ou menos você vai conseguir, vai viver. Agora no Brasil se você não se

preocupar você está ferrado. Então isso é uma coisa interessante. Claro que o ritmo de vida

aqui é mais lento”.

Acha que é uma vida mais tranquila, sem tantos desafios.

Acha que o frio é difícil.

Acha diferente da diferença cultural, que aconteceria também em qualquer outro lugar do

mundo.

“No Brasil tinha estabilidade financeira, tinha os bens e tudo. Eu cheguei aqui e estava

morando em um quarto e andando de ônibus. Teoricamente você dá um passo para trás

esperando que tudo que você vai plantar você vai colher”.

Voltou a estudar em Quebec para entrar no mercado de trabalho, saiu da profissão no Brasil,

recomeçou tudo de novo.

Acha que não é importante ter dinheiro, ter bens matérias sendo que a família está longe.

Acha que mudou os aspectos que queria mudar da vida: desprendimento da vida material.

Faz mais dinheiro em Quebec, mas trabalha mais que no Brasil. Trabalho por hora trabalhada

seria praticamente igual.

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   CXIV  

“Com meu currículo hoje, meu salário no Brasil vai ser maior que aqui”.

Acha que em Quebec você compra mais, mas você aproveita menos. Menos oportunidades de

aproveitar. Fator clima. Acha que faz menos porque tem menos tempo e o clima não ajuda.

No Brasil tinha uma vida ativa no exterior, praticava esporte ao ar livre, não tem a mesma

vida social que tinha no Brasil.

Renda familiar bruta de 50 mil dólares só para se sustentar.

Se sentia respeitado no Brasil. A família o apoiava muito, no trabalho conseguia resultados,

com o pessoal com que praticava esporte era respeitado.

Se sente mais ou menos respeitado em Quebec. Pela comunidade brasileira sim. Um pouco

pelos quebecois. “Mas, ainda muitos me enxergam como apenas mais um imigrante que está

aqui”.

Se sente mais respeitado no Brasil. Se sente mais cidadão no Brasil. As pessoas entendem o

que você fala, as pessoas te julgam menos como categoria. “Aqui se você faz uma coisa

errada parece que são todos os imigrantes e não cada pessoa”.

Coletivização dos problemas pela sociedade quebecoise.

Cidadania plena vai ser na hora que se sentir 100% confortável em um lugar. Acha que tinha

uma vida no Brasil porque tinha tudo que queria, tinha família, tudo que almejou conseguiu

alcançar.

Acha que não tem uma vida digna em Quebec. Trabalha 13 horas por dia, estuda, tem que se

reafirmar no trabalho muito mais que os outros “mesmo que eu tenha resultados maiores que

os outros, mais rápidos, as pessoas continuam me olhando ainda como um imigrante, para

conseguir meu trabalho foi muito difícil, eu tive que me humilhar para conseguir entrar. Então

é complicado”.

Diferenças. Trabalha mais hoje que antes. Tinha uma vida social maior no Brasil. Mas, em

Quebec abriu os horizontes, abriu o mundo, conheceu pessoas de outras nacionalidades,

aprendeu uma nova língua e a se virar.

Não sofreu preconceito no Brasil.

Já sofreu preconceito em Quebec.

“A primeira vez que eu sofri preconceito foi na universidade. A gente foi apresentar um

trabalho e estava todo mundo para fora de sala, só entrava o grupo para apresentar. Daí,

cheguei para entrar, falei para um cara – em francês – que estava nervoso para apresentar o

trabalho e tudo. Veio um rapaz da equipe e falou que estava também nervoso. Aí veio outro

rapaz e disse: ‘nem se estressa, se até ele [o imigrante] consegue você também consegue’.

Ninguém riu, o cara se achou um engraçadão. Depois fui conversar com ele e falei: ‘olha,

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CXV  

estou aqui no seu país, falo as duas línguas do seu país e acho que estou aqui tentando (ele é

um cara que torce para o time de hockey, os Canadiens, de Montreal). Está vendo esse seu

time de hockey, metade não fala francês. Eu estou fazendo meu esforço, fazem só seis meses

que eu estou aqui no Quebec’. O cara quase chorou, se cagou de medo, eles não estão

acostumados com isso, ninguém tira satisfação aqui. Outra fez foi para conseguir trabalho.

Ninguém queria me dar trabalho. Vários diretores me disseram que não estavam prontos a

contratar um imigrante. Eu tive que ir seis vezes no mesmo lugar. O último lugar que eu

consegui trabalho eu tive que ir oito vezes até que ele disse sim. Teve vários diretores de

concessionárias que disseram não, que não iriam e não queriam contratar um imigrante. Eles

falavam abertamente: ‘a gente vê que você está preparado, mas eu não estou pronto para

contratar um imigrante’. Isso para mim foi uma baita decepção. E eu voltei mesmo assim ao

mesmo lugar várias vezes mesmo sabendo que o cara não queria contratar um imigrante. No

meu trabalho, [escuto] várias piadas racistas, meu chefe chegou e falou assim (porque eu

vendo muito carro para Montreal): ‘nossa, não sabia que você sendo de uma raça menor daria

resultado’. Até perguntei para ele o que ele queria definir como uma raça menor e ele: ‘sei lá,

como você aí que... está meio perdido, não tem tanto estudo’. Eu expliquei para ele que a

maioria dos imigrantes que estão aqui, os brasileiros principalmente, a maioria tem a

universidade completa, grande parte tem uma pós-graduação, um mestrado, vários estudantes

de doutorado. Aí ele ficou sem jeito, mas já tinha falado”.

Acha que o governo tenta fazer o seu melhor. “Eu acho que o governo tem que parar de tentar

preparar o imigrante – eu acho que o governo do Quebec dá um suporte bom. Só que eu acho

que eles tem que tentar preparar a sociedade para o imigrante, não o imigrante para a

sociedade. Acho que eles tinham que falar para a sociedade dar mais um incentivo real através

de tentar engajar o imigrante na sua profissão mais rápido de uma maneira mais justa – não só

‘vai e te vira’, que é isso que acontece aqui, sabe?”.

Fez um curso de administração e francês na universidade. Fez um curso de representante de

vendas para ser creditado em Quebec. “Que é um curso ridículo, que você não aprende nada,

mas que você tem que fazer só para dizer que você está fazendo”. Terminando uma pós-

graduação em administração.

Acha que sabendo que a experiência de falar várias línguas e internacional pode o ajudar

profissionalmente.

Acha que os cursos que fez não o ajudam a se inserir no mercado de trabalho. O que o ajuda a

entrar no mercado de trabalho é a experiência de trabalho no lugar, o curso iria apenas dar um

apoio.

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   CXVI  

Entre um ano e meio e dois para imigrar depois que mandou o dossiê.

Não tinham opinião formada sobre o fechamento. Achava bom o fechamento para valorizar a

mão de obra de imigrantes que já está dentro.

Já tinha dado entrada no pedido de cidadania para parar de ter que pedir visto, uma parte do

processo de imigração.

Não sabia se sairia ou não, não se julgava preso a nenhum lugar.

Não sabia se moraria em Quebec para sempre ou não.

Diz que pensa em volta para o Brasil.

Em Quebec diz que aprende a enxergar o mundo de uma outra maneira. Se sente mais parte

do mundo.

Não tem filhos. Os pais ficaram no Brasil e não viriam no futuro para Quebec. Se comunica

com os pais uma vez por semana. Tem computador em casa, internet banda larga, tem TV a

cabo sem canal do Brasil.

Manter proximidade cultural com o Brasil é importante, é sua raiz

Imigrou em 2010.

Proveniente de Curitiba. Morava em Curitiba antes de imigrar.

Nasceu em Curitiba e morou a vida inteira em Curitiba até antes de imigrar.

Imigrar para Quebec não é sinal de prestígio.

Quem custeou o projeto de imigração foi o próprio, trabalha na economia formal.

No Brasil: gerente de logística.

Canadá: vendedor de carro.

Resolveu sair do Brasil porque era um desafio.

26-Paulo II., casado, 32 anos, analista de sistemas, imigrou em 2006

Foi fazer um intercâmbio de inglês. Foi para Toronto durante um mês e acabou conhecendo

Quebec como turista em um final de semana.

Retornou para o Brasil e um colega de trabalho que comentou que estava fazendo curso de

francês, pensava em imigrar.

Achou interessante. Na área dele, informática, é fácil arrumar emprego.

Foi a duas palestra no Brasil e começou a estudar francês e resolveu tentar.

Acabou casando antes de ir morar em Quebec.

Foi uma aventura, uma experiência de ir morar fora do Brasil.

Não conhecia ninguém antes. Mas, com o processo, acabou conhecendo um amigo de um

amigo.

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CXVII  

Mas, a pessoa não o ajudou a vir. Apenas tirou algumas dúvidas, mas não teve influência na

decisão.

Acha que o primeiro mês, antes de arrumar um emprego, foi um pouco difícil.

Arrumaria um emprego tranquilamente no Brasil se tudo não desse certo.

Está satisfeito com a mudança profissionalmente e por segurança. Mas, não está satisfeito

pela família que ficou no Brasil, o que o faz pensar em voltar.

A esposa prefere Quebec pela segurança de andar à noite na rua é algo importante para a

esposa e faz ela preferir Quebec. No Brasil, escureceu ela já não andava sozinha à pé.

“Para mim, olhando ela e agora a gente tem uma filha, isso pesa também. Morro de medo de

voltar e acontecer alguma coisa com minha filha lá eu vou me arrepender pelo resto dos meus

dias. Esse é o ponto que faz pesar. Do ponto de vista família, que para mim é um lado muito

importante, eu valorizo muito, embora eu vou frequentemente – uma ou duas vezes por ano –

e minha família vem me visitar, mas para mim não é a mesma coisa, é o que eu sinto mais

falta: no domingo ir almoçar na casa da minha mãe, meus familiares”.

Não teve descompasso. O emprego foi até mais fácil do que ele esperava encontrar.

Na primeira entrevista de emprego que foi ele já conseguiu um emprego.

Com relação à vida, achava antes de vir que não teriam tantos imigrantes.

Com trabalho, qualidade de vida, conseguir comprar um apartamento, uma casa, isso foi

melhor do que o esperado.

O que o atraiu no começo foi a tranquilidade, a segurança. Já tinha sido assaltado no Brasil

algumas vezes, mas nunca teve trauma de assalto.

Biblioteca boa.

Acha difícil a distância da família e dos amigos.

Acha um pouco cansativo a falta de entendimento pleno da língua.

Tirando a segurança, a imigração foi por ter uma experiência nova, ter a língua. Esperava

voltar depois de pouco tempo – dois, três anos. Já estava há seis.

“Segurança aqui é super tranquilo. Eu não tenho medo nenhum de sair três horas da manhã,

não tenho nenhum receio de sair na rua mais. Então, isso mudou. Contrapartida tem o outro

lado, minha família. No aspecto profissional é a mesma coisa que no Brasil”.

Em relação a dinheiro, no início ganhava a mesma coisa. Hoje ganha mais. Imagina que se

tivesse no Brasil também teria o salario aumentado. Amigos no Brasil no mesmo cargo

ganham equivalente.

Acha que consegue fazer coisas equivalente. Supermercado mais barato no Brasil. Eletrônicos

mais baratos no Canadá.

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   CXVIII  

Renda familiar bruta aproximada em volta de 80 e 90 mil dólares por ano. Para três pessoas.

Se sentia respeitado no Brasil.

“Não me sentia respeitado pelos políticos, por algumas pessoas da sociedade. Na verdade, a

culpa é das próprias pessoas que votam. Votam sem pensar, algo generalizado na sociedade

que ganhar uma vantagem não ofende ninguém. Nisso eu me sentia desrespeitado. Mas, pelos

meus amigos, minha família, no trabalho, na faculdade, isso eu não tinha nenhum problema”.

Se sente respeitado em Quebec. Poucas vezes que sentiu algo contra o imigrante.

“Aconteceu esses tempos com minha esposa no hospital uma paciente que estava em cuidados

paliativos, faltavam dois meses para a mulher morrer, aí a pessoa falou para a médica que não

queria minha esposa cuidando dela – a minha esposa é estagiária a médica – porque minha

esposa era imigrante. Mas, minha esposa não ficou chateada, é um direito da mulher, ela vai

morrer, ela tinha até dó da mulher porque está morrendo e se preocupando com isso ainda,

algo que geralmente as pessoas se desapegam no final”.

A esposa faz faculdade de medicina.

Se sente mais respeitado em Quebec porque as pessoas agem mais corretamente. Cita o

governo. “Lá no Brasil várias vezes você escuta falar da polícia que agiu mal com uma pessoa,

de forma errada, e aqui eu ouço muito menos. Pesando esse lado, eu diria que aqui. O lado

pessoa entre amigos, no trabalho, no comércio, é semelhante”.

Como cidadão que exige seus direitos e é obrigado a contribuir, se sente mais cidadão em

Quebec porque em Quebec os impostos que ele paga são melhores destinados que no Brasil.

“No Brasil embora você pague o imposto você acaba pagando uma escola particular. Então, é

como se eu não exigisse tanto meu direito de cidadão. Como cidadão eu paguei meu imposto

eu acho que eu deveria exigir. Então, lá no Brasil eu já não exigisse tanto porque eu já não

esperava tanto do governo, já tinha a ideia concebida que o governo não daria para minha

filha escola de qualidade. Então eu acho que eu tinha menos cidadania nesse sentido”.

Cidadania plena é ter direitos respeitados e deveres a serem cumpridos.

“Se o governo age mal com meu dinheiro aí outro problema. Não é eu deixando de pagar [os

impostos] que resolve o governo agindo mal com meu dinheiro. Eu tenho que exigir que o

governo saiba gastar o dinheiro. Se eu acho que o imposto está caro não é deixando de pagar

que eu exijo. É eu convencendo o governo, eu exigindo que o governo não aumento o

imposto”.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil.

Acha que tinha algumas maiores dificuldades no Brasil, mas uma vida digna.

Tem uma vida digna em Quebec também.

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CXIX  

Se voltasse para o Brasil também teria uma vida digna, tomando precauções com a segurança.

A maior parte dos amigos são Brasileiros e um casal canadense anglófono. Tem menos

amigos que no Brasil.

“O trabalho é parecido o que eu faço, mas lá era mais exigente, eu trabalhava mais. Lá é

normal trabalhar uma hora a mais por dia. Ao invés de trabalhar oito, trabalha-se nove, dez

horas, isso era o considerado normal na empresa em que eu trabalhava. E aqui isso é mais

qualidade de vida. Lá o meu horário também era um pouco flexível e aqui o horário também é

bem flexível, mas trabalho menos, com certeza trabalho menos. A qualidade de vida aumenta.

Eu tenho menos tempo no transporte também. Lá no Brasil eu demorava uma hora e quinze

[para chegar no trabalho] e hoje em dia, com as novas linhas de metrô [inauguradas] eu

demoraria uma hora, cinquenta minutos de onde eu morava. Aqui eu demoro hoje em dia 20

minutos com trânsito. Isso eu ganho tempo e qualidade de vida”.

Tem mais acesso a benefícios sociais. “Quando minha filha nasceu minha esposa estava na

faculdade e eu acabei pegando licença paternidade. Eu fiquei talvez sete meses em casa

[cuidando da filha. Tirou um pedaço de licença paternidade e o restante com a compartilhada

de seis meses]. Acha que talvez isso o fez ter uma relação próxima com a filha que dura até

hoje”.

Acha que talvez olhando por esse lado de benefícios sociais Quebec seja melhor.

“Mas não que para mim lá fosse ruim. Eu tenho uma visão positiva da vida que eu tinha lá no

Brasil. Eu não tinha problemas de emprego, de educação, tinha uma qualidade de vida boa”.

Seis meses da mulher e seus pode ser compartilhada.

Licença compartilhada. No Canadá, a licença maternidade é de até um ano, mas ela pode ser

compartilhada.

Acha também vantajoso o acesso à universidade em Quebec.

Acha que tinha uma vida com mais dificuldade, mas digna.

Acha que era ruim a desigualdade no Brasil. Mas, entende que não resolveria isso imigrando,

mas ficando em Quebec.

Acha que tem uma vida digna em Quebec, tem emprego, apartamento bom, qualidade de vida,

a esposa vai para a faculdade, sai para se divertir, tem acesso à cultura, coisas fundamentais.

Acesso a saúde.

Nunca sofreu preconceito no Brasil nem em Quebec.

Não fez curso de qualificação em Quebec. Fez cursos internos na empresa – francês e inglês

dentro do horário de serviço.

Acha a política de imigração boa, o acolho satisfatório.

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   CXX  

Acha que a espera para a pessoa procurar emprego é maior do que o divulgado. Mas, acha que

o brasileiro que procura isso pela internet ele acha essa informação.

O único ponto a melhorar é a procura de mão de obra qualificada e a pessoa chega e é mais

difícil do que a pessoa espera para conseguir um emprego.

Demorou oito meses para conseguir o papel do governo de Quebec.

Demorou um ano e meio para receber a cidadania. Acha que é apenas um processo

burocrático, mas simples.

Resolveu virar cidadão para não ter que renovar a carteira de residente permanente e ter o

direito de voltar para o Brasil e se mudar de ideia voltar quando quiser.

Tem o lado de fazer mais parte da sociedade por ser cidadão. Se sente um brasileiro

canadense. Não pretende sair de Quebec e imigrar para outro lugar.

Não pretende morar em Quebec para sempre.

Achava que depois que a esposa terminasse o curso eles iria morar no Brasil.

Pretende voltar a morar no Brasil.

Acha que existe uma aura, uma expectativa para as pessoas de que fora tudo é melhor. Hoje

que vê que é tudo mais fácil se sente mais parte do mundo. Não é por causa de Quebec, é

porque teve experiências novas que o fez hoje se sentir cidadão do mundo.

Tem uma filha que nasceu em Quebec. Os pais moram no Brasil e não há perspectiva deles

irem morar em Quebec.

Se comunica com os pais diariamente. Via internet. Tem computador em casa, banda larga,

TV a cabo sem canal do Brasil.

Acha importante manter proximidade cultural com o Brasil, se informa sobre o Brasil. Gosta

de assistir às vezes filmes brasileiros. Alguns programas da televisão brasileira que ele gosta

que ele assiste via internet.

Imigrou em 2006.

Proveniente de Mauá-SP. Antes de imigrar morava lá. Nasceu lá e morou lá a vida inteira.

Morou em Montreal e depois de mudou para Quebec.

Para ele é um sinal de prestígio. É uma coisa que ele se preparou e conseguiu, precisou fazer o

curso de francês, atendeu aos requisitos, se orgulha de certa forma.

Quem custeou o projeto de imigração foi o próprio.

Trabalha na economia formal.

Profissão no Brasil: analista de sistemas

Canadá: analista de sistemas.

Resolveu sair do Brasil porque gostou da proposta, acha que iria acrescentar, iria aprender um

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CXXI  

outro idioma.

“Tirando o lado da segurança, não tinha nenhum motivo que a minha vida era ruim lá, nada”.

27-Luiz Y., casado, 41 anos, analista de suporte, imigrou em 2008

A primeira vez que escutou falar foi em 1987, quando os pais pensaram e ir morar em Quebec.

Desde então ficou super empolgado com a ideia de morar fora.

Em 2001, voltou a pesquisar a sair do Brasil. Alternativas era Austrália, Nova Zelândia e

Canadá.

Não gosta de calor e por isso pensou no Canadá.

Estava de saco cheio com o inglês, quis aprender francês. Passou umas férias antes em várias

cidades do Canadá até saber onde iria se estabelecer.

Escolheu imigrar para Quebec porque estava cansado do inglês, em Quebec neva bastante, e

tinha a história que o povo de Quebec é mais latino, mais parecido com o povo brasileiro.

Ficou sabendo da possibilidade de mudar pela internet.

Foi a palestra do governo de Quebec no Brasil.

Não conhecia alguém antes de imigrar.

A ideia inicial era mudar de área de trabalho. Mas, ficou na área da informática quando se

mudou.

Acha que não achou muito difícil a adaptação. Já tinha experiência de mudanças no Brasil.

Mas, mudou a língua.

Está satisfeito com a mudança. A vida é mais tranquila, tem bastante neve.

O salario é menor. Mas, com a esposa trabalhando, dá para viver tranquilamente.

“Não existe experiência melhor para ter um filho do que aqui. Então, estou super contente”.

Não houve descompasso.

A Cidade de Quebec o atraiu pela tranquilidade, a quantidade de neve, pistas de ski, uma

cidade pequena para os padrões brasileiros, mas com muita oferta de emprego.

Acha difícil o salario, que poderia ser melhor. “A dificuldade da língua acaba distanciando

um pouco para você ter amigos de verdade daqui da terra. Então, você acaba se relacionando

com brasileiros. Como os brasileiros aqui existe uma quantidade menor que no Brasil, para

você encontrar um amigo que tenha as mesmas afinidades nem sempre você encontra

facilmente. Então, você acaba tendo um isolamento maior. Então basicamente é isso que eu

vejo de mais difícil”.

“Você para no sinal do trânsito sem aquela preocupação”.

“Você sempre vive num estado de tensão lá. Aqui você não precisa travar a porta se você não

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   CXXII  

quiser”.

Diz que não suporta o calor que sentia no Brasil.

Fala de problemas de política, corrupção, etc.

Acha que conseguiu mudar o que queria.

Ganha metade do que ganhava no Brasil.

Acha que faz um pouco menos de coisas que no Brasil.

Sai menos, viaja menos.

No Brasil tinha um bom emprego. No Brasil, ganhava o dobro em dólar do que ganha em

Quebec.

Renda familiar bruta de 70 mil dólares por ano para três pessoas.

Se sentia respeitado no Brasil. Era respeitado no trabalho, nunca sentiu depreciação no

trabalho. Em Quebec, já sentiu no trabalho pelo fato de ser do Brasil.

“Aqui eu já senti uma depreciação do trabalho que eu faço não pela minha capacidade, mas só

pelo fato de não ser daqui”.

Se sente um pouco respeitado em Quebec. Mas, depende muito da pessoa. Existem pessoas

que respeitam e outras não. Já sentiu descriminação por não entender o que a pessoa falava.

Se sente mais respeitado no Brasil.

Se sente cidadão igual em qualquer um dos lugares.

Cidadania plena é usufruir dos serviços públicos e exercer direitos e deveres.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil. “Tirando o fato que eu não conseguia viver com

tranquilidade por conta da segurança, eu não tinha uma vida digna no Brasil. Já fui assaltado,

nada violento, mas sempre estava com medo”.

Não se divertia o suficiente.

Acha que tem uma vida digna em Quebec porque consegue se divertir mais, fica mais

tranquilo.

“Mesmo com a correria que é, a instabilidade do início da vida fora do Brasil, aqui eu estou

mais tranquilo”.

Nunca sofreu preconceito quando morava no Brasil.

Já sofreu preconceito em Quebec já no primeiro emprego, em uma metalúrgica.

“Um desses quebecois falou de uma forma incompreensível. Ele teve um ataque histérico.

Nisso chegou o coordenador e ele disse que eu não falo francês. O coordenador perguntou se

falava francês. Eu disse que ‘eu falo francês. O problema é que eu não entendo o que ele fala’.

Aí a equipe toda ficou me renegando porque eu era novo, faziam seis meses que eu estava na

cidade. O nível de escolaridade do pessoal era muito baixo. Então, quanto mais baixo o nível

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CXXIII  

de escolaridade pior é a forma como falam, as expressões que falam, é muito difícil de

entender. Nessa situação eu senti uma discriminação forte da equipe”.

“Tirando isso, às vezes fica uma situação tênue que você não sabe se está na sua cabeça ou se

realmente está acontecendo”.

Quando me passavam serviço fácil, eu não sabia que estavam dando porque era para o

imigrante ou se era algo da minha cabeça.

Fez um curso de informática durante um ano e meio que valeu à pena.

Acha que ajudou alguma coisa para se inserir no mercado de trabalho, mas não muito. O que

fez o empregador o contratar foi a experiência de trabalho no Brasil.

Acha de médio a positiva a política de imigração de Quebec.

“Não existe de repente uma organização muito forte da inserção de quem vem de outro país

teoricamente capacitado para trabalhar aqui. Não existe um esforço muito grande para

melhorar as coisas. Existe um sistema que funciona mais ou menos, mas com muita gente

ainda insatisfeita pelo que eu conversei com outras pessoas. Então, não é tão eficiente. É bom,

funciona alguma coisa, mas poderia ser melhor”.

Acha que poderia melhorar quais são as necessidades do mercado de trabalho e como

aproveitar as pessoas para elas não terem que ir para subemprego ou retomar estudos.

“Tem hora que você vê que as Ordens estão lá guardando mercado para manter seus salários

altos: médicos, dentistas, engenheiros nessa panela. Então, uma vontade política para mudar

essas Ordens seria interessante”.

Demorou dois anos para imigrar depois de enviar o dossiê.

Vê como um ponto negativo o fechamento.

Não era cidadão canadense. Mas, já tinha dado entrada no processo.

Pensa em se naturalizar só para poder sair e voltar sem ter que renovar o visto.

Pensa em ir para o lado inglês.

Não pensa em morar em Quebec para sempre.

Não pensa em voltar para o Brasil. “Difícil eu ver aquele país lá numa segurança social boa

como a gente tem aqui ao ponto d’eu falar: ‘vamos voltar para o Brasil”.

Em Quebec não se sente mais parte do mundo que no Brasil.

Tem um filho. Nascido no Canadá. Os pais ficaram no Brasil. Sem perspectiva de irem ir

morar em Quebec. Se comunica com os pais a cada duas semanas via internet.

Tem computador em casa, internet banda larga, não tem TV a cabo.

Manter proximidade cultural com o Brasil não é importante. É importante manter afinidade

com brasileiros.

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   CXXIV  

Imigrou em fevereiro de 2008. Proveniente do Rio de Janeiro/RJ.

Antes de imigrar para Quebec morava em São Paulo.

Nasceu no Rio de Janeiro, morou em Campinas, morou em São Paulo, voltou para o Rio de

Janeiro, voltou novamente para São Paulo, morou um ano em João Pessoa esperando sair o

passaporte.

Para ele, imigrar para Quebec não é sinal de prestígio.

Quem custeou o projeto de imigração foi o próprio.

No Brasil era analista de suporte.

No Canadá analista de suporte.

Resolveu sair do Brasil porque tinha vontade desde criança de morar fora do Brasil, ver

culturas diferentes, aprender, ver coisas diferentes.

O que o fez realmente sair foi a violência e a qualidade de vida.

28-Amanda L., união civil, 30 anos, estudante, imigrou em 2010

Começou a pensar na imigração para o Canadá quando foi para o Brasil fazer estágio da tese

de doutorado e viu que não conseguia arrumar emprego como pesquisadora, como professora.

Falava muito bem francês, melhor que inglês. Achou que em Quebec teria um povo legal.

A experiência na França foi excelente. Esperava que teria uma experiência melhor.

Estava na França em 2008/2009 e lá não daria para ficar no ambiente pós-crise econômica.

Ficou sabendo da possibilidade de imigrar para Quebec pesquisando na internet.

Foi a uma palestra do governo no Brasil quando foi fazer o estágio em Salvador.

Encontrou resistência na Universidade Federal da Bahia.

O processo foi rápido, demorou nove meses até receber o visto. Deu entrada na França no

escritório em Paris.

Foi não foi difícil a adaptação. O difícil é que foram roubados no primeiro dia e durante três

meses não conseguiram dar entrada a nada, ficaram paralisados.

Nunca tinha sido roubada no Brasil nem na Europa, mas foi em Quebec.

Diz que só encontrou pessoas de péssimo caráter em Quebec.

Não está satisfeita com a mudança. Disse que iria embora.

“Aqui não tem nada do que eles inventam, porque é uma propaganda muito bem feita. O

processo de imigração como eles falam que é, aceitar os valores quebequenses... não tenho

menor problema em aceitar os valores quebequenses. O problema é que é um país – se é que

podemos chamar Quebec de um país –, é um lugar onde tem muita burocracia, eles

conseguiram transformar o sistema em um sistema perverso. Eles tentam ajudar o imigrante,

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CXXV  

mas no final das contas eles não ajudam porra nenhuma. Não adianta o governo fazer um

processo de imigração que serve para trazer imigrantes se a população quebequense não está

pronta para receber os imigrantes. Uma pessoa que é imigrante e que não fala bem francês dá

até para entender porque ela não consegue trabalho. Agora, uma pessoa que fala fluentemente

o francês... eu fiz estudos na França, eu morei cinco anos na França, eu aprendi a falar o

francês correto. Como é que eu não consigo trabalho?”.

“As pessoas são fechadas, elas são ignorantes em relação ao que é o imigrante – elas não tem

noção de mundo. É o típico estereótipo de Norte Americano: estúpido, só enxerga o próprio

umbigo, eles são extremamente egoístas, falta de cultural e abertura de mente que você

encontra muito na Europa – falar com as pessoas, não ter preconceito em relação a conhecer o

outro. Eu sempre gostei de conhecer o outro, foi por isso que eu estudei relações

internacionais. E aqui você não vê isso”.

“Não passa pela cabeça deles que as pessoas vem para cá para ter uma qualidade de vida

melhor. Não, para eles é porque você fez alguma coisa de ilegal, de imoral no seu país e você

veio fugitivo. Eles não imaginam que sejam por outras coisas”.

Não tem contato com brasileiros.

Os amigos no Canadá são franceses.

Acha que a população não está preparada para receber o imigrante.

“Eu queria me integrar com o quebequense, eu queria ter o estilo de vida dos quebequenses.

Mas, eles não permitem isso, eles não estão preparados para receber o imigrante. A população

não está preparada. Para mim, quebequense tinha que viver entre eles. O governo não faz uma

sensibilização em relação às pessoas de como deveria ser. Porque você viver em gueto... eu

não gosto disso, viver em gueto. Na França eu não vivia em gueto. Meus melhores amigos na

França são franceses. Eu vivi na França e não tinha amigos brasileiros. Então é eu que tenho

um problema, é eu que não sei me adaptar ou é porque o Quebec não sabe aceitar esses

imigrantes e não quer também se adaptar aos imigrantes? Porque é um processo de troca.

Todo processo de imigração é um processo de troca. Os quebequenses não estão preparados

para isso”.

O que a atraiu foram as ideias sociais. Não se importa em pagar impostos se eles são bem

aplicados em benefícios sociais. “Eu quero viver onde tem segurança, onde as pessoas não

passam fome, eu não quero viver em um lugar em que o conceito Norte-Americano de cada

um por si Deus por todos isso para mim não funciona. Por isso que eu escolhi o Quebec”.

Acha difícil em Quebec as pessoas, os quebequenses. Acha que teve experiências ruins e

pouco espaço de tempo.

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   CXXVI  

O que buscou na imigração foi a questão do trabalho.

Acha que não conseguiu.

Experiência, de trabalho, experiência internacional, diploma, a língua, tinha tudo isso e não

conseguiu um emprego na área.

“Pode ser que o problema seja eu. Mas, duvido que o problema seja eu. O problema são eles,

a maneira como eles veem o mundo e não estão preparados para receber imigrante”.

Não chegou a trabalhar no Brasil. Trabalhou na França. Acha que em Quebec ganha mais que

no Brasil ou na França.

“A nível financeiro eu posso dizer que eu tenho tudo que eu quero, mas não é gratificante o

trabalho”.

Acha que consegue fazer mais coisas em Quebec. Em Quebec tem um padrão de classe média

alta.

Acha que a perspectiva financeira é melhor que no Brasil e na França.

Pode viajar mais, gasta mais com alimentação, gasta com eletrônicos, carro também é mais

barato, o crédito é maior em Quebec.

Renda familiar bruta aproximada de 30 mil dólares por ano.

Isso para sustentar os dois.

Não se sentia respeitada no Brasil. Se sentia mais cidadã na França que no Brasil e em

Quebec. Porque não sentia discriminação direta. Se sentia bem tratada por organismos

públicos no Brasil não se sentia bem trata. “No Brasil é meio que desumano. Até hospital

particular, médico particular é mercenário no Brasil. Qualquer coisa ele quer te abrir, fazer

cesariana...”.

O sistema de saúde da França é melhor que em Quebec.

Não se sente respeitada em Quebec.

Relata dificuldades para ter acesso ao mercado de trabalho por falta da experiência de

trabalho quebequense.

Não se sente respeitada nem em Quebec nem no Brasil.

Não se sente cidadãs no Brasil nem em Quebec.

Porque compara com três países. Teve uma boa experiência de vida.

Cidadania plena é ter acesso a sistema de saúde, educação, direitos político, ter segurança, se

sentir inserido, não ver diferença entre você e os outros.

“Eu sou descriminada. Um quebequense como eu com a formação como a minha não estaria

fazendo o que eu faço, por falta de experiência ou o que seja”.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil. Era sustentada pelos pais.

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CXXVII  

Acha que tem uma vida digna em nível financeiro.

“Aqui eu sou livre. No Brasil eu tinha síndrome do pânico, achava que qualquer pessoa iria

me roubar”.

“Aqui falta calor humano. O problema são as pessoas”.

Não sofreu preconceito no Brasil.

“O preconceito é uma maneira indireta. Eles não dizem na sua cara”.

Chegou a começar um certificado em negócios públicos, mas não concluiu.

“O governo daqui faz uma política de imigração que não corresponde à realidade do Quebec.

Eu pensei o seguinte: se meu processo de imigração foi rápido eu correspondo a um perfil que

é demandado no Quebec. Quando eu chego aqui, a realidade não é essa, ela é diferente”.

Não imaginava que teria resistência tão grande para conseguir um emprego.

Em nove meses saiu o visto.

Demorou um ano para imigrar desde que enviou o dossiê.

“Todo processo de imigração tem seus problemas”.

Acha a propaganda enganosa.

Acha um erro fechar a imigração.

“O que cabe fazer é o inverso: é sensibilizar as pessoas em relação aos imigrantes. Porque um

país sem imigração não tem condições de evoluir. A imigração hoje em dia é necessária. Eu

não consigo imaginar o mundo civilizado sem um processo de imigração”.

Quer ter o passaporte canadense para poder viajar para onde quiser sem problemas. Ter o

direito a voto. Quer tentar postos na função pública federal.

Acha que apesar de na Europa a burocracia ser problemática para a recepção do imigrante, ela

é melhor nas aceitações nas relações interpessoais.

Estava decidida a ir morar em Ottawa.

Não pensa em morar em Quebec para sempre.

“Eu sinto muito a falta da minha família, dos meus amigos, mas eu sei que as coisas não vão

ser como eram antes porque eu não sou mais a mesma, não sou mais a Amanda de 22 anos. E

eu sei que as coisas não vão ser como eram antes. Então eu tenho muito medo de voltar e não

me adaptar”.

Não aceita o jeitinho brasileiro, a corrupção. “Se você não tem um pouco de malemolência

para viver no Brasil você não vive”.

Hoje não pensa em morar no Brasil. Mas, no futuro, com a aposentadoria, pensa.

Não se sente mais parte do mundo que no Brasil.

Sem filhos. Os pais ficaram no Brasil. Não sabia se eles deveria morar fora. Se comunica com

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   CXXVIII  

os pais toda semana. Via internet e telefone. Tem computador em casa com internet banda

larga, sem TV a cabo.

Manter proximidade cultural com o Brasil é importante.

Não se sente mais brasileira, se sente cidadã do mundo.

Imigrou em dezembro de 2010.

Proveniente de Salvador/BA. Antes de imigrar para Quebec morava em Toulouse, na França.

Morou em Salvador a vida inteira. Foi para Toulouse fazer o mestrado, começou o doutorado,

mas largou.

Relata dificuldades financeiras para ter parado o doutorado. “Aí quando você vê que o seu

país não quer financiar sua pesquisa dizendo: ‘ah, você tem condições de se virar na Europa.

Se você já mora lá você tem condições’. Eu fiquei quase seis meses morando na casa de uma

amiga minha porque eu não tinha condições de pagar um aluguel. Para a Capes eu tinha

condições de me virar sozinha”.

Esperou durante os dois primeiros anos esperando resposta de bolsa.

O plano B foi Quebec.

Imigrar para Quebec não é sinal de prestígio.

Quem custeou o projeto de imigração foi ela mesma.

Trabalha na economia formal.

Profissão no Brasil: estudante

Canadá: auxiliar de serviços gerais.

Queria sair do Brasil para estudos fora.

29-Ana T., solteira, 32 anos, programadora analista, imigrou em 2009

Ouviu falar em Quebec através da internet.

Escolheu imigrar para Quebec.

Tinha amigos que moravam em Quebec.

Chegou a conhecer outras cidades quando foi fazer uma conferência do mestrado em Toronto.

Conheceu o Canadá nessa oportunidade.

Não foi a palestra do governo de Quebec no Brasil.

Não conhecia pessoas antes de imigrar.

Quando deu entrada no pedido de imigração começou a estabelecer contato com pessoas que

já moravam no lugar.

O projeto de imigração começou em junho de 2007.

Fez a entrevista em São Paulo em novembro de 2007. Passou pela entrevista. O visto chegou

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CXXIX  

em agosto de 2008. Imigrou em maio de 2009.

Foi difícil a adaptação. Tinha 10 anos de experiência profissional dentro da mesma empresa.

Não tinha experiência da procura de emprego no Brasil. Teve essa experiência em Quebec.

Teve que adaptar o currículo.

“Sempre quando você vai atrás das vagas você não tem a famosa experiência canadense.

Então, eles olham o seu currículo, seu sobrenome – não é um sobrenome francês –, olham

suas experiências, então eles botam ou no final da pilha ou já no lixo. Quando você tem o

primeiro contato com o departamento de recursos humanos geralmente é por telefone. Eles

me perguntavam coisas que eu não entendia, que eu não tinha ainda a capacidade de entender.

Eles agradeciam e encerravam, acabava ali. Por mais que a gente se prepara no Brasil, a

realidade é outra”.

Quando entra no mercado de trabalho, o cotidiano, o comportamento é diferente. Eles não são

diretos, eles dão indícios.

Falando do ambiente de trabalho:

“Às vezes a pessoa não tem abertura com o imigrante: ‘ah, ela tem um accent [sotaque], não

quero nem papo com essa pessoa”.

Fala que é difícil porque comete erros de francês, não vai ter pronúncia perfeita, pode

melhorar, mas não vai ter o nível que eles esperam. “Primeiro porque eles exigem demais dos

imigrantes quando eu olho que nem eles mesmos são perfeitos. Às vezes você vê eles mesmos

cometendo erros, mas que para eles passa desapercebido – mas, para um imigrante não”.

Não conseguiu emprego em Montreal. Ficou cinco meses procurando emprego.

Conseguiu um estágio em Quebec na prefeitura para ter a experiência canadense – durante

sete meses. Chegou a trabalhar em restaurante para complementar a renda.

Conta que o primeiro emprego que conseguiu em Quebec na área dela foi demitida depois de

5 dias porque o cara avaliou ela e disse que ela era lenta. “Puxa, o cara me disse que eu sou

lenta. Quer dizer, 10 anos de experiência que eu tive no Brasil não valeu nada, né”.

Está satisfeita com a mudança. Acha que é muito mais tranquilo. “A segurança de você sair na

rua e estar tranquilo”.

Acha que vê possibilidade de avançar profissionalmente em Quebec em comparação ao Brasil.

Acha a segurança muito boa. O único ponto que critica é a saúde pública.

Está acostumada. Tem um namorado quebequense.

Não houve descompasso porque não teve grandes expectativas.

O que a atraiu é a questão cultural, muitos festivais, eles se preocupam com as crianças nos

espaços públicos.

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“Porque aqui você tem a liberdade. Você sai, pode passar um dia no parque, tem eventos lá, o

evento é de graça. Eu vejo muito essa questão da tranquilidade de você poder sair”.

O que a atraiu também foram as mudanças de estações do ano.

Acha difícil avançar no trabalho por não ser do local, pois eles querem se proteger.

Vários amigos que não conseguem avançar na carreira porque não falam com sotaque.

“Isso que me irrita. A questão deles cortarem o inglês das escolas para colocar mais história

do Quebec. Então eu acho isso uma alienação deles, o que me incomoda mais. Eu acho eles

alienados, eles querem viver numa redoma de vidro: nós somos o Quebec, nós somos um país

e pronto”.

Trabalha tanto quanto no Brasil. Mas, percebe que a pressão no trabalho é menor.

Fez um curso de Quebec para ter o diploma no local que também a ajudou a melhorar o

francês falado e escrito.

Em relação a dinheiro, ganha mais em Quebec que no Brasil.

Relativizando o custo de vida, acha que consegue bem mais coisas. No Brasil, morava com a

mãe e não conseguia guardar dinheiro, fazer poupança.

Renda familiar bruta de 65 mil dólares brutos por ano para sustentar ela e a mãe no Brasil.

“As relações no Brasil e aqui são bem diferentes. Lá as pessoas são amigas, você vai na casa

do outro, lá eu me sentia respeitada pelo meu chefe, pelos meus colegas de trabalho e tudo. Eu

não via muitas oportunidade de avançar na carreira mais pela estrutura da empresa – que era

familiar. Eu acho que hoje, se eu tivesse visto alguma coisa diferente no futuro. Mas, naquele

momento em que eu estava ali eu senti como se eu tivesse chegado ao limite senão iria passar

o resto da vida ali”.

O discurso do desafio profissional.

Se sente respeitada em Quebec.

Se sente respeitada igual em Quebec e no Brasil. “Claro que aqui eu não tenho o calor

humano que eu não tinha lá”.

Não tem muita aproximação pessoal.

Todas vezes que foi atrás dos direitos no Canadá não teve problemas. Lá também não acha

que tem dificuldades.

Acha que em Quebec também tem morosidade da burocracia como no Brasil.

Acha que cidadania plena é exercer os direitos: acesso a saúde, ao trabalho, é ter os seus

direitos respeitados. Acha que as pessoas são mais tranquilas em Quebec, menos agressivas.

Diz que Quebec tem problemas graves de saúde pública.

Acha que tinha uma vida digna no Brasil.

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Acha que tem uma vida digna em Quebec.

Diferenças entre o Brasil e Quebec: a língua, a família que não está lá.

Acha que vê mais a mistura de raças que no Brasil.

Não existe o medo de sair de casa como no Brasil. O trânsito é mais civilizado.

Não sofreu preconceito quando morava no Brasil, mas acha que o Brasil é um sociedade

machista.

Acha que o feminismo é muito forte em Quebec.

Já sofreu preconceito em Quebec pelo fato de ser imigrante e não conseguir se comunicar

direito com adolescentes nos restaurantes onde trabalhava.

Fez curso de qualificação em Quebec durante dois: técnica de gestão de projetos.

Fez o curso pensando no futuro profissional em Quebec.

Acha que fazem uma propaganda forte, mas quando a pessoa chega não tem tanto respaldo

para ter acesso ao mercado de trabalho.

Acha ruim a acolhida ao imigrante no mercado de trabalho pela exigência da experiência

canadense.

Quanto menor a cidade menos eles são preparados para receber o imigrante.

Eles preferem deixar uma vaga aberta do que dar uma oportunidade se não for a pessoa

exatamente com o perfil que eles querem.

Já tinha encaminhado a demanda de cidadania. Pretende virar cidadã para não precisar

renovar a residência permanente e também para facilitar a permanência. Diz que está aberta

para o curso da vida. Se for ficando fica. Se tiver que voltar para o Brasil volta, se tiver que ir

para o lado inglês também. Por enquanto, pensa em ficar em Quebec.

Pensa em voltar para o Brasil só se acontecer alguma coisa crítica de saúde com a família.

Mas, não pensa em voltar ao Brasil para recomeçar.

Em Quebec se sente a mesma coisa que no Brasil, não mais parte do mundo.

Não tem filhos. O pai falecido. A mãe ficou. Queria trazer a mãe, mas o Canadá fechou as

portas das reunificações familiares e criaram o super visto que não cobre a saúde.

Se comunica com a mãe uma vez por semana via internet. Tem computador em casa, internet

banda larga, TV a cabo sem canal do Brasil.

Acha importante manter proximidade cultural com o Brasil. Lê notícias tanto de Quebec

como do Brasil.

Imigrou em maio de 2009. Proveniente de Fortaleza/CE, a vida inteira.

Imigrar para Quebec não é prestígio. Mas, para o pessoal no Brasil eles veem como prestígio.

“Tem a louça para lavar, a faxina para fazer, a vida não é de glamour aqui. Claro que quando

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as pessoas chegam aqui veem a questão das coisas serem mais acessíveis. Comprar roupa em

uma boutique de grife aqui é muito mais barato que no Brasil. Mas, eu não me sinto como a

privilegiada por estar aqui. Eu vejo diferente deles que estão lá”.

Ela que custeou o projeto de imigração.

Trabalha na economia formal.

Profissão no Brasil: programador analista

Profissão no Canadá: analista de dados

Resolveu enfrentar um desafio. Nunca teve a experiência de um intercâmbio. O Canadá era a

oportunidade de morar formalmente e manter a profissão. Não tinha nada que a prendia.

30-Maurílio A., casado, 51 anos, ex-padre, imigrou em 1995

Nunca ouviu falar de Quebec, ouviu falar do Canadá.

Estava saindo da Igreja em 1992. O bispo recusou e ficou em um processo burocrático

durante três anos. Conheceu a esposa atual no Brasil em 1994, estava quase pronto para sair

da Igreja e foi uma namorada que encontrou.

“E foi muito bom porque era bem longe do Brasil e eu queria ficar o máximo longe da Igreja

porque todos os padres que desistiram, que abandonaram a Igreja, voltaram... voltaram porque

não conseguiam emprego, por causa que se frustraram em sair da Igreja... então, várias razões

que eles acabam voltando para a Igreja. Eu quis realmente queimar os barcos e romper com a

Igreja e nunca mais voltar e foi a forma que eu achei indo para o Canadá, bem longe do Brasil,

sem chances de voltar. Eu cheguei aqui no Canadá e seis meses depois eu me casei

oficialmente para não ter chances de volta. Foi uma ruptura radical que levou três para

acontecer”.

Não foi ele que quis imigrar. A esposa que quis se casar para consolidar um pedido de

residência e cidadania. O casamento foi parte desse processo.

Não foi a palestras do governo. Nunca tinha ouvido falar e nem tinha se preparado para

chegar. “Cheguei aqui e pensei que era só inglês. Chegando aqui eu descobri que o povo

falava francês”.

Conheceu a esposa antes de ir.

O projeto migratório foi de fuga da Igreja.

O único projeto era o de sair da Igreja e começar a vida do zero. “O Brasil era uma opção,

mas a minha namorada era do Canadá. Não teve nenhum projeto, nenhum plano”.

Maurílio é um imigrante atípico. Ele saiu do Brasil para o Canadá não recrutado por uma

política pública, mas sim aparado na reunificação familiar.

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Diz que chegou a abandonar a esposa seis meses depois, voltou para o Brasil, e não conseguiu

achar um emprego. Não tinha mais poder político porque não era mais padre, o que fez com

que ele perdesse importância para o PT e sindicados – e não conseguiu arrumar emprego.

Voltou para o Canadá “com o rabo no meio das pernas”.

Resolveu recomeçar indo para a universidade estudar no Canadá.

Não está satisfeito com a mudança. “A gente se arrepende porque a gente sofre no Brasil, mas

é feliz. O povo do Canadá não é meu povo, nunca me senti realmente no meu país aqui. É um

povo que, segundo eu, é diferente demais, é um povo frio, individualista, que respeita muito

as instituições, as regras. Mas o que falta é uma paixão. Eu não me sinto parte dessa história,

parte dessa emoção. Não sinto nenhuma paixão por esse país”.

Diz que nunca esquece do Brasil. “A minha raiz, minha paixão, minha raiva, meu amor está

pelo Brasil e não pelo Canadá. Me arrependo muito. Preferia ser pobre no Brasil do que rico

no Canadá. A gente sempre vive na nostalgia de voltar para o Brasil quando se aposentar,

comprar uma chácara e voltar a ajudar o pessoal a se integrar por lá. Não vejo meu futuro no

Canadá. Mas, eu estou aqui num beco sem saída porque os meus filhos estão aqui. Me sinto

realmente em uma prisão emocional. Mas, não posso reclamar, estou bem”.

Diz que teve descompasso grande. “Você tem uma visão de turista chegando aqui. Uma visão

da beleza do território, das diferenças interessantes. Mas, a realidade é que você tem uma

história. O descompasso começa pelo choque cultural”. Descompasso de aprendizagem dos

hábitos cotidianos do lugar: como pegar um ônibus, como se comportar na casa dos outros,

etc.

O tempo inteiro se policiando para se comportar como eles.

Acha que levou três anos para se acostumar.

“Eu comecei chegando aqui para aprender. E hoje eu sei que é importante minha presença no

Canadá porque eu estou ensinando. O povo daqui é muito inocente, muito bonzinho, muito

gentil. E eles precisam de ajuda. Eu sinto isso que eles precisam da gente, precisam da paixão,

da criatividade, da improvisação, eles precisam da busca Brasileira, precisam da África,

precisam da China... porque eles nunca saíram do buraco deles. Agora que eles estão

começando a conhecer. Mas, eles estão perdendo porque eles não sabem o que fazer num

mundo globalizado. A gente gosta do Canadá porque é um país que tem um potencial

interessante porque tem um território, um povo gentil, curioso, perdido que precisa da nossa

ajuda. Então, eu sinto hoje que minha presença é importante para ajudar esse povo a ir para

frente, a sair do buraco em que eles estavam. Então, eu tenho uma missão que é muito clara. E

eles estão gostando da gente, estão reconhecendo a nossa importância, a nossa ajuda,

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percebendo que os resultados são interessantes, está ajudando eles a evoluir”.

Acha difícil o excesso de planificação das atividades sociais, não existir improvisação.

“A gente se vira sozinho. Aqui ninguém se vira. No Brasil, o Estado nunca ajudou ninguém.

Nos quinhentos anos de história do Brasil o Estado abandonou o povo. E o povo sobreviveu

se ajudando, fazendo mutirão. Aqui, durante quinhentos anos, o povo não teria sobrevivido se

não fosse o Estado porque eles são individualistas, ninguém ajuda ninguém. Então, o povo

daqui depende do Estado. No Brasil o povo não depende do Estado. A diferença que me

choca é que aqui ninguém se ajuda e tudo mundo confia que o Estado vai salvar o indivíduo.

No Brasil ninguém confia no Estado, o Estado não vai ajudar ninguém, então a gente é muito

tribal, muito amigo, muito comunitário. E a comunidade resolve os problemas dela mesmo,

acha soluções”.

A falta de solidariedade o choca.

No Brasil era improvisador. No Canadá cresce quem se organiza.

“Aqui ninguém apaga fogo. No Canadá você tem que planificar antes que o fogo apareça.

Então, você tem que ter um caminhão, tem que ter os recursos, formar o bombeiro, comprar o

equipamento do bombeiro, comprar o chapéu, pagar o seguro de vida do bombeiro, tudo isso

quando chega o fogo você está pronto. No Brasil não: o fogo chegou você chama o povo na

última hora sem equipamento, sem caminhão, sem água e tem que se virar. Então, a

planificação aqui é muito séria. O pessoal não improvisa nas ideias. Você não inventa, não

fala besteira. E se você fala besteira o pessoal percebe. E quando você fala besteira você é

excluído, não tem chance. E só vai para frente e cresce quem é sério. No Brasil quem não é

sério dirige um país, vira político, o Tiririca. Você pode falar besteira. Quanto mais você,

inventa, mais enrola, mais você cresce. Aqui quanto mais você inventa, quanto mais enrola,

mais você vai para baixo, não tem espaço”.

“Eu gostei muito de aprender a sério. Eu gostaria de voltar para o Brasil hoje com a seriedade

que eu tenho em termos de planificação”.

Diz que fazem 20 anos que está no estresse da performance. Gostaria de relaxar, não precisar

pensar sério no planejamento.

Nunca quis mudar a própria vida quando saiu do Brasil. Sempre quis ter a vida de militante

político, mas casado. Depois que casou, não conseguiu.

Ganha 200 mil reais por ano. Sozinho. Com a família é 400 mil reais por ano bruto. Se

considera rico. Antes ganhava 100 dólares por mês. Hoje ganha 5 mil dólares por mês. Ganha

mais no Canadá.

Está entre os 15% ricos do Quebec.

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Diz que apesar de ser rico se sente vivendo com um salario mínimo.

Ganha o necessário, mas faz reserva para o futuro.

Renda familiar bruta de aproximadamente 200 mil dólares por ano para sustentar quatro

pessoas.

“Quando eu olho em retrospectiva, eu era respeitado pelo zé ninguém, o povão, porque eu

ajudava o zé povão, os favelados, os drogados da rua, da praça da Sé, que vinha conversar

comigo, tomar cachaça junto, fumar um cigarro, uma maconha junto. A gente invadia terra

junto, invadia prédios do centro de São Paulo junto, a gente levava porrada da polícia, ia para

a cadeia junto com esse povo. Eu fui preso três vezes. Ou seja, eu vivi nesse momento

respeitado pelo povão. Mas, o respeito no Brasil eu aprendi que é a simpatia. Se você é

simpático o povo te respeita. Se você é um chato o povo não te respeita. Se você é simpático o

povo perdoa tudo. Você pode ser homossexual, pode ser comedor, ter vários filhos, mulher,

ser um padre corrompido... mas, se você é simpático o povo te respeita. Esse era o respeito

que eu tinha. Mas, no dia que eu saí da Igreja e deixei de ser padre o povo continuou gostando

de mim. Mas, os políticos, os sindicalistas, os padres, os bispos, todo esse povo era

oportunista, só tinham interesses de utilizar o meu poder e usar o poder que eu tinha. O dia

que eu perdi o poder ninguém mais me respeitou. Aqui também é a mesma coisa porque eu

tenho um espaço de poder, então o pessoal me respeita. Mas, o povo entra nos apartamentos,

que a gente toma cerveja junto, toca na roda de samba, esse povo é o mesmo: é simpático e

humilde. E quando você é simpático e humilde você gosta deles e não tem interesse de poder”.

Se sente respeitado no Canadá porque é um vencedor. Se fosse um perdedor acha que não

seria perdedor.

Se sente mais respeitado no Brasil por conta do individualismo do Canadá. Diz que se sente

respeitado porque é alguém no Canadá e no Brasil mesmo sendo um nada você é respeitado

como ser humano.

Diz que sente mais cidadão no Canadá porque tem o passaporte, paga os impostos, tem

propriedade, porque tem um emprego. “No Brasil, a polícia me bateu várias vezes. Fui preso

só porque eu era negro, cabelo enrolado. Em São Paulo, durante a ditadura, jovem adolescente,

eu apanhei várias vezes, fui preso duas vezes”.

Acha que no Brasil existe uma cultura de desrespeito ao negro, ao pobre, o que não vê no

Canadá. “Aqui, pobre ou negro, o pessoal te dá os serviços porque você é cidadão”.

“O Quebec e o Canadá é realmente especial porque eles não são racistas... eu diria que o

Estado não é racista. O povo é racista e o Estado de protege, te dá os direitos, você vai ter a

proteção do Estado, você vai ter um cheque, saúde, educação de graça. Mas, você nunca vai

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ter amigo porque o pessoal é racista. No Brasil o povo é racista e o Estado é racista. Então

você não consegue ser respeitado como cidadão”.

Ele é um imigrante anterior à política migratória de Quebec.

O governo oferta ajuda social para o imigrante. Ele elogia isso. “Não é por falta de ajuda, por

falta de recursos que você fica excluído porque o governo te oferece tudo isso – o governo do

Canadá e do Quebec e das províncias têm estruturas para integrar o imigrante. Eles querem

integrar. E o imigrante que eles querem é o que eles estão recebendo. É a segunda geração

que vai conseguir ser imigrante cidadão pleno no Canadá. Não é a primeira geração que chega,

é a segunda. São os filhos que vão conseguir falar 100% a língua e se integrar na cultura. A

gente é uma transição, geração sanduíche em transição. Mas, eu me sinto bem. Eles me

respeitam, me dão tudo que eu preciso, depende de mim”.

Fala que é da geração que cresceu na transição urbana acelerada e sem planejamento do Brasil

entre 1950 e 1980.

“Nunca tive uma vida muito digna porque foi muito improvisada. Essa massa de camponês

chegando para viver na cidade sem nenhuma estrutura. A gente então copiou um pouco as

regras do campo, se adaptou nas regras da cidade”.

“O Brasil não teve uma planificação, uma estrutura para uma passagem de um país rural para

um país que a gente é hoje. Hoje a gente está consolidando no Brasil vários processos de

urbanização, de reconhecimento de regras de cidadania, de tudo isso. Mas, a dignidade ainda

não é uma prioridade”.

Diz que a transição urbana no Canadá foi muito planificada. Trabalha no planejamento urbano

da região onde vive e diz que em 2012 já estava pensando em 2050.

Acha que o Brasil está tentado fazer planificações urbanas. Mas, no Brasil o desafio é maior

porque a dimensão dos problemas é maior.

Acha que nos últimos anos o processo de liberalização da economia canadense proveniente do

acordo do NAFTA enfraqueceu a qualidade da cidadania no Canadá.

Acha que no Brasil era feliz, mas inocente. Hoje se sente preparado profissionalmente, mas é

mais triste.

O Canadá o ajudou a ter uma melhor visão de gestão dos recursos.

Diz que está mais satisfeito no Canadá.

Acha que sofreu preconceito no Brasil por conta da cor/raça.

Acha que existe racismo no Canadá. “Tudo que é público é exemplo perfeito, não existe

racismo. Mas, no privado você vê que...”.

Relata diferenciações no tratamento. Acha que o Canadá existe um controle social, um

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policiamento social muito grande pelo próprios vizinhos, pessoas próximas.

Fez mestrado e doutorado no Canadá.

Acha que o que mais ajudou os cursos a conseguir um emprego não foram os cursos, mas sim

os conhecimentos linguísticos.

“Só depois que eu consegui falar bem o inglês que eu arrumei um emprego. Não era tanto a

qualificação, era mais a comunicação, expressar as ideias, isso que abriu portas: saber

escrever e saber falar”.

Cita a falta de violência urbana como um produto Canadense.

Acha que a política é racista e elitista e não pensa o que eles estão querendo o povo que já

está no Canadá.

Não tinha uma opinião sobre o fechamento da imigração.

Cidadão desde 1999.

Quis virar cidadão para poder romper com o Brasil.

Acha que achou o próprio lugar em Quebec. Ganha bem para fazer o que gosta. Filhos e

esposa estão felizes. A família no Brasil sente falta. Hoje está feliz no Canadá.

Iria ficar no mínimo até se aposentar.

Pensa em voltar para o Brasil.

Não respondeu se se sente mais parte do mundo em Quebec.

Tinha dois filhos nascidos no Canadá. O pai falecido. A mãe ficou no Brasil. Sem perspectiva

de irem morar no Canadá.

A cada dois, três anos visita a família no Brasil.

Não respondeu com qual frequência se comunica com a família.

Diz que se comunica com textos via internet.

Tem computador em casa, acesso a internet banda larga. TV a cabo sem canal do Brasil.

“Não quero que meus filhos aprendam português e nem eu quero falar português e ficar

ligado ao Brasil. Faz parte da ruptura para não ficar sonhando, não ficar sofrendo,

masoquismo...”.

Mantém proximidade cultural com o Brasil. Diz que a comunidade brasileira em Ottawa ele é

um dos atores para juntar as pessoas para se encontrar. Não é para promover a cultura, é mais

para conhecer gente beber e festar.

Imigrou em 1995. Proveniente de Santo André/SP. Antes de imigrar morava em São Paulo.

Sempre morou na grande São Paulo.

Não acha sinal de prestígio imigrar para o Canadá.

Trabalha na economia formal no Canadá.

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Profissão no Brasil: padre.

Quem custeou o projeto foi o próprio.

Profissão no Canadá: gerente de projetos habitacionais.

Resolveu sair do Brasil para ficar longe da Igreja. “Eu não acreditava mais no que eu fazia, eu

perdi a fé”.