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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP LUCIANA DE PAULA ASSIS FERRIANI O DIREITO AO ESQUECIMENTO COMO UM DIREITO DA PERSONALIDADE DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO São Paulo 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

LUCIANA DE PAULA ASSIS FERRIANI

O DIREITO AO ESQUECIMENTO COMO UM DIREITO DA PERSONALIDADE

DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO

São Paulo 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC - SP

LUCIANA DE PAULA ASSIS FERRIANI

O DIREITO AO ESQUECIMENTO COMO UM DIREITO DA PERSONALIDADE

DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do titulo de Doutor em Direito Civil Comparado sob a orientação da Profa. Dra. Maria Helena Diniz.

São Paulo 2016

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BANCA EXAMINADORA ________________________________

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Dedico este trabalho aos meus pais Fabio e

Marília, a quem sou muito grata pelo afeto e

devoção. Ao meu querido Adriano, pelo

amor, carinho e apoio. E aos meus filhos

Mateus e Beatriz, a razão da minha

existência.

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Agradecimento Inicial

À FUNDASP - Fundação São Paulo, por

possibilitar o desenvolvimento deste trabalho

mediante o uso de bolsa de estudo.

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AGRADECIMENTOS

A gratidão que devo a algumas pessoas, que, cada uma a seu modo prestaram

grande contribuição para que este trabalho fosse concluído, não poderia deixar

de ser consignada. Assim agradeço:

À professora Dra. Maria Helena Diniz, de quem tive o privilégio de ser aluna

durante os cursos de graduação, mestrado e doutorado. Suas aulas sempre foram

inspiradoras e despertaram o meu interesse para o tema. Foi minha orientadora

de forma precisa e com total disponibilidade.

Aos meus professores, em especial à professora Dra. Odete Novais Carneiro

Queiroz e à professora Dra. Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi por suas

valorosas contribuições durante o exame de qualificação desta tese.

Ao meu marido Adriano Ferriani, ao meu irmão Fabio de Paula Assis Junior,

aos meus familiares e aos meus amigos por todo o apoio e paciência.

Aos meus alunos que me motivam diariamente.

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"O mundo dos velhos, de todos os velhos,

é, de modo mais ou menos intenso, o

mundo da memória. Dizemos: afinal,

somos aquilo que pensamos, amamos,

realizamos. E eu acrescentaria: somos

aquilo que lembramos."

(Norberto Bobbio)

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RESUMO

O direito ao esquecimento é tema ainda pouco estudado no direito

brasileiro, mas tem despertado o interesse da comunidade jurídica. Recentes

acórdãos proferidos no Superior Tribunal de Justiça e também no Supremo

Tribunal Federal, sobre o assunto, chamaram a atenção. O presente estudo

enquadra o direito ao esquecimento como um dos direitos da personalidade.

Além disso, desenvolve a questão relativa ao conflito entre o direito ao

esquecimento com outros direitos da personalidade. Analisam-se diversos

problemas ligados ao assunto, que geram conflitos, aparentes e efetivamente

existentes, entre o que prescreve o Código Civil brasileiro, a Constituição

Federal, e a legislação extravagante. A partir de pesquisa de inúmeras opiniões

doutrinárias, nacionais e estrangeiras, além de jurisprudencial, são apresentadas

críticas e sugestões. Para a compreensão do tema, foi necessário desenvolver,

ainda, o tema do direito à verdade e do direito à memória para, assim, poder

traçar um paralelo com o direito ao esquecimento. Por fim, foi apresentado o

critério da ponderação para delimitar as situações em que o direito ao

esquecimento poderá ou não ser aplicado.

Palavras-chave: esquecimento, verdade, memória, direitos da personalidade,

dignidade da pessoa humana, colisão entre direitos da personalidade,

ponderação.

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ABSTRACT

The right to be forgotten is a topic that is as yet relatively unexamined

in Brazilian law, but it has sparked the interest of the legal community. Recent

decisions on the matter handed down by the Superior Court of Justice and also

the Federal Supreme Court in Brazil have attracted attention. This paper situates

the right to be forgotten as one of the personality rights. Additionally, it

addresses the issue of the conflict between the right to be forgotten and other

personality rights. Also discussed are various problems inherent to the topic that

generate conflicts, both apparent and actually existing, between what the

Brazilian Civil Code and Federal Constitution prescribe and the ancillary

legislation. Based on research of numerous legal opinions, both Brazilian and

foreign, as well as the jurisprudence, criticisms and suggestions are offered. For

a full understanding of the matter, it was also necessary to discuss the topics of

the right to the truth and the right to memory, to establish a parallel with the

right to be forgotten. Finally, the criterion of weighting is presented for

delineating the situations where the right to be forgotten may or may not be

applied.

Key words: be forgotten, truth, memory, personality rights, human dignity, clash

among personality rights, weighting.

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RIASSUNTO

Il diritto all´oblio o ad essere dimenticati online è un diritto ancora

poco studiato dalla giurisprudenza brasiliana; sta comunque svegliando

l´interesse della comunità giuridica. Recenti sentenze di riferimento (o di terzo

grado) sull´argomento emesse dal Superiore Tribunale di Giustizia (STJ) e dalla

Corte Costituzionale Federale (STF) hanno fatto furore e chiamato l´attenzione.

Il presente studio inserisce il diritto all´oblio nei cosiddetti diritti della

personalità. Inoltre lo studio sviluppa e discute la questione riguardante il

conflitto fra il diritto all´oblio e gli altri diritti della personalità. Si analizzano

diversi problemi collegati al tema e che suscitano conflitti apparenti ed esistenti

di fatto fra ciò che prescrive il Codice Civile brasiliano, la Costituzione Federale

e le leggi stravaganti. Partendo da una ricerca fra le diverse opinioni dottrinarie

locali e straniere, oltre all´opinione giurisprudenziale, vengono presentate

critiche e suggestioni. Per capire il tema, fu inoltre necessario sviluppare il tema

del diritto alla verità e del diritto alla memoria per poter tracciare un parallelo

con il diritto all´oblio. Infine, fu presentato il criterio della ponderatezza per

delimitare le situazioni nella quali il diritto all´oblio potrà o non potrà essere

applicato.

Parole chiave: oblio, verità, memoria, diritti della personalità, dignità dell´essere

umano, collisione fra i diritti della personalità, ponderatezza.

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Nota  da  autora.  .......................................................................................................................  3  

 

1.  Direitos  da  personalidade.  ...................................................................................................  4  1.1.  Etiologia  histórica.  .....................................................................................................................  4  1.2.  Definição  e  natureza  jurídica.  ...................................................................................................  17  1.3.  Terminologia.  ..........................................................................................................................  19  1.4.  Fundamento  jurídico.  ...............................................................................................................  22  1.5.  Teoria  do  direito  geral  da  personalidade.  .................................................................................  26  1.6.  Características  dos  direitos  da  personalidade.  ..........................................................................  30  1.7.  Classificação  dos  direitos  da  personalidade.  .............................................................................  33  1.8.  Titularidade  dos  direitos  da  personalidade.  .............................................................................  34  

 

2.  Relação  dos  direitos  da  personalidade,  previstos  na  Constituição  Federal  de  1988,  com  o  direito  ao  esquecimento.  .......................................................................................................  36  

2.1.  Direito  à  privacidade  e  direito  à  intimidade.  ............................................................................  38  2.2.  Direito  à  imagem  e  direito  à  honra.  .........................................................................................  40  2.3.  Direito  à  informação  e  o  direito  de  ser  informado.  ...................................................................  41  2.4.  Direito  à  liberdade  de  expressão  e  direito  à  manifestação  do  pensamento.  .............................  43  

 

3.  Direitos  da  personalidade  dos  artigos  20  e  21  do  Código  Civil  brasileiro  e  a  questão  das  biografias  não  autorizadas.  ....................................................................................................  46  

 

4.  Direito  ao  esquecimento  e  sua  configuração  jurídica.  .........................................................  53  4.1.  Delimitação  conceitual  de  esquecimento  e  sua  origem  no  Brasil  e  no  direito  alienígena.  .........  53  4.2.  Esquecimento  como  um  direito  da  personalidade.  ...................................................................  68  4.3.  Direito  ao  esquecimento  na  Constituição  Federal  de  1988  e  no  Código  Civil.  ............................  72  

 

5.  Perspectivas  do  direito  ao  esquecimento.  ..........................................................................  76  5.1.  Vítimas  ou  familiares  de  vítimas  do  sistema  penal  e  o  esquecimento.  ......................................  77  5.2.  Autor  de  crime  egresso  do  sistema  prisional  e  o  direito  ao  esquecimento:  Instituto  da  reabilitação  penal  e  a  reintegração  na  sociedade.  ...........................................................................  80  

 

6.  Jurisprudência  sobre  direito  ao  esquecimento.  ..................................................................  85  6.1.  Brasil.  ......................................................................................................................................  85  6.2.  Decisões  sobre  o  direito  ao  esquecimento  em  países  estrangeiros.  ..........................................  94  

 

7.    O  esquecimento  na  era  da  globalização  e  da  Internet.  .......................................................  99  7.1.  Livre  acesso  à  informação  nos  motores  de  busca.  ....................................................................  99  7.2.  Possibilidade  de  imposição  de  controle  como  garantia  do  direito  ao  esquecimento  e  o  chamado  direito  de  apagar  dados.  ................................................................................................................  102  

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7.3.  Jurisprudência  da  Europa.  .......................................................................................................  109  7.3.1.  Tribunal  Alemão.  ....................................................................................................................  109  7.3.2.  O  caso  contra  o  Google.  .........................................................................................................  111  

7.4.  Direito  à  proteção  de  dados  nos  Estados  Unidos  e  o  combate  ao  terrorismo.  ..........................  115  7.5.  Direito  ao  controle  de  dados  no  Brasil.  ...................................................................................  118  

 

8.  Tutela  específica  do  direito  ao  esquecimento.  .................................................................  128  

 

9.  Direito  à  verdade,  à  memória  e  à  verdade  histórica.  ........................................................  136  9.1.  Noção  de  verdade.  ..................................................................................................................  136  9.2.  Dever  da  verdade  em  confronto  com  a  mentira.  .....................................................................  140  9.3.  Direito  à  verdade  e  direito  à  memória.  ...................................................................................  145  9.4.  Questões  históricas  relevantes:  ditadura  militar  no  Brasil  e  a  tortura.  ....................................  153  9.5.  Decisões  da  Corte  Interamericana  sobre  tortura  no  Brasil  e  em  outros  países  da  América  Latina.  ......................................................................................................................................................  161  9.6.  Comissão  da  verdade  no  Brasil  e  Justiça  de  transição.  .............................................................  165  9.7.  Memória  no  direito  estrangeiro.  .............................................................................................  173  

9.7.1.  Atrocidades  cometidas  no  holocausto  e  durante  a  Guerra  Fria.  ............................................  173  9.7.2.  Ditaduras  da  América  Latina  e  Comissões  da  Verdade.  .........................................................  176  

 

10.  Conflito  entre  direitos  da  personalidade.  .......................................................................  182  10.1.  O  direito  ao  esquecimento  em  confronto  com  o  direito  à  memória  e  à  verdade  histórica.  ....  182  10.2.  Colisão  do  direito  ao  esquecimento  com  o  direito  de  informação  e  a  liberdade  de  expressão.  ......................................................................................................................................................  188  

 

11.  Critério  de  ponderação  para  o  conflito  entre  os  direitos  da  personalidade.  ....................  191  

 

12.  Sugestões  de  lege  ferenda.  ............................................................................................  208  

 

Conclusão.  ...........................................................................................................................  212  

 

Bibliografia.  .........................................................................................................................  221          

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Nota da autora.

O direito ao esquecimento é assunto pouco versado no Brasil, mas

chamou a atenção por ocasião do reconhecimento da repercussão geral do tema

pelo Supremo Tribunal Federal.

Será demonstrado que o direito ao esquecimento é um direito da

personalidade, fundado no direito natural.

Os direitos da personalidade serão examinados quanto à sua concepção,

suas características e sua relação com o direito ao esquecimento.

Merece destaque a questão das biografias não autorizadas, que,

recentemente, passaram a ser permitidas, sem anuência prévia, em julgamento do

Supremo Tribunal Federal sobre a questão da constitucionalidade de artigos do

Código Civil.

Serão abordadas as várias e possíveis vertentes do direito ao

esquecimento, como a hipótese do criminoso reabilitado, que tem direito a ser

esquecido, e também a das vítimas ou de familiares das vítimas de crime, que não

mais aceitam serem relembrados de acontecimentos que remetem a sofrimento.

Outro ponto que merece ser destacado é a era da globalização e da

internet. A velocidade com que uma notícia pode ser espalhada pelo mundo todo

dificulta o esquecimento de um fato, uma pessoa, um episódio, pois os mecanismos

de busca de notícias são extraordinariamente sofisticados. Note-se que uma das

razões que motivou o desenvolvimento deste estudo foi justamente o célebre

julgamento na Corte europeia contra o site Google.

Serão ainda examinados os conflitos entre o direito ao esquecimento e

outros direitos, tais como o direito à memória e à verdade histórica, o direito de

informação e, ainda, a liberdade de expressão. Tais conflitos serão resolvidos pelo

critério da ponderação.

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1. Direitos da personalidade.

1.1. Etiologia histórica.

A personalidade jurídica é atributo do ser humano.

Todo aquele que nasce com vida adquire a personalidade, assegurando-

se, desde a concepção, os direitos do nascituro, nos termos do artigo 2º do Código

Civil.

Toda pessoa tem personalidade, sem distinção de raça, cor, sexo ou

condição social. O termo pessoa é o aspecto característico do ser humano, ou seja, a

designação do homem como ser social enquanto se proclama e se relaciona no seio

da convivência por meio de vínculo ético jurídico1.

Desta forma, pessoa pode ser definida como o ente suscetível de direitos

e obrigações, ou sujeito de direito2.

A possibilidade de alguém participar de uma relação jurídica decorre

desta qualidade inerente ao ser humano3. Logo, personalidade é aptidão para

exercer direitos e contrair obrigações.

A personalidade em si não é um direito, mas se apoia nos direitos e

deveres que dela irradiam4.

Conforme assevera Pontes de Miranda5 , há o chamado "direito de

personalidade como tal", que é o de adquirir direitos e pretensões e o de assumir

obrigações, deveres e situações passivas em ação ou exceção.

Com isso, existem alguns direitos que merecem proteção legal, porque                                                                                                                1 Miguel Reale, Lições preliminares de direito, 27ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 231. 2 Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, volume 1, 32ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 130. 3 Francisco Amaral, Direito civil: introdução, 7ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 252. 4 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 134. 5 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, tomo 7, Campinas: Bookseller, 2000, p. 38.

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são considerados prerrogativas individuais inerentes à pessoa humana. São

chamados direitos da personalidade, justamente porque são atributos da pessoa

humana.

Certos direitos podem ser destacados da pessoa de seu titular, como

ocorre com o direito de propriedade ou com o direito ao crédito. Geralmente são

direitos economicamente destacáveis6.

Os direitos da personalidade estão à parte dos direitos reais e pessoais e,

ao contrário destes, são prerrogativas individuais, que não são destacáveis. São

atributos que passaram a ser reconhecidos gradativamente ao longo do tempo.

Ademais, uma pessoa ao longo de sua vida pode ter ou não determinados

direitos, como ocorre com o crédito e a propriedade, mas obrigatoriamente terá os

direitos da personalidade7.

Estes devem ser considerados como pertencentes a uma categoria

autônoma do sistema dos direitos subjetivos, uma vez que, conforme será

examinado, têm caráter essencial8.

Alguns exemplos de direitos da personalidade são o direito à vida, à

integridade física, ao nome, ao próprio corpo, à intimidade, à imagem, à honra, ao

segredo, entre outros.

O homem será, simultaneamente, sujeito e objeto dos direitos da

personalidade, e o exercício destes recairá em bens morais ou físicos9.

Merece destaque a posição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de

                                                                                                               6 Carlos Roberto Gonçalves, Direito civil brasileiro, volume 1, parte geral, 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p.184. 7 Vicenzo Roppo. Diritto privato, 4ª ed., Torino: G. Giappichelli Editore, 2014, p. 177. 8 Adriano de Cupis, Os direitos da personalidade, 2ª ed., Trad. Afonso Celso Furtado Rezende, São Paulo: Quorum, 2008, p. 38. 9 Antônio Chaves, Lições de direito civil: parte geral, volume III, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1972, p. 168.

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Andrade Nery10, que explicam que o sujeito dos direitos da personalidade é a

pessoa; já o objeto não é a pessoa, mas a natureza do homem.

Desde a Antiguidade já havia alguma preocupação com os chamados

direitos humanos11. No Código de Hamurabi já existia previsão sobre lesões à

integridade física e moral do ser humano12.

Foi o direito grego que começou a conceber a ideia de pessoa e também

de proteção à personalidade. E o direito natural, especialmente, é que traz a ideia de

direitos naturais ou inatos, inerentes ao homem e preexistentes ao Estado13.

Com o Cristianismo surge a ideia da dignidade humana e o

reconhecimento da existência de um elo entre o homem e Deus14.

Mas há de se ressaltar que o direito romano não reconhecia a qualquer

homem a qualidade de sujeito de direitos e, consequentemente, também não era

qualquer homem que tinha o atributo da personalidade jurídica, uma vez que havia

escravos, e estes eram considerados coisas e, portanto, objetos de direitos15, e não

titulares de direitos.

Já na Idade Média, a Carta Magna da Inglaterra, no século XIII, previa

implicitamente que o homem representava a finalidade do direito16.

Porém, como categoria autônoma, como um ramo do direito, é algo

muito mais recente.

Em 1789, com a Revolução Francesa, foi aprovada a chamada

Declaração dos Direitos do Homem, que previu direitos como a liberdade, a

                                                                                                               10 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código Civil comentado, 8ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 229. 11 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 132. 12 Francisco Amaral, Direito, cit., p. 289. 13 Francisco Amaral, Direito, cit., 289. 14 Francisco Amaral, Direito, cit., 289. 15 José Carlos Moreira Alves, Direito romano, volume I, 13a ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 97. 16 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 132.

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igualdade e a fraternidade humanas, ideais que se tornaram universais e superiores

aos interesses de qualquer particular. Tal documento serviu de fonte de inspiração

de todos os outros direitos que surgiram posteriormente.

Note-se que a Revolução Francesa ocorreu após um longo período de

absolutismo, durante o qual tais ideais simplesmente não existiam.

Em 1948, após as atrocidades cometidas durante a II Guerra Mundial, foi

aprovada pela ONU a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento que

se diferenciou dos anteriores porque consagrou direitos civis, políticos e também

econômicos, sociais e culturais. Trata-se da primeira ideia de direitos universais,

indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados17.

O período após a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi

chamado por Norberto Bobbio de "A era dos direitos"18.

Logo após, em 1950, sobrevem a consagrada Convenção Europeia dos

Direitos Humanos, com o objetivo de proteger os direitos humanos e as liberdades

fundamentais. O documento permitiu o controle judiciário do respeito a tais

direitos, ao instituir o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos19.

Surge a partir de então o chamado direito internacional dos direitos

                                                                                                               17 Flávia Piovesan, Temas de direitos humanos, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 56-57. 18 Para Norberto Bobbio, (A Era dos direitos, Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 18): "A Declaração Universal dos Direitos do Homem pode ser acolhida como a maior prova histórica até hoje dada do consensus omnium gentium sobre um determinado sistema de valores. Os velhos jusnaturalistas desconfiavam — e não estavam inteiramente errados — do consenso geral como fundamento do direito, já que esse consenso era tão difícil de comprovar. Seria necessário buscar sua expressão documental através da inquieta e obscura história das nações, como tentaria fazê-lo Giambattista Vico. Mas agora esse documento existe: foi aprovado por 48 Estados, em 10 de dezembro de 1948, na Assembleia Geral das Nações Unidas; e, a partir de então, foi acolhido como inspiração e orientação no processo de crescimento de toda a comunidade internacional no sentido de uma comunidade não só de Estados, mas de indivíduos livres e iguais. Não sei se tem consciência de até que ponto a Declaração Universal representa um fato novo na história, na medida em que, pela primeira vez, um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre e expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que vive na Terra". 19 Vicenzo Roppo. Diritto privato, cit., p. 178.

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humanos, que começou a se desenvolver naquele período mediante inúmeros

tratados voltados à proteção dos direitos fundamentais20.

Cumpre lembrar também o Pacto Internacional de Direitos Civis de 1966

e, finalmente, a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000, dentre

tantos outros. Tais documentos estão todos relacionados com os chamados direitos

humanos e também com os direitos fundamentais, também denominados liberdades

públicas.

Cabe aqui destacar a distinção entre os direitos da personalidade, os

direitos fundamentais e os direitos humanos.

Os direitos da personalidade protegem os direitos do ser humano sob o

enfoque privado21. Neste sentido entende Rubens Limongi França22, ao afirmar que

é possível usar a expressão "direitos privados da personalidade" como terminologia

para, justamente, frisar o aspecto privado destes direitos.

Os direitos fundamentais pressupõem relações de poder e têm uma

incidência publicística imediata, mesmo que produzam efeitos nas relações entre os

particulares. Os direitos da personalidade, por sua vez, pressupõem relações de

igualdade e têm incidência privada, mesmo quando sobrepostos aos direitos

fundamentais. Os primeiros pertencem ao direito constitucional e os segundos ao

direito civil23.

O autêntico direito fundamental de um indivíduo será sempre absoluto,

correspondendo ao princípio de distribuição do estado de direito, e, sendo assim, a

liberdade de um indivíduo será ilimitada, conforme explica Carl Schmitt24.

                                                                                                               20 Flávia Piovesan, Temas, cit., p. 58. 21 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 56. 22 Rubens Limongi França, Instituições de direito civil, São Paulo: Saraiva, 1988, p 1026. 23 Jorge Miranda, Manual de direito constitucional: direitos fundamentais, tomo IV, 3ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 62. 24 Carl Schmitt, Teoría de la Constituición, Trad. Francisco Ayala, Madrid: Alianza Editorial, 1996, p. 179.

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Os direitos da personalidade devem ser distinguidos dos direitos

fundamentais tanto no plano quanto no conteúdo. Os direitos fundamentais são

reconhecidos e ordenados pelo legislador e passam do plano natural para o positivo.

Os direitos da personalidade são inerentes ao homem, e por isso o Estado deve

respeitá-los e protegê-los, mas muitas vezes estes direitos não estarão contemplados

pela legislação25.

José Castán Tobeñas26, precursor de tal assertiva, diz que os direitos da

personalidade têm um âmbito muito mais reduzido do que os direitos humanos,

uma vez que pertencem ao direito privado e são dotados de proteção civil. Observa,

entretanto, que tanto os direitos humanos quanto os direitos da personalidade têm

diversos pontos coincidentes, pois ambos são considerados direitos naturais e estão

arraigados à própria condição do ser humano.

Os direitos da personalidade (como direitos naturais e inatos) surgiram

nos textos históricos citados acima e, inicialmente, foram denominados direitos

humanos. Mas alguns destes direitos foram positivados em textos constitucionais e

começaram a ser denominados direitos fundamentais. Assim, os direitos

fundamentais passam a ser considerados uma categoria mais restrita dos direitos

humanos e a ser protegidos pela Constituição. Os direitos da personalidade

integram uma outra categoria, já dentro dos direitos fundamentais, e se distinguem

por sua tutela privada e também por sua natureza de valores essenciais da

personalidade. São considerados direitos fundamentais, mas não se pode afirmar o

inverso27.

Essa é uma delimitação relevante dos direitos da personalidade.

                                                                                                               25 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 57. 26 José Castán Tobeñas, Los derechos del hombre, 4ª ed., Madrid: Reus S.A., 1992, p 30. 27 Francisco Amaral, Direito, cit., 291.

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Antonio Carlos Morato 28 ilustra a relação entre os direitos da

personalidade, os direitos e garantias fundamentais e os direitos humanos da

seguinte forma:

"(...) o direito civil, mediante os direitos da personalidade, trataria da questão sob o âmbito privado, regulando as relações entre os particulares, enquanto o direito constitucional disciplinaria as relações entre a pessoa e o Estado, coibindo os abusos deste por meio de liberdades públicas e os direitos humanos fariam parte do direito internacional público, no qual os Estados - entre si - exigiriam o respeito aos direitos da pessoa humana".

Para Anderson Schreiber29, trata-se do mesmo fenômeno enfocado por

visões variadas, e o valor tutelado é o mesmo: a dignidade da pessoa humana.

Logo, não há como negar a existência de uma inter-relação com os

direitos mencionados acima. De qualquer modo, trata-se de uma simplificação do

tema, haja vista a teoria das gerações dos direitos30.

A dicotomia entre os direitos da personalidade e os direitos fundamentais

não os opõe; ao contrário, enseja um relacionamento internormativo que reforça a

proteção da personalidade31.

Não se pode esquecer que os direitos da personalidade também são

tutelados no direito penal, o que pode ser visto em vários exemplos, como vida,

integridade física, honra e intimidade32. Existe uma tutela jurídica interdisciplinar

dos direitos da personalidade, porque estes se distribuem tanto na ordem

constitucional, na ordem civil, como também na ordem penal, tendo como suporte                                                                                                                28 Antonio Carlos Morato, Quadro geral dos direitos da personalidade, Revista da Faculdade de Direito, vol. 106/107, 2012, p.121-132. 29 Anderson Schreiber, Direitos da personalidade, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 13. 30 Antonio Carlos Morato, Quadro geral, cit., p. 131. Sobre as gerações de direitos fundamentais, vide Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais. 12ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 45-52. 31 Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet (Org.), Direitos da personalidade, São Paulo: Atlas, 2012, p. 61. 32 Antonio Carlos Morato, Quadro geral, cit., p. 135.

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o princípio da dignidade da pessoa humana. Os direitos da personalidade têm

amparo no texto constitucional e fazem parte do encontro privilegiado entre o

direito privado, as liberdades públicas e o direito constitucional33.

De qualquer modo, apesar de toda essa diferenciação, e paralelamente à

inter-relação dos temas, existe também a possibilidade de uma unificação de todos

estes direitos (humanos, fundamentais e da personalidade). Em uma visão

contemporânea do assunto, há uma tendência de fundamentação una, para que

ocorra a real efetivação de tais direitos e também para a inteira consolidação da

dignidade da pessoa humana, nas suas várias concepções, por meio da chamada

"constitucionalização do direito civil"34.

A constitucionalização do direito civil foi defendida por Gustavo

Tepedino, logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988. O texto

constitucional, além de ter tratado de temas antes exclusivos do Direito Civil, teve

o condão de transformar o direito civil em sua inteireza, já que passou a ter como

preocupação central não apenas o indivíduo, mas também as atividades por ele

desenvolvidas e os riscos delas decorrentes35.

Este também é o posicionamento de Elimar Szaniawski36, que defende a

interpenetração dos ramos do direito, "havendo de um lado a publicização do

direito privado e de outro, uma cada vez maior atividade privada do poder púbico,

ficando a cada passo mais difícil de se estabelecer fronteiras entre o direito público

e o direito privado".

Neste mesmo sentido, afirma Pietro Perlingieri 37 que não existe

                                                                                                               33 Francisco Amaral, Direito, cit., p. 284-285. 34 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 60. 35 Gustavo Tepedino, Temas de direito civil, 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 7. 36 Elimar Szaniawski, Direitos da personalidade e sua tutela, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 95. 37 Pietro Perlingieri, Perfis do direito civil, 3ª ed., trad. Maria Cristina De Cicco, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 55.

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disparidade entre o público e o privado, fazendo parte, o direito civil, de um

ordenamento unitário, em que os cidadãos são os seus titulares frente ao Estado.

Realmente, a clássica e rigorosa divisão entre o direito público e o direito

privado começou a ruir após a Segunda Guerra e fez ascender o princípio da

dignidade da pessoa humana38, que será referido mais adiante.

É também nesta fase que ocorre a aproximação dos direitos humanos

com os direitos fundamentais, por meio do que vem sendo denominado de direito

constitucional internacional39.

A Constituição Federal de 1988 impõe uma ruptura da postura

patrimonialista do direito civil e faz nascer uma concepção que privilegia o

desenvolvimento humano40.

No Brasil, o surgimento dos direitos da personalidade como ramo

autônomo, mostrou-se tardio.

O Código Civil de 1916 não tratou expressamente do assunto, apesar de

tê-lo feito de forma implícita ao proteger a pessoa em alguns aspectos41.

A doutrina e a jurisprudência foram responsáveis pela proteção de alguns

direitos, como o direito à intimidade, à imagem, ao corpo e outros, o que acabou

resultando em projetos de lei de um novo código civil.

O anteprojeto de Código Civil de 196342, de autoria de Orlando Gomes,

não prosperou, mas dedicou um capítulo inteiro ao assunto, reconhecendo de forma

explícita alguns direitos, tais como o direito à vida, à integridade física, à liberdade,

                                                                                                               38 Luís Roberto Barroso, A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial, Trad. Humberto Laport de Mello, Belo Horizonte: Forum, 2014, p. 62. 39 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia, cit., p. 56. 40 Luiz Edson Fachim, Direito civil: sentidos, transformações e fim, Rio de Janeiro: Renovar, 2015, p. 59. 41 Antonio Carlos Morato, Quadro geral, cit., p. 122. 42 Apêndice: Capítulo III do anteprojeto de Código Civil de 1963, artigos 29 a 37 e Capítulo IV, artigos 38-44.

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à honra e à imagem. Reservou, de forma destacada, um outro capítulo exclusivo

para o direito ao nome e previu expressamente a tutela civil para a hipótese de

atentado ilícito à personalidade, com a cessação da ofensa e indenização por perdas

e danos43.

Na exposição de motivos, Orlando Gomes44 justificou a inclusão da

matéria com fulcro na preservação do respeito à vida humana, por ser este um dos

valores fundamentais da sociedade.

Como não poderia deixar de ser, o anteprojeto de Código Civil de 1975,

que deu origem ao atual Código Civil brasileiro, influenciado pelo projeto anterior,

também dedicou um capítulo aos direitos da personalidade45.

Segundo Miguel Reale 46 , coordenador do projeto, a inclusão das

disposições sobre os direitos da personalidade no Código Civil mereceu elogios,

uma vez que a pessoa é "o valor-fonte de todos os valores jurídicos".

Mas o grande passo para a evolução desta proteção ocorreu somente com

a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.

Adiante, será dedicado um capítulo ao exame de alguns direitos da

personalidade previstos na Carta Magna.

Da mesma forma que as declarações de direitos humanos antes

mencionadas foram promulgadas após períodos de atrocidades cometidas contra a

humanidade, a Constituição brasileira surge depois de longo período de ditadura

militar, em que direitos e liberdades individuais foram acintosa e constantemente

                                                                                                               43 Rubens Limongi França (Instituições, cit., p. 1028) tece diversos elogios ao anteprojeto de Orlando Gomes e critica o anteprojeto de Miguel Reale, por ter tratado do assunto de forma menos incisiva. 44 Orlando Gomes, Memória justificativa do anteprojeto de reforma do Código Civil, Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1963, p. 35. 45 José Carlos Moreira Alves, A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 76. 46 Miguel Reale, História do novo código civil, volume 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 42.

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violados.

A Constituição Federal menciona alguns direitos da personalidade de forma expressa, como no artigo 5º, X: "São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Esta foi a primeira norma a tutelar civilmente, de forma explícita, os

direitos da personalidade no Brasil.

Finalmente, a exemplo do anteprojeto de Código Civil de 1975, antes

mencionado, o Código Civil de 2002 dedica um capítulo inteiro aos direitos da

personalidade, em seus artigos 11 a 21, o qual será objeto de exame mais adiante.

Em outros países, a codificação dos direitos da personalidade também

ocorreu de forma gradativa47.

O Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch , ou BGB) de 1896

tratou do assunto ao reconhecer o direito ao nome e também à reparação em caso

de dano contra a pessoa, nos parágrafos 12 e 823, 1, respectivamente:

"Namensrecht Wird das Recht zum Gebrauch eines Namens dem Berechtigten von einem anderen bestritten oder wird das Interesse des Berechtigten dadurch verletzt, dass ein anderer unbefugt den gleichen Namen gebraucht, so kann der Berechtigte von dem anderen Beseitigung der Beeinträchtigung verlangen. Sind weitere Beeinträchtigungen zu besorgen, so kann er auf Unterlassung klagen"48. " Schadensersatzpflicht (1) Wer vorsätzlich oder fahrlässig das Leben, den Körper, die Gesundheit, die Freiheit, das Eigentum oder ein sonstiges Recht eines anderen widerrechtlich verletzt, ist dem anderen zum Ersatz des daraus

                                                                                                               47 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 66. 48 Tradução livre: "Direito ao nome: o titular do direito de uso de um nome pode obrigar terceiros a cessar o seu uso sem autorização, podendo intentar uma ação inibitória".

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entstehenden Schadens verpflichtet"49. Em 1907, o Código Civil suíço também abordou o direito ao nome e ao

direito de indenização, no artigo 29:

"1 If a person’s use of his or her name is disputed, he or she may apply for a court declaration confirming his rights. 2 If a person is adversely affected because another person is using his or her name, he or she may seek an order prohibiting such use and, if the user is at fault, may bring a claim for damages and, where justified by the nature of the infringement, for satisfaction"50.

O Código Civil espanhol, de 1902, cuidou simplesmente da indenização

pelo dano, em seu artigo 7º:

"La Ley no ampara el abuso del derecho o el ejercicio antisocial del

mismo. Todo acto u omisión que por la intención de su autor, por su objeto o por las circunstancias en que se realice sobrepase manifiestamente los límites normales del ejercicio de un derecho, con daño para tercero, dará lugar a la correspondiente indemnización y a la adopción de las medidas judiciales o administrativas que impidan la persistencia en el abuso".

Percebe-se que os diplomas acima referidos não incluíram definição

expressa dos direitos da personalidade. Só mais recentemente tal definição foi

inserida em outros textos legais51, como o Código Civil italiano, de 1942, que, em

seus artigos 5º ao 10, passou a proteger o corpo, a integridade física, o nome e a

imagem; e o Código Civil português, de 1966, que, em seus artigos 70 a 81, tutelou                                                                                                                49 Tradução livre: "Responsabilidade por danos: (1) Qualquer pessoa que intencionalmente ou por negligência ofender a vida, o corpo, a saúde, a liberdade, a propriedade ou outro direito de outra pessoa de forma ilegal estará obrigado à reparação do prejuízo resultante". 50 Tradução livre: "Se houver o uso indevido do nome de uma pessoa, esta poderá contestar e ingressar com ação judicial confirmando seus direitos. Se uma pessoa é prejudicada porque outra pessoa está usando o seu nome, ela poderá pleitear a proibição da sua utilização e poderá requerer indenização, quando justificado pela natureza da infração". 51 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 69.

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as cartas, o nome, a imagem e a intimidade.

Além desses, o Código Civil francês, mediante alteração por lei especial,

de 1994, incluiu o artigo 16 e seus diversos itens sobre o respeito ao corpo humano,

a análise de características genéticas de uma pessoa e o uso de técnicas de imagem

cerebral; o Código Civil peruano de 1939 já dispunha sobre o direito ao nome em

seus artigos 13 a 18, mas o de 1984, nos artigos 3º a 32, finalmente tratou de outros

direitos da personalidade, como o direito ao corpo, à intimidade, à imagem, à voz e

ao sigilo de correspondência, entre outros.

Também o Código Civil de Macau, de 1999, inspirado no Código Civil

português, abordou vários direitos da personalidade, tornando-se um dos mais

completos quanto ao tema, pois tratou, nos artigos 67 a 82, dos direitos à vida, à

integridade física e psíquica, à liberdade, à honra, à reserva sobre a intimidade da

vida privada, às cartas-missivas confidenciais, às memórias familiares e outros

escritos confidenciais, às cartas-missivas não confidenciais, à história pessoal, à

protecção de dados pessoais, à imagem e à palavra, à verdade pessoal, ao nome e a

outros meios de identificação pessoal52.

                                                                                                               52 Pedro Cardoso Correia da Mota Pinto (Os direitos de personalidade no Código Civil de Macau, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v 76, 2000, p. 250) comentou sobre a proteção dos direitos da personalidade em moldes tão avançados naquela região: "É claro, todavia, que não basta a consagração num texto legal de um conjunto de direitos para que se possa afirmar que a personalidade humana se encontra adequadamente protegida na prática, como o exigem quer a compreensão portuguesa dos direitos, liberdades e garantias, quer as mais fundas intuições morais que constituem hoje património comum dos países que pretendem ser reconhecidos pela Humanidade como civilizados. Das palavras à realidade vai, na verdade, uma distância por vezes tragicamente inultrapassável, como dolorosamente nos lembram os ainda recentes acontecimentos em Timor. Se, porém, a consagração desenvolvida, no Código Civil, de um conjunto de direitos de personalidade puder, ainda que de forma ténue, contribuir para uma prática social e jurídica em que a personalidade humana seja efectivamente respeitada, não só pelos particulares, esse será, com certeza, um dos legados aos residentes de Macau que os civilistas portugueses poderão futuramente encarar com orgulho".

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1.2. Definição e natureza jurídica.

Os direitos da personalidade53 são prerrogativas individuais, essenciais à

pessoa humana, e se destacam de sua esfera patrimonial. São, portanto, direitos

inerentes à pessoa humana e. por conseguinte, relacionados aos homens de forma

permanente.

Para Rubens Limongi França54, os direitos da personalidade são as

faculdades jurídicas da própria pessoa e constituem a sua proteção essencial no

mundo exterior.

Conforme conceitua Francisco Amaral55, os direitos da personalidade são

direitos subjetivos que têm por objeto bens e valores essenciais da pessoa em seu

aspecto físico, moral e intelectual.

Carlos Alberto Bittar56 define os direitos da personalidade como aqueles

assegurados à pessoa humana em relação a si própria e também em relação à

sociedade.

Os direitos da personalidade são, portanto, primordiais a toda e qualquer

ser humano e têm por base a dignidade humana. São uma concessão de poder às

pessoas com o intuito de proteção, tanto à essência de sua personalidade quanto às

                                                                                                               53 Orlando Gomes (Introdução ao direito civil, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 149) define os direitos da personalidade como os direitos considerados essenciais à pessoa humana, a fim de resguardar a sua dignidade, para que sejam evitadas práticas e abusos atentatórios. Na lição de Maria Helena Diniz (Curso, cit., p. 135 e 136): "o direito da personalidade é o direito da pessoa de defender o que lhe é próprio, como a vida, a identidade, a liberdade, a imagem, a privacidade, a honra etc.". Antônio Chaves (Lições, cit., p. 168) explica os direitos da personalidade como o mínimo necessário para a própria personalidade. Segundo Adriano de Cupis (Os direitos, cit., p. 24), os direitos da personalidade são essenciais a todos os indivíduos e sem eles não seria possível a existência da pessoa como tal. 54 Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1025. 55 Francisco Amaral, Direito, cit., p. 281. 56 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 29.

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suas qualidades mais importantes, como explica José Castán Tobeñas 57 . Ele

pondera que deve-se estabelecer diferenciação entre o conceito de personalidade e

o direito da personalidade: enquanto a personalidade é a possibilidade abstrata de

se ter direitos, os direitos da personalidade são faculdades concretas inerentes a

todo aquele que tem personalidade58.

Em muitos dos conceitos mencionados acima, percebe-se a qualidade de

direitos subjetivos que se atribuem aos direitos da personalidade. No entanto, esta

posição, que hoje parece pacífica, nem sempre foi compreendida desta forma. A

discussão acerca da natureza dos direitos da personalidade foi desencadeada porque

a doutrina antiga não os considerava como direitos subjetivos, mas mero efeito de

direito objetivo e uma reação do ordenamento contra a lesão59.

Entretanto, este posicionamento não prosperou, visto que, conforme já

mencionado, a personalidade jurídica é um atributo do ser humano e por isso

merece proteção. Além de quê, o sujeito tem a faculdade de defender os valores

essenciais da personalidade e deve ser protegido das possíveis agressões60.

Na definição de Goffredo Telles Junior61, os direitos subjetivos são as

permissões dadas por meio de normas jurídicas, para fazer ou não fazer alguma

coisa.

Maria Helena Diniz62 vê os direitos da personalidade como um direito

subjetivo justamente porque deve ser exigido "um comportamento negativo de

todos, protegendo um bem próprio, valendo-se de ação judicial".

                                                                                                               57 José Castán Tobeñas, Derecho civil español, común y foral. Tomo primero. Introducion y parte general. Volumen segundo. 15ª ed. Madrid: Reus S.A., 2007, p. 321. 58 José Castán Tobeñas, Derecho civil, cit., p. 325. 59 Gustavo Tepedino, Temas, cit., p. 26. 60 Gustavo Tepedino, Temas, cit., p. 27. 61 Goffredo Telles Junior, Direito quântico, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 307. 62 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 136.

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José Castán Tobeñas63 também entende os direitos da personalidade

como subjetivos, tanto que propôs denominá-los direitos subjetivos essenciais,

conforme será visto adiante. E justifica a tese em razão de o titular da personalidade

jurídica ter à sua disposição a tutela por meio de ação judicial 64.

A conclusão, portanto, é de que os direitos da personalidade têm natureza

de direitos subjetivos, o que se justifica até pelo fato de a tutela judicial estar

prevista na Constituição Federal de 1988 e também no Código Civil brasileiro.

1.3. Terminologia.

Savigny, no século XIX, teria sido um dos primeiros doutrinadores a

tratar dos direitos da personalidade, mas denominava-os direitos originários. No

entanto, o fez justamente para negar a sua existência, considerando falso o

princípio de um direito sobre a pessoa do homem, por trazer consequências como a

legitimação do suicídio. O direito à vida seria um destes direitos originários e

poderia levar a esta conclusão65.

Todavia, tal teoria não pôde ser acatada, uma vez que, claramente, o

direito à vida não justifica o suicídio. O homem não tem o direito de dispor de sua

vida66. Tem o direito à vida, mas não o direito à morte. Na lição de Pontes de

Miranda67, seria um sofisma justificar o suicídio com o direito à vida. Não há como

se tirar o direito de viver; se fosse possível, não se puniria a ajuda ao suicídio.

                                                                                                               63 José Castán Tobeñas, Derecho civil, cit., p. 325-331. 64 O mesmo posicionamento tem Pietro Trimarchi, Istituizioni di diritto privato, 7ª ed., Milano: Giuffrè, 1986, p.62. No mesmo sentido, sobre a questão da qualidade de subjetivos dos direitos da personalidade, Roberto de Ruggiero, Instituições de direito civil, volume 1, Trad. Paulo Roberto Benasse, Campinas: Bookseller, 1999, p. 263. 65 Apud Orlando Gomes, Introdução, cit., p. 149. 66 Orlando Gomes, Introdução, cit., p. 155. 67 Pontes de Miranda, Tratado, cit., p. 42.

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O primeiro autor a tratar do assunto e que adotou a denominação de

“direitos da personalidade”, valendo-se da expressão Persönlichkeitssphäre

gewährleisten68, foi o alemão Otto Gierke, no ano de 188969.

Entretanto, os direitos da personalidade foram realmente reconhecidos

como uma categoria autônoma por outros juristas alemães, como Gareis e Kohler,

entre o final do século XIX e já no início do século XX. Utilizavam os termos

Individualrechte ou Personalitärecht, ou seja, “direitos individuais” ou “direitos da

personalidade”. De qualquer modo, nesse período, apenas era reconhecida a tutela

pública para tais direitos, por meio do direito penal e do direito constitucional70.

Conforme já referido, a análise do aspecto privado dos direitos da

personalidade surgiu posteriormente, justamente com a diferenciação entre os

direitos da personalidade e os direitos fundamentais, ou seja, pela dicotomia que

considera os primeiros como direito privado e os segundos como público71. Mas a

terminologia foi, e ainda é, muito discutida pelos doutrinadores.

Adriano de Cupis72, ao tratar do mesmo tema, chegou a utilizar o termo

"direitos essenciais", mas o fez para qualificar os direitos da personalidade.

José Castán Tobeñas73 chegou a se expressar com as locuções "direitos

essenciais da pessoa" ou "direitos subjetivos essenciais", mas também preferiu o

termo “direitos da personalidade”, por serem direitos ligados indissoluvelmente à

personalidade do homem.

Outras denominações foram propostas: "direitos sobre a própria pessoa",

defendida por Windscheid e Campogrande; "direitos individuais", por Kohler e

                                                                                                               68 Tradução livre: "Garantia de privacidade". 69 Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet, Direitos da personalidade, cit., p. 14. 70 Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1025. 71 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 59. 72 Adriano de Cupis, Direitos, cit., p. 24. 73 José Castán Tobeñas, Derecho civil, cit., p.325.

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Gareis; "direitos pessoais", por Watchter e Bruns; e, finalmente, "direitos

personalíssimos", por Pugliati e Rotondi74.

Os autores que preferem o termo “personalíssimos” defendem a

expressão porque tais direitos se extinguem com a morte do titular. No entanto,

alguns direitos da personalidade podem ultrapassar o tempo de vida do titular.

Gilberto Haddad Jabur também utiliza o termo “direitos personalíssimos”

e, segundo ele, essa é a denominação mais apropriada, por utilizar o superlativo

absoluto sintético de pessoal, que tem consequências distintas no mundo jurídico. E

condena a expressão “direitos da personalidade”, porque não é a personalidade a

titular dos direitos, mas as pessoas75.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery76 preferem o termo

“direitos de humanidade”, porque o objeto básico destes direitos são componentes

da natureza do ser humano, e não da pessoa.

Rubens Limongi França77 elegeu a expressão “direitos da personalidade”

e, conforme já mencionado, também propôs como variação a expressão "direitos

privados da personalidade", para frisar o aspecto privado destes direitos.

Pode-se ainda registrar o uso do termo “direitos de personalidade”78,

conforme empregava Pontes de Miranda, ou seja, com a substituição da partícula

"da" pela partícula "de". No entanto, esta também não parece adequada porque "de"

indica posse. e a noção de posse não pode coexistir com a variedade de direitos da

personalidade79.

É necessário utilizar-se apenas uma denominação para intitular esses

                                                                                                               74 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 30. 75 Gilberto Haddad Jabur, Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da personalidade, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 98. 76 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código civil comentado, cit., p. 229. 77 Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1026. 78 Pontes de Miranda, Tratado, cit., p. 29. 79 Gilberto Jabur, Liberdade, cit., p. 99.

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direitos, e a locução “direitos da personalidade” é a que prevaleceu no âmbito do

direito civil80.

Portanto, neste trabalho será adotado o termo “direitos da personalidade”,

porque é o que foi consagrado pela maior parte da doutrina, tanto no direito

brasileiro como também no direito alienígena, além de ser utilizado na Constituição

Federal de 1988 e no atual Código Civil brasileiro.

1.4. Fundamento jurídico.

O fundamento jurídico dos direitos da personalidade encontra

divergência tanto na doutrina nacional como na alienígena. Parte da doutrina

acredita que são direitos consagrados apenas após a sua positivação. Outra parte

proclama os direitos da personalidade como consequência do direito natural.

Na concepção de Pontes de Miranda81 os direitos da personalidade não

são impostos por ordem natural ou sobrenatural aos sistemas jurídicos, mas

manifestam-se como efeitos de fatos jurídicos, como, por exemplo, a pressão

política para se fazer introduzir nestes sistemas figuras morais e religiosas.

Adriano de Cupis 82 sustenta que os direitos da personalidade têm

natureza positiva, por estarem vinculados ao ordenamento jurídico positivo, da

mesma forma que outros direitos subjetivos. O autor afirma, na sequência, que não

se podem caracterizar os direitos da personalidade como inatos83.

                                                                                                               80 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 31. 81 Pontes de Miranda, Tratado, cit., p. 31. 82 Adriano de Cupis, Direitos, cit., p. 26 e 27. 83 Este é o posicionamento de José Castán Tobeñas (Derecho civil, cit., p. 331), que também atrela os direitos da personalidade ao direito positivo. No mesmo sentido, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (Direito civil: teoria geral, 9ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 1510), que entendem que os direitos da personalidade têm como fonte precípua o próprio ordenamento jurídico. E também Leonardo Estevam de Assis Zanini, Direitos da personalidade, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 123.

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Gustavo Tepedino84 também é adepto do posicionamento positivista e diz

que o único fundamento da tutela da personalidade é a norma positiva, mas

assevera que os direitos da personalidade são considerados apenas inatos, pelo fato

de nascerem com a pessoa humana.

Portanto, para os citados autores positivistas, somente os direitos da

personalidade reconhecidos pelo Estado podem ter força jurídica. Mas no entanto

os posicionamentos descritos acima não parecem os mais adequados para expressar

tal realidade jurídica. Parece haver contradição na afirmação segundo a qual os

direitos da personalidade nascem com os seres humanos mas têm fundamento de

existência no positivismo.

Os direitos da personalidade têm base no direito natural. Não se pode

limitá-los apenas àqueles previstos em lei. São inatos, e mesmo que muitos deles

estejam positivados, são inerentes aos seres humanos e já existiam antes da

positivação. Esta é a origem dos direitos da personalidade.

A concepção jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII já previu direitos

naturais e inalienáveis do homem com a característica de expressão de sua

condição humana85. Para os adeptos do direito natural, desde Aristóteles, passando

por outros filósofos como Locke, Rousseau, Kant e Del Vecchio, o ordenamento

positivo existe apenas em razão do ser humano86.

Esta é a essência do direito natural.

Maria Helena Diniz define os primeiros passos do direito natural como

um conjunto de normas consagradas ou não na sociedade e com efeito da natureza

das coisas e do homem, apreendidos pela inteligência humana como autênticos.

Com base em tal definição percebe-se que o conceito do bem é inerente à natureza

                                                                                                               84 Gustavo Tepedino, Temas, cit., p. 41-44. 85 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia, cit., p. 55. 86 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 39.

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humana. O direito natural, por ser inerente à condição humana, independe da

legislação. Os jusnaturalistas admitem leis jurídicas anteriores ao direito positivo87.

A autora admite, ainda, que o jusnaturalismo moderno, mesmo não estando preso

às fontes positivas do direito, atribuiu-lhe a propriedade de sistema e propiciou sua

integração com o direito positivo88.

Por essas razões, o mais conveniente e coerente é basear os direitos da

personalidade na ideia jusnaturalista.

Há de se destacar a posição de Miguel Reale89, que sabidamente não é

adepto do direito natural mas afirma: "tem sido observado, aliás com razão, que as

Constituições como estatutos políticos fundamentais, ao proclamarem os direitos

indeclináveis do homem, de uma forma ou de outra se achegam aos enunciados do

direito natural, sobretudo no que se refere aos direitos humanos".

Para o autor90, a concepção transcendental de direito natural deve ser

aceita, e determinados valores são constantes e inamovíveis, dando sentido à

prática humana.

Neste mesmo sentido, Maria Helena Diniz 91 reconhece uma dupla

dimensão aos direitos da personalidade: a axiológica, em que os valores

fundamentais da pessoa se materializam; e a objetiva, que consiste nos direitos

previstos em lei e na Constituição Federal.

Além disso, a mesma autora92 considera os direitos da personalidade

como inatos – adquiridos, portanto, no instante da concepção – e que por isso não

                                                                                                               87 Maria Helena Diniz, Compêndio de introdução à ciência do direito, São Paulo: Saraiva, 2014, p. 54-60. 88 Maria Helena Diniz, Compêndio, cit., p. 60-63. 89 Miguel Reale, Direito natural, direito positivo, São Paulo: Saraiva, 1984, p. 3. 90 Miguel Reale, Lições, cit., p. 313. 91 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p 133. 92 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 136.

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podem ser retirados, por se tratarem de qualidade humana93.

Apesar de ter sido duramente criticado ao longo do tempo por outros

filósofos do direito, o jusnaturalismo ainda persiste no tempo e tem adeptos

contemporâneos 94 . Odete Novais Carneiro Queiroz 95 , ao tratar dos direitos

humanos, afirma que o caráter da universalidade é inquestionável: "basta pertencer

à raça humana, pertencer a qualquer das nações desse Universo, para ser titular de

tais direitos".

Além disso, muitos autores que estudaram profundamente os direitos da

personalidade os fundamentam no direito natural96. É o caso de Rubens Limongi

França 97 , para quem o principal fundamento para a tutela de direitos da

personalidade não positivados em lei são as imposições da natureza das coisas, ou

seja, o direito natural. O autor entende que existem faculdades jurídicas não

previstas em lei, embora sancionáveis, conforme prevê o artigo 4º da Lei de

                                                                                                               93 Jaime Santos Briz (Derecho civil: teoría y práctica, Tomo I, Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1978, p. 319) também concebe os direitos da personalidade como inatos e originários. No mesmo sentido, Domenico Barbero (Sistema del derecho privado II: derechos de la persnonalidad, derecho de familia, derechos reales, Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America, 1967, p. 4), ao descrever os direitos da personalidade como inatos e advindos do direito natural, ou seja, o direito positivo apenas os reconhece. 94 Ingo Wolfgang Sarlet (A eficácia, cit., p. 55), ao tratar de direitos fundamentais, ampara-os no direito natural, ou numa universalidade abstrata. O autor afirma que apesar da positivação de muitos deles após a Segunda Guerra, os direitos fundamentais já eram reconhecidos a todos os homens por meio do direito natural. Carlos Roberto Gonçalves (Curso, cit., p. 187), também se posiciona em favor da escola do direito natural, afirmando que são direitos inerentes à pessoa humana reconhecidos pela legislação e pela jurisprudência modernas, de forma lúcida. 95 Odete Novais Carneiro Queiroz, Prisão civil e os direitos humanos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 103. 96 Neste sentido, Carlos Alberto Bittar (Os direitos, cit., p. 39), para quem o direito compreende o costume, a jurisprudência e outras fontes, não se cingindo apenas a normas, muito menos a normas positivas. Tem o mesmo posicionamento Elimar Szaniawski (Direitos, cit., p. 48), que conecta os direitos da personalidade à natureza humana, razão pela qual não podem sofrer limitações e são incontáveis. 97 Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1027.

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Introdução às Normas do Direito Brasileiro98.

Partindo-se da premissa de que os direitos da personalidade têm origem

no direito natural, é possível entender que não estão limitados apenas aos direitos

positivados de maneira inequívoca, assim como é possível, também, acolher o

direito geral de personalidade; pode-se afirmar, ainda, que tais direitos não são

exaustivos. Estes assuntos serão desenvolvidos a seguir.

Da mesma forma, pautado nessa premissa e nesse raciocínio, o direito ao

esquecimento pode ser inserido na categoria dos direitos da personalidade.

1.5. Teoria do direito geral da personalidade.

Com base na fundamentação dos direitos da personalidade no direito

natural, é possível acolher a chamada teoria do direito geral da personalidade, o que

quer dizer que os direitos da personalidade podem ser reduzidos a uma figura

unitária, ou seja, a sua especialização é o resultado das várias maneiras por que

podem ser atingidos, daí o termo direito geral da personalidade99. Trata-se de um

complexo unitário de natureza física, moral e intelectual, que defende a

inviolabilidade da pessoa humana e considera a personalidade um objeto de tutela

jurídica geral100.

O embasamento do direito geral da personalidade se dá em razão da

quantidade de tipos de ofensas aos direitos da personalidade, sendo necessária uma

tutela ampla aos indivíduos, por meio de um direito-quadro de natureza aberta e

                                                                                                               98 Art. 4º da Lei de Introdução às normas do direito brasileiro: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. No mesmo sentido, Gilberto Haddad Jabur (Liberdade, cit., p. 116), que afirma que os direitos da personalidade devem ter um conteúdo mínimo imprescindível à satisfação dos interesses essenciais do homem e encontram seu principal fundamento no direito natural. 99 Orlando Gomes. Introdução, cit., p. 152. 100 Francisco Amaral, Direito, cit., p. 287.

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que permita alcançar as situações que não forem previamente tratadas por lei101.

O artigo 12, caput, do Código Civil diz que "Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei". Desta forma, com base neste artigo é possível reconhecer os direitos da

personalidade que não foram regulados em lei, mas que ainda poderão se

concretizar, conforme o direito geral da personalidade102.

No entanto, não há consenso entre os autores sobre a existência, no

direito brasileiro, do direito geral da personalidade.

Silmara Juny de Abreu Chinellato103 não concorda com a existência, no

Brasil, do direito geral de personalidade, afirmando que o artigo 12 do Código Civil

apenas indica uma enumeração não exaustiva de direitos.

Gustavo Tepedino diz que apenas com base na dignidade da pessoa

humana já é possível extrair uma cláusula geral da tutela da pessoa humana, sem

que seja necessário recorrer aos direitos da personalidade104.

Neste mesmo sentido, o Enunciado nº 274 da IV Jornada de Direito Civil

do Conselho de Justiça Federal:

"Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa

                                                                                                               101 Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet, Direitos da personalidade, cit., p. 17. 102 Este é o entendimento de Fabio Maria de Mattia (Direitos da personalidade, aspectos gerais, in Revista de informação legislativa, Volume. 14, N. 56, P. 247-266, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 262), para quem o artigo 12 do Código Civil representa o reconhecimento de uma regra geral de tutela dos direitos da personalidade. No mesmo sentido, Elimar Szaniawski, Direitos, cit., p. 95. 103 Silmara Juny de Abreu Chinellato, in Antônio Cláudio da Costa Machado (Org.), Código Civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, 7ª ed., Barueri: Manole, 2014, p. 69. 104 Gustavo Tepedino e outros, Código Civil interpretado conforme a Constituição da República: parte geral e obrigações, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 33.

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humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação".

No entanto, invocar exclusivamente o princípio da dignidade da pessoa

humana para a aplicação dos direitos da personalidade no campo do direito privado

poderia gerar uma banalização de tão importante princípio105, razão pela qual se

torna mais adequado aceitar o direito geral da personalidade.

No direito alemão, a questão é vista de outra forma. Como naquele país

não há uma sistematização dos direitos da personalidade, e, conforme já

mencionado, como o BGB trata apenas do direito ao nome e à indenização em caso

de dano contra a pessoa, nos parágrafos 12 e 823, 1, a jurisprudência local

formulou este direito geral, em razão de lacunas na legislação106.

A doutrina alemã reconhece há muito tempo o direito geral da

personalidade, no sentido de que o BGB o admite indiretamente, mas também é

possível, por precaução, ampliar a proteção aos direitos da personalidade mediante

conclusões analógicas, desde que tudo seja feito com precaução e levando-se em

consideração que a personalidade é o mais importante de todos os bens do

mundo107.

No direito português, de maneira geral, o direito geral da personalidade é

acolhido, por conta do que prevê o artigo 70 de seu Código Civil108. No entanto, há

divergência entre a Escola de Direito de Coimbra, que acolhe o direito geral da

                                                                                                               105 Fabio Siebeneichler de Andrade, O desenvolvimento dos direitos da personalidade nos dez anos de vigência do Código Civil de 2002, in Renan Lotufo, Giovanni Ettore Nanni, Fernando Rodrigues Martins (Coords.), Temas relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os 10 anos do Código Civil. São Paulo: Atlas, 2012, p. 57. 106 Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet, Direitos da personalidade, cit., p. 18. 107 Heinrich Lehman. Tratado de derecho civil, Vol. I, parte general, Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1956, p. 130-613. 108 O artigo 70 do Código Civil português diz: "A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral".

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personalidade, e a Escola de Direito de Lisboa, que é majoritariamente contrária ao

reconhecimento como categoria autônoma e necessária109.

Por conta disso, na concepção de José Joaquim Gomes Canotilho110, o

direito geral da personalidade pode ser enfrentado como um direito de a pessoa ser

e de a pessoa se tornar. O autor ainda salienta a interdependência do direito positivo

e do direito negativo do cidadão e a consequente relação entre direitos da

personalidade com direitos fundamentais, já descrita acima.

José de Oliveira Ascensão111 é contrário à solução do direito geral da

personalidade e fundamenta seu entendimento no possível abalo da segurança

jurídica, por se tratar de um direito de grande extensão112.

Também existe divergência na Itália, quanto ao direito geral da

personalidade: a posição majoritária sustenta a tese de que os direitos da

personalidade são típicos e são apenas aqueles previstos expressamente em lei113;

por outro lado, uma outra corrente defende a ideia de uma série aberta de direitos

                                                                                                               109 Jorge Miranda, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Gustavo Bonato Fruet, Direitos da personalidade, cit., p. 18. 110 José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2003, p. 396. 111 José de Oliveira Ascensão, Direito civil: teoria geral, volume 1, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 87-88. 112 Sobre o assunto, Pedro Cardoso Correia da Mota Pinto (Os direitos de personalidade, cit., p. 218), analisando o Código Civil de Macau, infere que "o direito geral da personalidade não resolve de uma penada os complexos problemas de aplicação e delimitação práticas. Designadamente, o direito geral de personalidade carece de uma delimitação clara, tendo os seus limites que ser precisados, desde logo, porque a proteção de uma pessoa pode contender com o livre desenvolvimento da outra". O Código Civil de Macau, em seu artigo 67, protegeu expressamente o direito geral da personalidade: "Artigo 67. (Tutela geral da personalidade): 1. Todos os indivíduos têm direito à proteção contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. 2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida. 3. As medidas referidas no número anterior poderão ser requeridas como providências cautelares, nos termos da lei de processo". 113 Este é o posicionamento de Adriano de Cupis, Direitos, cit., p. 26-27.

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da personalidade e reconhece o direito geral da personalidade114.

Pietro Perlingieri é adepto da segunda posição. O autor é favorável ao

direito geral da personalidade por entender a personalidade como um valor

fundamental do ordenamento e a base de um leque aberto de situações existenciais.

Assim, devido à elasticidade do conceito tem-se um instrumento para a proteção de

situações atípicas115.

Deve-se entender o direito geral da personalidade como um sistema que,

além de ser unitário, dinâmico e evolutivo, está constituído a partir do princípio da

dignidade da pessoa humana e que, portanto, admite a inserção de novos conceitos,

como o direito ao esquecimento.

1.6. Características dos direitos da personalidade.

Grande parte da doutrina confere algumas características comuns aos

direitos da personalidade 116 . Podem ser caracterizados como absolutos,

extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, vitalícios, necessários,

indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, impenhoráveis e inexpropriáveis117.

São absolutos, porque podem ser oponíveis erga omnes. Intransmissíveis,

porque não podem ser transferidos para a esfera jurídica de outra pessoa.

Indisponíveis, porque não podem ser objeto de disposição (entretanto, será visto

que se trata, na realidade, de indisponibilidade relativa). Extrapatrimoniais, porque

não podem ser avaliados economicamente. Irrenunciáveis, pelo mesmo fundamento

de não poderem ser transferidos de esfera jurídica. Imprescritíveis, porque não se

                                                                                                               114 Pietro Perlingieri, Perfis, cit., p. 154. 115 Pietro Perlingieri, Perfis, cit., p.155-156. 116 Para Orlando Gomes (Introdução, cit., p. 152), os direitos da personalidade são absolutos, extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, vitalícios e necessários. 117 Maria Helena Diniz (Curso, cit., p. 134) apresenta um rol maior de características.

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extinguem por não serem usados. Impenhoráveis, por não serem passíveis de

penhora. Inexpropriáveis, porque não podem ser retirados da pessoa, enquanto ela

viver118.

Com relação à característica da indisponibilidade, é relevante ressaltar

que a indisponibilidade é relativa, porque certos direitos podem ser, efetivamente,

objeto de cessão. É o que ocorre com o direito da imagem, geralmente na

publicidade, com o direito autoral, na divulgação ou comercialização da obra, e

com o direito à integridade física, que admite cessão gratuita119.

O Código Civil simplificou o rol de características, limitando-o à

irrenunciabilidade e à intransmissibilidade, além de estipular a impossibilidade de

limitação voluntária, conforme artigo 11120. Não obstante tal limitação, o presente

estudo parte da premissa, pelas razões já expostas, de que os direitos da

personalidade são inatos e fundados no direito natural; logo, não são exaustivos.

Assim, não ostentam a característica da taxatividade.

A ausência da taxatividade é admitida por vários doutrinadores121. Maria

Helena Diniz122 afirma que os direitos da personalidade são ilimitados porque não

são um número fechado e, portanto, "não se resumem eles ao que foi arrolado

normativamente, nem mesmo se poderá prever, no porvir, quais direitos da                                                                                                                118 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 135-136. Francisco Amaral (Direito, cit., p. 285-286) também caracteriza os direitos da personalidade como intransmissíveis, absolutos, indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis e extrapatrimoniais. Porém, acrescenta que são inerentes à pessoa e inseparáveis do titular. 119 Maria Helena Diniz, Código Civil anotado, 15ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 57. 120 O artigo 11 do Código Civil diz: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. 121 Carlos Alberto Bittar (Os direitos, cit., p. 49) enfatiza que os direitos da personalidade têm um rol não taxativo e sempre será possível o abrigo de novos direitos. Anderson Schreiber (Direitos da personalidade, cit., p. 16) destaca o rol aberto dos direitos da personalidade e afirma que a ausência de previsão no Código Civil faz estimular o debate sobre novas esferas de realização da pessoa humana. No mesmo sentido, Silmara Juny de Abreu Chinellato, Código Civil interpretado, cit., p. 69. 122 Maria Helena Diniz, Curso, cit. p. 136.

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personalidade serão, diante das conquistas biotecnológicas e do progresso

econômico-social, tipificados em norma".

A mesma autora entende que se admite a condição de não taxatividade

para que no futuro possam ocorrer o desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário

e a regulação por normas especiais sobre a matéria 123.

Há de se destacar que a condição de não taxatividade dos direitos da

personalidade não pode ser confundida com o citado direito geral da personalidade.

A primeira diz respeito a um número aberto de direitos, já o segundo diz respeito a

uma figura una e objeto de uma tutela jurídica geral.

Percebe-se que, assim como existe uma resistência dos doutrinadores em

aceitar o direito geral da personalidade, há uma adesão muito maior à teoria de que

os direitos da personalidade são um número aberto.

Na Itália, existe divergência quanto ao direito geral da personalidade,

conforme mencionado, mas prevalece o reconhecimento da não taxatividade dos

direitos da personalidade124. Grande parte da doutrina e também da jurisprudência

construiu uma cláusula aberta dos direitos da personalidade, para que aqueles não

inseridos expressamente pelo sistema legislativo também sejam reconhecidos125.

Conforme já mencionado, em Portugal também existe divergência sobre

a existência do direito geral da personalidade, mas é predominante o

posicionamento sobre o reconhecimento da sua condição de não taxatividade.

José de Oliveira Ascensão126 concorda com a não exaustividade e afirma

que a atipicidade é uma derivação do direito geral da personalidade e leva uma

grande vantagem em relação a este no que diz respeito à segurança jurídica. Assim,

                                                                                                               123 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 139. 124 Francesco Alcaro, Diritto privato, 2ª ed., Firenze: Walters Kluwer, 2015, p. 103. 125 Este é o posicionamento de Vincenzo Roppo (Diritto privato, cit., p. 178), ao afirmar que novos direitos da personalidade podem ser criados mediante construção da jurisprudência. 126 José de Oliveira Ascensão, Direito civil, cit., p. 88.

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cada novo direito da personalidade é revelado tipo a tipo, permitindo a formação de

categorias reconhecíveis, cortando o efeito surpresa e permitindo o estudo de cada

caso concreto.

No Brasil, além dos posicionamentos da doutrina citados, o Enunciado nº

274, da IV Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal, também

compreendeu os direitos da personalidade como regulados de maneira não

exaustiva.

Portanto, diante da não taxatividade dos direitos da personalidade, tem

cabimento a inserção do direito ao esquecimento em tal categoria, conforme será

desenvolvido em seguida.

1.7. Classificação dos direitos da personalidade.

A primeira grande classificação dos direitos da personalidade foi feita

por Orlando Gomes127, responsável pelo anteprojeto de lei do Código Civil de

1963, que dividiu estes direitos em duas grandes categorias: direitos à integridade

física (direito à vida e direito sobre o próprio corpo) e direitos à integridade moral

(direito à honra, direito à liberdade, direito ao recato, direito à imagem, direito ao

nome, direito moral do autor).

Posteriormente, Rubens Limongi França128 foi responsável por uma nova

classificação, que dividiu os direitos da personalidade em três grandes categorias:

direitos à integridade intelectual, física e moral. O autor levou em consideração os

três aspectos e ainda frisou que um mesmo direito da personalidade poderia

pertencer a mais de um grupo129. Classificou-os da seguinte forma: direito à

                                                                                                               127 Orlando Gomes, Introdução, cit., p. 153-154. 128 Rubens Limongi França, Instituições, cit., p. 1029-1030. 129 Esta mesma classificação é observada por Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 138-139.

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integridade física (direito à vida; aos alimentos; ao corpo); direito à integridade

intelectual (direito à liberdade de pensamento; direito de autor); direito à

integridade moral (direito à liberdade civil, política e religiosa; à honra; à

honorificência; ao recato; ao segredo pessoal, doméstico e profissional; à imagem;

à identidade pessoal, familiar e social).

Também merece destaque a proposta de Silmara Juny de Abreu

Chinellato130, que apresenta uma classificação quadripartida, ressaltando que o

direito à vida deve ficar deslocado em uma nova categoria por se tratar do direito

primeiro e condicionante, ou seja, é dele que decorrem todos os outros direitos da

personalidade.

O direito ao esquecimento, se enquadrado como direito da personalidade,

de acordo com que preconiza o presente estudo, deve ser classificado como direito

à integridade moral, que leva em conta a coletividade a que a pessoa pertence, seus

atributos valorativos ou virtudes na sociedade131.

1.8. Titularidade dos direitos da personalidade.

Conforme examinado, a personalidade é um atributo do ser humano. Os

direitos da personalidade nascem com a pessoa e a acompanham por toda a sua

existência132. Logo, por tudo que foi mencionado, parece óbvio que o principal

titular dos direitos da personalidade é o ser humano, a pessoa natural. No entanto,

não podem ser desprezadas as figuras do nascituro, da pessoa já falecida e também

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       No mesmo sentido, Francisco Amaral. Direito, cit., p. 295. Carlos Alberto Bittar (Os direitos, cit., p. 115) também classifica os direitos da personalidade em três grupos, mas fez uma pequena alteração e os divide em direitos físicos, psíquicos e morais. 130 Silmara Juny de Abreu Chinellato, Código Civil interpretado, cit., p. 68. 131 Sobre a classificação de direitos da personalidade de caráter moral. Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 115. 132 Francisco Amaral. Direito, cit., p. 285.

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da pessoa jurídica.

O nascituro tem os seus direitos assegurados, nos termos do artigo 2º do

Código Civil, o que não implica em que ele tenha personalidade jurídica, mas

admite a expectativa de seu nascimento com vida. Assim, o nascituro também é

considerado titular dos direitos da personalidade. E mais, é possível afirmar que há

direito da personalidade desde a concepção, seja natural ou até mesmo a assistida,

em razão do primado direito à vida133.

Cabe destacar também que alguns direitos da personalidade podem

ultrapassar a vida da pessoa natural, pois a pessoa já falecida ainda mantém alguns

destes direitos. É o que acontece com o direito ao corpo, à imagem, à honra e o

direito moral do autor. São os chamados direitos da personalidade post mortem134.

Com relação à pessoa jurídica, é importante observar que a doutrina há

muito tempo já admite a atribuição de alguns dos direitos da personalidade a ela –

outros são compatíveis apenas com as pessoas naturais, tais como a vida, a

integridade física e o corpo. O Código Civil brasileiro, em seu artigo 52, previu a

aplicação dos direitos da personalidade, no que couber, às pessoas jurídicas135, tais

como o direito ao nome, à imagem ou à honra.

Veremos oportunamente que o direito ao esquecimento pode ser

atribuído também às pessoas jurídicas.

                                                                                                               133 Francisco Amaral, Direito, cit., p. 287. 134 Francisco Amaral, Direito, cit., p. 287. 135 Segundo Sílvio de Salvo Venosa (Código Civil interpretado, São Paulo: Atlas, 2010, p. 24), a equiparação feita pelo artigo 52 do Código Civil deve ser analisada apenas sob o prisma indenizatório, uma vez que "a pureza dos direitos da personalidade não se adapta a quem não é pessoa natural".

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2. Relação dos direitos da personalidade, previstos na Constituição Federal de

1988, com o direito ao esquecimento.

A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus princípios

basilares a dignidade da pessoa humana, prestigiada em seu art. 1º, III:

"A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;

(...)". Logo, percebe-se que o respeito à dignidade da pessoa humana está

atrelado ao Estado Democrático de Direito.

Conceituar a dignidade da pessoa humana136 é tarefa por demais árdua.

De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet137, trata-se de um conceito em

constante reconstrução. Afirma o autor que a dignidade é:

"(...) a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além

                                                                                                               136 Na lição de Luís Roberto Barroso (A dignidade, cit., p. 72), a dignidade da pessoa humana é consenso ético existencial no mundo ocidental, sendo o seu significado intuitivo. Para expressá-la, traçou uma definição minimalista com as seguintes características: "o valor intrínseco de todos os seres humanos; a autonomia de cada indivíduo; e, limitada por algumas restrições legítimas impostas a ela em nome de valores sociais ou interesses estatais". Flavia Piovesan (Temas, cit., p. 548) sintetiza, afirmando que a dignidade da pessoa humana é um legítimo "superprincípio" constitucional, e conferindo-lhe racionalidade, unidade e sentido. Francisco Amaral (Direito, cit., p. 287) entende que o princípio da dignidade da pessoa humana é um marco jurídico no sistema brasileiro dos direitos da personalidade e é a sua base legítima. 137 Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, 9ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 73.

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de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida".

A dignidade da pessoa humana é o reconhecimento do indivíduo no

limite e fundamento do domínio político da República, que ganha força após

experiências históricas de opressão ao ser humano, como a inquisição, a

escravidão, o nazismo, genocídios étnicos, entre outros, conforme preceitua José

Joaquim Gomes Canotilho138.

Se a dignidade da pessoa humana está atrelada ao Estado Democrático de

Direito, então também podemos afirmar que é no âmbito deste que os direitos da

personalidade encontram sua real dimensão, ainda que tenham sido previstos em

alguns diplomas legais ou constitucionais autoritários139.

Percebe-se que em todos os posicionamentos citados acima há uma

relação com os direitos fundamentais, razão pela qual se pode afirmar que os

direitos da personalidade previstos na Constituição Federal estão intimamente

conectados com a dignidade da pessoa humana140.

A dignidade da pessoa humana é o fundamento dos direitos da

personalidade e implica na atribuição de diversos direitos a cada homem, e estes

direitos devem representar um mínimo e um máximo, na medida em que

desenvolvam a sua personalidade e também pela intensidade da tutela que

                                                                                                               138 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito, cit., p. 225. 139 Antonio Carlos Morato (Quadro geral, cit., p. 141) menciona que é muito conhecida a passagem em que Adriano de Cupis dedicou sua obra Direitos da Personalidade a Mussolini para que ela não fosse censurada. 140 Para Luís Roberto Barroso (A dignidade, cit., p. 64), a dignidade da pessoa humana funciona como justificativa moral e como fundamento jurídico-normativo dos direitos fundamentais. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet (Dignidade, cit., p. 80), a dignidade da pessoa humana, fundamento do estado democrático de direito, foi embasada no direito natural, mas de qualquer forma dotada de total eficácia normativa.

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recebem141.

Neste mesmo sentido, podemos afirmar que a dignidade da pessoa

humana possui valor universal, em razão da afirmação histórica dos direitos

humanos142. Ou, conforme a lição de Maria Helena Diniz143, "os direitos humanos,

decorrentes da condição humana e das necessidades fundamentais de toda pessoa

humana, referem-se à preservação da integridade e da dignidade dos seres humanos

e à plena realização de sua personalidade".

Assim, é possível concluir que os direitos da personalidade são a

concretização da dignidade da pessoa humana e podem ser reconduzidos a tanto,

uma vez que têm origem na ideia de proteção das pessoas144.

Serão destacados, a seguir, alguns direitos da personalidade positivados

na Constituição Federal de 1988, além de outros direitos fundamentais que se

relacionam com o direito ao esquecimento.

2.1. Direito à privacidade e direito à intimidade.

O direito à intimidade é o modo de ser da pessoa e significa o

afastamento do conhecimento de outros indivíduos sobre assuntos que se referem

somente a ela145. O direito à privacidade, mais abrangente, é o direito do seu titular

de controlar a própria exposição ou a disponibilidade de informações.

Parte da doutrina146 não diferencia o direito à privacidade do direito à

                                                                                                               141 José de Oliveira Ascensão, Direito civil, cit., p. 72. 142 Marcelo Souza Aguiar, A dignidade e a Constituição cidadã de 1988, in Lafayette Pozzoli, Marcia Cristina de Souza Alvim (Org.), Ensaios sobre filosofia do direito. São Paulo: Educ, 2011, p. 41. 143 Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, São Paulo: Saraiva, 2008, p. 19. 144 Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade, cit., p. 93. 145 Adriano de Cupis, Direitos, cit., p. 139. 146 Para Adriano de Cupis (Direitos, cit., p. 139), o direito à intimidade e o direito à privacidade se confundem na mesma figura.

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intimidade. No entanto, a maioria faz esta diferenciação.

Na lição de Maria Helena Diniz147, são conceitos que não se confundem:

a privacidade está voltada aos elementos externos da pessoa humana, tendo como

exemplos a escolha do modo de viver ou hábitos; a intimidade abrange os

elementos internos do viver desta pessoa, como um segredo ou uma situação de

pudor, podendo a intimidade estar incluída na privacidade. Segundo a autora, "a

intimidade é a zona espiritual íntima e reservada de uma pessoa".

René Ariel Dotti148 também celebra esta diferenciação ao conceituar a

intimidade como a esfera secreta de um indivíduo, e a vida privada como os

aspectos que as pessoas não gostariam de ver cair em domínio público.

Realmente são figuras diversas. O direito à privacidade tem um conceito

mais amplo, diz respeito ao direito de a pessoa estar só ou viver em paz. A

intimidade refere-se a acontecimentos mais particulares e pessoais. Por isso, muitas

vezes a privacidade abrange a intimidade.

O direito à privacidade e à intimidade foram consagrados pela

Constituição Federal no artigo 5º, X: "são invioláveis a intimidade, a vida privada,

a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano

material ou moral decorrente de sua violação".

Há de se ressaltar que o direito ao esquecimento é uma figura autônoma

em relação ao direito à intimidade ou à privacidade, apesar de em certos aspectos

estabelecer-se uma conexão. Têm em comum a origem e o fato de todos serem

direitos da personalidade. Mas o direito ao esquecimento tem suas próprias

características. Diz respeito aos fatos do passado que não têm mais atualidade e

cujo titular não tem mais interesse em divulgar. Portanto, não pode ser confundido

                                                                                                               147 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 151. 148 René Ariel Dotti, Proteção da vida privada e liberdade de informação: possibilidades e limites, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 71.

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com aqueles.

2.2. Direito à imagem e direito à honra.

O direito à imagem, segundo Maria Helena Diniz149, é o direito de uma

pessoa de não ter a sua figura exposta em público ou comercializada sem a sua

anuência e também de não ter alterada a sua personalidade de forma material ou

intelectual, que cause dano à sua reputação.

Na lição de Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi e Maria Ligia

Coelho Mathias150, a imagem de uma pessoa pode ter representação real, virtual,

estática ou dinâmica. É a projeção ou representação da pessoa em que a sua forma é

captada e fixada de maneira material ou imaterial.

Trata-se de direito autônomo e não está necessariamente em conjunto

com os demais direitos da personalidade. É um aspecto da inviolabilidade moral

independente da privacidade ou intimidade. Mas, em caso de violação do direito à

imagem, pode ocorrer também a violação dos demais direitos151. O mesmo se pode

dizer em relação ao direito à honra.

A imagem e a honra também são institutos distintos. O direito à honra

protege o bem jurídico da reputação da pessoa. Traduz-se como a forma pela qual

o indivíduo é conhecido pela sociedade ou coletividade em geral, de modo que uma

violação à honra provoca um prejuízo social152.

A honra é a consideração social, o bom nome ou a boa fama, mas

                                                                                                               149 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 147. 150 Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi e Maria Ligia Coelho Mathias, Aspectos da responsabilidade civil sob a perspectiva do direito à imagem, in Rosa Maria de Andrade Nery; Rogério Donnini (Coords.), Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo Viana, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 369-379. 151 René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., p. 78. 152 René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., p. 85.

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também um sentimento da própria dignidade pessoal, ou, conforme as palavras de

Adriano de Cupis153: "a dignidade pessoal refletida na consideração dos outros e no

sentimento da própria pessoa".

O direito à imagem e o direito à honra também foram consagrados pelo

artigo 5º, X, da Constituição Federal.

O direito ao esquecimento não pode ser confundido com o direito à

imagem ou com o direito à honra. A imagem é a representação ou o reflexo

material ou imaterial de uma pessoa, a honra é a reputação de uma pessoa. Já o

direito ao esquecimento diz respeito aos fatos que ocorreram no passado, em cuja

divulgação não há mais interesse no presente. Embora, se acaso ocorra, a

divulgação possa trazer prejuízo à imagem ou também à honra do indivíduo, ainda

assim são todos figuras autônomas, pois a ofensa ao direito ao esquecimento pode

verificar-se independentemente da violação do direito à imagem ou à honra. A

divulgação de um fato antigo pode não violar a imagem ou a honra do indivíduo,

mas fazê-lo reviver antigas emoções que ele preferiria que continuassem

esquecidas.

Como a imagem e a privacidade foram regulados pelo Código Civil, os

dois assuntos serão novamente abordados no próximo capítulo.

2.3. Direito à informação e o direito de ser informado.

O direito de informação abrange algumas perspectivas e está consagrado

na Constituição Federal, em seu artigo 220, nos seguintes termos: "A manifestação

do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,

processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta

Constituição".                                                                                                                153 Adriano de Cupis, Direitos, cit., p. 122.

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Assim, em tese, o direito de informação não pode sofrer qualquer tipo de

restrição ou censura. Mas, na hipótese de colisão de direitos, poderão prevalecer os

direitos da personalidade.

O direito de informação é gênero que abrange outras figuras, como:

o direito de informar; o direito de acesso à informação; o direito de ser informado.

O direito de informar está compreendido na liberdade de expressão e

manifestação de pensamento, direitos que serão examinados no próximo tópico.

O direito de acesso à informação é a garantia de que todos terão acesso à

informação, nos termos do artigo 5º, XIV, da Constituição Federal: "é assegurado a

todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao

exercício profissional".

O direito de ser informado é o direito de receber informações. Não está

regulado de forma expressa na Constituição Federal, mas encontra-se em Tratado

Internacional ratificado pelo Brasil. É o artigo 13 da Convenção Americana de

Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, que diz o seguinte:

"Liberdade de pensamento e de expressão 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha".

Além disso, a Constituição Federal cuidou especificamente do direito de

ser informado sobre os atos da Administração Pública, conforme previsto no artigo

5º, XXXIII, bem como no artigo 37.

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Neste sentido, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes

Júnior154 ensinam:

"O direito de ser informado, compreendido como o direito de receber informações, não pode ser entendido sem algumas restrições exegéticas. É que só se pode investir alguém no direito de receber informações quando simultaneamente atribuir-se a outrem o dever de informar. Nessa matéria, a Constituição Federal foi terminante ao atribuir exclusivamente ao Poder Publico (art. 5º, XXXIII, e 37, caput) o dever de informar. Assim sendo, pode-se concluir que o direito de ser informado assume dois sentidos. Primeiro, o direito de receber as informações veiculadas sem interferência estatal, numa interface com o direito de informar. Segundo, o direito de ser mantido constantemente informado sobre os negócios e atividades públicas".

Além disso, em novembro de 2011 foi publicada a chamada Lei de

Acesso à Informação, Lei 12.527/2011, que disciplina o acesso à informação dos

órgãos e entidades do Poder Público.

O direito ao esquecimento poderá colidir com o direito de informação, na

medida em que o seu titular não desejar mais a divulgação de uma informação a seu

respeito. Neste caso dever-se-á adotar o sopesamento, e, caso tenha perdido a

atualidade e não tenha qualquer interesse público, a informação não poderá mais

ser divulgada. Do contrário, o direito ao esquecimento não terá reconhecimento.

2.4. Direito à liberdade de expressão e direito à manifestação do pensamento.

A liberdade de pensamento é gênero do qual decorrem as diversas

maneiras de sua manifestação. Segundo o artigo 5º, IV, da Constituição Federal: "é

livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato".

                                                                                                               154 Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 120.

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Certamente a liberdade de expressão decorre da liberdade de pensamento

e foi reconhecida pelo artigo 5º da Constituição Federal no inciso IX: "é livre a

expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,

independentemente de censura ou licença".

A observação do direito à liberdade de expressão assegura a permissão

para a exposição de ideias, opiniões, pontos de vista e convicções. É símbolo do

Estado Democrático de Direito. Conforme as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet155:

"(...)para assegurar a sua máxima proteção e sua posição de destaque no âmbito das liberdades fundamentais, o âmbito da proteção da liberdade de expressão deve ser interpretado como o mais extenso possível, englobando tanto a manifestação de opiniões, quanto de ideias, pontos de vista, convicções, críticas, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto e mesmo proposições a respeito de fatos. Neste sentido, em princípio todas as formas de manifestação, desde que não violentas, estão protegidas pela liberdade de expressão, incluindo gestos, sinais, movimentos, mensagens orais e escritas, representações teatrais, sons, imagens, bem como as manifestações veiculadas pelos modernos meios de comunicação, como as mensagens de páginas de relacionamento, blogs, etc.".

No entanto, a liberdade de expressão encontra limitação nos consagrados

direitos da personalidade, tais como a privacidade, intimidade, imagem e honra. E

também naquele que constitui o objeto de estudo deste trabalho, o direito ao

esquecimento. Sem dúvida, não se pode descartar a possibilidade de colisão entre

estes direitos, caso em que deverão ser aplicados critérios de sopesamento para se

determinar qual deverá preponderar.

O direito ao esquecimento pode ser afetado pelo exercício da liberdade

de expressão porque contrapõe o seu titular – que não deseja mais ser lembrado –

                                                                                                               155 Ingo Wolfgang Sarlet e outros, Curso de direito constitucional, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 489.

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ao titular da manifestação de pensamento, que deseja se expressar justamente em

relação àquele. Assim, cabe ressaltar que as duas figuras encontram limites.

Incumbe identificar mecanismos que estabeleçam em que situações o direito ao

esquecimento deve prevalecer face à liberdade de expressão.

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3. Direitos da personalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil brasileiro e a

questão das biografias não autorizadas.

O projeto do atual Código Civil é anterior à Constituição Federal de

1988, e, apesar de ter sofrido emendas para a devida adaptação ao texto

constitucional, a parte que é dedicada aos direitos da personalidade não foi alterada,

o que significa que tais direitos já tinham previsão no projeto original, conforme

registrado de início.

Os enunciados sobre os direitos da personalidade insculpidos no atual

Código Civil representam verdadeiras vigas mestras do sistema, segundo Miguel

Reale 156 , de forma que a hermenêutica de todas as disposições do Código

subordinam-se à finalidade ética da pessoa humana.

Existem críticas ao atual Código Civil no que diz respeito aos direitos da

personalidade, porque teria sido omisso em muitos pontos e excessivamente

sintético, mas ele certamente traz princípios e traços fundamentais sobre o

assunto157.

Algumas críticas observam que o Código Civil deixou de indicar

parâmetros para as hipóteses frequentes de colisão entre os direitos da

personalidade. Poderia ter criado critérios de ponderação.

O legislador poderia ter criado orientações ao Poder Judiciário em

abstrato ou de modo absoluto, em casos de interesses colidentes, e não soluções, na

concepção de Anderson Schreiber158. O autor afirma que a disciplina dos direitos

da personalidade exige técnica legislativa fundada em cláusulas gerais, que se

mostrem capazes de acompanhar a evolução tecnológica e científica. Não se podem

                                                                                                               156 Miguel Reale, Direito natural, cit., p. 31. 157 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 106. 158 Anderson Schreiber, Direito civil e constituição, São Paulo: Atlas, 2013, p. 28-29.

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editar normas rígidas que privilegiem uma manifestação ou outra da personalidade,

mas reconhecer o conteúdo dialético dos direitos da personalidade.

Do modo como foi editado o Código Civil, não há como evitar que certos

conflitos entre os direitos da personalidade ocorram, especialmente entre os direitos

morais da personalidade (privacidade, honra e imagem) e a liberdade de expressão

ou informação, conforme já referido.

Também entre o direito ao esquecimento e outros direitos da

personalidade se verifica o mesmo conflito, que será objeto de análise neste estudo.

Portanto, o critério da ponderação, em caso de colisão entre os direitos da

personalidade, terá de ser criado pela doutrina e pela jurisprudência. De qualquer

forma, como já foi visto, por ter optado por um sistema não taxativo, o Código

Civil abriu a possibilidade para o desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário do

assunto159.

Assim, o Código Civil menciona apenas cinco direitos da personalidade

de forma expressa: direito ao corpo, direito ao nome, direito à honra, direito à

imagem e direito à privacidade. A seguir, serão abordados alguns aspectos com

relação à imagem e à privacidade das pessoas.

Os artigos 20 e 21 do Código Civil regulam, respectivamente, a imagem

e a privacidade das pessoas, nos seguintes termos:

"Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes".

                                                                                                               159 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 139.

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  48  

"A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma".

Por força de tais comandos, poderão ser restringidas a transmissão da

palavra e também a divulgação ou publicação de escritos e fatos, em benefício da

proteção ao direito da imagem e da inviolabilidade da vida privada, direitos estes

examinados no capítulo anterior.

Inicialmente, a interpretação que se deu aos dois artigos transcritos foi no

sentido de que biografias, por meio de obras literárias ou audiovisuais, não

poderiam ser publicadas ou divulgadas sem a autorização das pessoas retratadas, do

biografado ou de coadjuvantes - ou de seus familiares, em caso de falecimento.

Considera-se biografia não autorizada, conforme a lição de José Joaquim

Gomes Canotilho160:

"(...) a obra que, como o nome indica, abrange textos onde se pretende narrar, total ou parcialmente, com um grau razoável de sistemacidade e completude, a vida de uma pessoa, ou aspectos específicos da mesma, do ponto de vista espacial ou temporal. Diz-se não autorizada porque não conta com a autorização expressa ou tácita do visado, prescindindo da sua colaboração e pretendendo subtrair-se aos seus pedidos ou ditames. De um modo geral, estas biografias incidem sobre pessoas públicas, tendo por isso interesse público e suscitando o interesse do público".

Assim, foram proibidos diversos livros retratando a vida de pessoas

famosas, entre elas o cantor Roberto Carlos161. Outros livros também foram

                                                                                                               160 José Joaquim Gomes Canotilho e outros, Biografia não autorizada versus liberdade de expressão, 2ª ed., Curitiba: Juruá, 2015, p. 35-36. 161 Foi emblemático o caso do famoso cantor Roberto Carlos, envolvendo as chamadas biografias não autorizadas. O cantor não concordou com a publicação de uma biografia que o retratava. O livro chegou a ser publicado e começou a ser vendido nas livrarias. O cantor obteve liminar na 20ª Vara Cível do Rio de Janeiro, em abril de 2007, e, assim, conseguiu a suspensão das vendas do livro e o recolhimento dos exemplares que estavam disponíveis no mercado. O fundamento da

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proibidos de circular, por força de ações judiciais movidas por familiares dos

retratados, como é o caso do jogador de futebol Garrincha, dos cantores Noel Rosa

e Raul Seixas e até do cangaceiro Lampião.

O assunto chegou ao Supremo Tribunal Federal devido a ação direta de

inconstitucionalidade (ADI 4815/DF) dos artigos 20 e 21 do Código Civil, proposta

pela Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL), sob o fundamento de

que os referidos artigos estariam em confronto com os preceitos constitucionais da

liberdade de manifestação de pensamento, da atividade intelectual, artística,

científica e de comunicação, previstas no artigo 5º, IV e IX da Constituição

Federal, além do direito à informação, previsto no artigo 5º, XIV, e de que a

continuidade da proibição de obras importaria em censura.

A Ministra Cármen Lúcia, relatora do processo, decidiu, em seu voto,

pela procedência da ação e foi acompanhada por unanimidade pelos demais

Ministros do Supremo Tribunal Federal.

O julgamento ocorreu no dia 10 de junho de 2015, no seguinte sentido:

- A Constituição Federal de 1988 proíbe qualquer espécie de censura, não podendo

ser o direito à liberdade de expressão cerceado pelo Estado ou por particular;

- O direito de informação abrange a liberdade de informar, de se informar e de ser

informado. Por tal razão, as pessoas podem receber livremente as informações

sobre temas de interesse da sociedade e sobre os indivíduos cujas ações públicas

alcançarem sua esfera do direito de saber e aprender sobre assuntos relacionados;

- A autorização prévia para a biografia estabelece uma censura particular. O

recolhimento de obras é censura judicial;                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        decisão foi justamente o artigo 20 do Código Civil. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manteve a decisão. O curioso é que pelo menos 60 mil livros foram vendidos, e o conteúdo integral da obra pode ser encontrado com facilidade na internet. Posteriormente o cantor fez um acordo com o autor do livro, que se comprometeu a não mais publicá-lo. Após a decisão do STF permitindo a publicação de biografias, com base na liberdade de expressão, o autor do livro afirmou que pretende escrever um novo livro sobre o cantor.

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- Caso ocorra algum erro, este deverá ser corrigido em conformidade com o direito,

e não com a supressão de liberdades conquistadas. Para tanto, se for o caso, está

assegurado o direito de resposta e à reparação de danos;

- A liberdade de expressão é constitucionalmente garantida e não pode ser anulada

por outra norma constitucional, mesmo sob o argumento de proteção de outro

direito constitucional, ou seja, a inviolabilidade do direito à intimidade, à

privacidade, à honra e à imagem;

- A aplicação do balanceamento dos direitos envolvidos há de conjugar todos eles;

e, no caso em questão, por se tratar de pessoas públicas, prevaleceu a liberdade de

expressão e a proibição da censura.

Assim, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ação direta de

inconstitucionalidade, para dar interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil,

sem promover redução de texto, declarando inexigível a autorização prévia do

biografado, de coadjuvantes ou de seus familiares (no caso de pessoa falecida ou

ausente), tanto nas obras literárias como nas audiovisuais, com embasamento nos

direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação

artística e de produção científica.

Ressalte-se que a decisão reafirmou o direito à inviolabilidade da

intimidade, da privacidade, da honra e da imagem, conforme o artigo 5º, X, da

Constituição Federal, ao estampar que, em caso de erro, está assegurado o direito

de resposta e de reparação dos danos.

Conforme explicam Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi e Maria

Ligia Coelho Mathias162:

"(...) o biógrafo não está imune a limites. Se exorbitar no seu direito de

                                                                                                               162 Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi e Maria Ligia Coelho Mathias, Observações sobre a biografia não autorizada à luz da decisão do STF, in Interrogatio: reflexões de direito brasileiro e internacional, Botucatu: QuintAventura, 2015, Edição Kindle, Posição 1528-1569.

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informar, expressando opiniões inverídicas, fica sujeito às sanções legais que serão exercidas a posteriori pelo biografado ou seus familiares, se falecido e, até mesmo, por terceiros que se sintam prejudicados (...) Almeja-se, ademais, que surja com essa decisão uma biografia mais responsável, atendendo a preceitos éticos. Não se quer com isso impedir o exercício de se expressar nem se deseja que haja indiscrições desnecessárias".

Portanto, a decisão apenas entendeu desnecessária a autorização prévia,

para evitar a censura. Além disso, apesar da procedência da ação, os textos dos dois

dispositivos do Código Civil permanecem inalterados, mas passam a ser

interpretados em conformidade com a Constituição Federal.

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal parece acertada. A

exigência de autorização prévia para as obras biográficas apresenta um sério risco à

liberdade de expressão. No caso específico, prevaleceu o interesse público. De

qualquer forma, isso não significa que a liberdade de expressão não encontre

limites ou que esteja imune a outros direitos. Pelo contrário, os limites existem e,

em caso de abuso, está assegurado o direito de resposta e à reparação de danos,

bem firmado na decisão. Além de quê, a violação a qualquer direito da

personalidade, verificada em dado caso concreto, poderá ensejar consequências

mais sérias. O que não se pode é generalizar e exigir em todas as situações a

anuência do biografado.

Cumpre esclarecer que a questão sobre as biografias não autorizadas não

se confunde com a pretensão do reconhecimento do direito ao esquecimento. A

primeira diz respeito às pessoas públicas ou célebres, que despertam o interesse da

sociedade, pois, do contrário, não haveria interesse em elaborar suas biografias,

muito menos em comercializá-las em forma de livros ou obras audiovisuais. A

segunda hipótese, que é o objeto de estudo neste trabalho, diz respeito a interesses

de particulares que não despertam o interesse público e a fatos ou eventos antigos,

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que perderam a atualidade. Neste caso, conforme será abordado, o balanceamento

de princípios deverá pender para o outro lado. Se, porventura, uma figura pública

pleitear o direito ao esquecimento, provavelmente a situação será outra, mas,

mesmo assim, caso se verifique abuso ou violação a outros direitos da

personalidade, estará assegurado o direito de resposta e à reparação de dano.

Cumpre ainda destacar a existência de projeto de lei 393/2011, com

origem na Câmara dos Deputados prevendo a alteração do artigo 20 do Código

Civil. Com a nova redação, o artigo passaria a conter mais um parágrafo, a dispor

justamente no sentido de que a ausência de autorização não seria impedimento para

a divulgação de biografias de pessoas notórias e que despertem interesse da

coletividade. O novo parágrafo prevê o seguinte:

"A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade".

Trata-se de projeto anterior à decisão do Supremo Tribunal Federal e que

já teve aprovação na Câmara, mas encontra-se atualmente no Senado Federal, na

Comissão de Constituição de Justiça e Cidadania, aguardando parecer163.

Apesar de ainda tramitar no Congresso Nacional, o projeto afigura-se

desnecessário, diante da decisão, que manteve a constitucionalidade do citado

artigo 20, mas sob a interpretação de que não é exigível a autorização prévia para

publicação de biografias. Portanto, não há mais motivo para alteração do

dispositivo legal.

                                                                                                               163 Disponível em http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/117559, Acesso em 20/09/2015.

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4. Direito ao esquecimento e sua configuração jurídica.

4.1. Delimitação conceitual de esquecimento e sua origem no Brasil e no direito alienígena.

Conforme já referido, optamos por fundamentar este trabalho em uma

visão naturalista. Logo, os direitos da personalidade têm amparo, para nós, no

direito natural, e, assim, uma de suas principais características é justamente o fato

de não serem exaustivos, ou, conforme mencionado, de seu rol não ser taxativo.,

apresentando-se plenamente possível a inclusão de outros direitos na categoria de

direitos da personalidade.

De acordo com o parecer de Carlos Alberto Bittar164, "os direitos naturais

são inerentes à pessoa, e, por isso, caso o Estado não os reconheça, cabe aos

indivíduos e aos grupos sociais organizados buscarem seu reconhecimento, lutando

com isso contra a violência, a injustiça, a opressão e a desigualdade".

Nesse sentido, existe um direito da personalidade que vem sendo

paulatinamente introduzido no sistema jurídico, denominado direito ao

esquecimento.

O termo direito ao esquecimento tem origem na expressão inglesa "right

to be forgotten"165. Sua primeira concepção trata-o como o direito de não ser

lembrado por atos constrangedores, vexatórios ou depreciativos, ocorridos no

passado166. Mas existem muitas outras perspectivas sobre o tema.

O direito ao esquecimento se apoia no fato de que as pessoas não

precisam conviver permanentemente com seus erros ou situações embaraçosas                                                                                                                164 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 38. 165 Otavio Luiz Rodrigues Junior, Não há tendências na proteção do direito ao esquecimento, Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-dez-25/direito-comparado-nao-tendencias-protecao-direito-esquecimento, Acesso em 29/10/2015. 166 De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 31ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 478.

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pretéritas, praticadas na vida particular167, mas há, ainda, uma outra vertente do

direito ao esquecimento: a da vítima ou familiares da vítima de um crime ou evento

danoso, que também não querem mais se lembrar do fato, por este causar dor,

transtorno ou angústia.

A proteção do direito ao esquecimento baseia-se na reabilitação criminal,

que confere ao criminoso, após dois anos de cumprimento da pena ou extinção da

punibilidade, o direito de ter seus dados referentes ao crime apagados dos cadastros

competentes. Ora, se o criminoso tem este direito, com mais razão ainda devem a

vítima e seus familiares ter o mesmo direito de não mais serem lembrados do

evento.

De qualquer forma, o direito ao esquecimento não deve ser visto apenas

como uma tutela voltada para criminosos ou suas vítimas. Tudo aquilo de que a

pessoa não quiser mais ser lembrada, por fazer parte de seu passado e não

corresponder mais ao seu presente, pode ser amparado no direito ao esquecimento.

Outra perspectiva relativa ao tema é a de não se poderem perpetuar

informações sobre os indivíduos, mesmo as informações verdadeiras e positivas,

independente de terem sido notórias ou não, caso seja esta a vontade do seu

titular168. E a proteção não se restringe aos fatos sigilosos. Pelo contrário, devem

ser protegidas todas as informações que ampliem a divulgação e causem o

despertar da memória. Assim, fatos que foram amplamente divulgados no passado,

mas que no presente já estão adormecidos, devem ser protegidos pelo direito ao

esquecimento.

                                                                                                               167 De Plácido e Silva, Vocabulário, cit., p. 478. 168 Tatiana Manna Bellasalma e Silva e Ricardo da Silveira e Silva, Direito ao esquecimento na era virtual: a difícil tarefa de preservação do passado, in Thaís Aline Mazetto Corazza e Gisele Mendes de Carvalho (org.), Um olhar contemporâneo sobre os direitos da personalidade, Birigui: Boreal, 2015, Edição Kindle, Posição 3644.

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O direito ao esquecimento, no entanto, não é dirigido exclusivamente ao

cancelamento do passado, mas acima de tudo serve para protegê-lo, para preservar

a privacidade e a paz que a pessoa almeja. Também são evidentes as relações entre

o direito ao esquecimento e outros conceitos, como honra e reputação - que serão

frequentemente invocadas ao se afirmar a existência deste direito169 - a demonstrar

que ele vem sendo estendido para outras áreas. Assim, veículos de informação,

como jornais, revistas, televisão, rádio, não poderiam divulgar informações acerca

de fato constrangedores, ou não constrangedores, ocorridos no passado. E, nos

tempos atuais, a internet, que é responsável por espalhar notícias com uma

velocidade imensurável, também não poderia divulgar tais informações.

Anderson Schreiber170 pontifica, acerca da velocidade de informação da

internet:

"A internet não esquece. Ao contrário dos jornais e revistas de outrora, cujas edições antigas se perdiam no tempo, sujeitas ao desgaste de seu suporte físico, as informações que circulam na rede ali permanecem indefinidamente. Pior: dados pretéritos vêm a tona com a mesma clareza dos dados mais recentes, criando um delicado conflito no campo do direito. De um lado, é certo que o público tem o direito a relembrar fatos antigos. De outro, embora ninguém tenha o direito de apagar os fatos deve-se evitar que uma pessoa seja perseguida, ao longo de toda sua vida, por um acontecimento pretérito".

Desta forma, é papel do direito e do Estado controlar os riscos e

prevenir, neste processo de evolução tecnológica, os danos relacionados à

divulgação das informações, para evitar conflitos de interesses nas áreas em que

seu desenvolvimento se mostre mais frequente. Trata-se de uma tarefa árdua171.

O século XXI trouxe diversos desafios ao direito, e um dos mais                                                                                                                169 Gabriele Sciulli, Il diritto all'oblio e l'identità digitale. Itália: Narcissus, 2014. Edição Kindle, Posição 572. 170 Anderson Schreiber, Direitos da personalidade, cit., p. 172. 171 Anderson Schreiber, Direito e mídia, São Paulo: Atlas, 2013, p. 13.

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importantes é a tutela da privacidade da pessoa, especialmente no âmbito da

internet, que necessita da elaboração de novos parâmetros para regular uma relação

tradicionalmente antinômica, entre o direito à privacidade e a liberdade de

expressão e de informação172. Esta antinomia já era tradicional em outros meios de

comunicação, mas com o avanço da internet a situação coloca-se em evidência

novamente.

Daí a necessidade da proteção ao direito ao esquecimento. A velocidade

de propagação de informações não pode ser absoluta e deixar de ter algum tipo de

contenção. O controle é essencial e precisa de urgente regulamentação.

A concepção principal do direito ao esquecimento diz respeito à

pretensão de certas pessoas, de que algumas informações, sobretudo aquelas

ligadas ao seu direito de personalidade, não sejam mais divulgadas, impedindo-se o

acesso por parte de terceiros ou, ao menos, dificultando-se o acesso para

proporcionar um esquecimento no corpo social173.

Assim, podemos afirmar que o direito ao esquecimento visa a atingir a

chamada sociedade de informação. Portanto, trata-se de um esquecimento social.

Esta ideia não pode ser dissociada de um esquecimento individual porque a vítima

de certo fato, ou seus familiares, podem até se lembrar do ocorrido, mas preferem

que cesse a repercussão social174.

De qualquer forma, o direito ao esquecimento terá por objetivo a

proteção de dados do passado, de uma recordação imprópria de fatos antigos e

                                                                                                               172 Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento: luzes e sombras, in Renato de Mello Jorge Silveira (org.), Estudos em homenagem a Ivette Senise Ferreira, São Paulo: LiberArs, 2015, p. 79. 173 Ingo Wolfgang Sarlet, Tema da moda, direito ao esquecimento é anterior à internet, Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-mai-22/direitos-fundamentais-tema-moda-direito-esquecimento-anterior-internet, Acesso em 27/10/2015. 174 Ingo Wolfgang Sarlet, Tema da moda, cit., Acesso em 27/10/2015.

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consolidados que não tenham mais nenhuma utilidade ou qualquer atualidade175.

Mas, conforme será visto adiante, se houver qualquer tipo de interesse público ou

utilidade na divulgação, ou mesmo se o fato pertencer ao presente, o direito ao

esquecimento não se configurará, pois, neste caso, prevalecerá o já consagrado e

consolidado princípio da preferência do interesse público sobre o privado.

O esquecimento, segundo François Ost176: "é necessário porque é o

repouso do corpo e a respiração do espírito; responde à natureza descontínua do

tempo, cujo fio, é entrecortado por pausas e intervalos, atravessado por rupturas e

surpresas".

Ou, ainda, nas palavras de Nietzsche177: "eis a utilidade do esquecimento,

ativo, (...), espécie de guardião de porta, de zelador da ordem psíquica, da paz, da

etiqueta; com o que logo se vê que não poderia haver felicidade, jovialidade,

esperança, orgulho, presente, sem o esquecimento".

René Ariel Dotti178 conceituou o direito ao esquecimento como:

"(...) a faculdade de a pessoa não ser molestada por atos ou fatos do passado que não tenham legítimo interesse público. Trata-se do reconhecimento jurídico à proteção da vida pretérita, proibindo-se a revelação do nome, da imagem e de outros dados referentes à personalidade".

São inúmeras as situações que uma pessoa pode ter o desejo de suprimir

da sua lembrança, obstando, para tanto, a sua divulgação, pois é por meio do nome,

da imagem e de escritos que ela poderá ter devassada a sua intimidade ou

                                                                                                               175 Pablo Dominguez Martinez, Direito ao esquecimento: a proteção da memória individual na sociedade da informação, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 83. 176 François Ost, O tempo do direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2001, p. 163. 177 Friedrich Nietzsche, Genealogia da moral: uma polêmica, São Paulo: Companhia das Letras,1998, p. 47-48. 178 René Ariel Dotti, O direito ao esquecimento e a proteção do habeas data, in Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.), Habeas data, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 300.

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privacidade179.

De qualquer forma, o direito ao esquecimento não é uma proposta para se

apagar ou alterar o passado, mas para se criar um obstáculo à exploração

inconveniente de fato pretérito que não tenha mais nenhuma atualidade ou interesse

de disseminação no presente.

O direito ao esquecimento já foi reconhecido no Brasil e também em

outros países, como a Itália, Espanha e Argentina, Estados Unidos, França e

Alemanha, através das expressões: diritto all'oblio (em italiano); derecho al olvido

(em espanhol); right to be forgotten ou right to oblivion (em inglês); droit à l'oubli

(em francês); recht auf vergessenwerden (em alemão). Outras expressões que

procuram explicar o mesmo assunto são: direito de ser deixado em paz e também

direito a ser esquecido.

Podemos conceituar o direito ao esquecimento como a faculdade, de que

dispõe o titular de um fato pessoal, de obter a remoção dos dados a ele

relacionados, em razão do decurso de tempo, uma vez que a divulgação daqueles

dados atinja os seus direitos da personalidade. Trata-se de uma faculdade, pois

caberá ao titular decidir se o assunto continua a ser divulgado ou não – desde que o

evento se refira a particulares e que não exista qualquer interesse público. E há

pessoas que vão optar pela memória, mesmo quando se tratar de um evento

embaraçoso ou desagradável.

Ou seja, uma notícia pode ter sido publicada no passado de forma

legítima mas, com o passar do tempo, ter se tornado desnecessária e sem interesse

público, e assim o que era legítimo no passado poderá deixar de ser legítimo no                                                                                                                179 René Ariel Dotti (O direito ao esquecimento, cit., p. 308) utiliza alguns exemplos: "O artista ou o cientista famoso que não quer ser lembrado de uma condenação que sofreu em determinada fase de sua vida; a escritora de sucesso que procura esconder os poemas escritos na adolescência; o empresário que jamais gostaria que lembrassem de um protesto de título lavrado contra si há muitos anos; a mulher que é casada e mãe procura ocultar dados comprometedores do passado, quando posava nua para revistas e fazia programas por dinheiro".

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presente. Esta situação é a tradução do direito ao esquecimento e o diferencia de

outros direitos da personalidade de caráter moral, como a privacidade e a

intimidade. O fator tempo é a chave da diferenciação.

É um tema relativamente novo e tem gerado alguns dilemas quanto a sua

delimitação, como o que deve ou não ser considerado direito ao esquecimento,

como deve ser a sua proteção e, também, quais os limites do seu exercício, pois ele

pode colidir com outros direitos da personalidade. Mas, em caso de colisão, o

direito ao esquecimento será reconhecido apenas na hipótese de interesse

meramente particular.

Se os direitos da personalidade percorreram um caminho tortuoso para se

afirmarem, como pôde ser visto nos tópicos anteriores, o direito ao esquecimento

ainda está trilhando a sua fase inicial no Brasil e fora dele. Ganhou maior destaque

após a era da internet, pois as notícias passaram a ser propagadas com muita força,

as informações tornaram-se perenes, com maior risco de criação de transtornos que

se alongam no tempo. Mas o esquecimento já poderia ter sido reconhecido

anteriormente, com fundamento na proteção da personalidade como limite da

liberdade de expressão e informação.

Como cuida-se de um tema relativamente novo, existem poucos

doutrinadores brasileiros a tratar deste assunto, mas certamente trata-se de um

direito fundado no decurso do tempo, assim como tantos outros. É o caso da

prescrição, da decadência, da anistia e do perdão.

A imposição de prazos, que se opõem a qualquer possibilidade de análise

indefinida de fatos jurídicos, oferecem, de forma conclusiva, garantia de segurança

jurídica. Nas palavras de François Ost180: "a fixação de diversos prazos constitui

um instrumento eficaz na regulação jurídica entendida aqui como estabelecimento

de compromissos variáveis entre a memória e o esquecimento, continuidade e                                                                                                                180 François Ost, O tempo do direito, cit., p. 168.

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mudança, justiça e realismo".

O direito ao esquecimento é uma espécie de caducidade, porque

informações afetas aos direitos da personalidade perecem ou pelo menos deveriam

perecer, mesmo que por imposição da lei181.

René Ariel Dotti182 foi o precursor da doutrina brasileira a tratar sobre o

direito ao esquecimento. Inseriu o direito ao esquecimento como um corolário do

direito à privacidade – mas uma figura com vida própria, ao lado de outras como a

imagem, o nome, o domicílio e a correspondência, a honra, a integridade física e

moral e a vida profissional.

Outro precursor do assunto foi Edson Ferreira da Silva 183 , que

caracterizou o direito ao esquecimento como resultado do direito à privacidade,

abordando o tema como um direito autônomo da personalidade. O motivo seria o

fato de estes serem em sua maioria inatos e surgirem juntamente com a

personalidade jurídica.

No mesmo sentido, Luiz Alberto David Araujo184 também abordou o

direito ao esquecimento como um aspecto da vida privada, ao lado de outros

tópicos, como a identidade, as lembranças pessoais, a intimidade do lar, a saúde, a

vida conjugal, as aventuras amorosas, os lazeres, a vida profissional, o segredo dos

negócios e a imagem.

Importante ressaltar que esses autores escreveram sobre o assunto em um

período em que as informações não eram divulgadas com o tamanho alcance da

atualidade. Mais recentemente, outros doutrinadores passaram a discutir o tema do                                                                                                                181 Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, in Doutrinas essenciais de direito constitucional, vol. 8, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 563-596. 182 René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., p. 77-92. 183 Edson Ferreira da Silva, Direitos de personalidade: os direitos da personalidade são inatos?, in Revista dos Tribunais, v. 694, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 21-34. 184 Luiz Alberto David Araujo, A proteção constitucional da própria imagem, 2ª ed., São Paulo: Verbatim, 2013, p. 32-33.

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direito ao esquecimento.

Certamente o assunto provocou maior debate após o Enunciado 531,

aprovado pela VI Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, que

trouxe o tema à tona, e também após dois julgamentos proferidos pelo Superior

Tribunal de Justiça em acórdão relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, que

serão objeto de análise em capítulo próprio. Além da decisão do Tribunal de Justiça

Europeu contra o site de buscas Google, que também será analisada oportunamente.

Os seguintes doutrinadores brasileiros debateram sobre o tema do direito

ao esquecimento:

Maria Helena Diniz185 refere-se ao direito ao esquecimento como um

direito da personalidade, citando, como exemplo, o antigo detento em

ressocialização tentando reescrever sua história.

Maria Celina Bodin de Moraes e Carlos Nelson Konder186 diferenciaram

o direito ao esquecimento do conceito tradicional de direito à privacidade e o

definiram como o direito à autodeterminação informativa, conferindo a cada uma

das pessoas um real poder sobre as suas próprias informações e dados.

Anderson Schreiber187 explica que o direito ao esquecimento assegura a

possibilidade de discussão do uso de fatos do passado, especificamente a forma

como serão lembrados, mas que, após a ponderação com o interesse público, nem

sempre prevalecerá o esquecimento.

Otávio Luiz Rodrigues Junior188 abordou o direito ao esquecimento em

diversos aspectos e afirma que trata-se de direito radicado nos direitos da

                                                                                                               185 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 136. 186 Maria Celina Bodin de Morais; Carlos Nelson Konder, Dilemas de direito civil-constitucional: casos e decisões, Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 287. 187 Anderson Schreiber, Direitos da personalidade, cit., p. 174. 188 Otavio Luiz Rodrigues Junior, Brasil debate direito ao esquecimento desde 1990, Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-nov-27/direito-comparado-direito-esquecimento-1990, Acesso em 03/09/2015.

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personalidade, que transita entre o direito do consumidor e o direito penal, mas com

grande ligação com o prazo de armazenamento de dados individuais. Mas pontifica,

afirmando que, com o atual desenvolvimento da tecnologia, dificilmente se

alcançará o exercício pleno do direito ao esquecimento.

Ingo Wolfgang Sarlet189 ensina que o direito ao esquecimento tem como

ideia central a pretensão de pessoas físicas e jurídicas de que certas informações

não sejam mais divulgadas, de modo que o acesso por parte de terceiros seja

impedido ou ao menos dificultado, a fim de se proporcionar um esquecimento no

corpo social. Quanto às pessoas físicas, as informações são aquelas ligadas ao seu

direito de personalidade, e relativamente às pessoas jurídicas, são as informações

quanto ao seu bom nome e imagem.

Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco190, no mesmo sentido,

afirmam que o direito ao esquecimento é a consequência natural da aplicação dos

princípios gerais da liberdade de expressão. Assim, se uma notícia for lesiva e não

corresponder a um interesse público, ou então se for uma notícia antiga e lesiva,

que não corresponda mais a exigência atual de informação, elas não deverão ser

divulgadas191.

No campo do direito alienígena, temos alguns exemplos de autores a

examinar o direito ao esquecimento. Especialmente na Europa o tema ganhou

destaque após a decisão do Tribunal de Justiça Europeu contra o Google.

A doutrina italiana considera o direito ao esquecimento uma categoria

                                                                                                               189 Ingo Wolfgang Sarlet, Tema da moda, cit., Acesso em 27/10/2015. 190 Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento, cit., p. 96. 191 Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco (Direito ao esquecimento, cit., p. 92-93) explicam o direito ao esquecimento como "o direito de uma pessoa a não ver publicadas notícias, já legitimamente veiculadas, concernentes a vicissitudes que lhe dizem respeito, quando entre o fato e a republicação tenha transcorrido um longo tempo. (...) Garantir o esquecimento não significa esquecer os fatos em si, mas dar a possibilidade, mediante a não reproposição dos fatos do tempo passado, à pessoa tutelada pelo direito em objeto de exercer a sua autodeterminação por meio da natural mudança de ideia, da sensibilidade, do costume e dos modos de vida".

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autônoma de direito da personalidade, conforme os seguintes autores tradicionais

do direito privado:

C. Massimo Bianca192 ao afirmar: "il diritto all'oblio tutela l'interesse del

soggeto a che informazioni relative alla propria immagine o ai propri dati

personali del passato siano attualizzate o cancellate".

Do mesmo modo, Franceso Alcaro193, que afirma que o direito ao

esquecimento é direito da personalidade e se enquadra na categoria daqueles de

percepção do sujeito em relação à sociedade.

Sobre o mesmo assunto, explicam Fernando Bocchini e Enrico Quadri

que o decurso de tempo deveria ser um fator para eliminar o interesse público da

notícia e assim assegurar o direito ao esquecimento: "ciò pure per quanto concerne

l'avvertita esigenza del rispetto del diritto all’oblio una volta che il trascorrere di

un tempo adeguato debba reputarsi aver fatto venire meno ogni effettivo interesse

pubblico alla conoscenza di situazioni e vicende"194.

Desta forma, na Itália, o direito ao esquecimento está condicionado a dois

requisitos; o decurso de tempo e a inutilidade da notícia. Não há previsão legal

expressa do direito ao esquecimento, mas ele foi reconhecido pela doutrina e

especialmente pela jurisprudência italiana. Além disso, existe a chamada

Autoridade Garante195, que, naquele país, é responsável pela proteção de dados

                                                                                                               192 C. Massimo Bianca, Istitusioni di diritto privato, Milano: Giufrè, 2014, p. 102. Tradução livre: "o direito ao esquecimento protege suas informações pessoais, sua imagem ou dados pessoais do passado que deverão ser atualizados ou excluídos". 193 Francesco Alcaro, Diritto, cit., p. 100. 194 Fernando Bocchini e Enrico Quadri, Diritto Privato, Torino: G. Giappichelli Editore, 2014, p. 295. Tradução livre: "o direito ao esquecimento será reconhecido se tiver passado um certo tempo e se houver sido eliminado qualquer interesse público real no conhecimento de situações e eventos". 195 Autoridade que responde pela proteção de dados na Itália e o órgão a que se deve recorrer de forma administrativa. A orientação do Garante, em síntese, dá-se nos seguintes termos: A existência de um interesse público justifica a publicação de uma notícia e sua disseminação nos motores de busca. Se houver interesse histórico, ela será mantida em um arquivo online. Porém,

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pessoais e tem reconhecido também o direito ao esquecimento.

Alguns autores italianos trataram sobre o tema do direito ao

esquecimento de forma específica.

Massimiliano Mezzanotte196 dissertou sobre o assunto e, no mesmo

sentido dos autores citados acima, afirma que o direito ao esquecimento é aquele

que assegura ao seu titular a possibilidade de manter o controle sobre suas

informações antigas e que atualmente estão adormecidas. Para o autor, a

informação tem de ser de longa data e estar despojada de qualquer interesse social.

Franco Pizzete197 explica a origem do direito ao esquecimento:

"Nasce, invece come una estrinsecazione del diritto alla riservatezza e del dovere di rispettare da dignità delle persone nei confronti dei fondamentali diritto de libertà di informazione, di stampa e di manifestazione del pensiero. Una specifica tutela giuridica che viene in gioco non per limitare la diffusione di una notizia legittimamente conosciuta che sia di interesse pubblico, ma per circoscrive la sua ulteriore diffusione quando la sua conoscibilità non risponda più a ragioni che giustifichino la compressione del diritto della persona alla tutela della sua riservatezza e dignità".

Na Espanha, o tema do direito ao esquecimento vem sendo tratado há

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       quando se extinguir a função da notícia, ela deverá ser recolhida e os dados deverão ser tratados. Neste caso, estará assegurada a proteção do direito ao esquecimento, que será satisfeito mediante a exclusão da notícia relatada da indexação de arquivo realizada pelos motores de busca externos e também do site de origem. Oreste Pollicino e Marco Bassini, Diritto all'oblio: i più recenti spunti ricostruttivi nella dimensione comparata ed europea, in Franco Pizzete, Il caso del diritto all'oblio, Torino: G. Giappichelli, 2013, p. 200. 196 Massimiliano Mezzanotte, Il diritto all'oblio, Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2009, p. 82-123. 197 Franco Pizzete, Il caso del diritto all'oblio, cit., , p. 32. Tradução livre: "O direito ao esquecimento nasceu como uma manifestação do direito à privacidade e também em razão da dignidade da pessoa humana. Porém, em confronto com os direitos fundamentais da liberdade de informação, de imprensa e de expressão, a proteção específica do direito ao esquecimento existirá não para limitar a propagação de uma notícia legitimamente conhecida ou de interesse público; ao contrário, restringirá a sua propagação somente se a divulgação não tiver este tipo de interesse".

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algum tempo pela doutrina e também pela jurisprudência. Mas certamente tomou

uma proporção muito maior após o célebre processo envolvendo o Google

Espanha, julgado pelo Tribunal de Justiça europeu e que será analisado em capítulo

próprio.

Miguel Urabayen 198 escreveu, em 1977, acerca do direito ao

esquecimento. O autor enumerou alguns direitos da personalidade decorrentes da

vida privada e incluiu o esquecimento, junto com o nome, a imagem, a voz, a

intimidade, a honra, a reputação e a própria biografia.

Pere Simón Castellano entende que o direito ao esquecimento pode ser

fundamentado em outros institutos que têm o tempo como fator preponderante, tais

como a anistia, a prescrição, o usucapião, o cancelamento de antecedentes penais e

a responsabilidade civil fundada na culpa199.

Por outro lado, Artemi Rallo200, que dissertou sobre o assunto, afirma que

o direito ao esquecimento não existe:

"el derecho al olvido no existe. Ninguna norma reconoce y regula tal hipotético y específico derecho. Es más, no puede existir porque ni siquiera nos hallamos ante u concepto jurídico pacíficamente delimitado. Mal se puede regular, reconocer o amparar por el ordenamiento jurídico algo que no goza en la realidad social de perfiles delimitadores básicos. En otras palabras, cómo garantizar un supuesto derecho cuyo ámbito de protección la sociedad no identifica siquiera en sus contornos básicos?”

Entretanto, apesar de atualmente o direito ao esquecimento não constar

de forma expressa na legislação espanhola em vigor, podemos considerar que seu

reconhecimento está implícito e consagrado pela jurisprudência de vários países,                                                                                                                198 Miguel Urabayen, Vida privada e informacion: un conflicto permanente, Pamplona: Ediciones de Universidad de Navarra S.A., 1977, p. 147. 199 Pere Simón Castellano, El régimen constitucional del derecho al olvido digital, Valencia: Tirant lo Blanch, 2012, Edição Kindle, Posição 1925. 200 Artemi Rallo, El derecho al olvido en internet: Google versus España, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2014, p. 23.

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inclusive Espanha e Brasil, além de constar formalmente de proposta de alteração

de Diretiva europeia, devendo entrar em vigor em meados de 2018, conforme será

visto em outro capítulo. Além disso, a lei espanhola prevê a limitação temporal e a

possibilidade de conservação e tratamento de dados pessoais201.

Na França, o reconhecimento do direito ao esquecimento, a exemplo de

como se deu em outros países europeus, também ocorreu por meio da

jurisprudência. Não há, por enquanto, lei tratando do assunto de forma expressa.

Mas a Lei 78-17, de 6 janeiro de 1978, alterada em 26 de janeiro de 2016, regula a

proteção de dados e prevê a possibilidade de seu cancelamento a pedido do

interessado202.

A moderna doutrina francesa também reconhece o direito ao

esquecimento. Hubert Bitan203 define o direito ao esquecimento como:

                                                                                                               201 A Lei orgânica espanhola 15/1999 cuida da proteção e tratamento de dados e prevê o seguinte, no seu artigo 4, item 5: "Los datos de carácter personal serán cancelados cuando hayan dejado de ser necesarios o pertinentes para la finalidad para la cual hubieran sido recabados o registrados. No serán conservados en forma que permita la identificación del interesado durante un periodo superior al necesario para los fines en base a los cuales hubieran sido recabados o registrados. Reglamentariamente se determinará el procedimiento por el que, por excepción, atendidos los valores históricos, estadísticos o científicos de acuerdo con la legislación especifica, se decida el mantenimiento integro de determinados datos". Disponível em https://www.agpd.es/portalwebAGPD/canaldocumentacion/legislacion/estatal/common/pdfs/2014/Ley_Organica_15-1999_de_13_de_diciembre_de_Proteccion_de_Datos_Consolidado.pdf, Acesso em 28/11/2015. 202 A Lei 78-17 está disponível em https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000000886460#LEGIARTI000031932124, Acesso em 26/01/2016. 203 Hubert Bitan, Droit et expertise du numérique, Paris: Wolter Kluwer, 2015, p. 317. Tradução livre: "o direito ao esquecimento pode ser definido como o direito que qualquer indivíduo tem de solicitar que seus dados pessoais sejam excluídos porque são inapropriados, desrespeitosos ou prejudiciais à sua reputação". Latifa Chelbi (Droit à l'oubli numérique: la loi informatique et libertés et le projet de règlement européen, in David Dechenaud, Le Droit à l'oubli numérique, Bruxelles: Larcier, 2015, p.111) acrescenta: o direito ao esquecimento é a garantia de retirada ou impedimento de publicação de dados pessoais, após o decurso de tempo.

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"le droit à l'oubli pourrait être défini comme le droit dont dispose un individu de solliciter que les données le concernant nommément et permettant son identification soient supprimées car inappropriées, irrespectueuses et/ou néfastes s'agissant de sa réputation numérique". Robert Cario e Sylvie Ruiz-Vera explicam204: "Il n’existe pas de définition juridique du droit à l’oubli. Cette notion peut recouvrir différentes réalités qui concourent toutes vers un même objectif: celui pour une personne de décider qu’une information relative à son passé sorte de la sphère publique. Lorsqu’est évoquée la notion de droit à l’oubli, il est fait précisément référence au droit à l’oubli numérique. Les litiges portent sur la question de la publicité de l’information, c’est-à-dire l’affichage de celle-ci".

François Ost205, jurista belga, também cuidou do direito ao esquecimento

e explicou que, além da prescrição e da anistia, existem outros fundamentos para o

direito ao esquecimento, tais como o desuso, lado negativo do costume e também o

direito ao anonimato.

Ost206 ensina o direito ao esquecimento como um dos diversos aspectos

do direito à vida privada. Nas palavras do autor:

"Quando personagem pública ou não, fomos empurrados para a boca de cena e colocados sob os projetores da atualidade - muitas vezes é preciso dizê-lo, uma atualidade penal - temos o direito, depois de um certo tempo, de sermos deixados em paz e cair no esquecimento e anonimato de onde nunca gostaríamos de ter saído".

Percebe-se que na visão do autor o direito ao esquecimento poderá ser

                                                                                                               204 Robert Cario e Sylvie Ruiz-Vera. Droit des victimes: de l'oubli à la reconnaissance. Paris: L'Harmattan, 2015, p. 164. Tradução livre: "Não existe uma definição legal do direito ao esquecimento. Este conceito pode abranger diferentes vertentes que contribuem para o mesmo objetivo: uma pessoa pode decidir quais informações sobre o seu passado podem ser retiradas da esfera pública. Os litígios dizem respeito à questão da divulgação de informações, ou seja, sobre a exibição das mesmas". 205 François Ost, O tempo do direito, cit., p. 165-168. 206 François Ost, O tempo do direito, cit., p. 170.

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reconhecido em favor de pessoas públicas ou não. A jurisprudência francesa

concedeu o direito ao esquecimento à famosa atriz Marlene Dietrich207.

O que ocorre nos países europeus é, de modo uniforme, a consagração do

direito ao esquecimento pela jurisprudência e pela doutrina. Não há, ainda, norma

expressa sobre o assunto, apenas leis esparsas sobre proteção de dados, mas com a

alteração da Diretiva europeia, a ser analisada em outro capítulo, será efetivada

finalmente a regulamentação expressa.

4.2. Esquecimento como um direito da personalidade.

Pode-se inserir o direito ao esquecimento como categoria autônoma de

direito da personalidade. Se os direitos da personalidade são considerados inatos, o

direito ao esquecimento é um legítimo direito da personalidade. Como a

enumeração dos direitos da personalidade não é taxativa, o direito ao esquecimento,

apesar de não ter sido positivado em nosso ordenamento jurídico, pode ser

enquadrado como tal208, pois o direito ao esquecimento tem todas as características

dos direitos da personalidade209, quais sejam: são absolutos, intransmissíveis,

                                                                                                               207 Rene Ariel Dotti (A proteção da vida privada, cit., p. 92) descreveu o caso Marlene Dietrich, como exemplo de direito ao esquecimento e como pedra fundamental para a construção do muro da privacidade, e citou o trecho do julgamento proferido pelo Tribunal de Paris: "as recordações da vida privada de cada indivíduo pertencem ao seu patrimônio moral e ninguém tem o direito de publicá-las mesmo sem intenção malévola, sem a autorização expressa e inequívoca daquele de quem se narra a vida". E prossegue parafraseando o advogado Pinard: "o homem célebre, senhores, tem o direito de morrer em paz". 208 Esta posição não é unânime. Daisy Gogliano (Direitos privados da personalidade, São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 8) não partilha do mesmo entendimento. Afirma que a criação de "novos direitos", "tirados do nada", não é racional e se assenta apenas na opinião pública, sob o capricho de impulsos e emoções. A autora coloca o direito ao esquecimento ao lado de outras pretensões, como "direito à felicidade" ou "direito de ser amado", que julga serem apenas meros interesses e não serem legítimos. 209 Entretanto, grande parte da doutrina concorda com a inserção do direito ao esquecimento no campo dos direitos da personalidade. Neste sentido, Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz (O direito ao esquecimento na internet e o Superior Tribunal de Justiça, in Revista de direito das

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indisponíveis, extrapatrimoniais, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis,

impenhoráveis e inexpropriáveis.

O direito ao esquecimento tem origem na ideia de privacidade, mas foi

desenvolvido como direito da personalidade autônomo. O seu titular deseja que

certos fatos relacionados à sua vida sejam destacados e esquecidos. Não pode ser

resumido apenas à privacidade ou identidade pessoal 210.

Ingo Wolfgang Sarlet considera o direito ao esquecimento um direito

fundamental implícito, deduzido de outras normas, como o princípio da dignidade

da pessoa humana. Assim, nas palavras do autor211:

"Como direito humano e direito fundamental, o assim chamado direito ao esquecimento encontra sua fundamentação na proteção da vida privada, honra, imagem e ao nome, portanto, na própria dignidade da pessoa humana e na cláusula geral de proteção e promoção da personalidade em suas múltiplas dimensões. Cuida-se, nesse sentido, em virtude da ausência de disposição constitucional expressa que o enuncie

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       comunicações, vol. 7, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 335-355): "Nessa linha inclusiva e evolutiva de pensamento, pode-se concluir que o direito ao esquecimento há de ser interpretado como um direito da personalidade decorrente dessa reinvenção da privacidade. Pode ser o direito ao esquecimento lido num conceito unívoco, evolutivo e de indeterminação semântica de privacidade, pela conjugação do âmbito de proteção do inciso III do art. 1º (dignidade da pessoa humana) e do inciso X (vida privada, intimidade, honra, imagem do art. 5º da CF/88. Também pode ser reconhecido tal direito com a inteligência do art. 5º, § 2º, da CF/88, como direito fundamental não expressamente previsto". 210 No mesmo sentido, Cíntia Rosa Pereira de Lima (Direito ao esquecimento e internet: o fundamento legal no direito comunitário europeu, no direito italiano e no direito brasileiro, in Doutrinas essenciais de direito constitucional, vol. 8, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 511-543). A autora define assim o direito ao esquecimento: "é um direito autônomo de personalidade através do qual o indivíduo pode excluir ou deletar as informações a seu respeito quando tenha passado um período de tempo desde a sua coleta e utilização e desde que não tenham mais utilidade ou não interfiram no direito de liberdade de expressão, científica, artística, literária e jornalística". Esta também é a posição de Paulo R. Khouri (O direito ao esquecimento na sociedade de informação e o enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil, in Revista de direito do consumidor, vol. 89, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 463-464), ao afirmar que o direito ao esquecimento é um dos aspectos do direito da personalidade derivado da proteção à intimidade e à privacidade, mas se tornou categoria autônoma. 211 Ingo Wolfgang Sarlet, Tema da moda, cit., Acesso em 27/10/2015.

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diretamente, de um típico direito fundamental implícito, deduzido de outras normas, sejam princípios gerais e estruturantes, como é o caso da dignidade da pessoa humana, seja de direitos fundamentais mais específicos, como é o caso da privacidade, honra, imagem, nome, entre outros".

A propósito, merece destaque o Enunciado 531, aprovado pela VI

Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal, ocorrida em março de

2013, que dispõe o seguinte:

"A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento".

A justificativa para a sua aprovação foi a seguinte: "Os danos provocados

pelas novas tecnologias de informação vêm se acumulando nos dias atuais. O

direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações

criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à

ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a

própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado

aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são

lembrados".

Evidentemente o citado Enunciado 531 não tem força vinculante, mas já

é um primeiro passo para o reconhecimento do tema tanto pela doutrina como pela

jurisprudência212.

Nota-se assim que a inclusão do direito ao esquecimento como categoria

autônoma se deu em razão do princípio da dignidade da pessoa humana.

Já se afirmou aqui que a dignidade da pessoa humana originou os direitos

fundamentais e por consequência os direitos da personalidade. Assim, conforme o                                                                                                                212 A propósito, o Enunciado 531 foi evocado na fundamentação de dois acórdãos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, que serão examinados adiante, cujo relator foi o Ministro Luis Felipe Salomão.

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mencionado Enunciado, a dignidade da pessoa humana inclui, também, o direito ao

esquecimento.

O Enunciado 531, de autoria do promotor de Justiça do Rio de Janeiro,

Guilherme Magalhães Martins, não confere o caráter de direito absoluto ao

esquecimento; ao contrário, afirma ser medida excepcional, para as hipóteses em

que as pessoas precisam ser esquecidas pela opinião pública e pela imprensa, em

razão de exposições ofensivas, de grave ofensa à dignidade da pessoa humana213.

Outro aspecto que se pode extrair do Enunciado é que o direito ao

esquecimento insere-se na sociedade de informação, não em uma particularidade de

outros direitos.

A interpretação, que se deve fazer, é no sentido de conceituar o direito ao

esquecimento como um direito da personalidade autônomo, mas que guarda relação

com outros direitos que foram tipificados pelo direito positivo, tais como o direito à

imagem, à privacidade e à honra.

Portanto, o direito ao esquecimento não pode ser considerado uma

subcategoria de outros direitos da personalidade, já previstos em lei. É um direito

independente, cujo objeto está vinculado à memória individual. Trata-se de direito

da personalidade, que permite ao seu titular resguardar-se do que não deseja mais

rememorar. É o direito de não ter sua memória pessoal revirada a todo instante por

força da vontade de terceiros. Como tal, configura-se como um direito essencial ao

livre desenvolvimento da personalidade humana"214.

Desta forma, o direito ao esquecimento, de acordo com o exposto

anteriormente, enquadra-se na classificação de direito moral da personalidade.

Assim, diz respeito a atributos valorativos ou virtudes de uma pessoa na

                                                                                                               213 Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-out-21/direito-esquecimento-garantido-turma-stj-enunciado-cjf, Acesso em 29/10/2015. 214 Pablo Dominguez Martinez, Direito ao esquecimento, cit., p. 80.

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sociedade215.

4.3. Direito ao esquecimento na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil.

A Constituição Federal não tratou expressamente do direito ao

esquecimento, mas trata de outros direitos da personalidade de caráter moral,

conforme já registrado neste estudo.

Ao consagrar os direitos da personalidade, tais como privacidade, honra e

imagem, o texto constitucional faz com que adquiram outro status, o dos chamados

direitos fundamentais, e lhes atribui um sistema de proteção próprio216, sem

prejuízo à proteção de outros direitos da personalidade, dada a sua natureza de

inatos.

O direito ao esquecimento tem relação direta com o direito à privacidade

porque proporciona ao seu titular o direito de se manter reservado ou no anonimato.

Fatos particulares permanecem ou retornam à sua esfera de disponibilidade

individual217.

A Constituição Federal assegura que os direitos e garantias nela

expressos não excluem outros decorrentes do regime ou princípios por ela

adotados, conforme extraído do artigo 5º, § 2º ("Os direitos e garantias expressos

nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por

ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do

Brasil seja parte"), de modo que outros direitos da personalidade também são

                                                                                                               215 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 49. 216 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p 38 e 39 217 Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, cit., p. 563-596.

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reconhecidos pela Carta Magna218.

Além disso, o princípio da dignidade da pessoa humana confere unidade

de tratamento tanto aos direitos fundamentais como aos direitos humanos e aos

direitos da personalidade 219 , podendo também originar outros direitos não

positivados. Ressalte-se que os direitos da personalidade são a concretização da

dignidade da pessoa humana.

Assim, existem direitos fundamentais que não foram rotulados

expressamente na Constituição Federal mas cuja natureza resulta de sua referência

ao valor da dignidade humana220.

A dignidade da pessoa humana tem conexão intrínseca com os direitos da

personalidade, como a honra, a imagem e a intimidade. O direito ao esquecimento,

desta forma, se configura como um direito do cidadão à liberdade de escolher

quando e dentro de quais limites podem ser revelados dados e informações que

fazem parte de sua identidade. Trata-se de direito do sujeito à autodeterminação

informativa, isto é, a ter controle sobre os seus dados pessoais e a decidir quando

eles podem ser tratados ou consultados por terceiros221.

É uma afronta ao princípio da dignidade humana o reduzir-se uma

pessoa à condição de objeto apenas para satisfazer algum interesse imediato,

conforme explicam Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco222, pois o ser

humano não pode ser exposto para a satisfação de mera curiosidade de terceiro ou

                                                                                                               218 René Ariel Dotti (O direito ao esquecimento, cit., p. 297-298) explica que outros direitos da personalidade podem ser reconhecidos com base no artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, tais como o direito ao esquecimento, o direito à sepultura, o direito de conservação de memórias familiares e o direito de resguardo de escritos confidenciais. 219 Carlos Alberto Bittar, Os direitos, cit., p. 42. 220 Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, cit., p. 171. 221 Pere Simón Castellano, El reconocumiento del derecho al olvido digital en Enspaña y en la UE, Barcelona: Bosch, 2015, p. 180-181. 222 Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, cit., p. 278.

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converter-se em objeto de divertimento para preencher o vazio de certo público.

Em casos assim, configura-se o desrespeito à dignidade da pessoa humana e não se

reconhece o exercício legítimo da liberdade de expressão.

A intimidade não representa somente o direito do cidadão de estar só,

mas também de controlar as próprias informações e determinar o modo de

estabelecer o próprio âmbito privado223.

O conteúdo do direito ao esquecimento ultrapassa a proteção da vida

privada porque compreende a recordação de informações antigas, como fatos,

notícias, vídeos, comentários, que podem afetar o futuro e o livre desenvolvimento

da personalidade224, razão por que esse direito deve ser destacado como uma

categoria autônoma.

Em relação ao previsto no Código Civil, conforme já foi exposto, o

diploma legal não tratou do direito ao esquecimento, mas de outros direitos da

personalidade de caráter moral, como o nome, a honra, a imagem e a privacidade.

Mas é sempre conveniente lembrar que o seu artigo 12 prevê que outras espécies de

direito da personalidade podem ser tutelados.

Existe uma relação muito intensa entre o direito civil e os direitos

humanos, que deve ser estudada em conformidade com a dignidade humana e que

não se compreende apenas em relação às garantias de integridade física, psíquica e

moral do ser humano. Há uma já mencionada transformação do direito civil e uma

já consagrada normatividade de princípios constitucionais que garantem à pessoa

humana, no ordenamento jurídico inteiro, particularmente no direito civil, tutela e

proteção, sem necessidade de Estatutos separados, uma vez que a pessoa e a sua

dignidade são únicas225. É o que proporciona proteção própria ao direito ao

                                                                                                               223 Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento, cit., p. 91. 224 Pere Simón Castellano, El reconocumiento del derecho al olvido digital en Enspaña, cit., p. 288. 225 Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento, cit., p. 89-90.

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esquecimento. Como são inatos, os direitos da personalidade estão protegidos de

uma maneira ou de outra, não importando o fato de não terem sido positivados.

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5. Perspectivas do direito ao esquecimento.

O direito ao esquecimento pode ter diversas vertentes. Não se trata

apenas de uma proteção aos criminosos que já cumpriram suas penas, como já foi

encarado no passado, pois pode alcançar diversas outras situações. Senão vejamos:

- Vítimas e parentes de vítimas de crimes que não desejam mais ser relembrados de

fatos dolorosos ocorridos no passado;

- Pessoas acusadas injustamente de alguma falta ou de algum delito, que tiveram

seus nomes amplamente divulgados e depois foram inocentadas;

- Criminosos que já cumpriram a pena e para se reinserirem na sociedade não

podem mais ser lembrados pelo que fizeram;

- O esquecimento digital de pessoas que não desejam ter seus dados pretéritos

divulgados através da internet;

- Fatos constrangedores ou desabonadores que foram divulgados no passado, mas

que, atualmente, têm sua disseminação totalmente desnecessária.

- Fatos antigos, não necessariamente negativos, mas cuja divulgação no presente

também é desnecessária ou contrária à vontade do titular.

De qualquer modo, conforme se verá adiante, o direito ao esquecimento

deverá ser sopesado com outros direitos da personalidade e somente será tutelado

se não houver interesse público envolvido.

Nos próximos itens serão examinadas duas vertentes bastante

significativas sobre o tema: as vítimas ou familiares de vítimas de crimes e também

o criminoso em ressocialização. Com relação ao esquecimento digital, será

dedicado ao assunto um capítulo específico.

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5.1. Vítimas ou familiares de vítimas do sistema penal e o esquecimento.

A vítima ou os parentes da vítima de um crime ou de um infortúnio terão

sempre duas alternativas para tentarem se consolar. A primeira será a lembrança,

ou seja, contar, recontar, rememorar e trabalhar o assunto em sua mente. Assim

poderão sentir-se melhor, aliviados. Para algumas pessoas, realmente esta será a

melhor solução. A memória neste caso é uma espécie de tratamento e será

terapêutica.

Sobre a terapia da memória, Marco Venturoli226 explica que a vítima terá

a seu favor duas opções:

"La cultura della memoria e quella della ricostruzione. La prima, secondo cui la testimonianza (letteraria, artistica, cinematografica, ecc.) delle vittime irrompe nella ricostruzione dei fatti; la seconda, in base alle quale è compito della giustizia ricostruire, in particolare attraverso il diritto penale, le relazioni distrutte dall'ingiustizia. (...) La vittima esprime il proprio dolore attraverso il racconto dei fatti subiti, al fine di ottenere un riconoscimento specialmente da parte delle istituzioni pubblichi ".

É o caso, por exemplo, de Maria da Penha Maia Fernandes227, uma

brasileira que lutou para que seu agressor fosse condenado. Vítima emblemática da

violência doméstica, hoje é representante de movimentos de defesa dos direitos das

mulheres. Em agosto de 2006, foi sancionada a Lei 11.340/2006, denominada, em

sua homenagem, Lei Maria da Penha, a qual tenta coibir a violência contra a                                                                                                                226 Marco Venturoli, La vittima nel sistema penale: dall 'oblio al protagonismo, Napoli: Jovene, 2015, p. 37. Tradução livre: A cultura da memória e a da reconstrução. A primeira, por meio do testemunho (literário, artístico, cinematográfico etc.) das vítimas, leva à reconstrução dos fatos; a segunda, com base na justiça penal, leva também à reconstrução de relações destruídas pela injustiça. A vítima expressa sua dor através da narração do dano a fim de obter o reconhecimento, especialmente por parte das instituições publicas. 227 A propósito, o caso Lei Maria da Penha foi evocado na fundamentação dos dois acórdãos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, sobre direito ao esquecimento, que serão examinados adiante, cujo relator foi o Ministro Luis Felipe Salomão.

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mulher por meio de um aumento no rigor da pena ao agressor, na hipótese de

ocorrência no ambiente doméstico ou familiar.

Em 1983, seu marido tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez atirou,

na segunda tentou eletrocutá-la. Em consequência das agressões, Maria da Penha

ficou paraplégica. Dezenove anos depois, seu agressor foi condenado a oito anos de

prisão. Valendo-se de manobras jurídicas, ficou preso por apenas dois anos e hoje

está solto.

O assunto foi tratado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos

da Organização dos Estados Americanos (OEA) e, pela dimensão que tomou, foi

considerado, pela primeira vez na história, um crime de violência doméstica.

Atualmente Maria da Penha é coordenadora de estudos da Associação de

Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas

de Violência (APAVV).

É evidente que Maria da Penha não quer ser esquecida. Ao contrário,

quer ser um exemplo, para que não aconteça de novo. O fato de se aprovar uma lei

com seu nome trouxe o alívio desejado. Para ela, e para qualquer vítima, o tempo

não vai voltar atrás. Não há como mudar o que aconteceu em sua vida, mas traz

alívio perceber que a sua desgraça e sua luta puderam mudar a legislação de um

país.

Por outro lado, certas pessoas vão preferir o esquecimento. Talvez num

primeiro momento queiram lembrar, recontar a sua história. Mas depois preferem

seguir adiante com sua vida e não mais lembrar. Simplesmente esquecer. É um

direito que lhes cabe, afinal são vítimas. E certamente querem a punição do

agressor. O esquecimento neste caso não será uma forma de impunidade. Mas

depois que o agressor ou criminoso estiver preso, com o decurso do tempo estas

vítimas vão preferir esquecer e não serem relembradas a todo tempo de uma

situação que já estará adormecida.

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É possível citar alguns exemplos de parentes de vítimas que, após a

punição do agressor, preferiram esquecer do assunto. O primeiro caso é o da mãe

da menina Isabela Nardoni. Este crime ficou célebre, porque a criança foi

arremessada da janela de um edifício. Foram presos e condenados pelo crime o pai

e a madrasta. Algum tempo depois, em São Paulo, tentou-se exibir uma peça com o

título "Edifício London" – nome do prédio em que a menina foi arremessada – que

encenaria parte daquele crime. A mãe, que, obviamente, já tinha passado por

situação bastante traumática, não quis rememorar um assunto tão doloroso e

obteve, por meio de ação judicial, a suspensão da exibição da peça, além de

indenização por danos morais. Alegou que a peça fazia remissão direta ao

homicídio de sua filha e considerou como verdadeira aberração a cena em que uma

boneca decapitada era lançada de uma janela. A juíza da 4ª Vara Cível de São

Paulo entendeu, apesar de os réus alegarem a seu favor a liberdade de expressão,

que neste caso os direitos da personalidade deveriam prevalecer e que o próprio

título da peça já resgataria memórias indeléveis. O Tribunal de Justiça de São Paulo

manteve a decisão228.

Outro exemplo, que será mais detalhado no próximo capítulo, é o dos

irmãos de Aída Curi, vítima de crime que ficou famoso na década de 1950 e que já

estava adormecido. Os irmãos, alegando o direito ao esquecimento, pleitearam

indenização contra a Rede Globo, que exibiu programa documentando aquele crime

quarenta anos depois. O assunto ainda é objeto de discussão no Supremo Tribunal

Federal.

Concluindo, a escolha entre a memória e o esquecimento é da própria

vítima ou de seus parentes, pois o direito ao esquecimento deve ser facultativo. Se a

vítima não se importar de rememorar fatos tão dolorosos, certamente será possível

                                                                                                               228 Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-ago-27/tj-sp-mantera-indenizacao-autor-peca-isabella-nardoni, Acesso em 28/11/2015.

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resgatá-los. Por outro lado, se preferir esquecer, terá a sua disposição este que é um

direito da personalidade.

5.2. Autor de crime egresso do sistema prisional e o direito ao esquecimento: Instituto da reabilitação penal e a reintegração na sociedade.

O tema do direito ao esquecimento foi introduzido no direito por meio do

instituto da reabilitação penal.

Segundo Ost229, reabilitar é

"(...) apagar incapacidades, restabelecer direitos, restaurar a capacidade humana fundamental do cidadão portador de direitos e de obrigações. Reabilitar, isto é, reduzir progressivamente a exclusão social do condenado, a distância a que o mantinham e de que a detenção continua a ser o arquétipo, facilitar finalmente a sua reinserção no seio da sociedade". A reabilitação só se torna possível mediante o esquecimento.

A reabilitação penal está prevista no artigo 93 do Código Penal, por meio

do qual o condenado tem assegurado o sigilo dos registros sobre seu processo e

condenação. No mesmo sentido, o artigo 748 do Código de Processo Penal dispõe

que condenação anterior não será mencionada em folha de antecedentes do

reabilitado, salvo se requisitada por juízo criminal.

Entretanto, a reabilitação penal, atualmente, está em desuso porque

depende de um pedido expresso do egresso do sistema prisional e também do

decurso de tempo. Em geral é preferível invocar o artigo 202 da Lei de Execuções

Penais, que prevê, de forma automática, que não constarão da folha corrida,

atestados ou certidões qualquer notícia ou referência à condenação. Logo, tem-se

também aqui mais uma forma de esquecimento.                                                                                                                229 François Ost, O tempo do direito, cit., p. 177.

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Com relação à reabilitação penal, esta é mais complexa. Mas, de todo

modo, assegura ao criminoso o direito ao apagamento de todos os registros

criminais do ato cometido após dois anos do cumprimento da pena ou da extinção

da punibilidade, mediante requerimento.

Portanto, os condenados que já cumpriram sua pena e não devem mais

nada à sociedade têm assegurado o direito ao esquecimento de um modo ou de

outro, seja por meio da reabilitação penal, seja por meio do que prevê a Lei de

Execuções Penais. Assim, o egresso do sistema prisional deverá ter a sua

condenação esquecida, para que lhe sejam permitidas uma nova vida, novas

oportunidades e a chance de reinserir-se na sociedade.

Entretanto, nem sempre o esquecimento é possível. Um exemplo de caso

em que o direito ao esquecimento, após a reabilitação penal, foi notadamente

infringido é o do famoso Bandido da Luz Vermelha230. Sua situação sequer foi

apreciada pelo Poder Judiciário. Após cumprir trinta anos de pena de prisão e

estando próximo de ganhar a liberdade, passou a ser notícia novamente. Antes

mesmo que ele fosse libertado, a imprensa noticiou a sua libertação, com a

descrição completa de todos os crimes que cometeu. Também divulgou a sua

condição de esquizofrênico. Pouco depois de ser libertado, foi assassinado durante

uma briga. Assim, um homem, que já havia cumprido a pena, foi privado de

reinserir-se na sociedade e teve a sua dignidade humana violada231.

Outro ponto que merece referência, dentro do direito penal, é que não

apenas a reabilitação penal, mas também a prescrição da pena é uma forma de

esquecimento, conforme já mencionado. Os dois institutos promovem o                                                                                                                230 Bandido da Luz Vermelha era o apelido do sr. João Acácio Pereira da Costa, condenado por 5 homicídios, 4 tentativas de homicídio e 77 roubos a 351 anos de reclusão em regime fechado. Recebeu este apelido porque cometia seus crimes usando uma lanterna com bocal vermelho. Foi solto após os trinta anos previstos em lei. 231 Tatiana Manna Bellasalma e Silva e Ricardo da Silveira e Silva, Direito ao esquecimento na era virtual, cit., Posição 3768.

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esquecimento com o passar do tempo.

Mas cumpre lembrar que, apesar da prescrição penal e do direito dos

criminosos ao esquecimento após o decurso de certo tempo, alguns crimes são

imprescritíveis, nos termos da Constituição Federal de 1988. É o caso do crime de

racismo e também do terrorismo, temas que serão abordados adiante, além do

crime de tortura, que é insuscetível de perdão ou anistia232. Estes crimes e seus

executores não podem ser esquecidos. Nestes casos, não se admite que o tempo

apague a sua lembrança233.

Mas os casos de imprescritibilidade penal importam em exceção. A regra

é que o tempo promove a prescrição e, por consequência, o esquecimento. E se

aqueles que já cumpriram pena têm o direito de serem esquecidos, e também

aqueles cujas penas prescreveram, com a consequente extinção da punibilidade, da

mesma forma devem ser olvidados, com muito maior razão, aqueles que foram

acusados injustamente e depois inocentados. Tudo para que possam viver em paz e

harmonia social, afastados de qualquer espécie de estigma.

O esquecimento social se faz necessário. Presta-se a eximir do

mencionado estigma social aquele criminoso que já teve sua pena extinta ou foi

absolvido. Situação contrária terá o efeito de afastá-lo da sociedade e de si próprio,

                                                                                                               232 O artigo 5º, XLII, da CF/88 diz: "a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei". O inciso XLIII diz: "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem". E o inciso XLIV: "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático". 233 François Ost, O tempo do direito, Lisboa: Instituto Piaget, 2001, p. 180. Apesar disso, Sidney Agostinho Beneti entende que a imprescritibilidade de certos crimes é incongruente e, citando Francisco Rezek (Apud Sidnei Agostinho Beneti, A Constituição e o sistema penal, in Revista dos Tribunais, Vol. 704, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 296-309.), afirma sua perplexidade diante da opção da Constituição Federal pelo afastamento de um dos direitos mais importantes adquiridos pela sociedade, que é o direito ao esquecimento dos delitos por meio da prescrição, ao determinar que certos crimes são imprescritíveis.

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relegando-o à adversidade de um universo nada acolhedor234.

Conforme pontifica Francesco Carnelutti 235 : "ao sentir-se livre das

grades, contudo, sente o seu drama: não consegue emprego, em virtude de seus

maus antecedentes. Nem o estado e nem o particular lhe facilitam uma colocação.

A pena, portanto, não termina para o sentenciado".

O interesse público sobre um ato criminoso deve desaparecer após a

resposta penal dada ao caso, como ocorre tanto com a extinção da pena como com

a absolvição. Nesse lapso de tempo também se completa a vida útil da informação

criminal236. Com exceção do interesse histórico, que será abordado adiante, não há

motivo para se perpetuar a informação.

Portanto, o direito ao esquecimento deve prevalecer para que não se

imponha ao egresso em ressocialização uma pena perpétua, para que ele não

conviva com a pecha permanente de criminoso, o que afrontaria a dignidade

humana237.

O grande problema é que, atualmente, os processos judiciais são

digitalizados, de modo que, a despeito da reabilitação criminal, da ressocialização

do egresso ou da lei de execuções penais em favor do esquecimento, uma simples

pesquisa de jurisprudência ou de andamento de processo pode ensejar o resgate

daquele processo criminal que deveria ser esquecido238.

Desta forma, apesar do amparo legal ao sigilo das informações criminais,

com o avanço da tecnologia digital as informações daqueles crimes, ou as falsas

                                                                                                               234 Rodrigo Felberg, A reintegração social dos cidadãos egressos, São Paulo: Atlas, 2015, p. 82. 235 Francesco Carnelutti, As misérias do processo penal, Campinas: Bookseller, 2001, p. 8. 236 Conforme justificativa do acórdão proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão, no Recurso Especial nº 1.334.097. 237 Rodrigo Felberg, A reintegração social, cit., p. 83. 238 Segundo Ricardo Perlingeiro (O livre acesso à informação, as inovações tecnológicas e a publicidade processual, in Revista de processo, vol. 203, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 203-212), a publicidade processual não deve sacrificar o direito ao esquecimento, e os dados processuais devem ser suprimidos ou ter seu acesso restringido após determinado tempo.

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imputações de crimes, podem facilmente ser espalhadas pela internet. Este é um

assunto que será abordado em capítulo próprio.

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6. Jurisprudência sobre direito ao esquecimento.

6.1. Brasil.

No dia 28 de maio de 2013, ocorreram dois julgamentos emblemáticos

no Superior Tribunal de Justiça, cujo relator foi o Ministro Luis Felipe Salomão.

No primeiro julgamento (Recurso Especial nº 1.334.097), foi reconhecido o direito

ao esquecimento, e, no segundo, (Recurso Especial nº 1.335.153) não houve este

reconhecimento. Depreende-se daí que não se trata de direito absoluto. Ao

contrário. Será sempre preciso fazer uma ponderação de valores para que a melhor

medida seja tomada.

O primeiro julgamento tem como origem a ação de reparação de danos

morais contra a TV Globo, proposta por Jurandir Gomes de França. O autor

pleiteou o reconhecimento do direito ao esquecimento porque, em junho de 2006,

foi ao ar um programa televisivo chamado "Linha Direta - Justiça", que o apontou

como um dos envolvidos no crime que ficou conhecido como "Chacina da

Candelária", apesar de ele ter sido absolvido à época.

Realmente foi o que de fato aconteceu. O crime, ocorrido em 23 de julho

de 1993, no Rio de Janeiro, foi uma sequência de homicídios de diversas crianças.

O Sr. Jurandir esteve no local para demonstrar o álibi de um parente e foi

equivocadamente reconhecido como um dos coautores ou partícipe da chacina por

algumas crianças que sobreviveram ao crime. No entanto, depois de ser submetido

a júri, foi absolvido por unanimidade.

Por ocasião da produção do programa televisivo, que teve como tema

central a famosa chacina, o autor foi procurado para conceder entrevista, mas

recusou e argumentou ainda que não queria ter sua imagem veiculada em rede

nacional.

O autor alegou que a veiculação do programa levou ao grande público

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uma situação que já havia sido superada, reacendendo uma imagem de chacinador e

instigando o ódio social, ferindo o seu direito à paz, ao anonimato, à privacidade

pessoal, e que os prejuízos também atingiram seus familiares. Não mais conseguiu

emprego e teve de se mudar do bairro em que residia, com medo de ser morto por

justiceiros ou traficantes da região. Por estas razões, pleiteou indenização.

O juiz de primeiro grau julgou o pedido improcedente porque entendeu

preponderar o interesse público da notícia sobre evento traumático da história

nacional. No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em grau de apelação,

reformou a sentença e concedeu indenização, com base na manifestação de vontade

do autor da ação de prosseguir no esquecimento, no valor de R$ 50.000,00.

Posteriormente, em sede de embargos infringentes, o mesmo tribunal aplicou o

direito ao esquecimento, nos termos da seguinte ementa:

"Embargos Infringentes. Indenizatória. Matéria televisivo-jornalística: ’chacina da Candelária’. Pessoa acusada de participação no hediondo crime e, ao fim, inocentada. Uso inconsentido de sua imagem e nome. Conflito aparente entre princípios fundamentais de direito: Informação vs Vida Privada, Intimidade e Imagem. Direito ao esquecimento e direito de ser deixado em paz: sua aplicação. Proteção da identidade e imagem de pessoa não-pública. Dados dispensáveis à boa qualidade jornalística da reportagem. Dano moral e dano à imagem: distinção e autonomia relativa. Indenização".

O fundamento do julgamento foi o de que o direito ao esquecimento tem

como origem a ressocialização de autores de atos delituosos, sobretudo quando

libertados. Se o direito ao esquecimento beneficia os que já pagaram pelos crimes

que cometeram, com maior razão deve ser observado também em favor dos

inocentes.

Foi interposto recurso especial pela TV Globo, que alegou não existir o

dever de indenizar, uma vez que o "Linha Direta Justiça" seria um programa

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jornalístico sobre casos criminais célebres. Não teria havido qualquer invasão de

privacidade ou intimidade porque os fatos já eram públicos e amplamente

discutidos na sociedade, e porque o programa tratou de narrar os acontecimentos

como ocorridos e deixou claro que o autor foi inocentado dos crimes. Alegou,

também, ser incabível a aplicação do direito ao esquecimento, por este ser

incompatível com o dever de informação.

O Superior Tribunal de Justiça manteve o julgamento do Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro e reconheceu expressamente o direito ao esquecimento.

Destaque-se o fato de que neste julgamento foi discutida a atuação do

Superior Tribunal de Justiça em matéria constitucional, visto que, conforme

examinado acima, um dos fundamentos do direito ao esquecimento é o princípio da

dignidade da pessoa humana, além da sua comparação com o direito à imagem e

também da ponderação com outros preceitos constitucionais, tais como a liberdade

de expressão e o direito à informação. Deu-se a discussão porque se poderia

questionar se o julgamento desta matéria não seria de competência exclusiva do

Supremo Tribunal Federal. Entretanto, não é. O Superior Tribunal de Justiça cuida

de matéria infraconstitucional, mas a sua análise jamais poderá ser isolada da

Constituição Federal. A discussão sobre os preceitos constitucionais deu-se, neste

caso, de forma transversal, e por esta razão o Superior Tribunal de Justiça é

competente para tal julgamento. Reproduzindo os termos do relator do caso: "o

atual momento de desenvolvimento do direito, é inconcebível a análise encapsulada

dos litígios, de forma estanque como se os direitos civil, penal, processual,

pudessem ser ’encaixotados’ de modo a não sofrer ingerências do direito

constitucional". E finaliza: "não sendo defeso ao STJ - aliás, é bastante

aconselhável - que, admitido o recurso, aplique o direito à espécie, buscando na

própria Constituição Federal o fundamento para acolher ou rejeitar a violação do

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direito infraconstitucional invocado ou para conferir à lei a interpretação que

melhor se ajusta ao texto constitucional".

De fato, nos termos do referido acórdão, havendo confronto entre a

liberdade de informação e os direitos da personalidade, apesar de envolver

preceitos do direito constitucional, a discussão também pode ser solucionada com

base na interpretação dos examinados artigos 11, 12, 17, 20 e 21 do Código Civil.

Já foram objeto deste estudo a questão da publicização do direito privado

e também da constitucionalização do direito civil. Certos institutos, tipicamente de

direito civil, estão disciplinados na Constituição Federal, razão pela qual a

discussão do direito ao esquecimento foi levada de forma correta ao Superior

Tribunal de Justiça, pois envolve matéria infraconstitucional, mas que deve ser

interpretada conforme a Constituição Federal.

Com relação ao caso concreto, o debate foi simplificado porque envolveu

apenas a mídia televisiva. O assunto se tornaria muito mais complexo e intrincado,

na hipótese de divulgação por meio da internet, conforme será examinado no

próximo capítulo, por abranger questões técnicas.

Resumidamente, o julgamento enfrentou algumas teses, como, por

exemplo, de que o direito ao esquecimento seria um atentado à liberdade de

expressão e de imprensa; o direito ao esquecimento afrontaria a memória da

sociedade; o direito ao esquecimento tornaria a privacidade uma forma de censura;

o direito ao esquecimento faria desaparecer registros sobre crimes e criminosos

perversos; ou, ainda, que programas policiais sobre crimes cruéis ou assassinos

célebres são comuns no Brasil e também no exterior.

No entanto, o Ministro relator concluiu ser necessária uma nova reflexão

sobre a inserção de novos direitos, ou sobre novas perspectivas de velhos direitos

revisitados, porque vivemos em um mundo novo, repleto de informações, muitas

delas desnecessárias.

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No que diz respeito aos programas jornalísticos sobre crimes históricos, o

voto do relator expressa a sua necessidade, até para que os crimes não se repitam, e

usa como exemplo a própria Chacina da Candelária e outros, como a Chacina do

Carandiru, o Massacre de Realengo e os assassinatos de Chico Mendes, Zuzu

Angel e Vladimir Herzog. Mas ressalta que é preciso cautela, pois existem

programas policiais que exploram as mazelas humanas e por vezes resultam em

julgamento antecipado dos acusados, em razão da exacerbada exposição na mídia,

o que é um abuso. Quanto à questão da historicidade do crime, esta não seria um

óbice intransponível para o reconhecimento do direito ao esquecimento. Este

pretexto poderia levar a uma permissão ampla e irrestrita para que as pessoas

envolvidas no crime fossem retratadas por tempo indefinido, o que representaria

uma segunda violação da dignidade da pessoa humana. Nesse caso, o

reconhecimento do direito ao esquecimento seria um corretivo tardio. Enfim, a

questão da historicidade tem de ser ponderada caso a caso.

Com relação à aplicação do direito ao esquecimento no direito brasileiro,

o relator do acórdão utiliza a principiologia dos direitos fundamentais e da

dignidade da pessoa humana, além da legislação infraconstitucional. Afirma que o

esquecimento é possível com base no instituto da prescrição, em que há uma

estabilização das relações jurídicas, sendo o esquecimento a estabilização do

passado. E também com base em outros ramos do direito, como no direito do

consumidor, que estipula o prazo máximo de cinco anos para os bancos de dados

conservarem informações negativas de inadimplência, e também do direito penal,

na hipótese da reabilitação penal. Prossegue explicando que a liberdade de

imprensa não pode ser absoluta, e que seus dados também não podem ser eternos.

A informação criminal deve ter uma vida útil, qual seja, enquanto durar a causa que

a legitimou. E finaliza:

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"(...) o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, a meu juízo, além de sinalizar uma evolução humanitária e cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória – que é a conexão do presente com o passado – e a esperança – que é o vínculo do futuro com o presente – fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, afirmando-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana".

Quanto ao caso concreto, informa que o programa poderia ter sido

realizado contando toda a história da Chacina da Candelária, mas sem mencionar o

nome ou divulgar a imagem do autor, que manifestou o desejo de ser esquecido e

de não querer aparecer. Por conseguinte, manteve a condenação da TV Globo ao

pagamento de R$ 50.000,00, no que foi seguido por unanimidade pelos outros

Ministros da sua Quarta Turma.

A primeira decisão parece acertada. Promoveu-se a ponderação com a

liberdade de expressão e prevaleceu o direito ao esquecimento. Trata-se de uma

pessoa inocente, injustamente acusada por um crime que causou comoção pública e

que, apesar de todo o sofrimento experimentado à época, já estava recuperada, e o

assunto, adormecido. Com a repercussão do programa, o assunto foi novamente

despertado, e seu direito da personalidade, violado. O titular do direito ao

esquecimento era uma pessoa comum, não havia nenhum tipo de interesse público

na sua figura. Apenas o fato de ser o crime célebre não justifica a inclusão de seu

nome na narrativa do ocorrido. Portanto, o caso se enquadra perfeitamente na

definição do direito ao esquecimento. Uma pessoa comum, sem nenhum tipo de

interesse público, e uma notícia que já tinha perdido a sua atualidade.

Absolutamente desnecessária a rememoração do assunto. Neste caso, prevalece o

direito da personalidade sobre a liberdade de expressão. Como o programa foi ao

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ar, o dano efetivamente ocorreu, e portanto foi acertada a condenação da emissora

de televisão a indenizar o autor.

O segundo julgamento do Superior Tribunal de Justiça, ocorrido na

mesma data, examinou questão envolvendo outro crime famoso, cometido contra a

jovem Aída Curi.

Trata-se de ação de indenização por danos morais, materiais e de

imagem, movida por Nelson Curi e seus irmãos contra a TV Globo. O motivo

alegado é o de que os autores são os únicos irmãos vivos de Aída Curi, vítima de

um crime que ficou nacionalmente conhecido, no ano de 1958. Os autores

sustentam que o crime foi naturalmente esquecido com o passar do tempo, mas que

a produção e veiculação do programa televisivo Linha Direta Justiça sobre a vida e

morte de Aída Curi reabriu antigas feridas.

Cabe lembrar que os dois julgamentos em comento deram-se em razão do

mesmo programa jornalístico, o Linha Direta Justiça.

O juiz de primeiro grau julgou o pedido improcedente e o Tribunal de

Justiça do Rio de Janeiro manteve a sentença em grau de apelação, com o

fundamento de que a TV Globo cumpriu com a sua função social de informar, e de

que o esquecimento não é o caminho salvador para tudo, sendo muitas vezes

necessário reviver o passado para alertar as novas gerações.

Em recurso especial os irmãos Curi alegaram o direito ao esquecimento

da tragédia familiar que vivenciaram na década de 1950, direito este que foi

violado pela emissora de televisão ao veicular reportagem não autorizada sobre a

morte da irmã.

Novamente o conflito entre a liberdade de expressão e os direitos da

personalidade. Aqui, mais precisamente uma situação em que não há

contemporaneidade da notícia, já que o crime ocorreu em 1958.

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O Ministro relator reconhece que o direito ao esquecimento é aplicável

no cenário do direito brasileiro. Destaque-se que os dois julgamentos foram feitos

em conjunto. Por isso, explica que o direito ao esquecimento pode ser reconhecido

tanto para condenados que cumpriram pena e para absolvidos de processo-crime

(como no primeiro processo), como também para as vítimas de crimes e seus

familiares, caso não queiram ter lembranças de fatos passados.

No entanto, para reconhecimento do direito ao esquecimento cabe aplicar

a ponderação da historicidade do fato narrado em cada caso concreto. Neste caso, o

Ministro relator entendeu que o direito em tela não alcança os irmãos Curi porque

os acontecimentos entraram para o domínio nacional, e seria impossível retratar o

caso Aída Curi sem a própria. E concluiu que, à medida que o tempo passa, o

esquecimento ocorre naturalmente, a dor diminui, e que, por ter sido veiculada 50

anos depois do crime, a reportagem não causou o mesmo abalo de antes. Assim,

valendo-se da ponderação de valores, entendeu que o direito ao esquecimento seria

desproporcional em relação à liberdade de imprensa.

Com o quê, o voto do relator foi por não dar provimento ao recurso

especial. E foi seguido por maioria de votos.

Entretanto, é importante ressaltar os dois votos divergentes.

A ministra Maria Isabel Gallotti entendeu que não houve interesse

público na veiculação do programa televisivo. A vítima era uma pessoa comum,

não integrou a história do país e não era famosa. Portanto, não existiu razão para

trazer novamente os fatos à tona, 50 anos depois, contra a vontade da família da

vítima, que não autorizou o programa. Entendeu que o programa Linha Direta

Justiça resgatou um assunto que estava de fato esquecido.

Também o Ministro Marco Buzzi divergiu, afirmando que houve

violação do direito ao esquecimento. A família da vítima deveria gozar do

esquecimento, e não rememorar eventos tristes. O programa eternizou uma

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informação desprovida de interesse público ou histórico, sem nenhuma relevância

social.

Apesar da consistência dos dois votos divergentes, a Quarta Turma do

Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial por maioria de

votos e não reconheceu o direito ao esquecimento neste caso.

Com efeito, nem sempre será reconhecido o direito ao esquecimento.

Muitas vezes prevalecerá a importância social ou histórica. Mas não é a hipótese

em questão.

No caso de que se trata, os votos divergentes parecem os mais acertados.

O direito ao esquecimento deveria ter sido aplicado também ao caso. As vítimas

por maior razão merecem o reconhecimento em questão. O programa jornalístico

realmente reavivou um sofrimento que jazia no passado. Conviver novamente com

a dor, cinquenta anos após o crime, foi totalmente desnecessário. Não há interesse

público no assunto e os parentes vivos da vítima não autorizaram a veiculação do

programa. Portanto, a ponderação não foi bem aplicada ao caso. Não poderia ter

prevalecido a liberdade de expressão porque ela encontra limites. A vítima e os

familiares da vítima são pessoas comuns e realmente não havia qualquer relevância

histórica que justificasse tratar daquele assunto novamente. Era um fato

adormecido, e o direito ao esquecimento também deveria ter sido reconhecido neste

caso, prevalecendo o direito da personalidade.

Os dois processos acima tiveram recurso extraordinário e se encontram

no Supremo Tribunal Federal aguardando julgamento, tendo o segundo caso

originado o reconhecimento de repercussão geral do tema.

A ação proposta pelos irmãos Curi chegou ao Supremo Tribunal Federal.

Paralelamente ao recurso especial (que foi denegado), os irmãos interpuseram

recurso extraordinário, mas como este teve negado seu seguimento, os autores

tiveram de interpor agravo para garantir a sequência do recurso. Defenderam,

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também, o reconhecimento de repercussão geral da matéria, no caso o direito ao

esquecimento, por ser um aspecto da dignidade da pessoa humana, o que seria um

precedente inédito no âmbito do direito ao esquecimento, já que analisado na esfera

civil e sob a perspectiva da vítima.

O Ministro Dias Toffoli, relator do processo, manifestou-se pelo

reconhecimento de repercussão geral da matéria constitucional e foi seguido pela

maioria do Supremo Tribunal Federal239. O Ministro entendeu que o tema do

direito ao esquecimento apresenta nítida densidade constitucional e extrapola os

interesses das partes.

Desta forma, somente após o julgamento do Supremo Tribunal Federal se

formará uma nova concepção do direito ao esquecimento das vítimas ou familiares

de vítimas de atos ilícitos que desejam ser deixados em paz. Mas, ressalte-se, esta

não é a única vertente do direito ao esquecimento.

6.2. Decisões sobre o direito ao esquecimento em países estrangeiros.

No âmbito do direito comparado, o "Caso Lebach", julgado pelo Tribunal

Constitucional Federal da Alemanha em 05 de junho de 1973, é um dos mais

emblemáticos sobre o direito ao esquecimento. Tem semelhança com os

julgamentos sobre o tema proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, analisados

no tópico anterior, tendo sido até citado naqueles julgamentos, e, conforme será

examinado adiante, é precursor da aplicação do critério da ponderação.

O julgamento tem como origem um crime em que quatro soldados foram

mortos enquanto dormiam. Os assassinos pretendiam se apoderar das armas e

munições. Todos foram presos e condenados; os autores principais, à pena de

                                                                                                               239 A Ministra Cármen Lúcia não se manifestou e o Ministro Marco Aurélio foi contrário ao reconhecimento da repercussão geral do caso.

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prisão perpétua, e um partícipe, a seis anos de reclusão, no ano de 1970.

Alguns anos depois, a emissora de televisão alemã ZDF planejava exibir

um documentário com o nome "O assassinato de soldados em Lebach", em que

contaria toda a história do crime, desde a sua preparação, planejamento e execução.

Mas o partícipe do crime, que estava próximo de ser libertado, ingressou com ação

requerendo que o programa não fosse exibido. Inicialmente, a ação foi julgada

improcedente, sob o fundamento da historicidade dos fatos e do interesse da

informação. A decisão foi mantida pelo tribunal em segundo grau.

O Tribunal Constitucional Federal cassou as duas decisões e entendeu,

valendo-se do critério da ponderação, que o interesse público não seria mais atual e

que o interesse da informação não prevalecia, em razão da passagem do tempo.

Assim, a decisão foi no sentido de que o programa não fosse exibido e em favor da

ressocialização do criminoso, que deveria ser esquecido240.

Existe, no entanto, um segundo "Caso Lebach", mais recente, em que a

decisão foi totalmente diversa.

Em 1996, a televisão alemã SAT 1 produziu alguns documentários sobre

crimes célebres, entre eles o crime de Lebach. Porém, temendo decisão similar

àquela proferida na década de setenta, alterou o nome das pessoas envolvidas e não

exibiu suas imagens. Neste caso, a própria emissora de televisão ingressou com

reclamação constitucional em favor da exibição do programa, com base na

liberdade de expressão. O Tribunal Constitucional Federal decidiu pela exibição

porque entendeu que o documentário não tinha nenhum elemento que identificasse

os autores do crime. Entendeu também que, após trinta anos do ocorrido, a

ressocialização já se concretizara. Portanto, neste caso, também mediante

                                                                                                               240 Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, Trad. Virgílio Afonso da Silva, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2011, p. 100.

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sopesamento, decidiu-se pelo direito à liberdade de expressão241.

Nos Estados Unidos também existem alguns célebres julgamentos sobre

o direito ao esquecimento.

O primeiro deles é do ano de 1931 e foi julgado no Tribunal de Apelação

da Califórnia. Trata-se do caso Melvin versus Reid. A apelante, Gabrielle Darley,

tinha sido prostituta durante anos e também fora absolvida de uma acusação de

homicídio, em 1918. Acabou casando-se com Bernard Melvin, passou a levar uma

vida digna e honrada e tornou-se pessoa bem conceituada entre os amigos do casal.

Porém, em 1925 o produtor de cinema Reid fez um filme contando a história de

Gabrielle e usou o seu nome real. Com a publicidade do caso, Gabrielle se sentiu

ofendida e ingressou com ação pleiteando reparação de danos ao seu direito à

intimidade. O Tribunal deu ganho de causa à apelante, reconhecendo o direito ao

esquecimento, mas sem referir-se a ele expressamente242.

Importante trecho da sentença sobre o caso Melvin versus Reid diz o

seguinte: "qualquer pessoa que teve uma vida reta tem o direito à felicidade, que

inclui ver-se livre de ataques desnecessários sobre o seu caráter, consideração

social e reputação"243.

Outro caso importante foi julgado pelo Tribunal de Nova Iorque, mas em

sentido contrário.

Em 1910, William James Sidis, aos onze anos de idade, era conhecido

como um "menino prodígio"; já discutia com ilustres matemáticos e aos dezesseis

anos formou-se na Universidade de Harward, tornando-se figura ilustre.

Entretanto, desapareceu da vida pública e não foi mais lembrado pela imprensa

                                                                                                               241 Ingo Wolfgang Sarlet, Do caso Lebach ao caso Google vs. Agencia Espanhola de Proteção de Dados, Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-jun-05/direitos-fundamentais-lebach-google-vs-agencia-espanhola-protecao-dados-mario-gonzalez, Acesso em 03/09/2015. 242 René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., p. 90-91. 243 Miguel Urabayen, Vida privada e informacion, cit., p. 124.

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local. Em 1937, o jornal The New Yorker publicou notícia relatando a vida daquele

jovem que não mais revelava seus antigos êxitos, para levar uma vida isolada num

bairro pobre, cheio de manias e taras. Sidis ficou inconformado com a publicação e

ingressou com ação de reparação de danos. Neste caso concreto, o Tribunal

entendeu que havia interesse público na notícia e decidiu pela liberdade de

imprensa. Willian Sidis morreu logo após perder a causa244.

No Canadá, especificamente em Quebec, existe um caso de 1889, o caso

Goyette versus Rodier, em que já se discutiu o direito ao esquecimento. A Corte

Superior de Quebec reconheceu o direito ao esquecimento ao considerar que o

jornal Le Violon cometeu erro de fato ao reavivar certas acusações contra Odilon

Goyette após um largo período de tempo desde a ocorrência. O direito ao

esquecimento foi reconhecido com base no princípio da responsabilidade civil.

Assim, até hoje, o entendimento da doutrina local é de que recordações de

acontecimentos passados, inexistindo interesse público, podem ocasionar dano à

vida privada de terceiros, e de que a responsabilidade nasce com a disponibilização

do acesso em massa a informações sobre pessoas e sobre fatos a elas relacionados.

Exige-se que, com o passar do tempo, uma informação que no passado teria sido

atual, caia no esquecimento e no anonimato245.

Na França, o direito ao esquecimento foi consagrado, em julgamento de

1983, pelo Tribunal de Grande Instância de Paris. Trata-se do caso Filipachi versus

Cogedipresse. A decisão diz o seguinte:

"Tendo em conta que qualquer pessoa que se viu envolvida em acontecimentos públicos pode, com o tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; que a recordação desses acontecimentos e do papel que ela desempenhou nisso é ilegítima se não se fundar nas necessidades da história ou se puder ser de natureza a ferir a sua sensibilidade; tendo em

                                                                                                               244 René Ariel Dotti, Proteção da vida privada, cit., , p. 91-92. 245 Pere Simón Castellano, El reconocimiento, cit., p. 104.

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conta que o direito ao esquecimento que se impõe a todos, incluindo os jornalistas, deve igualmente beneficiar todos, incluindo os condenados que pagaram sua dívida à sociedade e nela tentam reinserir-se"246.

Do relato de tantos casos antigos, retro mencionados, extrai-se que o

assunto direito ao esquecimento não é propriamente uma novidade. Mas alcançou

maior importância com a evolução das formas de divulgação das informações e

com o avanço da tecnologia digital. A jurisprudência estrangeira há muito tempo já

discutia o tema, que veio a conquistar mais espaço com a questão da proteção de

dados digitais.

                                                                                                               246 A decisão foi transcrita por François Ost, O tempo do direito, cit., p. 171.

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7. O esquecimento na era da globalização e da Internet.  

7.1. Livre acesso à informação nos motores de busca.

O tema do direito ao esquecimento se torna mais complexo quando

aplicado à internet, e esta discussão merece destaque

Nos tempos atuais já não se pode mais utilizar a velha frase: "o jornal de

hoje embrulha o peixe de amanhã". A frase era coerente nos tempos em que as

notícias eram divulgadas pela mídia impressa. O passar do tempo trazia o

esquecimento natural dos fatos.

Mesmo quando a divulgação se dava por rádio ou televisão, o

esquecimento natural também sobrevinha. Daí não haver tanto motivo para

preocupação. Por vezes se produziam novos programas retratando eventos do

passado, que acabavam trazendo à tona certas questões. Mas era exceção, não uma

regra. Tanto que os casos concretos de direito ao esquecimento eram muito mais

reduzidos, conforme exemplificado pelos julgados descritos.

Já as notícias hoje publicadas por meio da internet tornam-se perenes e se

contrapõem ao chamado direito ao esquecimento, pois não se pode olvidar o que

nela é difundido, sejam informações boas ou negativas.

O avanço da tecnologia digital alterou profundamente a exposição da

vida pessoal dos indivíduos em geral. O acesso à internet pode ser feito não apenas

por computadores, mas também por celulares ou tablets, que permitem conexão a

qualquer hora do dia e em qualquer local.

A propagação das redes sociais fomenta o interesse pela vida particular

alheia, como se verifica no Facebook ou em grupos de WhatsApp. Estas redes

fazem nascer uma exposição muito maior do que a existente antigamente. No

passado havia apenas a busca pela vida privada de celebridades. Hoje se percebe

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uma crescente busca pela vida privada de pessoas anônimas. O público passou a ter

uma curiosidade muito maior acerca de informações de particulares em razão da

proliferação das redes sociais.

É comum que uma pessoa não queira mais ser lembrada de algo que, com

a velocidade da internet, poderá persegui-la pelo resto de sua vida. As novas

tecnologias permitem alcançar o passado das pessoas que até então se encontrava

preso apenas na memória individual. Essa propagação indiscriminada de notícias

pode gerar uma série de transtornos247.

Certamente é bastante complicado implementar algum meio de

fiscalização ou controle neste âmbito, uma vez que existe uma série de empecilhos

técnicos para se barrar esta disseminação. Sites de busca como Google, Yahoo,

Altavista e Bing apenas direcionam para outros sites, nos quais as notícias são

efetivamente veiculadas. São ferramentas desenvolvidas para auxiliar na procura de

informações armazenadas na internet, permitindo que uma pessoa solicite o

conteúdo de acordo com um critério específico, mediante o uso de palavras ou

frases, e seja direcionada para diversos sites.

O presidente-executivo do conselho do Google já afirmou, em um evento

na Universidade de Nova Iorque, ocorrido em maio de 2013, que a internet

                                                                                                               247 Maria Celina Bodin de Morais e Carlos Nelson Konder (Dilemas, cit., p. 287) dissertam sobre os problemas enfrentados com o uso das novas tecnologias digitais: "um desafio que, grandes e pequenos, enfrentam milhões de pessoas em todo o mundo: a melhor forma de viver nossas vidas em um mundo onde a internet grava tudo e não se esquece de nada - onde todas as fotos online, atualização de status, Twitter e posts em blogs por e sobre nós não pode ser armazenada para sempre. Com sites como Facebook LOL Moments, que coleta e compartilha embaraçosas revelações pessoais de usuários do Facebook, fotos em situações difíceis e bate-papos online voltam para assombrar as pessoas meses ou anos após a foto. Os exemplos se multiplicam diariamente: o da garota britânica, que foi demitida de seu emprego em um escritório por ter escrito no Facebook que estava totalmente entediada, o psicoterapeuta de 66 anos de idade, canadense, que tentou entrar nos Estados Unidos, mas foi barrado na fronteira - e permanentemente impedido de visitar o país - depois de ser objeto de pesquisa de um guarda de fronteira na internet que descobriu que o terapeuta tinha escrito um artigo em uma revista de filosofia, descrevendo suas experiências com LSD 30 anos atrás".

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precisaria de um mecanismo para apagar informações de forma permanente,

abrindo um debate sobre o tema. Segundo Eric Schimidt: "Há momentos em que a

remoção desse conteúdo é a coisa certa a se fazer. Mas como decidirmos? Temos

que debater isso agora". O executivo citou o exemplo de um jovem que comete um

crime, vai para o reformatório e é libertado. De acordo com o sistema judicial

norte-americano, o delito será removido de seus registros na fase adulta. Mas a

providência não alcançará a internet. Informações sobre o crime permanecerão e

certamente o prejudicarão na busca de um emprego248.

Este é um grande problema, pois não é o provedor da ferramenta de

busca que deverá tomar este tipo de decisão, mas aquele indivíduo que não mais

deseja ter um conteúdo pessoal divulgado eternamente.

Dever-se-ia reconhecer, no âmbito da internet, um chamado direito ao

esquecimento digital, de modo que também se pudessem suprimir ou alterar

informações sem qualquer interesse público e sem atualidade.

Juan Antonio Gallo Sallent249 define o direito ao esquecimento digital

como: "aquel derecho fundamenal dicen algunos, que tienen las personas a que los

enlaces que existen sobre ellas en los buscadores, que les prejudiquem y no sean

pertinentes, puedan ser retirados de Internet".250 Destaque-se que o conceito frisa a

possibilidade da retirada apenas do link encontrado no site de busca e não da

informação original251.

                                                                                                               248Disponível em, http://www1.folha.uol.com.br/tec/2013/05/1274141-a-internet-precisa-de-um-botao-deletar-diz-eric-schmidt-do-google.shtml, Acesso em 26/12/2015. 249 Juan Antonio Gallo Sallent, El derecho al ovido en internet: del caso Google al big data, Estados Unidos: Createspace, 2015, Edição Kindle, Posição 106. 250 Tal conceito foi formulado após decisão do Tribunal de Justiça Europeu contra o site Google, que será examinada mais adiante. 251 De acordo com Sallent (El derecho al ovido en internet, cit., Posição 215), o direito ao esquecimento digital tem "el corpus del derecho a la proteción de datos y el ánima del derecho a la intimidad". No mesmo sentido Alejandro Touriño (El derecho al olvido y a la intimidad en internet, Madrid: Catarata, 2014, p. 140) conceitua o chamado derecho al olvido como "derecho

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Para tanto, deveria ser criado um mecanismo possibilitando a supressão,

ocultação ou mesmo o cancelamento de certas informações. Tanto de dados

pessoais como de notícias antigas, publicadas no passado252.

Viktor Mayer-Schönberger253 propõe como solução para o esquecimento

digital um método pelo qual todas as informações colocadas na internet tenham

uma data de validade. O objetivo seria mudar o padrão da forma de retenção da

informação, para que seja possível excluí-la depois de um determinado período de

tempo.

Isto posto, tem-se que o direito ao esquecimento digital deva ser uma

categoria diferenciada das demais, porque requer uma tecnologia avançada para

que a supressão de dados digitais seja realmente alcançada.

7.2. Possibilidade de imposição de controle como garantia do direito ao esquecimento e o chamado direito de apagar dados.

Como a internet propaga as informações de maneira avassaladora, e é

necessário impor um controle, para evitar a violação de direitos da personalidade, é

necessária a chamada proteção de dados pessoais para coibir abusos. Tal proteção

pode ser denominada de direito à autodeterminação informativa, abarcando

também o direito ao esquecimento na seara da informática.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        del individuo a eliminar o hacer inaccesibles ciertos datos o información publicados en el entorno digital y que se encuentran indexados por buscadores de internet". María Álvarez Caro acrescenta (Derecho al olvido en internet: el nuevo paradigma de la privacidad en la era digital, Madrid: Reus, 2015, p. 72): "el derecho al olvido contempla la garantía de privacidad, reforzando el derecho de cancelación de datos de las personas en la Red. A través de esta propuesta se busca establecer un marco más sólido y coherente, que otorgue a las personas el control de sus propios datos, reforzando la confianza en los mismos y la seguridad jurídica". 252 Neste sentido: Pere Simón Castellano, El régimen constitucional del derecho al olvido digital, cit., Posição 1902. 253 Viktor Mayer-Schönberger, Delete: the virtue of forgetting in the digital age, Princeton University Press, 2011, p. 198.

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O direito à autodeterminação é faculdade proporcionada ao particular,

que poderá determinar e controlar os seus próprios dados254.

As figuras do direito ao esquecimento diferenciam-se do chamado direito

de apagar dados e também do direito de ser deixado em paz, na concepção de

Otavio Luiz Rodrigues Junior255. Para o autor, o direito ao esquecimento apenas

impede a divulgação jornalística de certos fatos passados sobre a vida de pessoas.

Já o direito de apagar dados funda-se na ideia de apagar símbolos, registros,

imagens, monumentos ou textos históricos. Com relação ao direito de ser deixado

em paz, este se baseia em acontecimentos históricos e em mudanças políticas e

sociais. Os indivíduos têm direito à autodeterminação, às suas relações íntimas,

sem conexão com o exercício de qualquer função pública.

Entendemos que todas estas figuras podem se fundir, em algumas

circunstâncias. O fato de uma pessoa não querer ser lembrada de um episódio

pretérito, que não interessa à curiosidade de ninguém, configura, também, o direito

ao esquecimento. Quando se trata de apagar dados que trazem à tona assuntos já

esquecidos e que não devam ser rememorados, a figura também deve ser vista

como a mesma, pois se constitui apenas em mais uma perspectiva do tema do

direito ao esquecimento, conforme explanado.

No entanto, da mesma forma que sob outras perspectivas do direito ao

esquecimento, quando a informação a ser esquecida tiver como origem a internet, o

reconhecimento do direito ao esquecimento também estará submetido a limites.

Alguns valores deverão ser sopesados e acabarão prevalecendo. É o caso do

chamado Big Data: são as chamadas informações que podem ser associadas para

impor um conteúdo de relevância em relação à soberania nacional, que prevalecerá

                                                                                                               254 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito, cit., p. 515. 255 Otavio Luiz Rodrigues Junior, Direito a ser deixado em paz, a ser esquecido e de apagar dados, Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-jun-04/direito-deixado-paz-esquecido-apagar-dados, Acesso em 29/10/2015.

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em relação ao esquecimento. São fatos que envolvem assuntos como a prevenção

de doenças, a pedofilia, o terrorismo e também o racismo, por exemplo256.

Devem-se ponderar caso a caso os valores envolvidos, e pode ocorrer de

o direito ao esquecimento ter de ser sacrificado em favor da liberdade de

informação. Mas se a divulgação da notícia não tiver nenhum interesse público, a

sua permanência na internet de forma perene poderá agravar seriamente a ofensa ao

direito de intimidade da pessoa.

Diante do exposto, importante tratar também neste trabalho da proteção

de dados.

Há de se destacar o direito mexicano, que é precursor e já tem lei federal

sobre a proteção de dados, regulando assim, expressamente, o direito ao

esquecimento digital. É a chamada Ley Federal De Protección De Datos

Personales En Posesión De Los Particulares, publicada em 05 de julho de 2010,

que dispõe que toda pessoa tem direito a proteção de seus dados pessoais, ao

acesso, retificação e cancelamento destes, além de poder manifestar oposição à sua

divulgação.

O artigo 11 da referida lei diz o seguinte:

"El responsable procurará que los datos personales contenidos en las bases de datos sean pertinentes, correctos y actualizados para los fines para los cuales fueron recabados. Cuando los datos de carácter personal hayan dejado de ser necesarios para el cumplimiento de las finalidades previstas por el aviso de privacidad y las disposiciones legales aplicables, deberán ser cancelados. El responsable de la base de dato estará obligado a eliminar la información relativa al incumplimiento de obligaciones contractuales, una vez que transcurra un plazo de setenta y dos meses, contado a partir de la fecha calendario en que se presente el mencionado incumplimiento".

                                                                                                               256 Cíntia Rosa Pereira de Lima, Direito ao esquecimento e internet, cit., p. 511-543.

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Na Argentina, o regime de proteção de dados é regulado por meio da Lei

N° 25.326, de outubro de 2000, que sofreu algumas alterações em seu conteúdo e é

considerada uma das mais desenvolvidas. A lei determina a organização de dados

pessoais que estejam sendo tratados ou transformados, eletronicamente ou não, em

qualquer condição, forma de armazenamento, disposição ou acesso. Regula

também a questão da qualidade, da segurança e do consentimento do titular dos

dados, bem como de seus direitos, tais como à informação, ao acesso, à alteração e

até à suspensão da veiculação257.

No Canadá já existe legislação que trata parcialmente da proteção de

dados. É a chamada Pipeda: Personal Information Protection and Electronic Data

Act, que entrou em vigor em 2004 e regulamenta a utilização das informações

eletrônicas naquele país. Resumidamente, as informações privativas devem ser

disponibilizadas aos clientes, e toda e qualquer organização deve manter em seu

quadro um responsável por privacidade e segurança da informação258.

A proteção de dados também já está parcialmente presente nos

ordenamentos de alguns países da Europa.

Em Portugal, a Constituição da República a prevê de forma expressa em

seu artigo 35:

"Utilização da informática 1. Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei. 2. A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção, designadamente através de entidade

                                                                                                               257 Disponível em http://www.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/60000-64999/64790/texact.htm, Acesso em 28/11/2015. 258 Disponível em http://laws-lois.justice.gc.ca/eng/acts/P-8.6/index.html, Acesso em 28/11/2015.

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administrativa independente".

A proteção de dados pessoais também está prevista nas normas

constitucionais da Espanha259, da Holanda260 e também da Grécia261, além de

existirem órgãos reguladores voltados para o tema , como a Commission Nationale

de L'Informatique et des Libertés, francesa, o Garante per Protezione dei Dati

Personali, italiano, e a Agencia Española de Protección de Datos, da Espanha262.

Atualmente, para a União Europeia, no que diz respeito a proteção de

dados pessoais, está em vigor, desde o ano de 1995, a Diretiva 95/46, que trata do

processamento e da circulação de dados pessoais.

De acordo com a Diretiva 95/46, os sistemas de tratamento de dados

estão a serviço do homem e devem respeitar os direitos fundamentais, inclusive o

direito à privacidade263.

Foi nesta Diretiva que o Tribunal de Justiça da União Europeia se

fundamentou para julgar o caso Google Spain versus Agencia Española de

Proteccion de Dados e Mario Costeja González, um julgamento que se tornou

emblemático e trouxe à tona o chamado direito ao esquecimento. A tal julgamento

será dedicado um capítulo mais adiante.

Quanto à Diretiva 95/46, a União Europeia discutiu sobre a perenização

                                                                                                               259 O artigo 18.4 da Constituição espanhola diz: 4. "La ley limitará el uso de la informática para garantizar el honor y la intimidad personal y familiar de los ciudadanos y el pleno ejercicio de sus derechos". 260 A Constituição da Holanda prevê o mesmo em seu artigo 10. 261 A Grécia tem previsão similar no artigo 19 A de sua Constituição. 262 Daniel Sarmento, Liberdades comunicativas e direito ao esquecimento na ordem constitucional brasileira, Disponível em http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/2/art20150213-09.pdf, p. 46, Acesso em 30/11/2015. 263 Nos termos das Considerações Iniciais, de número 2, da Diretiva 95/46: "Considerando que os sistemas de tratamento de dados estão ao serviço do Homem; que devem respeitar as liberdades e os direitos fundamentais das pessoas singulares independentemente da sua nacionalidade ou da sua residência, especialmente a vida privada, e contribuir para o progresso económico e social, o desenvolvimento do comércio e o bem-estar dos indivíduos".

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de informações pessoais em poder de terceiros e o controle de seu uso,

especialmente na internet, e a reformou.

Viviane Reding, em 25 de janeiro de 2012, enquanto Vice-Presidente da

Comissão Europeia, apresentou uma proposta de revisão da Diretiva 95/46, para

que o direito ao esquecimento dos usuários da internet fosse expressamente

regulamentado264. Segundo a então Vice-Presidente:

"A proteção dos dados pessoais é um direito fundamental de todos os europeus, mas os cidadãos nem sempre sentem que controlam plenamente os dados que lhes dizem respeito. As nossas propostas contribuirão para criar um clima de confiança nos serviços em linha porque as pessoas estarão melhor informadas sobre os seus direitos e controlarão melhor as informações que lhes dizem respeito. A presente reforma cumprirá esse objetivo, simplificando a vida das empresas e reduzindo as suas despesas. Um quadro jurídico sólido, claro e uniforme a nível da UE contribuirá para libertar o potencial do mercado único digital e promover o crescimento económico, a inovação e a criação de emprego".

O direito ao esquecimento aparece na proposta sob o fundamento de que

ela ajudará as pessoas a gerirem melhor os riscos em matéria de proteção de dados

na internet, com a ressalva de que os indivíduos poderão obter a supressão dos seus

dados se não existirem motivos legítimos para a sua conservação265.

                                                                                                               264 Disponível em, http://europa.eu/rapid/press-release_IP-12-46_pt.htm, Acesso em 26/12/2015. 265 O direito ao esquecimento consta do artigo 17 da proposta com a seguinte redação: "O artigo 17º confere ao titular dos dados o direito a ser esquecido e ao apagamento. Desenvolve e especifica mais detalhadamente o direito de apagamento consagrado no artigo 12º, alínea b), da Diretiva 95/46/CE, e prevê as condições do direito a ser esquecido, incluindo a obrigação do responsável pelo tratamento que tornou públicos os dados pessoais de informar os terceiros sobre o pedido da pessoa em causa de apagamento de quaisquer ligações para esses dados, ou cópias ou reproduções que tenham sido efetuadas. Este artigo integra igualmente o direito à limitação do tratamento em determinados casos, evitando o termo ambíguo de bloqueio". Disponível em http://ec.europa.eu/justice/data-protection/document/review2012/com_2012_11_pt.pdf, Acesso em 26/12/2015.

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A proposta de reforma dispõe ainda que o direito ao esquecimento seja

aplicado mesmo nas hipóteses em que os dados pessoais sejam tratados no exterior

por empresas que operam no mercado da União Europeia e que ofereçam serviços

aos seus cidadãos. Portanto, a nova diretiva atingiria outros países, no que diz

respeito aos sites e aos motores de busca que ofereçam serviços aos europeus.

A proposta permaneceu por algum tempo em fase de negociações e foi

objeto de inúmeras discussões, mas, finalmente, no dia 15 de dezembro de 2015,

chegou-se a um acordo derradeiro com o Parlamento Europeu e com o Conselho

Europeu, já com a promessa de redação do texto final para o início de 2016 e plena

vigência em meados de 2018266.

Com a vigência da alteração da Diretiva 95/46, o direito ao esquecimento

estará expresso e será plenamente tutelado na União Europeia, podendo alcançar

inclusive os países estrangeiros, na hipótese de empresas que prestam seus serviços

nos países europeus.

Espera-se que a alteração realmente seja implementada, uma vez que, da

forma que o apagamento de dados é operado hoje na Europa, não há uma função

prática, pois os dados são apagados naquele continente e mantidos em outros

países. Com a nova legislação, a obrigação de apagamento poderá ser imposta fora

do continente, às prestadoras de serviço estrangeiras que atuarem na Europa.

Assim, finalmente, o direito ao esquecimento poderá atuar de maneira completa.

                                                                                                               266 Disponível em, http://europa.eu/rapid/press-release_IP-15-6321_pt.htm, Acesso em 26/12/2015.

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7.3. Jurisprudência da Europa.

7.3.1. Tribunal Alemão.

Na Alemanha o direito à proteção de dados foi consagrado através de

importante julgado, proferido em 1983. Foi discutida a constitucionalidade de lei

federal sobre o censo, que determinava o preenchimento de um questionário com

dados pessoais e o seu envio para o governo local. O Tribunal alemão reconheceu a

constitucionalidade da maioria dos dispositivos legais, mas invalidou aqueles que

possibilitavam a identificação do cidadão que enviasse os dados. O fundamento da

decisão foi o seguinte: "as pessoas devem ser protegidas da busca ilimitada,

armazenamento, uso e transmissão de dados pessoais, como condição para o livre

desenvolvimento da personalidade, considerando as condições modernas de

processamento de dados (...) sendo facultado ao indivíduo determinar por si quando

o Estado pode usar ou divulgar os seus dados pessoais"267.

O Tribunal alemão foi um verdadeiro precursor do assunto em um tempo

em que a informática estava apenas começando e a internet sequer estava

disponível para o grande público, quanto menos os sites de busca. Outras decisões

no mesmo sentido foram proferidas posteriormente.

Por outro lado, há um exemplo em que o direito ao esquecimento não foi

reconhecido na Alemanha. Em 1993, o ator alemão Walter Sedlmayr foi

assassinado por dois homens, que foram presos e condenados. Os dois cumpriram

pena de prisão, de 14 e 15 anos. Após serem soltos, nos anos de 2007 e 2008,

ingressaram com ação contra vários sites, entre os quais o alemão Der Spiegel e o

Wikipedia em inglês e alemão, por mencionarem seus nomes e os qualificarem

como assassinos. O Wikipedia em inglês se recusou a apagar os nomes. Como a

                                                                                                               267 Daniel Sarmento, Liberdades, cit., p. 46.

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matriz está localizada nos Estados Unidos, se defendeu com base na Primeira

Emenda da constituição americana. Já na Alemanha, o tribunal de Hamburgo

inicialmente concluiu, em 2008, que a menção dos nomes em artigos de arquivo

violavam os direitos de privacidade dos autores. O fundamento foi uma decisão de

1973, segundo a qual as pessoas têm o direito de não terem suas condenações

publicadas após o cumprimento da pena. Por esse motivo, os editores do Wikipedia

alemão retiraram os nomes do website. Mas, em 2009, a Corte Constitucional

Alemã reverteu a decisão sob o argumento de que tal ato era uma restrição à

liberdade de imprensa estabelecida na constituição, e que os dois assassinos teriam

de aceitar um certo grau de intromissão em suas privacidades. A decisão foi tomada

levando em conta o alto custo que o Wikipedia teria por ser obrigado a remover as

informações de todos os arquivos inseridos no website. Após a decisão, o

Wikipedia alemão voltou a inserir os nomes dos dois em seu conteúdo268.

Esta decisão não poderia ser proferida atualmente, diante da

jurisprudência formada pelo Tribunal de Justiça europeu e também da alteração da

Diretiva 95/46, à qual a Alemanha é país vinculado. A decisão é absolutamente

contrária ao direito ao esquecimento. Os indivíduos cumpriram suas penas e

portanto teriam o direito à ressocialização, que jamais será completada se os dados

continuarem circulando na internet. Assim, configurou-se a violação a um direito

da personalidade, pois, neste caso, os fatos já teriam perdido a atualidade. Foram

crimes cometidos quase vinte anos antes. Deveria ter sido reconhecido o direito ao

esquecimento.

                                                                                                               268 Laura Ferola, Riservatezza, oblio, contertualizzazione: come é mutata lídentità personale nell'era di internet, in Franco Pizzete, Il caso del diritto all'oblio, cit., p. 216.

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7.3.2. O caso contra o Google.

O tema do direito ao esquecimento digital teve destaque mundial no

momento em que uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia atingiu a

mais popular ferramenta de buscas na internet, o Google.

O caso se refere ao espanhol Mario Costeja González, um advogado que

teve seu apartamento residencial na cidade de Barcelona penhorado e levado à

hasta pública, em razão de dívidas com a seguridade social espanhola. Em 1998, o

jornal La Vanguardia noticiou a venda em sua página de leilões públicos. No

entanto, a venda judicial acabou não se realizando porque a dívida foi quitada a

tempo. Mas a notícia da execução contra o Sr. Mario Costeja González ficou

disponível no motor de buscas do Google.

Em 2009, onze anos depois, o advogado procurou o jornal com o pedido

de que seu nome não mais aparecesse no motor de buscas, mas não foi atendido,

sob o argumento de que a publicação se deu por solicitação da seguridade social.

Em 2010, ele tentou remover a notícia mediante solicitação ao Google

Espanha. Mais uma vez o pedido foi rejeitado.

Posteriormente, fez uma reclamação à chamada Agencia Española de

Protección de Datos contra o jornal La Vanguardia e o Google Espanha. Solicitou

que as páginas eletrônicas sobre sua execução fossem suprimidas ou que sua leitura

não pudesse ser feita por terceiros. Alegou como motivo não haver mais sentido na

divulgação de um processo tão antigo e que a divulgação estava lhe trazendo

prejuízos.

A decisão da Agência foi que o jornal não seria atingido porque apenas

publicou o anúncio por ordem da seguridade social. Já o Google deveria remover

os dados, por implicar sua manutenção em lesão ao direito fundamental de proteção

dos dados e à dignidade das pessoas.

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O Google Espanha, em conjunto com a matriz Google Inc. não se

conformou e recorreu à Audiência Nacional da Espanha. Esta, por sua vez,

devolveu a matéria ao Tribunal de Justiça da União Europeia por entender tratar-se

de matéria envolvendo a mencionada Diretiva 95/46, que dispões sobre o

tratamento de dados pessoais.

Finalmente, em 13/05/2014, Mario Costeja González obteve o amparo da

Diretiva 95/46, porque o serviço em questão é uma forma de tratamento de dados e

a empresa tem responsabilidade por aquilo que pode afetar os direitos fundamentais

à vida privada e à proteção de dados. Entendeu-se também que, apesar de ser norte-

americana, a matriz do Google está sujeita à legislação europeia porque possui filial

prestando serviços na Espanha.

Assim, decidiu-se pelo direito ao apagamento de dados na internet, e,

com relação ao pedido específico do autor, este tornou-se exemplo da inadequação

de se manterem dados na rede com o passar do tempo.

O fundamento da decisão foi a proteção de dados pessoais prevista na

Diretiva 95/46, da União Europeia. Mas, conforme comentado, já foi aprovada

alteração de tal dispositivo, para nele incluir de forma expressa o direito ao

esquecimento.

De qualquer modo, aquela decisão fez com que o direito ao esquecimento

fosse propagado por toda a Europa, pois não alcançou apenas o Sr. Mario Costeja

González, mas a todos os europeus que por motivos justos desejem que seus dados

sejam apagados da internet. E não apenas em relação ao Google, mas a todos os

outros serviços semelhantes.

O Tribunal europeu entendeu que, com o passar do tempo, a manutenção

de dados deveria ser admitida somente em casos muito especiais, tais como os de

interesse público, os dados científicos ou, então, os dados de valor histórico.

A partir do julgamento, o Google lançou um formulário on-line acessível

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a todos os interessados em solicitar remoção de dados. Em 24 horas houve 12 mil

pedidos269. Em julho de 2015, mais de um ano depois, o Google avaliou mais de

290 mil pedidos e retirou do ar mais de um milhão de informações270.

Conforme explicado, a decisão alcançou apenas os europeus e não pode

afetar o restante do mundo. Apesar disso, em 24/07/2015, a Comissão Nacional de

Informática e das Liberdades francesa solicitou ao Google que removesse de seus

mecanismos de todo o mundo os dados de cidadãos franceses que pediram

judicialmente a remoção. Este pedido, de certa forma, pretende ampliar o escopo do

direito ao esquecimento, pois a decisão proferida pelo Tribunal europeu vinha

sendo aplicada somente nas páginas dos países europeus, de modo que os dados

que foram bloqueados na Europa podiam ser visualizados em outras regiões do

mundo. Esse é o principal motivo para que algumas autoridades de países da

Europa considerem que o Google está violando a lei271.

No entanto o Google não concordou com o pedido por entender que,

embora o direito ao esquecimento seja aplicado na Europa, não é possível estendê-

lo a outros países272.

Outro grande problema é o fato de que análise dos pedidos de supressão

de dados é feita pelo próprio Google, e este encontra dificuldades. Por exemplo, o

Google divulgou uma pesquisa demonstrando que grande parte destes pedidos

vieram de pedófilos e políticos acusados de corrupção273.

                                                                                                               269 Disponível em, http://www.conjur.com.br/2014-jun-26/google-comeca-remover-links-buscas-europa, Acesso em 29/10/2015. 270 Disponível em, http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/o-direito-de-ser-esquecido-e-um-bem-que-pode-fazer-mal/, Acesso em 29/10/2015. 271 Disponível em, http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/07/1662342-franca-ordena-google-a-aplicar-direito-a-ser-esquecido-em-todo-o-mundo.shtml, Acesso em 29/10/2015. 272 Disponível em, http://www.conjur.com.br/2015-jul-30/pedido-direito-esquecimento-global-desproporcional-google, Acesso em 29/10/2015. 273 Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/o-direito-de-ser-esquecido-e-um-bem-que-pode-fazer-mal/, Acesso em 29/10/2015.

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Atualmente, ao se realizar uma consulta em qualquer computador do

mundo utilizando o motor de busca Google de algum país europeu, pode-se

encontrar uma situação de supressão de dados. Tal possibilidade já consta em

aviso. Por exemplo, ao se fazer uma consulta no Google da Espanha (mesmo por

meio de um computador localizado fora daquele país) será exibido o seguinte

aviso: "Alguns resultados podem ter sido removidos, em cumprimento a legislação

de proteção de dados da Europa". O site traz também uma explicação de como é

feita a remoção de dados pessoais do usuário e quais os procedimentos necessários.

Mas, conforme mencionado, a remoção é acessível apenas a cidadãos europeus.

Por outro lado, tal situação só se verifica quando da conexão aos

mecanismos de busca europeus. Se a mesma consulta for feita – ainda que de

dentro da Europa – por meio do site Google dos Estados Unidos ou mesmo do

Brasil, por exemplo, não será feita qualquer menção a proteção de dados.

Em outros países, como os Estados Unidos, ações com o objetivo de

apagar dados não vêm sendo acolhidas, por preponderar, naquele país, a liberdade

de imprensa e expressão. Será feita uma análise mais detalhada do assunto no

próximo capítulo.

Na Argentina, foi proferida decisão judicial similar à europeia,

reconhecendo o direito ao esquecimento e, por conseguinte, o direito de apagar

dados na rede. Tal decisão determinou que o governo da cidade de Buenos Aires

edite uma norma que preveja a remoção de dados dos sites de busca locais no prazo

de 180 dias. No entanto, houve recurso274. Existem no país inúmeras ações judiciais

solicitando remoção de dados indevidos da internet275.

Ressalte-se que com todo o clamor do caso envolvendo o Google, o

                                                                                                               274 Disponível em, http://www.abogadogratis.com.ar/derecho-al-olvido-en-argentina/#, Acesso em 29/10/2015. 275 Disponível em, https://es.globalvoices.org/2014/09/30/derecho-al-olvido-una-victoria-judicial-para-las-celebridades-argentinas/, Acesso em 29/10/2015.

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desejo do Sr. Mario Costeja González, de ser esquecido, acabou não se realizando.

Ele teve seus dados apagados na Europa, mas não em outros países, dado o alcance

da rede global, e a dimensão que o julgamento tomou fez com que o assunto tivesse

divulgação no mundo todo. O nome dele continua aparecendo nos sites de busca e a

sua execução por dívidas passou a ser conhecida mundialmente.

Porém, tal notoriedade deu-se em razão da originalidade da decisão.

Espera-se o mesmo não aconteça em relação a novos pedidos de supressão de

dados.

7.4. Direito à proteção de dados nos Estados Unidos e o combate ao terrorismo.

O direito à liberdade de expressão nos Estados Unidos é garantido pela

primeira emenda da Constituição americana. Ela protege de maneira extremada a

liberdade de comunicação, praticamente sem impor limites ou exceções.

O texto da primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos diz o

seguinte:

"Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances"276.

Não se pode editar lei ou decisão limitando a liberdade de religião, a

liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.

Desta forma, conforme examinado acima, as ações judiciais, naquele                                                                                                                276 A tradução livre do texto da primeira emeda à Constituição americana diz o seguinte: "O Congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas".

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país, com o intuito de remover dados, não têm tido sucesso por causa da

preponderância da liberdade de imprensa e de expressão, garantida pela primeira

emenda.

Evidentemente, no Brasil, as liberdades descritas acima também são

garantidas. São fundamentos do Estado Democrático de Direito. No entanto, em

nosso sistema jurídico, tais liberdades encontram limites e estes vêm justamente

dos direitos da personalidade, tais como o direito à privacidade, à intimidade, à

imagem e à honra, além do direito ao esquecimento, que é o objeto deste estudo.

Estes acabam contendo as liberdades de expressão e de imprensa, com base no

princípio da dignidade da pessoa humana, que também é fundamento do Estado

Democrático de Direito. E em caso de colisão entre eles, deve-se aplicar o critério

da ponderação.

Nos Estados Unidos, ao contrário, não são impostos os limites dos

direitos da personalidade. Assim, naquele país, os resultados obtidos em sites de

busca como o Google estão protegidos, em razão da preponderância da liberdade de

expressão e de imprensa.

Além disso, também derivada da primeira emenda à Constituição norte-

americana, foi aprovada uma lei denominada Communications Decency Act. Foi a

primeira a tratar dos serviços de provedores de Internet e entrou em vigor no dia 8

de fevereiro de 1996. De acordo com o previsto em sua seção 230, os provedores

de internet não têm responsabilidade sobre publicações promovidas por outros

sites, consolidando-se assim a isenção de responsabilidade dos provedores de

serviços, considerados apenas intermediários, ou seja, aqueles que apenas

disponibilizam informações de terceiros.

A seção 230, alínea c, item 1, diz o seguinte: "Treatment of publisher or

speaker: No provider or user of an interactive computer service shall be treated as

the publisher or speaker of any information provided by another information

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content provider"277.

Desta forma, também em razão da Communications Decency Act, os

resultados de busca obtidos no Google e em outros motores similares estão

protegidos e não podem ser atingidos. Há exceção, de acordo com a mesma lei, na

hipótese de obscenidade, difamação, fraude ou incitação ao crime.

Percebe-se que o direito norte americano vem tratando do assunto de

forma completamente diferente dos países da Europa. Desta forma, ainda que um

conteúdo seja suprimido na Europa, por enquanto o mesmo conteúdo pode ser

facilmente encontrado nos Estados Unidos.

Um dos motivos das claras diferenças entre os tratamentos dados à

proteção de dados na Europa e nos Estados Unidos é a própria origem do direito de

cada um dos continentes. Enquanto na América do Norte adota-se o sistema de

common law, baseado mais na jurisprudência, em diversos países da Europa as

normas positivadas têm um peso maior, constituindo-se numa das legislações mais

restritivas e protetoras da privacidade 278 . Com isso, a discussão sobre a

globalização de tratamento de dados na internet torna-se bastante tormentosa.

Outro aspecto sobre o conteúdo online, nos Estados Unidos, é a questão

de relacionamentos e carreiras. Três das principais empresas de recrutamento

pessoal confirmaram que já recusaram diversos candidatos por causa do que

encontraram na internet279. Certamente isto não ocorre apenas naquele país.

Outro ponto que merece destaque é o combate ao terrorismo. Os Estados

Unidos vêm empregando medidas que violam a privacidade de cidadãos

americanos e não americanos, incluindo autoridades de outros países, mediante

acesso direto a sistemas e perfis de usuários de internet no Google, Microsoft,

                                                                                                               277 Tradução livre: "Nenhum provedor ou usuário de um serviço de informática interativo será considerado como editor ou autor de uma informação fornecida por outro provedor de conteúdo". 278 María Álvarez Caro, Derecho al olvido en internet, cit., p. 85. 279 Maria Celina Bodin de Morais; Carlos Nelson Konder, Dilemas, cit., p. 294.

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Apple e Facebook, sem autorização judicial. A justificativa para estas

questionáveis medidas é o combate ao terrorismo280.

Com base, então, na chamada "guerra ao terror" 281 , pratica-se o

monitoramento da vida privada das pessoas com justificativa de algo que em tese é

absolutamente duvidoso. Mas, neste caso, existe um bem maior do que a

privacidade, que é o primado do direito à vida de pessoas inocentes, que

frequentemente são mortas em ações de movimentos extremistas. Assim, parece ser

acertada a violação da privacidade nesta hipótese.

7.5. Direito ao controle de dados no Brasil.

No Brasil não existe a possibilidade de remoção de dados da internet por

via administrativa, como vem acontecendo na Europa, desde a decisão do Tribunal

                                                                                                               280 Disponível em https://www.washingtonpost.com/investigations/us-intelligence-mining-data-from-nine-us-internet-companies-in-broad-secret-program/2013/06/06/3a0c0da8-cebf-11e2-8845-d970ccb04497_story.html, Acesso em 30/11/2015. Existem diversos relatos de que várias organizações terroristas utilizam redes sociais como o Facebook e o WhatsApp como ferramentas para realizarem os seus ataques. Disponível em http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/11/estado-islamico-usa-de-whatsapp-twitter-para-promover-terrorismo-viral.html, Acesso em 30/11/2015. Também merece destaque a notícia, datada de setembro de 2015, de que a União Europeia e os Estados Unidos chegaram a um acordo sobre a transferência de dados pessoais para combater o crime, inclusive o terrorismo, o que permite a um cidadão europeu recorrer à Justiça norte-americana em caso de uso inapropriado de informações. Conforme a Comissão Europeia, o acordo propiciará amparo e garantias legais para a transferência de dados. Disponível em http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/09/ue-e-eua-chegam-acordo-sobre-protecao-de-dados.html, Acesso em 30/11/2015. 281 Na lição de Tércio Sampaio Ferraz Junior (Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 265) que discute o tema do terrorismo: "A chamada guerra contra o terror tem explicações plausíveis. Mas não deve ser obscurecida nem pela simpatia pelos (aparentemente) mais fracos nem pelos sucessos da violência contra a violência. Sob pena de aceitarmos, como faz o fabulista de O lobo e o cordeiro, que no mundo humano o dado da natureza (relação forte/fraco: a superioridade) e a regra da preferência dos mais fortes sobre os mais fracos, sejam assumidos como uma espécie de inexorabilidade, em que as posições apenas mudam, mas a relação é sempre a mesma".

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de Justiça Europeu contra o site de buscas Google, examinada acima. Se alguém

tiver interesse na remoção, terá de ingressar com uma ação judicial específica para

obtê-la. O maior site de buscas no Brasil também é o Google e, como já foi

abordado acima, ele não oferece a possibilidade de remoção de dados.

A legislação brasileira ainda é defasada, quando o assunto é o direito

digital. O direito ao controle de dados pessoais está vinculado ao direito à

privacidade e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Atualmente, tal direito

está parcialmente regulado por alguns diplomas legais. São estes o Marco Civil da

Internet, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Acesso à Informação e a Lei

do Habeas Data. O seu funcionamento está ligado ao direito ao esquecimento282.

O Marco Civil da Internet283, Lei 12.965/2014, de 23 de abril de 2014,

estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e

determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios em relação à matéria. Especificamente em relação ao direito ao

esquecimento não há nenhuma menção expressa. No entanto, o artigo 7º, inciso X,

assegura ao usuário da internet a exclusão definitiva de dados pessoais, quando ele

                                                                                                               282 Daniel Sarmento, Liberdades, cit., p. 47. 283 Foi com base no Marco Civil da Internet que uma recente decisão proferida pela 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo, no dia 17 de dezembro de 2015, conseguiu tirar do ar por algumas horas o aplicativo WhatsApp, que propaga mensagens instantâneas e é responsável pela proliferação de informações pessoais dos usuários. O fundamento da decisão teria sido o fato de o aplicativo não ter acatado ordem judicial de divulgar dados de um suposto criminoso. No entanto, a decisão foi cassada em poucas horas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que entendeu ser a multa pecuniária mais eficiente do que o bloqueio. Assim, o serviço foi restabelecido logo depois. O aplicativo WhatsApp pertence ao Facebook, a mais famosa rede social do planeta, desde que foi comprado em fevereiro de 2014. A curiosidade do caso é o fato de o presidente executivo do Facebook e fundador ter dado uma declaração sobre o bloqueio ocorrido no Brasil: "Este é um dia triste para o país. Até hoje o Brasil tem sido um importante aliado na criação de uma internet aberta. Os brasileiros estão sempre entre os mais apaixonados em compartilhar suas vozes online. Estou chocado que nossos esforços em proteger dados pessoais poderiam resultar na punição de todos os usuários brasileiros do WhatsApp pela decisão extrema de um único juiz. Esperamos que a justiça brasileira reverta rapidamente essa decisão. Se você é brasileiro, por favor faça sua voz ser ouvida e ajude seu governo a refletir a vontade do povo".

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os houver fornecido para determinada aplicação, a seu requerimento e ao término

da relação entre as partes, salvo na hipótese de guarda obrigatória de registro.

Trata-se de uma situação específica, em que o usuário fornece seus dados

pessoais e depois tem o direito de supressão, ao final do relacionamento entre as

partes. O dispositivo não é suficiente para abarcar todas as perspectivas possíveis

de direito ao esquecimento.

Outro ponto importante do Marco Civil da Internet que interessa ao

direito ao esquecimento está consubstanciado nos artigos 18 e 19, que prescrevem

que o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por

dano decorrente de conteúdo gerado por terceiros, cabendo a sua responsabilização

apenas se, após ordem judicial específica, não tomar providências para tornar

indisponível o conteúdo apontado como infringente284.

Portanto, nos termos do Marco Civil, a proteção ao direito ao

esquecimento só pode dar-se pela via judicial. No entanto, conforme foi

                                                                                                               284 Nos termos do artigo 19 do Marco Civil da Internet: Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. § 1o A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material. § 2o A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5o da Constituição Federal. § 3o As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais. § 4o O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3o, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

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explicitado, o dispositivo não tratou expressamente do assunto, que merece uma

regulamentação específica.

O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, tem capítulo

dedicado a banco de dados e cadastro de consumidores. Logicamente não

contempla o direito ao esquecimento, mas prevê que os serviços de proteção ao

crédito não poderão fornecer informações ou dados que possam dificultar o acesso

ao crédito daquele consumidor que tiver consumada a prescrição referente à

cobrança de débitos285. O que quer dizer que aquele consumidor que tiver sua

dívida prescrita deverá ser esquecido, pois não poderá ter divulgados para outros

fornecedores os dados de seu inadimplemento.

A Lei de Acesso à Informação, Lei 12.527/2011, mencionada acima,

assegura o direito fundamental de acesso à informação, mas limita a sua aplicação,

pois o seu artigo 31, que dispõe sobre o tratamento de informações pessoais,

determina o respeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas,

além das liberdades e garantias individuais.

O habeas data também é uma forma de proteção aos dados pessoais. Mas

refere-se especificamente aos dados armazenados em entidades públicas. É uma das

garantias fundamentais e busca assegurar à pessoa o conhecimento e a

possibilidade de buscar a retificação de dados constantes de registros ou bancos de

dados de entidades governamentais ou de caráter público. Está previsto na

Constituição Federal, artigo 5º, LXXII. É também regulamentado pela Lei

9.507/1997.

A jurisprudência brasileira vem tratando do tema relativo à remoção de                                                                                                                285 O artigo 43, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor diz o seguinte: "O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 5º Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores".

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dados localizados em buscadores na internet de forma diversa da decidida pelo

Tribunal de Justiça Europeu.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente, em junho de 2012,

que o site Google do Brasil não tem o dever de filtrar conteúdo de buscas,

conforme o trecho da seguinte ementa:

Recurso Especial 1.316.921 - RJ (2011/0307909-6) "(...) 3.  O  provedor  de  pesquisa  é  uma  espécie  do  gênero  provedor  de  conteúdo,   pois   não   inclui,   hospeda,   organiza   ou   de   qualquer   outra  forma   gerencia   as   páginas   virtuais   indicadas   nos   resultados  disponibilizados,   se   limitando   a   indicar   links   onde   podem   ser  encontrados   os   termos   ou   expressões   de   busca   fornecidos   pelo  próprio  usuário.    4. A filtragem do conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de pesquisa, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não exerce esse controle sobre os resultados das buscas. 5. Os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados. Dessa forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa. 6. Os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido. (...)"

Trata-se de uma ação movida pela conhecida apresentadora de TV Xuxa

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Meneguel286, que inicialmente obteve êxito em apagar dados diretamente do site

Google. O objetivo da ação seria filtrar os resultados de busca que ligassem a

autora aos termos pedofilia ou pedófila. No entanto o Google agravou da decisão e

posteriormente interpôs o recurso especial. A origem do recurso foi decisão do

Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A ação foi proposta porque o resultado da

busca questionada faz surgir links em que ela contracena em um filme adulto com

um garoto de apenas 12 anos.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que o site de buscas apenas

facilita o acesso à pesquisa e não realiza a divulgação do conteúdo, não lhe

cabendo, portanto, filtrar o resultado, razão pela qual o recurso foi provido. No caso

em questão, apesar do viés sobre o direito ao esquecimento, este sequer foi

abordado na decisão. Certamente a apresentadora não deseja mais se lembrar do

passado em que realizava filmes adultos e não tinha como público alvo as crianças,

mas como é uma figura pública, isto certamente dificultaria a alegação deste direito

da personalidade.

Outra decisão do Superior Tribunal de Justiça, em ação também movida

contra o Google, merece ser destacada. A ministra Nancy Andrighi, relatora do

acórdão, decidiu:

                                                                                                               286 A propósito, a apresentadora Xuxa já ingressou com inúmeras ações, em razão de um passado que prefere esquecer. Mais um exemplo de ação, e neste caso ela obteve êxito, foi contra o jornal O Dia, tendo o jornal sido condenado ao pagamento de danos morais. O motivo foi a capa do jornal com a notícia "Xuxa vai a leilão" e uma foto da apresentadora seminua. Na realidade a notícia era sobre um jornaleiro que estava leiloando uma revista de nudez antiga em que a apresentadora aparecia nua. Xuxa alegou que desde que assumiu o comando de programas infantis nunca mais fez fotografias de nudez. O juiz entendeu que a apresentadora é "uma senhora de bem, de vida discreta e cuja atividade gera empregos, rendas para o erário público, recreação infantil e salutar". E completou: "Como se vê, não seria (parece faltar aqui uma palavra: lícito? razoável? justo?) deixar de reconhecer lesão ao seu direito de personalidade, sem responsabilizar a parte responsável". Disponível em http://www.conjur.com.br/2007-set-26/dia_condenado_pagar_15_milhao_xuxa, Acesso em 30/11/2015.

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"os provedores de pesquisa virtual não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados que apontem para um fato ou texto específico, independentemente da indicação do URL da página onde este estiver inserido".

Trata-se da Reclamação 5072/AC, julgada em 11/12/2013, em que mais

uma vez o site de buscas não foi responsabilizado, tendo o Tribunal entendido que

o fornecedor original da notícia é quem deve ser acionado para a remoção de dados,

eis que o endereço eletrônico foi devidamente disponibilizado.

Percebe-se assim que atualmente, no Brasil, prevalece o entendimento de

que o usuário de internet que se sentir prejudicado pela publicação de informações

passadas, seja em sites comuns ou em sites de busca, deverá requerer a remoção do

conteúdo completo ao veículo de informação original, se for o caso, e não apenas

do link obtido no site de buscas.

Porém, também deve ser ressaltado o fato de que as decisões comentadas

acima dizem respeito apenas ao apagamento de dados puro e simples. Não trataram

do direito ao esquecimento.

Merece relevo recente decisão, de 17 de setembro de 2014, em tutela

antecipada, proferida pela 2ª Vara Cível de Ribeirão Preto, na qual foi determinado

aos sites Google, Yahoo e Microsoft a exclusão de resultados mostrados por seus

buscadores, em nome de pessoa condenada por crime e que já cumpriu sua pena. O

pedido foi feito com base no direito ao esquecimento, para possibilitar a reinserção

social do indivíduo. O juiz, além de conceder a liminar para a retirada de dados,

estipulou uma multa diária de R$ 2.000,00 para o caso de descumprimento,

conforme o seguinte trecho da decisão:

"Presente, portanto, o fumus boni juris. Outrossim, a medida será ineficaz, caso venha a ser concedida apenas na sentença, pois, até lá, as rés continuarão disponibilizando ao público o

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antecedente criminal do autor, cuja pena já foi cumprida, o que, como é curial, poderá causar a este dano irreparável ou de difícil reparação. Logo, de rigor a concessão da antecipação da tutela, consoante julgados colacionados na inicial. Assim, defiro a tutela antecipada para determinar às rés que promovam a exclusão do nome do autor de seus sites de busca, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00.(...)".

O processo ainda está tramitando em primeiro grau287.

Por outro lado, decidiu exatamente de forma contrária o juiz da 13ª Vara

Cível de São Paulo, em ação movida por um juiz federal aposentado contra a

Editora Abril e o site Google. O autor invocou o direito ao esquecimento. Ocorre

que foi veiculada uma notícia pela revista Veja descrevendo a sua participação em

alguns crimes, que levaram à sua condenação e ao seu afastamento do cargo.

Posteriormente, a pena foi convertida em multa, e o juiz retomou suas funções e se

aposentou em seguida. Insatisfeito, moveu a ação para que a Editora Abril e o

buscador excluíssem todas as informações a seu respeito.

Nesse caso a ação foi julgada improcedente. O juiz entendeu tratar-se de

figura pública e que a notícia veiculada era verdadeira, não cabendo a alegação de

direito ao esquecimento e prevalecendo a liberdade de informação. Portanto, o

Google e a Editora Abril não precisaram retirar da internet as notícias sobre o

assunto. O autor apelou da decisão e o processo encontra-se em grau de recurso288.

O tema do direito ao esquecimento digital ainda está trilhando sua fase

                                                                                                               287 Trata-se do processo nº 1025167-51.2014.8.26.0506, Disponível em http://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=E200055P30000&processo.foro=506&dadosConsulta.localPesquisa.cdLocal=&cbPesquisa=NMPARTE&dadosConsulta.tipoNuProcesso=UNIFICADO&dadosConsulta.valorConsulta=ALFINO+AGAPTO+DE+SOUZA&paginaConsulta=1 , Acesso em 25/11/2015. 288 Refere-se ao processo nº 1057541-77.2014.8.26.0100, Disponível em http://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=2S000D5WV0000&processo.foro=100&dadosConsulta.localPesquisa.cdLocal=1&cbPesquisa=NMPARTE&dadosConsulta.tipoNuProcesso=UNIFICADO&dadosConsulta.valorConsulta=Casem+Mazloum&paginaConsulta=1, Acesso em 25/11/2015.

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inicial, e, no Brasil, ainda não existem muitos casos descritos na jurisprudência.

Não há uma uniformização. Mesmo porque não temos legislação sobre o assunto,

apenas alguns poucos textos legislativos que tratam parcialmente da questão,

conforme já descrito aqui.

Mas vale destacar o Enunciado 404, aprovado na V Jornada de Direito

Civil do Conselho da Justiça Federal, que trata da tutela de dados pessoais e da

autodeterminação da informação, nos seguintes termos:

"A tutela da privacidade da pessoa humana compreende os controles espacial, contextual e temporal dos próprios dados, sendo necessário seu expresso consentimento para tratamento de informações que versem especialmente o estado de saúde, a condição sexual, a origem racial ou étnica, as convicções religiosas, filosóficas e políticas".

Conforme foi frisado acima, o enunciado não tem força legislativa, mas

já é um primeiro passo para o reconhecimento no direito brasileiro.

Existem também dois projetos de lei sobre o assunto tramitando

paralelamente na Câmara dos Deputados.

O primeiro projeto de lei, de nº 7.881/2014, de autoria do deputado

Eduardo Cunha, dispõe sobre a remoção de links de mecanismos de busca da

internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados. O projeto tramita

na Câmara dos Deputados e aguarda parecer do relator da Comissão de Defesa do

Consumidor. Segundo o artigo 1º do projeto:

"É obrigatória a remoção de links dos mecanismos de busca da internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados, por iniciativa de qualquer cidadão ou a pedido da pessoa envolvida".

Trata-se de um texto simples, mas cuja justificativa remete ao direito ao

esquecimento e também a decisão do Tribunal de Justiça Europeu contra o site

Google da Espanha.

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  127  

O segundo projeto, de autoria do deputado Veneziano Vital do Rêgo,

dispõe sobre a garantia de desvinculação do nome, imagem e demais aspectos da

personalidade publicados na internet relativos a fatos que não possuem ou deixaram

de possuir interesse público. Trata-se do projeto de lei nº 1.676/2015289, que está

tramitando na Câmara dos Deputados em fase de análise pela Comissão de Ciência

e Tecnologia, Comunicação e Informática, com parecer favorável. A previsão do

artigo 3º do projeto é:

"O direito ao esquecimento é expressão da dignidade da pessoa humana, representando a garantia de desvinculação do nome, da imagem e demais aspectos da personalidade relativamente a fatos que, ainda que verídicos, não possuem, ou não possuem mais, interesse público. Parágrafo único. Os titulares do direito ao esquecimento podem exigir dos meios de comunicação social, dos provedores de conteúdo e dos sítios de busca da rede mundial de computadores, internet, independentemente de ordem judicial, que deixem de veicular ou excluam material ou referências que os vinculem a fatos ilícitos ou comprometedores de sua honra".

Caso aprovado, o projeto será o primeiro a regular o direito ao

esquecimento de forma expressa e a prever a retirada de conteúdo digital com base

no esquecimento, a qual se dará tanto nos veículos de informação como também

nos sites de busca, por via administrativa, e que não terá cabimento somente na

hipótese de interesse público na manutenção do conteúdo. Para tanto, o projeto

prevê a criação de canais de comunicação, como telefones e endereços, para que os

interessados possam solicitar que seus nomes ou notícias vinculadas ao passado

sejam apagados.

                                                                                                               289 Disponível em http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1295741, Acesso em 15/12/2015.

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8. Tutela específica do direito ao esquecimento.

O direito ao esquecimento se baseia no fato de que rememorar

acontecimentos antigos, desprovidos de qualquer interesse público atual, pode

causar dano à vida privada de terceiros. Por isso é comum configurar-se a

responsabilidade civil, que nasce com a conduta de difundir ou de permitir o acesso

em massa de informações pessoais290.

Como no caso de qualquer outro direito da personalidade, na hipótese de

violação do direito ao esquecimento, aplica-se o descrito no artigo 12 do Código

Civil:

"Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau".

Assim, o titular do direito ao esquecimento pode exigir a cessação da

ameaça ou lesão e também pode reclamar a indenização por perdas e danos, sem

prejuízo de outras sanções291.

De maneira geral, o direito ao esquecimento, como os demais direitos da

personalidade, tem como titular a pessoa natural. No entanto, conforme exposto em

capítulo anterior, o seu reconhecimento também se estende às pessoas jurídicas,

especialmente na hipótese em que o esquecimento diz respeito a certas qualidades,

como a reputação, a imagem ou a honra da pessoa jurídica.

Na hipótese de pessoa falecida, também como ocorre com os outros                                                                                                                290 Pere Simón Castellano, El reconocumiento del derecho al olvido digital en Enspaña, cit., p. 105. 291 Neste caso existe a possibilidade de sanções no âmbito penal, caso a violação do direito ao esquecimento importe em algum tipo de delito, como os chamados crimes contra a honra.

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direitos da personalidade, as medidas podem ser requeridas pelo cônjuge ou

companheiro sobrevivente, ou por qualquer parente em linha reta, ou por colateral

até o quarto grau.

De qualquer forma, muito mais interessante para o titular do direito ao

esquecimento é que as coisas não cheguem ao ponto de se consumar um dano. Para

tanto, existem algumas condutas que podem ser adotadas antes de uma ação de

responsabilidade civil.

Como a finalidade da aplicação do direito ao esquecimento é a remoção

do registro de um fato que precisa ser esquecido, em razão do decurso do tempo, o

que mais interessa ao seu titular é que o fato não seja divulgado, para que ele possa

obter a paz ou a solidão que tanto deseja292.

De qualquer forma, as medidas a serem tomadas são de âmbito judicial,

uma vez que não há, atualmente, legislação que assegure administrativamente a

aplicação do direito ao esquecimento.

As condutas que poderão ser adotadas para se evitar a divulgação do fato

pretérito e assim assegurar o reconhecimento do direito ao esquecimento

dependerão do meio em que a informação esteja divulgada. Evidentemente terão de

ser medidas inibitórias, e certamente de urgência, para que seja obtida a cessação

da ameaça ou lesão ao direito da personalidade.

No caso de jornais ou revistas, a chamada mídia escrita, é possível obter

a restrição da publicação ou da circulação do veículo de informação. Entretanto,

além da possível colisão com outros direitos, como liberdade de expressão e de

informação, a medida pode não resultar em efeito prático porque a informação ou

notícia já pode ter sido divulgada por meio da internet e ter tido repercussão junto

                                                                                                               292 Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, cit., p. 563-596.

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ao público em geral.293

No caso de outras mídias, como o rádio e a televisão, a medida cabível é

a proibição da divulgação da notícia, que pode dar-se mediante supressão de alguns

trechos, imagens e nomes ou com a suspensão da notícia inteira ou então de todo o

programa. Os obstáculos desta medida são os mesmos abordados acima. Poderá

colidir com outros direitos fundamentais e ainda ensejar a acusação de censura da

notícia294.

As medidas judiciais cabíveis para se obter a restrição da publicação ou

da circulação da mídia impressa, ou então a proibição da divulgação da notícia ou

restrição do conteúdo de programas de rádio ou televisão, conforme visto, são as

inibitórias.

A tutela inibitória tem como principal fundamento a Constituição Federal

de 1988, que prevê, no artigo 5º, XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder

Judiciário lesão ou ameaça a direito". Apenas este dispositivo constitucional já

seria suficiente para amparar a medida. Mas, para o caso, o novo Código de

Processo Civil prevê, em seu artigo 497, parágrafo único, o seguinte:

"Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo".

Assim, nas obrigações de fazer ou não fazer será concedida a tutela

                                                                                                               293 Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, cit., p. 563-596. 294 Gustavo Carvalho Chehab, O direito ao esquecimento na sociedade de informação, cit., p. 563-596.

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específica para assegurar o resultado prático, ou seja, para inibir a prática da

publicação ou circulação de mídia impressa, ou então para a proibição da

divulgação de programa de rádio ou televisão, nos termos do artigo 497, parágrafo

único, do novo Código de Processo Civil, restando desnecessária a demonstração

de ocorrência de dano ou da presença de culpa ou dolo.

A tutela inibitória tem por finalidade impedir a ocorrência de um ato

contrário ao direito ou evitar a sua continuidade295. Como, por exemplo, evitar a

divulgação de notícias do passado que já não têm mais utilidade no presente, ou ao

menos impedir a continuação da divulgação, contrária ao direito.

Neste caso, será fundamental a tutela de urgência, uma vez que se a

divulgação do fato a ser esquecido ocorrer, não haverá mais necessidade da tutela

inibitória descrita acima. Deverá então ser aplicado também o artigo 300 do novo

Código de Processo Civil, que cuida desta medida, nos seguintes termos:

"A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo".

Fica claro assim que, para a contenção da divulgação de uma notícia, seja

qual for o meio de veiculação, é imprescindível a concessão da tutela antecipada de

urgência. Se o titular do direito ao esquecimento aguardar o resultado final da ação,

a informação já terá atingido o público e a ação de nada lhe servirá. Portanto, estão

evidentemente presentes os chamados fumus boni iuris e o periculum in mora.

Neste caso, a tutela provisória de urgência não se dará contra o dano, mas

contra um ato ilícito em iminência de ser praticado ou então já praticado. Daí,

conforme explica Fredie Didier Junior296: "cabe a parte demonstrar o risco de que o

                                                                                                               295 Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual civil, vol. 2, 10ª ed., Salvador: JusPodivm, 2015, p. 598. 296 Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual, cit., p. 599.

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ilícito ocorra, independentemente de isso gerar um dano, ou o risco que a demora

representa para o resultado útil do processo. Nesses dois casos é irrelevante a

demonstração de culpa ou de dano - a demonstração deve restringir-se à

probabilidade de cometimento do ilícito".

Portanto, o ato ilícito é o requisito para a tutela inibitória, e ele pode

ocorrer independentemente do dano. O ato ilícito é aquele ato contrário ao direito;

o dano é o prejuízo material ou moral. Na hipótese do direito ao esquecimento, a

divulgação de fato antigo que perdeu a atualidade será contrária a um direito da

personalidade, configurando portanto um ato ilícito. E este pode gerar prejuízo ou

não. Se o dano irá ocorrer, isso somente poderá ser verificado em cada caso

concreto.

Na hipótese de o ilícito não ter ainda sido praticado, a parte deverá

demonstrar as circunstâncias de fato a comprovar que ele está prestes a

materializar-se. Na hipótese de ato ilícito já praticado, o objetivo é impedir sua

repetição ou continuidade no futuro, mediante a demonstração do seu caráter

continuativo297.

Em todas estas circunstâncias poderá ser determinada a busca e

apreensão de material considerado ofensivo ao direito ao esquecimento, para

assegurar a sua retirada de circulação, ou, então, o impedimento de exibição dos

programas ou trechos destes que também possam violar o direito ao esquecimento.

Tudo em conformidade com o artigo 536, § 1º, do novo Código de

Processo Civil, que diz o seguinte:

"No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas

                                                                                                               297 Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual, cit., p. 599.

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necessárias à satisfação do exequente. § 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial".

O referido dispositivo prevê a aplicação de multa cominatória, a ser

determinada pelo juiz, para evitar a consumação ou continuidade do ato ilícito. A

multa deve ser suficiente e compatível com a obrigação.

Outra situação que merece destaque é aquela em a divulgação do fato a

ser esquecido foi feita pela internet, caso em que a posição do titular do direito ao

esquecimento torna-se bastante delicada. A tutela a ser obtida nessa hipótese é

muito mais difícil de ser viabilizada, mas, em princípio, para que o conteúdo a ser

esquecido não apareça mais na internet será necessária a omissão da notícia em

sites de busca, a remoção do conteúdo dos sites que originaram a divulgação e até

mesmo o bloqueio dos sites envolvidos. Em termos práticos, a filtragem da notícia

pelo sites de busca seria mais eficaz para o titular do direito. O assunto é polêmico,

e apesar de na Europa esta ser a solução, no Brasil e em outros países, como

Estados Unidos e Canadá, o entendimento é de que os motores de busca não podem

ser responsabilizados pela notícia divulgada e de que são meros intermediários.

A medida judicial para obstar a divulgação de fatos pela internet também

é a tutela inibitória e de urgência, conforme examinado acima. O destinatário, em

princípio, será o divulgador original da notícia, e não os motores de busca,

conforme a jurisprudência examinada. A multa cominatória é aplicável em todos os

casos.

Na hipótese em que o dano já foi consumado, no caso de violação do

direito ao esquecimento provocada pela divulgação da informação indesejada,

caberá a tutela ressarcitória específica, que estará condicionada à proposição de

ação de responsabilidade civil, a qual poderá cumular com todas as outras descritas

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ou, então, cursar independente delas.298 Para tanto, deverá restar demonstrada a

ocorrência do dano.

A reparação do dano poderá dar-se por meio do ressarcimento em

dinheiro e também mediante ressarcimento específico, com o restabelecimento da

situação anterior ao dano299.

Se o dano se efetivar, no caso de violação do direito ao esquecimento,

dificilmente será possível o restabelecimento da situação anterior. A mera retirada

da notícia, recolhimento de exemplares, apagamento de dados digitais, em tese não

são suficientes para trazer o titular ao seu estado anterior. Então, neste caso, o mais

indicado é o oferecimento do direito de resposta300, assegurado pelo artigo 5º, V, da

Constituição Federal, que prevê seja este proporcional ao agravo sofrido301.

O direito de resposta, na concepção de Gilmar Mendes e Paulo Gustavo

Gonet Branco, é uma reação ao uso indevido da imprensa em geral e apresenta uma

clara natureza de desagravo. É um meio de proteção da imagem e da honra do

indivíduo que se acrescenta à pretensão de reparação de danos morais e

patrimoniais provenientes do exercício inadequado da liberdade de expressão302.

Como a violação do direito ao esquecimento pode causar danos à honra e

à imagem do indivíduo, na sua ocorrência caberá também o direito de resposta, e

este não será uma medida alternativa ao direito de indenização, que poderá ser                                                                                                                298 A propósito, o julgamento proferido pelo STJ reconhecendo o direito ao esquecimento de pessoa acusada injustamente pela Chacina da Candelária (Recurso Especial ), examinado acima, manteve decisão em que a TV Globo foi condenada a pagar R$ 50.000,00, pelos danos morais sofridos pelo autor, após a exibição do Programa Linha Direta retratando o crime e citando o nome do autor. 299 Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual, cit., p. 599. 300 Sobre o direito de resposta vide David Cury Neto, Tutela civil do direito ao esquecimento, São Paulo, PUC/SP, Dissertação de Mestrado, 2015, p.183. 301  No  dia  11  de  novembro  de  2015,  a  Presidente  da  República  sancionou  a  Lei  13.188/2015  que   dispõe sobre o direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social. 302 Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, cit., p. 267.

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exercitado concomitantemente com a reparação de danos.

Com relação ao ressarcimento em dinheiro, este segue as normas gerais

da responsabilidade civil. São indenizáveis os danos de natureza moral e material,

se for o caso, nesta hipótese abrangendo lucro cessante e dano emergente, nos

termos dos artigos 186 e 927, do Código Civil.

Importante ressaltar que todas as medidas acima terão cabimento apenas

se ficar constado que se trata de direito individual e que não há interesse público

envolvido na informação. De qualquer forma, como, na maioria dos casos, pode

ocorrer a colisão com outros direitos, especialmente com o de liberdade de

expressão, situação em que o julgador deverá adotar o critério da ponderação – a

ser examinado com mais detalhes ao final deste trabalho – para reconhecer ou não

o direito ao esquecimento e conceder a tutela das medidas descritas.

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9. Direito à verdade, à memória e à verdade histórica.  

9.1. Noção de verdade.

O presente capítulo abordará a noção de verdade, uma vez que esta

poderá se confrontar com o esquecimento.

Verdade, do latim veritas, significa estar conforme os fatos ou a

realidade; exatidão, autenticidade, veracidade303.

Por outro lado, ao analisar a origem grega da palavra verdade, verifica-se

que ela vem do termo aletheia, que significa literalmente o que não é esquecido. Da

raiz lethe, que quer dizer esquecimento. Ou seja, na acepção do grego, verdade é o

oposto de esquecimento.

A noção de verdade, ao contrário do esquecimento, vem sendo debatida

ao longo dos séculos.

Muitos filósofos já trataram do assunto, desde Sócrates304, Platão305 e

Aristóteles306, até São Tomás de Aquino307, passando por Kant, Nietzsche, Giorgio

                                                                                                               303 Grande Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Disponível em http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=verdade, Acesso em 26/11/2015. 304 Sócrates (Apud Michel Foucault, A verdade e as formas jurídicas, Trad. Roberto Cabral de Melo Machado e Eduardo Jardim Morais, Rio de Janeiro: Nau Editora, 2002, p. 140) discorreu sobre a verdade. Para o filósofo, não valeria a pena falar a não ser que se quisesse dizer a verdade, sendo a fala um exercício da memória e não de poder. 305 Segundo Platão (A República, Trad. Maria Helena da Rocha Pereira, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 319), a verdade deve estar constantemente sendo alcançada. Não é algo concreto ou material, mas algo pessoal, e somente Deus pode conhecer o verdadeiro. 306 Na visão de Aristóteles (Metafísica, Trad. Leonel Vallandro, Porto Alegre: Editora Globo, 1969, p. 64-107), a verdade não pode ser atingida completamente, mas também não é possível afastar-se completamente dela. Sendo a filosofia a ciência da verdade, somente é possível conhecer o verdadeiro por meio da causa. A definição clássica aristotélica de verdade prevê o seguinte: "verdadeiro é dizer que o que é, é, e o que não é, não é; e assim, quem afirma que uma coisa é, ou que não é, estará dizendo uma verdade ou uma falsidade". 307 Para São Tomás de Aquino (As virtudes morais, Trad. Paulo Faitanin e Bernardo Veiga, Campinas: Ecclesiae, 2012, p. 903-1025) a verdade pode ser comparada com a felicidade, sendo

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Del Vecchio, Hannah Arendt308, Foucault309 e também filósofos contemporâneos,

como Habermas, Peter Häberle, Robert Alexy e Lênio Luiz Streck.

A determinação dos filósofos em esclarecer o conceito de verdade se

deve à pretensão de encontrar uma forma inabalável de revelar o conhecimento da

humanidade e de todas as coisas do mundo. No entanto, esta é, e sempre foi, uma

tarefa complexa, por se tratar de um conceito indiscutivelmente relativo.

A verdade foi perseguida por Kant. Para o filósofo, não é possível a

exigência de qualquer critério geral da verdade do conhecimento, em relação a

matéria, porque haveria contradição310. Kant ainda abordou a mentira, desta vez,

como contraponto da verdade. Para o autor, a veracidade é uma das virtudes do ser

humano. É um dever para consigo mesmo. Portanto, a mentira é a maior violação

dos deveres do ser humano para consigo mesmo. Na ética, qualquer inverdade é

considerada um vício e sequer precisa ser prejudicial a outrem para ser

repudiada311.

Nietzsche, em sua obra póstuma "A Vontade de Poder", faz uma análise

sobre os diversos filósofos que debateram sobre a verdade. Criticou Kant em sua

ciência dos limites da razão e, também, Aristóteles em seu pensamento de que a

filosofia é a arte de descobrir a verdade. Entendeu ser ingenuidade o conhecimento

como forma de alcançar a felicidade e a virtude. Inferiu, também, ser ingenuidade

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       esta a contemplação perfeita da suma verdade. Além disso, a verdade e o bem devem ser incluídos reciprocamente porque a verdade é um bem do intelecto. 308 Hannah Arendt (Entre o passado e o futuro, Trad. Mauro W. Barbosa, São Paulo: Perspectiva, 2014, p. 325) conceituou a verdade como aquilo que não se pode modificar, e apresenta uma metáfora sobre o tema: "ela é o solo sobre o qual nos colocamos de pé e o céu que se estende acima de nós". 309 Michel Foucault (A verdade, cit., p. 8) também discorreu sobre a verdade ao dizer que o sujeito de conhecimento tem uma história, a relação do sujeito com o objeto tem uma história e certamente que a verdade tem uma história. 310 Immanuel Kant, Crítica da razão pura, Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão, Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2001, p. 119. 311 Immanuel Kant, A metafísica dos costumes, Edson Bini, São Paulo: Edipro, 2003, p. 271.

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uma verdade da qual uma pessoa de algum modo possa se aproximar. E concluiu:

"a verdade é mais plena de fatalidade do que o erro ou a ignorância, e impele as

forças com as quais se trabalha no esclarecimento"312.

O dever da verdade também foi abordado por Giorgio Del Vecchio313,

que, assim como Kant, também tratou da mentira, mas se aprofundou nas situações

em que a mentira é permitida. Afirma que todo sistema ético tem como um dos

principais preceitos o dever de veracidade, ao lado de outros, como a caridade e a

justiça. Obviamente, a mentira é condenável no campo da ética porque viola o

dever de veracidade. Entretanto a mentira é aceita em algumas situações

excepcionais, como por exemplo, para evitar uma violência atual ou injusta, ou

ainda nos casos de guerra ou jogos. O autor cita como exemplo de mentira

aceitável, no campo da ética, uma conhecida piada: "aquele sábio que,

encontrando-se com um louco na torre, onde estava fazendo observações

astronômicas, e ameaçado de ser precipitado do alto, lhe assevera que é capaz de

algo mais difícil – saltar de baixo para cima – conseguindo com tal subterfúgio

descer sem estorvo e evitar o perigo"314.

E prossegue afirmando que, no que diz respeito ao direito, certamente o

dever da verdade também está presente, mas só assume forma concreta, com as

respectivas sanções civis e penais, nos casos específicos e nas situações em que a

mentira causa dano a outrem. Por isso, os artifícios utilizados para enganar o

próximo são condenados tanto na moral como no direito315. E, finaliza, viver com

verdade significa "respeitar o espírito". A mentira se contrapõe à verdade, mas o

                                                                                                               312 Friedrich Nietzsche, A vontade de poder, Trad. Marcos Sinésio Pereira Fernandes Rio de Janeiro: Contraponto, 2008, p. 243. 313 Giorgio Del Vecchio, A verdade na moral e no direito, Trad. Francisco José Velozo Braga: Editorial Scientia e Ars, 1955, p. 29-38. 314 Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 39. 315 Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 50-78.

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silêncio não. Muitas vezes, este será digno de maior virtude do que a palavra, e

também uma forma apropriada para a procura da consciência de cada um.

Numa concepção contemporânea, Habermas316 cuida da verdade como

algo indissociavelmente conectado ao conceito de conhecimento. A verdade é uma

propriedade que não pode ser perdida pelas proposições porque uma afirmação bem

fundamentada pode se evidenciar falsa. Por isso, a proposição verdadeira deverá sê-

lo para qualquer pessoa317.

Realmente não é simples conceituar ou definir a verdade. É algo

complexo, que varia de uma pessoa para outra, de uma sociedade para outra, de um

período para outro. É um assunto debatido por tantos filósofos, mas percebe-se que

está intimamente ligado ao conceito de razão e conhecimento.

Fernando Pessoa318, em seu Livro do Desassossego, tratou da verdade

como um conceito multifário:

"Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que tinham se zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa do porque tinham se zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via uma coisa e o outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como                                                                                                                316 Jürgen Habermas, A ética da discussão e a questão da verdade, Trad. Marcelo Brandão Cipola, São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 59-60. 317 Peter Häberle (Os problemas da verdade no estado constitucional, Trad. Urbano Carvelli, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, p. 123-128) entende ser a verdade um valor cultural e indispensável para o Estado constitucional, sendo a busca da verdade algo possível e que pressupõe a não violência, a tolerância, a cultura, a proteção à natureza e às gerações futuras. Para Robert Alexy (Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica, Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva, 3ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 110-139) a verdade não pode ser considerada uma relação problemática entre o enunciado e o mundo, mas serve para equiparar as proposições normativas e as não normativas. Há de se destacar, ainda, a posição de Lenio Luiz Streck (Compreender direito, como o senso comum pode nos enganar, volume 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 203 e 204), que afirma ser ultrapassado conceituar a verdade com a subjetividade dos antigos filósofos, pois isso apenas limitaria as possibilidades da verdade com representações ou conteúdos da consciência, ignorando-se a realidade em que estamos inseridos. 318 Fernando Pessoa, Livro do desassossego, Salvador: Nostrum Editora, 2013, p. 191-192.

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se tinham passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade". Assim, conclui-se que um mesmo fato pode ser visto por uma pessoa sob

uma perspectiva e visto por outra pessoa sob perspectiva diferente. Todos podem

ter razão, daí a chamada "dupla existência da verdade".

9.2. Dever da verdade em confronto com a mentira.

Conforme foi exposto no tópico anterior, a verdade é uma virtude, e a

mentira, uma séria violação daquela. De maneira geral, assim como ocorre na

esfera da ética, o direito pune a mentira. Assim, impõe-se a todos o chamado dever

da verdade ou da veracidade.

O dever da verdade apresenta-se em diversos momentos em nosso

direito, tanto no civil como no penal e também no processual. A título ilustrativo, é

possível citar alguns exemplos. Primeiramente pode-se apresentar o exemplo dos

contratos, em que vigora o chamado princípio da boa-fé dos contratantes, o que,

obviamente, tem como raiz o dever de veracidade. No direito penal, são punidos os

crimes de estelionato e outras fraudes. No campo do direito processual, o dever de

veracidade se destaca por meio de sanções impostas às testemunhas ou peritos319.

No entanto, existem algumas situações em que não há punição à mentira.

O direito, em certos casos, até admite a mentira.

É o que ocorre, por exemplo, no caso da simulação e dissimulação, no

direito civil. O direito reconhece que em certas hipóteses o negócio poderá produzir

alguns efeitos, para proteção dos terceiros de boa-fé, para a segurança das relações

                                                                                                               319 Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 56 e 72.

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jurídicas e também em outras situações320.

Na lição de Clóvis Beviláqua321, simulação é a declaração enganosa da

vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado. O negócio

simulado é aquele que oferece uma aparência diversa do efetivo querer das partes,

que fingem um negócio que na realidade não desejam.

Na simulação, procura-se iludir alguém por meio de uma falsa aparência

que encobre a verdadeira feição do negócio jurídico. Cria-se aparentemente um

negócio jurídico que, de fato, não existe, ou então oculta-se sob certa aparência o

negócio realmente pretendido. Uma simulação deve apresentar as seguintes

características: uma falsa declaração bilateral de vontade; vontade exteriorizada

divergente da interna ou real, não correspondendo à intenção das partes; sempre

concertada com a outra parte, sendo, portanto, intencional o desacordo entre a

vontade interna e a declarada; intentada no sentido de iludir terceiro ou fraudar a

lei322.

Na simulação a consequência será a nulidade absoluta do negócio

jurídico, nos termos do artigo 167 do Código Civil.

A simulação não pode ser confundida com a dissimulação. Na simulação,

também chamada de simulação absoluta, não há intenção de praticar negócio

jurídico algum; as partes fingem uma relação jurídica que na realidade não existe.

A dissimulação, também chamada de simulação relativa, oculta do conhecimento

de outrem uma situação existente, pretendendo incutir no espírito de alguém a

inexistência de uma situação real. Uma pessoa, sob a aparência de um negócio

fictício, pretende realizar outro, que é o verdadeiro, diverso, no todo ou em parte,

do primeiro323.

                                                                                                               320 Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 51. 321 Apud Silvio Rodrigues, Direito civil: parte geral, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 294. 322 Maria Helena Diniz. Curso, cit., p. 518 e 519. 323 Maria Helena Diniz. Curso, cit., p.524 e 525.

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Na simulação relativa, as partes pretendem realizar um negócio, mas de

forma diferente daquela que apresentam. Existe o negócio efetivamente efetuado, e

um ato dissimulado, oculto, formando um complexo negocial único324.

A dissimulação compõe-se de dois negócios, um deles é o simulado,

aparente, destinado a enganar, o outro é o dissimulado, oculto, mas

verdadeiramente desejado.

O atual Código Civil determina em seu artigo 167, caput, o seguinte:

"É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma."

O Código Civil de 2002 alterou as consequências do instituto da

simulação, e atualmente o efeito é a nulidade absoluta do negócio jurídico, sem

possibilidade de convalidação do ato, sendo sua ação imprescritível. Já com relação

à dissimulação, ou simulação relativa, o negócio dissimulado poderá subsistir se for

válido na substância e na forma. De qualquer maneira, ficam ressalvados os direitos

de terceiros de boa-fé em face dos contratantes do negócio jurídico simulado,

conforme artigo 167, § 2º, do Código Civil325.

Outra situação em que a ausência da verdade poderá ser consentida

ocorre no direito processual. O dever de dizer a verdade deve, de maneira geral,

ser observado no processo, mas sofre algumas limitações.

O dever da verdade326 está explicitado no artigo 77, I, do novo Código de

Processo Civil:

"Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus

                                                                                                               324 Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil: parte geral, São Paulo: Atlas, 2011, p. 527. 325 O artigo 167, § 2º, do Código Civil diz o seguinte: "Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado". 326 Além disso, o novo Código de Processo Civil define como litigante de má-fé aquele que alterar a verdade dos fatos, nos termos do artigo 80, II.

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procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade".

Na hipótese do depoimento das partes, se, quando arguidas, faltarem com

a verdade, não serão punidas. Segundo Redenti327, "não existe uma verdade

histórica para as partes, cada uma tem a sua verdade, segundo a sua forma mentis,

sob o influxo dos seus próprios interesses e das suas paixões".

Sobre a prova de depoimento pessoal, segundo o novo Código de

Processo Civil, as partes terão o direito ao silêncio, nas hipóteses de fatos que

coloquem em perigo ou causem desonra à própria vida do depoente, de seu

cônjuge, de seu companheiro ou de parente em grau sucessível328. No entanto,

conforme a lição de Fredie Didier329: “o dever de dizer a verdade convive com o

direito de calar, mas é incompatível, obviamente, com o direito de mentir”.

Portanto, apesar de não haver punição para a mentira, permanece o dever

da verdade para as partes.

Parentes próximos não são admitidos como testemunhas. Algumas

pessoas, em razão da profissão, devem guardar sigilo e também não precisam

testemunhar330.

                                                                                                               327 Apud Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 59. 328 O artigo 388 do novo Código de Processo Civil diz: "A parte não é obrigada a depor sobre fatos: I - criminosos ou torpes que lhe forem imputados; II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo; III - acerca dos quais não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, de seu companheiro ou de parente em grau sucessível; IV - que coloquem em perigo a vida do depoente ou das pessoas referidas no inciso III". 329 Fredie Didier Junior e outros, Curso de direito processual, cit., p. 153-154. 330 Sobre a prova testemunhal há de se destacar os seguintes artigos do novo CPC: Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas. § 2o São impedidos: I - o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o

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O princípio da persuasão racional confere ao juiz liberdade, mesmo que

relativa, para apreciar as provas dentro do processo. Mas a prova dos fatos

controversos será imprescindível para conferir segurança às decisões judiciais e

especialmente para a apuração da verdade e certeza331.

De qualquer forma, as decisões judiciais deverão ser motivadas, nos

termos do artigo 93, IX, da Constituição Federal332 e também do artigo 489 do novo

Código de Processo Civil, que inovou ao preceituar as circunstâncias em que não se

considera fundamentada uma decisão judicial333.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito; II - o que é parte na causa; III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros que assistam ou tenham assistido as partes. Art. 448. A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos: I - que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou companheiro e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau; II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo. Art. 458. Ao início da inquirição, a testemunha prestará o compromisso de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado. Parágrafo único. O juiz advertirá à testemunha que incorre em sanção penal quem faz afirmação falsa, cala ou oculta a verdade. 331 João Batista Lopes, A prova no direito processual civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 23. 332 O artigo 93, IX, da Constituição Federal diz o seguinte: "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação". 333 O artigo 489 do novo Código de Processo Civil reza: "São elementos essenciais da sentença: I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

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O dever da verdade não poderia sofrer limitações no campo judiciário,

mas, como se baseia muitas vezes em princípios éticos, o segredo acaba

prevalecendo, conforme a concepção de Giorgio Del Vecchio334. O autor indica que

o silêncio não pode ser confundido com a mentira, sendo esta, praticada pela parte,

muito mais grave. No caso, defende a criação de lei estabelecendo o dever geral das

partes e seus representantes de dizerem a verdade. Mas pondera que mesmo não

estando expresso o dever de veracidade para aqueles, há outros deveres de mesma

raiz, como a lealdade processual. Além disso, a verdade deve ser imposta na

atividade judicial porque verdade e justiça são necessariamente conexas, e seria

incoerente reclamar justiça sem respeitar a verdade.

A verdade processual também precisa ser resgatada nas decisões

judiciais 335 , porque a dúvida, neste conceito, seja moderna, negando sua

objetividade, ou pós-moderna, negando sua existência, tem consequências

arriscadas para a teoria do direito, eis que pode haver sequelas na fundamentação

de decisões.

9.3. Direito à verdade e direito à memória.

O direito à verdade assegura que toda pessoa pode receber e ter acesso às

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento". 334 Giorgio Del Vecchio, A verdade, cit., p. 58-63. 335 Lenio Luiz Streck, O “decido conforme a consciência” dá segurança a alguém?, Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-mai-15/senso-incomum-decido-conforme-consciencia-seguranca-alguem#_ftn1_6301, Acesso em 01/12/2015.

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informações de interesse público. Estas informações podem estar em poder tanto do

Estado como de entidades privadas. O direito à memória está intimamente ligado

ao direito à verdade, porque é o direito de acessar o passado, com a utilização,

conservação e transmissão de dados que integrem o patrimônio cultural da

coletividade336.

Para que o direito à memória possa ser exercido, é preciso desvendar o

passado, o que só é possível por meio do resgate da verdade, ou seja, mediante a

busca de acontecimentos marcantes que tornem possível a difusão da experiência e

da herança histórica da sociedade, as quais estabeleçam uma memória coletiva ou

individual 337.

Além disso, importante salientar que a memória só é preservada por meio

da verdade histórica. Segundo Habermas338, a história viva faz com que o passado e

o estranho sejam elementos de um movimento de construção histórica, sendo este o

critério de força pelo qual uma pessoa ou uma sociedade se torna decifrável a si

mesma, no instante em que traz tanto o passado como o estranho para o presente.

A verdade histórica se refere à existência de um evento ou fato

determinado, sem discussão sobre o seu aspecto positivo ou negativo ou sem

qualquer discussão valorativa a seu respeito. Por exemplo, alguns acontecimentos

históricos não podem ser negados. São fatos colocados à disposição das pessoas339.

Ademais, a história é fundamental para basear a moderna hermenêutica.

                                                                                                               336 Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito fundamental à memória e à verdade, Curitiba: Juruá, 2013, p. 39. 337 Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 40. 338 Jürgen Habermas, Conhecimento e interesse, Trad. José N. Heck, Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 306. 339 Neste sentido é o conceito de verdade histórica de Andrés Gil Domínguez (Constituicion y derechos humanos: las normas del olvido en la República Argentina, Buenos Aires: Ediar, 2004, p. 97), que ainda tece alguns exemplos de verdade histórica que, segundo o autor, não podem ser negados, tais como: o holocausto, a II Guerra Mundial, a Revolução de Cuba, a morte de JFK.

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  147  

Conforme a lição de Richard E. Palmer340, o homem é um ser histórico que

depende da interpretação constante de seu passado, compreendendo a si próprio por

meio da interpretação de um mundo que o passado lhe transmite, um legado

constantemente presente e ativante em todas as suas ações e decisões. E resume: "a

própria interpretação é histórica, e se tentarmos fazer dela qualquer outra coisa

acrescentando-lhe ou tirando-lhe algo, empobrecemos a interpretação e

empobrecemo-nos a nós mesmos".

A criação da memória é possível mediante um processo de afastamento

do preconceito de que o passado é imutável. Ao contrário, a memória é

imprescindível, o não esquecimento, para que a verdade histórica seja reproduzida

de forma fiel e os possíveis traumas coletivos possam ser superados341.

O direito à memória com verdade, se desrespeitado, afeta todas as

pessoas e influi no cotidiano de suas vidas. A preservação da memória exerce

função essencial nas relações humanas e, ao contrário do esquecimento, as

memórias individual e coletiva são os alicerces fundamentais e os meios de se

aplicarem na prática os direitos humanos342.

Paul Ricoeur343 vincula o direito à memória com a ideia de justiça:

"é a justiça que, ao extrair das lembranças traumatizantes seu valor exemplar, transforma a memória em projeto; e é esse mesmo projeto de justiça que, enquanto imperativo de justiça, o dever de memória se projeta à maneira de um terceiro termo no ponto de junção do trabalho de luto e do trabalho de memória. Em troca, o imperativo recebe do trabalho

                                                                                                               340 Richard E. Palmer, Hermenêutica, Trad. Maria Luíza Ribeiro Ferreira, Lisboa: Edições 70, 1999, p. 123-254. 341 Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 28-29. 342 Marco Antonio Rodrigues Barbosa e Paulo Vannuchi, Resgate da memória e da verdade: um direito de todos, in Inês Virgínia Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi (Coords.), Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte: Forum, 2009, p. 57. 343 Paul Ricoeur, A memória, a história, o esquecimento, Trad. Alain François, Campinas: Editora Unicamp, 2007, p. 101.

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de memória e do trabalho de luto o impulso que o integra a uma economia das pulsões".

O resgate da memória através da verdade permite o esclarecimento

daquilo que é inconsciente e irracional, possibilitando a reconciliação com o

sentimento de justiça e também permitindo a busca da responsabilização daqueles

que praticaram atos contra a humanidade, como a tortura e desaparecimento

forçados. Assim se consolida a democracia344.

Conforme foi examinado acima, o rol dos direitos da personalidade é

abrangente o bastante para se qualificar o direito ao esquecimento como um direito

da personalidade, que é o cerne deste trabalho. E, segundo o mesmo raciocínio,

incluem-se também nos direitos da personalidade o direito à verdade e à

memória345.

O direito à verdade foi tratado por Pontes de Miranda346 como um direito

da personalidade. Segundo o autor, o direito à verdade é absoluto, existe perante

todos e é inato, como qualquer outro direito da personalidade347.

A Constituição Federal de 1988 reconhece o direito à memória e à

verdade de forma implícita. Em diversos aspectos é possível encontrar a busca pela

verdade no texto constitucional. Trata-se de direito fundamental decorrente do

                                                                                                               344 Marco Antonio Rodrigues Barbosa e Paulo Vannuchi, Resgate, cit., p. 58, 60. 345 Segundo François Ost (O tempo do direito, cit., p. 52), a memória é a primeira forma de tempo jurídico qualificado: "a memória que recorda que há o dado e o instituído (...) acontecimentos que contaram e ainda contam são suscetíveis de conferir um sentido à existência coletiva e aos destinos individuais. Instituir o passado, certificar os fatos ocorridos, garantir a origem dos títulos, das regras, das pessoas e das coisas: eis a mais antiga e a mais permanente das funções do jurídico. Na ausência dessas fundações, despontaria o risco de anomia, como se a sociedade assentasse em alicerces transitórios". 346 Pontes de Miranda, Tratado, cit., p. 66. 347 Carlos Alberto Bittar (Os direitos, cit., p. 101) também aponta o direito à memória e à verdade como direito da personalidade, e afirma que, apesar de não ter sido explicitado pelo legislador constitucional, ele vem se consolidando como forma de expressão da justiça de transição, em razão da apuração dos crimes cometidos pela repressão política durante a ditadura militar brasileira.

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Estado Democrático de Direito e de outros princípios constitucionais.

O Estado Democrático de Direito é fundamento do direito à verdade e à

memória. Segundo Norberto Bobbio348 "pode-se definir a democracia das maneiras

as mais diversas, mas não existe definição que possa deixar de incluir em seus

conotativos a visibilidade ou transparência do poder".

Ora, se a democracia tem como principal característica a transparência,

logo uma das formas de alcançá-la é através da memória e da verdade.

O princípio do respeito à dignidade da pessoa humana também serve de

fundamento para o direito à verdade e à memória, especialmente no que diz

respeito às violações de direitos humanos ocorridas nos regimes ditatoriais. A

omissão de informações acerca de tais períodos atinge não somente a dignidade da

família dos mortos e desaparecidos políticos, como também a dignidade coletiva de

toda a nação349.

O direito à informação, examinado acima, respalda, da mesma forma, o

direito à verdade e à memória, porque obriga os órgãos públicos a fornecer todas as

informações pertinentes à Administração Pública, e é efetivado pelo princípio da

publicidade, nos termos do artigo 5º, XXXIII, da Constituição Federal, que

determina: "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu

interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo

da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja

imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".

Em decorrência do direito à informação é possível afirmar que o

princípio republicano também ampara o direito à verdade e à memória. Todos têm

o direito de acesso e conhecimento de todos os dados do que foi produzido em

                                                                                                               348 Norberto Bobbio, O futuro da democracia, uma defesa das regras do jogo, Trad. Marco Aurélio Nogueira, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 7. 349 Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 53.

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nome do povo, não podendo estes ficar limitados ao interesse pessoal dos agentes

públicos. Desta forma, os assuntos de interesse da nação devem ter publicidade

integral350.

O artigo 37, caput, da Constituição Federal351 aponta os princípios que

baseiam a administração pública, e um deles é o princípio da publicidade, referido

acima. Este garante que a administração pública deve, de forma obrigatória, prestar

contas de seus atos, possibilitando mais uma vez a realização da verdade e da

memória352.

O habeas data, garantido pelo artigo 5º, LXXII, da Constituição

Federal353, é, também, uma das formas de instrumentalização do direito à verdade e

à memória, uma vez que assegura o conhecimento dos registros pertencentes ao

impetrante, constantes em entidades governamentais ou de caráter público.

Além da Constituição Federal, existem outras normas previstas no direito

brasileiro em que o direito à verdade encontra amparo, ainda que de forma

implícita.

O Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, proíbe a publicidade

enganosa, sendo este um de seus mais importantes preceitos, previsto no seu artigo

37354.

                                                                                                               350 Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 57. 351 O artigo 37, caput, da Constituição Federal diz o seguinte: "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte". 352 Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 61. 353 O artigo 5º, LXXII, da Constituição Federal prevê: "conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo". 354 O artigo 37 da Lei 9078/90, diz o seguinte: "É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir

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O Código Penal prevê, ainda, o direito à verdade, ao prescrever que nos

crimes contra a honra, especificamente em relação à calúnia e à difamação, é

possível a arguição da exceção da verdade, ou seja, quando possível provar que o

fato atribuído ao outro é verídico, o crime não se configura355.

O novo Código de Processo Civil, conforme foi explanado acima, prevê

o dever da verdade para as partes e procuradores, além de considerar litigante de

má-fé aquele que altera a verdade dos fatos; obriga ainda a testemunha a dizer a

verdade, sob pena de incorrer em crime. O direito à verdade está explicitado no

artigo 369, que permite o uso de todos os meios legais e os moralmente legítimos

para provar a verdade dos fatos.

O direito à verdade também está amparado em diversos tratados

internacionais, subscritos pelo Brasil, dos quais podemos destacar a Declaração

Universal de Direitos Humanos, de 1948, o Pacto Internacional de Direitos Civis e

Políticos, a Convenção contra a Tortura e a Convenção Americana de Direitos

Humanos. Conforme explica Flávia Piovesan356, destes mencionados tratados é

possível extrair os seguintes direitos: o direito de não ser submetido à tortura; o

direito à justiça; o direito à verdade; e o direito à prestação jurisdicional.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou em novembro

de 2014 um relatório denominado "Direito à verdade na América", oferecendo                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço". 355 A exceção da verdade, nos crimes contra a honra, está prevista nos artigos 138, § 3º, e 139, parágrafo único. 356 Flávia Piovesan, Direito internacional dos direitos humanos e lei de anistia, in Inês Virgínia Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi (Coords.), Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte: Forum, 2009, p. 202.

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ferramentas para garantir aos Estados a busca do direito à verdade, nos seguintes

termos:

"El derecho a la verdad ha surgido como respuesta frente a la falta de esclarecimiento, investigación, juzgamiento y sanción de los casos de graves violaciones de derechos humanos e infracciones al DIH por parte de los Estados. Es a través de los esfuerzos para combatir la impunidad que los órganos del sistema han desarrollado estándares regionales que dan contenido al derecho a la verdad, y los Estados y la sociedad civil han desarrollado enfoques e iniciativas para implementarlos en una amplia gama de conceptos. Asimismo, el derecho a la verdad constituye uno de los pilares de los mecanismos de justicia transicional. ".357 O mesmo relatório concluiu:

"En el ámbito del sistema interamericano, el derecho a la verdad se vinculó inicialmente con el fenómeno extendido de la desaparición forzada. Tanto la Comisión como la Corte Interamericana han establecido que la desaparición forzada de personas tiene un carácter permanente o continuado que afecta una pluralidad de derechos, tales como el derecho a la libertad personal, a la integridad personal, a la vida y al reconocimiento a la personalidad jurídica. De esta forma, se ha indicado que el acto de desaparición y su ejecución inician con la privación de la libertad de la persona y la subsiguiente falta de información sobre su destino, y permanece mientras no se conozca el paradero de la persona desaparecida o se identifiquen con certeza sus restos. En suma, ambos órganos han sostenido que la práctica de la desaparición forzada implica un craso abandono de los principios esenciales en que se fundamenta el sistema interamericano de derechos humanos y cuya prohibición ha alcanzado el carácter de jus cogens".358

Diante do exposto, não resta dúvida de que o direito à verdade e à

memória foram protegidos pelo direito brasileiro.

                                                                                                               357 Item 4 do Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: "Direito à verdade na América", disponível em http://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Derecho-Verdad-es.pdf, Acesso em 20/12/2015. 358 Item 8 do Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: "Direito à verdade na América", disponível em http://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Derecho-Verdad-es.pdf, Acesso em 20/12/2015.

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9.4. Questões históricas relevantes: ditadura militar no Brasil e a tortura.

Em abril de 1964, o então Presidente da República do Brasil, João

Goulart, foi destituído de seu cargo por um golpe militar, que instalou um regime

ditatorial.

O regime militar no Brasil se estendeu pelo período de 1964 até 1985.

Durante este tempo houve ampla violação dos direitos humanos, com abuso de

poder, prisões, tortura, desaparecimentos forçados e morte. Há um número

estimado de mais de 20.000 casos de tortura359 . Segundo relatório final da

Comissão Nacional da Verdade, que será abordado adiante, verificou-se o

desaparecimento e morte de pelo menos 434 pessoas360.

Em 1979 foi promulgada a Lei 6.683/79, Lei da Anistia, concebida,

inicialmente, para trazer de volta os exilados políticos, que estavam fora do país por

serem contrários ao governo, mas que, no entanto, acabou por anistiar os dois

lados: tanto os opositores do governo militar como também os acusados de praticar

abuso de poder, como a tortura e outros crimes.

                                                                                                               359 A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República estima o número de cerca de 20.000 pessoas torturadas no regime ditatorial. Disponível em http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2014/12/10/de-pau-de-arara-a-cadeira-do-dragao-comissao-da-verdade-lista-20-metodos-de-tortura.htm, Acesso em 28/12/2015. O número final de torturados não foi divulgado pela Comissão Nacional da Verdade do Brasil. Esta priorizou os casos de mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres. No entanto deixou de dizer quais e quantas pessoas foram torturadas. Apenas listou genericamente como as torturas ocorriam e a sua forma de execução. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1562171-relatorio-nao-trouxe-numero-de-torturados.shtml, acesso em 28/12/2015. 360 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/12/1562171-relatorio-nao-trouxe-numero-de-torturados.shtml, acesso em 28/12/2015.

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Cumpre definir o termo anistia. O sentido etimológico da palavra anistia

é esquecimento. A origem é do latim amnestĭa,ae, e quer dizer amnésia, ou seja,

falta de memória361.

Juridicamente anistia significa o esquecimento jurídico de uma ou mais

infrações penais, e deve ser concedida apenas em casos excepcionais, com o

objetivo de pacificar a sociedade, aplicando-se em regra aos crimes políticos. O

crime anistiado desaparece para todos os efeitos jurídicos362. A anistia também

pode ser analisada sob o enfoque do perdão. É uma das formas mais antigas de

perdão penal.363

A anistia teve origem na Grécia antiga, quando, no ano de 403 a. C., após

a Guerra do Peloponeso, trinta tiranos que haviam sido depostos foram perdoados e

repatriados. como solução pacificadora364.

No direito romano também se tem notícia de caso de anistia. No dia 15

de março do ano de 44 a.C., o imperador Júlio César foi assassinado por 60

membros do Senado, segundo os quais ele governava de forma autocrática e

autoritária. Foi o fim da República e começo do Império. Dois dias depois,

Cicerone fez um discurso pacificador para a segurança e concórdia do Estado e

propôs aquilo que foi chamado de "l'oblivio caedis"365, o que teria sido a primeira

forma de anistia pacificadora no direito romano366.

                                                                                                               361 Grande Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Disponível em http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=anistia, Acesso em 27/12/2015. 362 Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia: as leis internacionais e o caso brasileiro, Curitiba: Juruá, 2009, p. 49, 51. 363 A anistia não pode ser confundida com a imunidade. Esta tem objetivo meramente político, não se tratando nem de esquecimento nem de perdão. Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 62-64. 364 Federico Maria D'Ippolito, Diritto, memoria, oblio nel mondo romano, Napoli: Satura, 2010, p. 68. 365 Na realidade Cicerone utilizou como argumento um acontecimento do ano de 403 a.C. em que trinta tiranos foram depostos do poder. 366 Federico Maria D'Ippolito, Diritto, memoria, oblio, cit., p. 68-71.

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A anistia é vista por muitos autores como algo perigoso, pois em nome

da paz social conduz ao esquecimento e à negação da memória, podendo se

transformar em um mecanismo de impunidade.

Analisando a questão, Paul Ricoeur 367 descreve a anistia como um

esquecimento comandado e ensina: "a fronteira entre o esquecimento e o perdão é

insidiosamente ultrapassada na medida em que essas duas disposições lidam com

processos judiciais e com a imposição de pena; ora a questão do perdão se coloca

onde há acusação, condenação e castigo; por outro lado, as leis que tratam da

anistia a designam como um tipo de perdão".

O artigo 1º da Lei da Anistia preceitua o seguinte:

"É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. § 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal. § 3º - Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido por Ato Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do respectivo cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar, obedecidas as exigências do art. 3º”.

Por muito tempo discutiu-se sobre a questão da punibilidade daqueles

que cometeram abuso de poder, especialmente os torturadores do regime militar.

                                                                                                               367 Paul Ricoeur, A memória, cit., p. 459.

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Afinal, a tortura é crime gravíssimo contra os direitos humanos, e, após o fim do

regime militar, as vítimas e os familiares de vítimas ansiavam por essa punição. A

Constituição Federal de 1988, que coroou o fim da ditadura, faz disposição

expressa sobre o crime de tortura, em seu artigo 5º, XLIII, prescrevendo ser um

crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia368. Além deste, outros crimes

envolvendo abuso de poder foram inegavelmente cometidos.

Ao que parece, a Lei de Anistia não poderia abarcar o crime de tortura,

uma vez que este excede o aspecto material daquela lei e, como crime contra a

humanidade, deve ser imprescritível, conforme dispõem a Constituição Federal e

diversos tratados e convenções de que o Brasil passou a ser signatário.

Entretanto, não foi aplicada punição ao crime de tortura, justamente em

razão de a Lei da Anistia não haver sido revogada.

O período de transição entre o regime militar e a instalação do Estado

Democrático de Direito foi acanhado, pois, inicialmente, criou-se apenas uma

comissão para indenizar a família dos mortos e desaparecidos, sem poder de julgar

e punir culpados. A partir de 1995, durante o governo do Presidente Fernando

Henrique Cardoso, tal comissão examinou casos de 360 pessoas e concluiu pela

indenização a favor de 284 pessoas, por terem sido mortas pelas forças de

segurança, mas os resultados do trabalho não foram publicados oficialmente.369

Logo, a verdade não foi divulgada naquele momento.

Outra medida de grande importância para a busca da verdade histórica e

preservação da memória é a chamada arqueologia forense. Trata-se de estudo de

vestígios materiais, utilizando restos arqueológicos ou identificação de ossadas

                                                                                                               368 O artigo 5º, XLIII, da Constituição Federal prevê o seguinte: "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem". 369 Luciana Carrilho de Moraes, Verdade e justiça, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 87.

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humanas para a revelação da história e consequentemente para a preservação da

memória. Este método foi utilizado para desvendar fatos ocorridos durante a II

Guerra Mundial e a Guerra Fria.

A partir da década de 1990 verificou-se grande avanço na esfera da

arqueologia forense em vários países da América Latina que sofreram com

ditaduras. Neste quesito, o Brasil ainda está apenas se desenvolvendo. Uma

importante experiência nesta área ocorreu em 1992, quando foi formada no Rio de

Janeiro uma equipe forense interdisciplinar composta por voluntários (arqueólogos

e físicos). Denominada "Grupo Tortura Nunca Mais", atuou na procura de corpos

de desaparecidos durante a ditadura militar, em valas comuns de cemitérios, locais

em que supostamente estariam enterrados presos políticos. No entanto não obteve

sucesso porque não conseguiu identificar os corpos e não teve subsídios para dar

continuidade à investigação. Mas percebe-se que a iniciativa foi expressivamente

valiosa, por demonstrar o quanto é importante a preservação da memória e talvez

para ser retomada no futuro 370.

Sobre o tema da anistia, há de se destacar o artigo 8º do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, que prevê:

"É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as                                                                                                                370 Aline Vieira de Carvalho e Pedro Paulo A. Funari, A importância da arqueologia forense na construção de memórias perdidas nos períodos ditatoriais latino-americanos, in Inês Virgínia Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi (Coords.), Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte: Forum, 2009, p. 351, 352.

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características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos".

Assim, verifica-se que a Constituição Federal manteve a anistia aos

crimes com motivação exclusivamente política, mas o dispositivo constitucional

tardou a ser regulamentado, o que se deu apenas no ano de 2002, com a criação da

lei dos anistiados. Trata-se da Lei 10.559/2002, que teve como objetivo regular o

regime do anistiado político e entre outras medidas previu a reparação econômica

daqueles que foram impedidos de exercer suas atividades durante o regime militar,

o que é uma forma de restaurar a verdade e a memória, mas não é suficiente para

reparar os tantos erros do passado.

Após a ditadura militar, o Brasil passou também a ser signatário de

diversos tratados internacionais que previram a punição da tortura e do

desaparecimento de pessoas. Foi o que ocorreu na chamada Convenção contra a

Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, da

Assembleia das Nações Unidas, assinada em 1985 e aprovada pelo Decreto

legislativo nº 4, de 1989. E também no Tratado que originou o Tribunal Penal

Internacional, assinado em 2000 e aprovado pelo Decreto Legislativo nº 112, de

2002, que instituiu uma Corte permanente para julgar crimes graves contra os

direitos humanos371.

Este último Tratado define o crime de tortura e o de desaparecimento de

pessoas como crimes contra a humanidade, quando praticados no quadro de um

ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil. Determina

também que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis372.

                                                                                                               371 Celso Antonio Bandeira de Melo, Imprescritibilidade dos crimes de tortura, in Inês Virgínia Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi (Coords.), Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte: Forum, 2009, p. 138. 372 Celso Antonio Bandeira de Melo, Imprescritibilidade, cit., p. 138.

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Assim, a partir do momento em que o Brasil aderiu a tais tratados, que

consideram a tortura um crime contra a humanidade, eles se tornaram superiores a

qualquer legislação que disponha o contrário. Mas não foi o suficiente para levar à

punição concreta dos criminosos do regime militar.

Ao contrário. Após a Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental, de nº 153, promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil,

pretendendo a anulação do perdão concedido aos policiais e militares acusados de

cometer atos de tortura durante o regime militar, em 29 de abril de 2010 o Supremo

Tribunal Federal decidiu pela manutenção da Lei da Anistia, assegurando anistia

ampla, geral e irrestrita tanto para as vítimas como para seus carrascos. O

julgamento rejeitou o pedido por uma revisão da Lei da Anistia, por sete votos a

dois, considerando-a integrada à ordem constitucional.

O voto vencedor foi do Ministro Eros Grau, relator do processo, que foi

acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de

Mello, Cezar Peluso, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie. Foram

contrários os Ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto, que defenderam que

certos crimes são incompatíveis com qualquer ideia de criminalidade política pura

ou por conexão, não havendo na anistia caráter amplo, geral e irrestrito.

Merece destaque o voto do Ministro Cezar Peluso, ao afirmar que a

ADPF não tratava da reprovação ética da prática da tortura, e que a ação apenas

propunha a avaliação do artigo 1º da Lei de Anistia e da sua compatibilidade com a

Constituição de 1988. O Ministro entendeu que a anistia se estendeu aos chamados

crimes “conexos”, como diz a lei, e que esses crimes são de qualquer ordem,

transcendendo esta ao campo dos crimes políticos ou praticados por motivação

política. Sopesou, ainda, que a ação não tratava do “direito à verdade histórica”,

porque não é possível apurar responsabilidades históricas sem modificar a Lei de

Anistia. E concluiu: “(...) só o homem perdoa. Só uma sociedade superior

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qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade, é

capaz de perdoar, porque só uma sociedade que, por ter grandeza, é maior do que

os seus inimigos, é capaz de sobreviver.”

Destaque-se ainda o voto do relator, Ministro Eros Grau, que, apesar de

ter decidido pela improcedência da ação, não excluiu o repúdio a todas as

modalidades de tortura, afirmando que existem coisas que não podem ser

esquecidas: "É necessário não esquecermos para que nunca mais as coisas voltem a

ser como foram no passado". Além disso, consolidou a possibilidade de acesso aos

documentos históricos como forma de exercício do direito fundamental à verdade

para "prosseguir na construção madura do futuro democrático".

Percebe-se que, conforme a lição de Flávia Piovesan373, o Supremo

Tribunal Federal denegou às vítimas o direito à justiça, apesar de ter endossado o

direito à verdade, atribuindo legitimidade político-social à lei de anistia em razão

de um "acordo político" e de uma "reconciliação nacional".

A autora 374 discorda desta decisão porque "a absoluta proibição da

tortura, o direito à verdade e o direito à justiça estão consagrados nos instrumentos

internacionais ratificados pelo Brasil, o que impõe o dever do Estado de investigar,

processar, punir e reparar graves violações a direitos humanos especialmente se

tratando de crime internacional. (...). Leis de anistia não podem autorizar a

manifesta violação de jus cogens internacional, como o é a absoluta proibição da

tortura. Não podem ainda perpetuar a impunidade, ao gerar uma injustiça

permanente e continuada".

O direito à verdade é absolutamente conflitante com a anistia, eis que

esta é um meio de bloquear a verdade, apagar, eliminar e esquecer o passado por

                                                                                                               373 Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 607. 374 Flávia Piovesan, Direito Internacional, cit., p. 209-210.

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completo375. Portanto, apesar de a referida decisão ter consolidado o acesso aos

documentos históricos como garantia do direito à verdade, isso jamais será

suficiente para que se faça total justiça.

Ressalte-se que o assunto relativo à Lei de Anistia ainda não está

encerrado no Supremo Tribunal Federal. A decisão proferida em 2010 foi objeto de

embargos de declaração e estes ainda não foram apreciados. O julgamento dos

embargos foi adiado e o processo encontra-se, atualmente, com prioridade de

tramitação. Há de se observar que um dos pontos principais dos embargos de

declaração é o questionamento sobre os crimes de desaparecimento forçado, cujas

vítimas e corpos permanecem ocultos. A questão é saber se estes também foram

anistiados.

A questão ainda pode sofrer uma reviravolta no que diz respeito à

punição dos agressores, agentes do Estado, não somente em função da apreciação

dos embargos de declaração, mas também em razão do julgamento de outra

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que será examinada no

item seguinte.

9.5. Decisões da Corte Interamericana sobre tortura no Brasil e em outros países da América Latina.

Conforme foi abordado, o Brasil aderiu a diversos Tratados

internacionais envolvendo direitos humanos, incluindo a Convenção Americana de

Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, de

1969, que entrou em vigor em 1978. Naquele período, a grande maioria dos

Estados-partes da Convenção (da América Latina e América Central) tinha

governos ditatoriais e autoritários, que não foram eleitos de forma democrática.

                                                                                                               375 Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 98.

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  162  

Com o tempo, a maioria destes países se transformou em democracia. É o caso, por

exemplo, do Brasil, Argentina, Chile, Uruguai e Peru376.

Portanto, em muitos destes países ocorreu o que é chamado de processo

de justiça de transição entre um regime ditatorial e um regime democrático. Neste

contexto, a Corte Interamericana atuou para julgar diversos casos emblemáticos

envolvendo abuso de poder, tortura e demais crimes ocorridos durante a ditadura.

Cada país reagiu de forma diferente com relação à punição dos envolvidos e

também para o estabelecimento da verdade e da memória. A Corte Interamericana

atuou no Brasil e também em outros destes países, conforme será explanado.

Com relação ao Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos

entendeu ser a decisão do Supremo Tribunal Federal totalmente contrária ao dever

internacional do Estado de investigar e punir graves violações de direitos humanos.

O Brasil, em 24 de novembro de 2010, foi condenado pela Corte

Interamericana, no caso Gomes Lund e outros versus Brasil, em razão do

desaparecimento de integrantes da guerrilha do Araguaia, em operações militares,

durante a década de 1970. A sentença prescreveu que as disposições da Lei de

Anistia, de 1979, são absolutamente incompatíveis com a Convenção Americana e

desprovidas de efeitos jurídicos, e que não podem representar obstáculo à

investigação de graves violações de direitos humanos nem à identificação e punição

dos responsáveis. A decisão foi fundamentada em farta jurisprudência de órgãos

das Nações Unidas e do sistema interamericano, além de decisões judiciais

invalidando leis de Anistia de outros países, como Argentina, Chile, Peru, Uruguai

e Colômbia377.

Há de se ressaltar o fato de a decisão da Corte Interamericana ter sido

proferida após a já mencionada decisão do Supremo Tribunal Federal, que declarou

                                                                                                               376 Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 597. 377 Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 608.

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constitucional a lei de anistia. Em decorrência, em maio de 2014, o Partido

Socialismo e Liberdade ajuizou uma nova Arguição de Descumprimento de

Preceito Constitucional, de número 320, sob o argumento de que o não

cumprimento da sentença proferida pela Corte Interamericana importa em violação

de preceitos constitucionais378. O Supremo Tribunal Federal ainda não julgou a

questão. Cabe ressaltar que a composição da Corte foi alterada em relação ao

primeiro julgamento sobre o assunto, o que pode resultar em decisão em outro

sentido.

No Peru, em 2001, foi realizado o julgamento do caso Barrios Altos

versus Peru, um massacre de quatorze pessoas executadas por policiais. Também

foi concedida anistia em favor de militares naquele país. A Corte Interamericana

condenou o Peru a reabrir investigações judiciais sobre o evento, com a

consequente derrogação da lei de anistia, e também a reparar integralmente os

danos materiais e morais sofridos pelos familiares das vítimas . Tal decisão foi um

marco no direito internacional, porque permitiu a um Tribunal Internacional

determinar a incompatibilidade de lei de anistia com tratados de direitos humanos.

A Corte entendeu que leis de "auto anistia" tornam a impunidade perene, garantem

injustiça continuada e impedem as vítimas e familiares de terem acesso à Justiça e

ao direito à verdade e memória379.

A Corte Interamericana também julgou o caso Almonacid Arellano

versus Chile, no ano de 2006. No mesmo sentido, considerou que a lei de anistia

local, que perdoava os crimes cometidos no regime Pinochet, seria inválida, por

denegar justiça às vítimas de crimes tão graves380.

                                                                                                               378 Os preceitos constitucionais que estariam sendo violados, segundo a ADPF 320 são: artigo 4º, III; artigo 5º, § 2º; e artigo 7º, da ADCT. 379 Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 600-601. 380 Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 602.

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Decisão similar foi proferida pela Corte Interamericana contra o Uruguai,

em 2011, no caso Gelman versus Uruguai381.

Em todas as mencionadas decisões da Corte Interamericana há os

seguintes aspectos comuns, conforme pontifica Flávia Piovesan382: "as leis de

anistia violam parâmetros protetivos internacionais; constituem um ilícito

internacional; e não obstam o dever do Estado de investigar, julgar e reparar as

graves violações cometidas, assegurando às vítimas os direitos à justiça e à

verdade".

Percebe-se que existe um movimento crescente, no direito internacional,

no sentido de condenar as anistias às violações de direitos humanos, mesmo quando

concedidas por regimes sucessores383.

Destaque-se resultado mais positivo na Argentina, pois, naquele país, foi

desenvolvida uma abundante jurisprudência em sua Corte Suprema de Justiça,

reconhecendo os julgados da Corte Interamericana, com a consequente anulação de

leis de anistia locais, e possibilitando a punição dos acusados de crimes contra os

direitos humanos384.

No Brasil, como pode ser observado, o resultado foi totalmente diverso.

Trata-se de um esquecimento que não pode e não poderia ter acontecido. Neste

aspecto, a Argentina é um exemplo a ser seguido. A diferença daquele país é que o

povo não permitiu que os crimes contra a humanidade, cometidos no período da

ditadura, caíssem no esquecimento. A lei de anistia local, a chamada Lei do Ponto

Final, foi considerada inconstitucional e por isso foi anulada. O mesmo ainda pode

acontecer no Brasil. Apesar de a decisão sobre o mesmo assunto, proferida pelo                                                                                                                381 Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 602. 382 Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 603. 383 Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 297. 384 Neste sentido: Andrés Gil Domínguez (Constitución, cit., p. 115), ao tratar da chamada "Lei do Ponto Final", que concedia anistia aos crimes praticados pelos militares durante a ditadura e que acabou sendo anulada.

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Supremo Tribunal Federal, ter sido em outro sentido, ela ainda não transitou em

julgado, apesar de ser anterior à outra decisão, aquela proferida pela Corte

Interamericana sobre o caso Gomes Lund. Logo, ainda há tempo para que o

Supremo Tribunal Federal anule a lei de anistia brasileira e reconheça o julgado da

Corte Interamericana. O único inconveniente de tamanha demora é o fato de que

muitos dos causadores das barbáries ocorridas na ditadura brasileira já faleceram ou

encontram-se em estado de senilidade. Mas a punição, mesmo que tardia, ainda

pode acontecer. Assim, neste caso, a memória poderá prevalecer sobre o

esquecimento.

9.6. Comissão da verdade no Brasil e Justiça de transição.

A busca pela verdade foi autorizada pelo Supremo Tribunal Federal e, a

partir de então, o tema vem evoluindo em nosso direito.

A memória tem importância crucial para a apuração da verdade e a

aplicação da justiça em relação ao atentado aos direitos humanos e fundamentais

durante os regimes militares385.

No Brasil vigora o Estado Democrático de Direito, razão pela qual o País

deve incontestavelmente refletir e discutir as violações de direitos humanos

praticadas durante os governos ditatoriais, a fim de romper de forma definitiva com

o passado autoritário386.

O direito à verdade garante o direito à construção da identidade, da

história e da memória coletiva, para que seja assegurado o direito à memória das

vítimas e para que as futuras gerações tenham a responsabilidade de prevenir a

                                                                                                               385 Rogério Gesta Leal, Verdade, memória e justiça no Brasil, responsabilidades compartidas, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 58. 386 Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 59.

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repetição dos atos de violação de direitos humanos387.

Existem diversas maneiras de se concretizar o resgate da memória, entre

elas as seguintes ações388:

- reconstrução do âmbito social e cultural, por meio de atividades artesanais,

artísticas e educativas, ou a promoção de grupos de apoio;

- apoio individual e familiar centrado no trabalho em grupo ou terapia individual e

familiar, para que o silêncio seja rompido;

- treinamento de pessoas para apoiar psicossocialmente e tratar o impacto

traumático;

- formação de grupos de autoajuda, compostos por sobreviventes de conflitos

violentos e também por familiares, com o objetivo de trocarem experiências;

- criação de formas simbólicas de expressão e reconhecimento do ocorrido, para

que sejam mantidas vivas as lições dolorosas do passado, através de cerimônias,

memoriais, parques, praças, placas nas ruas e outros.

Tais medidas visam à chamada recordação coletiva, como forma de

constatação de que os atos praticados foram injustos e não podem nunca mais

voltar a ocorrer. É preciso também apurar o que realmente aconteceu, tarefa de que

se incumbe a denominada Comissão da Verdade, assunto que será examinado

adiante. A busca pela verdade é imprescindível, porque não se pode aceitar a

adulteração de dados, sob pena de se construir uma memória deturpada.

Durante o período do regime militar a adulteração de dados era

frequente. Notícias veiculadas nos meios de comunicação eram constantemente

censuradas ou, então, eram manipuladas e faziam nascer uma memória distorcida

em toda a população. Daí a necessidade da busca da verdade, o que somente é

                                                                                                               387 Flávia Piovesan, Direito internacional, cit., p. 208. 388 Rogério Gesta Leal (Verdade, cit., p. 59, 60) apresentou uma série de mecanismos para o resgate da memória..

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possível com a integração do governo e de toda a sociedade.

Desta forma, para que realmente se consolide a já mencionada

recordação coletiva é preciso, nos termos da lição de Jaime Pennebaker, destacada

da obra de Rogério Gesta389, que:

"os fatos sejam recordados de forma compartilhada e expressos em rituais e monumentos; deve esta memória tratar do passado, presente e futuro das gerações envolvidas; deve explicar e esclarecer o ocorrido dentro do possível; deve extrair lições e conclusões para o presente e futuro; evitar a fixação no passado deste processo e de suas conclusões, assim como a repetição obsessiva e a estigmatização dos sobreviventes como vítimas; cuidar para que não haja distorções ideológicas e corporativas dos fatos e atos recordados".

No Brasil, conforme examinado, os dados obtidos pela primeira comissão

a investigar os crimes da ditadura jamais foram divulgados, e, portanto, não se

concretizou o cumprimento do direito à verdade e à memória. Familiares de

desaparecidos foram indenizados, nos termos da Lei 9140/95, que teve como

parâmetro esta primeira comissão, criada no governo Fernando Henrique Cardoso.

Outra medida de reparação, também já examinada, é a implementada por meio da

Lei 10.559/2002, que cuida dos anistiados políticos, mas que não é suficiente para

um processo de transição.

A instauração da chamada Comissão da Verdade foi tardia. Ocorreu

somente em 2011, apenas após a mencionada decisão do STF.

A Lei 12.528/11, que a instituiu, com o fim de esclarecer graves

violações aos direitos humanos durante a ditadura no Brasil, promoveu a busca pela

memória e pela verdade, além da tentativa de reparação de erros históricos.

A Comissão da Verdade é uma forma de afirmação do direito à verdade e

                                                                                                               389 Jaime Pennbaker, Memoria Colectiva de Processos Culturales y Politicos, apud Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 70.

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à memória. É um movimento que vários países do mundo já experimentaram,

conforme será examinado a seguir, e não poderia ser diferente no Brasil, pois ele

serve à consolidação do Estado Democrático de Direito.

Trata-se de solução tardia, mas imprescindível e inquestionável. Há de se

buscar a verdade histórica para evitar o esquecimento ou, o que parece mais grave,

a deturpação da memória. Conforme parecer de Rogério Gesta Leal390, "o segredo e

o silêncio da Administração Pública sobre tais assuntos têm contribuído muito para

provocar uma amnésia irresponsável em nível de cidadania, como se a passagem do

tempo tivesse o condão de apagar da vida das pessoas os vestígios indeléveis que

causaram em vidas humanas e, com isto, autorizar o esquecimento e o

desconhecimento".

Cabe lembrar que a transição para a democracia no Brasil não foi um

processo revolucionário. Ao contrário. As Forças Armadas continuaram a existir

exatamente como antes391.

Se, por hipótese, não fosse instituída a Comissão da Verdade ou se não

existisse a justiça de transição entre o regime ditatorial e o Estado Democrático de

Direito, a consequência seria um grave panorama de violações dos direitos

humanos, especialmente em relação à prática de tortura e também à sua

impunidade392.

A Comissão da Verdade tem como objetivo principal desvendar

acontecimentos ocorridos no passado, restaurar a verdade dos fatos, indenizar

aqueles que foram perseguidos em razão de seus ideais e punir aqueles que

violaram os direitos humanos393. É uma espécie de "alternativa não judicial para a

solução dos problemas pós-conflitos, ou seja, em vez de processar criminalmente

                                                                                                               390 Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 50. 391 Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 184. 392 Flávia Piovesan, Direito internacional, cit., p. 209. 393 Ricardo Maurício Freire Soares e outros, O direito, cit., p. 41.

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os responsáveis pelos excessos cometidos e correr o risco de que a verdade se perca

pelas curvas da história, opta-se por investigar a verdade em sua totalidade, não

apenas para punir os responsáveis"394.

Assim, as comissões têm o intento de, além de apurar os fatos ocorridos

no regime anterior, garantir que gerações presentes e futuras possam conhecer a

verdade sobre os erros e acertos do passado, sem os exageros do perdão, em caso

de anistia, ou do ímpeto da punição aos responsáveis395.

De qualquer forma, se mantida a anistia aos agentes do governo ditatorial

– ainda que a Comissão Nacional da Verdade tenha pleno sucesso, que sejam

revelados todos os acontecimentos e que os erros sejam admitidos publicamente –

os culpados não serão punidos. Serão restabelecidas a verdade e a memória, mas

não será feita justiça.

Existem três formas possíveis de se lidar com a justiça e a memória em

um período de transição, conforme ensina Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos396:

"julgamento e punição (acusação penal); iluminação e reconhecimento (comissões

da verdade e reconciliação); e esquecimento para o bem de um futuro comum

(anistia)".

A primeira forma, a de acusação penal, foi a adotada no Tribunal de

Nuremberg e também no caso dos desaparecimentos forçados na Argentina,

conforme será visto adiante. A segunda hipótese é justamente a das comissões de

verdade e reconciliação, que têm como objetivo o reconhecimento dos males

cometidos contra as vítimas e a perpetuação da memória coletiva. E a terceira e

                                                                                                               394 José Adércio Leite Sampaio e Alex Luciano Valadares de Almeida, Verdade e história: por um direito fundamental à verdade, in Inês Virgínia Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi (Coords.), Memória e verdade: a justiça de transição no Estado Democrático brasileiro, Belo Horizonte: Forum, 2009, p. 255. 395 José Adércio Leite Sampaio e Alex Luciano Valadares de Almeida, Verdade e história, cit., p. 255. 396 Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 66.

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última forma é a anistia, que, apesar de objetivar a paz civil, promove um

esquecimento forçado na coletividade.

Com a edição da Lei 12.528/2011, parecia que finalmente o Brasil estaria

adotando a segunda hipótese relacionada acima, ou seja, o reconhecimento dos

males cometidos contra as vítimas e a perpetuação da memória coletiva.

O intuito da referida lei foi criar a Comissão Nacional da Verdade para

elucidar as graves violações de direitos humanos ocorridas no Brasil, não somente

durante o período do regime militar, mas a partir do ano de 1946 até 1988,

conforme previsto no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias. Caberia à Comissão promover o esclarecimento dos casos de torturas,

mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria,

identificando e tornando públicas as estruturas, locais e instituições envolvidas.

Em 16 de maio de 2012 foram empossados os sete integrantes da

Comissão Nacional da Verdade. Ou seja, quase trinta anos após o término do

regime militar.

O prazo para realizarem todo o trabalho terminaria em 16 de dezembro

de 2014, devendo a Comissão apresentar um relatório final circunstanciado

contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e as

recomendações.

Realmente, este relatório foi produzido. É composto de três volumes. O

primeiro volume trata da criação da comissão, do contexto histórico das graves

violações, dos métodos e práticas empregados nas graves violações de direitos

humanos e suas vítimas, da dinâmica das graves violações de direitos humanos, dos

casos emblemáticos, locais e autores, do Poder Judiciário, e também traz as

conclusões e recomendações. O volume II é composto de textos temáticos como:

Violações de direitos humanos no meio militar; Violações de direitos humanos dos

trabalhadores; Violações de direitos humanos dos camponeses; Violações de

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direitos humanos nas igrejas cristãs; Violações de direitos humanos dos povos

indígenas; Violações de direitos humanos na universidade; Ditadura e

homossexualidades; Civis que colaboraram com a ditadura; e A resistência da

sociedade civil às graves violações de direitos humanos. Finalmente, o volume III

relata os mortos e desaparecidos políticos397.

A principal recomendação é que as Forças Armadas assumam

responsabilidade, inclusive juridicamente, pelos atos cometidos durante os regimes

militares. A comissão também quer o fim das polícias militares, a proibição de atos

que comemorem o golpe de 64 e a revogação da Lei de Segurança Nacional. O

relatório da comissão ressalta, ainda, que os autores dos crimes devem ser julgados:

"Prevalece o dever jurídico do Estado de prevenir, processar, punir e reparar os

crimes contra a humanidade, de modo a assegurar o direito à justiça e à prestação

jurisdicional efetiva."

Quanto à revisão da Lei da Anistia, que chegou a ser cogitada pelos

integrantes do grupo, esta não foi incluída no relatório.

Trata-se de um trabalho notável – por disponibilizar para a sociedade o

contexto histórico, a estrutura do Estado ditatorial, a institucionalização da tortura,

as vítimas e os autores das violações – que ouviu mais de 1.000 testemunhas. A

Comissão Nacional da Verdade nomeou individualmente 377 suspeitos de crimes,

dos quais 196 ainda estão vivos, com idade média de 82 anos398. Mas as Forças

Armadas até hoje se recusam a reconhecer oficialmente as violações dos direitos

humanos, e alguns militares simplesmente não aceitam a Comissão Nacional da

Verdade, além de a criticarem duramente.

                                                                                                               397 O relatório final da Comissão Nacional da Verdade está disponível em http://www.cnv.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=571, Acesso em 27/12/2015. 398 Disponível em http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/12/comissao-da-verdade-responsabiliza-377-por-crimes-durante-ditadura.html, Acesso em 28/12/2015.

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No entanto, o trabalho teve muito pouco de inovador. A insuficiência de

documentos novos trazidos pelo Ministério da Defesa e a pouca disposição para

colaborar dos militares contribuíram muito para essa limitação.

O grande problema e frustração é o fato de a Comissão da Verdade estar

limitada pela lei de anistia, declarada constitucional pelo Supremo Tribunal

Federal. Assim, apesar da recomendação de julgamento e punição dos suspeitos de

crimes, estes estão, por enquanto, anistiados. Mas, conforme foi mencionado

acima, a questão, no Supremo Tribunal Federal, ainda é passível de alteração, uma

vez que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153 não transitou

em julgado, e também em razão da nova Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamental, de número 320, que ainda não foi apreciada.

Conclui-se, portanto, que a transição brasileira é ainda um processo

incompleto. Com a Comissão Nacional da Verdade, vislumbrava-se que o direito à

verdade e à memória fosse assegurado tanto de forma individual como coletiva, e

que talvez isso pudesse trazer a conclamada punição aos agressores, ainda que de

forma tardia. Porém, ainda não é o que acontece.

A memória e o restabelecimento da verdade, especificamente no caso

brasileiro, é muito importante, porque os mais jovens não têm a real dimensão dos

crimes ocorridos no período da ditadura: os abusos, torturas, desaparecimentos

forçados e homicídios. Tanto é verdade que em recentes manifestações populares

houve quem defendesse uma nova intervenção armada no país, fazendo parecer que

já caiu no esquecimento o mal causado no passado e o fato de que uma nova

interferência das Forças Armadas pode afetar a democracia, além de trazer de volta

a violação dos direitos humanos.

Sobre a questão da verdade dos acontecimentos durante a ditadura no

Brasil, é importante, ainda, destacar a iniciativa desta Universidade de criar uma

comissão própria. Trata-se da Comissão da Verdade da PUC-SP, que foi criada por

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iniciativa de professores e alunos. Segundo informações obtidas no site da

Universidade: "A PUC-SP não passou ilesa às violações de direitos cometidas

naquela época, mas foi lugar de acolhida, recebendo professores cassados, alunos

expulsos de universidades públicas e empregando pessoas que saíram das prisões

ou regressaram do exílio. Além disso, foi a PUC-SP que sediou o Congresso da

Anistia e a reunião da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência - SBPC,

proibida em várias outras"399.

Assim, no dia 27 de abril de 2013 foi aprovado o projeto de criação da

comissão, que teria como principal objetivo examinar e esclarecer as graves

violações dos direitos humanos e as ações de resistência ocorridas dentro da

Universidade entre os anos de 1964 a 1988, tarefas que se encontram atualmente

em pleno andamento.

9.7. Memória no direito estrangeiro.

9.7.1. Atrocidades cometidas no holocausto e durante a Guerra Fria.

O desenvolvimento do moderno direito internacional dos direitos

humanos deve-se às atrocidades cometidas no período da II Guerra Mundial pelo

regime nazista. Verificou-se, naquele tempo, o que pode ser encarado como uma

ruptura dos direitos humanos, seguida, no período do Pós-Guerra, de sua

consequente reconstrução400.

Conforme pontifica Maria Helena Diniz401, tratando do nazismo:

                                                                                                               399 Disponível em, http://www.pucsp.br/comissaodaverdade, acesso em 20/10/2015. 400 Flávia Piovesan, Direito internacional, cit., p. 199. 401 Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, cit., p. 481.

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"o fantasma nazista(...), tendo por fim, com sua fantasia de super-homem, atingir a pureza da raça ariana e a vitória na guerra, lembrando um período da história que todos preferem esquecer, pelas feridas que causou, levantando, por fim, questões religiosas, éticas, científicas, filosóficas e jurídicas".

Durante a II Guerra Mundial os Aliados tomaram conhecimento não

somente dos atos de barbárie cometidos pelos nazistas contra adversários, mas,

principalmente, contra o próprio povo alemão, em especial contra judeus,

comunistas, ciganos, entre outros. No entanto, as leis de guerra proibiam as

violações envolvendo adversários e inimigos, mas não proibiam atos contra os

próprios cidadãos402. Daí a importância da reconstrução dos direitos humanos.

Os Aliados decidiram que a melhor solução para punir os criminosos de

guerra seria submetê-los a julgamento em um tribunal, e não simplesmente

executá-los403.

Como resultado, foi criado o Tribunal de Nuremberg, a partir da premissa

de que qualquer violação contra o ser humano deveria ser punida, mesmo que

praticada de acordo com alguma lei nacional, que foi o que justamente ocorreu

durante o nazismo, pois existiam leis nacionais permitindo toda aquela barbaridade.

O fundamento para a condenação dos agressores, mesmo tendo eles

agido de acordo com leis nacionais, foi o de que os crimes contra a humanidade

poderiam ser punidos porque violavam princípios essenciais de humanidade.

Então, o Tribunal de Nuremberg condenou atos que, enquanto eram

cometidos, pareciam legítimos, já que previstos por leis nazistas, mas que

mereceram punição porque configuraram crimes do ponto de vista do direito

internacional e porque os acusados deveriam ter tido a consciência da sua

                                                                                                               402 Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 56. 403 Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 57.

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circunstância criminosa404.

As decisões tomadas no Tribunal de Nuremberg se tornaram a base do

direito internacional para a proteção dos direitos humanos, passando a ser

considerados, a partir de então, crimes contemplados pelo direito internacional os

crimes contra a paz, os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade405.

Certamente, o julgamento serviu de aviso e, obviamente, foi amplamente

divulgado, com o intuito de que aqueles males não voltassem a ocorrer. Além

disso, serve para perpetuar a construção de uma memória coletiva para toda a

sociedade e também para as futuras gerações, que não viveram naquele período

mas que têm e devem ter conhecimento de toda a desgraça causada.

Os campos de concentração foram a base material do crime de genocídio,

que não se constituiu apenas em crime contra um grupo nacional, étnico ou

religioso, mas um crime contra a humanidade, por ser uma recusa da diversidade ou

pluralidade, sem nenhuma justificativa. Trata-se, por excelência, do mal406. Daí a

promulgação da Declaração Universal de 1948.

Todos preferiríamos esquecer, mas, neste caso, a memória é fundamental

para que estas e outras barbaridades não aconteçam novamente.

Conforme examinado acima, a partir da Declaração de 1948 são adotados

diversos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos,

especialmente em relação à universalidade, indivisibilidade e interdependência

destes. A Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera o

entendimento da Declaração de 1948 em muitos aspectos, mas também o estende,

renova e amplia. Foi subscrita por 171 Estados e prescreve em seu parágrafo 5º:

"Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados.

                                                                                                               404 Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 58. 405 Celso Lafer, Direitos humanos: um percurso no direito no século XXI, 1, São Paulo: Atlas, 2015, p. 87. 406 Celso Lafer, Direitos humanos, cit., p. 12-13.

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  176  

A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma justa e

equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase".407

Existe uma natural tendência para o esquecimento e para o perdão; assim,

conforme destaca François Ost408, imprescindível a criação de mecanismos que

classifiquem a memória do crime e o respeito ao passado e suas vítimas como

imperativos prioritários, e para que seja evitado o revisionismo sobre os eventos de

barbárie ocorridos durante a Segunda Guerra.

Mas a Declaração de 1948 não foi suficiente para impedir violações de

direitos humanos nos regimes comunistas ligados à União Soviética.

No que diz respeito à memória, cabe ressaltar que a Alemanha oriental

não tinha memoriais sobre os judeus mortos, sequestrados, torturados e

desaparecidos durante a Segunda Guerra. Este quadro só se alterou após a queda do

muro de Berlim409.

O regime comunista que imperou durante anos na Berlim Oriental e que

também violou direitos humanos deixou um legado de símbolos que despertam a

memória das pessoas, a lembrar-lhes que as violações do passado não devem voltar

a acontecer410.

9.7.2. Ditaduras da América Latina e Comissões da Verdade.

Vários países da América Latina, incluindo o Brasil, após os regimes

ditatoriais a que foram submetidos, tiveram um ponto em comum: a concessão de

                                                                                                               407 Flávia Piovesan, Direito internacional, cit., p. 201. 408 François Ost, O tempo do direito, cit., p. 94. 409 Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 63. 410 É o que ocorre por exemplo com restos do antigo muro que dividia a cidade e que ainda são expostos, ou torres da polícia que serviam de guarda e impediam a fuga de cidadãos, que ainda continuam na cidade e servem para despertar a memória coletiva. Além disso, o antigo cárcere da polícia em Berlim foi transformado num museu das práticas daquela polícia secreta.

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anistias gerais em favor dos opositores dos governos, e também dos governantes e

de seus agentes, que praticaram crimes contra a humanidade. Foram anistias

concedidas pelos próprios ditadores como condição para que se retirassem. Todos

esses países passaram por um período de transição e pelas ditas comissões da

verdade. Ao contrário do que se viu após o Holocausto, conforme relatado acima,

os governantes não foram punidos de imediato, mas por intermédio das tais

comissões.

Serão examinados aqui os casos de comissões da verdade de alguns

países da América Latina, após as violações de direitos humanos. São eles

Argentina, Chile e Peru.

Entretanto, registre-se que inúmeros outros casos de violação de direitos

humanos, com a subsequente constituição de comissões da verdade, ocorreram em

outros países da América do Sul, da América Central, da África do Sul, em Serra

Leoa, na antiga Iugoslávia, entre outros.

Certamente haverá outros casos de violação de direitos humanos no

futuro, como também é certo que acontecem no presente. Os atuais conflitos na

Síria são apenas um exemplo de violação de direitos humanos na atualidade. E o

que se espera é a punição cabal, a restauração da verdade e a preservação da

memória.

Com relação à América Latina, vejamos:

A Argentina sofreu dois golpes de estado militares que resultaram em

regimes autoritários duradouros. O primeiro em 1966, interrompido em 1973. O

segundo em 1976, que se estendeu até 1983. Este último foi considerado o regime

ditatorial mais violento de toda a América Latina. Provocou o desaparecimento

forçado e a morte de cerca de 30.000 pessoas, num período chamado de "guerra

suja".

Conforme já examinado, a Corte Suprema de Justiça argentina reconhece

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a Corte Interamericana e invalidou a anistia concedida aos militares, na chamada

"Lei do Ponto Final". Assim que foi instalado o regime democrático, foi criada pelo

Presidente Raúl Alfonsin uma Comissão da Verdade, denominada Comissão

Nacional para a Investigação sobre o Desaparecimento de Pessoas, a CONADEP,

com o objetivo de investigar os fatos ocorridos no regime militar. Seguiu-se um

período de investigação que durou nove meses, e, por meio dos resultados obtidos,

a população pôde conhecer a verdadeira história dos eventos ocorridos no regime

militar411.

O Presidente Nestor Kirchner, nos anos de 2003 a 2007, implementou

medidas públicas de verdade e memória no país, entre estas a transformação de

antigos centros de repressão em memoriais412 de visitação pública413.

Em janeiro de 2010, a presidente da Argentina determinou a abertura de

arquivos confidenciais dos governos militares, com o fundamento de que o sigilo

daqueles arquivos é contrário à memória, à verdade e à justiça414.

E as famosas "Mães e Avós da Praça de Maio"415 não permitiram e ainda

não permitem que a população argentina esqueça todos os sofrimentos a que teve

de se submeter com a ditadura militar.

Verifica-se, portanto, que a Argentina sai na frente do Brasil, no campo

do direito à memória.

                                                                                                               411 Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 35. 412 Por exemplo, a Escola de Mecânica do Exército, local onde funcionou a repressão política, que torturou e matou várias pessoas. Foram encontrados restos mortais de torturados, enterrados no pátio da escola. Para preservar a memória, salas de tortura continuam intactas, inclusive com algumas correntes. 413 Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 64. 414 Flavia Piovesan, Temas, cit., p. 606. 415 As Mães da Praça de Maio (Madres de Plaza de Mayo) são mulheres que se reuniam na Praça de Maio, em Buenos Aires, para exigir notícias de seus filhos desaparecidos durante a ditadura militar na Argentina. Ainda hoje, as mães realizam manifestações na Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, com o objetivo de manter o desaparecimento de seus filhos na memória de todos os argentinos.

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O Chile também teve a sua ditadura militar, que teve início com um

golpe militar ocorrido no ano de 1973. O regime autoritário durou 17 anos e o país

foi governado por um único homem: Augusto Pinochet.

Tal como no Brasil e na Argentina, o regime ditatorial do Chile também

matou e sequestrou milhares de pessoas. Os militares fizeram uso de tortura e

morte contra os opositores do regime. Durante anos o Chile viveu sob censura,

tortura, sequestros e homicídios. Calcula-se um número de 35.000 vítimas de

violação de direitos humanos, das quais cerca de 30.000 foram torturadas, 2.200

foram executadas e cerca de 1.200 continuam desaparecidas.

Em 1990 terminou o regime autoritário, com a eleição direta de Patrício

Aylwin. O Presidente eleito criou, no mesmo ano, uma Comissão Nacional de

Verdade e Reconciliação, com um prazo de nove meses para investigações. As

principais funções da Comissão foram as seguintes: formar um quadro sobre

violações de direitos humanos, antecedentes e circunstâncias; individualizar as

vítimas e encontrar seus paradeiros; recomendar medidas de reparação e

reivindicação necessárias; recomendar medidas legais e administrativas cabíveis416.

A Comissão chilena teve um grande número de colaboradores, tais como

organismos nacionais e internacionais de direitos humanos, além de Universidades,

estudantes de direito e assistentes sociais. O resultado das investigações foi um

informativo com algumas recomendações: reparação pública da dignidade das

vítimas; constituição de medidas de bem-estar social; pensão de reparação;

declaração de morte dos desaparecidos; ratificação de tratados internacionais de

direitos humanos; dar continuidade às investigações417.

Desta forma, em 1992, o governo do Chile criou a Corporação Nacional

de Reparação e Recomendação, com o objetivo de cumprir e executar as

                                                                                                               416 Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 35. 417 Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 36.

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recomendações mencionadas.

Uma das medidas de preservação da memória no Chile foi a criação de

diversos memoriais418 sobre o período de repressão. Estes são modelo para o

mundo inteiro neste quesito, embora Augusto Pinochet não tenha sido efetivamente

punido, pois, mesmo afastado do governo, conseguiu um cargo de senador vitalício,

o que lhe garantiu imunidade. Porém, acabou preso na Inglaterra, em 1998, e, após

um longo período de prisão domiciliar, foi extraditado para o Chile no ano de 2000.

Como manobra para evitar a prisão, alegou insanidade mental e renunciou ao cargo

de senador vitalício em 2002. Faleceu em dezembro de 2006.

Atualmente existe movimentação no Chile, incluindo a própria presidente

Michele Bachellet, no sentido de se revogar a lei de anistia local, para possibilitar a

punição dos colaboradores de Augusto Pinochet.

O Peru passou por um período, compreendido entre as décadas de 1960 e

2000, que alternou alguns golpes militares e governos democraticamente eleitos.

Um golpe militar em 1968 instalou um governo militar que se manteve no poder

até 1980.

Entretanto, os acontecimentos mais relevantes foram a criação, durante a

década de 1980, de movimentos terroristas, como o Sendero Luminoso e o

Movimento Revolucionário Túpac Amaru, que passaram a atuar no país com

violência.

Em 1990 Alberto Fujimori foi eleito Presidente da República, por eleição

direta, e, em 1992, mediante o chamado "autogolpe", dissolveu o Congresso

Nacional e passou a governar de forma autoritária.

Tanto os movimentos de guerrilha como o governo autoritário de Alberto

                                                                                                               418 A Fundação Ford financiou um projeto denominado Arquivo Oral, que consiste em um banco de dados com o testemunho de vítimas do regime militar. Este arquivo é aberto ao público, desde o ano de 2010. Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 76.

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Fujimori foram responsáveis por diversas violações de direitos humanos. O

governo de Fujimori perdurou até o ano 2000, quando ele renunciou.

Alejandro Toledo, Presidente eleito em 2001, instalou a chamada

Comissão de Verdade e Reconciliação, em abril de 2002, que investigou 20 anos de

combate entre Exército e membros do Sendero Luminoso e de outras guerrilhas e

concluiu que mais de 70.000 pessoas foram mortas no período, a grande maioria

civis e guerrilheiros.

A Comissão resultou em processos judiciais contra Alberto Fujimori, na

independência do Poder Judiciário, em programas de reparação às vítimas, além da

não aceitação de anistia ou prescrição em favor de autores de violações de direitos

humanos419.

O lema da Comissão da Verdade do Peru é:

"Un país que olvida su historia esta condenado a repetirla".

                                                                                                               419 Rogério Gesta Leal, Verdade, cit., p. 37.

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10. Conflito entre direitos da personalidade.

10.1. O direito ao esquecimento em confronto com o direito à memória e à verdade histórica.

A história é a ciência que estuda o homem e sua ação no tempo e espaço,

em conjunto com a exploração de eventos ocorridos no passado. Logicamente, o

resultado da atividade do historiador pode muitas vezes prejudicar certas figuras, o

que pode sugerir a existência de um conflito entre o esquecimento e a história.

No entanto, o direito ao esquecimento não embute a pretensão de apagar

os fatos históricos, conforme já explorado em tópico anterior. O direito ao

esquecimento visa a proteger apenas a chamada memória individual.

Daí a importância de se diferenciar memória individual de memória

coletiva.

Memória individual é aquela guardada por uma pessoa e que se refere às

suas próprias experiências. Certamente inclui aspectos da memória coletiva do

local em que viveu e se formou. François Ost420 ressalta que as recordações

pessoais e íntimas só se podem revelar conforme a tradição.

Memória coletiva é aquela formada por fatos julgados relevantes,

guardados na memória oficial da sociedade. A memória coletiva também pode ser

diferenciada da memória histórica. A primeira é elaborada no centro do grupo

social e provoca tradições vivas. A segunda é apresentada como um quadro de

acontecimentos e produz um saber histórico421.

Existe uma fronteira entre a memória coletiva e a história, acrescenta

                                                                                                               420 François Ost, O tempo do direito, cit., p. 59. 421 François Ost, O tempo do direito, cit., p. 60.

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Ricoeur422 , e esta deve oferecer esquemas de mediação entre os lados extremos da

memória individual e da memória coletiva423.

Conforme observam Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco424:

"a memória histórica (histórico-política) enquanto integrante da cultura de uma sociedade, é relevante para o ordenamento e como tal deve ser preservada. A memória de fatos individuais, ainda que trágicos e tristes, ao contrário não pode ser eterna e as pessoas envolvidas nesses fatos, principalmente se pagaram sua dívida com a sociedade, têm o direito de reconstruir a própria vida".

Desta forma, é possível concluir que não há um conflito entre o

esquecimento e a história. O direito ao esquecimento se refere apenas aos fatos da

memória individual. A memória coletiva, se for o caso, estará protegida pela

ciência da história. Não há uma pretensão de se apagar ou alterar o passado. Isso

seria impossível. Mas apenas de impedir abusos em relação à propagação de fatos

individuais ocorridos no pretérito425.

                                                                                                               422 Paul Ricoeur, A memória, cit., p. 141. 423 Segundo Daniel Sarmento (Liberdades, cit., p. 15.), memória coletiva é "a construção social feita de informações, mitos e narrativas socialmente compartilhadas que integram a cultura e proporcionam um sentido de identidade de pertencimento, que é extremamente importante para a vida dos indivíduos". Para o autor, trata-se de direito fundamental previsto no artigo 216 da Constituição Federal. Conforme o artigo 216 da Constituição Federal: "Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico". 424 Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco, Direito ao esquecimento, cit., p. 97. 425 Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco (Direito ao esquecimento, cit., p. 97) ainda explicam: "o direito ao esquecimento não é orientado a cancelar o passado, mas a proteger o

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Existe uma relação de tensão constante entre o direito à memória e o

direito ao esquecimento, porque estes dois institutos estão conectados com o fator

tempo. Assim, no embate entre o direito ao esquecimento e o direito à verdade e à

memória, poderá surgir o chamado conflito entre direitos da personalidade.

Em geral, as vítimas de crimes contra os direitos humanos encontram-se

entre o desejo de esquecer e um sentimento oposto de impunidade. Grande parte

destas vítimas não deseja sequer denunciar ou processar os autores de seus

sofrimentos. Este desejo se materializa através do direito ao esquecimento. O

esquecimento, por este ponto de vista, pode ser algo necessário e uma forma de

reduzir infortúnios.

Entretanto, é preciso tomar cuidado, porque o esquecimento pode se

tornar um instrumento de manipulação da memória coletiva, artifício que, aliás,

conforme exposto em tópico anterior, foi constantemente utilizado por governos

totalitários.

Por outro lado, os descendentes daquelas vítimas tentam agir em nome de

uma obrigação de memória dos fatos ocorridos. De qualquer forma, a passagem de

tempo é muitas vezes necessária para que a coletividade tome conhecimento sobre

a necessidade de que certos crimes sejam punidos426.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       presente. Não impede a garantia de justiça, a revelação da verdade, a cultivação da memória histórica e a reparação ética, política e econômica das vítimas". 426 Lucia Elena Arantes Ferreira Bastos, Anistia, cit., p. 60-61. Segundo Edson Luis de Almeida (A anistia e os crimes contra a humanidade, in Doutrinas essenciais de direitos humanos, vol. 6, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 157-176.), em comentário sobre a teoria da memória: "Podemos identificar três movimentos conflituosos e paradigmáticos na memória política em transições de regimes autoritários para democracias novas: o esquecimento, a punição e a desculpa. O esquecimento ocorre principalmente por meio das leis de anistia, momento no qual é proposto que as instituições políticas apliquem a amnésia social. Porém, incapaz de apagar as histórias de violência, o esquecer gera o recalque e, a depender do caso, mais violência, criando anomalias nas democracias novas ou renovadas. Sua contraposição é a punição que funciona como uma espécie de vingança. A punição remete à retomada do processo político passado, trazendo à tona os sentimentos e emoções vividos e não encerrados. Há também a desculpa, em geral estruturada em comissões de verdade, nas quais se

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Sobre a punição, como alternativa ao perdão, Hannah Arendt427 entende:

"a punição é a alternativa do perdão, mas de modo algum seu oposto; ambos têm em comum o fato de que tentam pôr fim a algo que, sem a sua interferência, poderia prosseguir indefinidamente. É, portanto, significativo – elemento estrutural na esfera dos negócios humanos – que os homens não possam perdoar aquilo que não podem punir, nem punir o que é imperdoável".

Há também de se ressaltar que o direito à verdade não é absoluto, porque

encontra limites nos próprios direitos da personalidade, entre eles o direito ao

esquecimento, mas também em outros como o direito à privacidade, à intimidade, à

imagem e à honra. Assim, como em qualquer conflito entre direitos da

personalidade, deve-se exercitar o sopesamento entre eles, em cada caso concreto,

para verificar qual deverá prevalecer.

O conflito do direito à verdade e à memória com o direito ao

esquecimento pôde ser visto em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal

de Justiça, no dia 09 de dezembro de 2014. Trata-se do recurso especial (RESP

1434498), interposto por Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante da OBAN

(Operação Bandeirante), frequentemente denunciado por torturas ocorridas durante

o período da ditadura. O recurso pretendeu reformar decisão do Tribunal de Justiça

de São Paulo, que condenou o ex-comandante na esfera cível a ser reconhecido

como torturador pela família Teles. A pretensão da família Teles foi apenas

declaratória, justamente para conclamar o direito à verdade e memória, no caso

específico. Não se pretendeu condenação na esfera penal e tampouco indenização

pelo prejuízo. Repita-se, o objetivo da ação seria apenas a declaração de existência                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        troca a punição pela confissão dos crimes cometidos (o indulto). A narrativa do passado, seja pelo algoz ou pelas vítimas, abre a possibilidade, como o alívio de cargas emocionais e sociais paralisantes e mórbidas, de iniciar algo novo. Em todas estas situações o conceito do perdão torna-se parte central das reflexões geradas". 427 Hannah Arendt, A condição humana, Trad. Roberto Raposo, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 253.

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jurídica nascida pela prática de tortura geradora de danos morais nas instalações do

DOI-CODI, ou seja: "relação jurídica de responsabilidade civil, nascida da prática

de ato ilícito, gerador de danos morais".

A Ministra Relatora, Nancy Andrighi, em seu voto, posicionou-se pela

procedência do recurso, e um dos fundamentos foi justamente o direito ao

esquecimento, além da conhecida lei de anistia. Segundo a relatora, anistiar é

esquecer e perdoar, não se admitindo a existência do meio perdão. A Ministra

invocou o direito ao esquecimento nos seguintes termos:

"(...) é preciso reconhecer, ademais, o direito ao esquecimento dos anistiados políticos – sejam eles agentes públicos, sejam aqueles que lutaram contra o sistema posto –, direito esse que, no particular, se revela como o de não ser pessoalmente responsabilizado por fatos pretéritos e legitimamente perdoados pela sociedade, ainda que esses fatos sobrevivam como verdade histórica e, portanto, nunca se apaguem da memória do povo. Insta ressaltar que o direito ao esquecimento não representa leniência com os crimes cometidos, mas o reconhecimento de que a Lei da Anistia, como pacto social firmado e reafirmado confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória – que é a conexão do presente com o passado – e a esperança – que é o vínculo do futuro com o presente –, fez clara opção pela segunda".

No entanto o voto da relatora não foi o vencedor. Apenas o Ministro João

Otávio de Noronha acompanhou a relatora.

O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino pediu vista dos autos e divergiu

da relatora, no sentido de negar provimento ao recurso especial. E, ao final, o voto

divergente foi o vencedor. Votaram no mesmo sentido os Ministros Ricardo Villas

Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze. Assim, foi negado provimento ao recurso

especial428.

O fundamento do voto divergente foi que estaria em plena consonância                                                                                                                428 O recorrente também interpôs recurso extraordinário, que se encontra pendente no Supremo Tribunal Federal.

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com o Estado Democrático de Direito a pretensão dos autores de buscar resgatar a

verdade e a memória de fatos gravíssimos ocorridos durante a ditadura militar, para

que eles não voltem a ocorrer. Segundo o Ministro, tal decisão também não seria

uma afronta à lei da anistia porque esta afastou a possibilidade de punição penal a

tão graves violações de direitos humanos, mas os efeitos cíveis remanescem.

A ementa do acórdão diz o seguinte:

"Recurso especial. Civil e Processual civil. Ação declaratória de existência de relação jurídica de responsabilidade civil, nascida da prática de ato ilícito, gerador de danos morais, no período da ditadura militar brasileira. Ajuizamento contra o oficial comandante acusado das torturas sofridas pelos demandantes. Pretensão meramente declaratória. Legitimidade e interesse. Prescrição. Inocorrência".

Os termos do acórdão parecem acertados. O direito ao esquecimento não

pode aplicar-se às graves violações de direitos humanos. Deve prevalecer o direito

à verdade e à memória. A examinada lei que criou a Comissão Nacional da

Verdade (Lei 12.528/2011) proclama o direito à verdade e à memória429. A Lei de

Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) proíbe a restrição de acesso a qualquer

informação ou documento que verse sobre violação de direitos humanos praticada

por agentes públicos430. Portanto, no caso em questão, não seria possível alegar o

direito ao esquecimento.

Da mesma forma, não deverão ser esquecidos os crimes de guerra, os

crimes políticos, as torturas e os massacres, quando os responsáveis forem

                                                                                                               429 O artigo 1º da Lei 12.528/2011 diz o seguinte: "É criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional". 430 O artigo 21, parágrafo único, da Lei 12.527, diz o seguinte: "As informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição de acesso".

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encontrados, e portanto tais crimes merecem ser rememorados e propagados431.

Por outro lado, no que diz respeito ao interesse particular, deve haver um

equilíbrio entre a capacidade de lembrar e a capacidade de esquecer. Equilíbrio este

que foi arruinado com o desenvolvimento da tecnologia digital.

Com a capacidade de lembrar, que nós seres humanos possuímos, somos

capazes de comparar para aprender e experimentar, conforme explica Viktor

Mayer-Schönberger432. De igual importância é a nossa capacidade de esquecer, que

serve para nos aliviar das algemas do nosso passado, e também para viver o

presente. Durante milênios, a relação entre lembrar e esquecer permaneceu clara.

Lembrar era difícil e caro, e os seres humanos tinham de escolher o que lembrar,

eis que o padrão era esquecer. Na era digital, no que é talvez a mudança mais

fundamental para os seres humanos desde os primórdios, o equilíbrio entre lembrar

e esquecer inverteu-se. Guardar informações para a memória digital tornou-se o

padrão, e esquecer tornou-se a exceção.

Daí a importância de se estabelecerem critérios que permitam a aplicação

do direito ao esquecimento de forma que este equilíbrio seja restaurado.

10.2. Colisão do direito ao esquecimento com o direito de informação e a liberdade de expressão.

A discussão acerca da colisão da liberdade de expressão com outros

direitos da personalidade não é novidade. A liberdade de expressão pode colidir

com o direito à privacidade, com o direito à intimidade e também com o direito à

imagem e à honra. Igualmente, pode também colidir com o direito ao

                                                                                                               431 Otávio Luiz Rodrigues Junior, Direito ao esquecimento, a culpa e os erros humanos, Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-dez-11/direito-comparado-direito-esquecimento-culpa-erros-humanos, Acesso em 03/09/2015. 432 Viktor Mayer-Schönberger, Delete, cit., p. 195-196.

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esquecimento.

Com relação ao direito ao esquecimento, o que se pretende tutelar é

apenas o interesse particular, sem alcançar o interesse público.

Diversamente das já citadas biografias não autorizadas, em que prevalece

a liberdade de expressão, o interesse público envolvido prevaleceu na decisão

proferida pelo Supremo Tribunal Federal, examinada no tópico anterior.

No entanto, o voto da Ministra Cármen Lúcia concluiu pela necessidade

de se harmonizar o direito à liberdade de expressão com o direito à privacidade, à

honra e à imagem, afirmando que a transgressão destes direitos obrigará à

reparação mediante indenização433.

Portanto há uma notável diferença entre a hipótese citada acima e o

direito ao esquecimento.

A proteção ao direito ao esquecimento não deve destinar-se a apagar o

passado. Pelo contrário. A história deve sempre ser preservada. No entanto, aqueles

fatos relativos a um particular, sem qualquer interesse público ou relevância social,

não devem ser rememorados sem a autorização de seu titular, seja qual for o meio

de divulgação.

Cabe, assim, o sopesamento com os outros direitos da personalidade,

para se estabelecer, caso a caso, qual deles deve prevalecer – o que se dá mediante

aplicação do critério da ponderação434, que será analisado no próximo capítulo.

                                                                                                               433 A Ministra afastou a pretensão da Associação Nacional de Editores de Livros (ANEL), de excluir a responsabilidade civil na hipótese de violação de direitos da personalidade em biografias. 434 Neste sentido as palavras de Antonio Carlos Morato e Maria Cristina de Cicco (Direito ao esquecimento, cit., p. 99): "É necessário ponderar a tutela do direito ao esquecimento com a liberdade de informação, procurando um ponto de equilíbrio entre o direito de narrar os acontecimentos e de informar os membros da sociedade e o fundamental direito de cada um a não ver prejudicada a natural evolução da própria personalidade com uma nova difusão de notícias que repropõem uma identidade cristalizada e não evoluída no tempo e, portanto, frequentemente não mais correspondente ao atual papel do indivíduo na sociedade. Ponderação que deverá ser efetuada mediante o exame dos interesses em conflito em relação ao fundamento dos princípios

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A Lei de Acesso à Informação estabelece, em seu artigo 31, o equilíbrio

entre os direitos fundamentais, nos seguintes termos: "o tratamento das

informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à

intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como as liberdades e

garantias individuais".

Logo, o equilíbrio, conforme descrito, deve sempre ser buscado. O

direito ao esquecimento não pode ser absoluto. Deve comportar limites e exceções

adequadas. A liberdade de expressão e o direito à informação têm total relevância e

são imprescindíveis para o Estado Democrático de Direito, e o direito ao

esquecimento sem restrições poderia ser considerado um atentado àquelas

liberdades435.

Por outro lado, a liberdade de expressão também não é absoluta.

Conforme explicado, deve-se buscar equilibrá-la com os direitos da personalidade,

entre estes o esquecimento. Se não fosse assim, não se reconheceriam muitos dos

direitos da personalidade, pois, no embate com a liberdade de expressão e o direito

à informação, estes sempre venceriam.

Portanto, existem limites às liberdades de manifestação de pensamento, e

o fundamento é a dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, III, da Carta

Magna, que se sobrepõe ao direito de imprensa, ao de informar, ao direito à

informação ou de ser informado e ao da liberdade de expressão436.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       colidentes, isto é, a dignidade da pessoa humana e sempre em concreto, jamais em abstrato". 435 Assim, nas palavras de María Álvarez Caro (Derecho al olvido en internet, cit., p. 132-133): "(...) este derecho finalmente reciba y en cómo se perfilen finalmente las excepciones y limitaciones al mismo, para preservar de forma efectiva otros derechos igualmente dignos de la máxima protección, como son la libertad de expresión, la protección de la salud pública, la seguridad ciudadana o el uso de la información para fines periodísticos o literarios, entre otros". 436 Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 150.

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11. Critério de ponderação para o conflito entre os direitos da personalidade.

A divulgação ou publicação de informações ou notícias de forma

indefinida ou perene pode, muitas vezes, chocar-se com direitos da personalidade,

tais como o direito à privacidade, à intimidade, à imagem e à honra, o que se repete

em relação ao direito ao esquecimento. Também a preservação da memória pode

chocar-se com estes direitos. Portanto, conforme foi exaustivamente abordado neste

trabalho, verifica-se inevitavelmente um conflito entre o direito ao esquecimento e

os outros direitos.

Em tais situações surge a questão: Quais destes direitos deve prevalecer?

O direito de informação e a liberdade de expressão? O direito à memória e à

verdade histórica? Ou os direitos da personalidade, mais precisamente o direito ao

esquecimento? Como todos estes direitos encontram limites, não podemos dizer

que exista hierarquia entre eles. Se existisse, o problema estaria solucionado.

Estamos diante de uma espécie de antinomia jurídica, que, na lição de

Tércio Sampaio Ferraz Junior437, "é a oposição que ocorre entre duas normas

contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num

mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela

ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros

de um ordenamento dado".

A antinomia consiste, portanto, em duas normas em conflito, sem que se

possa perceber qual deverá ser aplicada a cada caso concreto. Devem estar

presentes os seguintes requisitos para que esteja configurada a incompatibilidade:

as normas devem ser jurídicas; as normas devem estar vigentes e pertencer ao

                                                                                                               437 Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Antinomia, in Rubens Limongi França (Coord.), Enciclopédia Saraiva do direito, volume 7, São Paulo: Saraiva, 1978, p. 14.

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mesmo ordenamento jurídico; as normas devem ter conteúdos opostos; as normas

devem deixar o sujeito a quem se dirige em uma situação insustentável. Assim,

resumidamente, a antinomia deverá ter três premissas: incompatibilidade,

indecidibilidade e, por fim, necessidade de decisão438.

Este é o problema que temos em análise. Uma antinomia jurídica entre a

liberdade de expressão e o direito de informação de um lado. Também, do mesmo

lado, o direito à memória e à verdade histórica. E, de outro lado, o direito ao

esquecimento e outros direitos da personalidade. Por fim, a necessidade de

apresentar um caminho para a resolução desta antinomia.

Maria Helena Diniz ensina que, na hipótese de antinomia, existem

algumas soluções que podem ser adotadas pelo aplicador do direito. Dentre estas,

deverão ser adotados, para a correção do conflito, os princípios gerais do direito e o

emprego de valores predominantes na sociedade. Desta forma, o juiz deverá aplicar

a norma mais justa por meio de uma interpretação corretivo-equitativa, o que se

constitui em poder discricionário, e não arbitrário.439

No caso, o critério para escolha da norma mais justa será ditado mediante

o emprego da técnica denominada ponderação. Este é o critério solucionador do

conflito. Mas impende esclarecer como funciona este método e qual é a solução

concreta para os conflitos gerados pelo direito ao esquecimento.

A ponderação é um mecanismo, a ser utilizado pelo juiz, destinado a

conferir fundamentos para orientar um sopesamento entre normas conflitantes. Faz-

se uma escolha após a conclusão de algumas etapas de análise, e, assim, uma das

normas prevalece em relação à outra.

A ponderação consiste, nas palavras de Carlos Blanco de Morais440:

                                                                                                               438 Maria Helena Diniz, Conflito de normas, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 19-24. 439 Maria Helena Diniz, Conflito, cit., p. 58-60. 440 Carlos Blanco de Morais, Curso de direito constitucional: teoria da Constituição em tempo de crise do Estado Social, Tomo II, volume 2, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 674.

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"(...) numa operação de pesagem e balanceamento concreto entre princípios constitucionais simultaneamente aplicáveis a uma situação problemática. Dela decorre a prevalência aplicativa de um princípio sobre outro e a subsequente extração de um critério específico de decisão a partir do seu enunciado".

Ricardo Luis Lorenzetti441 define a ponderação como o estabelecimento

de comparações por meio do sopesamento entre cada um dos princípios em

questão, aplicando-se o de maior peso ao caso concreto, sendo primordial a sua

aptidão como causa de justificação.

A ponderação deve ser considerada uma espécie de postulado, o que

significa tratar-se de uma norma estruturante para a aplicação de princípios ou

regras442. Como a ponderação consiste em uma forma de balanceamento entre

princípios, é também um postulado porque sua função nada mais é do que

estruturar a aplicação de princípios conflitantes.

O Enunciado 274, aprovado na 4ª Jornada de Direito Civil, realizada pelo

Conselho da Justiça Federal, prescreve a aplicação da ponderação na hipótese de

colisão entre os direitos da personalidade:

"Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da clausula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação".

A ponderação tem sido muito utilizada pela jurisprudência brasileira para

a resolução de conflitos entre direitos da personalidade e também entre os direitos

                                                                                                               441 Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos do direito privado, Trad. Vera Maria Jacob de Fradera São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 317. 442 Humberto Ávila, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 14ª ed., São Paulo: Malheiros, 2013, p. 160.

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fundamentais. A jurisprudência nacional apresentada neste trabalho também fez

uso deste critério, nos julgados proferidos no Superior Tribunal de Justiça sobre

direito ao esquecimento e também no julgado proferido pelo Supremo Tribunal

Federal sobre as biografias não autorizadas.

Merece destaque o fato de que o novel Código de Processo Civil, em seu

artigo 489, § 2º, ao cuidar dos elementos essenciais da sentença, positivou no

direito brasileiro a utilização do critério da ponderação, nos seguintes termos:

"No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão".

Trata-se de um marco no direito brasileiro, uma vez que a ponderação,

por muito tempo, foi apenas um método utilizado pela jurisprudência para resolver

conflitos, com base no direito estrangeiro. O novo Código de Processo Civil acabou

por consagrar este postulado.

Mas a ponderação não está imune a críticas.

Lenio Luiz Streck é um crítico ferrenho do método da ponderação. Ele

entende que a utilização da ponderação implica no risco de uma possível

arbitrariedade do juiz. Segundo o autor, a ponderação tem sido utilizada para

legitimar decisões pragmaticistas que não promovem a resolução efetiva e

qualitativa de problemas apresentados pela concretude do direito443.

Não concordamos com esta crítica. O risco de arbitrariedade pode surgir

com ou sem a utilização da ponderação, e somente haverá arbitrariedade se a

técnica for mal empregada, o que não pode de forma alguma acontecer.

O magistrado não pode cometer abusos. Dentro de seu poder de

                                                                                                               443 Lenio Luiz Streck, Hermenêutica jurídica em crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito, 11ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 422.

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jurisdição, existe uma zona de liberdade para o exercício de sua atividade. Se a

ultrapassar, estará cometendo abuso de direito, que se traduz em arbitrariedade. Ao

decidir, o juiz deve agir com liberdade, mas sempre limitado pelas normas. Ele tem

poder, mas este tem finalidade teleológica e é representado pela discricionariedade,

o que faz da tarefa do juiz uma tarefa criadora444. Conforme as palavras de Maria

Helena Diniz445, acerca da discricionariedade da função jurisdicional:

"Se não houvesse tal elasticidade, o direito não se realizaria, seria amputado no seu próprio dinamismo ou movimento, ou seja, não estaria em condições de sofrer o impacto da realidade que nunca é plena e acabada, por estar sofrendo sempre injunções de modificações sociais e valorativas, estando, portanto, sempre se perfazendo".

Está visto que a ponderação é uma técnica de grande utilidade e que deve

ser empregada na hipótese de conflitos normativos, mas deve-se aplicá-la com

cautela, de forma que não ocorram distorções jurídicas e que não sirva de

subterfúgio para que o juiz decida conforme o seu puro arbítrio.

Para que a ponderação seja aplicada de maneira correta, o julgador deve

observar etapas, que serão discutidas mais adiante. Mas, antes de abordá-las, outro

ponto merece ser destacado. Cabe uma ressalva sobre o texto do novo Código de

Processo Civil, que, aparentemente, preceitua a ponderação para o caso de colisão

entre toda e qualquer norma. Entretanto, existe o entendimento de que só se pode

aplicar a técnica nos casos de colisão entre princípios, e não para toda e qualquer

norma, como prescreve o dispositivo.

Na análise de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery446:

"(...) existe uma impropriedade na menção à técnica da ponderação neste

                                                                                                               444 Maria Helena Diniz, As lacunas do direito, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 295-296. 445 Maria Helena Diniz, As lacunas do direito, cit., p. 303. 446 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1156-1157.

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dispositivo, que dá margem à interpretação de que toda e qualquer antinomia pode ser resolvida por este meio. Tal técnica foi desenvolvida e sustentada para a solução dos conflitos entre direitos fundamentais e entre princípios constitucionais, que não se resolvem pelas regras de hermenêutica jurídica clássica - as quais ainda são aplicáveis às normas em geral. O dispositivo deve, portanto, ser interpretado no sentido de que se refere às normas relacionadas a direitos fundamentais e princípios constitucionais".

Para que se possa explicar melhor a técnica da ponderação, é preciso

apresentar uma distinção entre normas, regras e princípios. Então vejamos:

Existe uma grande divisão em todas as normas do direito. Esta divisão se

faz no sentido de que algumas normas têm formato de regras e outras têm formato

de princípios. As regras possuem em seu texto as condições de sua aplicação. Os

princípios, ao contrário, são configurados de forma aberta, e por isso surgem

diversas questões sobre os limites de sua aplicação.

Em tese, apenas os princípios estão sujeitos à ponderação justamente

porque as regras já definem os limites de sua aplicação. Conforme a lição de

Humberto Ávila, é possível definir regras e princípios de forma diferenciada.

Segundo o autor447:

"Regras são normas meramente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da discrição normativa e a construção conceitual dos fatos". "Princípios são normas imediatamente finalísticas primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes de conduta havida como necessária à sua promoção".

                                                                                                               447 Humberto Ávila, Teoria dos princípios, cit., p. 85.

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Os princípios são mandamentos de otimização e, por isso, normas prima

facie, ou seja, sem uma finalidade acabada e passíveis de complementação. São

preceitos para que algo seja cumprido da melhor forma possível448. Diferencia-se

das regras porque estas têm apenas um comando descritivo. Os princípios são

normas prima facie porque em um primeiro momento todos devem ser cumpridos,

mas, na hipótese de conflito com outros princípios, em casos concretos, cabe o

sopesamento.

Desta forma, para que se possa aplicar a técnica da ponderação, é preciso,

em primeiro lugar, refletir se o conflito em análise ocorre entre regras ou entre

princípios, uma vez que existe divergência na doutrina sobre a aplicabilidade da

ponderação.

Humberto Ávila defende a ideia de que não somente os princípios são

passíveis de ponderação, mas também as regras. Segundo explica: "a ponderação

diz respeito tanto aos princípios, quanto às regras, na medida em que qualquer

norma possui um caráter provisório que poderá ser ultrapassado por razões havidas

como mais relevantes pelo aplicador diante do caso concreto. O tipo de ponderação

é que é diverso"449.

Entretanto, a ponderação é uma técnica com etapas bem definidas, e não

apenas um termo genérico para excluir uma norma. Logo, não é possível concordar

com a tese de que no caso de colisão entre regras se possa fazer uma ponderação

                                                                                                               448 Ricardo Luis Lorenzetti, Fundamentos, cit., p. 316-317. Robert Alexy (Teoria, cit., p. 90) define os princípios como: "mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida da sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas". Virgílio Afonso da Silva (Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 64) ensina que o princípio é mandamento de otimização porque garante direitos ou impõe deveres prima facie. Regras são "normas que garantem direitos e impõem deveres definitivos". 449 Humberto Ávila, Teoria dos princípios, cit., p. 64.

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diferenciada. A ideia que vem predominando na doutrina é a de que apenas os

princípios estão sujeitos à ponderação450. As regras não.

Para Robert Alexy451, um princípio terá preferência frente a outro em

algumas situações, e, em outras, poderá ocorrer exatamente o inverso. Por isso é

que se afirma que em cada caso concreto os princípios têm pesos diversos e que

aqueles com maior peso terão preferência. No caso de colisão entre regras, esta se

dará na dimensão da validade. Com relação aos princípios, apenas os que são

válidos podem colidir.

No mesmo sentido é a concepção de Virgílio Afonso da Silva452, que

explica que, no caso de duas regras terem consequências diversas para um mesmo

ato ou fato, uma será obrigatoriamente inválida. Já no caso de dois princípios,

determina-se a relação condicionada de precedência entre eles, ou seja, a condição

de prevalência refere-se ao caso concreto, de modo que, após a solução da situação

do caso concreto, os dois princípios continuam válidos.

Concordamos com a posição majoritária no sentido de que apenas os

princípios podem ser submetidos à técnica da ponderação. As regras, ao contrário,

não são passíveis de ponderação porque já têm os seus limites bem definidos. São

normas que podem ser cumpridas ou não cumpridas. Se surgir um conflito entre

regras, este será solucionado de outra forma, seja por meio de uma cláusula de

exceção, como ocorre com o critério da hierarquia, ou, então, por meio de uma

decisão sobre a validade das regras453.

                                                                                                               450 Neste sentido, Karl Larenz (Metodologia da ciência do direito, Trad. José Lamego, 7ª ed., Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2014, p. 575) explica que o método da ponderação determina o alcance, em cada caso concreto, dos direitos fundamentais ou princípios constitucionais que colidem entre si. 451 Robert Alexy, Teoria, cit., p. 93-94. 452 Virgílio Afonso da Silva, Direitos fundamentais, cit., p. 50. 453 Segundo Robert Alexy (Teoria, cit., p. 92): "Um conflito entre regras pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida".

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O tema em discussão neste trabalho são os limites de aplicação do direito

ao esquecimento, justamente porque há enfrentamento com outros direitos. Assim,

como todos os direitos em colisão nesta discussão são considerados princípios, o

argumento favorável à aplicação da ponderação nestas hipóteses não sofre maiores

questionamentos porque, neste caso, prevalece o entendimento de que o

sopesamento é a técnica mais adequada para a solução.

O direito ao esquecimento deve ser considerado um princípio, embora se

trate, conforme explicado, de um direito da personalidade não positivado, pois os

direitos da personalidade podem ser classificados como não exaustivos. Mas isso é

irrelevante. Apesar de não ter previsão expressa na Constituição Federal ou em lei

especial, o direito ao esquecimento pode ser extraído de outros princípios

constitucionais, tais como a privacidade, a imagem e a honra, e, especialmente, a

dignidade da pessoa humana.

A violação do direito ao esquecimento pode causar dano a outros direitos

da personalidade, como a imagem e a honra, além da intimidade e a privacidade,

que são conexos. Mas trata-se de categoria autônoma, porque o direito ao

esquecimento diz respeito apenas a fatos antigos que perderam a sua atualidade. Há

de se considerar a possibilidade de a violação do direito ao esquecimento não violar

nenhuma destas outras categorias de direitos da personalidade. É a hipótese em que

se causa um sofrimento absolutamente desnecessário ao titular do direito pelo

despertar de fatos que estavam adormecidos desde o passado. Viola-se, neste caso,

a dignidade da pessoa humana454, razão pela qual fica evidente a qualidade de

princípio do direito ao esquecimento.

                                                                                                               454 O princípio da dignidade da pessoa humana já foi amplamente debatido neste trabalho, mas é preciso também destacar o artigo 8º do novo Código de Processo Civil, que determina que: "Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência". Antonio Junqueira de Azevedo

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  200  

Certamente o direito à liberdade de expressão e o direito à informação

também são princípios. Conforme examinado em capítulo anterior, estão prescritos

na Constituição Federal e em tratados internacionais como direitos fundamentais,

baseados na liberdade da manifestação de pensamento.

A memória e a verdade histórica também são princípios, protegidos tanto

pela Constituição Federal como por tratados internacionais aderidos pelo Brasil,

conforme abordado anteriormente.

Portanto, vemo-nos diante de uma antinomia entre princípios. De um

lado o direito ao esquecimento, baseado na dignidade da pessoa humana. De outro

lado, a notícia e a informação, baseadas na liberdade de manifestação de

pensamento, e também a memória, baseada na verdade histórica.

Para Maria Helena Diniz455, a antinomia de princípios em uma ordem

jurídica se verifica quando presente o desequilíbrio entre diversas ideias

fundamentais. Neste caso, a norma positiva injusta deve dar espaço à justiça,

corrigindo-se o conflito por meio do direito suprapositivo.

Os princípios conflitantes não são excludentes; ao contrário, coexistem e,

conforme abordado, devem ser tratados como "mandados de otimização", ou seja,

estão voltados à sua melhor realização. A ponderação serve para a busca da justa

medida da aplicação de vários princípios ao mesmo tempo456. A ponderação nos

princípios jamais será prescindível, pois requer o sopesamento em cada caso

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       (Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Volume 97, 2002, p. 107-125) explica que os direitos da personalidade são consequência da dignidade da pessoa humana, que prescreve o respeito aos pressupostos mínimos de liberdade e convivência igualitária, como requisitos indispensáveis para o desenvolvimento da personalidade e a procura da felicidade. 455 Maria Helena Diniz, Conflito, cit., p. 27. 456 Anderson Schreiber, Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos, 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p.146.

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  201  

concreto, o que impossibilita a formação de um critério elementar, pelo simples

fato de que um caso concreto nunca é igual a outro457.

Portanto, mais uma razão para a utilização da técnica da ponderação no

caso de colisão entre os princípios descritos acima458.

A aplicação da técnica da ponderação deve dar-se em etapas. Verificada a

colisão entre dois princípios, um deles deverá prevalecer sobre o outro, mas apenas

nas condições daquele caso concreto. Provavelmente, em dada situação um

princípio prevalecerá sobre outro, e, em outra situação, ocorrerá exatamente o

inverso. Nos casos em que os mesmos princípios estão em confronto, não é

possível estabelecer de forma abstrata uma relação de prevalência entre eles459.

Assim, algumas vezes o direito ao esquecimento prevalecerá sobre outros

princípios em conflito, como a liberdade de expressão, e, outras, ocorrerá o inverso.

As etapas460 a serem observadas na ponderação em geral são as seguintes:

                                                                                                               457 Karl Larenz, Metodologia, cit., p. 587. 458 Conforme explica Karl Larenz (Metodologia, cit., p. 575-583), aplica-se a ponderação quando há colisão entre o direito geral da personalidade de alguém com outro direito da personalidade ou então com um direito fundamental de outra pessoa. Enfrentando uma colisão entre direito da personalidade e direitos fundamentais, ele chega à seguinte conclusão: "Haverão de confrontar-se entre si: de um lado, a importância para a opinião pública do assunto em questão, a seriedade e a intensidade do interesse na informação; de outro lado, a espécie (esfera privada ou apenas esfera profissional) e a gravidade (modo deformado e injurioso da reportagem) do prejuízo causado ao bem da personalidade". Segundo Têmis Limberger (Direito e informática: o desafio de proteger os direitos do cidadão, in Ingo Wolfgang Sarlet (org.), Direitos fundamentais, informática e comunicação: algumas aproximações, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 201), a aplicação dos princípios ocorre com a ponderação de valores ou interesses; utilizando como exemplo a intimidade e o interesse público, explica que a preferência de um em relação ao outro deverá ser analisada pela jurisprudência, além da problemática de conteúdo e os limites específicos dos direitos fundamentais. 459 Virgílio Afonso da Silva, Direitos fundamentais, cit., p. 50-51. 460 Ricardo Luis Lorenzetti, Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito, Trad. Bruno Miragem, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 216. Carlos Blanco de Morais (Curso de direito constitucional, cit., p. 676-677) apresenta as seguintes etapas para a ponderação: a preparação da ponderação, que significa fazer um estudo com a identificação e indicação daquilo que será objeto de sopesamento e a sua razão; a execução da ponderação, ou seja, a pesagem dos bens jurídicos em tensão com a indicação de qual princípio

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- Identificação de um estado de tensão, ou seja, uma situação de conflito entre

princípios opostos, em que a satisfação de um dos princípios causará a violação do

outro;

- Busca de uma solução intermediária, que significa investigar previamente se

existe outra possibilidade de resolução, para que o princípio seja aplicado sem

afetar outro princípio da mesma categoria;

- Aplicação da ponderação, que consiste em atribuir peso a cada um dos princípios

colidentes, devendo o aplicador do direito considerar o melhor ponto de equilíbrio

entre eles, mediante sopesamento, tirando pontos de um e colocando pontos no

outro, até encontrar a solução final.

Robert Alexy, autor que se aprofundou no assunto da ponderação, em sua

teoria sobre direitos fundamentais, propõe a utilização da técnica, no caso de

conflito entre os princípios, e utiliza como modelo, para explicar a técnica, um

julgamento ocorrido no Tribunal Constitucional Alemão, já abordado neste

trabalho. Trata-se do caso Lebach, que, justamente, cuida do direito ao

esquecimento. A decisão, naquele caso, também ocorreu em três etapas461.

- A primeira etapa, em que se constata a situação de tensão entre a proteção da

personalidade e a liberdade de informar.

- A segunda etapa, em que o Tribunal Constitucional Alemão sustenta uma

precedência geral da liberdade de informar para a hipótese de informação atual

sobre atos criminosos.

- A terceira etapa, em que a decisão é proferida e o Tribunal reconhece que a

repetição de um noticiário de televisão sobre um crime grave e sem interesse atual

de informação impede a ressocialização do autor do crime. Neste caso a proteção

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       irá prevalecer no caso; a recomposição da ponderação, que acarreta a revelação de regras sobre a preferência apontada nos elementos sopesados, que devem ter uma pretensão de validade. 461 Robert Alexy, Teoria, cit., p. 100-103.

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da personalidade tem precedência sobre o direito de informar e leva à proibição da

veiculação da notícia.

Utilizando-se dos preceitos de Alexy é possível chegar à seguinte

fórmula para a obtenção do sopesamento: em um caso concreto, o princípio P1 terá

um peso maior do que P2, princípio com que colide, e, havendo razões cabais para

que ocorra a prevalência de P1 sobre P2, sob as condições C, existentes naquela

situação concreta, estará completa a técnica da ponderação. Desta forma, no caso

específico do crime Lebach a ponderação que levou à preferência pelo direito ao

esquecimento pautou-se por quatro condições: repetição; ausência de interesse

atual; grave crime; risco à socialização462.

No direito ao esquecimento é possível esquematizar as etapas da

ponderação do seguinte modo:

- Em primeiro lugar, a verificação de um estado de tensão entre o direito ao

esquecimento e outros princípios, que se materializa com a constatação de que não

será possível o reconhecimento daquele direito sem prejuízo à liberdade de

expressão ou do direito de informação. Ou então sem violação do direito à memória

e à verdade histórica.

- Em segundo lugar, a busca da solução intermediária, quando for possível aplicar o

direito ao esquecimento sem prejuízo de nenhum outro princípio.

- Por fim, a aplicação da ponderação, com o resultado de que o direito ao

esquecimento somente terá cabimento se for invocado em favor de interesse

particular, em que alguém não deseja a divulgação de fatos do passado que

perderam a atualidade, se não houver prejuízo ao interesse maior da coletividade.

Desta forma, é possível afirmar que, de maneira geral, o vetusto princípio

da preferência do interesse público sobre o particular irá balizar o aplicador do

direito ao se realizar a ponderação, e que o direito ao esquecimento deverá ser                                                                                                                462 Robert Alexy, Teoria, cit., p. 97-103.

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  204  

reconhecido apenas para o interesse meramente particular. Presente o interesse

público, os outros princípios, como a liberdade de expressão ou o direito de

informação, deverão prevalecer. Deve-se fazer o mesmo raciocínio para se chegar à

conclusão sobre a preferência da memória coletiva e da história sobre o direito ao

esquecimento.

Portanto, no direito ao esquecimento, a ponderação implica no seguinte

modelo: o indivíduo comum pode requerer a retirada de dados sobre a sua pessoa,

desde que a informação não seja mais de interesse da coletividade. Em

contrapartida, cabe ponderação, de forma que a exclusão de informações de pessoas

públicas não possa ocorrer sem maiores indagações, uma vez que suas atuações

podem interessar à coletividade; neste caso, o direito à preservação da vida privada

acaba perdendo espaço para o interesse geral no acesso às informações463.

Há, para tanto, de se diferenciar o interesse público do interesse do

público. O interesse público está presente nas notícias com relevância para a

coletividade464. Ou seja, notícias essenciais para a proteção da saúde ou segurança

pública ou para a prevenção da população465.

                                                                                                               463 Airton Portela, Manual de direito constitucional, vol. 1, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 263. 464 Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, cit., p. 285. 465 Há de se destacar o posicionamento de Luís Roberto Barroso (Liberdade de expressão versus direitos da personalidade: colisão de direitos fundamentais e critérios de ponderação in, Ingo Wolfgang Sarlet (org.), Direitos fundamentais, informática e comunicação: algumas aproximações, cit., p. 98-99), que entende que o interesse público é algo muito mais amplo, pois fatos verdadeiros obtidos por meios lícitos, noticiados em veículos de imprensa de época, ou que constam em registros policiais ou judiciais, fazem com que as pessoas envolvidas tornem-se personalidades públicas. Para o autor, em tais situações, deverá prevalecer a liberdade de expressão e de informação em relação aos direitos da personalidade. Não podemos concordar com a posição descrita porque, segundo este raciocínio, a liberdade de expressão seria absoluta, e o direito à privacidade e o princípio da dignidade da pessoa humana não teriam nenhuma aplicação. Todos são princípios constitucionais com a mesma importância. Para que um tenha prevalência frente ao outro deve-se aplicar a ponderação em cada caso concreto. Logo, não há interesse público em toda notícia ou informação publicada de maneira

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Entende-se que pessoas públicas ou envolvidas em assuntos públicos não

podem pretender a mesma privacidade de um indivíduo comum. Conforme

ensinam Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco466 sobre o homem público:

"vivendo ele do crédito público, estando constantemente envolvido em negócios

que afetam a coletividade, é natural que em torno dele se avolume um verdadeiro

interesse público, que não existiria com relação ao pacato cidadão comum".

Desta forma, o direito ao esquecimento não poderá ser invocado por

parte do homem político que ocupa cargo institucional, uma vez que em tal

situação existe um interesse relevante e objetivo no conhecimento da história

pessoal ou particular deste homem467.

Com relação às pessoas notórias, mas que não prestam um serviço

público à coletividade, as chamadas celebridades, estas acabam tendo a sua

privacidade limitada, até pela própria atividade em que atuam, como inclusive já

foi abordado na questão das biografias não autorizadas. O que não significa, no

entanto, que fatos relacionados a elas poderão ser divulgados de forma ilimitada e

indefinida. As pessoas notórias também têm direito a que não sejam divulgados ou

noticiados os fatos que perderam com o tempo o sentido institucional468. No

entanto, sempre que houver dúvida sobre o que deve prevalecer, deverão ser

ponderados os princípios envolvidos469.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       lícita. Se estas se referirem a pessoa comum e o fato houver perdido a atualidade, não haverá interesse público. 466 Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, cit., p. 285. 467 Massimiliano Mezzanotte, Il diritto all'oblio, cit. p. 116. 468 Claudio Luiz Bueno de Godoy, A liberdade de imprensa e os direitos da personalidade, 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 76. 469 Ricardo Luis Lorenzetti (A arte de fazer justiça, Trad. Maria Laura Delaloye, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 75) explica o raciocínio para a elaboração do critério da ponderação, quando ocorre o confronto com a privacidade das pessoas públicas: "o ponto de partida é que a pessoa tem uma vida privada que deve ser protegida. Se for um caso envolvendo um funcionário público, pode enfraquecer a proteção da privacidade para permitir a crítica e

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Os fatos que entraram para a história ou os crimes contra a humanidade,

que despertam a memória coletiva, também, evidentemente, têm interesse público.

Nem sempre será uma tarefa fácil o desmembramento do que tem

relevância pública daquilo que não tem. Certamente haverá alguma dificuldade

para ser estabelecido o que é apenas privado e o que é de interesse da coletividade.

Mas o critério da ponderação serve justamente para isso, para aplicar a cada caso

concreto o devido sopesamento entre os princípios. Algumas situações são mais

claras do que outras. Um político desperta interesse coletivo e seus feitos ou

desfeitos não podem ser esquecidos. Crimes contra a humanidade jamais poderão

ser esquecidos. Fatos que entraram para a história não podem ser esquecidos. Por

outro lado, o cidadão comum, que um dia teve dívidas mas já as sanou, não

desperta interesse coletivo, e por isso deve ser esquecido. Uma apresentadora de

televisão que há mais de trinta anos fez filmes para o público adulto e hoje atua em

outras áreas também deve ser esquecida. Uma pessoa que foi injustamente acusada

por um crime deve ser esquecida. Um criminoso comum que pagou pelos seus

crimes tem direito à ressocialização e por isso deve ser esquecido. A vítima de um

crime ou os seus familiares, se assim preferirem, também devem ser esquecidos. O

esquecimento, nestes casos, deverá ocorrer em todos os meios de comunicação.

Mas não há uma fórmula mágica para toda e qualquer situação. O aplicador do

direito deve analisar a situação concreta e ponderar, tendo-se presente que o direito

ao esquecimento não diz respeito a fatos atuais, mas apenas aos fatos antigos que

perderam a atualidade e que portanto não tenham qualquer interesse público                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        satisfazer outro princípio, do desenvolvimento democrático. Portanto a compatibilidade destes dois critérios exige que o funcionário admita algum dano tolerável para a sua privacidade. Quando se trata de informações pessoais de um funcionário, também pode enfraquecer a proteção para satisfazer o princípio da transparência dos atos. A compatibilidade exige a divulgação dos depoimentos com alguma regulação para evitar excessos. Se são dados de uma pessoa que não é pública, a regra geral aplica-se: a sua privacidade está protegida. Se uma pessoa privada que está exposta a vida pública habitualmente, como um artista ou um jogador de futebol, é logico que a proteção é menor".

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envolvido.

Concluindo, o direito ao esquecimento pode ser invocado pelo particular

para evitar a violação de direito da personalidade. O Código Civil, em seu artigo

11, proclama a não taxatividade dos direitos da personalidade, e o direito ao

esquecimento se enquadra nesta categoria. Está, assim, elucidado que o direito ao

esquecimento é uma forma de direito da personalidade que ainda não encontra

norma expressa na legislação brasileira. Mas existem outros direitos da

personalidade que também não foram ainda positivados e nem por isso perdem esta

qualidade ou primazia. O aplicador do direito deve evitar a violação dos direitos da

personalidade, quaisquer que sejam eles, tanto os positivados como os não

positivados. O direito ao esquecimento é um corolário do direito à felicidade e por

isso também deve ser respeitado, desde que observados os limites acima

desenvolvidos. Uma ofensa aos direitos da personalidade, segundo Rosa Maria de

Andrade Nery significa "uma quebra da unidade da natureza humana. (...) é a

quebra da harmonia do todo. É a falta de qualquer das partes que constituem o

todo"470. E isso, evidentemente, deve ser evitado a qualquer custo.

                                                                                                               470 Rosa Maria de Andrade Nery, Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 285.

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12. Sugestões de lege ferenda.

O direito ao esquecimento não é tratado de forma expressa na legislação

brasileira, mas, poderá ser admitido independentemente de sua positivação. Trata-

se de um direito da personalidade autônomo e portanto já está integrado no sistema

jurídico. Sua tutela pode e deve ser reconhecida, face à divulgação de informações

particulares que já perderam a atualidade, conforme procuramos explorar neste

trabalho.

Este estudo também tem o objetivo de trazer algumas sugestões para

corrigir alguns desacertos em relação ao assunto, que vem levantando discussões

acaloradas na doutrina e na jurisprudência.

Seria bastante conveniente a inclusão de norma expressa, tratando do

direito ao esquecimento, para que não subsistam dúvidas sobre a sua aplicação.

Esta inclusão poderia ocorrer, inicialmente, no Código Civil e também no Marco

Civil da Internet.

Com relação ao Código Civil, a inclusão deveria dar-se de maneira

genérica, ao lado de outros direitos da personalidade. A alteração poderia ser no já

estudado artigo 21, que trata da vida privada, com o acréscimo do direito ao

esquecimento. A sugestão de novo texto é a seguinte:

"A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma, incluindo as hipóteses do direito ao esquecimento". (grifo e inserção da autora)

Como já foi explorado, o artigo foi objeto de ação direta de

inconstitucionalidade e teve sua interpretação regulamentada pelo Supremo

Tribunal Federal, sem redução de texto. Mas o caso trata apenas de biografias não

autorizadas. A sugestão é apenas de inclusão do direito ao esquecimento para

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particulares e não diz respeito às biografias.

No Marco Civil da Internet deveria ocorrer, especificamente, uma

alteração quanto aos dados eletrônicos, nos moldes da nova Diretiva europeia,

também explorada neste estudo. Dever-se-ia incluir artigo regulamentando a

autodeterminação de dados e cuidando expressamente do direito ao esquecimento.

Assim, informações pessoais que perderam a atualidade poderiam ser retiradas pelo

próprio interessado por via administrativa. Bastaria fazer um pedido diretamente ao

site que divulgou a notícia ou aos motores de busca. Nossa sugestão, portanto, é a

inclusão de mais um inciso para o artigo 7º, da Lei 12.965/2014, que teria a nova

redação:

"O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: (...) XIV - o direito ao esquecimento, quando o titular já não quiser que os seus dados sejam tratados, sendo-lhe facultado solicitar a sua eliminação, a menos que existam motivos legítimos para a sua conservação". (grifo e inserção da autora)

Mais uma sugestão é a regulamentação do direito de resposta para o

direito ao esquecimento. A Lei 13.188/2015 já disciplina o direito de resposta, na

hipótese de violação de outros direitos da personalidade, como honra, intimidade e

imagem. Desta forma, com a inclusão do direito ao esquecimento, o artigo 2º, § 1º,

teria uma nova redação:

"Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo. § 1º Para os efeitos desta Lei, considera-se matéria qualquer reportagem, nota ou notícia divulgada por veículo de comunicação social, independentemente do meio ou da plataforma de distribuição, publicação

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ou transmissão que utilize, cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca, a imagem ou o direito ao esquecimento de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação. (...)". (grifo e inserção da autora)

Além das propostas de alteração na legislação brasileira, como existe

uma integração mundial de informações por meio da internet, também é preciso de

uma solução global para o esquecimento digital, ou seja, não se resolve a questão

de maneira satisfatória se os dados forem eliminados de um país e não de outro.

Devido à tecnologia digital, existem muitas dificuldades para se

implementar uma tutela efetiva de direito ao esquecimento, mas algumas soluções

são possíveis. Uma delas é o uso da própria tecnologia para se criarem métodos que

permitam o uso de data de validade de informação na internet. Após certo tempo a

notícia expira e automaticamente sai da rede. Logicamente deve haver o respeito à

liberdade de expressão ou de informação, mas estas também deverão ter limites.

No que diz respeito à internet, também deverá ser iniciada uma ampla,

aberta e intensa discussão sobre o esquecimento, para garantir a sua importância no

nosso futuro digital. A criação de um tratado internacional, com a participação do

maior número possível de países, para a unificação do entendimento sobre o

assunto, seria de bom alvitre, mas, quanto a isso, sabemos que é uma solução

bastante difícil de ser implementada.

Cumpre mencionar ainda a existência de dois projetos de lei sobre o

direito ao esquecimento, que já foram examinados no capítulo 7, item 7.5. São os

projetos 7.881/2014 e 1.676/2015. Ambos tramitam na Câmara dos Deputados.

Por fim, há de se esclarecer que, mesmo com expresso reconhecimento

na norma, como o direito ao esquecimento poderá ser confrontado com outros

direitos, caberá ao aplicador do direito valer-se da ponderação, para que o seu

reconhecimento se dê apenas nas hipóteses em que não houver interesse da

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coletividade.

Estas são as modificações que julgamos imprescindíveis para que o

direito ao esquecimento possa ser aplicado com eficácia no direito brasileiro.

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  212  

Conclusão.

1. Os direitos da personalidade são atributos da pessoa humana e

pertencem a uma categoria autônoma do sistema dos direitos subjetivos, com

caráter essencial. Podem ser diferenciados dos direitos fundamentais e dos direitos

humanos, em razão do enfoque dado a cada um. Todos protegem os direitos da

pessoa humana, mas os direitos da personalidade têm um enfoque privado. Os

direitos fundamentais dizem respeito às relações entre a pessoa e o Estado e têm

um enfoque público. Já os direitos humanos fazem parte do direito internacional

público, em que os Estados exigem o respeito aos direitos da pessoa humana. Ao

final todos interagem, por força da chamada "constitucionalização do direito civil",

e têm o mesmo valor tutelado: a dignidade da pessoa humana.

2. O fundamento jurídico dos direitos da personalidade é o direito

natural. São direitos inerentes à pessoa humana, independentemente de positivação.

A teoria do direito geral da personalidade reduz estes direitos a uma figura unitária,

objeto de tutela jurídica geral, com base na quantidade de tipos de ofensas possíveis

aos direitos da personalidade. Por isso, admite a inserção de novos conceitos, como

o do direito ao esquecimento. Uma das características dos direitos da personalidade

é a sua não taxatividade; assim, se a teoria do direito geral da personalidade for

insuficiente para o reconhecimento do direito ao esquecimento, este poderá ser

enquadrado como um deles, em razão de os direitos da personalidade não serem

exaustivos.

3. As três principais classificações dos direitos da personalidade são:

direito à integridade física, direito à integridade intelectual e direito à integridade

moral. O direito ao esquecimento é classificado como um direito moral, porque

leva em conta os atributos valorativos da pessoa na sociedade.

4. A pessoa humana é o principal titular dos direitos da personalidade,

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  213  

uma vez que estes são inerentes a ela. No entanto podem ser também titulares de

direitos da personalidade as figuras do nascituro, da pessoa já falecida e também a

da pessoa jurídica. Os direitos da personalidade estão presentes desde a concepção,

em razão do direito à vida. Alguns subsistem mesmo em relação a pessoas já

falecidas. E outros são atribuídos, no que for compatível, também às pessoas

jurídicas. Desta forma, o direito ao esquecimento pode ser reconhecido também

para as pessoas já falecidas e para as pessoas jurídicas.

5. Alguns direitos da personalidade foram previstos na Constituição

Federal de 1988, com base na dignidade da pessoa humana, e se relacionam com o

direito ao esquecimento. São o direito à privacidade, à intimidade, à honra e à

imagem. Mas o direito ao esquecimento se destaca dos demais porque é uma figura

autônoma com características próprias: diz respeito apenas aos fatos do passado

que perderam a sua atualidade.

` 6. O direito ao esquecimento também pode relacionar-se com alguns

direitos fundamentais, como o direito de informação, a liberdade de expressão e a

livre manifestação de pensamento. Todos estes são pressupostos do Estado

Democrático de Direito, mas, ainda assim, podem sofrer limitações provindas dos

direitos da personalidade e especificamente do direito ao esquecimento. Os direitos

assim conflitados deverão ser submetidos ao sopesamento, para que se determine

aquele que deverá preponderar.

7. O Código Civil de 2002 tratou dos direitos da personalidade de forma

genérica: não mencionou todas as suas categorias, deixando esta tarefa para a

doutrina e para a jurisprudência. Os artigos 20 e 21, que tratam, respectivamente,

da imagem e da privacidade das pessoas, foram objeto de questionamento, porque

havia interpretação no sentido de que não se poderiam publicar ou exibir biografias

sem a prévia autorização das pessoas biografadas. A questão foi resolvida em

julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal

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Federal, que decidiu pela dispensa da anuência prévia dos biografados, a qual

poderia ser considerada uma forma de censura. Não houve redução de texto dos

artigos. Caso a biografia viole direitos da personalidade, estarão assegurados o

direito de resposta e também a reparação de danos.

8. A questão das biografias não autorizadas não pode ser confundida com

a pretensão do reconhecimento ao direito ao esquecimento porque este diz respeito

a interesses particulares que já estão adormecidos e não despertam mais o interesse

público, ao contrário das biografias, em que prevalece o direito de informação e a

liberdade de expressão, justamente porque há o interesse público. Mas, de qualquer

forma, deverão ser coibidos os abusos contra direitos da personalidade.

9. O direito ao esquecimento é a faculdade de que dispõe o titular de um

fato pessoal de obter a remoção dos dados a ele relacionados, em razão do decurso

de tempo. É direito da personalidade e tem as mesmas características dos demais.

Tem como origem a ideia de privacidade, mas foi desenvolvido como categoria

autônoma porque diz respeito a certos fatos antigos que devam ser destacados e

esquecidos.

10. O Enunciado 531, aprovado pela VI Jornada de Direito Civil do

Conselho de Justiça Federal em março de 2013, dispõe que a tutela da dignidade da

pessoa humana inclui o direito ao esquecimento e tem como justificativa os danos

provocados pelas novas tecnologias de informação.

11. A Constituição Federal de 1988 não tratou expressamente do direito

ao esquecimento, mas direitos e garantias que não foram referidos também são

assegurados pela Carta Magna. Além disso, o princípio da dignidade da pessoa

humana também origina direitos não positivados. É o que ocorre com o direito ao

esquecimento.

12. O Código Civil também não cuidou explicitamente do direito ao

esquecimento, mas seu artigo 12 prevê que outras espécies de direitos da

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  215  

personalidade podem ser tuteladas. O direito civil experimenta constante

transformação e uma relação intensa com os direitos humanos, cujo fundamento é a

dignidade da pessoa humana, que dispensa positivação, uma vez que dignidade e

pessoa são termos únicos, e estas são o objeto da proteção própria do direito ao

esquecimento.

13. O Brasil reconheceu o direito ao esquecimento por meio da doutrina e

da jurisprudência. O tema tem como origem a reabilitação penal do criminoso, mas

ganhou outras vertentes. É um direito fundado no decurso do tempo, assim como

tantos outros, como a prescrição, a decadência, a anistia e o perdão.

14. Outros países também reconhecem o direito ao esquecimento por

meio da doutrina e da jurisprudência. É o caso de alguns países europeus, como a

Itália, a França, a Alemanha e a Espanha. Existem alguns julgados emblemáticos

sobre o assunto em países estrangeiros, como o caso Lebach, julgado na Alemanha

em 1973, e o caso Filipachi versus Cogedipresse, na França, de 1983, ambos

reconhecendo o direito ao esquecimento.

15. No Brasil, o direito ao esquecimento foi reconhecido pelo Superior

Tribunal de Justiça, em favor de um sujeito acusado, indevidamente, como um dos

coautores do crime conhecido como chacina da Candelária. Uma rede de televisão

exibiu um programa muitos anos depois retratando o caso e citando o nome do

sujeito, quando ele já estava recuperado do fato, e por isso foi condenada a

indenizá-lo, em razão da violação do direito ao esquecimento.

16. O Superior Tribunal de Justiça já deixou de reconhecer o direito ao

esquecimento em outra ação, em que familiares da vítima de um crime famoso se

sentiram prejudicadas pela exibição de um programa de televisão retratando todos

os detalhes do crime, mais de cinquenta anos após a sua ocorrência. No julgamento

foi estabelecido que se tratava de fato histórico e que não caberia o direito ao

esquecimento. O caso está tramitando no Supremo Tribunal de Justiça e foi

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declarado como de repercussão geral.

17. O direito ao esquecimento tem algumas vertentes possíveis: a das

vítimas de crimes ou seus parentes, que não desejam mais lembrar-se de fatos do

passado; a das pessoas acusadas injustamente por alguma falta ou delito; dos

criminosos que já cumpriram suas penas e desejam a ressocialização; a do

esquecimento digital de pessoas que não desejam mais que suas informações

pessoais antigas circulem na internet. São pessoas que querem que fatos antigos,

não necessariamente negativos, mas que perderam a atualidade, não mais sejam

divulgados porque se tornaram prescindíveis.

18. As notícias ou fatos divulgados pela internet tornam-se perenes e

geram uma vertente específica do direito ao esquecimento: o direito de apagar

dados digitais. Podem ser dados pessoais ou notícias antigas publicadas no passado:

o titular terá direito à sua ocultação, supressão ou cancelamento. Mas o direito ao

esquecimento digital está submetido a limites. É o chamado Big Data: são as

informações associadas a conteúdo de soberania nacional e que devem prevalecer.

Envolvem assuntos como a prevenção de doenças, pedofilia, racismo ou terrorismo.

19. Alguns países, como o México, a Argentina e o Canadá, têm leis

regulamentando a proteção de dados digitais. Outros, como Portugal, Espanha,

Holanda e Grécia, tratam em suas Constituições da autodeterminação de dados.

20. A União Europeia também tem regulamentação sobre a proteção de

dados pessoais. Trata-se da Diretiva 95/46, que prevê o respeito aos direitos

fundamentais pelos sistemas de tratamento de dados. Foi com base nesta diretiva

que o Tribunal de Justiça europeu, em julgamento histórico, decidiu pelo direito ao

esquecimento digital e determinou que motores de busca como o Google deveriam

retirar dados que perderam a atualidade quando solicitado pelo interessado. A

decisão atinge somente os países europeus, e por isso, se consultados motores de

busca de outros países, é possível encontrar a mesma notícia que na Europa foi

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suprimida.

21. Foi aprovada proposta de alteração da Diretiva 95/46 para inserção

expressa do direito ao esquecimento. Esta deverá entrar em vigor no início de 2018

e alcançará os países membros da União Europeia e os prestadores de serviços

locais, mesmo que estrangeiros.

22. Ao contrário dos países da Europa, os Estados Unidos não acolhem

pedidos para se apagarem dados digitais com base no direito ao esquecimento

porque, naquele país, há uma preponderância da liberdade de imprensa e de

expressão, em relação aos direitos da personalidade.

23. O Brasil não admite a possibilidade de apagar dados da internet pela

via administrativa, mas existem decisões neste sentido na jurisprudência. A

legislação brasileira cuida apenas de forma parcial do uso da internet e do controle

de dados pessoais. Existe previsão limitada do assunto no Código de Defesa do

Consumidor, na Lei de Acesso à Informação, na Lei do Habeas Data e no Marco

Civil da Internet. Nenhum destes diplomas legais trata expressamente do direito ao

esquecimento.

24. O projeto de lei 1.676/2015, que está tramitando na Câmara dos

Deputados, prevê o direito ao esquecimento, com a possibilidade de retirada de

conteúdo digital de veículos de informação e de sites de busca por via

administrativa, desde que não haja interesse público na manutenção do conteúdo.

Se aprovado, será a primeira lei brasileira a tratar do tema.

25. O titular do direito ao esquecimento pode exigir a cessação de

ameaça ou lesão de seu direito, além de reclamar perdas e danos, como ocorre em

relação a qualquer outro direito da personalidade. Pode-se utilizar a tutela inibitória

para impedir a divulgação de uma notícia do passado que não tenha mais

importância no presente ou pelo menos sobrestar a sua divulgação. Podem ser

utilizadas medidas de urgência, como a tutela antecipada, e a aplicação de multa

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cominatória. Para tanto deve ser demonstrado o risco da ocorrência de ato ilícito.

Se a violação do direito ao esquecimento levar à consumação do dano ao titular,

caberá ainda a tutela ressarcitória específica e também a exigência do direito de

resposta de forma proporcional ao agravo sofrido.

26. A verdade poderá se confrontar com o direito ao esquecimento,

especialmente quando se tratar do direito à memória e à verdade histórica. Este

assegura que toda pessoa tenha acesso às informações de interesse público, com o

direito de buscar o passado valendo-se da conservação ou transmissão de dados que

abranjam patrimônio cultural da coletividade. É um direito da personalidade

garantido pela Constituição Federal e está amparado em diversos tratados

internacionais subscritos pelo Brasil, incluindo a Declaração Universal dos Direitos

Humanos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

27. Questões históricas relevantes, como o Holocausto e as ditaduras

ocorridas na América Latina, envolvem diversos crimes contra a humanidade,

como a morte, o desaparecimento de pessoas e a tortura, os quais jamais deverão

ser esquecidos, pois a preservação da memória e da verdade histórica são uma

forma de evitar que ocorram novamente.

28. Em geral, os países da América Latina tiveram um período de

transição, entre o final de seus regimes ditatoriais e a instalação de regimes

democráticos, em que vigoraram leis de anistia e crimes contra a humanidade não

foram julgados. A Argentina é uma exceção, porque a lei de anistia local foi

anulada e os acusados de crimes contra a humanidade puderam ser julgados. Os

demais países instalaram comissões da verdade para preservação da memória, mas

não houve punição.

29. No Brasil a Lei de Anistia foi considerada constitucional, e também

aqui os culpados não foram punidos. A anistia é um instrumento utilizado em nome

da paz social, mas conduz ao esquecimento e à negação da memória. É o

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esquecimento jurídico de uma infração penal, mas, aplicada em nome da paz social,

acaba ensejando o perdão e pode transformar-se em mecanismo de impunidade.

30. O direito ao esquecimento jamais poderá apagar fatos históricos. Visa

apenas a proteger a memória individual e não pode ser aplicado às graves violações

de direitos humanos. Crimes de guerra, crimes políticos, torturas ou massacres não

podem ser esquecidos, porque existe um interesse público na preservação da

história e da memória coletiva.

31. A liberdade de expressão e o direito de informação podem colidir

com diversos direitos da personalidade, inclusive com o direito ao esquecimento.

Mas deve-se buscar o equilíbrio entre todos estes direitos, pois todos coexistem e

nenhum deles pode ser considerado absoluto. A cada caso concreto, deve-se aplicar

o sopesamento para se estabelecer qual deve prevalecer. A ponderação é o critério

que se deve utilizar no caso de antinomia entre princípios. A técnica foi

reconhecida pelo artigo 489, § 2º, do novo Código de Processo Civil.

32. O direito ao esquecimento deve ser considerado um princípio, pois,

embora não positivado, pode ser extraído de princípios constitucionais ligados à

privacidade e especialmente à dignidade da pessoa humana. É uma categoria

autônoma de direito da personalidade, porque diz respeito a fatos antigos que

perderam a atualidade e que causam um sofrimento absolutamente desnecessário,

por despertarem eventos que estavam adormecidos no passado.

33. A ponderação deve ocorrer em etapas. A primeira é a verificação do

estado de tensão entre o direito ao esquecimento e outros princípios. A segunda é a

busca de uma solução intermediária que não traga prejuízo a nenhum princípio. Se

não for possível, aplica-se a ponderação propriamente dita, ou seja, o sopesamento

entre cada um dos princípios em estado de tensão até que se encontre a solução

final.

34. O princípio da preferência do interesse público sobre o privado serve

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de guia para a aplicação do direito ao esquecimento, que será reconhecido somente

para o interesse meramente particular. Se houver interesse público os demais

princípios, envolvendo a liberdade de expressão e o direito de informação, deverão

prevalecer. Assim, o indivíduo comum pode requerer a supressão de informações a

seu respeito, desde que não haja interesse da coletividade na sua manutenção.

35. Devem ser criados parâmetros para a delimitação do direito ao

esquecimento, por isso é importante especificar o seu alcance e objetivo. Não existe

uma solução perfeita: o titular que precisar utilizar a via judicial para conseguir

suprimir ou suspender uma informação a seu respeito pode ter justamente o efeito

oposto, uma repercussão social ou uma comoção geral. Não defendemos que o

direito ao esquecimento seja absoluto ou irrestrito. Certamente deve ser aplicado

com cautela. Não poderá ser invocado para apagar a história ou a memória coletiva.

 

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