Prática de Ensino Supervisionada em Educação Pré-Escolar · que dá valor e tira benefícios da...

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Prática de Ensino Supervisionada em Educação Pré-Escolar Joana Cristina da Conceição Campos Morgado Gonçalves Relatório Final de Estágio apresentado à Escola Superior de Educação de Bragança para obtenção do Grau de Mestre em Educação Pré-Escolar Orientado por Maria Angelina Sanches Bragança 2015

Transcript of Prática de Ensino Supervisionada em Educação Pré-Escolar · que dá valor e tira benefícios da...

  • Prtica de Ensino Supervisionada em Educao Pr-Escolar

    Joana Cristina da Conceio Campos Morgado Gonalves

    Relatrio Final de Estgio apresentado Escola Superior de Educao de

    Bragana para obteno do Grau de Mestre em Educao Pr-Escolar

    Orientado por

    Maria Angelina Sanches

    Bragana

    2015

  • I

    Dedicatria

    minha me,

    pela coragem e fora que nos transmite.

  • II

    Agradecimentos

    Este trabalho resultado de um ano de muito esforo. Conciliar os estudos,

    aulas, exames, estgio, o trabalho e a vida familiar nem sempre foi fcil. A todos

    aqueles que me apoiaram neste percurso quero manifestar o meu agradecimento.

    Em primeiro lugar agradeo minha orientadora Professora Doutora Angelina

    Sanches, pela disponibilidade, ateno dispensada, pacincia e dedicao.

    s educadoras cooperantes, Ana Lusa e Laurinda Teresa pela total

    disponibilidade e apoio.

    s minhas colegas de trabalho, Ana Rita, Ins e, em especial, Lcia por toda a

    amizade, incentivo e apoio.

    s instituies que to bem me acolheram e que tornaram possvel este trabalho.

    s crianas que participaram neste estudo e sem as quais este trabalho no teria

    sido possvel.

    Ao meu filho Rafael pelo seu sorriso. Desculpa pelos minutos em que no te

    dediquei toda a ateno que merecias.

    minha famlia, em particular, os meus pais e minha irm por me

    incentivarem a adquirir toda a minha formao ps-licenciatura. Por serem um exemplo

    de fora e de apoio incondicional, mesmo quando a vida nem sempre fcil.

    Ao meu marido, Lucas, pelo apoio, compreenso e encorajamento, durante esta

    fase.

  • III

    Resumo

    Considerando a relevncia que o ldico pode assumir no processo de

    aprendizagem das crianas procuramos, neste relatrio, centrar a reflexo sobre as

    oportunidades promovidas ao nvel da ao educativa pr-escolar para as crianas

    aprenderem atravs do brincar.

    Nesta linha, procurmos aprofundar conhecimentos que nos permitissem

    perceber modos de entender a criana e a infncia, o processo de aprendizagem e de

    construo da cidadania, bem como o papel do ldico nestes processos e as linhas de

    orientao curricular para a ao educativa pr-escolar.

    Do ponto de vista das opes metodolgicas, recorremos investigao-ao

    enquanto estratgia de estudo, possibilitando-nos assumir o papel de observador

    participante, o que nos possibilitou compreender melhor a nossa ao e ir reajustando-a

    para poder apoiar a progresso das crianas e atender curiosidade manifestada. O

    principal objetivo centrou-se em aprofundar de conhecimentos sobre como articular o

    ldico com a abordagem integrada das diferentes reas e domnios de contedo

    curricular.

    Os resultados deixam perceber a importncia a atribuir organizao do

    ambiente educativo, no sentido de uma continuada melhoria, bem como aos processos

    interacionais para apoiar, respeitar e valorizar a atividade ldica das crianas. Os dados

    relevam, ainda, a importncia de sensibilizar os pais para a valorizao do brincar

    enquanto meio de aprendizagem das crianas da faixa etria pr-escolar.

    Palavras-chaves: Educao pr-escolar; ao educativa; crianas, ldico e

    aprendizagem.

  • IV

    Abstrat

    Considering the importance that the playful can assume in the learning process

    of children we seek, in this report, to focus reflection on the opportunities promoted at

    the level of the pre-school educational activity for children to learn through play.

    In this line, we have tried to deepen knowledge that allow us to realize the child

    understand modes and childhood, the learning process and the construction of

    citizenship, as well as the role of playfulness in these processes and curricular

    guidelines for pre-school educational activity.

    From the point of view of methodological options, we resort to action research

    as a strategy, enabling us to assume the role of watcher participant, which allowed us to

    better understand our action and readjust it to support the progression of children and

    meet the curiosity manifested. The main goal focused on deepening knowledge on how

    to articulate the playful with the integrated approach of the different areas and areas of

    curricular content.

    The results show the importance to be attributed to the Organization of the

    educational environment in the sense that an ongoing improvement, as well as to

    interactional processes to support, respect and enhance the recreational activity of

    children. The data reveals also the importance of sensitizing parents to the value of play

    as a means of learning of children of pre-school age.

    Keywords: Pre-school education; educational action; kids, playful and learning.

  • V

    ndice Geral

    Dedicatria......................................................................................................................... I

    Agradecimentos ................................................................................................................ II

    Resumo ........................................................................................................................... III

    Abstrat ............................................................................................................................ IV

    Introduo ......................................................................................................................... 1

    I Fundamentao terica ................................................................................................ 3

    1. As crianas e a infncia: olhares e perspetivas ......................................................... 3

    2. Os Direitos das Crianas ........................................................................................... 5

    3. As crianas como construtoras de conhecimento e cultura ...................................... 6

    4. Aprendizagem da cidadania: desafios para a educao de infncia ......................... 8

    5. O papel do educador no processo educativo ........................................................... 12

    6.(Re)pensando a importncia do ldico na educao de infncia ............................. 14

    6.1. A educao de infncia como espao ldico e aprendizagem ......................... 14

    6.2. O ldico no processo de aprendizagem da criana: cruzamento de perspetivas ... 17

    6.3. Orientaes Curriculares: ludicidade e aprendizagem na educao pr-escolar

    ................................................................................................................................. 21

    II- Opes metodolgicas ............................................................................................... 27

    1. Contextualizao e objetivos do estudo .................................................................. 27

    1.1. A investigao-ao como opo metodolgica .............................................. 28

    1.2.Tcnicas e instrumentos de recolha de dados.................................................... 30

    1.3. Organizao e anlise dos dados ...................................................................... 33

    III - Caracterizao dos contextos de prtica educativa ................................................. 35

    1. Contexto de creche .................................................................................................. 35

    1.1.Contexto Institucional ....................................................................................... 35

    1.2. O grupo de crianas .......................................................................................... 36

    1.3.Organizao do ambiente educativo ................................................................. 36

    1.4.A organizao do tempo A rotina diria ........................................................ 38

    1.5. Descrio e anlise da prtica educativa .......................................................... 38

    2. Contexto de educao pr-escolar .......................................................................... 41

    2.1. Contexto institucional ...................................................................................... 41

    2.2. O grupo de crianas .......................................................................................... 42

  • VI

    2.3. A organizao do ambiente educativo ............................................................. 44

    2.4. Organizao do tempo A rotina diria .......................................................... 44

    2.5. O espao/sala .................................................................................................... 46

    2.6. Espao exterior ................................................................................................. 53

    2.7. Quadros reguladores do quotidiano pr-escolar ............................................... 54

    IV - Descrio e anlise da ao educativa em contexto Jardim-de-Infncia ................ 57

    1. Observar e descobrir: a brincar fazer cincia .......................................................... 57

    2. O jogo como estratgia de aprendizagem das regras de trnsito ............................ 66

    3. O brincar no tempo de atividades nas reas da sala ................................................ 67

    3.1.Representao de papis.................................................................................... 69

    4.Explorao do espao exterior ................................................................................. 72

    5. Dedicando um dia ao brinquedo ............................................................................. 76

    V- Reflexo Final ........................................................................................................... 81

    Bibliografia ..................................................................................................................... 85

  • VII

    ndice de Figuras

    Figuras 1 e 2: rea da casa e dos jogos 1 ....................................................................... 37

    Figuras 3 e 4: rea da garagem e do escorrega 1 ........................................................... 37

    Figura 5: Planta da sala Pr-escolar 1 ............................................................................. 48

    Figura 6: Mesas de trabalho em grupo 1 ........................................................................ 49

    Figura 7: rea da casa 1 ................................................................................................. 50

    Figura 8: rea dos jogos 1 .............................................................................................. 50

    Figura 9: rea dos carros 1............................................................................................. 51

    Figura 10: rea do computador 1 ................................................................................... 51

    Figura 11: rea da biblioteca 1 ...................................................................................... 52

    Figura 12: rea das cincias 1 ........................................................................................ 53

    Figuras 13 e 14: Parque infantil 1 ................................................................................... 54

    Figura 15: Colher a terra para brincar e poder semear 1 ................................................ 58

    Figuras 16, 17 e 18: Sementeiras e crescimento de plantas 1......................................... 58

    Figura 19: Observao com lupas 1 ............................................................................... 63

    Figura 20, 21 e 22: descoberta do meio local 1 .......................................................... 64

    Figura 23 e 24: Experincia de fazer sabonetes 1 .......................................................... 65

    Figura 25: Experincia de fazer bolas de sabo 1 .......................................................... 65

    Figura 26: Brincadeiras na rea da garagem 1 ............................................................... 71

    Figuras 27 e 28: Explorao do espao exterior 1 .......................................................... 73

    Figuras 29 e 30: Explorao de brinquedos 1 ................................................................ 74

    Figuras 31, 32 e 33: Explorao de novos brinquedos 1 ................................................ 74

    Figura 34, 35 e 36: Dia da famlia 1 ............................................................................... 76

    Figura 37 e 38: Dia do brinquedo 1 ................................................................................ 78

    Figuras 39, 40 e 41: O Panda e a Dr. Brinquedo 1 ........................................................ 79

    file:///C:/Users/a/Desktop/REl%20.PES%20Defendidos%202015/3_Joana_Relatrio%20Final%20verso%20prof%20(Reparado).docx%23_Toc438055049

  • VIII

    ndice de Tabelas

    Tabela 1: Previses sobre flutua ou afunda 1 ................................................................. 61

    Tabela 2: reas de atividade preferidas pelas crianas 1 ............................................... 68

    Tabela 3: Categorizao de jogos 1 ................................................................................ 75

    Tabela 4: Brinquedos preferidos de pais e filhos 1 ........................................................ 77

    ndice de grficos

    Grfico n 1 - Habilitaes Acadmicas 1 ...................................................................... 43

  • Introduo

    O presente trabalho surge no mbito do Mestrado em Educao Pr-Escolar

    ministrado pela Escola Superior de Educao de Bragana e inscreve-se na reflexo

    sobre a prtica profissional, que desenvolvemos e sobre a qual procuramos ampliar

    conhecimentos ao nvel da Educao Pr-Escolar.

    De acordo com o estabelecido na Lei-Quadro da Educao Pr-Escolar (Lei

    n5/97, de 10 de fevereiro) este nvel educativo definido como a primeira etapa da

    educao bsica e complementar da ao educativa da famlia, com a qual deve

    estabelecer cooperao, com vista a favorecer o desenvolvimento da criana a nvel

    pessoal e social. Por sua vez, as Orientaes Curriculares para a Educao Pr-Escolar

    [OCEPE] (Ministrio da Educao/Departamento de Educao Pr-Escolar [ME/DEB],

    2002) preconizam que deve enveredar-se por uma pedagogia baseada na cooperao e

    valorizar o carcter ldico de que se revestem muitas aprendizagens, pois o prazer de

    aprender e de dominar determinadas competncias exige tambm esforo, concentrao

    e investimento pessoal (p.18).

    O jardim-de-infncia cada vez mais o local onde as crianas passam um grande

    nmero de horas ativas, pelo que cabe ao educador a responsabilidade de oferecer

    condies para que as crianas se sintam protegidas, integradas e desafiadas a participar

    nas atividades propostas, mas tambm nas quais pode assumir o papel de construtora de

    conhecimentos. Sendo o brincar uma das atividades principais para uma criana

    pareceu-nos fundamental perceber de que modo as atividades ldicas/jogo/brincadeira

    podem contribuir para o desenvolvimento das crianas.

    Em termos de estrutura o trabalho encontra-se organizado em cinco captulos.

    No captulo I, integramos a fundamentao terica, na qual procuramos

    compreender de que modo a infncia vista pela sociedade e qual o seu papel na

    mesma. Abordamos ainda os direitos da criana, relevando que estes passam pelo

    direito a viver num ambiente social e familiar rico que a protege e acolhe, respeitando a

    sua fragilidade e o seu papel na sociedade. Neste contexto entende-se a criana como

    construtora de conhecimento e de cultura e como cidado com direitos e deveres

    (Dahlberg, Moss, Pence, 2003).

    A abordagem dos tpicos anteriormente referidos conduzem-nos a esclarecer

    qual o papel do educador no processo educativo.

  • Introduo

    2

    Trata-se de aspetos que nos parecem fundamentais para perceber de que forma

    uma prtica educativa que inclua o ldico/jogo/brincadeira permite favorecer o

    desenvolvimento e a aprendizagem das crianas da faixa etria pr-escolar. Nesta linha

    tentamos perceber de que forma a educao de infncia pode ser vista como um espao

    que d valor e tira benefcios da atividade ldica para a construo e desenvolvimento

    de aprendizagens, tendo em conta a perspetiva de autores como Piaget, Vygotsky,

    Bruner e Froebel.

    No Captulo II, descrevemos as opes metodolgicas, contextualizando a

    abordagem investigativa pela qual enveredamos, sendo esta de natureza qualitativa, os

    objetivos e questes de pesquisa bem como os procedimentos de recolha e anlise da

    informao.

    No captulo III procedemos caracterizao dos contextos educativos em que

    desenvolvemos a prtica educativa, incidindo num primeiro momento sobre o contexto

    de creche e num segundo sobre um contexto de jardim-de-infncia.

    No captulo IV, descrevemos e analisamos a informao recolhida sobre a prtica

    educativa, dando conta de um conjunto de experincias de aprendizagem que

    desenvolvemos ao longo do ano letivo 2014/2015.

    Por ltimo, inclumos as consideraes gerais, refletindo sobre a globalidade da

    prtica educativa desenvolvida e os dados emergentes da mesma.

  • 3

    I Fundamentao terica

    Neste captulo abordamos um conjunto de tpicos relacionados com a infncia, a

    educao pr-escolar e a atividade ldica, no sentido de mobilizar conhecimentos que

    nos ajudem a fundamentar melhor a ao educativa e investigativa que desenvolvemos.

    Assim, comeamos por refletir sobre modos de entender a infncia e as crianas

    no contexto atual, os seus direitos e perspetivas de atendimento. A seguir, debruamo-

    nos sobre a importncia do ldico no processo de ensino aprendizagem das crianas e

    sobre as orientaes curricular para a etapa educativa pr-escolar.

    1. As crianas e a infncia: olhares e perspetivas

    A construo de uma sociedade prspera est ligada ao investimento que se faz

    nas crianas, nos primeiros anos de vida, e, por conseguinte, aos modos como

    entendido o seu papel enquanto elementos da mesma. Nesta linha, importa lembrar que,

    como afirma Fernandes (2009), as crianas tm um espao e um tempo que, apesar das

    especificidades culturais, sociais, econmicas, configuradoras de complexidades e

    dissemelhanas significativas entre os seus elementos, marcam uma etapa de vida para

    qualquer indivduo e, determinam tambm a organizao de qualquer sociedade (p.25).

    Merece ainda considerar, como tambm defende a autora (2005), a necessidade de

    considerar as crianas como atores sociais e a infncia como grupo social com direitos,

    para o que o movimento de reconceptualizao da infncia, iniciado na dcada de 80 do

    sculo XX, tem vindo a contribuir atravs de estudos na rea da sociologia da infncia.

    Quando falamos de crianas, no nos reportamos ideia, mas a pessoas, que so ativas,

    sobretudo no seu quotidiano de vida. Nesta linha de pensamento Dahlberg, Moss e

    Pence (2003) alertam para o modo como se encara e conceitua a criana e a infncia,

    considerando que a natureza dessa perspetiva influencia a prtica pedaggica promovida

    nas instituies dedicadas primeira infncia. Sendo, nestas idades (0 a 6 anos) que se

    integra a nossa formao e se incluiu a nossa ao educativa, importa tomarmos em

    considerao esta e outras perspetivas que podem ajudar-nos a melhor compreender

    como pensar e orientar a prtica educativa em ordem construo de respostas

    formativas de qualidade.

    Segundo os autores (idem) a criana deve ser vista como co-construtora de

    conhecimento, identidade e cultura, e no como mera reprodutora dos mesmos. No

  • Fundamentao Terica

    4

    sentido de ilustrar essa perspetiva, citando Malaguzzi (1993)1, Dahlberg, Moss e Pence

    (idem) sublinham a importncia de enveredar-se por uma imagem da criana como rica

    em potencial, forte, poderosa, competente e, mais que tudo, conectada aos adultos e s

    outras crianas (p. 68). Neste sentido, os autores (idem) alertam para a influncia que

    as mudanas sociais tm vindo a exercer na vida das crianas, como a que diz respeito

    integrao noutras instituies, para alm da famlia, contribuindo para o

    reconhecimento da infncia como um importante perodo de vida. Nesse processo no

    pode ainda, deixar de levar-se em conta que viver nas sociedades de hoje, significa que

    as crianas tm de se ajustar a alto grau de complexidade, diversidade e contnua

    mudana com que se apresentam. Nesta linha, como tambm defendem Dahlberg, Moss

    e Pence (idem):

    a pedagogia da primeira infncia pode ser entendida como permitindo s

    crianas assumir a sua verdadeira identidade, sua identidade essencial, e a

    reproduo de conhecimento e de valores culturais, anteriormente

    predeterminados pela religio e, posteriormente, pela cincia objetiva e pela

    razo, supostamente desprovidas de valor (p. 77)

    Pressupe-se que cada um, desde a infncia, se envolva na assuno da

    responsabilidade de fazer escolhas e tomar decises, tornando-se agente moral de si

    prprio.

    A criana passa assim, a ser considerada cada vez mais, como agente/construtor

    dos seus prprios conhecimentos e da sua identidade. Pretende-se que conquiste

    autonomia para dar a sua opinio, apresentar os seus pontos de vista e guiar as suas

    aprendizagens. Para tal, requer-se que a criana, desde tenra idade, possa iniciar-se no

    assumir de responsabilidade em relao a si prpria e sociedade, em funo das suas

    possibilidades. Dahlberg, Moss e Pence (2003) referem que tais factos exigem muito da

    pedagogia, no sentido de criar um ambiente educativo que favorea a reflexo crtica,

    que estimule a criatividade e a responsabilidade, e que ponha os relacionamentos em

    primeiro lugar, sendo o conhecimento, a identidade e a cultura (re)constitudos atravs

    da relao com os outros, num processo de co-construo.

    No mbito da sociologia da infncia investiga-se a criana como um agente

    social e defende-se que deve ser protagonista da sua prpria vida. Por isso, importa

    reconhecer-se que, como preconizam Cunha e Gonalves (2015), as crianas so,

    assim, hoje, produto e produtores de cultura, tm papis e funes (reais e simblicas)

    1 A ideia expressa por Malaguzzi refere-se ao modo de entender as crianas segundo o modelo curricular Reggio Emlia, promovido no mbito da educao pr-escolar.

  • Fundamentao Terica

    5

    nas dinmicas familiares, nas dinmicas da vida privada e pblica, e nos novos cenrios

    das relaes humanas (p.20).

    Partilhando desta perspetiva, no podemos deixar de atribuir um olhar atento s

    respostas educativas proporcionadas s crianas, no sentido de poderem viver

    experincias educativas positivas do ponto de vista do seu bem-estar, afirmao e

    progresso, considerando nesse processo os direitos que legalmente lhes so

    reconhecidos. No sentido de melhor compreender essa dimenso procedemos, a seguir,

    abordagem deste tpico.

    2. Os Direitos das Crianas

    Toda e qualquer criana devem ter direito a viver bem a sua infncia. Mas o que

    ser que isto significa? Ter direito infncia ter direito a viver num ambiente familiar

    e social ricos que permitam o desenvolvimento da criana a nvel intelectual e fsico.

    Sendo a criana um ser, que pela sua idade se apresenta vulnervel, deve usufruir de

    cuidados e de proteo social.

    Se focarmos a nossa ateno no que dizem as Naes Unidas no documento

    Conveno sobre os Direitos das Crianas (1989) podemos ver que os direitos das

    crianas assentam em quatro pilares fundamentais. O primeiro diz respeito no

    discriminao, ou seja o direito a desenvolver o seu potencial; o segundo faz referncia

    ao interesse superior da criana, esta deve ser pensada em primeiro lugar em todas as

    decises que lhe estejam estritamente ligadas; o terceiro pilar foca-se no direito

    sobrevivncia e desenvolvimento, no direito ao acesso a servios bsicos e igualdade

    de oportunidades; o quarto pilar indica que a criana deve ter voz ativa, deve ser ouvida

    em relao a tudo que lhe diga respeito. Pelo referido podemos ver que a criana tem

    direitos, mas tambm que lhe so incumbidas responsabilidades. Todavia, no basta que

    as sejam reconhecidos os direitos da criana, importante que estes sejam tornados

    efetivos no seu quotidiano. Assim, e no que se refere participao da criana,

    Fernandes (2009)2 alerta que, muitas vezes, esta se apresenta como algo ensinado na

    escola, como uma abstrao, sem qualquer significado praxeolgico no quotidiano das

    crianas (p. 44), aspeto que, em nosso entender, deve merecer a ateno de todos, no

    sentido de que as crianas possam aprender a participar participando. Neste mbito,

    importa ainda considerar que, como afirma Carmo (2014), a aprendizagem da

    participao, ser tanto mais interiorizada quanto precoce for (p. 174).

    2 A autora retoma aqui o pensamento de Hart (1992).

  • Fundamentao Terica

    6

    Centrando de novo a nossa ateno no que nos diz a Conveno sobre os

    Direitos da Criana, nos artigos 13, 14, 28 e 29 fcil perceber que, desde cedo, o

    ser humano deve ter direito descoberta, a dizer o que pensa, e expressar-se livremente,

    liberdade de pensamento, a viver em sociedade junto com outras pessoas e, acima de

    tudo, ter direito educao. A uma educao que tenha objetivo desenvolver a sua

    personalidade, os seus talentos e aptides intelectuais, fsicas e socio-afetivas.

    Nesta linha, como defende Fernandes (2009), importante enveredar por um

    paradigma que associe direitos de proteo, proviso e participao de uma forma

    interdependente, ou seja, () um paradigma impulsionar de uma cultura de respeito

    pela criana cidad: de respeito pelas suas vulnerabilidades, mas de respeito tambm

    pelas suas competncias (p. 48). Da que o promover uma proteo geradora de

    dependncia e de falta de poder pode ter implicaes negativas no desenvolvimento da

    criana, limitando o exerccio do seu direito participao. Retomando a ideia de

    Verhellen (1997), Fernandes defende que a melhor estratgia para aumentar a

    competncia das crianas ser atravs da sua participao e envolvimento (p. 48).

    Assim, e para que possa ser consolidada uma imagem de infncia participativa,

    torna-se necessrio, corroborando a opinio da autora (idem), que os processos de

    participao estejam presentes de forma sistemtica na organizao do seu quotidiano,

    sendo um dos passos iniciais e fundamentais o desenvolvimento de uma cultura de

    respeito pelas opinies da criana (p. 49). Nesse sentido, importante proporcionar-lhe

    informao que lhe permita a formulao de opinies adequadas e criar oportunidades

    para expressar-se, explorar problemas e dvidas, superar ansiedades e conhecer os

    resultados das suas decises.

    3. As crianas como construtoras de conhecimento e cultura

    A infncia portuguesa tem vindo a sofrer profundas mudanas a nvel cultural,

    como aponta Sarmento (2008) realando duas dimenses fundamentais: na primeira

    destaca o aumento de crianas a frequentarem instituies educativas logo desde o pr-

    escolar, o que conduz a uma infncia mais escolarizada; na segunda fala-nos da

    presena dos adultos nos espaos culturais infantis, uma vez que as crianas se

    encontram em espaos, por eles, supervisionados e pelo envolvimento das crianas em

    jogos e brincadeiras pr-estruturadas sem superviso adulta, como por exemplo, nos

    jogos eletrnicos e na internet.

  • Fundamentao Terica

    7

    As duas dimenses apontadas pelo autor levam-nos a perceber que no

    desenvolvimento das culturas infantis esto cada vez menos presentes as brincadeiras e

    jogos espontneos entre as crianas sem superviso de um adulto.

    O desenvolvimento das culturas infantis est menos enraizada em prticas

    espontneas de interao com pares, em jogos, brinquedos e brincadeiras inventados ou

    adaptados pelas crianas e em espao tempos de regulao autnoma, -

    configuradores de uma ordem social das crianas (Ferreira, 2004 citado em Sarmento

    2008) e mais ancorada em contextos estruturados e prticas sociais programadas.

    No que diz respeito relao que o adulto estabelece com criana, de ter em

    conta que, como defendem Dahlberg, Moss e Pence (2003), ela como aprendiz, um

    co-construtor ativo (p. 72). ainda de considerar que a aprendizagem uma atividade

    cooperativa e comunicativa, na qual as crianas constroem conhecimento, do

    significado ao mundo, junto com adultos e, igualmente, importante com outras

    crianas (idem, ibidem).

    Assim, o conhecimento emerge num processo de construo social, no qual as

    crianas se apesentam como agentes ativos, integrando experincias e interpretando-as,

    de acordo com as suas possibilidades e o apoio de que usufrui. Da a importncia a

    atribuir ao ambiente educacional em que se inclui. Neste mbito, Malaguzzi (1999)

    alerta para as potencialidades que as crianas possuem de aprender e para a importncia

    de usufrurem de ambientes que lhes facilitem tirar partido delas e, por conseguinte,

    favorecerem o seu desenvolvimento. Nesta linha, o autor (idem) lembra que o que as

    crianas aprendem no ocorre como resultado automtico do que os lhes ensinado,

    mas, que isso se deve em grande parte prpria realizao crianas como

    consequncia das suas atividades e de nossos recursos (p. 76). de considerar, como

    tambm afirma o autor (idem) que quanto mais ampla for a gama de possibilidades que

    oferecemos s crianas mais intensas sero as suas motivaes e mais ricas as suas

    experincias (p. 90). Para promover um ambiente educativo que se apresente nesta

    linha, Malaguzzi (idem) sugere que devemos ampliar a variedade de tpicos e

    objetivos, os tipos de situaes que oferecemos e o seu nvel de estrutura, os tipos e a

    combinao de recursos e materiais e as possveis interaes com objetos, companheiros

    e adultos (ibidem). O relacionamento e a afetividade que se estabelece com as crianas

    merecem ser tambm levados em considerao, pois influenciam a sua motivao e as

    aprendizagens que realizam.

  • Fundamentao Terica

    8

    Perfilhando estas ideias, importa promovermos esforos para assegurar s

    crianas oportunidades de assumirem um papel ativo na construo do seu

    conhecimento e da sua cultura, podendo ter voz ativa, ouvir e ser ouvidas, relacionar-se

    e interagir com pares e outros membros da instituio e da comunidade. Estamos,

    portanto, perante uma imagem da criana, como pessoa ativa e competente, que como

    cidad tem direitos que devem ser respeitados. Esta imagem de criana remete para uma

    pedagogia participativa que, no nosso pas, tem vindo a ser, particularmente, difundida

    por Oliveira-Formosinho (2007).

    4. Aprendizagem da cidadania: desafios para a educao de infncia

    Desde finais dos anos 90 do sculo XX, que o conceito de cidadania tem vindo a

    ganhar destaque nos documentos orientadores das polticas de educao e de formao

    (Azevedo, coord., 2007) do nosso pas.

    O conceito de cidadania aquele em que h um envolvimento permanente, em

    que a pessoa/cidado tem plena posse dos seus direitos civis e polticos e participa em

    iniciativas exercendo os seus direitos e deveres. Como refere Vasconcelos (2007) ser

    cidado pressupe identidade e pertena mas, tambm, o sentido solidrio de

    participao numa causa (casa) comum (p.110).

    Para o exerccio da cidadania necessrio, como aponta Maj (2002), que o

    cidado conhea o meio em que est inserido e tambm tenha noo dos problemas

    globais. Deste modo necessrio viver com valores que conduzam ao bem-estar geral

    para que possa haver diminuio das desigualdades sociais.

    Estando o ser humano desde que nasce inserido numa sociedade com regras, a

    famlia e a escola devem ter um papel fundamental na educao para a cidadania. Como

    revela Vasconcelos (2007, citando Oliveira Martins) a escola um locus fundamental

    de educao para a cidadania, de importncia cvica fundamental, no como uma

    antecmara para a vida em sociedade mas constituindo o primeiro degrau de uma

    caminhada que a famlia e a comunidade enquadram (p.111).

    Neste processo no podemos descurar o papel primordial da famlia. Como

    salienta Vasconcelos (2007) a famlia o primeiro espao de afeto e segurana, por tal,

    considerada como o primeiro agente de educao para a cidadania. A autora (idem)

    refere que seja qual for o tipo de famlia, tradicional, monoparental, acolhimento ou

    outra, o que fundamental que a famlia seja exemplo de participao na vida cvica,

    de ateno ao que a cerca, de abertura e solidariedade (p. 112).

  • Fundamentao Terica

    9

    Quando a criana, por vrias razes, passa a frequentar o jardim-de-infncia este

    deve proporcionar s crianas um alargar de fronteiras. Deve conduzir as crianas a

    serem cidados ativos para que a sociedade do futuro possa ser mais rica que a atual.

    O jardim-de-infncia como preconiza Vasconcelos (2007) enquanto organizao

    social participada deve proporcionar s crianas as suas primeiras experincias a nvel

    democrtico. A criana ao integrar um grupo passa a tornar-se um entre outros, passa

    a ter de viver, trabalhar e desempenhar tarefas de forma participada e cooperada. Para a

    autora (idem) o jardim- de-infncia deve integrar a criana e respeit-la, aceitando os

    valores que esta traz da famlia e contribuindo para o desenvolvimento da sua

    autoestima, qualquer que seja a sua raa, religio ou se a criana tiver necessidades

    educativas especificas:

    O jardim-de-infncia, formando as crianas a nvel pessoal e social, educando o

    seu sentido tico e esttico, prepara-as para uma efetiva prtica de cidadania:

    aprendem a importncia do respeito, como difcil negociar diferentes pontos de

    vista mantendo a amizade, aprendem acerca da diversidade e da igualdade de

    oportunidades, da paridade entre sexos, da diversidade de culturas, da

    importncia de cuidar do ambiente e da sade, interiorizando um sentido de

    responsabilidade social (Vasconcelos, 2007, p.113).

    Por tudo o que foi anteriormente mencionado, torna-se fundamental ter em

    considerao a cidadania no que diz respeito aos processos educativos e formativos de

    cada pessoa. Carneiro (2003) prope cinco dimenses essenciais para a construo de

    uma cidadania mais ativa e capaz: cidadania democrtica; cidadania social; cidadania

    paritria; cidadania intercultural e cidadania ambiental. Passamos de seguida a refletir

    sobre cada uma delas.

    No que diz respeito cidadania preciso considerar que a aprendizagem dos

    valores democrticos pode e deve, como j referido anteriormente, acontecer em

    diferentes contextos, como na famlia, na escola, em associaes e at em programas de

    televiso. Como refere Paixo (2000) diz respeito a todas as instituies de

    socializao, de formao e de expresso da vida pblica mas, naturalmente, cabe aos

    sistemas educativos desenvolverem, nas crianas e nos jovens, os saberes e as prticas

    duma cidadania activa (p. 11). Se olharmos o definido na Lei de Bases do Sistema

    Educativo (Lei n. 49/2005, de 30 agosto) podemos ver que o direito educao se

    traduz entre outros no direito democratizao da sociedade:

    O sistema educativo um conjunto de meios pela qual se concretiza o direito

    educao, que se exprime pela garantia de uma permanente aco formativa

    orientada para favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso

    social e a democratizao da sociedade (Captulo I, artigo 1., ponto 2).

  • Fundamentao Terica

    10

    Entende-se por cidadania social aquela que capaz de responder a um conjunto

    de direitos e obrigaes que possibilita a participao, de forma igual, de todas as

    pessoas de uma comunidade e seus padres bsicos de vida. O estado em que se

    encontra a cidadania social afeta a cidadania civil e a cidadania poltica. assim,

    fundamental como refere Carneiro (2003) privilegiar o desenvolvimento de um tipo de

    cidadania social que parta de uma ideia concreta de justia e que permita unir esforos

    para ajudar os mais fracos e carenciados a terem acesso aos recursos e s competncias

    necessrias para terem uma vida digna. Pelo mencionado considera-se fundamental que

    a escola e a famlia conduzam os seus educandos ao desenvolvimento de competncias

    que no futuro lhes permitam serem capazes de viver em sociedade.

    A promoo de uma cidadania paritria fundamental na educao para a

    cidadania e importante para um democracia correta e justa. A escola tem um papel

    fundamental nesta conquista uma vez que esta o local onde as crianas passam maior

    parte do seu tempo ativo. Esta deve ento assumir-se como um espao rico e

    impulsionador de recursos, um local onde a solidariedade, o respeito, a justia e a

    responsabilidade so incutidos e trabalhados todos os dias. Como refere Vasconcelos

    (2007) o jardim-de-infncia um locus fundamental de cidadania pois nele as

    crianas se desenvolvem a nvel pessoal, social, tico e esttico. As meninas e os

    meninos devem ter iguais oportunidades a nvel de vivncias.

    Os educadores devem ser sensveis a estas temticas e trabalhar com as crianas

    a aceitao das diferenas tnicas, sexuais e a equidade pois isto fundamental para o

    progresso das sociedades. Refletindo sobre esta questo, Sanches (2012) alerta para o

    papel transformador que pode ser assumido pela escola, requerendo-se desenvolver

    esforos para tornar efetivas respostas facilitadoras de maior equidade e justia social.

    Requer-se ainda que sejam garantidas, a todos, oportunidades de acesso a uma educao

    de qualidade, bem como o sucesso de todos, em funo das competncias individuais,

    no quadro de respeito pela diferena e de uma justa igualdade de oportunidades.

    A sociedade multicultural uma realidade que sempre esteve presente nas

    sociedades e que tende a aumentar, com a abertura de fronteiras, a livre circulao de

    cidados entre alguns pases, bem como com os novos surtos de imigrao que se tm

    verificado e dos quais os meios de comunicao nos tm vindo a dar conta. A

    diversidade cultural deve ser entendida pelo lado positivo que representa, em termos de

    enriquecimento das pessoas e dos contextos em que se integram. Como afirma Carneiro

    (2003) a cidadania intercultural outro meio de afirmar a cultura de tolerncia e de paz

  • Fundamentao Terica

    11

    onde a construo identitria no tem forosamente de se fazer contra os outros

    diferentes (p.267), quer isto dizer que as diferenas culturais devem ser vistas como

    um enriquecimento para as sociedades a nvel cultural e lingustico. A convivncia das

    diferentes culturas num mesmo espao contribui ainda para o fomentar do respeito, da

    paz, da solidariedade e da justia. A cidadania ao nvel intercultural deve, tal como as

    dimenses de cidadania anteriormente referidas, ser trabalhada em contexto escolar,

    considerando que cada vez mais as escolas acolhem crianas de diferentes culturas.

    Os mtodos de ensino devem ir a favor, e no contra, este reconhecimento de

    respeito pelo outro, que pode ser diferente de si. Os professores que, por dogmatismo,

    matam a curiosidade ou o esprito crtico dos seus alunos, em vez de os desenvolver,

    esto a ser mais prejudiciais do que teis. Esquecendo que funcionam como modelos,

    com esta sua atitude arriscam enfrentar as inevitveis tenses entre pessoas, grupos e

    naes. O confronto de ideias e pensamentos, atravs do dilogo e da discusso crtica,

    um dos instrumentos indispensveis educao do sculo XXI (p.77). A educao

    tem o papel primordial a prestar s crianas e aos jovens para que melhor possam

    entender o mundo em que se integram e o significado de ajuda, compreenso,

    solidariedade e autonomia.

    A cidadania ambiental definida por Nova (1994) como um processo

    permanente, no qual as comunidades ganham conscincia do meio que as rodeia e

    adquirem conhecimentos, valores e determinao para intervir individual ou

    coletivamente na resoluo de problemas ambientais. Por este motivo necessrio que

    as geraes, atuais e futuras, tenham conscincia que, tal como refere Carneiro (2003),

    uma prtica de cidadania ativa tem de ter em considerao as questes ambientais e os

    cidados tm de ser defensores e agentes da sua preservao.

    Neste contexto Morgado et al. (2000, citado por Costa & Gonalves, 2004)

    refere que a educao ambiental deve ser vista como um instrumento para

    consciencializar a sociedade sobre os problemas ambientais, como forma de alterar os

    valores, as mentalidades, as atitudes e de um assumir a educao ambiental como

    fazendo parte da formao de cada um. Torna-se assim, fundamental que a educao

    ambiental ganhe um lugar nas prticas curriculares. Segundo os autores:

    A educao para a cidadania visa pois o desenvolvimento de uma conscincia

    cvica como elemento fundamental no processo de formao de cidados

    responsveis, crticos, activos e intervenientes, tal como no processo de

    educao ambiental, que pressupe igualmente uma elevada conscincia social

    activa (Costa & Gonalves, 2004. p.38).

  • Fundamentao Terica

    12

    Importa, assim, favorecer um processo de aprendizagem em que as crianas

    possam desenvolver atitudes que apontem para uma relao tica com a natureza.

    Consideramos que todas as dimenses de cidadania devem ser tidas em conta e

    abordadas de forma articulada, ajudando a formar o cidado que as sociedades de hoje

    requerem. Este cidado deve ser capaz de melhor se conhecer a si prprio, aos outros e

    ao meio em que vive, e de intervir, a nvel individual ou cooperativo, na promoo e

    melhoria da qualidade de vida para cada um e para todos. Todavia, merece ter em conta

    que, como afirma Sarmento (2012), no se trata de um processo que a criana concretize

    sozinha, depende do adulto para a construo do universo de referncias, de direitos e

    de condies sociais em que pode ocorrer a cidadania plena (p. 49). ainda de

    considerar que h muito poucos anos que a cidadania da criana tem vindo a ser

    reconhecida e proclamada e tem vindo a estar ameaada e comprometida (idem).

    5. O papel do educador no processo educativo

    A imagem do profissional de educao de infncia, semelhana da que,

    anteriormente, defendemos de criana, integra-se numa perspetiva socioconstrutivista, a

    qual, corroborando a ideia apresentada por Freitas-Lus (2012), pode caraterizar-se

    como a de um companheiro de viagem e de aprendizagem (p. 55), que a autora

    carateriza como:

    Algum que promove a participao e que valoriza a cultura e o diverso.

    Algum que escuta, observa, regista, reflete o quotidiano educativo. Algum que

    cuida dos seus propsitos pedaggicos, por um lado, mas tambm procura

    garantir que estes no anulem as iniciativas e propsitos da criana. Algum que

    reserva espao para a escuta e oferece autonomia criana para que esta

    concretize o seu extraordinrio projeto de vida (idem, ibidem).

    Cabe ao educador a tarefa de organizao do ambiente educativo que se requer

    propcio ao bem-estar, ao e ao desenvolvimento da autonomia e iniciativa das

    crianas, num clima de respeito pelos seus direitos, entre os quais se incluem o de

    brincar. Importa, considerar que proporcionar um ambiente rico em oportunidades

    ldicas e de aprendizagem no quer dizer dispor de materiais de jogo caros, mas sim

    que se possibilite criana explorar as diferentes linguagens que a brincadeira faculta

    (musical, corporal, dramtica, plstica e grfica), fazendo com que possam desenvolver

    a sua criatividade e imaginao. Deve, assim, pensar-se o espao como um ambiente

    rico em materiais e em oportunidades para tirar partido deles. A planificao deve ter

    um controlo consciente do tempo para que promova diferentes tipos de agrupamento

    das crianas (em grande grupo, pequeno grupo e individual) e, por conseguinte,

  • Fundamentao Terica

    13

    oportunidades diversas de interao. Neste processo importa considerar que como se

    afirma nas OCEPE (ME/DEB,2002):

    a relao individualizada que o educador estabelece com cada criana

    facilitadora da sua insero no grupo e das relaes com as outras crianas. Esta

    relao implica a criao de um ambiente securizante que cada criana conhece

    e onde se sente valorizada (p.35).

    Malaguzzi (1999) sublinha a importncia da criao de um clima de

    relacionamento, simultaneamente real e simblico, no qual os papis de adulto e de

    criana so complementares: fazem perguntas uns aos outros, ouvem e respondem (p.

    79). Por sua vez, Eduards (1999), tomando tambm por base os princpios do modelo

    Reggio Emlia, acentua o papel do educador centrado na criao de oportunidades de

    descoberta, baseado no dilogo, na ao conjunta e na co-construo do conhecimento

    da criana. Da que, como refere o autor (idem) tratar-se de uma tarefa complexa,

    delicada e multifacetada, envolvendo e exigindo muitos nveis de conhecimento e auto-

    exame contnuo (p. 161). Tal pressupe que os educadores prestem ateno e observem

    a atividade das crianas, pois s assim podero ajud-los a encontrarem questes e

    recursos que os ajudem a envolver-se em atividades ou projetos mais envolventes e

    complexos. Nesta linha, de considerar que a interao com as crianas enriquece e

    estimula a sua ao e pensamento.

    O jogo espontneo o contexto natural para a aprendizagem e atravs dele o

    educador pode encorajar, verdadeiramente, a iniciativa e o progresso da criana. Da

    que os momentos de brincadeira das crianas devem ser valorizados e observados.

    Como defende Ferreira (2010) ao observarmos as crianas a brincar, podemos obter

    informaes essenciais a seu respeito, relacionadas com a formao pessoal e social, a

    expresso e comunicao e o conhecimento do mundo. Todavia, Librio (2000, citando

    Bruner) afirma que os educadores gastam pouco do seu tempo a ajudar as crianas a

    brincar. Por sua vez, Kishimoto (2010) refere que a pouca qualidade da educao

    infantil pode estar estritamente ligada falta de observao, registo e planeamento.

    No que se refere a estas dimenses, prev-se nas OCEPE (ME/DEB, 2002), que

    os educadores recorram a uma pedagogia estruturada, promovendo uma organizao

    sistemtica e intencional da ao pedaggica, devendo planear o seu trabalho e avaliar o

    processo e os seus efeitos no desenvolvimento e aprendizagem das crianas. Todavia,

    tal como tambm se refere no documento, deve levar-se em conta o carcter ldico de

    que se revestem muitas aprendizagens, bem como que o prazer de aprender e dominar

  • Fundamentao Terica

    14

    determinadas competncias exige tambm esforo, concentrao e investimento

    pessoal (p. 18).

    Vasconcelos (2009), alerta para os riscos de uma escolarizao precoce das

    crianas, recorrendo ao Relatrio da OCDE, Starting Strong II (2006), que aconselha

    os pases a manter as caratersticas de uma educao de infncia que tome como ponto

    de partida o jogo e a expresso livre da criana (p. 19-20). Questo que segundo a

    autora (idem) se coloca com acuidade no contexto portugus, para o que contribui, entre

    outros fatores enunciados, os seguintes:

    o risco de os educadores de infncia verem adulterado o seu papel enquanto

    gestores do currculo, face excessiva regulamentao e ao mercado de

    materiais educativos, frequentemente de pouca qualidade e centrados em

    aprendizagens acadmicas de carcter tradicional (idem, p. 20).

    Tambm Gaspar (2010) aponta para preocupaes semelhantes, mas apontando

    o brincar como meio de superar esses problemas.

    Trata-se de aspetos que nos merecem reflexo, no sentido do desenvolvimento

    de uma prtica educativa que integre uma orientao em que o jogo/brincar das crianas

    seja entendido como um meio de aprendizagem. Essa preocupao atravessou a nossa

    ao e a pesquisa que sobre ela desenvolvemos e da qual damos conta neste relatrio.

    6.(Re)pensando a importncia do ldico na educao de infncia

    6.1. A educao de infncia como espao ldico e aprendizagem

    O brincar uma das formas mais comuns de manifestao do comportamento

    humano, no entanto, durante muito tempo esta atividade no foi valorizada a nvel

    educativo. Todavia, tem-se verificado uma mudana de comportamentos/pensamentos

    em relao ao brincar e sua importncia para o desenvolvimento de uma criana

    (Gomes, 2010).

    Segundo Ferreira (2004) desde a revoluo romntica do sculo XVII que se

    assiste no Ocidente a uma construo social do brincar, encontrando nos saberes da

    biologia e na psicologia do desenvolvimento, bem como na expanso de um mercado e

    bens para a infncia e nas polticas de proteo criana, os fundamentos

    legitimadores de uma definio sociopedaggica da criana que faz do brincar o

    suporte essencial, positivo, espontneo e natural do seu desenvolvimento (p. 197)3.

    3 A autora retoma aqui ideias de Chamboredon & Prvot (1973, 1975), Brougre (1995) e Ferreira (2000).

  • Fundamentao Terica

    15

    Entendido como algo intrnseco natureza da criana o brincar visto como

    forma de uma atividade ldica, livre, altamente imaginativa e no produtiva

    economicamente. O brincar foi, tradicionalmente, entendido como uma atividade de-

    faz-de-conta em que as crianas representando aes reais e relaes entre pessoas, se

    vo socializando com a vida adulta. Como reao a esta ideia, surgem outras

    perspetivas, discutindo as relaes de distino ou conexo entre brincar, jogar e

    trabalhar (Ferreira, 2004). Segundo Macedo (2005) pode entender-se que o jogar o

    brincar num contexto de regras e com um objetivo predefinido, onde se ganha ou se

    perde. No jogo as delimitaes como as regras so condies fundamentais para sua

    realizao, podendo entender-se como uma brincadeira organizada, convencional, com

    papis e posies definidas. Gomes (2010) faz tambm referncia a mudanas de

    pensamento em relao ao brincar e sua importncia para o desenvolvimento da

    criana. Por sua vez, Ferreira (idem) sublinha que, quer o brincar, quer o jogar requerem

    interaes que orientam reflexivamente as aes das crianas e que semelhana de

    qualquer outra relao social:

    entende-se o brincar como uma forma de comunicao cultural, em que as

    crianas so capazes de criar um entendimento mtuo acerca da natureza dos

    objetos, dos espaos, pessoas em presena e actividades (), criando um

    contexto de negociao e aco que constitui o brincar ao faz-de-conta ().

    Mais (), brincar tambm uma oportunidade para as crianas se expressarem

    relativamente s suas relaes sociais, de as interpretarem e de refletirem acerca

    da natureza do seu papel, dos parceiros e das relaes entre os dois e uma

    oportunidade para as reinterpretarem e transformarem (p. 201).

    Brincar , ainda, como refere a autora (idem) uma oportunidade para fazer

    amigos. Da ser importante observar como a dinmica de um jogo pode conduzir e

    ajudar a construir amizades, com base em caratersticas pessoais, interesses ou

    perspetivas comuns. Pode tambm entender-se o brincar como meio de alicerar ordens

    sociais, permitindo aprender acerca dos sistemas cognitivo e afetivo de uma cultura

    particular. Para Ferreira (2004) isto significa avanar para uma outra conceo do

    brincar. A autora (idem, citando Denzin, 1971) sublinha que quando so deixadas a si

    prprias, as crianas no brincam, elas trabalham para construir ordens sociais (p.

    2006). Entre esses trabalhos surgem assuntos como desenvolver a linguagem para

    comunicar, defender e apresentar os seus pontos de vista e construir regras de entrada e

    sada em grupos sociais emergentes. As crianas entendem estes aspetos como

    preocupaes srias e fazem uma clara distino entre as suas brincadeiras e o seu

  • Fundamentao Terica

    16

    trabalho. Assim, como refere Ferreira (2004), o que os educadores esperam e desejam

    que nos espaos e tempos pr-escolares as crianas brinquem. Pode considerar-se que

    brincar torna-se uma espcie de passaporte que permite compreender a

    indissociabilidade entre a cultura de pares, a organizao do grupo de crianas e a

    construo da(s) sua(s) ordem(ens)social(ais) (p. 207).

    Importa ainda ter em considerao que brincar e jogar so aes que identificam

    as crianas e que so fundamentais para o conhecimento do mundo sua volta e de si

    prprias. Ao expressar-se pelo brincar do sentido ao que fazem, atribuem significado

    s suas emoes e aos seus sentimentos, o que nos leva tambm a reconhecer a

    importncia de acompanhar e observar esse processo. Leva-nos ainda a atribuir valor s

    oportunidades ldicas de que usufruem as crianas na educao pr-escolar.

    Nesta linha, no pode deixar-se de ter em conta alguns constrangimentos que a

    vida moderna apresenta. preciso lembrar que se h uns anos atrs as crianas

    brincavam livremente nas ruas, com o crescimento e urbanizao dos grandes centros

    urbanos isto deixou de acontecer. As crianas passaram a estar, cada vez mais,

    enclausuradas em casa, onde brincam sozinhas ou com irmos. Os jogos ditos

    tradicionais deram lugar aos jogos eletrnicos e as brincadeiras de grupo perderam

    espao para o isolamento.

    Quando a criana se encontra confinada ao espao casa esta deixa de se

    socializar, de criar grupos de convvio e brincadeira. Por conseguinte, nas suas

    brincadeiras no precisa respeitar regras ou partilhar com outros tempos e espao de

    jogo. Assim, fundamental que, quando a criana integra o jardim-de-infncia, possa,

    em conjunto com colegas e educador, participar na organizao do espao e do tempo,

    bem como na definio das regras de vida em grupo. Por isso, o espao deve ser

    pensado e organizado de modo a que as crianas possam brincar/jogar, sob formas de

    agrupamento diversas. Kishimoto (2007) defende que o jogo deve ser visto como um

    pedao de cultura que a criana pode alcanar e que a manipulao de brinquedos

    leva a criana ao e representao, a agir e a imaginar(p. 68).

    Para Carvalho (1993) a forma natural de aprender da criana atravs da

    atividade de contedo ldico (pp. 101-102). Tambm para Gomes (2010) mais do que

    uma ferramenta o brincar uma condio essencial para o desenvolvimento da criana

    (p.45). Ao brincar as crianas esto a desenvolver a ateno, a memria, a imitao, a

    imaginao e a explorar a realidade. Esto ainda a interiorizar regras de vida em

    sociedade e a viver diferentes papis sociais, bem como a estimular a curiosidade, a

  • Fundamentao Terica

    17

    desenvolver a confiana, a autonomia, a linguagem, o pensamento e a concentrao.

    O brincar/jogar deve, acima de tudo, ser visto como uma forma descontrada da

    criana aprender, construindo conhecimentos como tratando-se de um jogo que pode

    fazer sentido para a criana. Como referem Cunha e Gonalves (2015), ao expressar-se

    atravs do brincar, a criana d sentido ao que faz, atribui significado aos seus

    sentimentos, s suas emoes e sua corporeidade (p. 22). Isso representa que

    devamos atribuir importncia e procurar conhecer os sinais emitidos por cada criana no

    decurso das suas brincadeiras e jogos, em grupo e individuais.

    6.2. O ldico no processo de aprendizagem da criana: cruzamento de perspetivas

    Foram vrios os autores que nos seus estudos sobre a aprendizagem e

    desenvolvimento da criana atriburam ateno ao ldico (brincar/jogo) como meio de

    construo de conhecimento, merecendo-nos reflexo as perspetivas de Piaget,

    Vygotsky, Bruner e Froebel.

    Jean Piaget um dos tericos mais conhecidos da rea do desenvolvimento

    cognitivo podendo facilmente salientar-se na sua teoria a relao entre o

    desenvolvimento cognitivo e o ldico. Para caraterizar os desenvolvimento da criana

    define um conjunto de estdios: sensrio motor (0 a 2 anos); intuitivo ou pr-operatrio

    (2 a 7 anos); operaes concretas (7 a 11 anos) e operaes formais (11 a 16 anos)

    (Vieira & Lino (2007). Neste trabalho incidimos apenas sobre os dois primeiros estdios

    pois nessas idades que incidiu a nossa ao e formao.

    Assim, no que se refere ao estdio sensrio motor, este carateriza-se por uma

    atividade cognitiva baseada na ao imediata e na experincia atravs dos sentidos.

    Observa-se uma centrao da criana no seu prprio corpo, de esquemas prticos de

    pensamento e no conhecimento do meio atravs de aes que exerce sobre ele. A

    construo de conhecimento apoiada em percees e movimentos, ou seja, de

    coordenaes sensoriomotoras. Para isso, importa que proporcionem brinquedos e jogos

    sensoriais que lhe permitam construir estruturas de conhecimento que sero a base para

    o estdio seguinte.

    No estdio intuitivo ou pr-operatrio, que se situa entre os 2 e os 7 anos de

    idade, no qual se inserem as crianas em idade pr-escolar, o pensamento sofre uma

    transformao qualitativa em funo das alteraes da ao (Vieira & Lino, 2007). Este

    estdio carateriza-se como da inteligncia intuitiva, do surgimento da linguagem, o

    desenvolvimento da funo semitica (ou funo simblica),dos sentimentos

  • Fundamentao Terica

    18

    interindividuais espontneos e das relaes sociais de submisso ao adulto (Piaget,

    2000, in Vieira & Lino 2007, p. 208). No tendo a criana, nesta idade, noo do mundo

    real, para criar brincadeiras vai misturando o real com o irreal. Atravs da ao a

    criana vai desenvolver a funo simblica, o que lhe permite, construir imagens

    mentais e descodificar smbolos e signos (Piaget 1990). As estruturas mentais so, neste

    estdio, amplamente intuitivas, livres e altamente imaginativas. Piaget (2000), de

    acordo com Vieira e Lino (2007), observa que:

    A criana que brinca s bonecas refaz a sua prpria vida, mas corrigindo-a de

    acordo com a sua ideia, revive todos os prazeres e conflitos, mas resolvendo-

    os, e, sobretudo, compensa e completa a realidade graas fico. Em suma,

    o jogo simblico no um esforo de submisso do sujeito real, mas, pelo

    contrrio, uma assimilao deformante do mundo real (p. 208).

    A criana, nestas idades, recria e representa a realidade atravs do jogo

    simblico, recorrendo a objetos do seu quotidiano e interpretando papis de adultos.

    No que se refere ao jogo, Piaget (1975) classifica os jogos que a criana

    apresenta em trs tipos: jogos de exerccio, jogos simblicos e jogos de regras. Os jogos

    de exerccios so os primeiros a aparecer e so mais evidentes nos dois primeiros anos

    de vida. So exerccios ldicos que correspondem a uma espcie de simples

    funcionamento por prazer. Com o desenvolvimento, a frequncia destes jogos diminui e

    aparecero outros jogos. Os jogos simblicos so brincadeiras em que um objeto

    qualquer representa um objeto ausente. Tal acontecimento s ocorre a partir dos dois

    anos de idade, quando a criana j est no estdio pr-operacional. Ainda para Piaget, os

    jogos de regras consistem em combinaes sensoriomotoras ou intelectuais e so

    reguladas, quer por um cdigo transmitido de gerao a gerao, quer por acordos

    momentneos. Este um jogo caracterstico do indivduo socializado.

    Para Vygotsky os elementos fundamentais da brincadeira so: a situao

    imaginria, a imitao e as regras. Para Pimentel (2007), quando uma criana brinca,

    cria uma situao imaginria na qual assume um papel que pode ser, inicialmente, de

    imitao de um adulto observado. Assim, ela traz consigo regras de comportamento que

    esto implcitas e so culturalmente constitudas. Tal como refere Pimentel (2007) se a

    criana no pode agir como um adulto, pode fazer de conta que o faz, criando situaes

    imaginrias em que se comporta semelhana do comportamento adulto (p.227).

    Nesta perspetiva, a brincadeira de faz-de-conta permite, criana executar uma

    tarefa mais avanada do que o normal para a sua idade.

  • Fundamentao Terica

    19

    Vygotsky defende que a ludicidade e a aprendizagem formal funcionam como

    mbitos de desenvolvimento. Pimentel (2007) considera que:

    tal como ocorre na atividade de aprendizagem, o jogo gera zonas de

    desenvolvimento proximal porque instiga a criana, cada vez mais a ser capaz de

    controlar o seu comportamento, experimentar habilidades ainda no

    consolidadas no seu reportrio, criar modo de operar mentalmente e de agir no

    mundo que desafiam o conhecimento j internalizado, impulsionando o

    desenvolvimento de funes embrionrias de pensamento (p. 226)

    A importncia da brincadeira de faz-de-conta est na criao de uma nova

    relao entre o pensamento e o real. Segundo Vygotsky (idem) a criana avana

    essencialmente, atravs da atividade ldica. Se a criana no pode agir como um adulto

    recorre ao jogo de faz-de-conta para faz-lo, no qual se comporta semelhana do

    adulto. No jogo so empreendidas pela criana aes coordenadas e organizadas

    dirigidas a um fim e, por isso, antecipatrias e promotoras do funcionamento intelectual.

    Neste mbito importa lembrar que como sublinha Pimentel (2007) a fora motriz da

    ludicidade, o que a faz ser to importante no complexo processo de apropriao de

    conhecimentos, a combinao parodoxal de liberdade e controlo ( p. 227).

    Como refere Pimentel (idem) para os tericos da corrente histrico-cultural, na

    qual Vygotsky se inclui, o jogo a atividade principal da criana pr-escolar, ou seja,

    o mediador por excelncia das principais transformaes que definem o seu

    desenvolvimento (p. 228). Isto porque o objetivo do jogo exercitar e desenvolver as

    foras que nele existem (idem). Em qualquer jogo existe uma situao imaginria, que

    motiva a criana a satisfazer necessidade, que, por outros meios, pode no suprir,

    propondo-se a enfrentar os desafios que se lhe apresentam, segundo os objetivos e as

    regras do jogo, controlando o seu comportamento e agindo num nvel superior de

    capacidade.

    Segundo Gaspar (2010) o brincar vygotskiano uma atividade que cria zonas

    de desenvolvimento prximo e, ao faz-lo, cumpre a promove a aprendizagem e o

    desenvolvimento, cumprindo a funo mais nobre da educao de infncia (p. 8). A

    autora (idem) acrescenta, referindo que por serem um espao de brincar que a creche

    e o jardim-de-infncia se constituem como espaos de aprendizagem e

    desenvolvimento, sendo esta sua especificidade que lhes d identidade (ibidem).

    Todavia, preciso ter em conta que, como tambm afirma Gaspar (idem), nem todo o

    brincar tem esta qualidade. Por isso, uma pedagogia eficaz pode entender-se a que

    promove um jogo capaz de favorecer o despertar de foras que se encontram em

  • Fundamentao Terica

    20

    maturao, estando prxima do nvel de desenvolvimento potencial. Por outro lado,

    importante que o educador reconhea o valor do brincar e atribuir-lhe significado.

    Requer tambm considerar que possvel ativar o desenvolvimento das crianas desde

    que para tal se usem os meios adequados aos seus estilos cognitivos e necessidades

    (Librio, 2000).

    Bruner outro autor que apresenta um importante contributo para a

    compreenso do valor do brincar e do jogo no processo de aprendizagem e

    desenvolvimento da criana. Preocupado com a especificidade do pensamento da

    criana o autor prope, de acordo com Kishimoto (2007), que a narrativa pode ajud-la

    a dar sentido ao mundo e s suas experincias, pelo que importa inclu-la no seu

    quotidiano. No mbito da educao de infncia a narrativa est presente na

    conversao, no contar e recontar de histrias, na expresso gestual e plstica, na

    brincadeira e nas aes que resultam das vrias linguagens (idem, p. 258). Bruner v a

    atividade ldica como uma oportunidade de explorao e de inveno onde a criana o

    sujeito ativo e faz alteraes e substituies de acordo com os seus interesses e a sua

    imaginao. O autor defende que o jogo deve ser visto como um meio importante de

    desenvolvimento da linguagem, valorizando a interao para promov-lo (Kishimoto,

    2007). Defende ainda que a criana necessita de mediao para a compreenso de

    conceitos. Importa considerar que, por exemplo, brincar a ver a livros com suporte do

    adulto um exemplo de andaime (idem, p. 260). importante que os educadores

    compreendam que o suporte do adulto deve ser dado como resposta iniciativa da

    criana (p. 260).

    No que se refere caraterizao do processo de desenvolvimento cognitivo da

    criana, Bruner, conforme referem Librio (2000), estabelece trs estdios que

    correspondem a trs modos diferentes de aprendizagem: o ativo em que predomina a

    ao; o icnico em que aprende por imagens ou gravuras e o simblico, em que aprende

    atravs de palavras ou nmeros.

    Uma outra referncia importante, encontra-se na pedagogia de Froebel, que

    pressupe a criana como um ser criativo e prope a educao pela auto-atividade e

    pelo jogo (Kishimoto & Pinazza, 2007). Para Froebel a criana aprende pela ao e por

    ela expressa intenes. Considera que as brincadeiras so o primeiro recurso no

    caminho da aprendizagem. No so apenas diverso, mas uma forma de criar

    representaes do mundo concreto com a finalidade de entend-lo. Segundo Froebel:

  • Fundamentao Terica

    21

    Brincar a mais alta fase do desenvolvimento infantil do desenvolvimento

    humano neste perodo. a representao auto-activa do interno representao

    da interna necessidade e impulso (Kishimoto & Pinazza, 2007, p.48).

    Froebel considera que o jogo e, no s um meio de desenvolvimento cognitivo,

    mas tambm uma forma de desenvolver a linguagem e a motricidade. Considera

    importante a experincia de fazer, de experimentar, de usar as mos e o corpo. Froebel

    adotou a ideia do aprender a aprender, ou seja, que o ponto de partida da

    aprendizagem seriam os sentidos e o contato que estes criam com o mundo, as

    informaes exteriores que se recebem. Portanto, a educao teria como fundamento a

    perceo. Ele no descartava totalmente o ensino direcionado, mas s era apologista

    desse ensino caso o aluno no apresentasse o desenvolvimento esperado. Assim, a

    pedagogia de Froebel pode ser considerada como defensora da liberdade.

    6.3. Orientaes Curriculares: ludicidade e aprendizagem na educao pr-escolar

    Nas Orientaes Curriculares para a Educao Pr-Escolar esto contempladas

    reas de contedo e, neste ponto, iremos abordar cada uma delas: Formao Pessoal e

    Social; Expresso e Comunicao; Conhecimento do Mundo.

    A rea da Formao Pessoal e Social, sendo uma rea transversal e integradora,

    pretende segundo as OCEPE trabalhar a educao para os valores, a independncia, a

    autonomia, os relacionamentos com os seus pares e com os adultos, a partilha do poder,

    desenvolver a identidade, adquirir uma aceitao multicultural e trabalhar no sentido de

    uma educao para a cidadania. Qualquer um destes contedos pode ser trabalhado

    atravs de jogos e brincadeiras em que as crianas vo adquirindo diferentes noes e

    conceitos. Tal como referem as Metas de Aprendizagem para a Educao Pr-Escolar

    (ME/DEB, 2010), convm lembrar que estas aprendizagens se situam num processo

    em construo, que est intimamente relacionado com o tipo e a qualidade de

    experincia de vida em grupo que so proporcionadas no jardim-de-infncia e com o

    modo como so abordados dos diferentes contedos (rea de Formao Pessoal e

    Social, introduo).

    No Domnio das Expresses podem diferenciar-se quatro vertentes, a expresso

    motora, a expresso dramtica, a expresso plstica e a expresso musical. No que se

    refere Expresso Motora as OCEPE, (ME/DEB, 2002) preconizam que se deve

    proporcionar s crianas momentos de exercitao da motricidade global e fina, de

  • Fundamentao Terica

    22

    forma que as crianas vo dominando melhor o seu corpo. Nesta rea o ldico/jogo

    conduz ao desenvolvimento de competncias, como correr, saltar, pular, rodopiar, atirar,

    sentar, manipular a criana e ao desenvolvimento da criana a nvel motor, social e

    pessoal. Neto (2009) afirma que o jogo pode alcanar um sentido pedaggico atravs do

    seu carter universal, proporcionando ambientes ldicos com situaes de aprendizagem

    em que a criana consegue assimilar conceitos (p.24). No que diz respeito Expresso

    Dramtica as OCEPE, (ME/DEB, 2002) coloca este domnio como um meio da criana

    se descobrir a si prpria e ao outro. Estas defendem que na interao com outra ou

    outras crianas, em actividades de jogo simblico, os diferentes parceiros tomam

    conscincia das suas reaces, do seu poder sobre a realidade, criando situaes de

    comunicao verbal e no verbal (p.59). Podemos assim perceber que este domnio

    trabalhado de modo ldico, recorrendo a jogos e brincadeiras com uso de materiais

    diversos pode proporcionar criana a aquisio de competncias diversas. A

    brincadeira de faz-de-conta assume no jardim-de-infncia um papel fundamental, pois,

    muitas vezes a criana recria situaes do quotidiano ou situaes imaginrias. Gomes

    (2011) preconiza:

    O jogo uma componente essencial da actividade dramtica sintetizada na

    expresso conhecida do faz de conta e que implica fazer para se conhecer.

    Este desdobramento noutro ser ou noutra coisa o ingrediente essencial da

    atividade ldica e traz associadas as noes de diferente, de dinmico, de

    criativo e divertido (p.152).

    A Expresso Plstica , tal como as expresses anteriormente referidas, um

    domnio que pode ser trabalhado de modo integrado. As crianas podem despertar a

    imaginao, explorando diferentes materiais e tcnicas de modo livre ou orientado.

    Cabe ao educador proporcionar criana momentos educativos variados, divertidos e

    ricos em materiais que estimulem a imaginao da criana e a levem a querer

    experimentar novas tcnicas sozinha ou em grupo. No deve a expresso plstica ser

    vista apenas como desenhar, no tirando valor ao desenho, mas, deve ser uma rea onde

    a criana tenha contacto com a arte, para ampliar o seu conhecimento do mundo e

    desenvolver o seu sentido esttico. A Expresso Musical passa no s por cantar ou

    tocar, esta deve proporcionar s crianas momentos diversos em que a criana possa

    cantar, tocar, danar, escutar e criar. Deve ter a possibilidade de explorar cada uma das

    vertentes anteriormente referidas, para tal cabe ao educador ser um incentivador e

    motivar as crianas a quererem adquirir competncias nesta rea. A Expresso Musical

    pode ser fortemente trabalhada, atravs do ldico, do jogo, da brincadeira, recorrendo a

  • Fundamentao Terica

    23

    materiais diversos como instrumentos musicais, materiais reciclveis, jogos de roda,

    danas, reproduo de sons e rudos entre outros.

    Na rea da Expresso e Comunicao esto includos o Domnio das

    Expresses, o Domnio da Linguagem Oral e Abordagem Escrita e o Domnio da

    matemtica.

    A linguagem um dos primeiros meios de socializao da criana. Urra (2010),

    defende que o desenvolvimento da linguagem nas crianas muito rpido, estas na fase

    da educao pr-escolar so j capazes de fazer frases simples e de comear a formar

    imagens mentais das coisas, o que as leva a compreender alguns conceitos. Cabe ao

    educador estimular o desenvolvimento da linguagem, quer atravs de dilogos sobre

    temticas do quotidiano da criana e de assuntos do seu interesse, quer atravs da

    realizao de jogos e brincadeiras.

    As crianas comeam a fazer as suas primeiras tentativas de escrita quando

    tentam imitar a escrita dos adultos e fazem garatujas. O educador deve permanecer

    atento a estas tentativas e juntamente com a criana registar o que ela tentou escrever.

    Deve ainda ser ler e registar os relatos das crianas sobre as suas vivncias para que

    comecem a ganhar conscincia da diferena entre a linguagem oral e a escrita. Como

    preconiza Fernandes (2005), referindo que o educador deve assumir perante o grupo o

    estatuto de um modelo de actos litercitos: lendo, escrevendo, pensando e demonstrando

    prazer (p. 10).

    Segundo as Orientaes Curriculares para a Educao Pr-escolar (1997)

    indiscutvel que a linguagem oral e a abordagem escrita devem iniciar-se na educao

    pr-escolar. O nvel de desenvolvimento da linguagem oral da criana vai interferir com

    o seu iniciar na linguagem escrita, pelo escrito o educador deve proporcionar s crianas

    momentos de dilogo em que possa exprimir-se livremente. Como refere Sim-Sim

    (1998), a entrada para a escola e a exposio a contextos mais alargados, favorece o

    enriquecimento lingustico da criana (p. 30).

    O educador deve estar disponvel para ajudar a criana, falando com ela,

    estimulando-a e criando laos para que ela espontaneamente interaja consigo e com os

    seus pares. Ao educador cabe ainda criar momentos ricos, dinmicos e cativantes que

    sejam capazes de prender a ateno das crianas e de as manter motivadas na

    concretizao das atividades. O recurso a momentos ldicos e a situaes de jogo e

    brincadeira atravs de trava-lnguas, lengalenga, canes, rimas e adivinhas, em que as

    crianas tenham de fazer gestos, repetir e at representar, podem ser momentos

  • Fundamentao Terica

    24

    importantes para o desenvolvimento da linguagem. Como refere Sim-Sim, (2008) os

    jogos que trabalham a conscincia fonolgica so geralmente bastante apreciados pelas

    crianas, exactamente pelo seu carcter ldico (p.55). A autora afirma ainda que as

    atividades de carcter ldico devem ser desenvolvidas com frequncia no contexto da

    educao pr-escolar.

    No que diz respeito ao domnio da matemtica a organizao do espao/sala

    pode servir para que a criana adquira noes matemticas como perto/longe,

    dentro/fora assim comea a encontra a lgica que lhe permite classificar objetos.

    Os quadros reguladores (presenas, tempo, aniversrios) podem tambm ser

    bons aliados para a aprendizagem da matemtica. No quadro das presenas, por

    exemplo, as crianas podem contar quantos colegas esto e quantos faltam e assim, ir

    interiorizando a noo de nmero e adquirindo o conceito de conjuntos. Com o quadro

    de aniversrios e com a sequncia de atividades desenvolvidas ao longo do dia a criana

    vai construindo a noo do tempo. Ao educador cabe ter a agilidade para perceber que

    utilidade dar aos materiais que tem dentro da sala e entender que a sua maioria permite

    trabalhar/adquirir noes matemticas. Damas, Oliveira, Nunes e Silva (2010)

    mencionam que:

    A utilizao orientada de materiais Manipulveis Estruturados, coloca as

    crianas em situaes cada vez mais complexas envolvendo-as,

    progressivamente, numa linguagem matemtica e libertando-as de eventuais

    mecanismos a que podero estar habituadas. Estas experincias, alm de

    despertarem um grande entusiasmo, permitem que as crianas permaneam

    ativas, questionadoras e imaginativas, conforme a sua prpria natureza (p. 5).

    Quando a criana brinca com materiais manipulveis est desenvolver noes

    matemticas.

    Piaget defende que o jogo/brinquedo ao ser usado em situaes pedaggicas

    ligadas matemtica permitir criana desenvolver a sua capacidade de raciocnio

    lgico e tambm a noo de nmero. O ldico aliado aprendizagem da matemtica

    pode ser o meio de as crianas gostarem desta rea. O jogo deve assim, ser visto como

    um processo de aprendizagem. Tal como sublinha Moura (1990):

    O jogo na educao matemtica tem uma intencionalidade, ele deve ser

    carregado de contedo. E um contedo no pode ser apreendido pela criana

    apenas no manipular livremente objetos. preciso jogar e ao faz-lo que se

    constri o contedo a que se quer chegar (p. 65)

    As Orientaes Curriculares para a Educao Pr-Escolar apontam a

    manipulao de objetos como forma de apoiar/ajudar o desenvolvimento de

  • Fundamentao Terica

    25

    conhecimentos e capacidades matemticas no domnio dos nmeros, da geometria e da

    medida. Salienta a importncia dos jogos e de materiais manipulveis. Os domins, os

    jogos de encaixes, os blocos lgicos, os puzzles so materiais teis para trabalhar o

    domnio da matemtica.

    Kishimoto (2007), defende a mesma ideia referindo que o jogo tem um papel

    importante na aprendizagem da matemtica na medida em que permite:

    introduzir uma linguagem matemtica que pouco a pouco ser incorporada aos

    conceitos matemticos formais, ao desenvolver a capacidade de lidar com

    informaes e ao criar significados culturais para os conceitos matemticos e

    estudo de novos contedos (p.85).

    Quanto rea do Conhecimento do Mundo pretende-se despertar nas crianas a

    sua curiosidade natural e o seu desejo de saber. Nesta rea sero trabalhados

    conhecimentos relativos ao meio local onde a criana se encontra inserida, saberes sobre

    o mundo e iniciada a sensibilizao s cincias. Esta pretende ainda trabalhar noes

    ligadas histria, geografia e meteorologia. Pretende-se aqui destacar a importncia

    do desenvolvimento e explorao de noes ligadas s cincias e da forma como podem

    ser trabalhadas essas noes. Todos os conhecimentos ligados a esta rea podem como

    refere Martins et. Al. (2009) ser trabalhados de modo a incentivar a experimentao,

    mas, sem deixar para trs o lado ldico que deve estar presente na educao pr-escolar,

    considerando que os desafios colocados incentivam a experimentao e a pesquisa,

    sem menosprezar o carcter ldico de que se revestem as aprendizagens em idade pr-

    escolar (p. 5).

  • 26

  • Opes Metodolgicas

    27

    II- Opes metodolgicas

    Neste captulo pretendemos descrever as opes metodolgicas que orientam

    este trabalho. Comeamos por explicar quais os motivos que levaram escolha da

    temtica as questes e os objetivos de estudo, os intervenientes, as opes

    metodolgicas e as tcnicas e instrumentos utilizados.

    1. Contextualizao e objetivos do estudo

    Considerando que a atividade ldica natural no ser humano e que tem como

    finalidade divertir e dar prazer, no pode ser esquecido que, enquanto a criana brinca

    ou joga, desenvolve habilidades fsicas e cognitivas. Como refere Lopes (2004):

    A essncia da ludicidade reside nos processos relacionais e interaccionais que o

    Humano protagoniza ao longo da sua existncia, atribuindo aos seus

    comportamentos uma significao ldica. As manifestaes da ludicidade ao

    emergirem da essncia do prprio ser do Humano, elas so (a ludicidade) o

    prprio ser que nelas se revela numa diversidade de comportamentos e de

    objectos que podemos identificar como distintos, nomeadamente, brincar, jogar,

    recrear, lazer e construir artefactos ldicos e de criatividade (p. 13).

    Nesta perspetiva e reconhecendo a importncia do ldico apontamos como

    questes de partida:

    Ser que as metodologias educativas promovidas ao nvel da ao

    educativa pr-escolar se constituem facilitadoras do brincar?

    Como se apresenta a organizao do espao educativo pr-escolar em

    relao s oportunidades de brincar?

    Que estratgias promover para que os pais reconheam o papel da

    ludicidade no processo educativo pr-escolar?

    Em conformidade com as questes de partida anteriormente referidas traamos

    os seguintes objetivos:

    Identificar metodologias que se tornem facilitadoras da valorizao do

    brincar no processo ensino/aprendizagem.

    Analisar o papel da organizao do espao/sala na sua relao com as

    oportunidades de as crianas brincarem.

    Refletir sobre possveis modos de sensibilizao dos pais/famlia para o

    papel que a ludicidade assume na aprendizagem das crianas da faixa

    etria pr-escolar.

  • Opes Metodolgicas

    28

    Nesta linha de pensamento, ao nvel da ao educativa que promovemos

    atribumos particular ateno organizao e modos de concretizao das atividades

    promovidas, quer por iniciativa do adulto, quer por iniciativa das crianas, bem como

    organizao dos espaos e dos materiais do espao interior e exterior.

    Partimos, assim, do pressuposto que as oportunidades de brincar e a valorizao

    do brincar como meio de descoberta e construo de saberes carecem de ateno e

    investimento. Reconhecendo a complementaridade que requer a ao educativa pr-

    escolar com as famlias e profissionais que asseguram a dinamizao de tempos no

    letivos passados pelas crianas na instituio pressupe tambm a necessria articulao

    entre todos para que sejam asseguradas oportunidades de as crianas experienciarem um

    processo formativo em que as possibilidades de brincar se tornem efetivas e valoradas

    do ponto de vista da sua aprendizagem e desenvolvimento.

    1.1.A investigao-ao como opo metodolgica

    A estratgia metodolgica em que apoiamos o desenvolvimento da ao

    educativa e investigativa de que d conta este relatrio, foi a alguns autores caraterizam

    de investigao-ao (Mximo-Esteves, 2008; Sousa, 2005).

    Para realizar um projeto de investigao-aco, segundo Mximo-Esteves (idem)

    necessrio efetuar um conjunto de procedimentos, de acordo com os objetivos do

    mesmo: encontrar um ponto de partida, coligir a informao de acordo com padres

    ticos, interpretar os dados e validar o processo de investigao (p.79). Trata-se de

    aspetos a que procurmos atender e recorremos a diferentes procedimentos para os levar

    a cabo e poder investigar e refletir sobre a nossa prtica educativa.

    Comemos por aprofundar conhecimentos atravs de diversas consultas

    bibliogrficas, quer quanto problemtica em estudo, quer s metodologias de recolha e

    anlise a informao, bem como por conhecer as caratersticas do contexto de

    interveno. Inscrevendo-se o nosso estudo numa perspetiva de investigao qualitativa

    (Bogdin & Biklen, 2013), enveredmos pelo recurso a tcnicas e procedimentos de

    recolha de informao que nos permitissem analisar e interpretar a informao

    necessria para encontrar resposta s questes e objetivos formulados.

    Discutindo questes ligadas escolha da metodologia, Sousa (2005) lembra

    que, como so as metodologias que devem depender, adaptar-se e servir os propsitos

    da investigao e nunca o contrrio, as estratgias metodolgicas passaram a servir as

    necessidades da investigao e no as dificuldades, gostos ou tendncias dos

  • Opes Metodolgicas

    29

    investigadores (p. 32). Por sua vez, Mximo-Esteves (2008) sublinha, que a

    investigao-ao, semelhana da investigao qualitativa, um processo dinmico,

    interativo e aberto, que pode ser reajustado mediante as anlises efetuadas e o que est a

    ser estudado.

    Por conseguinte, entendemos que esta seria a metodologia que melhor se

    adaptaria ao trabalho que pretendamos desenvolver, uma vez que nos permitiria registar

    e analisar dados que nos ajudassem na compreenso dos modos de pensar, agir e de

    interagir das atitudes e atender a informao de natureza diversa. Permitia-nos ainda

    recorrer observao participante, o que se torna fundamental numa ao investigativa

    que incide sobre a prpria ao e que, por isso, possibilita ir reorientando a prtica

    educativa em ordem a uma continuada melhora da resposta formativa proporcionada.

    Ao nvel da prtica educativa comemos por observar as crianas e o ambiente

    educativo atentamente. Desta forma recolhemos dados que nos permitiram atribuir um

    olhar reflexivo e crtico forma como se apresentava e como poderiam ser criadas

    oportunidades alternativas de valorizao da ludicidade.

    Com base nesse dados e reviso da bibliografia delinemos um plano de

    investigao e ao, constituindo-se como elemento orientador do processo, mas

    flexvel integrao de dinmicas e informaes que pudessem emergir no decurso da

    prtica educativa. Nesta linha, corroboramos a opinio de Sousa (2005), quando o autor

    afirma que:

    Uma investigao um procedimento que procura encontrar qualquer coisa.

    Quando se parte para uma investigao dever-se- saber para onde se vai, ou

    seja, o que que se vai procurar. A formulao do problema a definio

    daquilo que se procura: a resposta para esse problema (p. 44).

    Ao iniciar um trabalho de pesquisa o educador/professor confronta-se com

    muitas dvidas e algumas angstias, pelo que, como refere Mximo-Esteves (2008),

    importante refletir sobre algumas atitudes a tomar, que a autora carateriza como: focar

    ou selecionar o que investigar; tornar familiar o estanho; utilizar um dirio, dar tempo

    ao tempo e ser realista. Importa deter-nos sobre cada estas ideias para melhor

    compreendermos o sentido que lhe atribudo.

    Em primeiro lugar preciso ter em conta que a investigao deve focar aspetos

    especficos da prtica educativa, pelo que requer selecionar, ou seja, decidir o que

    escolher investigar. Dai as primeiras dificuldades surgem em torno de decidir o que

    escolher investigar, aspeto com o qual nos confrontamos e que durante algum tempo foi

    motivo de reflexo.

  • Opes Metodolgicas

    30

    No que se refere a tornar o familiar estranho significa, de acordo com a autora

    (idem), que se torna importante que o professor:

    aprenda a ver no interior do que lhe familiar e indiferente, procurando

    descobrir o que sustenta a sua rotina, e desocultar o que se esconde sob gestos,

    que sem refletir, dia a dia repete; a inteno desse olhar atento e p das aes que

    pratica (p. 85)

    Importa utilizar um