Práticas rotineiras em maternidade: reflexões sobre a ... · histerectomia ou relaparotomia,...

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Práticas rotineiras em maternidade: reflexões sobre a melhor assistência Carla Andreucci Polido DMed UFSCar

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Práticas rotineiras em maternidade: reflexões sobre a melhor assistência

Carla Andreucci Polido DMed UFSCar

"... A apropriação dos processos do corpo e reprodutivos das mulheres por profissional de saúde expressada por tratamento desumano, abuso de medicamentos, e conversão dos processos naturais em patológicos, trazendo com isso a perda de autonomia e da capacidade de decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade, impactando negativamente a qualidade de vida das mulheres ".

Rogelio Pérez D’Gregorio International Journal of Gynecology and Obstetrics, 2010

Autoridade e responsabilidade centradas no médico, não na paciente

Parto como um processo mecânico

O modelo Tecnocrático

Robbie Davis Floyd, 2001

Cascata de intervenções Internação precoce

Uso de ocitocina

Monitorização dos batimentos fetais contínua

Parturiente deitada

Falha de progressão do parto

Cesárea

Assistência obstétrica atual

• Baseada em ritos e rituais tecnocráticos, sem

questionamento

• Não há respeito à fisiologia do processo, o que não permite a ação dos hormônios

Medicina Baseada em Evidências

• Estudos conduzidos com rigor, mostram os benefícios da não intervenção.

• Qualquer intervenção sobre a fisiologia só deve ser feita

quando se prova mais segura e/ou efetiva que a não-intervenção.

Medicina Baseada em Evidências Recomendações de condutas clínicas

Apresentação pélvica

Apresentação pélvica • Term Breech Trial, 2000 ECR com 2.083 gestantes Cesariana: menor mortalidade perinatal e neonatal e menor morbidade grave (RR 0,33). Sem diferença em morbidade materna.

Nível de evidência I, Grau de Recomendação A

Apresentação pélvica • Revisão Cochrane, 2008

RS com 2.396 gestantes. Cesariana: menor risco de morbimortalidade perinatal (RR 0,33) e maior risco de morbidade materna (RR 1,29). Mulheres devem ser esclarecidas sobre riscos e benefícios, parteiros devem ser treinados.

Nível de evidência I, Grau de Recomendação A

Apresentação pélvica

• Recomendação da OMS: Versão cefálica externa • 80% de sucesso para parto vaginal • Complicações raras

Hofmeyr GJ1, Kulier R., Cochrane 2012

Nível de evidência I, Grau de Recomendação A

Cesariana anterior

Cesariana anterior Taxa de rotura uterina após UMA cesariana: 1,3%, podendo chegar a 2-3% se uso de ocitocina. Taxa de sucesso em parto vaginal entre 60-80% (menores com indução, porém ainda > 50%)

Rossi AC, D’Addario V. (RS). Am J Obstet Gynecol. 2008 Harper LM, Macones GA. Obstet Gynecol Surv. 2008

Dodd JM, Crowther CA. Cochrane, 2008

Nível de evidência I e II, Grau de Recomendação A e B

Cesariana anterior O risco aumentado de rotura uterina é equilibrado por expressiva redução de morbidade materna e necessidade de histerectomia. Diretrizes de sociedades recomendam oferecer prova de TP às mulheres com cesariana anterior. Há necessidade de explanação de riscos e benefícios e consentimento informado.

NICE, 2004 ACOG, 2004 e 2010

Nível de evidência V, Grau de Recomendação D

Duas ou mais cesarianas anteriores A taxa de sucesso em parto vaginal é semelhante em VBAC1 e VBAC2 (cerca de 75%) Há maior morbidade materna no VBAC2 (OR 1,61) Cesarianas repetidas aumentam o risco gestacional em qualquer via de parto:

• 9% das mulheres apresentarão complicações (rotura uterina, histerectomia ou relaparotomia, lesão de bexiga ou instestinos, hemorragias ou tromboembolismo).

Macones et al., Am J Obstet Gynecol, 2005 Nisenblat et al., Obstet Gynecol, 2006

Nível de evidência II, Grau de Recomendação B

Duas ou mais cesarianas anteriores Vaginal birth after two caesarean sections (VBAC-2): a systematic review with meta-analysis of success rate and adverse outcomes of VBAC-2 versus VBAC-1 and repeat (third) caesarean sections.

Tahseen & Griffiths, BJOG, 2009

17 estudos observacionais de qualidade Mais de 9.000 VBAC2 e 3 Taxa de sucesso em VBAC2: 71,1% Rotura uterina em VBAC2: 1,36% e transfusão 2,01% Sem diferenças em morbidades ou asfixia perinatal

Nível de evidência II, Grau de Recomendação B

Duas ou mais cesarianas anteriores NIH Consensus Development Conference Statement on Vaginal Birth After Cesarean (2010): ACOG Practice Bulletin nº 115 (2010) “Attempting a VBAC is a safe and appropriate choice for most women who have had a prior cesarean delivery including for some women who have had two previous cesareans.”

Cesariana desnecessária

Neonatal Mortality for Primary Cesarean and Vaginal Births to Low-RiskWomen: Application of an ‘‘Intention-to-Treat’’ Model. MacDorman et al., BIRTH, 2008 8.026.415 mulheres elegíveis para um parto vaginal ou cesariana. • A taxa de mortalidade neonatal foi de 0,63 para partos

vaginais e 1,69 nas cesarianas intraparto, resultando em uma taxa global de 0,72 para o grupo de parto vaginal planejado.

• A taxa de mortalidade na cesárea foi de 1,73: 2,4 vezes maior que no parto vaginal.

Maternal and neonatal individual risks and benefits associated with caesarean delivery: multicentre prospective study, Villar et al., BMJ, 2007. Coorte prospectiva (WHO Global Survey) com 97.095 nascimentos. Mulheres submetidas a cesarianas tiveram maior morbidade severa quando comparadas às que tiveram parto vaginal.

Maternal and neonatal individual risks and benefits associated with caesarean delivery: multicentre prospective study, Villar et al., BMJ, 2007. Cesarianas estiveram associadas: • 4 a 5 vezes > chance de antibioticoterapia

• 2,3 vezes > chance de morbidade materna na cesariana eletiva • 3 a 5 vezes > taxa de mortalidade materna

• 4 vezes > chance de histerectomia

• 2 vezes > chance de internação na UTI ou internação > 7 dias

Caesarean section without medical indications is associated with an increased risk of adverse shortterm maternal outcomes: the 2004-2008 WHO Global Survey on Maternal and Perinatal Health. Souza et al., BMC, 2010 24 países, 373 instituições de saúde e 290.610 nascimentos. Prevalência de MMG foi de 37/1.000 nascimentos. Mulheres submetidas a cesarianas apresentaram 5,93 mais chances de MMG.

Procedimentos desnecessários: Tricotomia Basevi V, Lavender T. Routine perineal shaving on admission in labour (Cochrane Review, 2008) Não houve diferença na morbidade febril materna

Singata M, Tranmer J, Gyte Gillian ML. Restricting oral fluid and food intake during labour (Cochrane Review, 2013) Não há justificativa para a restrição alimentar durante o tp em mulheres de baixo risco

Reveiz L, Gaitán Hg, Cuervo Lg. Enemas during labour (Cochrane Review, 2013) •Não previne a eliminação de fezes no 1o. e no 2o. estágio do TP •Não afeta a duração do TP nem a dinâmica uterina

Não há evidências suficientes para recomendar sua indicação de rotina

INDUÇÃO/CONDUÇÃO DE TRABALHO DE PARTO

Distócia ou TP Protraído

• Friedman: primeira avaliação

• Dilatação mínima na fase ativa • 1,2 cm/hora em nulíparas • 1,5 cm/hora em multíparas

• Descida mínima na fase ativa • 1 cm/hora em nulíparas • 2 cm/hora em multíparas

Friedman EA, Am J Obstet Gynecol, 1954 e Obstet Gybecol, 1955

Distócia ou TP Protraído

• Zhang: Consortion on Safe Labor, 62.415 partos após início espontâneo do trabalho de parto e resultados neonatais normais. (19 centros nos EUA).

• Não existe nítida modificação entre fases latente e ativa.

Zhang et al., Am J Obstet Gynecol, 2002 e Obstet Gynecol, 2010

Distócia ou TP Protraído

Parada de progressão ( TP protraído) do TP no primeiro período:

• Dilatação cervical ≥ 6 centímetros de dilatação e ruptura de membranas com: • Nenhuma mudança cervical depois ≥ 4 horas, apesar de contrações

adequadas • Nenhuma mudança cervical depois ≥ 6 horas, com contrações

inadequadas

Preventing the first cesarean delivery: summary of a joint Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development, Society for Maternal-

Fetal Medicine, and ACOG Workshop. Obstet Gynecol, 2012

Distócia ou TP Protraído

Indução de parto:

• O tempo necessário para avançar um centímetro de dilatação em fase latente (menos de 6 cm), é significativamente maior em mulheres em indução de parto.

• Nulíparas sob indução versus TP espontâneo: • 1,4 h para dilatar 3-4 cm versus 0,4h • 1,3 h para de 4 a 5 cm versus 0,5 h • 0,6 h de 5 a 6 cm versus 0,4 h

Harper et al., Obstet Gynecol, 2012

Distócia ou TP Protraído

Harper et al., Obstet Gynecol, 2012

Distócia ou TP Protraído

Duração do segundo período: 1 hora em multíparas 2 horas em multíparas com analgesia e primíparas 3 horas em primíparas com analgesia

• ACOG Practice Bulletin Number 49, December 2003

Controle da dor

Smith CA, Levett KM, Collins CT, Jones L. Massage, reflexology and other manual methods for pain management in labour. Cochrane Review, 2012. • Massagem pode reduzir dor e melhorar a experiência emocional da mulher

durante o TP.

Cluett E R, Burns EE. Immersion in water in pregnancy, labour and birth (Cochrane Review, 2011) Imersão em água durante o primeiro estágio do parto reduz efetivamente a dor e a necessidade de analgesia Diminui a duracão do segundo período sem aumento de complicações.

Hodnett ED, Gates S, Hofmeyr GJ, Sakala C, Weston J. Continuous support for women during childbirth (Cochrane Review, 2013) Reduz a duração do TP e a necessidade de analgesia Reduz a necessidade de parto instrumental e cesárea Menor risco de Apgar < 7 no 5º. Minuto Maiores benefícios: APOIO contínuo por mulher que não faz parte do staff hospitalar nem da rede social da parturiente

Deambulação na primeira fase do TP e escolha de posições

Lawrence A, Lewis L, Hofmeyr GJ, Dowswell T, Styles C. Maternal positions and mobility during first stage labour (Cochrane Review, 2013) • TP mais curto em mulheres que adotaram posições

verticalizadas/deambulação vs. : -99 min (-1,6 –0,39) • Menor necessidade de analgesia (RR= 0,83) • Não houve diferença em outros desfechos maternos e

perinatais • Não houve efeitos negativos para o binômio mãe/bebê

Mulheres devem ser encorajadas a escolher a posição em que

se sentem mais confortáveis durante o TP

Nível de Evidência Ia, Grau de Recomendação A

Gupta JK, Hofmeyr GJ, Smyth R. Position in the second stage of labour for women without epidural anaesthesia (Cochrane Review, 2012) • Benefícios das posições verticais/laterais • Desvantagem da posição vertical: maior perda

sanguínea, sem necessidade de transfusão Mulheres devem ser encorajadas a parir na posição

mais confortável

Nível de Evidência Ia, Grau de Recomendação A

Verheijen E, Raven JH, Hofmeyer J. Fundal pressure during second stage of labour (Cochrane Review, 2009) Não há evidências de boa qualidade sobre benefícios da pressão fúndica manual Há vários relatos de caso de efeitos deletérios da manobra

Carroli G, Mignini L. Episiotomy for vaginal birth (Cochrane Review, 2009) Menor risco de infecção, dor perineal e complicações da sutura Menor risco de trauma perineal grave Sem diferença na incidência de IUE e dor tardia

Moore ER, Anderson GC, Bergman N. Early skin-to-skin contact for mothers and their healthy newborn infants. (Cochrane Review, 2012) Melhores resultados neonatais: menor choro, maior estabilidade cardiorrespiratória,menos hipoglicemia Aumento da amamentação e de sua duração em > 42 dias Sem efeitos negativos em curto ou longo prazo

Contato Pele a Pele

Hutton e Hassan. Late vs early clamping of the umbilical cord in full-term neonates: systematic review and metanalysis of controlled trials. JAMA, 2007 Melhora do hematócrito e da ferritina Adiar em 30 a 120 seg: transferência adicional de 30-150 mL de sangue da placenta para o RN. Clampeamento imediato: pode privar o RN de até 25% do volume de sangue circulante.

Clampeamento tardio do cordão

McDonald Susan J, Middleton Philippa. Effect of timing of umbilical cord clamping of term infants on maternal and neonatal outcomes (Cochrane Review, 2013) • 11 ECR: 2989 mulheres e bebês, ligadura tardia x precoce • Risco inalterado de hemorragia materna • Aumento dos níveis de hemoglobina e de ferritina do RN • Aumento da ferritina persistiu por seis meses • Aumento de fototerapia

Desejável política mais liberal de ligadura tardia do cordão

Nível de Evidência Ia, Grau de Recomendação A

Amamentação imediata

Alojamento Conjunto

"Não há nada pior do que fazer muito bem a coisa errada.“

Peter Druker