Rafael Hansen Quinsani cine e revoluçao
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Anais Eletrônicos do II Encontro História, Imagem e Cultura Visual - 8 e 9 de agosto de 2013 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre – Brasil
GT História, Imagem e Cultura Visual - ANPUH-RS
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A revolução em película: reflexões sobre a relação Cinema-História e a Revolução Mexicana
Rafael Hansen Quinsani1
Resumo: este trabalho tem por objetivo problematizar as implicações teóricas da relação
Cinema-História destacando como os filmes interpretam a História e quais as consequências
desse processo para a História como ciência. São utilizados como eixo desta reflexão oito
filmes que abordaram um fato histórico marcante do século XX e que produziu impacto em
todo mundo: a Revolução Mexicana. Os filmes estão inseridos em três quadros ideológico-
temporais de realização: os Estados Unidos da América; a Europa, especialmente Itália e
Espanha; e a União das Repúblicas Soviéticas. O primeiro Quadro ideológico-temporal de
realização é intitulado “Destinos coletivos, movimentos de conjunto” e enfoca as películas
produzidas na URSS. O segundo Quadro ideológico-temporal de realização é “Tudo o que é
ideológico se molda no cinematógrafo” destacando as produções dos EUA. O terceiro Quadro
ideológico-temporal de realização enfoca as produções da EUROPA e intitula-se “O Western
encontra a Revolução: a História com Spaghetti e algumas Tortillas”.
Nos primeiros tempos, tempos mágicos e religiosos, a ciência era ao mesmo
tempo um elemento de emoção e um elemento de saber coletivo. Depois
com o dualismo as coisas se separaram e nós temos de um lado a filosofia
especulativa, a abstração pura, do outro, o elemento emocional puro.
Devemos agora fazer um regresso, não ao estágio primitivo que era o
religioso, mas em direção a uma síntese análoga do elemento emocional e do
elemento intelectual. Penso que o cinema é capaz de fazer esta grande
síntese, de dar ao elemento intelectual as suas raízes vitais, concretas e
emocionais.
(Serguei Eisenstein)
Quando os irmãos Lumière projetaram as primeiras luzes oriundas do seu
cinematógrafo, no final do século XIX, mais do que desenvolver uma nova forma de
entretenimento, eles lançaram os alicerces para aquilo que viria a ser uma nova arte, uma nova
indústria e uma nova forma de realizar História. A existência humana parece perseguir uma
exigência inconsciente de “sonhar com os olhos abertos”, feito que o cinema materializou de
forma ímpar. Se a artisticidade do cinema está nos limites impostos pelo homem, centrada na
atividade do seu próprio inconsciente, este não é uma entidade abstrata, mas um produto
contingente da realidade. Desse modo, a força do cinema está na sua aptidão de determinar a
mais aguçada capacidade visual, a ponto de ser capaz de criar uma civilização ótica.
1 UFRGS. Doutorando em História. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]
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O cinematógrafo transformou o século XX num gigantesco cenário e laboratório de
experiências para a elaboração de uma linguagem cinematográfica, de uma forma de
expressão histórica. Desse modo, esta pesquisa tem por objetivo problematizar as implicações
teóricas da relação Cinema-História destacando como os filmes interpretam a História e quais
as conseqüências desse processo para a História como ciência. Trata-se de pensar como o
aporte de novas tecnologias constitui uma forma narrativa para a História apresentada e, se a
divulgação da História por imagens filmográficas permite perceber a composição de um novo
paradigma centrado na Razão Poética, que possibilite a reavaliação do próprio paradigma
científico da História.
São utilizados como eixo desta reflexão oito filmes que abordaram um fato histórico
marcante do século XX e que produziu impacto em todo mundo: a Revolução Mexicana. Os
filmes estão inseridos em três quadros ideológico-temporais de realização: os Estados Unidos
da América; a Europa, especialmente Itália e Espanha; e a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas.
A escolha pela Revolução Mexicana se justifica pelo fato dela ser a primeira
Revolução na América Latina no século XX. Ela ocorreu num contexto onde o México, por
um lado, com suas características econômicas e políticas se assemelham com o restante da
América Latina; e, por outro lado, diferencia-se pelo processo como ocorreu seu
desenvolvimento, onde a burguesia rompeu seus laços com a oligarquia fundiária, e o exército
não serviu de braço armado para ela. Ao longo do tempo, a fundamentação dos códigos de
identidade e dos valores culturais de um povo, ou de um Estado, é marcada por fatos humanos
que ganham destaque a partir da construção objetivada por determinados fins. Os conflitos e
guerras por darem destaque a uma parte de determinados setores da população ou da nação
envolvidos nos eventos, ganham relevância na fundamentação dos “mitos fundadores” dos
Estados Nação. Esta construção operada com a memória histórica coloca-se em constante
atualização conforme o presente vivido, a favor da legitimação de categorias sociais que
dominam o processo produtivo econômico, cultural e político (ROJAS, 2003, p. 19). No
México esta operação historiográfica vem sendo realizada a partir do início do século XX,
sempre norteado por seus dois baluartes: a Independência e a Revolução Mexicana iniciada
em 1910. O primeiro pela sua afirmação como Nação, caracterizado por uma independência
política, mas não econômica e industrial. O segundo pelo seu referendo a soberania e
modernização dos meios produtivos. O destaque a estes fatores interpretativos produz uma
homogeneização da Revolução, ignorando o caráter local das diversas revoltas e movimentos,
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bem como seu maior fator impulsionador: a questão agrária. Esta tendência de harmonização
é oriunda de uma influência dos EUA, no que tange seus elementos civilizatórios, negando
seu caráter indígena (ROJAS, 2003, p. 25), elemento de destaque na formação da cultura
Mexicana. Esta influência dos EUA marca uma nova fase na submissão econômica da
América Latina observada a partir do século XX. Com o crescimento evidenciado no século
XIX de uma economia-mundo, e a crescente disputa das potências européias pelas colônias
africanas, a América Latina passa a exercer um papel de destaque no fornecimento de
matérias primas e produtos agrícolas em escala monopolista. Desse modo, a Revolução
Mexicana atraiu olhares de todo mundo, tornando-se um dos eventos mais retratados
cinematograficamente ao longo do século XX e é no olhar do exterior que a seleção de filmes
para a composição dos quadros ideológicos se baseou.
O primeiro Quadro ideológico-temporal de realização é intitulado “Destinos coletivos,
movimentos de conjunto” e enfoca as películas produzidas na URSS. Serão analisados dois
filmes: Que viva México! de Serguei Eisenstein, realizado em 1932 e México em chamas
(Krasnye kolokola, film pervyy - Meksika v ogne) de Sergey Bondarchuk, 1982.
O segundo Quadro ideológico-temporal de realização é “Tudo o que é ideológico se
molda no cinematógrafo” destacando as produções dos EUA. Os filmes são: Viva Zapata!
realizado em 1952 por Elia Kazan; Pancho Villa (Villa Rides) de Buzz Kulik, 1968; E
estrelando Pancho Villa (And Starring Pancho Villa as Himself) realizado em 2003 por Bruce
Beresford.
O terceiro Quadro ideológico-temporal de realização enfoca as produções da
EUROPA e intitula-se “O Western encontra a Revolução: a História com Spaghetti e
algumas Tortillas”2. Compõe este quadro os filmes Uma bala para o general (Quien Sabe?)
2 O Spaghetti Western. Na década de 1960, o impacto e o fascínio pelo Western não são apagados na Europa.
Num processo de circulação cultural ele é reinventado despontando como um dos gêneros de maior sucesso de
público. Filmados externamente na região da Almeria da Espanha (a grande maioria) e internamente na
Cinnecittá em Roma, este gênero segue a tendência do estúdio de produzir seriados (os épicos sandália e espada,
os filmes de horror e as sátiras de James Bond são alguns exemplos de destaque). Sua influência também se
encontra no Neo-realismo, seja na experiência profissional ou na herança estética. A influência do Neo-realismo
se estende pelo mundo, chegando ao Brasil, onde surge o Cinema Novo e ganha destaque a temática do cangaço.
Com Glauber Rocha verificamos uma ruptura estética e temática, ao abordar o cangaceiro como o indivíduo
passível de protagonizar a Revolução pela sua experiência rebelde. Também do oriente, principalmente de Akira
Kurosawa, compõem-se o arcabouço estético. A abordagem desvelada pelo Western do Oeste, moldou uma
imagem atrativa aos europeus, seja pela imigração, pelo sonho de acumulação de dinheiro ou por uma utopia
agrária de fazendeiros livres, que já se encontrava propagada desde o século XIX, com a literatura de Fenimore
Cooper e Karl May. A abordagem européia do oeste destaca o contexto fronteiriço, enfocando o México e a
Revolução Mexicana. Dentro do Western Spaghetti esses filmes ficaram conhecidos como Zapata Western
Nesse contexto olhava-se para o Terceiro Mundo, devido aos inúmeros movimentos revolucionários que se
construíam naqueles anos. No contexto europeu, marcado por uma americanização do âmbito cultural, pela
urbanização e pelo fim do campesinato, forjava-se um estilo de filme que evidenciava e refletia esses elementos.
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de Damiano Damiani, 1966; Tepepa de Giulio Petroni, 1968; e Compañeros! realizado em
1970 por Sergio Corbucci.
A análise destes filmes, realizados em diferentes quadros ideológico-temporais
permite comparar as diversas visões dentro do mesmo quadro e entre os três quadros. As
películas apresentam os principais personagens da Revolução (Pancho Villa, Emiliano Zapata,
Francisco Madero, Victoriano Huerta, Porfírio Diaz) representados na história narrada ou por
referenciais e paralelos com outros personagens inventados. Estes cruzamentos permitem
evidenciar a organização dos fatos retratados, os motivos desta organização e sua
diferenciação e constituição estética. Desse modo, poderemos refletir sobre como estas
películas operam, constroem e apresentam uma visão histórica.
Esta pesquisa tem como objetivo geral versar sobre as possibilidades de representação
da História que a relação Cinema-História apresenta, enfocando até que ponto a narrativa
cinematográfica pode recuperar e representar com precisão o conteúdo do passado através de
sua linguagem estética. Os demais objetivos compõem-se na realização de uma síntese que
estabeleça uma crítica histórico-orgânica sobre alguns autores que refletiram sobre as
implicações teóricas da produção do conhecimento histórico. Serão aplicadas estas reflexões
sobre a história apresentada por imagens filmográficas destacando aproximações e
distanciamentos. Buscar-se-á identificar como a história apresentada por imagens
filmográficas pode constituir um novo paradigma ancorado na Razão Poética, discutindo de
que modo o uso do cinema como fonte histórica pode ser refletido e quais suas influências no
trabalho do historiador.
A ampla produção de obras históricas em diversas esferas da sociedade é um
fenômeno crescente nas últimas décadas. O cinema é um dos protagonistas dessas visões
históricas empreendidas por diversos filmes. Contudo, dentro do âmbito científico e mesmo
fora dele, referendou-se que escrever a História é uma tarefa atribuída aos historiadores. Ao
refletir sobre a constituição de seu paradigma científico, sobre a constituição do saber
histórico, os métodos de pesquisa encabeçam o topo destas reflexões. Dedicar-se as formas e
funções do saber histórico parece um desvio de teoria, levando a evasão o caráter científico do
trabalho do historiador (RÜSEN, 2007, p. 9-16). As regras da escrita historiográfica, a
Sua abertura estética, com movimentos de câmera ousados e uma intensa criatividade, somaram-se à construção
de uma imagem diferente daquela dos Westerns estadunidenses. Um pistoleiro que agora é atormentado,
marcado pela solidão e pelo individualismo, cuja sujeira e a barba por fazer o descaracterizam da imagem de
bom-moço. Suas feições são marcadas pela dureza do dia-a-dia, pelo seu olhar petrificado. Um gênero que
influenciará o próprio cinema estadunidense de Sam Peckimpah (Meu ódio será sua herança (The Wild Bunch),
Pat Garret e Billy the Kid) a Quentin Tarantino (Cães de Aluguel (Reservoir Dogs) e Kill Bill) e que dentro de
um processo de circulação cultural resgatou os mitos de uma fronteira imaginária a oeste.
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“poética normativa” do trabalho historiográfico estavam à margem, ou mesmo fora do olhar
do profissional de História. Para muitos profissionais, escrever a História é um processo
realizado com naturalidade, onde a competência literária não é discutida. A narrativa
produzida pelos historiadores é encarada como uma conseqüência automática das regras da
pesquisa histórica. Entretanto, a História precisa ser escrita de uma maneira, e como
demonstra Jörn Rüsen, este processo faz parte da constituição da Matriz Disciplinar da
História (RÜSEN, 2001, p. 26-38).
Nas décadas recentes, questões e debates levantados no campo da teoria literária
obrigaram historiadores a refletir e questionar diversos elementos da escrita e da constituição
da narrativa histórica: a articulação da garantia discursiva da validade de sua interpretação
com a recepção de seus destinatários e o interesse das possibilidades estéticas da narrativa são
alguns exemplos. Esta análise empreendida pela teoria literária insere a ficcionalidade no
próprio fundamento da História, ela não é mais “o outro”, seu oposto binário da facticidade.
Numa outra posição extremada a facticidade conferiu ao contexto construído pela
interpretação histórica realizada a partir dos fatos, sustentados pelas fontes, uma facticidade
semelhante aos próprios fatos. Isto ocorreu devido ao forte empirismo embasado no prestígio
das ciências naturais oriundo do século XIX.
Os fundadores da História na Antiguidade, Heródoto e Tucídides, não deixaram
indicação nas suas obras sobre qual a forma adequada de uma narração histórica. Esta estava
atrelada à eloqüência judiciária. A reabilitação da herança greco-romana empreendida a partir
do século XIV foi escolha entre outras possíveis. As diferentes visões sobre o caráter da
narrativa demonstram que a consolidação do paradigma científico não se fez de modo rápido
e consensual (CEZAR, 2004, p. 11-34). W. Humboldt é considerado por muitos um dos
fundadores da História científica atribuindo ao trabalho do historiador “expor aquilo que
aconteceu”. As faculdades imaginativas devem estar subordinadas a experiência e a
investigação da realidade. Por outro lado, G. Droysen busca responder por que a história é
necessária e quais as implicações quando se pensa historicamente (CALDAS, 2004). Este
recuo ao século XIX, demonstra como a propagada crítica interna e a tomada de consciência
atribuída ao (Pós)Modernismo (MULSLOW, 2009, p. 9-29), não era uma inquietação nova,
nem somente oriunda das áreas exteriores da disciplina histórica.
No bojo destas inquietações e questionamentos, apontou-se a possibilidade de
compreensão dos significados de um texto desconsiderando sua realidade externa. Noções
como verdade, objetividade e realidade foram postas em dúvida, bem como o caráter
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científico da disciplina histórica. No prolongamento (e como resposta) a estas questões,
Rüsen, ao investigar a pretensão de racionalidade que a ciência da História possui com relação
ao seu modo específico de pensar historicamente busca analisar como se constitui o
pensamento sobre a História que se apresenta como científica. Para o autor uma reflexão
histórica sobre a História permite que se obtenha um conhecimento histórico que situe alguém
no tempo. Teoria, para o autor, corresponde a análise de um conteúdo em busca de
determinações racionais manifestas. O campo da Teoria da História produz um pensamento
histórico que expande sua capacidade de fundamentar-se e criticar-se. Ela vai além da práxis
dos historiadores, uma vez que a coloca em evidência como objeto de conhecimento.
Ultrapassando o campo da Teoria da História uma Meta-Teoria realizaria o pensamento sobre
o pensamento histórico. Ela seria uma Teoria da História externa à práxis da pesquisa
investigando a ciência da história como fator da própria História. O autor busca se diferenciar
das análises que utilizam à teoria como um simples instrumento de trabalho com as fontes.
Constitui um requisito básico para qualquer ciência que os cientistas prestem contas a si
mesmo e aos demais sobre seu modo de pensar. Nesta prestação de contas, a principal tarefa
seria a inserção das reflexões metateóricas na ciência da História, não bastando apenas uma
simples classificação dos problemas, mas sim, a análise dos princípios que constituem o
pensamento histórico. Ao sistematizar a função da teoria da história, Rüsen destaca a razão
como força motora do pensamento histórico na História científica. Assim, é racional todo
aquele pensamento que exprime uma forma de argumentação.
A Matriz Disciplinar da História permite que se identifique e demonstre a
interdependência dos fatores determinantes do conhecimento histórico que delimitam o
campo da pesquisa. O primeiro destes fatores são os interesses que os homens possuem de
orientar-se no fluxo do tempo e assenhorar-se do passado. Estas carências de orientação da
prática humana da vida no tempo são o ponto de partida do pensamento histórico antes da sua
constituição como ciência. O segundo fator são as idéias, pontos de vistas supra-ordenados
que articulam estas carências com o interesse de conhecimento do passado. O terceiro fator
constitui-se nos métodos, que ditam as regras da pesquisa empírica. Estes métodos
influenciam o modo pelo qual as idéias são concebidas. O quarto fator são as formas de
apresentação, ponto de desembarque dos processos da pesquisa do conhecimento histórico
regulados metodicamente. Por fim, no quinto fator, as funções compõem a orientação
existencial. Estes cincos fatores aparecem em todo pensamento histórico e encontram-se
articulados no interior da matriz disciplinar da ciência da história (RÜSEN, 2001, p. 26-38).
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Ilustração 1 Extraído de RÜSEN, Jörn. 2001, p. 164.
A produção histórica não se limita somente àquela produzida no âmbito científico. A
História designa operações elementares e gerais da consciência histórica humana. Estas
operações embasam os modos de pensar da história como ciência, bem como orientam os
interesses e carências dos homens, sua ação e percepção dos efeitos da ação do tempo
(RÜSEN, 2001. p. 26-38 e 161-65). Desta matriz de carências e operações, o cinema também
extrai seu embasamento para a construção de suas narrativas, mas as apresenta de forma
diferenciada e utiliza outros métodos além daqueles empreendidos pelos historiadores.
A produção de um filme também tem início nos dois fatores que delimitam o
conhecimento histórico científico (Interesses e Idéias). Pesquisa, coleta de dados, entrevistas,
cotejo de fontes são realizados, com métodos diferentes ou semelhantes aos dos historiadores.
A principal diferença está na forma de representação e sua estratégica estética. Ao projetar
imagens em movimento de um fato histórico reconstituído, de personagens, de suas emoções
e sentimentos, o cinema ultrapassa o grau de subjetividade aceito no meio científico. Recriar,
interpretar e emocionar são fatores que estão correlacionados nas formas de apresentação
cinematográfica.
Tal como na escrita da história, o cinema agrega os elementos subjetivos e
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emocionais, mas muitas vezes o que é visto na tela é tomado como real, como verdadeiro. O
grande poder do cinema está na força do seu efeito de real, na sua representação do real. O
fazer científico da História está calcado em uma idéia de racionalidade e, principalmente, de
determinados métodos. Entretanto, a história não se limita somente à ciência da história, ela
também designa operações elementares e gerais da consciência histórica humana. Nestas
operações se baseiam os modos de pensar a história como ciência. Portanto, nesse sentido,
pensar a ficção histórica produzida pelo cinema permite ao historiador refletir, a partir de um
âmbito teórico, as finalidades da pesquisa empírica, além de examinar sua própria pesquisa e
as teorias que esta pesquisa utiliza para chegar ao seu objetivo.
Cinema-História pensado como conceito articulado, abre um novo campo
metodológico. Qual documento se impôs de tal maneira a ter seu nome associado à história?
Este conceito caracteriza-se por construir uma problemática com objeto e uma epistemologia
específica. Segundo Jorge Nóvoa, esta relação corresponde à articulação de uma Razão
Poética que leva em conta o valor epistemológico da imaginação. Insere-se aqui a questão de
como o racionalismo cartesiano pode dar conta do sentimento e da emoção na produção de
um conhecimento. Pesquisas recentes realizadas pela neurobiologia apontam que a redução
das emoções pode constituir uma fonte de comportamento irracional. O “Erro de Descartes”
consiste em separar corpo e mente, vendo o ato de pensar como uma atividade separada do
corpo (DAMÁSIO, 2009, p. 279). A constituição e desenvolvimento da linguagem
cinematográfica desenvolveu imagens com poder de substituir a realidade que se exibe diante
de nós. Pensar no novo paradigma da Razão Poética permite estabelecer uma alavanca para a
reconstrução do paradigma científico da História. Um filme narra, explica e apreende
acontecimentos individuais, coletivos, sociais, psicológicos e históricos. Seu objetivo é
entreter, mas na sua constituição faz uso de argumentos racionais e todos os ingredientes da
vida, das carências de orientação. Quando procura representar, traduzir e interpretar a
complexidade do real, o cinema trai, mente e altera. Mas os documentos falsos ou
enganadores têm utilidade, uma vez que eles podem ensinar sobre o objeto de sua mentira, ou
falsificação, e até mesmo o porquê, de suas intenções neste procedimento. O conteúdo de um
documento ultrapassa a intenção de quem o registrou. Como lembrou Koselleck, “o controle
das fontes assegura a exclusão daquilo que não deve ser dito. Mas esse mesmo controle não
prescreve aquilo que pode ser dito” (KOSELLECK, 2006, p. 141). Assim, a escrita
cinematográfica possibilita uma linguagem capaz de, na sua exposição, fundir dialeticamente
a multiplicidade dos tempos históricos, auxiliando os historiadores a ampliar sua capacidade
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de produzir conhecimento e potencializar sua transmissibilidade (NÓVOA, 2009, p. 159-190).
Desse modo, o cinema ensina, explica, documenta, constrói uma memória, é agente e
produtor de um discurso sobre a história. Trata-se de uma outra história diferente daquela
escrita nos livros, construída com métodos diferentes e inscrita em outra matriz disciplinar.
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