Re Vista 1869

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 R EVISTA E SPÍRITA  Jo rnal de Estudos Psicológicos

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REVISTA ESPRITAJornal de Estudos Psicolgicos

REVISTA ESPRITAJornal de Estudos PsicolgicosContm:O relato das manifestaes materiais ou inteligentes dos Espritos, aparies, evocaes, etc., bem como todas as notcias relativas ao Espiritismo. O ensino dos Espritos sobre as coisas do mundo visvel e do invisvel; sobre as cincias, a moral, a imortalidade da alma, a natureza do homem e o seu futuro. A histria do Espiritismo na Antigidade; suas relaes com o magnetismo e com o sonambulismo; a explicao das lendas e das crenas populares, da mitologia de todos os povos, etc.

Publicada sob a direo de ALLAN KARDECTodo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O poder da causa inteligente est na razo da grandeza do efeito.

ANO DCIMO SEGUNDO 1869

TRADUO

DE

EVANDRO NOLETO BEZERRA

FEDERAO ESPRITA BRASILEIRA

Avisoom este volume encerra-se o perodo em que a Revista Esprita esteve sob a responsabilidade direta do Codificador. Quando a morte o colheu em 31 de maro de 1869, alm dos fascculos publicados, referentes aos meses de janeiro a maro, j estava no prelo o nmero de abril do mesmo ano, que Kardec redigira integralmente, passando os demais, a partir de maio, responsabilidade direta de seus continuadores, tendo frente, pelo Comit de Redao, o Sr. Armand Thodore Desliens, na qualidade de Secretrio-gerente da Revista Esprita. No obstante fosse nossa inteno inicial traduzir apenas os quatro primeiros meses de 1869, achamos interessante que os leitores tomassem conhecimento das ltimas homenagens prestadas a Allan Kardec, os discursos pronunciados junto ao tmulo no cemitrio de Montmartre, onde foi inumado, a repercusso de sua morte na imprensa parisiense e as comunicaes pstumas que deu na Sociedade Esprita de Paris. Alm disso, mostrar aos leitores a providencial atuao de Madame Allan Kardec naqueles tempos difceis, inclusive na fundao da Sociedade Annima do Espiritismo que, embora constituda sob bases comerciais, visava to-somente divulgao e ao fortalecimento do Espiritismo. A presente coleo da Revista Esprita ser enriquecida, mais tarde, por um ndice biobibliogrfico e um ndice temtico, de modo a permitir aos estudiosos a consulta rpida, segura e objetiva dos assuntos nela tratados.Braslia (DF), 18 de abril de 2005 Evandro Noleto Bezerra Tradutor

C

Sumrio

DCIMO SEGUNDO VOLUME ANO DE 1869

AVISO

5

JANEIROAos Nossos Correspondentes Deciso do Crculo da Moral Esprita de Toulouse a propsito do projeto de constituio

17 Estatstica do Espiritismo 19

O Espiritismo do Ponto de Vista Catlico Extrado do Voyageur du Commerce

29 Processo das Envenenadoras de Marselha 36O Espiritismo em Toda Parte:

42 Etienne de Jouy 43 Slvio Pellico 44Lamartine Variedades: O avarento da Rua do Forno

47 Suicdio por obsesso 49

Dissertaes Espritas: As artes e o Espiritismo A msica esprita Obsesses simuladas

51 53 55

FEVEREIROEstatstica do Espiritismo Apreciao pelo jornal Solidarit O Poder do Ridculo Um Caso de Loucura Causada pelo Medo do Diabo Um Esprito que Julga Sonhar Um Esprito que se Julga Proprietrio Viso de Pergolesi Bibliografia Histria dos calvinistas das Cevenas

57 66 71 74 79 83 87

MAROA Carne Fraca Estudo psicolgico e moral

99 Apstolos do Espiritismo na Espanha 104O Espiritismo em Toda Parte: Extrato dos jornais ingleses Charles Fourier Profisso de f de um fourierista

108 109 110

Variedades:

111 Apario de um filho vivo sua me 112 Um testamento nos Estados Unidos 116 Emancipao das mulheres nos Estados Unidos 117 Miss Nichol, mdium de transporte 117 As rvores Mal-Assombradas da Ilha Maurcio 118 Conferncia Sobre o Espiritismo 122Senhorita de Chilly Dissertaes Espritas: A msica e as harmonias celestes

127 A mediunidade e a inspirao 136 Errata 139

ABRIL141 Livraria Esprita 141 Profisso de F Esprita Americana 143Aviso Muito Importante As Conferncias do Sr. Chevillard, apreciadas pelo jornal Paris

156 A Criana Eltrica 160 Um Cura Mdium Curador 164 Variedades Os milagres do Bois-dHaine 165 O Despertar do Sr. Lus 166

Dissertaes Espritas:

170 Charles Fourier 173Lamartine Bibliografia:

176 A alma, sua existncia e suas manifestaes 179 Sociedades e Jornais Espritas no Estrangeiro 181 Errata 182H uma vida futura?

MAIOAos Assinantes da Revista Biografia do Sr. Allan Kardec Discursos Pronunciados Junto ao Tmulo:

183

192 O Espiritismo e a Cincia, pelo Sr. C. Flammarion 194 201 Em nome da famlia e dos amigos, pelo Sr. E. Muller 203Revista da Imprensa: Em nome dos espritas dos centros distantes, pelo Sr. Alexandre Delanne

Em nome da Sociedade Esprita de Paris, pelo vice-presidente, Sr. Levent

207 Unio Magntica 209 Nova Constituio da Sociedade de Paris 210Jornal Paris

Discurso de Posse do Novo Presidente Caixa Geral do Espiritismo Deciso da Sra. Allan Kardec Correspondncia Carta do Sr. Guilbert, presidente da Sociedade Esprita de Rouen

213 218

220 Dissertaes espritas 221 Aviso 224 Aos Nossos Correspondentes 224 Aviso Muito Importante 225

JUNHO227 O Caminho da Vida (Obras Pstumas) 228Aos Assinantes da Revista Extrato do Manuscrito de um Jovem Mdium Breto (2o artigo) 234

248 Museu do Espiritismo 249 Variedades Os milagres do Bois-dHaine 252Pedra Tumular do Sr. Allan Kardec Dissertaes Espritas: O exemplo o mais poderoso agente de propagao

257 A nova era 258 Maravilhas do mundo invisvel 260

Notas Bibliogrficas:

261 A doutrina da vida eterna das almas e da reencarnao 267 Aviso Importantssimo 268 Errata 268Novas histrias para as minhas boas amiguinhas

JULHOO Egosmo e o Orgulho Suas causas, seus efeitos e os meios de destru-los (Obras Pstumas)

269

Extrato dos Manuscritos de um Jovem Mdium Breto (Continuao e fim) 277 O Espiritismo em Toda Parte: O conde Otvio (Lenda do sculo XIX)

290 Pluralidade das existncias 291 Biografia de Allan Kardec 292

Variedades A Liga do Ensino Constituio oficial do grupo parisiense 294 Dissertaes Espritas: A regenerao (Marcha do Progresso)

295 A Cincia e a Filosofia 297Notas Bibliogrficas:

Os ltimos dias de um filsofo

299

Instruo prtica sobre a organizao dos grupos espritas, especialmente nos campos 307

Venda em 1o de Junho de 1869:

309 11 edio de O Livro dos Mdiuns 309 4 edio de O Cu e o Inferno 309 Lmen, por C. Flammarion (no prelo) 310Nova edio do Rvlationa a

Aviso Importante Histria de Joana dArc ditada por ela mesma

310

AGOSTOTeoria da Beleza (Obras Pstumas) Aos Espritas Constituio da Sociedade Annima sem fins lucrativos e de capital varivel da Caixa Geral e central do Espiritismo

311

324 Variedades O pio e o haxixe 344 Necrolgio Sr. Berbrugger, de Argel 349 Dissertaes Espritas Necessidade da encarnao 350 Poesias Espritas A alma e a gota dgua 353 Bibliografia 353 Aviso Importante 354

SETEMBROLigeira Resposta aos Detratores do Espiritismo (Obras Pstumas) Constituio da Sociedade Annima sem fins lucrativos e de capital varivel da Caixa Geral e central do Espiritismo (2o artigo)

355 360

Precursores do Espiritismo Joo Huss

364 O Espiritismo em Toda Parte 375Necrolgio:

Sr. Berbrugger, Conservador da Biblioteca de Argel (2o artigo) 378 Sr. Grgoire Girard Sr. Degand Sra. Vauchez Variedades: O pio e o haxixe (2o artigo) A Liga do Ensino (2o

383

385 artigo) 388

Dissertaes Espritas: Unidade de linguagem 390 A viso de Deus

392 Bibliografia 393Aviso 395

Demisso do Sr. Malet, Presidente da Sociedade Parisiense de Estudos Espritas 394

OUTUBROQuestes e Problemas: Expiaes Coletivas (Obras Pstumas) 397 Precursores do Espiritismo Dupont de Nemours Variedades: O Esprito de um co

407 414

Mediunidade no copo dgua e mediunidade curadora na Rssia 417

421 Reencarnao Preexistncia 423 Cartas de Maquiavel ao Sr. Girardin 424 Correspondncia 426As irms gmeas Dissertaes Espritas: O Espiritismo e a literatura contempornea

431 A caridade 433 Poesias Espritas As lunetas 435 Bibliografia Novos jornais estrangeiros 436 Aviso 437

NOVEMBROA Vida Futura (Obras Pstumas) 439 Sociedade Annima do Espiritismo (3o artigo) Breves Explicaes Revista da Imprensa:

446

451 Viagem do Sr. Peebles na Europa 458 O Espiritismo e o Espiritualismo 460Reencarnao preexistncia Dissertaes Espritas:

461 Inteligncia dos animais 463 As deserdadas 465 Dois Espritos cegos (estudo moral) 467Os aniversrios

Bibliografia: O Eco de Alm-Tmulo (Bahia Brasil)

474 As maravilhas celestes 479 Conversas mesmerianas 480 Aviso 481

DEZEMBROOs Desertores (Obras Pstumas) 483 A Vida Universal (Camille Flammarion) 493 Revista da Imprensa Reencarnao Preexistncia (2o artigo) 503 Sesso Anual Comemorativa do dia dos Mortos:

509 A festa do dia dos mortos no nos cemitrios 513 Comunho de pensamentos 515 Dissertaes Espritas A solidariedade universal 517Comemorao especial do Sr. Allan Kardec Bibliografia: A mulher e a filosofia esprita

519 Contemplaes cientficas 525 O Mundo das Plantas 526 Inteligncia dos Animais 528 Aviso 531 Errata 531 Nota Explicativa 533

Revista EspritaJornal de Estudos PsicolgicosANO XII JANEIRO DE 1869 No 1

Aos Nossos CorrespondentesDECISO DO CRCULO DA MORAL ESPRITA DE TOULOUSE, A PROPSITO DO PROJETO DE CONSTITUIO

Por ocasio da publicao do projeto de constituio, no ltimo nmero da Revista, recebemos numerosas cartas de felicitaes e testemunhos de simpatia que nos tocaram profundamente. Na impossibilidade de responder a cada um em particular, pedimos aos nossos honrados correspondentes que aceitem coletivamente os agradecimentos que lhes dirigimos atravs da Revista. Sentimo-nos felizes, sobretudo por ver que o objetivo e o alcance desse projeto foram compreendidos e que nossas intenes no foram desprezadas. Todos viram nele a realizao daquilo que se desejava h muito tempo: uma garantia de estabilidade para o futuro, bem como as primeiras balizas de uma unio entre os espritas, unio que lhes faltou at hoje, apoiada numa organizao que, prevendo eventuais dificuldades, assegure a unidade dos princpios, sem imobilizar a Doutrina.

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De todas as adeses que recebemos, citaremos apenas uma, porque a expresso de um pensamento coletivo, e a fonte de onde emana lhe d, de certo modo, um carter oficial; a deciso do conselho do Crculo da Moral Esprita de Toulouse, regularmente e legalmente constitudo. Publicamo-la como testemunho de nossa gratido aos membros do Crculo, movido nesta circunstncia por um impulso espontneo de devotamento causa e, alm disso, para responder aos votos que nos expressaram.EXTRATO DA ATA DO CONSELHO DE ADMINISTRAO DO CRCULO DA MORAL ESPRITA DE TOULOUSE

A propsito da exposio feita por seu presidente, da constituio transitria dada ao Espiritismo por seu fundador e definida pelos preliminares publicados no nmero da Revista Esprita de 1o de dezembro corrente, o conselho vota por unanimidade agradecimentos ao Sr. Allan Kardec, como expresso de seu profundo reconhecimento por essa nova prova de devotamento Doutrina de que fundador, e faz votos pela realizao desse sublime projeto, que considera como o digno coroamento da obra do mestre; do mesmo modo que v na instituio da Comisso Central a cpula do edifcio, chamado a gerir para sempre os benefcios do Espiritismo sobre a Humanidade inteira. Considerando que dever de todo adepto sincero concorrer, na medida de seus recursos, para a criao do capital necessrio a essa constituio, e desejando facilitar a cada membro do Crculo da Moral Esprita o meio de contribuir para isto, decide: Que fique aberta uma subscrio no secretariado do Crculo at 15 de maro prximo, e que a soma apurada nessa poca seja enviada ao Sr. Allan Kardec para ser depositada na Caixa Geral do Espiritismo. 18

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Conferida e certificada conforme a minuta, por ns secretrio abaixo assinado,Chne , secretrio-adjunto

Estatstica do EspiritismoComo j dissemos, a enumerao exata dos espritas seria coisa impossvel, e isto por uma razo muito simples: o Espiritismo no uma associao, nem uma congregao; seus aderentes no esto inscritos em nenhum registro oficial. Sabe-se perfeitamente que no se poderia avaliar o montante pelo nmero e a importncia das sociedades, freqentadas apenas por minoria nfima. O Espiritismo uma opinio que no exige nenhuma profisso de f, e pode estender-se ao todo ou parte dos princpios da Doutrina. Basta simpatizar com a idia para ser esprita. Ora, no sendo essa qualidade conferida por nenhum ato material, e no implicando seno obrigaes morais, no existe qualquer base fsica para determinar o nmero dos adeptos com preciso. No se o pode estimar seno de maneira aproximativa, pelas relaes e pela maior ou menor facilidade com que a idia se propaga. Esse nmero aumenta diariamente em proporo considervel: um fato positivo, reconhecido pelos prprios adversrios; a oposio diminui, prova evidente de que a idia encontra, cada vez mais, numerosas simpatias. Alis, compreende-se que pelo conjunto e no pela situao das localidades, consideradas isoladamente, que se pode basear uma apreciao; h em cada localidade elementos mais ou menos favorveis, em razo do estado particular dos espritos e tambm das resistncias mais ou menos influentes que a se exercem; mas essa situao varivel, porque tal localidade, que se tenha mostrado refratria durante vrios anos, de repente se torna um foco. Quando os elementos de apreciao tiverem adquirido 19

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mais preciso, ser possvel fazer um mapa colorido em relao difuso das idias espritas, como foi feito para a instruo. Enquanto isso, pode-se afirmar, sem exagero, que, em suma, o nmero dos adeptos centuplicou em dez anos, a despeito das manobras empregadas para abafar a idia e contrariamente s previses de todos os que se vangloriavam de a ter enterrado. Isto um fato comprovado, devendo os antagonistas tomar o seu partido. S falamos aqui dos que aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, depois de o haver estudado, e no dos que, embora mais numerosos, estas idias ainda esto em estado de intuio, faltando-lhes apenas definir suas crenas com mais preciso e dar-lhes um nome, para serem espritas confessos. um fato bem comprovado, que se constata todos os dias, sobretudo de algum tempo para c, que as idias espritas parecem inatas numa poro de indivduos, que jamais ouviram falar do Espiritismo; no se pode dizer que tenham sofrido uma influncia qualquer, nem que sofreram a influncia de um crculo. Que os adversrios expliquem, se puderem, esses pensamentos que nascem fora e margem do Espiritismo! Por certo no seria um sistema preconcebido no crebro de um homem que teria produzido tal resultado; no h prova mais evidente de que essas idias esto na Natureza, nem melhor garantia de sua vulgarizao no futuro e de sua perpetuidade. Deste ponto de vista pode-se dizer que pelo menos trs quartos da populao de todos os pases possuem o germe das crenas espritas, pois so encontrados entre aqueles mesmos que lhe fazem oposio. Na maioria, a oposio vem da falsa idia que fazem do Espiritismo; no o conhecendo, em geral, seno pelos quadros ridculos que dele faz a crtica malevolente ou interessada em desacredit-lo, recusam com razo a qualidade de espritas. Certamente, se o Espiritismo se assemelhasse aos retratos grotescos que dele fizeram, se se constitusse das crenas e prticas absurdas que houveram por bem lhe atribuir, seramos o primeiro a repudiar o ttulo de esprita. Quando, pois, essas mesmas pessoas 20

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souberem que a Doutrina no seno a coordenao e o desenvolvimento de suas prprias aspiraes e de seus pensamentos ntimos, aceit-la-o; esses so, incontestavelmente, futuros espritas, mas, por enquanto, no os consideramos em nossas avaliaes. Se impossvel uma estatstica, outra h, talvez mais instrutiva e para a qual existem elementos que nos fornecem as nossas relaes e a nossa correspondncia: a proporo relativa dos espritas segundo as profisses, as posies sociais, as nacionalidades, as crenas religiosas, etc., levando em conta que certas profisses, como os oficiais ministeriais, por exemplo, so em nmero limitado, ao passo que outras, como os industriais e os capitalistas so em nmero indefinido. Guardadas todas as propores, pode-se ver quais so as categorias nas quais o Espiritismo encontrou, at hoje, mais aderentes. Em algumas, a proporo pde ser estabelecida em percentagem, com preciso, sem contudo pretender que tenham um rigor matemtico; as outras categorias simplesmente foram classificadas em razo do nmero de adeptos que apresentaram, comeando pelas de maior nmero, de que a correspondncia e a lista de assinantes da Revista podem fornecer elementos. O quadro a seguir resultado do levantamento de mais de dez mil observaes. Constatamos o fato, sem procurar discutir a causa dessa diferena, o que, no obstante, poderia ser assunto para um estudo interessante.PROPORO RELATIVA DOS ESPRITAS

I. Em relao s nacionalidades. A bem dizer, no existe nenhum pas civilizado da Europa e da Amrica onde no haja espritas. Eles so mais numerosos nos Estados Unidos da Amrica do Norte. Seu nmero a avaliado, por uns, em quatro milhes, o que j muito, e por outros em dez milhes. Esta ltima cifra 21

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evidentemente exagerada, porque compreenderia mais de um tero da populao, o que no provvel. Na Europa, a cifra pode ser avaliada em um milho, na qual a Frana figura com seiscentos mil. Pode-se estimar o nmero de espritas no mundo inteiro em seis ou sete milhes. Ainda que no passasse da metade, a Histria no oferece nenhum exemplo de uma doutrina que, em menos de quinze anos, tivesse reunido semelhante nmero de adeptos disseminados por toda a superfcie do globo. Se a inclussemos os espritas inconscientes, isto , os que s o so por intuio, e mais tarde se tornaro espritas de fato, s na Frana poder-se-iam contar vrios milhes. Do ponto de vista da difuso das idias espritas, e da facilidade com que so aceitas, os principais Estados da Europa podem ser classificados como se segue: 1o Frana. 2o Itlia. 3o Espanha. 4o Rssia. 5o Alemanha. 6o Blgica. 7o Inglaterra. 8o Sucia e Dinamarca. 9o Grcia. 10o Sua. II. Em relao ao sexo. 70% de homens e 30% de mulheres. III. Em relao idade. Mximo: de 30 a 70 anos; mdia: de 20 a 30 anos; mnimo: de 70 a 80 anos. IV. Em relao instruo. O grau de instruo muito fcil de apreciar pela correspondncia. Instruo cuidada: 30%; simples letrados: 30%; instruo superior: 20%; semiletrados: 10%; analfabetos: 6%; sbios oficiais: 4%. V. Em relao s idias religiosas. Catlicos romanos, livres-pensadores, no ligados ao dogma: 50%; catlicos gregos: 15%; judeus: 10%; protestantes liberais: 10%; catlicos ligados aos dogmas: 10%; protestantes ortodoxos: 3%; muulmanos: 2%. 22

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VI. Em relao fortuna. Mediocridade: 60%; fortunas mdias: 20%; indigncia: 15%; grandes fortunas: 5%. VII. Em relao ao estado moral, abstrao feita da fortuna. Aflitos: 60%; sem inquietude: 30%; felizes do mundo: 10%; sensualistas: 0%. VIII. Em relao classe social. Sem poder estabelecer nenhuma proporo nesta categoria, notrio que o Espiritismo conta entre seus aderentes: vrios soberanos e prncipes reinantes; membros de famlias soberanas e um grande nmero de personagens tituladas. Em geral, nas classes mdias que o Espiritismo conta mais adeptos; na Rssia mais ou menos exclusivamente na nobreza e na alta aristocracia; na Frana que mais se propagou na pequena burguesia e na classe operria. IX. Estado militar, segundo o grau. 1o Tenentes e subtenentes; 2o Suboficiais; 3o Capites; 4o Coronis; 5o Mdicos e cirurgies; 6o Generais; 7o Guardas municipais; 8o Soldados da guarda; 9o Soldados de linha. Observao Os tenentes e subtenentes espritas esto quase todos na ativa; entre os capites, cerca de metade esto na ativa e a outra metade na reserva; os coronis, mdicos, cirurgies e generais, em maioria esto na reserva. X. Marinha. 1o Marinha de Guerra; 2o Marinha Mercante. XI. Profisses liberais e funes diversas. Ns os agrupamos em dez categorias, classificadas segundo a proporo dos aderentes que forneceram ao Espiritismo: 23

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1o Mdicos homeopatas. Magnetistas.1 2o Engenheiros. Institutores; diretores e diretoras de internatos. Professores livres. 3o Cnsules. Sacerdotes catlicos. 4o Pequenos empregados. Msicos. Artistas lricos. Artistas dramticos. 5o Meirinhos. Comissrios de polcia. 6o Mdicos alopatas. Homens de letras. Estudantes. 7o Magistrados. Altos funcionrios. Professores oficiais e de liceus. Pastores protestantes. 8o Jornalistas. Pintores. Arquitetos. Cirurgies. 9o Notrios. Advogados. Agentes de negcios. 10o Agentes de cmbio. Banqueiros. XII. Profisses industriais, manuais e comerciais, igualmente grupadas em dez categorias: 1o Alfaiates. Costureiras. 2o Mecnicos. Empregados de estradas de ferro.1 A palavra magnetizador desperta uma idia de ao; a de magnetista uma idia de adeso. O magnetizador o que exerce por profisso ou outra coisa. Pode-se ser magnetista sem ser magnetizador. Dir-se-: um magnetizador experimentado e um magnetista convicto.

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3o Teceles. Pequenos negociantes. Porteiros. 4o Farmacuticos. Fotgrafos. Relojoeiros. Caixeiros-viajantes. 5o Lavradores. Sapateiros. 6o Padeiros. Aougueiros. Salsicheiros. 7o Marceneiros. Tipgrafos. 8o Grandes industriais e chefes de estabelecimentos. 9o Livreiros. Impressores. 10o Pintores de casas. Pedreiros. Serralheiros. Merceeiros. Domsticos. Desta lista, resultam as seguintes conseqncias: 1o Que h espritas em todos os graus da escala social; 2o Que h mais homens do que mulheres espritas. certo que nas famlias divididas por suas crenas, no tocante ao Espiritismo, h mais maridos contrariados pela oposio de suas esposas do que mulheres pela dos maridos. No menos constante que, em todas as reunies espritas, os homens estejam em maioria. , pois, injustamente que a crtica pretendeu que a Doutrina recrutada principalmente entre as mulheres, em virtude de sua inclinao para o maravilhoso. precisamente o contrrio: essa inclinao para o maravilhoso e para o misticismo em geral as torna mais refratrias que os homens; essa predisposio faz que aceitem mais facilmente a f cega, que dispensa qualquer exame, ao 25

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passo que o Espiritismo, no admitindo seno a f raciocinada, exige reflexo e deduo filosfica para ser bem compreendido, para o que a educao estreita dada s mulheres torna-as menos aptas que os homens. As que sacodem o jugo imposto sua razo e ao seu desenvolvimento intelectual, muitas vezes caem no excesso contrrio; tornam-se o que chamam de mulheres fortes e sua incredulidade mais tenaz; 3o Que a grande maioria dos espritas se acha entre pessoas esclarecidas, e no entre os ignorantes. Por toda parte o Espiritismo se propagou de alto a baixo da escala social, e em parte alguma se desenvolveu primeiro nas camadas inferiores; 4o Que a aflio e a infelicidade predispem s crenas espritas, em conseqncia das consolaes que proporcionam. a razo pela qual, na maioria das categorias, a proporo dos espritas est na razo da inferioridade hierrquica, porque a que h mais privaes e sofrimentos, ao passo que os titulares das posies superiores em geral pertencem classe dos satisfeitos, exceo do estado militar, onde os simples soldados figuram em ltimo lugar; 5o Que o Espiritismo encontra mais fcil acesso entre os incrdulos em matria religiosa do que entre os que tm uma f irrevogvel; 6o Enfim, que depois dos fanticos, os mais refratrios s idias espritas so os sensualistas e as pessoas cujos nicos pensamentos esto concentrados nas posses e nos prazeres materiais, seja qual for a classe a que pertenam, o que independe do grau de instruo. Em resumo, o Espiritismo acolhido como um benefcio pelos que ele ajuda a suportar o fardo da vida, e repelido ou desdenhado por aqueles a quem prejudicaria no gozo da vida. 26

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Partindo deste princpio, facilmente se explicam o lugar que ocupam, nesse quadro, certas categorias de indivduos, a despeito das luzes que so uma condio de sua posio social. Pelo carter, gostos, hbitos e gnero de vida das pessoas, pode-se julgar do avano de sua aptido para assimilar as idias espritas. Em alguns, a resistncia uma questo de amor-prprio, que segue quase sempre o grau do saber; quando esse saber os faz conquistar uma certa posio social, que os pe em evidncia, no querem admitir que se podiam ter enganado e que outros possam ter visto melhor. Oferecer provas a certas pessoas oferecer-lhes o que mais temem; e, com medo de ach-las, tapam os olhos e os ouvidos, preferindo negar a priori e se abrigarem atrs de sua infalibilidade, de que esto muito convencidas, digam o que disserem. Explica-se menos facilmente a causa da posio que ocupam, nesta classificao, certas profisses industriais. Pergunta-se, por exemplo, por que os alfaiates a ocupam a primeira posio, enquanto a livraria e a imprensa, profisses bem mais intelectuais, esto quase na ltima. um fato constatado h muito tempo e do qual ainda no nos demos conta. Se, no levantamento acima, em vez de no abranger seno os espritas de fato, tivessem considerado os espritas inconscientes, aqueles nos quais essas idias esto em estado de intuio e que fazem Espiritismo sem o saber, certamente vrias categorias teriam sido classificadas de modo diverso; por exemplo, os literatos, os poetas, os artistas, numa palavra, todos os homens de imaginao e de inspirao, os crentes de todos os cultos estariam, sem sombra de dvida, no primeiro lugar. Certos povos, nos quais as crenas espritas de certo modo so inatas, tambm ocupariam outra posio. Eis por que essa classificao no poderia ser absoluta, e se modificar com o tempo. Os mdicos homeopatas esto frente das profisses liberais porque, com efeito a que, guardadas as devidas propores, conta em suas fileiras maior nmero de adeptos do 27

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Espiritismo; em cem mdicos espritas, h pelo menos oitenta homeopatas. Isto se deve a que o princpio mesmo de sua medicao os conduz ao espiritualismo; por isso os materialistas so muito raros entre eles, se que os h, ao passo que so numerosos entre os alopatas. Melhor que estes ltimos, compreenderam o Espiritismo, porque encontraram nas propriedades fisiolgicas do perisprito, unido ao princpio material e ao princpio espiritual, a razo de ser de seu sistema. Pelo mesmo motivo, os espritas puderam, melhor que os outros, compreender os efeitos desse modo de tratamento. Sem ser exclusivos a respeito da homeopatia, e sem rejeitar a alopatia, compreenderam a sua racionalidade e a sustentaram contra ataques injustos. Os homeopatas, achando novos defensores nos espritas, no foram inbeis a ponto de lhes atirar a pedra. Se os magnetistas figuram na primeira linha, logo aps os homeopatas, malgrado a oposio persistente e muitas vezes acerba de alguns, que os oponentes no formam seno pequenssima minoria ao lado da massa dos que so, pode-se dizer, espritas por intuio. O magnetismo e o Espiritismo so, com efeito, duas cincias gmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que no quer imobilizar-se no pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congnere; isoladas uma da outra, detm-se num impasse; so reciprocamente como a Fsica e a Qumica, a Anatomia e a Fisiologia. A maioria dos magnetistas compreende de tal modo por intuio a relao ntima que deve existir entre as duas coisas, que geralmente se prevalecem de seus conhecimentos em magnetismo, como meio de introduo junto aos espritas. Em todos os tempos os magnetistas foram divididos em dois campos: os espiritualistas e os fluidistas. Estes ltimos, muito menos numerosos, pelo menos fazendo abstrao do princpio espiritual, quando no o negam absolutamente, referindo tudo ao do fluido material, esto, por conseguinte, em oposio de 28

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princpios com os espritas. Ora, de notar que, se nem todos os magnetistas so espritas, todos os espritas, sem exceo, admitem o magnetismo. Em todas as circunstncias, fizerem-se seus defensores e sustentculos. Deviam ter-se admirado de encontrar adversrios mais ou menos malvolos nos mesmos cujas fileiras acabavam de reforar; que, depois de terem sido, durante mais de meio sculo, vtimas de ataques, de zombarias e de perseguies de toda sorte, por sua vez atirem a pedra, os sarcasmos e muitas vezes a injria aos auxiliares que lhes chegam e comeam a pesar na balana pelo seu nmero. Alis, como dissemos, esta oposio est longe de ser geral; muito ao contrrio. Pode-se afirmar, sem se afastar da verdade, que no chega a 2 ou 3% da totalidade dos magnetistas; ela muito menor ainda entre os da provncia e do estrangeiro do que entre os de Paris.

O Espiritismo do Ponto de Vista CatlicoExtrato do jornal Voyageur du commerce, de 22 de novembro de 18682

Algumas pginas sinceras sobre o Espiritismo, escritas por um homem de boa-f, no poderiam ser inteis nesta poca e talvez seja tempo de se fazer justia e luz sobre uma questo que, embora contando hoje no mundo inteligente numerosos adeptos, no tem sido menos relegada para o domnio do absurdo e do impossvel por espritos levianos, imprudentes e pouco preocupados com o desmentido que o futuro lhes possa dar.2 O Voyageur du commerce aparece todos os domingos. Redao: 3, faubourg Saint-Honor. Preo: 22 francos por ano; 12 francos por semestre; 6 francos e 50 por trimestre. Porque tenha publicado o artigo que se vai ler, que a expresso do pensamento do autor, nada prejulgamos quanto s suas simpatias pelo Espiritismo, j que s o conhecemos por este nmero, a ns enviado gentilmente.

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Seria curioso interrogar hoje esses pretensos sbios que, do alto de seu orgulho e de sua ignorncia, decretavam, ainda h pouco, com soberbo desdm, a loucura desses homens gigantes que procuravam novas aplicaes para o vapor e a eletricidade. Felizmente a morte lhes poupou essas humilhaes. Para firmar claramente a nossa situao, faremos ao leitor uma profisso de f em algumas linhas: Esprita, Avatar, Paul dApremont provam-nos incontestavelmente o talento de Thophile Gautier, esse poeta a quem o maravilhoso sempre atraiu; estes livros encantadores so pura imaginao e seria erro neles procurar outra coisa; o Sr. Home era um prestidigitador hbil; os irmos Davenport, saltimbancos desajeitados. Todos os que quiseram fazer do Espiritismo um negcio de especulao, so, em nossa opinio, da alada da polcia correcional ou do tribunal do jri, e eis por qu: Se o Espiritismo no existe, so impostores passveis da penalidade infligida pelo abuso de confiana; ao contrrio, se existe, com a condio de ser coisa sagrada por excelncia, a mais majestosa manifestao da Divindade. Se se admitisse que o homem, passando sobre o tmulo, pudesse de p firme penetrar na outra vida, corresponder-se com os mortos e ter assim a nica prova irrecusvel porque seria material da imortalidade da alma, no seria um sacrilgio entregar a esses palhaos de rua o direito de profanarem o mais santo dos mistrios e violarem, sob a proteo dos magistrados, o segredo eterno dos tmulos? O bom-senso, a moral, a segurana mesma dos cidados exigem imperiosamente que esses novos ladres sejam expulsos do templo, e que nossos teatros e nossas praas pblicas sejam fechados a esses falsos profetas que lanam nos espritos fracos o terror, de que a loucura muitas vezes a conseqncia. Isto posto, entremos no mago mesmo da questo. 30

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Ao ver as escolas modernas, que fazem tumulto em torno de certos princpios fundamentais e de certezas conquistadas, fcil compreender que o sculo da dvida e do desencorajamento em que vivemos est tomado de vertigem e de cegueira. Entre todos esses dogmas o mais agitado foi, sem contradita, o da imortalidade da alma. Com efeito, tudo est a: a questo por excelncia, o homem todo inteiro, o seu presente, o seu futuro; a sano da vida, a esperana da morte. a ela que se vm ligar todos os grandes princpios da existncia de Deus, da alma, da religio revelada. Admitida esta verdade, no mais a vida que deve inquietar-nos, mas o termo da vida; os prazeres se apagam para dar lugar ao dever; o corpo no mais nada, a alma tudo; o homem desaparece e s Deus resplandece em sua eterna imensidade. Ento a grande palavra da vida, a nica, a morte, ou antes, a nossa transformao. Sendo chamados a passar pela Terra como fantasmas, para esse horizonte que se entreabre do outro lado que devemos lanar o olhar; viajores de alguns dias, ao partir que convm nos informemos sobre o objetivo de nossa peregrinao, perguntemos vida o segredo da eternidade, finquemos as balizas do nosso caminho e, passageiros da morte vida, sustentemos com mo firme o fio que atravessa o abismo. Disse Pascal: A imortalidade da alma uma coisa que nos importa tanto e que nos toca to profundamente, que preciso ter perdido todo sentimento para estar na indiferena de saber o que ela . Todas as nossas aes, todos os nossos pensamentos devem tomar caminhos to diferentes, conforme haja ou no bens eternos a esperar, que impossvel empregar esforos com senso e raciocnio, seno se regendo pela vista deste plano, que deve ser o nosso primeiro objetivo. 31

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Em todas as pocas o homem teve por patrimnio comum a noo da imortalidade da alma e procurou apoiar em provas essa idia consoladora; acreditou ach-la nos usos, nos costumes dos diversos povos, nos relatos dos historiadores, nos cantos dos poetas; sendo anterior a todo sacerdote, a todo legislador, a todo escritor, no tendo sado de nenhuma seita, de nenhuma escola, e existindo nos povos brbaros como nas naes civilizadas, de onde viria ela seno de Deus, que a verdade? Ai! essas provas que o medo do nada criou no so seno esperanas de um futuro construdo sobre um areal duvidoso, sobre a areia movedia; e as dedues da lgica mais cerrada jamais chegaro altura de uma demonstrao matemtica. Esta prova material, irrecusvel, justa como um princpio divino e como uma adio ao mesmo tempo, acha-se inteira no Espiritismo e no poderia encontrar-se alhures. Considerando-a deste ponto de vista elevado, como uma ncora de misericrdia, como a suprema tbua de salvao, compreende-se facilmente o nmero de adeptos que este novo altar, inteiramente catlico, grupou em torno de seus degraus; porque, no h que se equivocar, a e no alhures, que se deve procurar a origem do sucesso que essas novas doutrinas criaram junto a homens que brilham no primeiro plano da eloqncia, sagrada ou profana, e cujos nomes gozam de merecida notoriedade nas cincias e nas letras. O que , pois, o Espiritismo? Na sua definio mais ampla, o Espiritismo a faculdade que possuem certos indivduos de entrar em relao, por meio de um intermedirio ou mdium, que no passa de um instrumento em suas mos, com o Esprito de pessoas mortas e habitando um outro mundo. Esse sistema que, segundo os crentes, se apia num grande nmero de testemunhas, oferece uma singular seduo, menos ainda pelos resultados do que por suas promessas. 32

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Nesta ordem de idias, o sobrenatural no mais um limite, a morte no mais uma barreira, o corpo no mais um obstculo alma, que dele se desembaraa aps a vida, como durante a vida ela se desembaraa momentaneamente no sonho. Na morte, o Esprito est livre; se for puro, eleva-se nas esferas que nos so desconhecidas; se for impuro, erra em volta da Terra, pese em comunicao com o homem, que trai, engana e corrompe. Os espritas no crem nos Espritos bons; o clero, conformandose ao texto da Bblia, tambm no cr seno nos maus, e os encontra nesta passagem: Tomai cuidado, porque o demnio ronda em torno de vs e vos espreita como um leo buscando sua presa, quoerens quem devoret. Assim, o Espiritismo no uma descoberta moderna. Jesus expulsava os demnios do corpo dos possessos, e Diodoro da Siclia fala aos fantasmas; os deuses lares dos romanos, seus Espritos familiares, que eram pois? Mas, ento, por que repelir com preveno e sem exame um sistema, certamente perigoso do ponto de vista da razo humana, mas cheio de esperanas e de consolaes? A brucina, sabiamente administrada, um dos mais poderosos remdios; e porque um violento veneno em mos inbeis, uma razo para proscrev-la da farmacopia? O Sr. Baguenault de Puchesse, um filsofo e um cristo, de cujo livro fao numerosos emprstimos, porque suas idias so as minhas, diz no seu belo livro Imortalidade, a propsito do Espiritismo: Suas prticas inauguram um sistema completo que compreende o presente e o futuro, que traa os destinos do homem, abre-lhe as portas da outra vida e o introduz no mundo sobrenatural. A alma sobrevive ao corpo, pois que aparece e se mostra aps a dissoluo dos elementos que o compem. O princpio espiritual se desprende, persiste e, por seus atos, afirma sua existncia. Desde ento o materialismo condenado pelos 33

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fatos; a vida de alm-tmulo se torna um fato certo e por assim dizer palpvel; o sobrenatural se impe Cincia e, submetendo-se ao seu exame, no lhe permite mais repeli-lo teoricamente e declar-lo, em princpio, impossvel. O livro que assim fala do Espiritismo dedicado a uma das luzes da Igreja, a um dos mestres da Academia Francesa, a uma celebridade das letras contemporneas, que respondeu: Um belo livro, sobre um grande assunto, publicado pelo presidente de nossa Academia de Santa-Cruz, ser uma honra para vs e para toda a nossa Academia. Talvez no possais escolher uma questo mais alta nem mais importante a estudar na hora presente... Permiti-me, pois, senhor e carssimo amigo, vos oferecer, pelo belo livro que dedicais nossa Academia e pelo bom exemplo que nos dais, todas as minhas felicitaes e todos os meus agradecimentos, com a homenagem de meu religioso e profundo devotamento.Flix, bispo de OrlansOrlans, 28 de maro de 1864

O artigo assinado por Robert de Salles. Evidentemente o autor no conhece o Espiritismo seno de maneira incompleta, como o provam certas passagens de seu artigo; todavia, considera-o como coisa muita sria e, salvo algumas excees, os espritas no podero seno aplaudir o conjunto de suas reflexes. Equivoca-se principalmente quando diz que os espritas no crem nos Espritos bons, e tambm na definio que d como a mais ampla expresso do Espiritismo; , diz ele, a faculdade que possuem certos indivduos, de entrar em relao com o Esprito de pessoas mortas. A mediunidade, ou faculdade de comunicar-se com os Espritos, no constitui o fundo do Espiritismo, sem o que, para ser 34

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esprita, fora preciso ser mdium; no passa de um acessrio, um meio de observao, e no a cincia, que est toda inteira na doutrina filosfica. O Espiritismo no est mais subordinado aos mdiuns do que a Astronomia a uma luneta; e a prova disto que se pode fazer Espiritismo sem mdiuns, como se fez Astronomia muito tempo antes de haver telescpios. A diferena consiste em que, no primeiro caso, se faz cincia terica, ao passo que a mediunidade o instrumento que permite assentar a teoria sobre a experincia. Se o Espiritismo se circunscrevesse faculdade medinica, sua importncia seria singularmente diminuda e, para muita gente, se reduziria a fatos mais ou menos curiosos. Lendo esse artigo, pergunta-se se o autor cr ou no no Espiritismo, porque no o expe, de certo modo, seno como hiptese, mas uma hiptese digna da mais sria ateno. Se for uma verdade, diz ele, uma coisa sagrada por excelncia, que s deve ser tratada com respeito, e cuja explorao no poderia ser perseguida com muita severidade. No a primeira vez que esta idia expressa, mesmo pelos adversrios do Espiritismo, e de notar que sempre o lado pelo qual a crtica julgou pegar a Doutrina em falta, atacando o abuso do trfico quando encontrou ocasio; que ela sente que este seria o seu lado vulnervel, e pelo qual poderia acus-lo de charlatanismo. Eis por que a malevolncia se obstina em associ-la aos charlates, ledores da sorte e outros exploradores da mesma laia, esperando por esse meio enganar e lhe tirar o carter de dignidade e gravidade, que constitui a sua fora. A rebelio contra os Davenport, que tinham julgado poder expor impunemente os Espritos nos palcos, prestou imenso servio; em sua ignorncia quanto ao verdadeiro carter do Espiritismo, a crtica da poca julgou feri-lo de morte, quando no desacreditou seno os abusos, contra os quais todos os espritas sinceros sempre protestaram. Seja qual for a crena do autor, e a despeito dos erros contidos em seu artigo, devemos felicitar-nos por nele ver a 35

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questo tratada com a gravidade que o assunto comporta. A imprensa raramente tem ouvido falar dele num sentido to srio; mas h comeo para tudo.

Processo das Envenenadoras de MarselhaO nome do Espiritismo achou-se envolvido casualmente neste caso deplorvel. Um dos acusados, o ervanrio Joye, disse dele ter-se ocupado, e que interrogava os Espritos. Isto prova que fosse esprita e que se possa algo inferir contra a Doutrina? Sem dvida os que a querem desacreditar no deixaro de a buscar um pretexto para acus-la; mas, se as diatribes da malevolncia at hoje no deram resultado, que sempre erraram o alvo, como aqui o caso. Para saber se o Espiritismo incorre numa responsabilidade qualquer nesta circunstncia, o meio muito simples: inquirir-se de boa-f, no entre os adversrios, mas na prpria fonte, o que prescreve e o que condena. No h nada secreto; seus ensinamentos esto aos olhos de todos e cada um os pode controlar. Se, pois, os livros da Doutrina no encerram seno instrues capazes de levar ao bem; se condenam de maneira explcita e formal todos os atos desse homem, as prticas a que se entregou, o papel ignbil e ridculo que ele atribui aos Espritos, que a no colheu suas inspiraes. No h um homem imparcial que no convenha com isto e no declare o Espiritismo fora desta questo. O Espiritismo s reconhece como adeptos os que pem em prtica os seus ensinamentos, isto , que trabalham a sua prpria melhora moral, porque o sinal caracterstico do verdadeiro esprita. No mais responsvel pelos atos daqueles a quem agrada dizer-se espritas, do que a verdadeira cincia pelo charlatanismo dos escamoteadores, que se intitulam professores de fsica, nem a s religio pelos abusos cometidos em seu nome. 36

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Diz a acusao, a propsito de Joye: Encontrou-se em sua casa um registro que d a idia de seu carter e de suas ocupaes. Segundo ele, cada pgina teria sido escrita conforme o ditado dos Espritos, e cheio de ardentes suspiros por JesusCristo. Em cada pgina fala-se de Deus e os santos so invocados. margem, por assim dizer, h notas que podem dar uma idia das operaes habituais do ervanrio: Para espiritismo, 4 fr. 25. Doentes, 6 fr. Cartas, 2 fr. Malefcios, 10 fr. Exorcismos, 4 fr. Varinha de condo, 10 fr. Malefcios por tiragem da sorte, 60 fr. E muitas outras designaes, entre as quais se encontram malefcios at estar saciado, e que terminam por esta meno: Em janeiro fiz 226 francos. Os outros meses foram menos frutuosos. Alguma vez j se viu nas obras da Doutrina Esprita a apologia de semelhantes prticas, nem o que quer que seja capaz de provoc-las? Ao contrrio, a no se v que ela repudia toda solidariedade com a magia, a feitiaria, os sortilgios, os cartomantes, os adivinhos e todos os que fazem profisso de comrcio com os Espritos, pretendendo t-los s suas ordens a tanto por sesso? Se Joye fosse esprita, logo de comeo teria olhado como uma profanao fazer intervirem os Espritos em semelhantes circunstncias; alm disso, saberia que os Espritos no esto s ordens de ningum e nem vm por encomenda, nem pela influncia de qualquer sinal cabalstico; que os Espritos so as almas dos homens que viveram na Terra ou em outros mundos, nossos pais, nossos amigos, nossos contemporneos ou nossos antepassados; que foram homens como ns e que depois da nossa morte seremos Espritos como eles; que os gnomos, duendes, diabretes e demnios so criaes de pura fantasia e s existem na imaginao; que os Espritos so livres, mais livres do que quando estavam encarnados, e que pretender submet-los aos nossos 37

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caprichos e nossa vontade, faz-los agir e falar a nosso bel-prazer, para o nosso divertimento ou o nosso interesse, uma idia quimrica; que vm quando querem, da maneira que querem e a quem lhes convm; que o objetivo providencial das comunicaes com os Espritos nossa instruo e nossa melhoria moral, e no nos ajudar nas coisas materiais da vida, que podemos fazer ou encontrar por ns mesmos e, ainda menos, servir cupidez; enfim, que em razo de sua prpria natureza e do respeito que se deve s almas dos que viveram, to irracional quanto imoral manter escritrio aberto para consulta ou exibio de Espritos. Ignorar estas coisas ignorar o abec do Espiritismo; e quando a crtica o confunde com a cartomancia, a quiromancia, os exorcismos, as prticas da feitiaria, os malefcios, os encantamentos, etc., ela prova que nada sabe sobre ele. Ora, negar ou condenar uma doutrina que no se conhece faltar lgica mais elementar; atribuir-lhe ou faz-la dizer precisamente o contrrio do que diz, calnia ou parcialidade. Uma vez que Joye envolvia em seus processos o nome de Deus, de Jesus e a invocao dos santos, tambm podia muito bem envolver o nome do Espiritismo, o que no prova mais contra a Doutrina do que o seu simulacro de devoo contra a s religio. Ele no era, pois mais esprita porque interrogasse supostos Espritos, do que as mulheres Lamberte e Dye no eram verdadeiramente piedosas, porque fossem queimar velas Boa-Me, Nossa Senhora da Guarda, para o xito de seus envenenamentos. Alis, se ele fosse esprita, nem mesmo lhe teria vindo ao pensamento fazer servir perpetuao do mal uma doutrina cuja primeira lei o amor do prximo, e que tem por divisa: Fora da caridade no h salvao. Se se imputasse ao Espiritismo a incitao de semelhantes atos, poder-se-ia, da mesma maneira, fazer a sua responsabilidade cair sobre a religio. A respeito, eis algumas reflexes do Opinion nationale, de 8 de dezembro: 38

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O jornal Le Monde acusa o jornal Sicle, os maus jornais, as ms reunies, os maus livros de cumplicidade no caso das envenenadoras de Marselha. Lemos com dolorosa curiosidade os debates dessa estranha questo; mas no vimos em parte alguma que o feiticeiro Joye ou a feiticeira Lamberte tenham sido assinantes do Sicle, do Avenir ou do Opinion. Apenas um jornal foi encontrado em casa de Joye: era um nmero do Diable, journal de lenfer. As vivas que figuram nesse famoso processo esto muito longe de ser livrepensadoras. Acendem velas boa Virgem, para obter de Nossa Senhora a graa de envenenar tranqilamente os seus maridos. Encontra-se nesse negcio todo o velho apetrecho da Idade Mdia: ossos de defuntos colhidos nos cemitrios, disfarces que no passam de feitios do tempo da rainha Margot. Todas essas senhoras foram educadas, no nas escolas de Elisa Lemmonier, mas entre as boas irms. Juntai s supersties catlicas as supersties modernas, Espiritismo e outros charlatanismos. Foi o absurdo que conduziu essas mulheres ao crime. assim que na Espanha, perto da foz do Ebro, v-se na montanha uma capela dedicada a Nossa Senhora dos Ladres. Semeai a superstio e colhereis o crime. por isto que pedimos que se semeie a Cincia. Esclarecei a cabea do povo, disse Victor Hugo, e no precisareis mais cort-la. J. Labe. O argumento de que os acusados no eram assinantes de certos jornais no tem valor, pois se sabe que no necessrio ser assinante de um jornal para l-lo, sobretudo nessa classe de indivduos. O Opinion nationale poderia, pois, achar-se nas mos de alguns dentre eles, sem que se tivesse o direito de tirar da qualquer conseqncia contra esse jornal. Que teria dito se Joye tivesse alegado que se inspirou nas doutrinas desse peridico? Teria respondido: lede-o e vede se nele encontrareis uma nica palavra capaz de superexcitar as ms paixes. O padre Verger certamente 39

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tinha o Evangelho em casa; mais ainda: por sua condio, devia estud-lo. Pode-se dizer que foi o Evangelho que o impeliu a assassinar o arcebispo de Paris? Foi o Evangelho que armou o brao de Ravaillac e de Jacques Clment? que acendeu as fogueiras da Inquisio? E, contudo, foi em nome do Evangelho que todos esses crimes foram cometidos. Diz o autor do artigo: Semeai a superstio, e colhereis o crime. Ele tem razo; mas erra quando confunde o abuso de uma coisa com a prpria coisa. Se se quisesse suprimir tudo de que se pode abusar, muito pouco escaparia proscrio, sem excetuar a imprensa. Certos reformadores modernos assemelham-se aos homens que desejam cortar uma boa rvore, porque d alguns frutos estragados. E acrescenta: por isto que pedimos que se semeie a Cincia. Ele ainda tem razo, porque a Cincia um elemento de progresso. Mas basta para a moralizao completa? No se vem homens pr o seu saber a servio de suas ms paixes? Lapommeraie no era um homem instrudo, um mdico diplomado, desfrutando de um certo crdito e, alm disso, um homem do mundo? Dava-se o mesmo com Castaing e tantos outros. Pode-se, pois, abusar da Cincia; deve-se, por isto, concluir que a Cincia seja uma coisa m? Porque um mdico falhou, a falta deve recair sobre todo o corpo mdico? Por que, ento, imputar ao Espiritismo a de um homem a quem aprouve dizer-se esprita, e no o era? A primeira coisa, antes de fazer um julgamento qualquer, era inquirir se ele teria encontrado na Doutrina Esprita mximas capazes de justificar seus atos. Por que a cincia mdica no solidria com o crime de Lapommeraie? Porque este ltimo no colheu nos princpios dessa cincia a incitao ao crime; ele empregou para o mal os recursos que ela fornece para o bem. Entretanto, era mais mdico do que Joye era esprita. o caso de aplicar o provrbio: Quando se quer matar seu co, diz-se que est raivoso. 40

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A instruo indispensvel, ningum o contesta; mas, sem a moralizao, no passa de um instrumento, muitas vezes improdutivo para aquele que no sabe regular o seu uso com vistas ao bem. Instruir as massas sem as moralizar pr em suas mos uma ferramenta sem lhes ensinar a utiliz-la, pois a moralizao que se dirige ao corao no segue necessariamente a instruo que s se dirige inteligncia. A est a experincia para o provar. Mas, como moralizar as massas? o de que menos se ocuparam, e por certo no ser alimentando-as com a idia de que no h Deus, nem alma, nem esperana, porque nem todos os sofismas do mundo demonstraro que o homem que acredita que tudo comea e acaba com o corpo tenha mais fortes razes para esforar-se por se melhorar, do que aquele que compreende a solidariedade existente entre o passado, o presente e o futuro. E, contudo, essa crena no niilismo que uma certa escola de supostos reformadores pretende impor Humanidade como o elemento por excelncia do progresso moral. Citando Victor Hugo, o autor esquece, ou melhor, nem desconfia de que este ltimo tenha afirmado abertamente, em muitas ocasies, sua crena nos princpios fundamentais do Espiritismo. verdade que no Espiritismo maneira de Joye; mas quando no se sabe, pode-se confundir. Por mais lamentvel que seja o abuso praticado em nome do Espiritismo nesta questo, nenhum esprita se abalou com as conseqncias que pudessem resultar para a Doutrina. que, com efeito, sendo sua moral inatacvel, no podia ser atingida. Ao contrrio, prova a experincia que no h uma s das circunstncias que envolveram o nome do Espiritismo que no tenha redundado em seu proveito, pelo aumento do nmero de seus adeptos, porque o exame que a repercusso provoca s lhe pode ser vantajoso. Todavia, de notar que, neste caso, com poucas excees, a imprensa se absteve de qualquer comentrio a respeito do Espiritismo. H alguns anos ela teria alimentado suas colunas 41

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durante dois meses e no deixaria de apresentar Joye como um dos grandes sacerdotes da Doutrina. Igualmente pde-se notar que, em seu requisitrio, nem o presidente da corte, nem o procurador-geral insistiram na circunstncia para dela tirar qualquer ilao. S o advogado de Joye fez seu ofcio de defensor como pde.

O Espiritismo em Toda ParteLAMARTINE

Ante as oscilaes do cu e do navio, No encapelado mar com suas ondas lentas, Mentalmente o homem dobra um Cabo das Tormentas, E passa sob o raio e sob a escuridade, O trpico a agitar de uma outra Humanidade.

O Sicle de 20 de maio ltimo citava estes versos a propsito de um artigo sobre a crise comercial. Que tm eles de espritas? perguntaro. No se trata de almas, nem de Espritos. Poder-se-ia perguntar, com mais razo, que relao tm com o fundo do artigo, no qual estavam enquadrados, tratando de taxas de mercadorias. Interessam muito mais diretamente ao Espiritismo, porque , sob outra forma, o pensamento expresso pelos Espritos sobre o futuro que se prepara; , numa linguagem ao mesmo tempo sublime e concisa, o anncio das convulses que a Humanidade ter que sofrer para a sua regenerao e que, de todos os lados, os Espritos nos fazem pressentir como iminentes. Tudo se resume neste pensamento profundo: uma outra Humanidade, imagem da Humanidade transformada, do novo mundo moral substituindo o velho mundo que desaba. Os preliminares destas modificaes j se fazem sentir, razo por que os Espritos nos repetem de todas as formas que os tempos so chegados. O Sr. Lamartine a fez uma verdadeira profecia, cuja realizao comeamos a ver. 42

JANEIROETIENNE DE JOUY (DA ACADEMIA FRANCESA)

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L-se o que se segue no tomo XVI das obras completas do Sr. de Jouy, intitulado: Misturas, pgina 99. um dilogo entre Madame de Stal, morta, e o Sr. duque de Broglie, vivo. O Sr. de Broglie Que vejo! Ser possvel? Madame de Stal Meu caro Victor, no vos alarmeis e, sem me interrogar sobre um prodgio, cuja causa nenhum ser vivo poderia penetrar, gozai comigo um momento de felicidade, que a ns ambos proporciona esta apario noturna. Como vedes, h laos que a prpria morte no poderia cortar. A suave concordncia de sentimentos, de vistas, de opinies, forma a cadeia que liga a vida perecvel vida imortal e que impede que o que esteve longamente unido seja separado para sempre. O Sr. de Broglie Creio que poderia explicar esta feliz simpatia pela concordncia intelectual. Madame de Stal Rogo que nada expliquemos; no tenho tempo a perder. Essas relaes de amor que sobrevivem aos rgos materiais no me deixam estranha aos sentimentos dos objetos de minhas mais ternas afeies. Meus filhos vivem; honram e prezam minha memria, bem o sei. Mas nisso que se limitam minhas presentes relaes com a Terra; a noite que cai envolve todo o resto. No mesmo tomo, pgina 83 e seguintes, h um outro dilogo, onde entram em cena vrias personagens histricas, revelando sua existncia e o papel que representaram em vidas sucessivas. O correspondente que nos dirige esta nota acrescenta: Como vs, creio que o melhor meio de trazer Doutrina que preconizamos bom nmero de recalcitrantes faz-los 43

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ver que o que olham como um bicho-papo, pronto para os devorar, ou como uma ridcula brincadeira, no passa do que despontou no crebro dos pensadores srios de todos os tempos, apenas pela meditao nos destinos do homem. O Sr. Jouy escrevia no incio deste sculo. Suas obras completas foram publicadas no comeo de 1823, em vinte e sete volumes in-8o, pela casa Didot.

Slvio Pellico(Extrado de Minhas Prises , por Slvio Pellico, cap. XLV e XLVI)

Semelhante estado era uma verdadeira doena; no sei se devo dizer uma espcie de sonambulismo. Parecia-me que havia em mim dois homens: um que queria escrever continuamente, outro que queria fazer outra coisa... Durante essas noites horrveis, por vezes minha imaginao se exaltava a tal ponto que, bem desperto, me parecia ouvir em minha priso, ora gemidos, ora risos abafados. Desde a infncia jamais tinha acreditado em feiticeiros, nem em Espritos, mas agora esses risos e esses rudos me assustavam; no sabia como explic-los; era forado a duvidar se no era joguete de alguma fora desconhecida e malfazeja. Vrias vezes, trmulo, tomei da luz e olhei se algum no estaria escondido sob o meu leito, para se divertir comigo. Quando estava mesa, ora me parecia que algum me puxava pela roupa, ora que empurravam um livro que caa no cho; tambm pensava que uma pessoa, atrs de mim, soprava a vela para que ela se apagasse. Ento, erguendo-me precipitadamente, olhava em meu redor; andava desconfiado e me perguntava se estava louco ou na plenitude da razo, porque, em meio a tudo que experimentava, no mais sabia distinguir a realidade da iluso, e exclamava com angstia: Deus meus, Deus meus, ut quid dereliquisti me? 44

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Uma vez, tendo me deitado antes da aurora, julguei estar perfeitamente seguro de haver posto meu leno sob o travesseiro. Depois de um momento de torpor, despertei como de costume e pareceu-me que me estrangulavam. Senti o pescoo bem apertado. Coisa estranha! estava envolto no meu leno, fortemente amarrado por vrios ns! Eu teria jurado no ter dado esses ns, no haver tocado no leno desde que o pusera sob o travesseiro. Era preciso que o tivesse feito sonhando ou num acesso de delrio, sem guardar a menor lembrana. Mas no podia cr-lo, e, desde esse momento, todas as noites temia ser estrangulado. Se alguns desses fatos podem ser atribudos a uma imaginao superexcitada pelo sofrimento, outros h que realmente parecem ser provocados por agentes invisveis, e no se deve esquecer que Slvio Pellico no acreditava nessas coisas. Esta causa no podia acudir-lhe ao pensamento e, na impossibilidade de explic-la, o que se passava sua volta enchia-o de terror. Hoje, que seu Esprito est desprendido do vu da matria, ele se d conta no s desses fatos, mas das diversas peripcias de sua vida; reconhece como justo o que antes lhe parecia injusto. Deu sua explicao na comunicao seguinte, solicitada com esta finalidade.(Sociedade de Paris, 18 de outubro de 1867)

Como grande e poderoso esse Deus que os humanos rebaixam sem cessar, querendo defini-lo, e como as mesquinhas paixes que lhe atribumos para o compreender so uma prova de nossa fraqueza e de nosso pouco adiantamento! um Deus vingador! um Deus juiz! um Deus carrasco! No; tudo isto s existe na imaginao humana, incapaz de compreender o infinito. Que louca temeridade querer definir Deus! Ele o incompreensvel e o indefinvel, e no podemos seno nos inclinar sob sua mo poderosa, sem procurar compreender e analisar sua natureza. Os fatos a esto para provar que ele existe! Estudemos esses fatos e, por meio deles, remontemos de causa em causa to longe quanto 45

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possamos ir; mas no nos lancemos causa das causas seno quando possuirmos inteiramente as causas secundrias e quando compreendermos todos os seus efeitos!... Sim, as leis do Eterno so imutveis! Hoje elas ferem o culpado, como sempre o feriram, conforme a natureza das faltas cometidas e proporcionalmente a essas faltas. Ferem de maneira inexorvel, e so seguidas de conseqncias morais, no fatais, mas inevitveis. A pena de talio um fato, e a palavra da antiga lei Olho por olho, dente por dente, cumpre-se em todo o seu rigor. No s o orgulhoso humilhado, mas ferido em seu orgulho da mesma maneira por que feriu os outros. O juiz inquo se v condenar injustamente; o dspota tornar-se oprimido! Sim, governei os homens; fi-los dobrarem-se sob um jugo de ferro; eu os feri em suas afeies e em sua liberdade; e mais tarde, por minha vez, tive que me dobrar ao opressor, fui privado de minhas afeies e de minha liberdade! Mas, como o opressor da vspera pode tornar-se o republicano do dia seguinte? A coisa das mais simples e a observao dos fatos que se passam aos vossos olhos deveria vos dar a chave. No vedes, no curso de uma s existncia, uma mesma personalidade ora dominadora, ora dominada? e no acontece que, se governa despoticamente no primeiro caso, , no segundo, uma das que mais energicamente lutam contra o despotismo? Sucede a mesma coisa de uma existncia a outra. Certamente esta no uma regra sem exceo, mas, em geral, os que aparentemente so os mais obstinados liberais, foram outrora os mais ardentes partidrios do poder; e isto se compreende, porque lgico que os que estavam habituados por muito tempo a reinar sem contestao e a satisfazer sem entraves os seus mnimos caprichos, sejam os que mais sofram a opresso, e os mais ardentes para sacudir o seu jugo. 46

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O despotismo e seus excessos, por uma admirvel conseqncia das leis de Deus, arrastam necessariamente os que os exercem a um amor imoderado da liberdade, e esses dois excessos, consumindo-se reciprocamente, trazem inevitavelmente a calma e a moderao. Tais so, a propsito do desejo que exprimistes, as explicaes que julguei por bem vos dar. Ficarei contente se elas puderem vos satisfazer.Slvio Pellico

VariedadesO AVARENTO DA RUA DO FORNO

O jornal Petite Presse, de 19 de novembro de 1868, reproduzia o fato seguinte, conforme o Droit: Numa miservel mansarda da rua do Four-SaintGermain, vivia pobremente um indivduo de certa idade, chamado P... No recebia ningum; ele mesmo preparava a comida, muito mais frugal que a de um anacoreta. Coberto de roupas srdidas, dormia num catre ainda mais repugnante. De magreza extrema, parecia mirrado pelas privaes de toda sorte e em geral era considerado como vtima da mais profunda misria. Entretanto, um cheiro ftido tinha comeado a espalhar-se na casa. Aumentou de intensidade e acabou por atingir um pequeno restaurante, situado no pavimento trreo, a ponto de os consumidores se queixarem. Procuraram, ento, a causa desses miasmas e a acabaram descobrindo que provinham do alojamento ocupado pelo senhor P... 47

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Esta descoberta fez lembrar que esse homem h tempos no era visto e, temendo que lhe houvesse sucedido uma desgraa, apressaram-se em avisar o comissrio de polcia do bairro. Imediatamente a autoridade judiciria foi ao local e mandou um serralheiro abrir a porta. Mas, assim que quiseram entrar no quarto, quase se sufocaram e tiveram de se retirar prontamente. S depois de ter deixado por algum tempo entrar o ar do exterior que puderam entrar e proceder s constataes com os devidos cuidados. Um triste espetculo ofereceu-se ao comissrio e ao mdico que o acompanhava. Estendido sobre o leito, o corpo do Sr. P... encontrava-se em estado de completa putrefao; estava coberto de moscas-varejeiras e milhares de vermes roam as carnes, que caam aos pedaos. O estado de decomposio no permitiu reconhecer com exatido a causa da morte, que ocorrera h bastante tempo, mas a ausncia de qualquer trao de violncia fez pensar que se deveu a uma causa natural, como uma apoplexia ou uma congesto cerebral. Alis, encontraram num mvel uma soma de cerca de 35.000 francos, tanto em numerrio quanto em aes, obrigaes industriais e valores diversos. Depois das formalidades ordinrias, apressaram-se em retirar os restos humanos e desinfetar o local. O dinheiro e os valores foram selados e recolhidos. Tendo sido evocado na Sociedade de Paris, esse homem deu a seguinte comunicao:(Sociedade de Paris, 20 de novembro de 1868 Mdium: Sr. Rul.)

Perguntais por que me deixei morrer de fome, quando possua um tesouro? De fato, 35.000 francos so uma fortuna! Ai! senhores, sois muito instrudos sobre o que se passa em torno de 48

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vs, para no compreender que eu sofria provaes, e meu fim diz bastante que fali. Com efeito, numa existncia anterior eu tinha lutado com energia contra a pobreza, que no havia dominado seno por prodgios de atividade, de energia e de perseverana. Vinte vezes estive a ponto de me ver privado do fruto de meu rude labor. Por isso, no fui sensvel com os pobres, que enxotava quando se apresentavam em minha casa. Reservava tudo quanto ganhava para minha famlia, minha mulher e meus filhos. Escolhi para provao, nesta nova existncia, ser sbrio, moderado nos gostos e partilhar minha fortuna com os pobres, meus irmos deserdados. Mantive a palavra? Vedes o contrrio; porque fui muito sbrio, temperante, mais que temperante. Mas no fui caridoso. Meu fim desventurado foi apenas o comeo de meus sofrimentos, mais duros, mais penosos neste momento, quando vejo com os olhos do Esprito. Assim, no teria tido a coragem de me apresentar a vs, se no me tivessem assegurado que sois bons, compassivos com a desgraa; venho pedir que oreis por mim. Aliviai meus sofrimentos, vs que conheceis os meios de tornar os sofrimentos menos pungentes; orai por vosso irmo que sofre e que deseja voltar a sofrer muito mais ainda! Piedade, meu Deus! piedade para o ser fraco que faliu. E vs, senhores, compaixo por vosso irmo, que se recomenda s vossas preces.O avarento da Rua do FornoSUICDIO POR OBSESSO

L-se no Droit: O Sr. Jean-Baptiste Sadoux, fabricante de canoas em Joinville-le-Pont, avistou ontem um jovem que, depois de ter 49

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vagueado por algum tempo sobre a ponte, subiu no parapeito e se jogou no Marne. Imediatamente foi em seu socorro e, ao cabo de sete minutos, retirou-o. Mas a asfixia j era completa, tendo sido infrutferas todas as tentativas feitas para reanimar aquele infeliz. Uma carta encontrada com ele revelou tratar-se do Sr. Paul D..., de vinte e dois anos, residente rua Sedaine, em Paris. A carta, dirigida pelo suicida ao seu pai, era extremamente tocante. Pedia-lhe perdo por o abandonar e dizia que havia dois anos era dominado por uma idia terrvel, por uma irresistvel vontade de se destruir. Acrescentava que lhe parecia ouvir fora da vida uma voz que o chamava sem trguas e, malgrado todos os seus esforos, no podia impedir-se de ir para ela. Encontraram, tambm, no bolso do palet, uma corda nova, na qual tinha sido feito um n corredio. Depois do exame mdico-legal, o corpo foi entregue famlia. A obsesso aqui est bem evidente e, o que no o est menos, que o Espiritismo lhe completamente estranho, nova prova de que esse mal no inerente crena. Mas, se o Espiritismo nada tem a ver com o caso, s ele pode dar a sua explicao. Eis a instruo dada a respeito por um dos nossos Espritos familiares, e da qual ressalta que, malgrado o arrastamento a que o jovem cedeu para a sua infelicidade, no sucumbiu fatalidade. Tinha o seu livre-arbtrio e, com mais vontade, poderia ter resistido. Se tivesse sido esprita, teria compreendido que a voz que o solicitava no podia ser seno a de um Esprito mau e as conseqncias terrveis de um instante de fraqueza.(Paris Grupo Desliens, 20 de dezembro de 1868 Mdium: Sr. Nivard)

A voz dizia: Vem! vem! Mas essa voz do tentador teria sido ineficaz, se a ao direta do Esprito no se tivesse feito sentir. O pobre suicida era chamado e era impelido. Por qu? Seu passado era a causa da situao dolorosa em que se achava; apegava-se vida e temia a morte. Mas, pergunto, nesse apelo incessante que 50

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ouvia, encontrou fora? No; hauriu a fraqueza que o perdeu. Superou os temores, porque, enfim, esperava encontrar do outro lado da vida o repouso que o lado de c lhe negava. Foi enganado: o repouso no veio. As trevas o cercam, sua conscincia lhe censura o ato de fraqueza e o Esprito que o arrastou escarnece ao seu redor e o criva de motejos constantes. O cego no o v, mas escuta a voz que lhe repete: Vem! vem! E depois zomba de suas torturas. A causa deste caso de obsesso est no passado, como acabo de dizer; o prprio obsessor foi impelido ao suicdio por esse que acaba de fazer cair no abismo. Era sua mulher na existncia precedente e tinha sofrido consideravelmente com a devassido e as brutalidades de seu marido. Muito fraca para aceitar com resignao e coragem a situao que lhe era dada, buscou na morte um refgio contra seus males. Vingou-se depois, e sabeis como. Entretanto, o ato desse infeliz no era fatal; tinha aceito os riscos da tentao; esta era necessria ao seu adiantamento, porque s ela podia fazer desaparecer a mancha que havia sujado sua existncia anterior. Aceitara seus riscos com a esperana de ser mais forte e se havia enganado: sucumbiu. Recomear mais tarde; resistir? Isto depender dele. Rogai a Deus por ele, a fim de que lhe d a calma e a resignao de que tanto necessita, a coragem e a fora para no falir nas provas que tiver de suportar mais tarde.Louis Nivard

Dissertaes EspritasAS ARTES E O ESPIRITISMO

(Paris Grupo Desliens, 25 de novembro de 1868 Mdium: Sr. Desliens)

Porventura houve uma poca em que existiram mais poetas, mais pintores, escultores, literatos e artistas de todos os 51

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gneros? uma poca em que a poesia, a pintura, a escultura, seja qual for a arte, tenha sido acolhida com mais desdm? Tudo est no marasmo! e nada, a no ser o que se liga fria positivista do sculo, tem chance de ser apreciado favoravelmente. Sem dvida ainda h alguns amigos do belo, do grande, do verdadeiro; mas, ao lado, quantos profanadores, quer entre os executantes, quer entre os amadores! No h mais pintores; s h amadores! No a glria que se persegue! ela vem a passos muito lentos para a nossa gerao apressada. Ver a fama e a aurola do talento, coroar uma existncia em seu declnio, o que isto? Uma quimera, boa ao menos para os artistas do passado. Ento se tinha tempo de viver; hoje, apenas o de gozar! preciso, pois, chegar, e prontamente, fortuna; preciso fazer um nome por uma feitura original, pela intriga, por todos os meios mais ou menos confessveis com que a civilizao cumula os povos que tocam um progresso imenso para frente ou uma decadncia sem remisso. Que importa se a celebridade conquistada desaparece com tanta rapidez quanto a existncia do efmero! Que importa a brevidade do brilho!... uma eternidade se esse tempo bastou para adquirir a fortuna, a chave dos prazeres e do dolce far niente! a luta corajosa com a provao que faz o talento; a luta com a fortuna o enerva e mata! Tudo cai, tudo periclita, porque no h mais crena! Pensais que o pintor creia em si mesmo? Sim, por vezes chega a isso; mas, em geral, no cr seno cegamente, seno no entusiasmo do pblico, e o aproveita at que um novo capricho venha transportar alhures a torrente de favores que nele penetrava! Como fazer quadros religiosos ou mitolgicos que sensibilizam e comovem, quando desapareceram as crenas nas idias que eles representam? 52

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Tem-se talento, esculpe-se o mrmore, d-se-lhe a forma humana; mas sempre uma pedra fria e insensvel: no h vida! Belas formas, mas no a centelha que cria a imortalidade! Os mestres da antiguidade fizeram deuses, porque acreditavam nesses desuses. Nossos escultores atuais, que neles no crem, fazem apenas homens. Mas, venha a f, ainda que ilgica e sem um objetivo srio, e gerar obras-primas; se a razo os guiar, no haver limites que ela no possa atingir! Campos imensos, completamente inexplorados, abrem-se juventude atual, a todos quantos um poderoso sentimento de convico impele para um caminho, seja ele qual for. Literatura, arquitetura, pintura, histria, tudo receber do aguilho esprita o novo batismo de fogo, necessrio para dar vitalidade sociedade expirante; porque, no corao de todos os que o aceitarem, ser posto um ardente amor pela Humanidade e uma f inquebrantvel em seu destino.Um artista, DucornetA MSICA ESPRITA

(Paris Grupo Desliens, 9 de dezembro de 1868 Mdium: Sr. Desliens)

Recentemente, na sede da Sociedade Esprita de Paris, o presidente deu-me a honra de perguntar minha opinio sobre o estado atual da msica e sobre as modificaes que a ela poderia trazer a influncia das crenas espritas. Se no atendi imediatamente a esse benvolo e simptico apelo, crede, senhores, que s uma causa maior motivou a minha absteno. Os msicos, ai! so homens como os outros, talvez mais homens, isto , nessa condio, falveis e pecadores. No fui isento de fraquezas, e se Deus me deu vida longa, a fim de me dar tempo de me arrepender, a embriaguez do sucesso, a complacncia dos amigos, a adulao dos cortesos muitas vezes me tiraram o meio. Um maestro uma potncia, neste mundo onde o prazer 53

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representa to grande papel. Aquele cuja arte consiste em seduzir o ouvido, enternecer o corao, v muitas ciladas criadas sob seus passos e nelas cai o infeliz! Inebria-se com a embriaguez dos outros; os aplausos lhe tapam os ouvidos e ele vai direto ao abismo, sem procurar um ponto de apoio para resistir ao arrastamento. Contudo, a despeito de meus erros, eu tinha f em Deus; cria na alma que vibrava em mim, a qual, desprendida de seu crcere sonoro, logo se reconheceu em meio s harmonias da Criao e confundiu sua prece com as que se elevam da Natureza ao infinito, da criatura ao ser incriado!... Estou feliz pelo sentimento que provocou minha vinda entre os espritas, porque foi a simpatia que a ditou e, se a princpio a curiosidade me atraiu, ao meu reconhecimento que deveis a minha apreciao da pergunta que foi feita. Eu l estava, prestes a falar, crendo tudo saber, quando meu orgulho, caindo, revelou a minha ignorncia. Fiquei mudo e escutei. Voltei, instrui-me e, quando s palavras de verdade emitidas por vossos instrutores se juntaram a reflexo e a meditao, disse-me: O grande maestro Rossini, o criador de tantas obras-primas, segundo os homens, nada fez, infelizmente, seno debulhar algumas das prolas menos perfeitas do escrnio musical criado pelo mestre dos maestros. Rossini juntou notas, comps melodias, provou a taa que contm todas as harmonias; roubou algumas centelhas ao fogo sagrado; mas esse fogo sagrado, nem ele criou, nem os outros! Nada inventamos: copiamos do grande livro da Natureza e a multido aplaude quando no deformamos demais a partitura. Uma dissertao sobre a msica celeste!... Quem poderia encarregar-se disto? Que Esprito sobre-humano poderia fazer vibrar a matria em unssono com essa arte encantadora? Que crebro humano, que Esprito encarnado poderia captar-lhe os matizes, variados ao infinito?... Quem possui a esse ponto o sentimento da harmonia?... No, o homem no foi feito para tais condies!... Mais tarde!... muito mais tarde!... 54

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Esperando, talvez eu venha satisfazer em breve o vosso desejo e vos dar minha apreciao sobre o estado atual da msica e vos dizer das transformaes, dos progressos que o Espiritismo poder a introduzir. Hoje ainda muito cedo. O assunto vasto, j o estudei, mas ele ainda se apodera de mim; quando dele for senhor, caso a coisa seja possvel, ou melhor, quando o tiver entrevisto tanto quanto mo permitir o estado de meu esprito, eu vos satisfarei. Mas, ainda um pouco de tempo. Se s um msico pode falar bem da msica do futuro, deve faz-lo como mestre, e Rossini no quer falar como aprendiz.RossiniOBSESSES SIMULADAS

Esta comunicao nos foi dada a propsito de uma senhora que deveria vir pedir conselhos para uma obsesso, e a respeito da qual tnhamos julgado dever previamente aconselhar-nos com os Espritos. A piedade pelos que sofrem no deve excluir a prudncia, e poderia ser imprudncia estabelecer relaes com todos os que se apresentam a vs, sob o imprio de uma obsesso real ou fingida. ainda uma prova pela qual dever passar o Espiritismo, e que lhe servir para se desembaraar de todos os que, por sua natureza, perturbassem o seu caminho. Ultrajaram, ridicularizam os espritas; quiseram amedrontar aqueles a quem a curiosidade atrai para vs, colocando-vos sob o patrocnio de satans. Nada disto teve xito; antes de se render, querem assestar uma ltima bateria, pronta para abrir fogo, que, como todas as outras, redundar em vosso proveito. No podendo mais vos acusar de contribuir para o incremento da alienao mental, enviam-vos verdadeiros obsedados, diante dos quais esperam que fracasseis, e obsedados simulados, que naturalmente vos seria impossvel curar de um mal imaginrio. Tudo isto em nada deter o vosso progresso, mas com a condio de agir com prudncia e 55

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aconselhar os que se ocupam dos tratamentos obsessivos a consultarem os seus guias, no s quanto natureza do mal, mas sobre a realidade das obsesses que poderiam ter que combater. Isto importante, e aproveito a idia que vos foi sugerida, de antes pedir um conselho, para vos recomendar a agir sempre assim no futuro. Quanto a essa senhora, sincera e realmente sofredora, mas atualmente nada se pode fazer por ela, a no ser aconselhar que pea, pela orao, a calma e a resignao para suportar corajosamente sua prova. No lhe faltam instrues dos Espritos; seria mesmo prudente afast-la de toda idia de correspondncia com eles, e aconselh-la a se entregar inteiramente aos cuidados da medicina oficial.Doutor Demeure

Observao No s contra as obsesses simuladas que prudente nos precavermos, mas contra os pedidos de comunicaes de toda sorte, evocaes, conselhos de sade, etc., que poderiam ser armadilhas estendidas boa-f, de que poderia servir-se a malevolncia. Convm, pois, no aceder aos pedidos desta natureza seno com conhecimento de causa, e em relao a pessoas conhecidas ou devidamente recomendadas. Os adversrios do Espiritismo vem com desgosto o desenvolvimento que toma, contrariamente s suas previses, e espreitam ou provocam as ocasies de o pilhar em falta, seja para o acusar, seja para ridiculariz-lo. Em semelhante caso, melhor pecar por excesso de circunspeo do que por imprevidncia.

Allan Kardec

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Revista Esprita Jornal de Estudos PsicolgicosANO XII FEVEREIRO DE 1869 No 2

Estatstica do EspiritismoAPRECIAO PELO JORNAL SOLIDARIT4

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O jornal Solidarit, de 15 de janeiro de 1869, analisa a estatstica do Espiritismo, que publicamos em nosso nmero anterior. Se critica algumas de suas cifras, sentimo-nos felizes por sua adeso ao conjunto do trabalho, que aprecia nestes termos: Lamentamos no poder reproduzir, por falta de espao, as reflexes muito sbias com que o Sr. Allan Kardec faz acompanhar esta estatstica. Limitar-nos-emos a constatar com ele que h espritas em todos os graus da escala social; que a grande maioria dos espritas se acha entre pessoas esclarecidas e no entre os ignorantes; que o Espiritismo se propagou em toda parte, de alto a baixo da escala social; que a aflio e a infelicidade so os grandes recrutadores do Espiritismo, por fora das consolaes e das esperanas que prodigaliza aos que choram e lamentam; que o Espiritismo encontra mais fcil acesso entre os incrdulos em matrias religiosas do que entre as pessoas que tm uma f definida;3 Nota da Editora: Ver Nota Explicativa, p. 533. 4 O jornal Solidarit aparece duas vezes por ms. Preo: 10 fr. por ano. Paris, Livraria das Cincias Sociais, rue des Saints-Pres, no 13.

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enfim, que depois dos fanticos os mais refratrios s idias espritas so as criaturas cujos pensamentos esto todos concentrados na posse e nos prazeres materiais, seja qual for, alis, a sua condio. um fato de capital importncia constatar em toda parte que a grande maioria dos espritas se acha entre pessoas esclarecidas e no entre os ignorantes. Em presena deste fato material, em que se torna a acusao de estupidez, ignorncia, loucura, inpcia, lanada to estouvadamente contra os espritas pela malevolncia? Propagando-se de alto a baixo da escala, o Espiritismo prova, alm disso, que as classes favorecidas compreendem a sua influncia moralizadora sobre as massas, pois que se esforam por nele penetrar. que, com efeito, os exemplos que se tm sob os olhos, embora parciais e ainda isolados, demonstram de maneira peremptria que o esprito do proletariado seria muito outro se estivesse imbudo dos princpios da Doutrina Esprita. A principal objeo do Solidarit muito sria. Refere-se ao nmero de espritas do mundo inteiro. Eis o que diz a respeito: A Revista Esprita engana-se muito quando estima em apenas seis ou sete milhes o nmero de espritas para todo o mundo. Evidentemente se esquece de contar a sia. Se pelo termo esprita entendem-se as pessoas que crem na vida de alm-tmulo e nas relaes dos vivos com a alma das pessoas mortas, por centenas de milhes que se os deve contar. A crena nos Espritos existe em todos os sectrios do budismo, e pode-se dizer que ela constitui o fundo de todas as religies do extremo Oriente. geral sobretudo na China. As trs antigas seitas que desde tanto tempo dividem as populaes no Imprio Central, crem nos manes, nos Espritos e professam o seu culto. Pode-se mesmo dizer que este para elas um terreno 58

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comum. Os adoradores do Tao e de Fo a se encontram com os sectrios do filsofo Confcio. Os sacerdotes da seita de Lao-Tseu, e particularmente os Tao-Tseu, ou doutores da Razo, devem s prticas espritas uma grande parte de sua influncia sobre as populaes. Esses religiosos interrogam os Espritos e obtm respostas escritas, que no tm mais nem menos valor que as dos nossos mdiuns. So conselhos e avisos considerados como dados aos vivos pelo Esprito de um morto. A se encontram revelaes de segredos conhecidos unicamente pela pessoa que interroga, algumas vezes predies que se realizam ou no, mas que so capazes de impressionar os assistentes e estimular os seus desejos, para que se encarreguem de realizar, eles prprios, o orculo. Obtm-se essas correspondncias por processos que no diferem muito dos nossos espritas, mas que, no entanto, devem ser mais aperfeioados, se se considerar a longa experincia dos operadores que os praticam tradicionalmente. Eis como nos so descritos por uma testemunha ocular, o Sr. D..., que mora na China h muito tempo e que familiar com a lngua do pas: Uma vara de pescar, de 50 a 60 centmetros, sustentada nas extremidades por duas pessoas, das quais uma o mdium e a outra o interrogador. No meio dessa vara, tiveram o cuidado de lacrar ou amarrar uma pequena varinha da mesma madeira, bastante semelhante a um lpis, pelo tamanho e grossura. Abaixo desse pequeno aparelho espalhada uma camada de areia, ou uma caixa contendo farinha de milho. Deslizando maquinalmente sobre a areia ou a farinha de milho, a varinha traa caracteres. medida que estes se formam, so lidos e reproduzidos imediatamente no papel por um letrado presente sesso. Da resultam frases e escritos mais ou menos longos, mais ou menos interessantes, mas tendo sempre um valor lgico. 59

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A dar-se crdito aos Tao-Tseu, esses processos lhes vm do prprio Lao-Tseu. Ora, se conforme a Histria, Lao-Tseu viveu no sexto sculo antes de Jesus-Cristo, bom lembrar que, conforme a lenda, ele como o Verbo dos cristos, anterior ao comeo e contemporneo da grande no-entidade, como exprimem os doutores da Razo. V-se que o Espiritismo remonta a uma belssima antiguidade. Isto no prova que ele verdadeiro? No, por certo, mas se basta que uma crena seja antiga para ser venervel, e forte pelo nmero de seus partidrios para ser respeitada, no conheo outra que tenha mais ttulos ao respeito e venerao de meus contemporneos. Nem preciso dizer que aderimos completamente a essa retificao, e nos sentimos felizes que ela emane de uma fonte estranha, porque prova que no procuramos exagerar o quadro. Nossos leitores apreciaro, como ns, a maneira pela qual esse jornal, que se recomenda por seu carter srio, encara o Espiritismo; v-se que, de sua parte, uma apreciao com justas razes. Sabamos perfeitamente que as idias espritas esto muito espalhadas nos povos do extremo Oriente, e se no as tnhamos levado em considerao que, em nossa avaliao, no nos propusemos apresentar, conforme dissemos, seno o movimento do Espiritismo moderno, reservando-nos para fazer mais tarde um estudo especial sobre a anterioridade dessas idias. Agradecemos muito sinceramente ao autor do artigo por nos haver precedido. Noutro lugar ele diz: Cremos que esta incerteza (sobre o nmero real dos espritas, sobretudo na Frana), a princpio se deve ausncia de declaraes positivas da parte dos adeptos; 60

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depois, ao estado flutuante das crenas. Existe e poderamos citar em Paris numerosos exemplos uma multido de pessoas que crem no Espiritismo e que no se gabam disto. Isto perfeitamente justo; por isso s falamos dos espritas de fato; do contrrio, como dissemos, se inclussemos os espritas por intuio, somente na Frana eles se contariam por milhes; mas preferimos ficar aqum e no alm da verdade, para no sermos tachados de exagero. Contudo, preciso que o acrscimo seja muito sensvel, para que certos adversrios o tenham levado a cifras hiperblicas, como o autor da brochura O oramento do Espiritismo, que, vendo talvez os espritas com lente de aumento, os avaliava, em 1863, em vinte milhes na Frana. (Revista Esprita de junho de 1863.) A respeito da proporo dos sbios oficiais, na categoria do grau de instruo, diz o autor: Gostaramos muito de ver a olho nu esses 4% de sbios oficiais: 40.000 para a Europa; 24.000 s para a Frana; so muitos sbios, e ainda oficiais; 6% de iletrados quase nada. A crtica seria fundada se, como supe o autor, se tratasse de 4% sobre o nmero aproximado de seiscentos mil espritas na Frana, o que, efetivamente, daria vinte e quatro mil. Realmente seria muito, pois se teria dificuldade em encontrar essa cifra de sbios oficiais em toda a populao da Frana. Em tal base, o clculo seria evidentemente ridculo e se poderia dizer outro tanto dos iletrados. Essa avaliao, portanto, no tem por objetivo estabelecer o nmero efetivo dos sbios oficiais espritas, mas a proporo relativa em que se encontram a respeito dos diversos graus de instruo, entre os quais esto em minoria. Nas outras categorias, limitamo-nos a uma simples classificao, sem avaliao numrica em termos percentuais. Quando utilizamos este ltimo processo, foi para tornar mais sensvel a proporo. 61

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Para melhor definir o nosso pensamento, diremos que, por sbios oficiais, no entendemos todos aqueles cujo saber constatado por um diploma, mas unicamente os que ocupam posies oficiais, como membros de Academias, professores de Faculdades, etc., que assim se acham em maior evidncia e cujos nomes, por tais motivos, fazem autoridade na Cincia. Desse ponto de vista, um doutor em Medicina pode ser sbio sem ser um sbio oficial. A posio oficial influi bastante sobre a maneira de encarar certas coisas. Como prova disto, citaremos o exemplo de um mdico distinto, morto h vrios anos, e que conhecemos pessoalmente. Era ento grande partidrio do magnetismo, sobre o qual havia escrito, e foi o que nos ps em contato com ele. Aumentando a sua reputao, conquistou sucessivamente vrias posies oficiais. medida que subia, baixava seu fervor pelo magnetismo, caindo abaixo de zero quando chegou ao topo da escala, porque renegava abertamente suas antigas convices. Consideraes da mesma natureza podem explicar a posio de certas classes no que concerne ao Espiritismo. A categoria dos aflitos, dos despreocupados, dos felizes do mundo, dos sensualistas, fornece ao autor do artigo a seguinte reflexo: pena que isto seja pura fantasia. Nada de sensualistas, compreende-se; Espiritismo e materialismo se excluem; sessenta aflitos em cem espritas ainda se compreende. para os que choram que as relaes com um mundo melhor so preciosas. Mas trinta pessoas despreocupadas em cem, demais! Se o Espiritismo operasse tais milagres, faria muitas outras conquistas. F-las-ia sobretudo entre os felizes do mundo, que tambm so, quase sempre, os mais inquietos e os mais atormentados. H aqui um erro manifesto, pois pareceria que esse resultado devido ao Espiritismo, ao passo que ele que colhe, 62

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nessas categorias, mais ou menos adeptos conforme as predisposies que a encontra. Essas cifras significam simplesmente que encontra mais adeptos entre os aflitos, um pouco menos entre as pessoas despreocupadas, menos ainda entre os felizes do mundo, e de modo algum entre os sensualistas. Antes de mais, preciso entender-se quanto s palavras. Materialismo e sensualismo no so sinnimos e nem sempre marcham lado a lado, j que se vem pessoas, espiritualistas por profisso e por dever, que so muito sensuais, ao passo que h muitos materialistas bastante moderados em sua maneira de viver; para eles o materialismo no passa de uma opinio, que abraaram em falta de outra mais racional. Eis por que, quando reconhecem que o Espiritismo enche o vazio feito em sua conscincia pela incredulidade, aceitam-no com felicidade; os sensualistas, ao contrrio, so os mais refratrios. Uma coisa muito bizarra que o Espiritismo encontra mais resistncia entre os pantestas em geral, do que entre os que so francamente materialistas. Provavelmente isto se deve a que o pantesta quase sempre cria um sistema; possui algo, ao passo que o materialista nada tem, e esse vazio o inquieta. Pelos felizes do mundo entendemos os que passam como tais aos olhos da multido, porque se podem permitir largamente todos os prazeres da vida. verdade que muitas vezes so os mais inquietos e os mais atormentados. Mas, por qu? pelas preocupaes que lhes causam a fortuna e a ambio. Ao lado dessas preocupaes incessantes, das ansiedades da perda ou do ganho, da azfama dos negcios para uns, dos prazeres para outros, resta-lhes muito pouco tempo para se ocuparem do futuro. No podendo ter a paz da alma seno com a condio de renunciar ao que constitui o objeto de sua cobia, o Espiritismo pouco os afeta, filosoficamente falando. Com exceo das penas do co