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cadernos metrópole 19 pp. 99-121 1 0 sem. 2008 Reflexões sobre o futuro da sustentabilidade urbana com base em um enfoque socioambiental Laura Machado de Mello Bueno Resumo Este artigo tem como objetivos apresentar pro- postas para planejamento, gestão e execução de intervenções em áreas urbanas e periurba- nas com a aplicação de princípios de desenvolvi- mento sustentável como forma de aproximação com novos paradigmas para o desenvolvimento humano, que enfrentem de maneira integra- da os desafios sociais e ambientais colocados para o mundo contemporâneo. Com base em pesquisas e atividades profissionais realizadas sobretudo entre 1999 e 2007, procurar-se-á apresentar a causalidade das formas de cons- trução de nossas cidades em relação à crise am- biental, à crise social, à identificação dos atores políticos sociais, constrangimentos tecnológicos e econômicos envolvidos e propostas de mu- danças para o desafio de se alcançar a justiça social e a qualidade ambiental. Palavras-chave: gestão urbana e ambien- tal; bacias hidrográficas; habitação e meio am- biente; adaptação; mudanças climáticas; meio ambiente urbano. Abstract This paper aims to present proposals for the planning, management and implementation of projects in urban and peripheral areas based on sustainable development, in order to undertake new paradigms for human development, in an integrative view of the social and environmental challenges posed to the contemporary world. Based on research studies and professional activities developed mainly from 1999 to 2007, we present the causes of the construction forms of our cities in relation to the environmental crisis; the social crisis; the identification of social and political forces, technological and economic constraints, and proposals for changing these constraints in order to develop social justice and environmental quality. Keywords : urban and environmental management, river basins, housing and environment, adaptation, climate changes, urban environment.

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Reflexões sobre o futuro da sustentabilidade urbana com base

em um enfoque socioambiental Laura Machado de Mello Bueno

ResumoEste artigo tem como objetivos apresentar pro-postas para planejamento, gestão e execução de intervenções em áreas urbanas e periurba-nas com a aplicação de princípios de desenvolvi-mento sustentável como forma de aproximação com novos paradigmas para o desenvolvimento humano, que enfrentem de maneira integra-da os desafios sociais e ambientais colocados para o mundo contemporâneo. Com base em pesquisas e atividades profissionais realizadas sobretudo entre 1999 e 2007, procurar-se-á apresentar a causalidade das formas de cons-trução de nossas cidades em relação à crise am-biental, à crise social, à identificação dos atores políticos sociais, constrangimentos tecnológicos e econômicos envolvidos e propostas de mu-danças para o desafio de se alcançar a justiça social e a qualidade ambiental.

Palavras-chave: gestão urbana e ambien-tal; bacias hidrográficas; habitação e meio am-biente; adaptação; mudanças climáticas; meio ambiente urbano.

AbstractThis paper aims to present proposals for the planning, management and implementation of projects in urban and peripheral areas based on sustainable development, in order to undertake new paradigms for human development, in an integrative view of the social and environmental challenges posed to the contemporary world. Based on research studies and professional activities developed mainly from 1999 to 2007, we present the causes of the construction forms of our cities in relation to the environmental crisis; the social crisis; the identification of social and political forces, technological and economic constraints, and proposals for changing these constraints in order to develop social justice and environmental quality.

Keywords : urban and env ironmenta l management, river basins, housing and environment, adaptation, climate changes, urban environment.

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Introdução do problema

O 3º Relatório do IPCC – International Panel on Climate Change (2006)1 apresentou a necessidade urgente de reduzir emissões e prevenir desmatamentos e adverte que há necessidade de aplicação imediata de solu-ções tecnológicas já existentes e em desen-volvimento para sair do risco.

Mesmo que essas medidas fossem to-madas desde já, prevê-se que, em algumas décadas, 2 bilhões de seres humanos (de 7 bilhões que somos) estarão sem água e 22% a 30% das espécies vivas serão extintas pe-las mudanças climáticas já em andamento.

A maior parte da população da Euro-pa e América do Norte acabou por ter um modo de vida muito articulado e dependente da emissão de carbono, para aquecer e res-friar prédios e para a circulação de veículos. E, conforme Carlos Nobre2 nos informa, no século XXI, a não ser a Alemanha e a Grã- Bretanha, os países desenvolvidos, a China e a Índia estão com emissões crescentes. Além disso, nos países de estados e populações mais pobres, as emissões, em sua maior parte, são atribuídas ao desmatamento e manejo da agropecuária.

No mundo de hoje, vinte regiões abri-gam mais de 10 milhões de pessoas, a maioria fora do mundo desenvolvido, como as regiões de São Paulo e Rio de Janeiro, no Brasil; Cidade do México, Bancoc, Buenos Aires, Cairo, Jacarta, Xangai e Teerã, além de Londres, Nova York, Randstad ou Emilia-Romagna. Além dessas grandes metrópoles, há no mundo trezentas cidades-região que concentram mais de 1 milhão de habitantes.

No Brasil, estão institucionalizadas 26 regiões metropolitanas que concentram 68 milhões de pessoas (dados de 2000), quase

40% da população do país. Essas aglomera-ções concentram a riqueza e a pobreza, e re presentam um desafio para as políticas públicas (Maricato, 2001). Destaca-se a gra-vidade da sua situação sanitária e habitacio-nal pela presença de grande parte das popu-lações metropolitanas vivendo em favelas.

O meio urbano é estratégico para a reprodução da força de trabalho (desde a garantia de sobrevivência até as condições de conforto e vida sociocultural) e para o apoio à reprodução do capital na produção, circulação e troca (sistemas de energia, co-municação e transporte de mercadorias e trabalhadores, centros de consumo, dispo-nibilidade de água e remoção de resíduos).3 Ao mesmo tempo, o ambiente construído é objeto de interesses econômicos específicos: os proprietários de terra e edifícios, os in-corporadores imobiliários, o capital finan-ceiro envolvido com a produção de espaços e as empresas construtoras dos edifícios privados e das obras de infra-estrutura, a maioria financiada pelo fundo público. O ambiente urbano é fortemente impactado pelos investimentos públicos.

Particularmente na definição de políti-cas públicas, o meio urbano mobiliza uma rede de interesses presentes tanto no apare-lho estatal quanto nas organizações empre-sariais, criando uma permeabilidade entre a formulação e implementação das políticas públicas e os interesses desses setores no capital. A isso se soma a manipulação dos instrumentos de licenciamento pelo poder econômico.

Nossas cidades são resultado da es-trutura social, caracterizada por diferentes condições de vida e de acesso a serviços e equipamentos urbanos. A crise habitacional brasileira caracteriza-se pela existência de

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assentamentos irregulares com grande coa-bitação, geralmente com ausência de sanea-mento ambiental, nos quais as áreas mais precárias se localizam em faixas marginais a córregos e em encostas, que apresentam famílias em risco de vida. A esse quadro soma-se a crise ambiental presente no am-biente urbano.

Em 2004, o PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP Annual Report 2004)4 apresentou a crise ambiental, destacando seis principais pro-blemas que causam risco à vida. São eles:

1. Aquecimento da terra ou efeito-estu-fa – aumento do gás carbônico por queima de combustíveis fósseis: indústria, produ-ção de energia elétrica e uso do automóvel causando degelo, inversão térmica de in-verno e ilhas de calor. A inversão térmica de inverno é a principal causa do aumento do número de problemas respiratórios em crianças e idosos. A ilha de calor no espaço intraurbano aumenta a temperatura urbana

e sua amplitude térmica e induz o uso de ar condicionado nos automóveis e ambientes fechados (causando também problemas res-piratórios, além dos ambientais). Há tam-bém a ocorrência de inundações e nevascas nas cidades do Hemisfério Norte. No Sul, ocorrem chuvas intensas em áreas urbanas restritas com grandes inundações na área urbana e diminuição das chuvas no cinturão verde das cidades.

2. Chuva ácida – presença de plumas de poluentes industriais e de automóveis na atmosfera, que se precipitam com as chu-vas. Causa a perda de áreas agrícolas. Nas cidades, causa a poluição das águas pluviais e a corrosão de elementos do ambiente construído, com impactos especialmente no patrimônio de interesse histórico, arquitetô-nico e artístico.

3. Extinção de ambientes naturais – prin-cipalmente através do desmatamento para a expansão agrícola e a expansão da ocupa-ção humana pelas cidades e complexos

Tabela 1 – Principais metrópoles brasileiras.Déficit habitacional e moradias em favelas, 2000

Fonte: Plano de Ação em Habitação, Saneamento e Mobilidade nas Metrópoles em Risco, MCidades/IPPUR – Observatório da Metrópole, 2004. Dados Base: Fundação João Pinheiro; IBGE, 2000.

São PauloRio de JaneiroRecifeBelo HorizonteSalvadorFortalezaRIDE BrasíliaBelémPorto AlegreManausCuritiba

Total

17.878.70310.710.5153.337.5654.357.9423.021.5722.984.6892.952.2761.795.5363.718.7781.405.8352.768.394

54.931.805

596.232390.805191.613155.645144.767163.933146.667117.004116.01093.95275.668

2.192.296

9,05,92,92,32,22,52,21,81,71,41,1

32,9

416.143349.18357.723

107.21265.44384.6098.246

130.95153.44739.50542.854

1.355.316

25,221,23,56,54,05,10,57,93,22,42,6

82,1

Metrópoles População Domicílios em favelas

% do total do Brasil

Déficit habitacional

% do total do Brasil

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industriais. A retirada da cobertura vegetal nos diferentes biomas destrói os locais de nidificação e restringe o número de espécies em função das suas necessidades de espaço vital.

4. Destruição do ozônio atmosférico; efeito sinérgico do uso de CFCs – clorofluor-carbonos – em refrigeração e aerossóis e compostos de flúor. O buraco da camada de ozônio nos deixa vulneráveis à radiação ultravioleta, com riscos cancerígenos e mu-tacionais.

5. Erosão, decorrente da retirada da cobertura vegetal e exposição de solos às intempéries (chuvas e ventos), seja para a expansão urbana (obras de terraplenagem, empreendimentos implantados parcialmen-te, etc), seja pela atividade agrícola em so-los frágeis ou com técnicas inadequadas; e, mais recentemente;

6. Perda de fontes de água doce. Causada pela poluição das águas por esgotos domés-ticos e industriais em quantidade superior à capacidade de autodepuração dos rios, e a retirada excessiva de águas dos rios para irri-gação e produção industrial, comprometendo o abastecimento humano. A crise da água foi reconhecida pela ONU mais recentemente, e recoloca o problema da política de preserva-ção e conservação dos mananciais.

As causas básicas desse quadro são a queima de combustíveis fósseis (principal-mente por indústrias, transporte comercial e produção de energia elétrica), uso de re-frigeração, grande produção de resíduos sólidos e líquidos que emanam metano ou são tóxicos, destruição dos solos devido a desmatamento para agricultura e expansão urbana e com alta densidade construtiva e continuidade das áreas impermeabilizadas.

As mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global

Abaixo estão sistematizadas informações fundamentais para o entendimento das mudanças climáticas. São apresentados os principais gases, seu poder de aquecimen-to – PAG – Potencial de Aquecimento Glo-bal ou GWP – Global Warming Potencial, que mede a influência dos gases do efeito estufa – GEE, sobre o efeito estufa natu-ral, incluindo a propriedade da moléculas dos GEE de absorver ou reter calor, o que torna possível comparar a contribuição de cada gás para o aquecimento global.

As emissões também causam a chuva ácida, quando a água pluvial (também sob a forma de neve ou neblina) apresenta pH inferior a 5,0 ao entrar em contato com en-xofre. O dióxido de enxofre é emitido por combustões, olarias, usinas termoelétricas, refinarias de petróleo, usinas de ferro e aço, indústrias de fertilizantes e pelas plantas, sendo as aglomerações urbanas os locais com maiores concentrações industriais.

Nos anos 1990, começam a surgir es-tudos que atestam a presença de poluentes perigosíssimos produzidos a partir do mo-delo capitalista de artificialização de diver-sas dimensões da vida humana e sua trans-formação em mercadorias. Ghiselli (2006) coletou, durante quatro anos, amostras de água bruta e água potável oriundas da sub-bacia do Rio Atibaia, estado de São Paulo, usada para abastecimento público. Encon-trou interferentes endócrinos e produtos farmacêuticos e de higiene pessoal nas águas brutas e nas águas tratadas pelas estações

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de tratamento de água – ETAs. Outros es-tudos científicos encontram recentemente metais pesados utilizados nos anos 1960 e proibidos nos anos 1970, fármacos, hormô-nios, disruptores endócrinos e herbicidas em águas que recebem efluentes de estações de tratamento de esgotos – ETES em diversos locais do mundo (Bueno, 2005a).

A cidade contemporânea (e o território periurbano) é parte ativa das causas da crise ambiental. Ela é o palco do modo de vida voltado para a produção e consumo como principal valor econômico e social.

A cidade, entretanto, não é um ator ou ente social. Ela é uma criação e um produto

social e, como tal, envolve diferentes in-teresses políticos, articulados a interesses sociais e econômicos, a diversos grupos so-ciais detentores de poderes e interesses. Ao mesmos tempo, encontramos situações di-versas e contraditórias. Nos bairros subur-banos dos países desenvolvidos, as janelas não são abertas, o que é negativo para a saúde humana, por conta do ar condiciona-do no verão e do necessário aquecimento no inverno. Os moradores viajam de carro para o trabalho, para a escola ou para o lazer. Esse é sempre associado ao consu-mo – cinemas, teatros, vídeo-games estão loca lizados em centros de compra de bens e

Tabela 2 – Origem e contribuição de emissões para o aquecimento global5

Nome Fórmula Aquecimento global-PAG Origem/Impacto

Dióxido de carbono CO21 Combustões em geral

Uso de combustíveis fósseis – 75%Queimadas – 25%

Metano CH4 11/*21 Pântanos, térmitasArrozais, gado, ventilações de minas de carvão e vazamentos em sistemas de gás natural e refinarias, queima de biomassa, lixo, esgotos, suínos

Óxido itroso N2O 310 Indústria de fertilizantes, emissões de veículosProcessos naturais solos e oceanos e agricultura, queima de biomassa e atividades industriais

CFC-12 CC12F26200 - 7100 Origem artificial

Aerossóis, solventes da indústria eletrônica e resfriadores, embalagens de isoporDestroem a camada de ozônio

HCFC-22 CHCIF21300 - 1400 Origem artificial

Destroem a camada de ozônioPetufluormetano CF4

6500 Origem artificialDestroem a camada de ozônio

Hexafluoreto de enxofre

SF623900 Origem artificial

Destroem a camada de ozônioOzônio O3

O O3 presente na troposfera também age no efeito estufa6

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de alimentação processada industrialmente, também à base de combustíveis fósseis. Se-gundo Condon (2008, p. 6), 24% do CO2 gerado nos EUA é diretamente atribuído a descargas de gases por escapamento de carros e caminhoetes nas estradas e, como um componente de todas as emissões esta-dunidenses, está em crescimento. Isso não inclui contribuições de CO2 associadas ao refino de gasolina, produção dos veículos e construção de estradas para todos esses carros e caminhões. As cidades oferecem uma vida desigual para seus habitantes e usuários, notadamente nos países do ca-pitalismo periférico. Em nossas cidades, a infra-estrutura de saneamento ambiental, energia, comunicações e mobilidade não tem abrangência social universal.

A população mundial está em risco de vida e em contínuo processo de contamina-ção. No mundo todo, as atividades indus-triais estão concentradas em grandes aglo-merados humanos. Essas atividades também lançam material particulado ou poeiras, que causam grande mal à saúde humana e ou-tros impactos. Emitem material particulado os veículos, as refinarias de petróleo, usinas a gás, geração de eletricidade, incinerações, fábricas de cimento, cerâmicas, estufas e fornos a carvão.

Assim, no sistema capitalista, a própria reprodução humana é colocada em risco. O início do terceiro milênio apresenta a tese do aquecimento da Terra primordialmente causado pelo sistema produtivo, uma má-quina de crescimento através da geração da grande necessidade de produtos e mercado-rias de alto custo energético.

A revolução industrial desenvolveu uma série de riscos tecnológicos, cuja peri-culosidade e abrangência foram crescendo

com o parque industrial e as áreas metro-politanas em todo o mundo. O alto consumo energético é um grande propulsor da so-ciedade do risco, termo cunhado por Ulrich Beck em 1992. Os países mais pobres vêm recebendo as tecnologias mais perigosas e poluidoras, o que submete a população das cidades dos países em desenvolvimento a elevados níveis de risco, em comparação aos países desenvolvidos.

Santi et alii (2005), ao estudarem o caso de uma refinaria em região metropo-litana, descrevem o quadro complexo cons-tituído pelas atividades perigosas – refina-rias e dutos, estações de energia térmica e nuclear, plantas químicas e petroquímicas –, ao qual se agregam a exclusão social e as desigualdades, que fazem com que a polui-ção e os riscos afetem, de forma mais grave, as populações mais pobres e marginalizadas que, geralmente, habitam áreas de risco.

O problema ambiental não é um pro-blema enfrentável através somente de alter-nativas tecnológicas mais brandas, limpas, ou menos impactantes.7

Ou seja, trata-se de questionar o modo de produção capitalista, que induz um modo de vida que gera consumismo, com contínua criação de novos produtos a serem produzi-dos no sistema industrial a partir de matérias-primas retiradas do meio natural e injeção de energia, sobretudo de combustíveis fósseis. A redução de resíduos através de mudanças de comportamento, o incentivo à reutilização e a reparos dos produtos industrializados e a reciclagem de produtos inutilizados atra-vés de sua desmontagem e retorno ao ciclo industrial (a política dos 3 erres) diminuem resíduos e gastos energéticos. Essa prática induz a diminuição da produção de produtos novos, o que é frontalmente conflitante com

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o modelo vigente de crescimento da produ-ção para geração de excedentes.

Pode-se afirmar, então, que o princípio da precaução opõe-se frontalmente ao prin-cípio da economia capitalista de investimen-to de risco, minimização de custos através de sua transferências para a sociedade e crescimento da produção e do consumo.

Ao mesmo tempo, a injustiça socioam-biental é estrutural, pois são os mais pobres os mais vulneráveis e mais sujeitos à conta-minação de diversas naturezas.

Efeitos das mudanças climáticas em áreas urbanizadas

A dimensão política fundamental dos efeitos das mudanças climáticas é que as privações e os impactos serão inversamente propor-cionais às emissões históricas. Por isso, a questão ambiental apresenta-se como um conflito intergeneracional, histórico, econô-mico e cultural.

É importante perceber que a responsa-bilidade direta sobre as mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global vem dos complexos industriais e energéticos dos paí-ses industrializados. A grande maioria das emissões de carbono foi lançada no Hemis-fério Norte entre o fim do século XVIII e o começo do século XX nas nações industriali-zadas. As nações em transição vêm aumen-tando suas emissões desde os anos 70, com a expansão das indústrias de bens de con-sumo durável pelas multinacionais e as de base, geralmente estatais. A desejável inclu-são de grandes populações nos confortos do bem-estar social – vida saudável através de

alimentação, energia, água, esgotos, trans-portes, cultura – aumentará a emissão de carbono. Mas, nesses países, como o Brasil, a principal causa de emissão é o desmata-mento para a criação de gado (grande parte para exportação). As nações menos desen-volvidas emitem pouco carbono. Suas popu-lações são as que mais sofrem e sofrerão os efeitos diretos das secas, enchentes e even-tos extremos.

Segundo Tavares (2004), como a con-centração dos gases promotores do efeito es-tufa é espacialmente variável, seus efeitos se-rão mais sentidos entre latitudes subtropicais e médias do hemisfério norte, onde os conti-nentes são mais extensos e estão concentra-dos os maiores núcleos urbanos, os centros industriais do mundo desenvolvido, a pecuá-ria intensiva nos Estados Unidos e na Europa e os arrozais na China, no Sudeste Asiático e na Índia. Na América do Sul, haverá o efeito da depleção das florestas pelo desmatamento e diminuição da oferta hídrica.

Como as mudanças climáticas em curso promovem maior número de eventos extre-mos – furacões e tempestades – e também o aumento do nível dos mares, haverá gran-de impacto no litoral densamente ocupado. Lembramos que grandes metrópoles brasi-leiras encontram-se no litoral, sujeitas, por-tanto a esses impactos.

Tavares explica que

[...] pressões atmosféricas muito bai-

xas, ventos extremamente fortes, agua-

ceiros contínuos, ondas altas invadindo

os continentes e represando as águas

continentais provocam efeitos devas-

tadores, ceifando vidas,8 destruindo

edificações e arruinando a economia.

(2004, p. 65)

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O autor reitera que

[...] grandes enchentes são previsíveis,

porque nas porções planas a jusante,

em vários lugares, a pluviosidade tam-

bém irá crescer e a subida do nível do

mar afogará, progressivamente, as

desembocaduras dos rios, constituindo

um obstáculo para o escoamento das

água pluviais. (2004, p. 73)

Estudos sobre necessidades habitacio-nais demonstram que as áreas com maior número de habitações precárias, insalubres ou em risco encontram-se na beira de córre-gos, mangues e encostas urbanas. Segundo Bueno e Freitas (2007), devido ao adensa-mento populacional nas favelas em função da escassez de moradia acessível, os proje-tos de urbanização de favelas precisam de recursos prévios à sua implantação para re-mover em média 30% das famílias morado-ras. Ao mesmo tempo, há diversos empre-endimentos imobiliários e de infra-estrutura comercial como dutos, portos e aeroportos implantados e em execução na orla, sem consideração pelos efeitos previstos em um horizonte de 20 a 50 anos, período de tem-po bastante sensível em áreas urbanas.

O crescimento da vegetação poderá ser incentivado pelo aumento da oferta de CO2 na atmosfera, um efeito de fertilização. As plantas aumentam a eficiência do uso da água. Tavares afirma que

[...] em todas as circunstâncias em que

houver um aumento do estoque de car-

bono pela vegetação haverá uma ame-

nização no efeito estufa, com a redução

da elevação da temperatura. Todavia, o

acúmulo de carbono pelas plantas tam-

bém poderá declinar caso haja fortes

aquecimentos. (2004, p. 69)

Segundo Tavares:

[...] o aquecimento do globo pode-

rá provocar um aumento da área de

abrangência e maior incidência de doen-

ças provocadas por vetores, como febre

amarela, malária, dengue e esquistos-

somose, que são endêmicas em países

da zona intertropical e se estenderão

para regiões extra tropicais (apud Mar-

tens, 1998). Doen ças das vias respira-

tórias devem diminuir com o aumento

das temperaturas e declínio no núme-

ro de dias frios, mas o calor agravará

os casos de enfermidades do aparelho

circula tório. (2004, p. 73)

A massa de asfalto, telhados e cons-truções da cidade e a expansão contínua do espaço urbano têm criado um tipo de uso e ocupação do território predatório. Em torno das cidades se misturam as periferias caren-tes, ilhas de riqueza dos condomínios e lote-amentos fechados e atividades de interesse econômico como shopping centers, hiper-mercados e pólos industriais, quase sempre dispostos ao longo dos eixos de acessibili-dade rodoviários, com impermea bilização generalizada do solo. Usos rurais de baixa produtividade, chácaras e áreas de lazer – resquícios do cinturão verde – são assoladas pela poluição do ar, por áreas de descarte de resíduos, pelas águas dos córregos e rios contaminados e mortos quando cruzam as cidades.

Nas áreas centrais e subutilizadas, re-sultantes da reestruturação produtiva a partir dos anos 70, há prédios industriais, armazéns, escritórios, residências antigas abandonadas e há redes de infra-estrutura com trechos deteriorados, antiquados e ineficientes, com ligações clandestinas. Há

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dificuldades para remoção de lixo em edifica-ções abandonadas pelos proprietários, áreas escuras e inseguras para pedestres devido à ausência de uso e falta de manutenção das propriedades públicas e privadas.

Somados aos problemas de risco sa-nitário, observam-se os efeitos da ilha de calor com desconforto térmico e enchentes (Bueno, 2007). A partir de diversos auto-res (Mascaró e Mascaró, 2002; Andrade e Romero, 2005; Rogers e Gumuchdjian, 1997; Bueno et alii, 2004), apresentamos os fatores que levam ao fenômeno das ilhas de calor no espaço intra-urbano: a origem e disposição das paredes, pisos, pavimentos e concretos, sua condutividade, capacidade de calor, habilidade em refletir e armaze-nar calor9 (comparando com solo e outras superfícies naturais); a superfície adicional de edifícios altos verticais, que criam novas trocas de energia; a produção de energia “adicional”, gerada por máquinas, veículos e outros sistemas; as alterações no ciclo da água, mudando a evaporação e a transpira-ção com o respectivo uso de energia nesses processos; e a presença da poeira e outros poluentes na atmosfera alterando os proces-sos de troca de radiação de ondas longas.

A b ’ S a b e r ( 2 0 0 4 ) ; R o g e r s e Gumuchdjian (1997) e Mennegat (1998) desenvolvem o conceito de metabolismo urbano para compreensão do processo de urbanização capitalista baseada na indústria de alto consumo de petróleo e seus efeitos. Essa compreensão possibilita refletir sobre formas de restruturação para redefinição da entropia do processo.

Rogers procura demonstrar a possibi-lidade e os pontos-chave para a mudança de

paradigma, com a diminuição das entradas de matéria-prima e energia, aumento da produção interna de alimentos e energia e diminuição dos resíduos que o meio urbano produz e exporta para as áreas rurais e pe-riurbanas.

A possibilidade do meio urbano passar a trabalhar sua própria produção de alimen-tos, energia e ampliar o tempo de vida dos produtos possibilita uma diminuição dos resíduos e amplia as oportunidades de tra-balho produtivo para enormes contingentes populacionais.

Novos paradigmas: sustentabilidade e adaptação

São princípios e diretrizes para a adapta-ção da vida urbana para menores pegadas ecológicas coletivas: a substituição de com-bustíveis e a adoção de fontes renováveis de energia, a eficiência energética, a substitui-ção de matérias-primas, a redução de emis-sões com alto PAG (Tabela 2), de SF6 e HFC e a conservação da cobertura vegetal e dos recursos hídricos.

Como decorrência, os investimentos públicos e privados devem ser apoiados ou rejeitados em função de resultados na dimi-nuição da pobreza, melhoria das condições de vida e redução social da emissões de po-luentes e de controle térmico.

Para garantir vida saudável nas áreas urbanas com segurança, liberdade e confor-to urbano, é preciso reorganizar os modos de vida e, portanto, a produção.

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alimentos

energia

mercadorias

carvão petróleo nuclear

lixos orgânicos(aterro, despejo no mar)

emissões(CO2, NO2, SO2

resíduos inorgânicos(aterro)

lixo orgânicoreciclado

poluição e lixo reduzidos

resíduos inorgânicosreciclado

mercadorias

alimentos

energiarenováveis

Cidades com metabolismo linear consomem e poluem em alto grau

Cidades com metabolismo circular minimizam novas entradas de energiae maximizam a reciclagem

Fonte: Rogers e Gumuchdjian (2004, p. 31).

Figura 1 – Mudanças no metabolismo urbano, segundo Rogers

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As ações possíveis

Apresentamos a seguir propostas para trans-formar a produção do espaço construído, para adaptação às condições ambientais co-locadas. Essas propostas são voltadas para o planejamento e a gestão urbana e para a orientação das políticas públicas relacionadas.

Os planos de ação nas microbacias

Uma das formas mais promissoras pa-ra a incorporação da complexidade da dinâ-mica urbana e periurbana em políticas de recuperação da qualidade ambiental é o de-senvolvimento de planos de ação por micro-bacia. A bacia hidrográfica é um elemento estruturador para projetos de drenagem e de esgotos. Ao mesmo tempo, incorpora as áreas consolidadas, as áreas periurbanas e as áreas rurais de um município ou metró-pole, possibilitando uma visão abrangente e integrada dos problemas, atores e soluções. A integração entre as escalas local e regional tem como elemento estruturador a territo-rialidade da bacia hidrográfica aplicada nas escalas macrometropolitanas e detalhada através das sub e microbacias, até a escala da propriedade agrícola e dos bairros urba-nos. A gestão ambiental municipal e regional apoiada na bacia hidrográfica é capaz de de-tectar e dar respostas adequadas a diferen-tes situações socioambientais existentes no território, conforme os diferentes trechos da bacia. Encontram-se desde nichos ecoló-gicos preservados, atividades agropecuárias na periferia, atividades dispersas de apoio aos centros urbanos, até áreas urbanas de

grande densidade. Cada um desses compar-timentos pode ter áreas contaminadas e de-gradadas que necessitam diferentes ações.

O aprimoramento da gestão ambien-tal nos níveis municipais, com maior rigor e capacitarão, permite que o interesse local tenha reconhecimento na definição da me-lhoria do meio ambiente e despoluição da rede hídrica.

A mudança de século trouxe consigo, em todos os continentes, novas visões pa-ra o tratamento da água no meio urbano, visando seu manejo sustentável. Essa visão ambiental supera a visão higienista, que vê como principal solução o afastamento da água com a canalização dos córregos e ater-ramento de nascentes. As soluções contem-porâneas procuram reter e armazenar as águas da chuva, para retardar os picos de vazão e promover a infiltração da água no solo. Nas cidades ricas dos países desenvol-vidos e mesmo em algumas cidades do capi-talismo periférico, já se executam obras de grande impacto, de descanalização de córre-gos visando maior grau de renaturalização do tecido urbano.

Na cidades, devido à impermeabilização do solo urbano e às redes de afastamento de esgotos incompletas, tem-se uma situa-ção problemática no inverno e no verão. Nas chuvas de verão, há rápido escoamento das águas pluviais para os fundos de vale, com ocorrência de inundações. Sem infiltração das águas no subsolo no período chuvoso, não há recarga dos aqüíferos. No inverno, que tem menor pluviosidade, os cursos d´água apresentam vazões muito baixas, muitos deles recebem somente as águas ser-vidas e esgotos. Assim, há uma quantidade muito baixa de oxigênio, matando toda a vi-da aquática porventura existente.

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Propõe-se a adoção de legislações ur-banísticas exigindo maior permeabilidade e retenção das águas pluviais nos lotes e pon-tos estratégicos do sistema de drenagem, como forma apropriada de controlar os pi-cos de cheia causados por chuvas intensas (Tucci, 1998).

Nas áreas urbanas com microbacias de redes hídricas deterioradas e condições de conforto adversas, geralmente com favelas, serão necessárias obras de intervenção na dinâmica hídrica, para estruturas de estabili-

zação geotécnica e drenagem, equipamentos para afastamento e tratamento dos esgotos, remoção de resíduos sólidos, passagem de veículos e pedestres, área de lazer, esportes e verdes de acesso público. Essas ações – de recuperação ambiental associadas à comple-mentação da urbanização – são necessárias para garantir certa equalização da oferta de infra-estrutura e serviços, qualidade de vida e conforto às diferentes classes sociais.

Os fundos de vale urbanos precisam ser estudados para elaboração de projetos

Figura 2 – Vazão de Pico em urbanização com alta impermeabilização

verão

inverno

Figura 3 – Ciclo hidrológico e o processo de recarga dos aqüíferos

recarga

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de intervenção que tragam maior equilí-brio entre a recuperação e conservação ambiental e a funcionalidade urbana, em relação a mobilidade, salubridade e risco. No Brasil, o Códi go Florestal apresenta uma visão simpli ficadora da questão, ao tratar da mesma forma – geo métrica, através da deli-mitação de áreas de preservação permanen-te, APP10 – os fundos de vale, tão diferentes conforme os biomas, assim como quanto ao grau de integração com as atividades huma-nas, especialmente nas cidades. Mas, na ver-dade, em grande parte de nossas cidades os rios afastam esgotos, têm em suas margens avenidas ou as mais precárias favelas, no caso das capitais e regiões metropolitanas. É necessário ampliar a construção de ETEs em nossas cidades, o que possibilitará a sa-lubridade e o retorno de vida aquática na rede hidrográfica urbana. Mas há também outras ações estruturais e não estruturais que visam a diminuição da poluição difusa e a recuperação da qualidade e quantidade de água no meio urbano.

Junto aos cursos d’água, é necessário ter pontes e ancoradouros, estruturas de estabilização de margens e de acesso para limpeza e desobstrução periódica. Nas suas margens devem estar localizadas estações de bombeamento de águas, elevatórias e de tratamento de esgotos. Além disso, as fai-xas próximas a rios, córregos e lagos têm grande valor paisagístico, sendo propícias ao lazer, descanso e esporte. Portanto, nem sempre uma faixa de vegetação fechada é funcional e adequada no tecido urbano. O uso do solo e o tratamento do curso d’água dessas áreas dependem de cada microbacia, de cada local, de cada projeto – habitação, áreas verdes públicas, equipamentos sociais, etc. Mas para isso é preciso que nossos rios

urbanos deixem de ser canais de afastamen-to de esgotos, como na maioria das cidades e é necessário superar a visão de que o me-lhor lugar para avenida é o fundo do vale (que popularizou as avenidas marginais) e recuperar a capacidade de convívio com a rede hidrográfica. Essas faixas marginais aos cursos d’água passam a ter reconheci-dos seus valores funcionais, sanitários, so-ciais e ambientais de forma integrada no meio urbano.

Urbanização, adequação de assentamentos precários e moradias para o saneamento das cidades

Historicamente, nosso ambiente construído apresenta uma urbanização incompleta – bairros sem pavimentação, vias com erosão, causando assoreamentos dos cursos d’água e dificuldades de acesso aos sistemas de transporte e outros serviços, inexistência de calçadas, lançamento de esgotos nos cursos d’água pelos próprios sistemas oficiais de afastamento de esgotos domésticos, coleta de lixo parcial e com disposição final ina-dequada, escassez de moradia digna e eco-nomicamente acessível, com a formação de assentamentos precários e irregulares. Há necessidade de agilizar o saneamento dos cursos d´água urbanos através de diretrizes específicas para áreas ocupadas por habita-ção de interesse social, à luz dos princípios do Estatuto das Cidades (Bueno 2007).

Os programas nacionais de ampliação das redes de água, esgotos, drenagem e de urbanização de favelas têm um enorme papel estratégico no sentido de implementar

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a separação das águas de chuva dos esgotos domésticos, resolvendo ao mesmo tempo os problemas de saúde pública e os de contami-nação da rede hídrica.

Além disso, reforçando-se o enfoque ambiental, há impactos diretos na sustenta-bilidade socioeconômica,11 pela geração de atividades econômicas voltadas para mão-de-obra técnica ou de pouca qualificação. Abelardo Oliveira Filho, em palestras reali-zadas em 2006, apresentou dados sobre a ampliação dos recursos12 aplicados para sa-neamento e habitação no país desde 2004, que já fizeram crescer os empregos na cons-trução civil, que tinham sofrido a diminuição de 54.800 empregos formais em 2003 para um aumento de 50.000 em 2004, 85.000 em 2005 e 118.000 em 2006.

O controle da expansão urbana

É necessário criar e disseminar a cultura da cidade compacta e sustentável. Para isso, é necessário13 proteger as áreas verdes em sentido amplo (produção agrícola, parques, clubes de campo, hotéis, sítios naturais, ma-nanciais e áreas ecologicamente sensíveis); alcançar o adensamento ou compactação da área metropolitana: reduzir o espraiamento dirigindo o crescimento populacional para as áreas urbanas já existentes; construir co-munidades completas: com foco nos centros locais das cidades, oferecendo à população maiores oportunidades para trabalhar, com-prar e ter acesso a serviços mais perto dos lugares onde mora; e aumentar as escolhas de transporte para reduzir a dependência de circulação ao carro individual, encorajando alternativas.

Uma das formas de impedir a expan-são dos loteamentos irregulares próximos às unidades de conservação é, além da fisca-lização eficaz e justa, a criação da oferta de residências mais acessíveis próximas a atividades de emprego e renda, com pou-cos gastos em transporte urbano, ou seja, ao centro urbano (que trataremos adiante). Nesses projetos, as atividades de participa-ção e educação sanitária e ambiental são in-tegradas e associadas a informações sobre direitos e deveres dos moradores, usuários, comerciantes e do poder público.

As áreas periurbanas das cidades mé-dias, grandes e das metrópoles têm trans-formado seu papel na exploração capitalis-ta. As estradas e avenidas são voltadas ao automóvel individual e ao transporte de mercadorias just in time, o que dificulta a circulação do sistema de transporte coletivo, dos pedestres e ciclistas. Os acostamentos, defensas e taludes de estradas, viadutos e passarelas são projetados sem considerar sua existência. As áreas rurais de produção agrícola próximas à área urbana são apro-priadas pelo mercado da grande empresa, seja para bairros fechados, grandes centros de compras, que reforçam o uso do automó-vel, ou loteamentos populares e conjuntos habitacionais dos quais a população pobre se encontra segregada.

Entretanto, os serviços ambientais es-tratégicos são mais eficazmente prestados por essas áreas periurbanas e rurais. Por isso devem manter baixa densidade cons-trutiva e implantação de usos agrícolas mistos: portes diferentes da arborização – para dimi nuir as velocidades dos ventos em quadran tes determinados para níveis desejá-veis – reflorestamento, produção de hortali-ças e frutas, a criação de ETEs sob a forma

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de wetlands e parques públicos, clubes de

campo, etc. O uso habitacional deve ser o

relacionado às pessoas que trabalham nas

atividades locais. Os loteamentos e condo-

mínios fechados ilegais devem ser cobrados

monetariamente por reparações e compen-

sações ambientais e, em alguns casos, ser

demolidos. O Estatuto da Cidade (lei federal

10257/2001) consagra a cidade sustentável

social e ambientalmente, considerando as-

sim a necessidade de saneamento ambiental,

mobilidade e moradia nas áreas urbanas dos

municípios brasileiros. A regularização fun-

diária de interesse social tem suas repara-

ções subsidiadas pelo poder público. No caso

do impacto causado por setores que teriam

condições econômicas de adquirir seus bens

no mercado imobiliário legal e não o fize-

ram, é cabível o ressarcimento à sociedade,

dentro de regulações.

É necessário transformar a concep-

ção das ações de arquitetura, urbanismo e

engenharia urbana em áreas centrais e pe-

riurbanas da cidade contemporânea para

recuperar a saúde humana e universalizar o

conforto atual para o qual a humanidade já

conseguiu desenvolver tecnologias.

A cidade compacta é o caminho para

fazer frente a diversos dos problemas am-

bientais citados acima, sobretudo a perda de

fontes de água, eventos climáticos extremos

e aquecimento da Terra.

Assim, é necessário valorizar as ações

de adensamento populacional no centro, de

forma integrada a outra frente de trabalho

para a melhoria das condições de vida, com

a recuperação da periferia, a adequação das

favelas e remoção das residências que estão

em áreas de risco.

A arborização urbana

Como forma de prevenção dos efeitos das mudanças climáticas globais, especialmente nos litorais, a arborização deve ser incenti-vada nas áreas urbanas, com espécies de di-ferentes portes, para reduzir a energia dos ventos e temporais. Devem ser incentivadas leis e programas de Arborização Urbana em grande escala – calçadas, escolas, outros equipamentos públicos e propriedades priva-das – e faixas permeáveis para calçadas com largura acima de 2,5 metros. A vegetação, independentemente das espécies desenvol-vidas, reduz o calor do ambiente e absorve carbono.

Os centros urbanos de diversas cidades brasileiras usufruem ainda hoje de diversos bairros arborizados e, portanto, confortá-veis e ao mesmo tempo retentores de emis-sões de gases do efeito-estufa – GEE. Esses locais devem ser estudados, recuperados e replicados nos projetos de reabilitação. Nos espaços públicos, calçadas com largura su-perior a 2,5 metros ou com terrenos lin-deiros com recuos, devem ser arborizadas. Os projetos de áreas livres devem integrar a vegetação arbórea e arbustiva com os efei-tos de teto, túneis, arcadas e para dar escala humana e vedação. Em áreas centrais, com estacionamentos rotativos de veículos, esses devem ser visitados, cadastrados e os pro-prietários orientados a apresentar um plano de arborização e de drenagem (Moretti e Nishihata, 2006). A introdução de vegeta-ção arbórea e arbustiva nas vias e logradou-ros públicos de uso intenso deve ser proje-tada com participação dos proprietários ou inquilinos das atividades econômicas e com

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os moradores, e pode estar associada à re-cuperação das calçadas e travessias, pátios e estacionamentos públicos e privados.

Requalificação das áreas centrais

As áreas centrais devem ser readensadas com a introdução do uso habitacional, utili-zando-se a criação de ZEIS, zonas especiais de interesse social, e empreendimentos de uso misto, de forma a diminuir a pressão pela urbanização das áreas rurais. Nos pro-jetos de requalificação de áreas centrais, deve-se utilizar tratamento bioclimático das fachadas e coberturas, incluir estruturas de retenção de água e energias renováveis, for-mas de economia de energia e água e facili-dades para separação e remoção de resíduos sólidos, tornando as atividades e econômicas e a moradia atividades de baixo impacto. Nessas áreas, as reformas produzirão muito

entulho, o que deve ser incorporado no pla-nejamento e projeto da intervenção.

Ao mesmo tempo, a preponderância de projetos de habitação de interesse social e de habitação popular nos projetos de reabi-litação, aplicada em diversos países desde os anos 70 e agora também no Brasil, será um fator de diminuição e reversão futura da ex-pansão das cidades para as áreas protegidas e fundamentais para a sobrevivência huma-na com justiça social e ambiental.

A reciclagem de entulho

As matérias-primas dos materiais de cons-trução são retiradas de forma impactante da natureza – areia, pedra, argilas, metais, etc. – e é utilizada grande carga energé-tica para a sua produção – cimento, tijo-lo, telhas e outros elementos cerâmicos. Além disso, utilizam-se madeiras, para canteiro e acabamentos, além de diversos

Figura 4 – O ciclo industrial

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subprodutos da indústria petroquímica. As usinas de reciclagem de entulho para pro-dução de bases para materiais para cons-trução civil são fundamentais, pois geram empregos para pessoas com pouca escola-ridade e contribuem para diminuir o lança-mento em locais ambientalmente sensíveis e nos aterros sanitários. A implantação de usinas de reciclagem deve ser inserida nas operações de requalificação de cidades. As adaptações geram demolições e trocas de solos. Esses materiais não precisam ir na totalidade para os aterros sanitários ou bo-ta fora, geralmente nas áreas periurbanas. Os volumes devem ser diminuídos ao máxi-mo, com a separação no canteiro de obras e destinação para diferentes recicladores (agregados, madeiras, metais, tubulações, papel e papelão).

Comprovadamente, as organizações sociais urbanas para coleta, separação e re-ciclagem de lixo têm possibilidade de agre-gar associações e cooperativas de catadores para a inserção social. Atualmente, discute-se a criação da profissão de agente ambien-tal para essa atividade.

Os resíduos sólidos

Os principais geradores de resíduos são as atividades industriais e os centros comerciais.

A exigência de separação e reciclagem dentro do processo produtivo14 é funda-mental para criar condições econômicas de comercialização dos materiais recicláveis como matéria-prima, diminuindo a pressão sobre o recursos naturais não renováveis.15 Para isso, é preciso que o país crie uma polí-tica de garantia de preços para os reciclado-res, fazendo com que a matéria-prima reci-

clada seja mais barata para o industrial que a retirada da natureza pela primeira vez.

Conforme se analisa na Figura 4, ve-rifica-se a necessidade de engajamento de todo o sistema socioeconômico na reorga-nização do metabolismo urbano industrial, através de incorporação de sistemas econo-micamente viáveis de reparo, remanufatura e reciclagem.

O esquema explicita as oportunidades existentes para a aplicação da política de redução de retirada de matérias-primas do meio natural e aumento do ciclo de vida dos produtos. Através dele, podem-se também observar as fases que proporcionam ativi-dades a um maior número de trabalhadores de nível médio ou de pouca qualificação, em contraste com a automação industrial.

Quanto ao lixo doméstico, as soluções de tratamento adequado dos resíduos sóli-dos orgânicos para produção de gases trans-formados em energia elétrica para consumo urbano-industrial já são aceitas no Mecanis-mo de Desenvolvimento Limpo – MDL.16

Mas há um passo básico que depende do acesso e da universalização do sanea-mento e da educação para a cidadania, que é a separação dos resíduos pelos moradores, a coleta eficiente e a implementação de uma rede para reintrodução dos materiais no sis-tema industrial.

O transporte urbano

Entende-se fundamental procurar construir processos de produção do espaço urbano com mais justiça social e sustentabilidade. Um dos maiores desafios é como será pos-sível que a mobilidade urbana seja univer-salizada com menor pegada ecológica. Essa

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necessidade é completamente antagônica ao stablishiment, que hoje associa mobilidade a privilégio de ter a propriedade do carro.

Segundo estudo da Associação Nacio-nal de Transportes Públicos – ANTP – em 2005, o GEP – Grama Equivalente de Pe-tróleo – do transporte coletivo urbano no Braisl era de 83GEP/habitante dia, enquanto que o do transporte individual era de 242 GEP/habitante/dia.17 Assim, é óbvio que qualquer melhoria no sistema de transpor-tes públicos, especialmente nas cidades mé-dias, grandes e metrópoles, tem um impacto enorme no lançamento de poluentes.

O transporte, especialmente o urbano, tem grande potencial para os MDL, devido à possibilidades de controle do desperdício de energia, do aumento da poluição e das possibilidades de uso de combustíveis lim-pos. Na área de transportes urbanos, o de-senvolvimento e o planejamento de um sis-tema público de transportes de passageiros, com utilização de combustíveis menos po-luentes, desenvolvimento e implementação de sistemas de gerenciamento de tráfego, criação de facilidade para o uso de transpor-te não motorizado, elaboração de políticas de planejamento e uso do solo e adoção de políticas voltadas para o gerenciamento da mobilidade são oportunidades de uso do MDL já reconhecidas.

A gestão urbana

Em paralelo a uma melhoria concreta nas condições de vida, os assentamentos de interesse social que têm recebido obras de urbanização continuam a adensar devi-do à ausência de alternativas de moradia,

muitas vezes com a deterioração daquelas

melhorias. Devido à falta de integração

das políticas setoriais, apesar das obras

de adequação, mantém-se a falta de trata-

mento de esgotos, a precária coleta e des-

tinação final do lixo. Os serviços de manu-

tenção e controle urbanos continuam quase

sempre inexistentes em muitas áreas que

foram atendidas. Assim, esses programas

nem sempre têm representado uma me-

lhoria contínua das condições ambientais

das cidades onde os assentamentos estão

inseridos.

A pressão macroeconômica para o cor-

te dos gastos públicos provocou retrocessos

nas metas de universalização em diversos

serviços públicos urbanos. Há ainda resis-

tência da máquina pública à concretização

dos direitos à cidade e à moradia. Isso é

perceptível pela quase ausência de ZEIS nas

leis de uso e ocupação do solo e das exigên-

cias de alto custo social, econômico e social

geradas pela burocratização da regulariza-

ção fundiária e urbanística, tornada lei pelo

Estatuto das Cidades, mas ainda com resul-

tados de pouca abrangência social. A regula-

rização fundiária urbanística e ambiental co-

mo atribuição municipal deve ser embasada

em avanços visíveis nas ações acima em cada

município especificamente, através de defi-

nição legal de exigências a serem reconheci-

das pelos entes federais e estaduais.

É necessário um esforço de toda a so-

ciedade organizada para cobrar do poder

público municipal a qualificação da adminis-

tração pública relacionada ao planejamento

e gestão do território.

A gestão municipal plena somente se

concretiza com processos ativos de partici-

pação e controle social, que possibilitam a

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transparência no processo de licenciamento

de atividades privadas e na decisão sobre as políticas, projetos, obras e legislação municipal.

A prefeitura tem obrigação de consti-tuir um sistema de informação e um cadas-tro multifinalitário com atualização perió-dica dos dados sobre os terrenos privados, logradouros e outras áreas públicas, uso e ocupação do solo urbano e rural e criação de uma base para fiscalização e para uma política tributária.

A gestão municipal precisa maior con-trole sobre as finanças municipais. Isso é possível com a criação de mecanismos de ar-recadação municipal através da recuperação para o interesse público da valorização das propriedades privadas gerada pelas políticas e obras públicas e da riqueza gerada pelas atividades privadas em seu território. Dessa forma, será constituído um poder municipal que tenha relativa autonomia em relação aos poderes estaduais e federal.

O Plano Diretor municipal precisa con-ter uma visão do futuro que a população reconheça e com a qual se identifique, bem como objetivos e metas relacionadas a in-dicadores claros e períodos de tempo de-terminados e a definição de uma estrutu-ra institucional de planejamento. Somente dessa forma será possível que a Câmara Municipal e outros mecanismos de controle social tenham condição de verificar sua efe-tiva implementação.

As iniciativas locais e mundiais de revi-são dos paradigmas para enfrentamento das mudanças climáticas são ainda de pequeno impacto positivo.

Na América Latina, o ICLEI18 (Local Govenments for Sustanaibility, Cities for Climate Protection) tem 37 membros, en-tre eles 13 brasileiros: Belo Horizonte, Be-tim, Curitiba, Palmas, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Santo André, Santos, São João de Meriti, São Paulo, Secretaria do Meio Am-biente do ESP, Vitória e Volta Redonda.

Para associar-se, a cidade tem que apresentar uma avaliação das emissões re-lacionadas às mudanças climáticas geradas pela cidade, diferenciando-se o setor produ-tivo privado, os órgãos e serviços públicos, notadamente resíduos sólidos e transporte. Deve também propor ações para reduzir emissões de GEE, como a implementação de programas do ICLEI como aquisições públi-cas sustentáveis, praticar eficiência energé-tica, gestão integrada de resíduos sólidos, transporte sustentável (Macedo, 2004).

A estrutura de gestão pública, geral-mente presente no espaço urbano central, através das sedes de gestão e prestação de serviços públicos, edificações históricas transformadas em escritórios, museus e locais turísticos, tem grandes possibilida-des de diminuição do impacto ambiental do centro. É possível quantificar e revisar o uso da energia elétrica19 para iluminação dos edifícios e espaços públicos, diminuir o uso da água,20 modificar a matriz energéti-ca de equipamentos e introduzir elementos de arquitetura e urbanismo bioclimáticos (também chamados green architecture e eco-urbanismo). É também considerada a reorientação das compras de bens e servi-ços para fornecedores que apresentem pro-dução sustentável.

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Notas

(1) Disponível em: www.ipcc.ch

(2) Climatólogo do INPE e do grupo do IPCC em palestra no Congresso Internacional Desafios e Perspectivas do Desenvolvimento Sustentável, em Campinas de 26 a 28 de maio de 2007.

(3) Procuramos desenvolver hipóteses para pesquias experimentais que possam se contrapor aos cenários tendenciais sombrios. Com esse intuito trabalhamos, especialmente no item “Novos paradigmas: sustentabilidade e adaptação”. Há, entretanto, uma limitação que obviamente se relaciona à contradiçao de que nos encontramo em processo mundial de ampliaçao das formas de exploraçao do trabalho e da própria da vida humana, e não o oposto.

(4) Disponíel em: www.unep.org/Documents.Multilingual

(5) A partir de 3º Report IPCC, Tavares, 2004 e III Conferência regional sobre mudanças glo-bais. América do Sul, São Paulo, 2007.

(6) O ozônio–O3 também pode ser originado de fontes antropogênicas através da produção de CO2 e CH4, como a queima incompleta de combustíveis fósseis e biomassa e indire-tamente pelo metano produzido pela pecuária e rizicultura (Tavares, 2004). A Convenção do Clima teve como primeiro objetivo a estabilização do buraco da camada de ozônio. “Há 35% mais de ozônio a 45º N do que a 45º S na média troposfera em razão da queima de combustíveis fósseis na Europa e América do Norte. ..... Na América do Sul, por vezes, os valores do O3, na primavera, são quase tão altos quanto no hemisfério norte, em virtude das queimadas que ocorrem principalmente no Centro-Oeste” (Tavares, 2004, p. 59).

(7) Alguns confortos criados pela indústria tornam-se necessidade, mas causam perigosos efei-tos. Um relatório divulgado em 2007 pelo PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, confirma que alguns produtos químicos produzidos nos últimos anos para proteger a camada de ozônio podem acelerar o fenômeno do aquecimento da terra.

(8) Lembramos que o ciclone de Bangladesh, de 1991, causou a morte de 125.000 pessoas. O tsunami, de 2003, causou mais de 230.000 mortes.

(9) No desempenho térmico devem ser considerados o ângulo do fator de céu visível, a co-bertura vegetal, a cor e textura das fachadas e a relação de cheios e vazios do recinto urbano.

(10) A legislação define faixas marginais ao longo do cursos d´água independente da extensão e forma da bacia, do talvegue, do leito maior, do bioma e de estar em área urbana ou rural.

Laura Machado de Mello BuenoArquiteta urbanista, mestre e doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Uni-versidade de São Paulo, em Estruturas Ambientais Urbanas. Professora da Faculdade de Ar-quitetura e Urbanismo e do Mestrado em Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Líder do Grupo de Pesquisa Água no Meio Urbano (São Paulo, Brasil). [email protected]

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(11) Com a ampliação dos subsídios para habitação, pode haver um grande campo para organi-zação de empresas e cooperativas para produção e comercialização solidária de moradia. A história registra apenas a existência de experiências solidárias para prestação de serviços de projeto e acompanhamento técnico de obras por assessorias técnicas organizadas co-mo ongs ou osips, e mutirão entre os próprios atendidos. Muitos desses grupos tentaram profissionalizar-se na área da construção civil, sem êxito.

(12) Houve um aumento do número de atendimentos habitacionais para renda de até 3 salários mínimos de 16% para 60% de 2003 para 2006. O FGTS, que se encontrava congelado pa-ra empréstimos para entidades públicas de saneamento, aumentou seus investimentos em saneamento e infra-estrutura de 222 milhões de reais em 2002, para 1,99 bilhão em 2004. Disponível em: www.cidades.gov.br Secretaria Nacional de Saneamento, consultado em junho de 2006, na palestra do eng. Abelardo Oliveira Filho, Secretário Nacional de Sanea-mento do Ministério das Cidades, na FAU PUC Campinas, em 12 de setembro de 2006.

(13) Essas diretrizes baseiam-se na experiência canadense, em especial Vancouver, onde o Li-vable Region Strategic Plan vem sendo implantado desde 1997 através do GVRD Greater Vancouver Regional District.

(14) Não se nega, entretanto, a necessidade do enfrentamento da questão do modelo energético e industrial voltado para o aumento da produção e consumo. Fritjof Capra propõe, por exemplo, que os bens de consumo passem a ser alugados e não comprados pelos usuários, de forma que o descarte e a atualização dos modelos onerem a indústria produtora e não o cidadão e o poder público. O Fórum Social Mundial congrega diversas propostas para reorganização do modelo de produção e poder. Após a onda neoliberal dos anos 1980, populações de muitos países desenvolvidos se organizam para reconstruir as políticas de bem-estar social.

(15) E também a quantidade de energia consumida. O setor industrial é o principal consumidor de água e de energia, seguido dos usos residenciais e agrícolas.

(16) O Protocolo de Kyoto abriu possibilidades para acesso a recursos financeiros vindos da venda de projetos MDL (Mecanismos de Desenvolvimento Limpo para aquisição de crédi-tos de carbono) a grandes emissores públicos e privados dos 15 países que têm obrigação de diminuir as próprias emissões.

(17) Disponível em: www.antp.org.br

(18) Essa entidade ligada à ONU e lidera a Campanha Cities for Climate Protection. O escritório para a América Latina localiza-se no Rio de Janeiro. Disponível em: www3.iclei.org/lacs

(19) Desde 1998, o Brasil tem a Rede Cidades Eficientes em Energia Elétrica, iniciativa da Eletro-brás, pelo Procel (Programa de Conservação de Energia Elétrica) e Ibam (Instituto Brasileiro de Administração Municipal).

(20) A Sabesp desenvolve, para instituições públicas, o PURA – Programa de uso racional da água, com ganhos econômicos efetivos para os consumidores através de definição de re-forma de instalações e troca de equipamentos.

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Referências

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reflexões sobre o futuro da sustentabilidade urbana com base em um enfoque socioambiental

cadernos metrópole 19 pp. 99-121 10 sem. 2008

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Recebido em mar/2008Aprovado em maio/2008

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Agradecimentos à PUC Campinas pelo apoio à pesquisa.