Reforço à Flexão de Vigas Em Concreto Armado Pelo Acréscimo de Altura Na Região Comprimida

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Reforço à flexão de vigas em concreto armado pelo acréscimo de altura na região comprimida, utilizando-se concreto de alta resistência 1. Introdução Detectada a necessidade de ampliação da capacidade portante de um elemento estrutural, o passo seguinte é a definição da técnica de reforço que mais se adapta às condições arquitetônicas e de utilização inerentes à edificação onde este elemento estrutural está inserido. No caso do reforço à flexão em vigas de concreto armado, várias são as técnicas atualmente disponíveis no mercado, sendo que, basicamente, o reforço pode ser feito com ou sem alteração da seção transversal do elemento estrutural. Adição de chapas ou perfis de aço, folhas ou barras de fibra de carbono ou, até mesmo, um acréscimo de armadura de tração são soluções que não alteram, em demasia, a seção transversal do elemento. Entretanto, muitas vezes, a opção para o reforço pode ser a de incremento da seção transversal da viga, seja na largura, seja na altura. O reforço à flexão com incremento da altura da viga, acrescentando-se camadas de concreto à viga parcialmente ou totalmente descarregada, é muito eficiente, de rápida execução e de baixo custo. Esse acréscimo de altura pode se dar na região comprimida ou na região tracionada da viga. Em casos particulares, o acréscimo de altura, na região comprimida da viga, é limitado à altura disponível no contrapiso da edificação, ficando o reforço imperceptível após sua execução e não gerando incômodos em relação à utilização normal do ambiente em que a viga esteja localizada. Em edificações usuais, essa altura do contrapiso não ultrapassa 5 centímetros, valor de incremento relativamente pequeno, se pensarmos em sua execução com concreto de resistência usual. Entretanto, ao empregarmos concreto de alta resistência à compressão, o resultado obtido pode ser plenamente satisfatório, mesmo com tão pouca altura da camada de concreto de reforço. Nesse trabalho, é proposta, e avaliada experimentalmente, uma técnica de reforço à flexão de vigas de concreto, com acréscimo de pouca altura na região comprimida, utilizando-se concreto de alta resistência.

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Reforço à flexão de vigas em concreto armado pelo acréscimo de altura na região comprimida, utilizando-se concreto de alta resistência

1. Introdução

Detectada a necessidade de ampliação da capacidade portante de um elemento estrutural, o

passo seguinte é a definição da técnica de reforço que mais se adapta às condições

arquitetônicas e de utilização inerentes à edificação onde este elemento estrutural está

inserido.

No caso do reforço à flexão em vigas de concreto armado, várias são as técnicas atualmente

disponíveis no mercado, sendo que, basicamente, o reforço pode ser feito com ou sem

alteração da seção transversal do elemento estrutural. Adição de chapas ou perfis de aço,

folhas ou barras de fibra de carbono ou, até mesmo, um acréscimo de armadura de tração

são soluções que não alteram, em demasia, a seção transversal do elemento. Entretanto,

muitas vezes, a opção para o reforço pode ser a de incremento da seção transversal da viga,

seja na largura, seja na altura.

O reforço à flexão com incremento da altura da viga, acrescentando-se camadas de concreto

à viga parcialmente ou totalmente descarregada, é muito eficiente, de rápida execução e de

baixo custo. Esse acréscimo de altura pode se dar na região comprimida ou na região

tracionada da viga.

Em casos particulares, o acréscimo de altura, na região comprimida da viga, é limitado à

altura disponível no contrapiso da edificação, ficando o reforço imperceptível após sua

execução e não gerando incômodos em relação à utilização normal do ambiente em que a

viga esteja localizada.

Em edificações usuais, essa altura do contrapiso não ultrapassa 5 centímetros, valor de

incremento relativamente pequeno, se pensarmos em sua execução com concreto de

resistência usual. Entretanto, ao empregarmos concreto de alta resistência à compressão, o

resultado obtido pode ser plenamente satisfatório, mesmo com tão pouca altura da camada

de concreto de reforço.

Nesse trabalho, é proposta, e avaliada experimentalmente, uma técnica de reforço à flexão

de vigas de concreto, com acréscimo de pouca altura na região comprimida, utilizando-se

concreto de alta resistência.

2. Programação experimental

Foram analisadas, experimentalmente, três vigas de concreto armado. Inicialmente, duas

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vigas, com 15 cm de largura, 20 cm de altura e resistência à compressão do concreto de 35

MPa, foram executadas (Figura 1).

A armadura longitudinal das vigas foi constituída por três barras de 20,0 mm de diâmetro, de

aço CA50 - A, tensão de escoamento, fy , de 515,8 MPa, deformação de início de escoamento,

εy, de 2,6 � e módulo de deformação longitudinal, Es, de 202,0 GPa. A armadura transversal foi

constituída por estribos verticais de 6,3 mm, de aço CA60, posicionados a cada 12,5 cm, fy =

635,4 MPa, εy = 5,2 � e Es = 202,4 GPa.

As vigas reforçadas foram dimensionadas de maneira que a região comprimida, na situação

última, ficasse restrita ao concreto de alta resistência.

Decorridos 28 dias da data de concretagem, uma das vigas foi preparada para o acréscimo

de altura na região comprimida, com uma camada de 5 cm de concreto com resistência à

compressão de 75 MPa (Figura 2). Essa viga foi denominada, nesse trabalho, de VR-PÓS.

A viga foi perfurada ao longo de sua altura para introdução da armadura transversal de

conexão, que permitiu a ligação da armadura transversal já existente com a nova camada de

concreto de reforço. O furo transversal possuía diâmetro e profundidade conforme o

estabelecido pelo CEB (1983). Foi dimensionado de forma que a barra transversal de

conexão fosse corretamente ancorada, no concreto da viga já executada, com o emprego do

adesivo epóxico, o EUCOPOXY 227, da Holdercim S.A.

Finalizados os procedimentos de execução da armadura transversal de conexão, a camada

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de concreto de alta resistência foi executada. Essa camada foi lançada na face superior da

viga sem que nenhum adesivo fosse empregado para incremento de aderência entre os dois

concretos: o novo, de alta resistência, e o velho, de resistência usual.

Finalizado o procedimento de reforço na VR-PÓS, foi executada uma outra viga, a VR-PRÉ,

com as mesmas características geométricas e de armadura da outra viga, a VR-PÓS. Essa

viga foi executada em uma única etapa, com a camada de concreto de alta resistência sendo

lançada logo após o término do lançamento do concreto de resistência usual, ou seja, a viga

VR-PRÉ foi executada em uma única etapa de concretagem (Figura 3).

Desse modo, as vigas foram ensaiadas e a eficiência da técnica de reforço proposta foi

analisada, tanto em relação ao incremento de resistência à flexão, quanto em relação à

eficácia dos procedimentos de ligação entre as camadas de concreto executadas.

Nessa análise, os resultados de ensaio da viga VT foram considerados como os de uma viga

sem reforço, os resultados da viga VR-PÓS representaram os resultados da mesma viga VT,

após o reforço, e os resultados da viga VR-PRÉ representaram o padrão de comportamento

esperado para a viga reforçada, VR-PÓS, sem a interferência de prováveis falhas no

procedimento de ligação proposto, entre as camadas de concreto novo e velho.

É importante observar que a armadura transversal das vigas foi dimensionada para que a

mesma fosse fortemente solicitada para carregamentos próximos ao que corresponderia ao

início de escoamento da armadura longitudinal, de maneira que a ligação entre as camadas

e, consequentemente, os procedimentos de ligação adotados, fossem analisados de forma

efetiva.

O carregamento nas vigas foi composto por duas cargas concentradas aplicadas a 75 cm de

cada extremidade, conforme Figura 4. Nesses ensaios, o incremento de cargas foi de,

aproximadamente, 5 kN. O panorama de fissuração das vigas ensaiadas ficou evidenciado na

superfície das mesmas (demarcação das fissuras).

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Nas armaduras, em pontos de interesse, foram instalados extensômetros elétricos de

resistência, de maneira a se obter um controle da evolução das tensões nas armaduras

durante o ensaio. Foi instalado, também, um defletômetro no meio do vão das vigas, a fim de

se conseguir um melhor controle da evolução dos deslocamentos verticais máximos dessas

vigas.

3. Resultados dos experimentosA seguir, na Tabela 1, os resultados finais obtidos, após os ensaios das vigas, estão

apresentados. Nessa tabela, Mu teórico corresponde ao momento teórico calculado de acordo

com os procedimentos da Associação Brasileira de Normas Técnicas: NBR 6118 (2007). Nas

vigas reforçadas, o momento último teórico corresponde à situação última correspondente ao

escoamento da armadura longitudinal e à ruptura do concreto na região comprimida

(domínio 3), com a região comprimida da viga restrita ao concreto de alta resistência. Na

viga de referência, a situação última teórica correspondeu à ruptura do concreto com

armadura longitudinal não escoando (domínio 4).

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Ainda na Tabela 1, ρw refere-se à taxa real de armadura transversal das vigas e ρw

Morsch refere-se à taxa de armadura transversal de acordo com a teoria da Treliça Clássica.

A cortante teórica apresentada na Tabela 1 é a correspondente ao momento teórico

calculado como descrito. Vale observar que esse valor de cortante está abaixo do valor

último teórico calculado de acordo com os procedimentos de norma, pois, conforme já

colocado anteriormente, essa armadura foi dimensionada para que a mesma fosse

fortemente solicitada para carregamentos próximos ao que corresponderia ao início de

escoamento da armadura longitudinal, de maneira que a ligação entre as camadas e,

consequentemente, os procedimentos de ligação adotados fossem analisados de forma

efetiva. Com base em resultados anteriores de outros trabalhos sobre cisalhamento

executados, a taxa de armadura transversal adotada, para que esse objetivo fosse

alcançado, correspondeu à metade da taxa de armadura transversal calculada de acordo

com os procedimentos da analogia de Treliça Clássica de Morsch.

Do mesmo modo, os valores de momentos fletores obtidos experimentalmente,

apresentados na Tabela 1, são correspondentes ao início de escoamento da armadura

longitudinal de flexão, com Vexp correspondente ao esforço cortante equivalente a esse

momento.

Em todas as vigas, a ruptura ocorreu por força cortante - flexão, com escoamento das

armaduras longitudinal e transversal, seguido pela ruptura do concreto da região comprimida

na extremidade da fissura de cisalhamento, que evoluiu até o ponto de aplicação do

carregamento, conforme se observa na Figura 5.

As Figuras 6 e 7 ilustram, respectivamente, a evolução das tensões na armadura longitudinal

e os deslocamentos verticais máximos, em função do esforço cortante no apoio das vigas

analisadas.

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4. Análise dos resultados e conclusões

Pela Tabela 1, nota-se que a viga reforçada, de acordo com os procedimentos propostos

nesse trabalho, teve sua capacidade resistente à flexão incrementada de, aproximadamente,

46 % .

A diferença entre os momentos últimos, teórico e experimental, obtida para a viga reforçada

deveu-se ao fato de a armadura transversal, nessa viga, ter escoado antes da armadura

longitudinal, reduzindo a capacidade resistente à flexão esperada para tal viga reforçada. No

caso dessa viga, o reforço à flexão deveria ter sido acompanhado por um reforço ao esforço

cortante. Se assim fosse feito, certamente, o momento último experimental teria se

aproximado do valor teórico esperado (escoamento da armadura longitudinal).

Pelas Figuras 6 e 7, nota-se que o comportamento da viga VR-PRÉ foi idêntico ao

comportamento da viga VR-PÓS, tanto em relação à evolução das tensões na armadura

longitudinal, quanto em relação à evolução dos deslocamentos verticais. Esse fato pode

sinalizar uma adequação dos procedimentos, propostos nesse trabalho, de ligação entre

concreto novo/velho e de ancoragem da armadura transversal de conexão.

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Por fim, pode-se concluir, com base nos resultados obtidos, que o método de reforço

proposto, onde uma camada de pequena altura de concreto de alta resistência à compressão

foi adicionada ao banzo comprimido de uma viga de concreto armado, é eficiente. Mostrou-

se, portanto, viável a retirada de eventual camada de piso e contrapiso sobre uma viga de

concreto e a substituição daquela camada de concreto de alta resistência à compressão.

Contudo, resta observar que tais níveis de eficiência, no incremento de capacidade portante

à flexão, utilizando a técnica proposta neste trabalho, só se tornam possíveis com a garantia

de adequada aderência entre as camadas de concreto novo e velho. Eventual falha de

aderência acarretaria uma movimentação relativa entre as camadas de concreto novo e

velho, fato que invalidaria os modelos teóricos existentes de dimensionamento de estruturas

em concreto armado.

A aderência entre as camadas de concreto velho e concreto novo - de alta resistência - foi

garantida nesse trabalho pela adição de sílica ativa ao concreto novo e pela escarificação e

limpeza superficial da face da viga, onde tal camada seria lançada. Vale observar que, nesse

trabalho, não foi necessária, como afirmam Trikha et al. (1991) e Saiidi et al. (1991), a

utilização de adesivo epóxico entre as camadas de concreto para garantir a aderência entre

ambas.

Estudos posteriores, com vigas reforçadas à flexão utilizando-se a técnica proposta, onde

variáveis como taxa de armadura, relação entre alturas das camadas de concreto velho e

concreto novo, número de camadas de concreto novo, etc., seriam muito bem-vindos, pelo

meio técnico em geral; sempre carente de resultados experimentais desse tipo.

5. Referências bibliográficas

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto e execução de obras de

concreto armado e protendido. Rio de Janeiro, 2007. 221 p.

COMITÉ EURO-INTERNACIONAL DU BÉTON (CEB). Assessment on Concrete Structures and

Design Procedures for Upgrading. Bulletin d'Information, London, n. 162, p. 288, 1983.

SAIIDI, M., VRONTINOS, S., DOUGLAS, B. Model for the response of reinforced Concrete

beams strengthened by concrete overlays. ACI Structural Journal, Farmington Hills, Michigan,

v. 87, n. 6, p. 687-695, nov./dec., 1991.

TRIKHA, D. N., JAIN S. C., HALI, S. K. Repair and strengthening of damaged concrete beams.

The Magazine of the American Concrete Institute, Farmington Hills, Michigan, v. 13, n. 6,

p.53-59, june, 1991.

Fonte:

SeiElo