REGIONALIZANDO O PLANEJAMENTO: REFLEXÕES A...

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1 REGIONALIZANDO O PLANEJAMENTO: REFLEXÕES A PARTIR DE EXPERIÊNCIAS PRÁTICAS Fagner Cordeiro Dantas 1 RESUMO O presente artigo aborda o planejamento de políticas públicas quanto ao seu processo de territorialização, ou seja, a maneira como, neste planejamento, são constituídas suas unidades de trabalho. Além da abordagem teórica, o artigo compara dois modelos de planejamento regionalizado, quais sejam, os desenvolvidos no Rio Grande do Sul e na Bahia. A partir dessa comparação, busca- se destacar erros e acertos desses processos. Essa análise dará ainda subsídios para os posicionamentos finais do artigo, que indicam os princípios, objetivos e ações de uma estratégia de planejamento voltado para o desenvolvimento urbano. 1 INTRODUÇÃO Qualquer processo de planejamento parte da identificação de uma unidade de planejamento. Um planejamento sem uma unidade de planejamento, ou seja, sem um contexto operacional no qual meios e fins possam se tornar ações e resultados, não é planejamento. Apenas especulação. O conceito de unidade de planejamento pode apresentar diversas formas. No planejamento familiar, por exemplo, a unidade de planejamento é, obviamente, a família. No planejamento militar, a unidade de planejamento é o campo de batalha. No planejamento urbano, a unidade de planejamento pode ser não só a cidade como um todo, mas também regiões administrativas ou ainda bairros específicos. No caso do planejamento comprometido com uma política estadual de desenvolvimento urbano, como a que agora está em processo de elaboração na Bahia, as diversas regiões em que o estado pode ser dividido para dar maior eficiência a essa política certamente é uma unidade de planejamento privilegiada. O presente texto busca discutir os limites e possibilidades da regionalização aplicada ao planejamento do desenvolvimento urbano no âmbito estadual. No próximo tópico, será feita uma breve discussão sobre o conceito de regionalização. No tópico 3, buscasse, a partir da comparação entre as experiências de regionalização do Rio Grande do Sul e da Bahia, apontar os principais erros e acertos dessa estratégia de planejamento. Por fim, no tópico 1 Assessor técnico da Fundação Mário Leal Ferreira – Prefeitura Municipal de Salvador. ([email protected])

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REGIONALIZANDO O PLANEJAMENTO: REFLEXÕES A PARTIR DE EXPERIÊNCIAS PRÁTICAS

Fagner Cordeiro Dantas1

RESUMO

O presente artigo aborda o planejamento de políticas públicas quanto ao seu processo de territorialização, ou seja, a maneira como, neste planejamento, são constituídas suas unidades de trabalho. Além da abordagem teórica, o artigo compara dois modelos de planejamento regionalizado, quais sejam, os desenvolvidos no Rio Grande do Sul e na Bahia. A partir dessa comparação, busca- se destacar erros e acertos desses processos. Essa análise dará ainda subsídios para os posicionamentos finais do artigo, que indicam os princípios, objetivos e ações de uma estratégia de planejamento voltado para o desenvolvimento urbano. 1 INTRODUÇÃO

Qualquer processo de planejamento parte da identificação de uma unidade de

planejamento. Um planejamento sem uma unidade de planejamento, ou seja, sem um contexto

operacional no qual meios e fins possam se tornar ações e resultados, não é planejamento.

Apenas especulação. O conceito de unidade de planejamento pode apresentar diversas formas.

No planejamento familiar, por exemplo, a unidade de planejamento é, obviamente, a família.

No planejamento militar, a unidade de planejamento é o campo de batalha. No planejamento

urbano, a unidade de planejamento pode ser não só a cidade como um todo, mas também

regiões administrativas ou ainda bairros específicos. No caso do planejamento comprometido

com uma política estadual de desenvolvimento urbano, como a que agora está em processo de

elaboração na Bahia, as diversas regiões em que o estado pode ser dividido para dar maior

eficiência a essa política certamente é uma unidade de planejamento privilegiada.

O presente texto busca discutir os limites e possibilidades da regionalização aplicada

ao planejamento do desenvolvimento urbano no âmbito estadual. No próximo tópico, será

feita uma breve discussão sobre o conceito de regionalização. No tópico 3, buscasse, a partir

da comparação entre as experiências de regionalização do Rio Grande do Sul e da Bahia,

apontar os principais erros e acertos dessa estratégia de planejamento. Por fim, no tópico

1 Assessor técnico da Fundação Mário Leal Ferreira – Prefeitura Municipal de Salvador. ([email protected])

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conclusivo, serão apontados os desafios e as perspectivas para futuras regionalizações,

inclusive indicando princípios, objetivos e ações que devem compor uma experiência de

regionalização com foco no desenvolvimento urbano, utilizando como contexto a realidade do

estado da Bahia. 2 DISCUTINDO A REGIONALIZAÇÃO

A primeira coisa a ser observada quando nos dispomos a discutir a regionalização é

diferencia-la do conceito de descentralização. Não desconhecemos que os dois termos muitas

vezes são adotados em um mesmo contexto. Assim, Tobar (1991, pp. 14-15) destaca a relação

entre a descentralização e a definição de unidades territoriais em que se distribuirão as novas

competências: “O processo descentralizador precisa também da determinação dos níveis

apropriados onde a transferência é viável. A delimitação das unidades territoriais abrange o

estudo de um conjunto de fatores interligados.” Da mesma forma, em citação de estudo

produzido pelo BNDES, Passos (2005, p. 28) mostra como os termos podem ser vistos como

correlatos naturais: “A desconcentração é uma forma de regionalização (...).” Já Souza (2008,

p. 137), citando a experiência da Bahia, reforça essa relação quando atenta para o fato de que

a falta de uma experiência mais consistente de descentralização pode condicionar o insucesso

nas tentativas de planejamento regional e, por óbvio, de regionalizações até agora feitas: A Bahia ainda enfrenta sérias dificuldades para a formulação de um planejamento regional e dentre essas dificuldades uma está justamente no ajustamento das políticas governamentais, na questão referente ao federalismo brasileiro e na nossa curta prática de gestão descentralizada e democrática.

Constatada essa proximidade, é importante agora distinguir os dois termos. A

descentralização caracteriza-se pela distribuição de poder decisório de um agente central em

direção a agentes descentralizados que exercem autonomia em relação ao poder central, ainda

que possam ter que exercer essa autonomia dentro de parâmetros definidos pelo agente

central. Já a regionalização não tem uma relação direta com a distribuição de poder decisório

e sim com a atividade de planejamento, seja exercida por um agente central ou por agentes

descentralizados, quando essa, para ser exercida, toma como base da sua estratégia o conceito

de “região”. É o que aponta Coelho Neto (2010, p. 55): “O conceito de região apoiou o

planejamento e a gestão pública no Brasil (e também a gestão privada), carregando a

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concepção de ‘regionalização como instrumento de ação.’(...).”

Segundo Léda (2010, p. 20), numa concepção geral, “regiões são recortes geográficos,

definidos por processos de especialização produtiva e particularização de estruturas e relações

sociais, subordinada à divisão social e territorial do trabalho e à trajetória histórica de crises e

reestruturações.” Porém, essa acepção mais ampla recebe alguns aprimoramentos quando

especificamente colocada no contexto do planejamento. De Toni & Klarmann (2002)

afirmam que é possível falar em diferentes versões desse conceito mais amplo, como regiões

homogêneas ou regiões polarizadas, cada uma atendendo a demandas especificas. Interessa

para discutir o conceito de “regionalização como instrumento de ação” um conceito específico

trazido pelos autores que é o de “região de planejamento.”: A região de planejamento deriva da aplicação de critérios político-administrativos instrumentalizados na atividade de planejamento. A regionalização definida a partir desse marco representa uma intencionalidade da autoridade pública que afirma uma compreensão do território a partir das necessidades de execução de determinados serviços públicos, do exercício do poder regulatório do Estado ou, por exemplo, da focalização das políticas setoriais em determinada parte do território. (DE TONI & KLARMANN, 2002, p. 521).

A partir dessa definição, é possível visualizar a regionalização como de fato a

entendemos. Assim, não se trata apenas de fazer “recortes geográficos” em um espaço

previamente mais amplo. Há que se ter como premissa distinguir a regionalização política,

aqui pretendida, com a mera regionalização metodológica. Esta é subsídio para aquela, mas

não a esgota, como aponta Léda (2010, p. 20, NR): O termo regionalização, em sentido mais usual, é visto como procedimento metodológico que muitas vezes se restringe a uma noção instrumental de técnica de divisão do espaço em áreas individualizadas, para fins acadêmicos ou de planejamento. Numa acepção política mais específica, a regionalização seria uma “estratégia espacial” (GEIGER, 1969) mobilizada, sobretudo pelo Estado, para planejar e executar intervenções no território (...).

Assim, a regionalização é o método de planejamento onde as ações do agente

planejador estão vinculadas à divisões da sua área total de atuação, chamadas “regiões”, cujas

características específicas demandam ações igualmente específicas. O peso dessas

características específicas na atividade de planejamento implica em um reconhecimento

importante: a negação da efetividade de ações genéricas para todo o território. Isso importa

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reconhecer que essas ações genéricas podem ser necessárias, mas não são suficientes para

responder à diversidade que marca o território em questão.

Quanto à base teórica para essa divisão e para a criação de regiões, esta responde ao

contexto histórico e aos métodos em voga. Nesse sentido, pode ser citada a geografia

teorético- quantitativa como base da regionalização baiana de 1973 ou a geografia urbana e

regional como base da regionalização baiana de 1991 (SOUZA, 2008, p. 79). Da mesma

forma, são variados os fundamentos de uma regionalização, respondendo obviamente às

demandas mais prementes de cada contexto histórico. Por exemplo, a regionalização baiana

de 1973 teve os seguintes fundamentos segundo Souza (2008, p. 75): Segundo o projeto de regionalização tal divisão tem um caráter funcional e esta fundamentada nas seguintes bases: a) funcionalidade sobre o espaço; b) perspectivas de desenvolvimento; c) viabilidade do transporte interno; d) dinamismo econômico dos centros; e) importância dos centros e dos subcentros regionais de acordo com a política administrativa definida pelas diversas Secretarias do estado; f) adequação de acomodação dos sistemas administrativos vigentes; g) percepção das regiões econômicas, teoricamente viáveis para a execução de programas de desenvolvimento.

Nesse primeiro momento, o que se quis pontuar foi a distinção entre descentralização

(poder de decisão) e regionalização (planejamento de decisão); a centralidade do conceito de

região e, mais especificamente, de região de planejamento no conceito de regionalização; e as

bases para alguns processos de regionalização já realizados. No próximo tópico, será

observada mais de perto a estratégia de regionalização do Rio Grande do Sul, através dos

COREDES, para que, com as críticas opostas a ela, possamos fazer uma aproximação também

crítica das regionalizações executadas na Bahia. Avaliando ao final as críticas a esses

processos de regionalização, poderemos então propor algumas indicações de princípios, ações

e objetivos que possam guiar processos de regionalização voltados para o planejamento

urbano em nível estadual.

3 COMPARANDO EXPERIÊNCIAS: RIO GRANDE DO SUL E BAHIA

Segundo De Toni & Klarmann, a regionalização gaúcha em questão dividia o estado

em três macrorregiões: sul, norte e nordeste. Porém, detectou-se que essa divisão não era

compatível com a caracterização efetiva da realidade do Rio Grande do Sul. Assim, os autores

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trazem resultados de um estudo elaborado pela Assembleia Legislativa (2001) que apontava a

necessidade de rever essa divisão: Segundo o relatório, há evidências de grande diferenciação no interior da chamada macrorregião nordeste entre a RMPA e a Serra-Litoral, especialmente quanto ao capital social e à cultura política. Os resultados parecem indicar um índice de participação, de cultura cívica e de associativismo na área metropolitana muito inferiores aos de outras áreas do eixo dinâmico do Estado. O aprofundamento dessas clivagens poderia sugerir que, a partir dessa constatação, os futuros estudos regionais assumissem quatro divisões macrorregionais e não mais as três convencionais. (DE TONI & KLARMANN, 2002, pp. 523-524).

Assim, percebe-se que, a medida que aumenta a complexidade (ou que essa é melhor

mensurada pelas técnicas de pesquisa), tendem-se a reconhecer a importância de

especificidades que podem justificar novas divisões, ampliando a precisão com que a

realidade é representada e, portanto, ampliando a precisão das ações necessárias ao seu

desenvolvimento, aumentando, portanto, o seu potencial transformador.

Ainda avaliando a experiência do Rio Grande do Sul, os autores trazem também outra

importante questão dentro da discussão da estratégia de regionalização. Ao lado da falta de

compatibilidade entre a regionalização do planejamento e a realidade regional, tem-se ainda

que considerar os riscos da falta de efetividade da regionalização enquanto instrumento de

planejamento. De acordo com os autores: Um debate bastante atual que vem chamando a atenção dos estudiosos da área e também dos agentes públicos é o que diz respeito à incompatibilidade existente na delimitação regional da ação pública, no Estado do Rio Grande do Sul. As delimitações territoriais dos órgãos setoriais não possuem um critério único, não possuindo, portanto, áreas e abrangências similares, como já assinalado. A ausência de uma base de referência única e comum fomenta a existência de inúmeras divisões e delimitações regionais, produzidas pelo trabalho específico dos órgãos setoriais do Governo, que, no cotidiano administrativo, não mantém comunicação entre si, aprofundando o isolamento setorial e a fragmentação da ação espacial. A solução desse entrave já foi objeto de programas públicos especiais, num passado recente, mas que não tiveram o sucesso almejado. (DE TONI & KLARMANN, 2002, p. 526).

A identificação dessa incompatibilidade entre a regionalização do planejamento e as

ações efetivamente implementadas pelo governo estadual obrigaram a diversas tentativas de

compatibilização. Apesar dos autores citarem tentativas realizadas nas décadas de 1970 e

1980, que não tiveram bons resultados, é apenas na década de 1990, com a criação dos

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COREDES, que se encontra uma base consistente para retomar as tentativas de dar

consistência a regionalização gaúcha.

Essa consistência decorre de alguns fatores que cabe aqui pontuar como pontos

importantes a serem buscados numa eventual estratégia de regionalização que tenha por foco

a implementação da Política Estadual de Desenvolvimento Urbano. Um primeiro ponto diz

respeito à delimitação em si das regiões de planejamento. Segundo os autores: A etapa de delimitação caracterizou-se por apresentar uma grande flexibilidade, não se atendo a nenhum critério mais rígido para o agrupamento dos municípios, respeitando- se a autonomia das comunidades na decisão dos limites geográficos do Corede, desde que fosse respeitada a contigüidade territorial. O Governo Estadual até chegou a esboçar uma proposta com várias hipóteses de agrupamento de municípios, mas acabou abandonada. Isso explica o fato de a delimitação geográfica dos Coredes se aproximar bastante da regionalização da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul, que é anterior à dos Coredes, contando com uma tradição já sedimentada perante as municipalidades. (DE TONI & KLARMANN, 2002, p. 530).

Portanto, um primeiro ponto importante é não impor uma delimitação de cima para

baixo, fracionando unidades e agrupando diversidades sob o pretexto de uma compreensão

tecnicista da realidade regional. Uma regionalização que emerge a posteriori de uma

realidade regional preexistente tem mais chances de se efetivar do que aquela que busca

reprojetar no futuro o resultado de estudos que olham retrospectivamente para uma realidade

regional passada.

Após a emergência dessa nova delimitação do COREDES, configurando 22 regiões,

foram feitos os esforços necessários para sua institucionalização. Destaque-se que essa é uma

inversão importante. A institucionalização não buscou impor uma delimitação que veio de

cima para baixo, mas sim reafirmar uma delimitação que veio de baixo para cima. Assim,

além do Decreto n.º 40.349, que estabeleceu essas 22 regiões como regiões de referência,

houve ainda a implementação do Programa de Regionalização Administrativa do Estado

(PRAE), que reforçou essa unidade de planejamento dentro da ação do estado. Assim, um

segundo ponto importante é que a institucionalização deve ser consequência da regionalização

e não a regionalização, consequência da institucionalização.

Ao final do seu estudo sobre a regionalização do Rio Grande do Sul, os autores trazem

ainda três elementos que, segundo eles, diferenciam a regionalização com base nos

COREDES das tentativas anteriores e, portanto, atuam no sentido de dar maior efetividade a

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essa regionalização como instrumento de planejamento e, principalmente, ação do Estado.

Pela importância desses elementos como indicações para otimizar uma proposta de

regionalização como estratégia de implementação de uma política estadual de

desenvolvimento urbano, reproduziremos o trecho completo em que esses elementos são

apresentados: Os principais elementos que marcam e eventualmente diferenciam essa iniciativa das anteriores são os seguintes: - a convicção de que o processo de democratização do planejamento do desenvolvimento regional pode ser articulado e constituído a partir do debate orçamentário instituído pelo Orçamento Participativo que produz, em cada uma das 22 regiões, acúmulos e sínteses coletivas sobre as prioridades de investimento público, combinando a participação direta com representações delegadas nas Plenárias Temáticas e de Diretrizes de Desenvolvimento; - a estratégia de implantação do programa é presidida pela negociação ampla e direta entre a coordenação do Programa (Secretaria da Coordenação e Planejamento e outras cinco secretarias da área meio do Estado) e cada uma das unidades envolvidas, sob os seguintes pressupostos: (a) cada unidade pode preservar sua divisão regional (que atende a uma composição técnica peculiar), desde que se proponha a adotar progressivamente a regionalização do OP como referência; e (b) os prazos de ajuste, os ritmos das alterações administrativas, os eventuais custos financeiros e o processamento das situações potenciais de conflitos políticos locais ou regionais são flexivelmente negociados e concertados com a coordenação do Programa; - o PRAE, concebido como processual e negociai desde o início, pois fazia já a leitura de que programas similares em governos anteriores ignoraram ou mal resolveram o processamento político dos problemas existentes, foi estruturado em duas grandes etapas: 1º) diagnóstico da situação-problema, diagnósticos setoriais, identificação das áreas e regionalizações setoriais com maior densidade de conflitos potenciais; 2º) implantação, prevista para ocorrer em três grandes fases correspondentes a uma trajetória de complexidade crescente de compatibilização. O grau de compatibilidade é deduzido a partir da convergência das várias "regionalizações setoriais" preexistentes e da regionalização de referência adotada para análise qualitativa da situação. A última fase de implantação será aquela sob influência da região metropolitana e perimetropolitana. (DE TONI & KLARMANN, 2002, pp. 532-533).

Examinada a experiência do Rio Grande do Sul, poderemos agora fazer uma análise

mais detida sobre as experiências de regionalização ocorridas no estado da Bahia, verificando

erros e acertos que podem servir de base para futuras propostas de regionalização. Souza

(2008) desenvolve um estudo específico sobre essas experiências. A primeira regionalização

institucional para o planejamento da Bahia foi realizada em 1966, através da Lei n.º 2.321,

que dividiu a Bahia em 21 regiões. Esta, porém, não teve o apoio necessário para produzir um

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projeto integrado de planejamento regional. Prova disso é que, em 1968, a Comissão de

Planejamento Econômico – CPE ignorou essa regionalização e dividiu o estado em 16 micro-

regiões programa (SOUZA, 2008, p. 69).

Um ponto importante aqui, destacado pelo autor, é que o planejamento até então

pertencia ao segundo escalão do governo baiano, sendo exercido por uma assessoria ao

gabinete do governador. É só em 1971, quando é criada a Secretaria de Planejamento, Ciência

e Tecnologia – SEPLANTEC, que o planejamento ganha uma secretaria própria e alcança o

primeiro escalão do governo. Assim, pode-se concluir que a fraqueza da efetividade da

regionalização do planejamento devia-se à própria fraqueza da atividade de planejamento em

si no governo do Estado.

Em 1973, o governo estadual lança o Projeto de Regionalização Administrativo do

Estado, em uma parceria entre a SEPLANTEC e a Universidade Federal da Bahia – UFBA.

O projeto parte de uma proposta de divisão que consta em um estudo do geógrafo baiano

Milton Santos realizado em 1958. Este, por sua vez, parte não só da identificação de regiões

físico-geográficas (37 regiões), mas também de regionalizações preexistentes como as do

serviço de saúde (21 regiões), segurança pública (19 regiões), educação (20 regiões), fisco (16

regiões) e ainda as comarcas jurídicas (SOUZA, 2008, pp. 73-74). No projeto de 1973, foi

proposta uma regionalização intencionalmente dupla: 17 regiões administrativas que podem

ser agrupadas em 9 regiões econômicas.

Em 1989 foi realizado um estudo para a revisão dessa regionalização, novamente em

parceria com a UFBA. A partir do diagnóstico de que de fato existia uma desorganização

entre a regionalização institucionalizada e a efetiva ação do estado, o estudo chega a uma

conclusão importante que implica na revisão em si da ideia de uma regionalização perfeita: Ao invés de propor uma nova divisão do Estado em Regiões Administrativas o estudo de revisão propôs que o mais importante era à busca de mecanismos flexíveis de coordenação que pudessem aperfeiçoar a ação do Estado e o resgate de sua dimensão pública. Além disso, fazia uma critica a busca de uma divisão regional “perfeita”. (SOUZA, 2008, p. 78).

No entanto, apesar dessa observação, houve uma nova tentativa de regionalização nos

anos 1990, porém fortemente influenciada pelas ideias neoliberais de Estado Mínimo e

meramente facilitador da ação da iniciativa privada. A ideia de regiões econômicas

implantada à época vinculava-se essencialmente a definição dos investimentos privados feitos

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sob os auspícios do governo estadual. A análise dos resultados dessa regionalização, se, por

um lado, mostra a sua efetividade porque apenas refletia o que a iniciativa privada já estava

determinada a fazer, por outro, não trouxe o desenvolvimento regional que servia de

justificativa para a regionalização. Segundo os autores: “Anos após a aplicação da

regionalização em foco, o que se percebia era a existência de desigualdades regionais

fortíssimas reconhecidas inclusive por documentos oficiais como o Plano Plurianual

2000/2003.” (SOUZA, 2008, p. 84).

No Plano Plurianual (PPA) de 2000-2003 houve uma revisão dessa posição em defesa

do Estado Mínimo, sendo que neste documento se admite que considerar o Estado

desnecessário para o desenvolvimento é um equívoco. Nesse sentido, é proposta uma nova

regionalização, agora baseada nos chamados “Eixos de Desenvolvimento”, em um total de 08

eixos. No PPA seguinte (2004-2007) não houve mudança significativa na estrutura de

regionalização. Apesar de ter aumentado o número de eixos de desenvolvimento pra um total

de 13 eixos, a lógica continuou a mesma. É o conteúdo dessa lógica inalterada que é alvo da

crítica do autor a esse modelo de regionalização: Assim, a tendência de desenvolvimento pelos extremos seria mantida e as regiões centrais do Estado continuariam relegadas ao recebimento de recursos financeiros que garantissem apenas a sobrevivência de sua população – e sua consequente manutenção nessa área – sem contudo serem alvo de um verdadeiro projeto de desenvolvimento regional. (SOUZA, 2008, p. 103).

Em 2006, com uma importante mudança na orientação política do governo da Bahia, a

regionalização baseada nos eixos de desenvolvimento é abandonada. Em seu lugar começa a

ser gestada uma regionalização com base em parâmetros utilizados pelo Ministério do

Desenvolvimento Agrário, que redundou na definição dos 27 Territórios de Identidade hoje

existentes no estado. Uma das modificações importantes em relação ao modelo anterior é o

foco da ação em áreas deprimidas (notoriamente a região central do estado). Outra diferença

importante é descrita da seguinte forma pelo autor: Quanto à questão da integração das regiões e da logística estadual observa-se uma clara diferenciação quanto aos planos anteriores, pois, enquanto esses privilegiavam grandiosamente as vias de transporte que interligam os pontos mais dinâmicos do estado com o mercado nacional e internacional, a atual proposta vai no sentido de ampliar as ligações interestaduais – principalmente através da malha viária – e da construção de novas alternativas, como a ferrovia Bahia- oeste, que, embora seja criada

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prioritariamente para atender os interesses das grandes empresas instaladas no Oeste baiano, poderá servir também como elemento de integração estadual e de dinamismo econômico. (SOUZA, 2008, p. 132).

Apesar dessa ser uma estratégia que ainda carece de mais análise para uma diagnóstico

peremptório, já é possível perceber que não está isento de críticas. Além dos questionamentos

quanto a real efetividade dessa regionalização enquanto orientadora das ações do estado, o

próprio Souza (2008, p. 135) aponta a fragilidade das experiências de regionalização na

Bahia, incluindo a dos Territórios de Identidade: Assim, através da nossa pesquisa podemos perceber que a lacuna deixada pelo Estado nação enquanto agente elaborador de um projeto de planejamento e desenvolvimento não foi preenchida por nenhum dos outros entes federativos. Nesse ponto, o estado da Bahia não conseguiu imprimir uma perspectiva própria de desenvolvimento, limitando-se apenas a seguir as diretrizes nacionais – conforme explicitado na definição das regiões econômicas, dos eixos de desenvolvimento e dos territórios de identidade.

Outro importante alerta diz respeito às influências que podem comprometer as

iniciativas de regionalização. Parte da literatura especializada entende que a conformação da

regionalização que não decorre da prévia mobilização dos municípios ou da adequada

representação da realidade regional acaba por boicotar as chances de efetividade desta junto à

máquina pública. No que tange à influência econômica, a partir das constatações de estudos

prévios, Léda (2010, p. 34) é taxativa a este respeito: Porto e Carvalho (1995) afirmam, para o caso da Bahia, que as fases cíclicas da economia “criaram”, “desfizeram” ou modificaram as regiões, de acordo com as exigências estruturais e contradições de cada ciclo, impondo a rearticulação da sociedade e do espaço, e a convivência de um ciclo dominante à escala nacional com elementos de fases anteriores e com vetores secundários, diferenciados regionalmente. (LÉDA, 2010, p. 34).

Se no caso da influência econômica, a reconfiguração das regiões aparece como uma

consequência natural do processo, não deve escapar à nossa compreensão que isso pode trazer

danos à efetividade da regionalização enquanto estratégia do planejamento para o

desenvolvimento regional, haja vista as considerações já feitas sobre a regionalização baseada

nas regiões econômicas da década de 1990 que, articulada a um determinado fenômeno

econômico que era a globalização, apresentou resultados criticáveis. Porém, ainda mais

frequente na literatura especializada é a crítica à influência política na conformação das

regionalizações. Souza (2008, p. 79) afirma que o estudo de 1989 para rever a regionalização

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de 1973 buscou, ao diminuir o número de cidades selecionadas para a regionalização, depurar

a forte influência política que exista à época: Durante esse período, pressões políticas e conchavos eleitorais tiveram uma importância extrema na delimitação de novas regiões administrativas e na escolha de suas sedes, uma vez que a chegada de um novo órgão ou agência estadual, assim como a criação de uma nova região administrativa era sempre utilizada como forma de marketing e de demonstração de poder pelos políticos locais e como forma de ampliar o domínio e o status quo da classe política dirigente no contexto estadual.

Não se pode deixar de mencionar, nesse mesmo diapasão, como o ambiente das ideias

políticas que vigoravam na década de 1990, tendo à frente o conceito neoliberal de Estado

Mínimo, moldou a estratégia de regionalização adotada na época, com as regiões econômicas

e a noção de que o papel do Estado era meramente o de facilitar a atuação da iniciativa

privada. Essa é uma das conclusões do estudo sobre as regionalizações da Bahia feito por

Souza (2008, p. 134): “O planejamento e a regionalização não podem ser desvinculados de

sua ligação direta com o entendimento sobre o papel do Estado e sobre a questão do

território.”

Uma última crítica geral que se coloca reforça a já discutida vinculação entre

descentralização e regionalização. Da mesma forma que, nos processo de descentralização,

existem riscos de uma excessiva ênfase na capacidade dos poderes locais resolverem todos os

seus problemas, bastando que para isso tivessem autonomia decisória e recursos transferidos

diretamente, autores que tratam da regionalização também abordam essa questão. Aqui,

porém, o ponto que cabe destacar é que a pretensão de ter uma regionalização que não seja

imposta de cima para baixo, mas que possa emergir, ainda que com o estímulo do poder

central, da própria realidade regional, não tenha o efeito colateral de dimensionar eventuais

tendências separatistas ou excessivamente autocráticas. No momento da regionalização, não

se deve perder de vista as reais condições do exercício do poder local, que podem estar

maculados com práticas de clientelismo, coronelismo e incapacidade técnica que, ao invés de

serem debeladas, podem ser reforçadas tanto por processos de descentralização que não

comporte uma adequada (e necessária) relação entre o Poder Central e os Poderes

Descentralizados quanto por processos de regionalização que não comportem uma relação

adequada (e necessária) entre o Poder Central e os representantes dos interesses das Regiões

de Planejamento. Esse temor é claramente expresso por Souza (2008, pp. 134-135).

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No caso da Bahia especificamente grande parte dos municípios não possui uma mínima participação da sociedade civil nas decisões governamentais o que impossibilita a realização de um projeto que verdadeiramente atenda aos anseios da população. Assim, a noção de escala local poderia significa na prática, muitas vezes, uma transferência de responsabilidades para as sociedades locais, nem sempre aptas a exercer o papel esperado. Outras questões a serem ressaltadas ainda são a de que um bom número de municípios baianos não possui capacidade física, institucional e de pessoal capaz de dar conta da formulação de planos de desenvolvimento dependendo sobremaneira do auxilio da estrutura estadual para isso, e que além disso, existe uma limitada quantidade de pessoas aptas e dispostas a participar desses eventos.

É importante, portanto, ter em conta que a metagovernança (PETERS, 2008),

estratégia observada para relativizar os riscos de uma descentralização excessivamente

localista e que ignore os riscos expostos na citação acima, também pode ter a sua essência

aplicada às iniciativas de regionalização, fazendo ver a importância de manter clara a

participação do Poder Central nessas iniciativas. A metagovernança alerta para a manutenção

de um papel do Poder Central nos arranjos descentralizados. Por outro lado, ela não deve

implicar numa não-governança, ou seja, na negação de que atores de outras escalas

(municípios) e outros status (iniciativa privada e terceiro setor) tenham também um papel

nesse processo. A metagovernança, como o próprio nome abrevia, busca ir “além da

governança”, retendo o que ela tem de bom (o reconhecimento e a abertura para novos atores

no processo decisório) e superando suas limitações (o risco da ênfase excessiva nos poderes

locais, observados de forma ingênua). Assim, tão importante quanto manter o Poder Central

no circuito do processo de regionalização é incluir outros atores que também produzem

territorialidades. Exemplo dessa “produção alternativa” é o da Região Oeste do estado,

analisado por Delgado & Alves (2010, p. 89): Na Região Oeste do Estado da Bahia a construção da territorialidade não é mais papel exclusivo do Estado, como ator solitário que manifeste poder. Novos atores passam a exercer funções que produzem territórios, sejam aqueles com grande capacidade de racionalidade e funcionalidade territorial, como o caso das grandes corporações, ou de outros menos expressivos enquanto manifestação de poder, como cooperativas e movimentos sociais.

A importância da participação do poder central no processo de regionalização é

reforçada não só pelos riscos anteriormente citados, como também por questões que sempre

constam como problemáticas quando se trata de regionalização. É o caso das sobreposições de

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regionalização que denotam, antes de tudo, a falta de efetividade da regionalização oficial.

Essa também é um das conclusões do estudo de Souza. Segundo ele: há uma falta de compatibilidade entre as diversas políticas territoriais existentes, tanto na escala estadual como na escala nacional, o que acaba gerando um setorização de programas e projetos existentes e uma espécie de “apoderamento” desses, onde uma determinada secretaria ou ministério acaba como “dono” de um tipo de política territorial. Somente para exemplificar o estado da Bahia possui atualmente mais de vinte regionalizações sendo utilizadas para o desenvolvimento de suas mais diversas atividades. (SOUZA, 2008, p. 138).

A intenção maior é que, atento a esses e outros alertas, possa-se evitar que a

regionalização não vá além de mero tecnicismo, sem qualquer efeito prático, ou, pior que isso,

seja utilizada como estratégia política não para reverter o quadro de desigualdade regional e

impulsionar o desenvolvimento, mas sim para reforçar velhas oligarquias e suas

concentrações territoriais de poder. Se há a ideia de utilizar a regionalização como estratégia

de otimização para a implementação da Política Estadual de Desenvolvimento Urbano, o

reconhecimento desses riscos é condição sine qua non para evitar novos acréscimos ao rol de

políticas baianas fracassadas que se acumulam desde a década de 1950, conforme diagnóstico

feito por Silva & Fonseca (2007, p. 02):

O Estado da Bahia apresenta, historicamente, sérios problemas relacionados à integração e ao fortalecimento dos seus centros urbanos, que as políticas modernizadoras implantadas no seu território desde meados dos anos de 1950 não conseguiram resolver.

4 À GUISA DE CONCLUSÃO: LIMITES E PERSPECTIVAS DA REGIONALIZAÇÃO

Pelo que se viu ate aqui, os desafios estão postos. Além dos já vistos, há ainda outros

apontados pela literatura especializada que, na verdade, abordam de forma mais pragmática o

que já foi aqui observado de forma mais ampla. Assim, Souza (2008, p. 138) aponta, após as

considerações do seu estudo, não um, mas dois desafios articulados entre si:

Diante desse quadro aparece um duplo desafio para o estado da Bahia, uma vez que ao mesmo tempo em que ele é obrigado a definir uma política estadual de desenvolvimento regional que possa abranger todo o seu extenso território, tem também que desenvolver uma política para cada uma das regiões/territórios, porém, sem apenas se subjugar aos desígnios das políticas federais, mas tendo sim autonomia e criatividade na formulação de suas políticas.

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Outro importante desafio que se coloca para a elaboração de uma regionalização

efetivamente redutora das desigualdades regionais e promotora do desenvolvimento estadual é

a que remete às esferas de governança e ao desenho institucional para a gestão dessa

regionalização. Se a abordagem da metagovernança aplica-se à descentralização, podemos

buscar aplicá-la também à regionalização, quando esta ocorre em um contexto democrático e

participativo.

Como perspectivas para as tentativas de regionalização com vistas a favorecer o

planejamento urbano em nível estadual, utilizaremos a realidade baiana, por nós

vivenciada, porém entendendo que tais indicações podem orientar efetivamente outros

esforços no mesmo sentido realizados por outros estados. Assim, partindo de uma proposta

como a de Silva & Fonseca (2007), que indica um conjunto de sete intervenções para a

geração de uma política territorial contemporânea para o estado da Bahia, podemos fazer

algumas reflexões finais. As sete intervenções são as seguintes:

1. Consolidação e criação de Conselhos Regionais de Desenvolvimento;

2. Incentivos à implantação de Consórcios Municipais;

3. Implantação de um Fundo de Desenvolvimento Urbano-Regional;

4. Realização de Fóruns de Desenvolvimento Urbano-Regional das Cidades

Médias;

5. Realização de Seminários de Integração das Ações para os Centros Urbanos;

6. Implantação das Aglomerações Urbanas de Ilhéus-Itabuna e de Feira de

Santana;

7. Fortalecimento da densidade institucional e informacional dos centros

urbanos. Dentro desse conjunto cabe destacar alguns elementos como a ideia

de Conselho Regionais de Desenvolvimento, numa abordagem semelhante à

dos COREDES do Rio Grande do Sul; o foco em consórcios municipais, mais

do que nos municípios em si; e a importância de um fundo próprio para as

ações de desenvolvimento regional.

Outro subsídio à nossa proposta é o reconhecimento por vários dos pesquisadores que

se debruçam sobre a questão regional baiana de que, apesar das disparidades regionais

poderem ser encontradas nos 27 Territórios de Identidade, é possível identificar um certo

nível de homogeneidade mais ampla quando consideramos os quatro extremos do estado entre

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si e estes com a região central da Bahia. Essa é claramente a opinião de Léda (2010, p. 40),

baseado em estudos prévios: Entre as situações mais expressivas na atual dinâmica regional da Bahia, recorde-se a conhecida “polarização” das áreas dinâmicas, nos “quatro cantos” da Bahia (áreas limítrofes do território), sob a influência de fluxos econômicos mundializados, “subordinados a decisões e determinações que extrapolam seu espaço interno” (BAHIA, 2001, P. 09) em contraste com o “miolo” (Sertão semiárido), onde ainda se registram os piores indicadores econômicos e sociais do Estado.

Essa macrorregionalização reforça a nossa proposta de dividir o estado, para fins de

planejamento e ações coordenadas, em um conjunto de cinco regiões, sendo os quatro

extremos (norte, sul, leste e oeste) acrescidos da região central do estado. Diante do que foi

exposto, apresentamos os princípios, ações e objetivos de uma proposta de regionalização

para otimização da implementação de uma política baiana de desenvolvimento urbano,

esperando que os mesmos possam auxiliar a discussão de novas propostas de regionalização

em outros estados brasileiro:

Princípios:

1) A estratégia de regionalização deve estar sempre alicerçada na realidade

regional, devendo-se estar atento ao fato de que essa realidade não se configura

somente a partir de fluxos de bens e pessoas estatisticamente considerados, mas

também de realidades econômicas, culturais e políticas que podem ser mais

precisamente avaliadas pela ausculta dos seus múltiplos atores, com destaque

para as associações de municípios, associações comunitárias, fóruns regionais

que sejam preexistentes à regionalização e não o produto esperado dessa;

2) A estratégia de regionalização deve, de forma contínua em sua implementação,

buscar o equilíbrio entre a flexibilidade adaptativa dos seus arranjos de gestão e

a efetividade planejadora dos seus recortes territoriais, sob pena de ou

incompatibilizar um desenho institucional perene com uma realidade regional

mutante ou relativizar excessivamente suas delimitações a ponto das mesmas

tornarem-se exceções e não regras às ações do estado;

3) A estratégia de regionalização deve trazer de forma clara e objetiva o papel do

poder decisório central e dos representantes dos interesses regionais que devem

compor com ele as estratégias de desenvolvimento urbano específicas para cada

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região, sob pena de, ao valorizar a emergência de uma regionalização primária e

decorrente da dinâmica regional preexistente, o Poder Central tenha sua

legitimidade ofuscada por interesses regionais (ou mesmo locais que exerçam

hegemonia na região) desconectados dos interesses estaduais;

4) A estratégia de regionalização deve estabelecer claramente, em seu arranjo

institucional de gestão, seu processo decisório, suas instâncias de controle social

e seus mecanismos de avaliação, devendo o primeiro caracterizar-se pela

transparência, as segundas, pela efetividade e os terceiros, pela idoneidade, sob

pena de autoritarismo decisório, controle meramente ritualístico e avaliações

inúteis;

5) A estratégia de regionalização deve partir da premissa que tanto o estado, quanto

os municípios ou ainda os agentes não-governamentais devem

aprimorar continuamente seus conjuntos de recursos materiais e humanos no sentido de

reverter as desigualdades regionais e promover o desenvolvimento estadual, uma vez

que, até então, as experiências de regionalização na Bahia ainda não apontaram essa

como uma estratégia viável para os citados objetivos, sendo a carência e o despreparo

desses recursos, especialmente nos menores municípios, apontados como causa da

redução da efetividade dessas experiências.

Objetivos:

1) Promover uma adequada implementação da Política Estadual de

Desenvolvimento Urbano, otimizando os resultados dessa implementação pela

adequação das iniciativas a ela vinculadas com as disparidades regionais da

Bahia;

2) Otimizar os recursos postos à disposição da implementação da Política Estadual

de Desenvolvimento Urbano, tanto no âmbito do estado quando dos próprios

governos municipais;

3) Ampliar as possibilidades de democratização do processo de implementação da

Política Estadual de Desenvolvimento Urbano, ainda que, para tanto, seja

necessário empreender esforços no sentido não só de incluir os múltiplos atores

responsáveis pela produção de territorialidade, como capacitá-los para superarem

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eventuais localismos exacerbados;

4) Buscar superar, através do conhecimento acumulado sobre as experiências de

regionalização anteriormente implementadas na Bahia, as suas deficiências,

principalmente no que toca a falta de efetividade dessas regionalizações no

sentido de orientar a ação do governo estadual;

5) Promover a troca de experiências entre as iniciativas de implementação da

Política Estadual de Desenvolvimento Urbano nas diversas macrorregiões, de

modo que, apesar de aplicadas a contextos territoriais diferentes, determinadas

ações bem sucedidas possa ser replicadas em outras regiões e, reforçando

retroativamente o modelo de regionalização da Política Estadual de

Desenvolvimento Urbano como um todo, este possa também servir de modelo

para outros estados, a exemplo do modelo dos COREDES do Rio Grande do Sul.

Ações:

1) Verificar a possibilidade de agregar os 27 Territórios de Identidade em cinco

macrorregiões de planejamento, polarizadas em norte, sul, leste e oeste, e ainda

uma região central, de modo a que as disparidades mais expressivas entre essas

cinco regiões possibilite a construção de iniciativas de implementação da Política

Estadual de Desenvolvimento Urbano de forma mais adequada às suas realidades

regionais específicas;

2) Confirmada essa possibilidade, criar, em conjunto com os atores locais e

regionais, especialmente aqueles institucionais (associações comunitárias,

instituições acadêmicas, comitês empresariais), conselhos de desenvolvimento

regional nessas cinco regiões, nos quais representações da Secretaria de

Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (SEDUR) atuassem como

secretarias executivas, de modo a fazê-los funcionar como fóruns de discussão e

aprimoramento das iniciativas de implementação regional da Política Estadual de

Desenvolvimento Urbano;

3) Em paralelo com a criação dos conselhos, deve ser criado no âmbito do estado,

em parceria com as instituições acadêmicas que integrem os conselhos, um

programa de capacitação continuada para órgãos do poder público e da sociedade

civil no que tange aos mecanismos de cooperação regional, tanto entre

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municípios da mesma região quanto entre esses e o governo do estado e ainda

entre agentes governamentais e não-governamentais dentro da mesma região,

devendo ser incluído neste programa de capacitação um fórum anual que reúna os

capacitados e capacitandos das cinco macrorregiões para aprimoramento da

regionalização como um todo;

4) Após um período de avaliação de 1 ano, havendo consenso entre governo

estadual, governos, municipais e sociedade civil sobre a contribuição dada pelos

conselhos para implementação da Política Estadual de Desenvolvimento Urbano,

as secretarias executivas evoluiriam para Agências de Desenvolvimento Urbano e

Regional que teriam não só a função de discutir e avaliar as iniciativas regionais

de implementação da política como também de fazer proposições ao orçamento

estadual;

5) Ao final do segundo ano da experiência, e no caso de novo consenso positivo,

seriam criados cinco fundos de desenvolvimento regional cujos montantes

seriam inversamente proporcionais à contribuição de cada macroerregião para o PIB

estadual, de modo a que aquelas mais pobres fossem as mais favorecidas, sendo esses

fundos gerenciados pelas respectivas AGEDURs, com controle exercido por conselho

fiscal interno, formado pela sociedade civil e poder público; pelo Conselho Estadual das

Cidades da Bahia e pelos órgãos de controle externo das finanças do estado.

REFERÊNCIAS COELHO NETO, Agripino Souza. “A Política de Irrigação e a Reestruturação Regional do Vale do São Francisco.” In: FONSECA, Antônio Ângelo Martins; BRITO, Cristóvão; LÉDA, Renato. (Orgs.) Dinâmica da Reestruturação do Espaço Local e Regional do Estado da Bahia. Salvador: JM Gráfica e Editora, 2010. DE TONI, Jackson; KLARMANN, Herbert. “Regionalização e planejamento: reflexões metodológicas e gerenciais sobre a experiência gaúcha.” In: Ensaios FEE, Porto Alegre, V. 23, Número Especial, 2002. LÉDA, Renato. “Formação e Reestruturação Regional da Bahia Contemporânea: discutindo recortes geográficos e suas periodizações.” In: FONSECA, Antônio Ângelo Martins; BRITO, Cristóvão; LÉDA, Renato. (Orgs.) Dinâmica da Reestruturação do Espaço Local e Regional do Estado da Bahia. Salvador: JM Gráfica e Editora, 2010.

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PASSOS, Carolina Camargo Rocha. A Descentralização e a Desconcentração Administrativa do Estado de Santa Catarina: a motivação governamental. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2005. PETERS, B. Guy. “Os Dois Futuros do Ato de Governar: processos de descentralização e recentralização no ato de governar.” In: Revista do Serviço Público. Vol. 59, n.º 03. Jul/Set. 2008. SILVA, Sylvio Carlos Bandeira de Mello e; FONSECA, Antonio Angelo Martins da. “Políticas Territoriais de Integração e Fortalecimento dos Centros Urbanos do Estado da Bahia/Brasil” In: Anais do IX Colóquio Internacional de Geocrítica. Porto Alegre, 28 de mayo - 1 de junio de 2007. SOUZA, Éder Júnior Cruz de. Políticas Territoriais do Estado da Bahia: regionalização e planejamento. (Dissertação de Mestrado). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2008. TOBAR, Frederico. “O Conceito de Descentralização: Usos e Abusos”. In: Planejamento e Políticas Públicas N.º 5: 31-51, junho de 1991.