relatório final do programa integrado em psicologia, educação e ...
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ANA PAULA PETRONI RA 13.175
JULIANA AP. ALVES DE OLIVEIRA RA 13.091
JULIANA ROBERTA CAMPOMISSO RA 13.625
RELATÓRIO FINAL DO PROGRAMA INTEGRADO EM PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E COMUNIDADE - II.1- POSSIBILIDADES DE
INTERVENÇÃO JUNTO AO CONSELHO TUTELAR
PROPOSTA DE UM CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA CONSELHEIROS TUTELARES
ARARAS/SP
Novembro/2006
RELATÓRIO DE ESTÁGIO
PROGRAMA INTEGRADO EM PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E COMUNIDADE - II.1-
POSSIBILIDADES DE INTERVENÇÃO JUNTO AO CONSELHO TUTELAR
PROPOSTA DE UM CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA CONSELHEIROS
TUTELARES
RESUMO
A experiência vivida pelo estágio em parceria com o Conselho Tutelar nos fez
refletir sobre o papel do psicólogo em relação à realidade do município e aos
serviços oferecidos à população infanto-juvenil. O estágio consistiu na avaliação
de crianças, adolescentes e famílias encaminhados pelo Conselho Tutelar à
Clínica de Psicologia do Centro Universitário. Durante o desenvolvimento das
atividades, sentimos dificuldade de manter um diálogo com os Conselheiros, para
discutir a realidade deles, ou para refletir sobre as ações necessárias para os
casos. Este trabalho teve como objetivo propor um curso de capacitação para
Conselheiros Tutelares que possibilitasse a realização de reflexões acerca de
assuntos que estão presentes no cotidiano desses profissionais – mesmo que não
tendo a oportunidade de desenvolvê-lo, entendemos que a elaboração de um
curso como esse poderia ser útil e importante para a continuidade do estágio.
Palavras-chave: Conselho Tutelar; psicólogo; comunidade.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 1
OBJETIVOS .................................................................................................... 9
PLANO DE TRABALHO................................................................................ 10
1º Encontro: Crianças e Adolescentes .......................................................... 10
2º Encontro: Relacionamento Familiar .......................................................... 14
3º Encontro: Dificuldades de Atuação ........................................................... 16
4º Encontro: Atribuições dos Conselheiros Tutelares.................................... 18
5º Encontro: Trabalho em Rede .................................................................... 21
6º Encontro: Abrigamento e Adoção ............................................................. 23
7º Encontro: Violências ................................................................................. 25
8º Encontro: Jovem em conflito com a lei...................................................... 27
9º Encontro: Direito à Educação ................................................................... 29
10º Encontro: Avaliação do Curso................................................................. 30
CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 32
REFERÊNCIAS............................................................................................. 34
ANEXOS..........................................................................................................39
ANEXO 1.........................................................................................................39
ANEXO 2.........................................................................................................41
ANEXO 3.........................................................................................................44
ANEXO 4.........................................................................................................45
ANEXO 5.........................................................................................................46
ANEXO 6.........................................................................................................47
ANEXO 7.........................................................................................................50
ANEXO 8.........................................................................................................52
ANEXO 9.........................................................................................................54
ANEXO 10.......................................................................................................60
ANEXO 11.......................................................................................................63
ANEXO 12.......................................................................................................64
ANEXO 13.......................................................................................................65
ANEXO 14.......................................................................................................68
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como principal proposta elaborar um curso de
Capacitação para Conselheiros Tutelares. A idéia de montar este projeto surgiu
diante das necessidades do Conselho Tutelar, que puderam ser observadas devido
à participação em um programa de estágio que tinha parceria com este órgão, de
uma cidade do interior de São Paulo. Entendemos que, antes de se trazer a
importância de um curso de Capacitação, é preciso fazer algumas considerações
sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, acerca do Conselho Tutelar e
o papel desempenhado pela Psicologia neste contexto.
O ECA está inscrito sob a lei nº 8.069/1990, de 13 de julho de 1990, e tem
como função e objetivo estabelecer os direitos e deveres das crianças e
adolescentes, oferecendo a proteção integral a eles, princípio previsto
internacionalmente. Em seus artigos pode-se encontrar referências à garantia e ao
cumprimento dos direitos básicos de qualquer criança ou adolescente, seja sobre a
educação, a alimentação, proteção contra violência, medidas aplicadas aos pais,
medidas aplicadas aos jovens infratores, entre outros (ELIAS, 2004). Acreditamos
que uma das principais contribuições oferecidas pelo ECA foi ter possibilitado que a
palavra menor não fosse mais utilizada, permitindo assim que estigmas fossem
sendo, mesmo que devagar, deixados de lado (SILVA, 2004).
Este Estatuto não tem como principal foco de atenção oferecer atendimento
àqueles que já tiveram seus direitos violados, mas sim, prevenir que esta violação
não venha a ocorrer (LEMOS, 2004).
Uma outra contribuição trazida pelo ECA, assim como apontada por SILVA
(2004), foi a descentralização do atendimento oferecido para as crianças e
adolescentes, ou seja, não estaria mais nas mãos de um só órgão cuidar para que
esta parcela da população tivesse seu direito de proteção integral cumprido,
permitindo que o Poder Judiciário e o Poder Executivo do município trabalhassem
em conjunto. Contudo, este trabalho em conjunto não aconteceu, pois com a
descentralização os órgãos começaram a agir como se a responsabilidade não fosse
deles, mas sim do próximo na escala da hierarquia (LEMOS, 2004).
Então, agindo de acordo com o ECA (1990) e seu artigo 131, o Estado
instaurou um órgão que tem como função zelar para que esses diretos e deveres
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sejam cumpridos e obedecidos; estamos falando do Conselho Tutelar. Este órgão,
apesar de ser autônomo - isto é, não está vinculado a nenhum outro órgão, seja ele
público ou jurídico - deve estar sempre trabalhando em conjunto com todas as
esferas, e seu respaldo está na lei (SÊDA, 1997; ELIAS, 2004).
Mas afinal, o que é preciso para ser um Conselheiro Tutelar?
Para assumir esta função é preciso que se tenha idade superior a 21 anos,
residir no município em que se pretende candidatar e não possuir nenhum
antecedente que ponha em xeque sua moral, além de não ter familiares cumprindo
mandatos, sendo que cabe a cada município, através do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), determinar como a eleição será
realizada. Após eleito, o Conselheiro passa a representar um serviço de grande
importância pública e deverá a manter sua idoneidade moral, mas se vier a ser preso
tem garantia de prisão especial até o julgamento (ECA, artigos 133, 135, 139 e 140,
1990; ELIAS, 2004).
Como dito acima, para ser um candidato ao cargo de Conselheiro Tutelar, é
preciso que a pessoa seja residente do município. Assim como SILVA (2004),
acreditamos que esta exigência seja realmente importante, pois desta forma o
trabalho a ser desenvolvido estará de acordo com a realidade que este órgão
enfrenta, e o profissional terá o conhecimento da demanda que será apresentada.
Foi por este fato, de estar em contato com a realidade e com as necessidades
apresentadas pela população, é que tenha se decidido municipalizar as ações que
atendem aos direitos das crianças e adolescentes, pois assim as políticas públicas
criadas poderiam atender a cada localidade, correspondendo com a situação
específica de cada município (SILVA, 2004).
Como o Conselho Tutelar foi designado para a função de zelar pelo
cumprimento dos direitos e deveres da infância e da juventude, consideramos como
necessário verificar quais são suas atribuições.
De acordo com o artigo 136 do ECA (1990; ELIAS, 2004) vemos que estas
atribuições consistem em: aplicar as medidas de proteção pertinentes ao caso, seja
para as crianças e adolescentes, quanto para seus pais; solicitar atendimentos em
serviços públicos de qualquer natureza (saúde, trabalho, educação, entre outros);
comunicar ao Ministério Público quando algum direito for desrespeitado; encaminhar
ao judiciário casos que não forem de sua competência; elaborar, em conjunto com o
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Poder Executivo, planos e programas que atendam às crianças e adolescentes;
entre outros.
Concordamos com SILVA (2004), que as atribuições colocadas ao Conselho
Tutelar são muito amplas, o que acaba dificultando o trabalho a ser exercido, pois a
falta de especificação pode acarretar no surgimento de muitas dúvidas e diferentes
interpretações no dia-a-dia enfrentado por estes profissionais.
Se os próprios Conselheiros possuem dúvidas quanto ao seu trabalho,
ficamos pensando na sociedade.... A sociedade precisa entender que este órgão
está a seu serviço e agindo de acordo com uma lei que orienta o trabalho a ser
desenvolvido, e que os membros são seus representantes (SILVA, 2004; LEMOS,
2004; ALBERTON, 2005).
O Conselho não é somente um órgão de controle e de punição, mas sim algo
que pode, e deve, contribuir para que as crianças convivam em uma comunidade
justa, não só para elas e sim para todos; e que quando alguma determinação é feita
pelos Conselheiros, devem ser vistas como algo que poderá trazer benefícios a
todos, seja na família ou na comunidade, cabendo a esta sociedade fiscalizar a
qualidade do trabalho desempenhado por estes profissionais (SILVA, 2004; LEMOS,
2004; ALBERTON, 2005).
Apesar disto, LEMOS (2004) aponta que muitas vezes este órgão vem sendo
utilizado como fonte de controle social, principalmente de famílias, que se vêm
ameaçadas até mesmo por pequenos erros cometidos, que de fato não estariam
colocando em risco as crianças e adolescentes.
O que a sociedade não tem conhecimento é que esta opressão não faz parte
da lei que rege o funcionamento dos Conselhos Tutelares, já que ela pode solicitar,
através da autoridade judiciária, que as decisões tomadas sejam revistas (artigo 137,
ECA, 1990; ELIAS, 2004; ALBERTON, 2005); além de poder denunciar quando os
Conselheiros não estiverem desempenhando satisfatoriamente seu papel, até
mesmo solicitando que este membro seja afastado ou exonerado de seu cargo
(ALBERTON, 2005).
Contudo, o Conselho Tutelar também tem um respaldo na lei para exigir que
suas determinações sejam cumpridas, independentemente da pessoa que as
recebeu, seja ela membro da comunidade ou funcionário de algum serviço (postos
de saúde e escolas, por exemplo) que serão punidos caso não o sejam, de acordo
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com a lei com detenção de seis meses a dois anos (artigo 236 do ECA, 1990;
ELIAS, 2004).
Após esta pequena explanação feita sobre o ECA e sobre o Conselho Tutelar,
passamos a pensar em como seria o papel a ser desempenhado pelo psicólogo
neste contexto. Cabe primeiramente dizer que o serviço psicológico é algo que pode
vir a ser solicitado pelos Conselheiros Tutelares, de acordo com o artigo 101, inciso
5 do ECA (1990; ELIAS, 2004).
ANTONIO (2002) pontua que o psicólogo deve agir de acordo com o Código
de Ética, mas sem permitir que este seja utilizado em seu benefício próprio,
lembrando sempre que a postura tomada deve estar baseada na ética da
responsabilidade e do sigilo, já que ele estará agindo diante de uma sociedade e
que os atendidos precisam confiar no serviço que procuraram. Porém, não podemos
esquecer que, assim como foi estabelecido pelo ECA (1990), em seus artigos 13 e
18, é dever de todos, desde que com a intenção de proteger a criança ou
adolescente, denunciar ao Conselho Tutelar, quando houver suspeita ou a
confirmação de que os direitos não estão sendo respeitados.; não significando que
tudo o que for dito ao psicólogo será revelado, salvo em situações de risco.
Entendemos que antes de ser um profissional, o psicólogo é um cidadão, que
também tem direitos e deveres a serem cumpridos, exercendo um papel
fundamental para a sociedade, já que ele pode, em conjunto com a população, lutar
com as autoridades em defesa destas leis (DEL PRETTE, 1996).
Para que este profissional atue de uma maneira que esteja de acordo com as
necessidades apresentadas pela sociedade, é preciso que ele aja conforme as leis
que regem,sua atuação tais como: a Constituição Federal; o Código Civil; o Código
de Ética; e o ECA. Entretanto, não se pode pensar que as leis têm que ser seguidas
cegamente, mas sim que algumas reflexões críticas precisam ser feitas sobre elas,
verificando se há algo que precisa ser mudado, ou não, para atender a sociedade.
MEIRA (2003) aponta que o psicólogo não passará a atuar de forma cidadã
de uma hora para outra, assim como não acontece com a sociedade, mas que se,
durante a universidade, permitissem que depois de formado ele continuasse a refletir
criticamente suas práticas, num processo de continuidade, possibilitaria que o
contato com a sociedade, e com a realidade vivida por ela, se tornasse mais
próximo; e então a compreensão da dinâmica deste contexto faria com que
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conhecimentos fossem produzidos para suprir suas necessidades, sendo realmente
úteis, cumprindo assim com sua função social.
Compreendemos que o trabalho desenvolvido junto com o Conselho Tutelar
está intimamente ligado à função social do psicólogo, já que este profissional deve,
juntamente com a sociedade, pensar em políticas que supram as demandas
apresentadas.
Em uma reportagem divulgada pelo jornal de Psicologia do CRP/SP (número
141, jul/set de 2004), “A Psicologia como protagonista na discussão e implantação
de mudanças sociais”, há uma discussão sobre a importância social do trabalho
desenvolvido pelo psicólogo. O que podemos entender desta discussão é que, a
partir do momento em que foram criados os conselhos (em defesa do idoso, dos
direitos humanos, das crianças e adolescentes, entre outros) que permitiam ser
realizados fóruns de discussão, é que a efetiva participação do psicólogo na
sociedade passou a ser organizada.
Na reportagem, pontua-se que o profissional de Psicologia deve estar atento
aos acontecimentos da sociedade, e juntamente com a população, pensar em
políticas públicas que tragam melhorias para todos, exigindo que as autoridades
(federal, estadual e municipal) cumpram com seus deveres e que a população
também se mobilize em prol desses interesses, acompanhando, fiscalizando e
monitorando se as ações políticas estão sendo cumpridas. Acreditamos que assim
todos estarão cumprindo o papel de cidadão, contribuindo para a constituição de
uma sociedade mais democrática de fato, principalmente os psicólogos que
deixariam de oferecer seus serviços somente àqueles que pudessem lhe pagar
(Jornal de Psicologia do CRP/SP, número 141, jul/set de 2004).
A Psicologia não pode ser uma profissão desvinculada da política – e
entendemos que o Conselho Tutelar e suas ações são políticos – já que as atuações
de seus profissionais, direta ou indiretamente, repercutem na sociedade. É preciso
que se deixe de pensar individualmente e passe a ver as pessoas, em sua
coletividade, como resultantes de relações estabelecidas entre vários indivíduos
(NASCIMENTO, MANZINI, BOCCO, 2006).
Pensando nessas ações políticas e em outras que cabem à Psicologia, a
seguir, discorreremos sobre duas funções que podem ser exercidas. Dentre os
possíveis trabalhos que o psicólogo pode desenvolver em um Conselho Tutelar,
iremos ressaltar a avaliação psicológica e a Capacitação de Conselheiros. A primeira
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será trabalhada devido ao processo que foi desenvolvido durante o programa de
estágio; e a segunda é a proposta deste trabalho.
A avaliação psicológica deve ser entendida como um processo que foi
desenvolvido para que se pudesse estudar e obter resultados confiáveis, através de
técnicas e instrumentos, dos processos psicológicos dos indivíduos (ALCHIERI e
CRUZ, 2003).
Este processo, por muito tempo, foi relacionado a resultados numéricos, que
permitiam dizer se uma pessoa era apta ou não, normal ou anormal, sem se
preocupar com o contexto no qual ela estava inserida; nos dias de hoje, tem se dado
uma maior preocupação a aspectos como o social, o econômico e cultural do
indivíduo, permitindo também que ele faça parte deste processo, aproximando
avaliador de avaliado (GIMENES, 2006). Neste processo, o que se pretende é
verificar os fatos em contexto geral, isto é, histórico e social, e não mais considera-
los como algo separado e isolado (ALCHIERI e CRUZ, 2003).
Para se chegar nestes resultados numéricos, os psicólogos utilizavam-se em
grande escala dos testes, na tentativa de se conseguir classificar os indivíduos
quanto às suas características, tais como a inteligência, a personalidade, os
comportamentos, entre outros. Esta prática foi, e ainda é, criticada deste o início,
pois como dito acima, não permitia a participação do indivíduo e acaba deslocando-o
de seu contexto para poder ser avaliado (LIMA, 1998; ANASTASI e URBINA, 2000;
WESCHLER, 2001; ALCHIERI e CRUZ, 2003).
Atualmente sabemos que os testes psicológicos são apenas mais um
instrumento no processo de avaliação psicológica, o que significa que esse processo
é assim caracterizado independente de sua utilização. Contudo, quando somente
este instrumento é utilizado, não podemos dizer que estaremos realizando uma
avaliação psicológica (WESCHLER, 2001).
Essa utilização inadequada de testes nos remete à ética que deve ser parte
integrante do processo da avaliação. A APA (American Psychological Association)
considera como padrões básicos que norteiam a avaliação psicológica: a
competência, a integridade, a responsabilidade científica e profissional, o respeito
pela dignidade e o direito das pessoas, a preocupação com o bem estar do outro e a
responsabilidade social (WESCHLER, 2001).
De acordo com esta autora, estes padrões podem ser entendidos como sendo
aqueles que permitem que o resultado do processo de avaliação considere o
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indivíduo avaliado como alguém importante e que precisa estar a par de tudo o que
lhe cerca, tendo como direito saber os resultados obtidos, ser informado dos
avanços tecnológicos existentes, entre outras coisas.
Gostaríamos de aqui citar que, de acordo com ALCHIERI e CRUZ (2003),
muitas vezes as pessoas confundem o processo de avaliação psicológica com a
psicoterapia, sejam pessoas leigas ou até mesmo conhecedoras da psicologia.
Através de nossa experiência e da literatura acima citada pudemos concluir que a
avaliação consiste em um processo mais focal que, assim como dito acima, procura
identificar fatores globais que envolvem o indivíduo, isto é sua história, seu contexto,
verificando ao fim, e em conjunto com o avaliado, qual caminho deverá ser seguido,
seja ele a terapia, orientações, ou outras soluções que possibilitem a resolução da
queixa apresentada, diferenciando assim a finalidade que este processo de
avaliação tem do processo de terapia.
Uma outra prática que pode ser realizada por psicólogos dentro do Conselho
Tutelar é a Capacitação de seus membros. Um Curso de Capacitação de
Conselheiros Tutelares consiste em, de acordo com o CONANDA (Resolução 75, de
22 de outro de 2001), possibilitar que os integrantes do Conselho Tutelar sejam
habilitados para atuarem de forma correta e satisfatória, não atendendo somente
aos interesses das crianças e dos adolescentes, mas também de toda a sociedade.
Os gastos, o compromisso e as condições oferecidas a esta habilitação são de
responsabilidade de leis municipais, seja antes da posse ou durante o mandato
destes profissionais.
Segundo SILVA (2004), a capacitação permite que os Conselheiros Tutelares
entrem em contato com a realidade de seu município, adquirindo maiores
conhecimentos sobre os assuntos que irão encontrar durante sua gestão, tais como
a violência, trabalho infantil, queixas escolares, entre outros. Contudo, ressalta-se
também que cabe a este curso proporcionar que esses profissionais reflitam sobre
seu papel e função diante da sociedade, seus limites, possibilidades e dificuldades
de atuação, podendo assim desempenhar um trabalho satisfatório para todos.
Acreditamos realmente que um curso de capacitação seja importante, não
devendo se restringir a assuntos específicos, mas sendo algo que possibilite aos
Conselheiros ampliarem seus conhecimentos e serem capazes de agir e pensarem
criticamente, sabendo reconhecer as especificidades de cada caso e fazendo as
orientações corretamente.
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É neste ponto que entendemos como elo fundamental a participação do
psicólogo, já que através de seus conhecimentos, poderá pensar em conjunto com
os integrantes do Conselho Tutelar novas políticas e novas formas de atuação que
atendam as necessidades apresentadas pela comunidade atendida.
Partindo de todas as explanações feitas acima, é que propomos o nosso
curso de Capacitação, que será apresentado no próximo item.
OBJETIVOS
� Propor um Curso de Capacitação para Conselheiros Tutelares;
� Discutir junto aos Conselheiros formas de atuação;
� Proporcionar que a comunidade tenha conhecimento, através do próprio
Conselho Tutelar, qual é a sua função; e
� Oferecer disparadores que possibilitem a reflexão sobre a atuação de
Conselheiros.
PLANO DE TRABALHO
A idéia de propor este curso de Capacitação aos Conselheiros Tutelares
surgiu diante do conhecimento que se tem sobre a dificuldade de atuação e
delimitação do papel destes profissionais diante da demanda apresentada pela
população.
Entende-se que antes de se implantar este curso, faz-se necessário
estabelecer um contato com os Conselheiros que farão parte do programa. Este
poderá ser realizado através de uma reunião na qual serão expostos os objetivos e a
finalidade da Capacitação e para conhecer quais são as expectativas dos
Conselheiros quanto aos resultados que serão obtidos.
Será apresentada como proposta que sejam realizados dez encontros
semanais com duração de duas horas, com a apresentação e discussão de temas
de relevância para a atuação destes profissionais. Estes encontros terão o dia e o
horário determinados a partir da disponibilidade apresentada pelos membros do
Conselho Tutelar e pela equipe de Psicologia. Será ressaltado ainda que o plano de
trabalho, isto é, os assuntos abordados e os números de encontros poderão ser
alterados conforme a necessidade apresentada pelos Conselheiros.
Em seguida será apresentado um cronograma das atividades a serem
desenvolvidas neste curso:
1º Encontro: Crianças e Adolescentes
� Objetivos:
• Fazer um contrato de trabalho, sobre dia e horário do Curso, tempo de duração e
freqüência do mesmo para que não prejudique o andamento do grupo e
aproveitamento do próprio Conselheiro.
• Conhecer melhor cada Conselheiro e saber um pouco sobre expectativas,
dificuldades e necessidades assim como sugestões de assuntos a serem
discutidos no Curso.
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• Investigar quais as concepções os Conselheiros possuem sobre o que é ser
criança e adolescente, fazendo uma reflexão, já que o trabalho deles é
totalmente relacionado a isto.
• Abranger a concepção existente sobre o que é ser criança e adolescente.
• Fornecer material complementar que aborda o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), como forma de inserção de novos conhecimentos.
� Material: Entrevista (folha de papel sulfite), canetas esferográficas, cartolinas,
canetas coloridas e texto complementar.
� Estratégias:
• Entregar uma folha de entrevista para cada um dos membros com a finalidade de
colher dados pessoais e informações apresentadas por eles.
• Dinâmica do imã - Conceituação sobre criança e adolescente.
• Entrega de texto complementar sobre o ECA: “Estatuto da Criança e do
Adolescente precisa de vontade política para sobreviver” (ANEXO 1).
� Conteúdo:
Primeiramente será realizado o contrato de trabalho verbalmente, em que
será exposta aos Conselheiros a importância de todos participarem dos encontros e
cumprirem o horário estabelecido A justificativa é que, assim, o andamento e
aproveitamento do grupo e também de cada Conselheiro não serão prejudicados em
relação à possível ausência de algum participante que requer certa retrospectiva de
encontros anteriores. Serão informados de que o encontro é um espaço destinado a
tirarem dúvidas apresentadas e que terão a oportunidade de aproveitá-lo para
assuntos que talvez não estejam relacionados ao tema do encontro, mas ligados ao
trabalho no Conselho Tutelar, em geral. Um espaço será destinado para que os
Conselheiros exponham dúvidas, críticas e sugestões; estabelecido um acordo de
trabalho, o encontro seguirá com a próxima atividade.
Cada Conselheiro receberá uma folha com perguntas abertas (a seguir) e
responderão às mesmas em um tempo suficiente estabelecido previamente, e em
seguida poderão fazer comentários sobre elas assim como sobre suas experiências
e expectativas. A atividade consiste em:
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Entrevista Individual
1. Nome: ________________________________________________________
2. Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
3. Data de nascimento:_____________________________________________
4. Grau de Escolaridade: ___________________________________________
5. Última experiência profissional:_____________________________________
________________________________________________________________
6. Recebeu algum tipo de Capacitação antes de ser Conselheiro Tutelar? Se
sim, cite quando, onde, quem ofereceu e qual o tema abordado.
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
7. Já recebeu alguma Capacitação durante o mandato no Conselho Tutelar? Se
sim, cite quando, onde e quem ofereceu e qual o tema abordado.
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
8. Você considera importante receber uma Capacitação para atuar como ser
Conselheiro Tutelar? Justifique.
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
9. Quais são os fatores de risco e de proteção que podem influenciar no
desenvolvimento de uma criança? Justifique.
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
10. Quais são os fatores de risco e de proteção que podem influenciar no
desenvolvimento de um adolescente? Justifique.
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_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
11. Descreva as dificuldades encontradas em sua atuação, explicando-as.
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
12. Sugira temas que possam ser abordados em um curso de Capacitação.
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
Posteriormente será realizada a dinâmica do Ímã, que proporcionará reflexão
sobre a criança e o adolescente. Os coordenadores do grupo colarão duas cartolinas
propondo um cartaz maior, sendo que em um deles terá escrito a palavra “criança” e
no outro “adolescente”. Serão entregues aos Conselheiros, que juntos formarão um
grupo só, pedindo que escrevam no cartaz palavras que acreditam se relacionar com
as já descritas (criança e adolescente). Feito isto, os conceitos trazidos pelos
participantes serão discutidos, levando em consideração o que é e não é esperado
nestas duas fases do desenvolvimento humano.
Depois da discussão e reflexão sobre o assunto, será entregue um texto
complementar como forma de conhecimento aos Conselheiros que poderão tirar
suas dúvidas sobre o material em um outro momento.
� Justificativa:
De acordo com SILVA (2004), um Curso de Capacitação para Conselheiros
Tutelares pode ser um processo que proporciona reflexões e maneiras diferentes de
lidar com a demanda apresentada pela população. Assim, por acreditarmos que a
atuação dos membros do Conselho Tutelar é uma tarefa difícil e árdua, conhecer
diretamente eles, suas expectativas e um pouco de suas dificuldades foi nosso
propósito para o início do Curso.
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Sabemos através do ECA (1990), que o Conselho Tutelar é um órgão criado
para zelar pelos direitos e deveres da criança e do adolescente, ou seja, o trabalho
feito por ele deve estar voltado para a promoção do bem estar deles, estabelecendo
parcerias com outros serviços que possam auxiliar nesse processo. Este órgão pode
solicitar encaminhamentos não só para as crianças e adolescentes, mas também
para seus cuidadores, com a finalidade de se oferecer condições satisfatórias para
que ocorra um desenvolvimento saudável destes indivíduos.
A partir disso, acreditamos ser de extrema importância que os Conselheiros
Tutelares primeiramente compreendam o que significa estar nesta fase; por isso
escolhemos a atividade do ímã para que possa abranger as concepções existentes
sobre o que é ser criança e adolescente possibilitando entender comportamentos
esperados e inesperados nesta fase da vida, para que rótulos e preconceitos
possam se enfraquecer diante da população com a qual os Conselheiros lidam
direta e constantemente.
2º Encontro: Relacionamento Familiar
� Objetivos:
• Refletir sobre as diversas estruturas familiares existentes, abrangendo as
diversas dinâmicas familiares existentes.
• Amenizar estereótipos sobre relacionamentos familiares.
� Material: filme (VHS) “Doze é demais”, tv, videocassete e textos complementares.
� Estratégias:
• Transmissão do filme “Doze é demais” – Tempo de Duração 98 minutos -
Comédia/Drama.
• Entrega de textos complementares: “A família prepara a criança para se tornar
um cidadão” (ANEXO 3), “Pai e mãe podem pensar diferente a educação”
(ANEXO 4), “Quando os pais descobrem a droga na vida do filho” (ANEXO 5).
� Conteúdo:
A atividade deste encontro consistirá na transmissão do filme, para em
seguida ser discutida a situação familiar exemplificada e refletir sobre as diferentes
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formas de se relacionar familiarmente, comparando com situações conhecidas dos
Conselheiros.
A sinopse do filme está a seguir
(http://www.cineminha.com.br/cinema_detail.asp?ID=110).
“Na América dos dias de hoje, onde a média de filhos por família é de 1.87.
Tom Baker (Steve Martin) e sua esposa Kate (Bonnie Hunt) decidem que a vida é
melhor - se não mais barata - em doze. Os Baker vivem em uma pequena cidade
onde Tom trabalha como treinador de futebol da faculdade da cidade. O cotidiano da
família é marcado igualmente pelo amor e caos... Quando oferecem a Tom o
emprego de seus sonhos - treinar o time de uma grande universidade - ele e Kate
mudam-se com a família, a despeito do descontentamento das doze crianças. Ao
mesmo tempo, Kate fica sabendo que suas memórias já estão para serem
publicadas. Seu agente a carrega para Nova Iorque a fim de promover seu livro,
deixando Tom sozinho com sua descontente e agitada família, como também com
seu novo e exigente trabalho. Com tudo dando errado em casa, Kate fora e o novo
emprego de Tom na corda bamba, a família Baker finalmente decide não ter tudo
que se ama, mas amar tudo que eles têm”.
� Justificativa:
Segundo LORENCINI e FERRARI (2002), é papel do Conselho Tutelar e de
outros serviços, interromper o pacto de violência vivido pelas crianças e
adolescentes em seus diversos contextos. Consideram ainda a necessidade de esta
situação ser prevenida, e cabe a este órgão como integrante da rede de proteção,
intervir para que se entenda o fenômeno e se possa preveni-lo, antes que a família
negligencie e seja violenta com crianças e adolescentes.
Sabemos que não só a violência familiar é demanda para os Conselheiros,
mas outras queixas estão relacionadas a conflitos deste gênero. Entendemos ainda,
que antes de intervir em problemas familiares, faz-se necessário primeiramente
compreender que diversas maneiras de convivência existem atualmente. A família
tradicional (pai, mãe e filhos) está cada vez mais se desfazendo, surgindo outras
maneiras de se viver em família.
Por isso pensamos que desmistificar essa questão sobre família é importante
para que se possa visualizar maneiras de lidar com estes diferentes estilos
familiares, com o mínimo de preconceito presente. Lembrando sempre que atuação
16 16
dos Conselheiros está ligada à proteção da criança e do adolescente e verificar qual
ambiente mais adequado a eles, garantindo seus direitos.
Sendo assim ilustrar um conflito familiar através do filme pensamos em ser
adequado para novos olhares surgirem a esse respeito, fazendo com que as
orientações a familiares, cuja ação está relacionada ao trabalho do Conselheiro,
aconteçam da melhor maneira possível.
3º Encontro: Dificuldades de Atuação
� Objetivos:
• Identificar as possíveis dificuldades de atuação encontradas pelos Conselheiros
antes e depois do Curso de Capacitação e ao final da capacitação compará-las.
• Levantar e conhecer as dificuldades de atuação encontradas no cotidiano pelos
Conselheiros.
• Introduzir novos conhecimentos sobre o ECA, através de texto complementar.
� Material: cartolinas, cola, lápis preto, borracha, canetas coloridas e esferográficas,
atividade de completar (papel sulfite) e texto complementar acerca do ECA.
� Estratégias:
• Quadro comparativo das dificuldades de atuação.
• Atividade de assinalar, classificando as dificuldades de atuação.
• Entrega de texto complementar sobre o ECA: “ECA comemora 15 anos de luta
pelos direitos das crianças e adolescentes” (ANEXO 2).
� Conteúdo:
A primeira atividade a ser desenvolvida será a construção de um quadro que
tem como objetivo fazer uma comparação entre as dificuldades de atuação
encontradas antes e depois do curso de Capacitação.
Para isso serão entregues cartolinas a cada Conselheiro solicitando que
desenvolvam um quadro (individualmente) que apresente as dificuldades
encontradas no cotidiano. De um lado serão registradas as dificuldades que se
encontrarem presentes naquele momento, ou seja, antes do curso; o outro lado será
17 17
completado com as dificuldades que imaginam ter depois do término do Curso. Após
terem feito isso, será realizada uma discussão sobre cada quadro a partir do que
completaram e poderão visualizar uma comparação entre os dois momentos. O
exemplo abaixo representa um modelo de como o quadro poderá ser elaborado:
DIFICULDADES ENCONTRADAS
ANTES DA CAPACITAÇÃO DEPOIS DA CAPACITAÇÃO
Em seguida será entregue a cada Conselheiro uma folha contendo itens, os
quais deverão ser classificados de acordo com as dificuldades com que se deparam
no dia-a-dia, em inadequado, adequado e ausente, representados respectivamente
pelas siglas I, Inc, Ad e A, conforme a legenda apresentada. A atividade consiste
em:
Conselheiro:________________________________________________
Assinale, classificando a alternativa que corresponda com a realidade que você
encontra na sua atuação.
Legenda: I: inadequado Ad: adequado A: ausente
I Ad A
01. Localização do Conselho Tutelar ( ) ( ) ( )
02. Sala para atendimentos ( ) ( ) ( )
03. Sala de recepção ( ) ( ) ( )
04. Condições para atender as demandas
apresentadas ( ) ( ) ( )
05. Equipamentos eletrônicos (computador, ( ) ( ) ( )
18 18
telefone, fax...)
06. Transporte ( ) ( ) ( )
07. Recursos financeiros ( ) ( ) ( )
08. Apoio oferecido pelo poder público ( ) ( ) ( )
09. Parcerias com outros serviços ( ) ( ) ( )
10. Número de funcionários que atuam junto aos
Conselheiros ( ) ( ) ( )
11. Relacionamento com os outros Conselheiros ( ) ( ) ( )
Posteriormente será destinado um espaço para discussão e reflexão de cada
item da lista, a partir das respostas obtidas na atividade, avaliando as possibilidades
de melhoria para a atuação dos Conselheiros. Encerrando esta atividade, um texto
complementar será oferecido como forma de conhecimento aos Conselheiros,
lembrando-os que poderão tirar suas dúvidas sobre o material caso acharem
necessário.
� Justificativa:
Conforme SILVA (2004), pelo fato da função a ser exercida pelo Conselheiro
Tutelar não ser especificada, surgem dificuldades de atuação e compreensão do que
se pode fazer. Diante destas circunstâncias, entendemos que expor os empecilhos
encontrados na sua rotina de trabalho proporcionará que diferentes pessoas pensem
sobre uma mesma situação o que facilita no momento de aplicar alguma medida.
As atividades então foram escolhidas como forma de os Conselheiros
observarem suas limitações e analisarem em que medidas as dificuldades podem
prejudicar suas funções, que de acordo com o ECA (1990), tem como princípio
fundamental fazer com que os direitos da criança e do adolescente sejam vistos
como tal e devidamente cumpridos.
4º Encontro: Atribuições dos Conselheiros Tutelares
� Objetivos:
• Discutir acerca do papel dos Conselheiros Tutelares na visão da sociedade,
deles próprios e do ECA.
19 19
• Verificar a existência de concepções comuns e incomuns entre as três partes.
• Refletir e avaliar maneiras de atendimento oferecido pelos Conselheiros.
� Material: folhas de papel sulfite, canetas esferográficas e atividade “Verdadeiro ou
Falso”.
� Estratégias:
• Listas sobre a concepção do papel do Conselheiro Tutelar.
• Atividade “Verdadeiro ou Falso” sobre o atendimento que o Conselheiro
realizada.
� Conteúdo:
O encontro será iniciado com a atividade de listar as concepções que os
Conselheiros têm sobre o que a sociedade, eles próprios e o ECA, consideram como
sua função. Serão distribuídas três folhas de sulfite aos Conselheiros pedindo que
escrevam na primeira folha o que acham que a sociedade entende como sua
função; na segunda será solicitado que descrevam o que compreendem como seu
próprio papel; e na última terão que apontar o que entendem sobre sua função a
partir do que o ECA estabelece. Em seguida, será realizada a apresentação da
atividade de cada um e posteriormente uma discussão sobre a visão que existe
sobre o Conselheiro.
A segunda atividade consistirá em assinalar “Verdadeiro ou Falso”. Cada
Conselheiro receberá uma folha de papel sulfite com afirmativas descritas e após a
leitura destas, as classificarão como verdadeiras ou falsas, a partir do que sabem e
experienciam em seus atendimentos. Após essa etapa, as respostas serão
discutidas como forma de pensar sobre seus posicionamentos e a condição do
atendimento oferecido será refletida, e a importância de um atendimento
humanizado àqueles que procuram o Conselho Tutelar será enfatizada. Modelo da
atividade:
Conselheiro: ____________________________________________
Assinale verdadeiro ou falso nas afirmações abaixo levando em consideração o
cotidiano vivido:
20 20
1. No início da entrevista o cumprimento deve ser feito cordialmente. V ( ) F ( )
2. O atendido não precisa saber sobre o papel do Conselho Tutelar. V ( ) F ( )
3. É interessante ouvir com atenção o que o atendimento tem a dizer,
sem interrompê-lo, para que se possa entender a situação vivida. V ( ) F ( )
4. O Conselheiro Tutelar precisa ter o controle de suas emoções
quando algumas informações e comportamentos são apresentados
pelo atendido, conseguindo separar o lado pessoal do profissional.
V ( ) F ( )
5. A linguagem do Conselheiro Tutelar deve ser técnica. V ( ) F ( )
6. Aconselhar significa aproveitar as oportunidades de forma
adequada para o momento. V ( ) F ( )
7. O membro do Conselho Tutelar deve utilizar perguntas indutoras
para colher dados. V ( ) F ( )
8. É necessário investigar os fatores de risco e proteção envolvidos no
caso. V ( ) F ( )
9. Durante o atendimento é importante identificar a queixa. V ( ) F ( )
10. O caso deve ser encaminhado independente do serviço que for
atendê-lo. V ( ) F ( )
11. Ao final da entrevista não é necessário apontar caminhos para o
caso. V ( ) F ( )
� Justificativa:
Sabemos, de acordo com o artigo 136 do ECA (1990), que é atribuição do
Conselho Tutelar atender crianças e adolescentes e aplicar medidas de proteção
cabíveis caso seus direitos sejam violados pela sociedade, pais ou responsáveis e
ainda pela própria conduta.
Porém percebemos, com a experiência no estágio realizado neste contexto,
que nem sempre estas atribuições são entendidas e compreendidas pela população
atendida, pela sociedade em geral e até pelos próprios Conselheiros. Assim discutir
a função destes a partir do próprio ponto de vista, verificando se existe uma
concepção comum, entre sociedade, eles próprios e o proposto pelo ECA,
acreditamos possibilitar uma reflexão sobre a atuação do Conselho Tutelar e se ele
é entendido como exposto na lei.
21 21
Com isso, as maneiras de atendimento serão repensadas também e
proporcionará disparadores sobre o que os Conselheiros podem fazer para que
todos entendam de fato o órgão e saibam usá-lo quando houver necessidade.
5º Encontro: Trabalho em Rede
� Objetivos:
• Discutir acerca da necessidade de se ter uma relação complementar entre o
Conselho Tutelar, Poder Público e Poder Judiciário.
• Reconhecer a importância de um trabalho coletivo.
• Realizar atividade com material didático como forma de aquisição de novos
conhecimentos (texto: “Governo, entidades e movimentos juvenis se voltam para
a realidade dos jovens brasileiros e buscam alternativas para garantir seus
direitos” - ANEXO 6).
� Material: fita adesiva, barbante, lenço e texto relacionado ao assunto.
� Estratégias:
• Dinâmica do Barco
• Leitura e discussão do texto “Governo, entidades e movimentos juvenis se
voltam para a realidade dos jovens brasileiros e buscam alternativas para
garantir seus direitos”
� Conteúdo:
Primeiramente será realizada a dinâmica do barco. Serão formados três
grupos com os Conselheiros, sendo:
Grupo 1- Mudos (com uma fita na boca).
Grupo 2- Aleijados (com os pés amarrados).
Grupo 3- Cegos (com os olhos vendados).
Cada grupo estará dentro de um barco, que será representado por um
quadrado desenhado no chão com fita adesiva. Os coordenadores da atividade irão
informar que os barcos afundarão, exceto o dos mudos, que terão que passar uma
mensagem para os aleijados, para que os mesmos avisem os cegos que seu barco
22 22
está afundando e eles (cegos) precisam ir para o barco dos mudos. Quando os
mudos e os cegos estiverem no mesmo barco, juntos ajudarão os aleijados a virem
para o mesmo barco. No final todos estarão juntos: mudos, aleijados e cegos.
Em seguida será realizada uma discussão da compreensão que tiveram com
a vivência, que para ser feita levaremos em consideração que:
Mudos- representam o Conselho Tutelar
Aleijados- representam o Poder Público (Promoção Social, Secretaria da Educação,
PSF...)
Cegos- representam o Poder Judiciário
Esse espaço então servirá como discussão e reflexão para os Conselheiros
perceberem que as três instâncias (Conselho Tutelar, Poder Público e Poder
Judiciário) precisam trabalhar juntos não se preocupando somente em apontar o que
o outro está deixando de fazer, mas sim contribuindo para a defesa dos direitos da
criança e do adolescente.
Posteriormente os Conselheiros receberão um texto e uma leitura será feita,
para a reflexão sobre como o governo vêm se mobilizando para atender aos jovens
do país, e associaremos estas idéias à importância de instâncias desenvolverem
trabalhos em conjunto.
� Justificativa:
De acordo com LORENCINI, FERRARI e GARCIA (2002) a cada caso
atendido na intenção de proteger a criança e o adolescente pelo Conselho Tutelar,
espera-se que este acione outros serviços que poderão juntar-se e criar cria-se uma
rede específica de apoio. Acreditam que um trabalho interligado com esta rede
envolvida nos atendimentos faz surgir uma nova visão sobre o caso atendido,
possibilitando que ações integradas sejam utilizadas.
Consideram-se algumas ações pertinentes para que este trabalho coletivo
aconteça positivamente: discussão do caso pelos profissionais envolvidos; registros
em prontuários e processos judiciais acessíveis para que estes profissionais possam
ter contato quando houver necessidade; visitas a locais que fazem parte do contexto
de cada caso; promoção e participação de debates sistematizados; troca de
conhecimentos diante das experiências vividas (LORENCINI, FERRARI e GARCIA,
2002).
23 23
Levando em consideração estes aspectos, acreditamos na importância de
discutir este sistema de apoio com os Conselheiros, para que se tiverem esta rede
saibam aproveitá-la e caso não tiverem, quais maneiras para que consigam
estabelecer estas condições. Compreendemos que a vivência através da dinâmica
pode ilustrar esta importância e fazer com que reconheçam esta: cada instância com
sua responsabilidade e enfatizar que juntos o trabalho se fortifica em prol da criança
e do adolescente.
6º Encontro: Abrigamento e Adoção
� Objetivos:
• Refletir sobre em que consistem o abrigamento e a adoção, de acordo com o
ECA.
• Discutir em que condições e diante de qual realidade estas podem ser formas
positivas de intervenção a determinado caso.
• Fornecer material complementar que aborda o assunto, como maneira de inserir
novos conhecimentos.
� Material: filme (VHS) “Uma Questão de Honra”, tv, videocassete e texto
complementar.
� Estratégias:
• Transmissão do filme “Uma Questão de Honra”- Tempo de Duração: 98 minutos.
• Entrega de texto complementar sobre famílias substitutas: “Famílias provisórias
ao invés de abrigos” (ANEXO 7).
� Conteúdo:
Será transmitido neste encontro o filme (“Uma Questão de Honra”), cuja
sinopse está a seguir (contra- capa do filme).
“(...). Elmer Jackson (Mark Harmon) é um trabalhador sem instruções que
precisa cuidar de seus quatro filhos depois da morte prematura da sua esposa.
Quando um insensível assistente social interpreta mal a simplicidade de Elmer, faz o
Estado intervir e levar seus filhos para instituições de adoção. Elmer perde a
24 24
custódia de seus próprios filhos! Desesperado, ele luta contra tudo e todos, ele os
procura nos orfanatos, hospitais, em todos os lugares...”.
Após o filme, será feita uma discussão breve sobre as conseqüências de uma
“separação” não muito bem pensada e avaliada, as implicações para as crianças e
adolescentes e neste sentido quem está protegendo os direitos destas. Para ilustrar
melhor este momento, perguntaremos se os Conselheiros conhecem casos sobre o
tema tratado para que relacionem e reflitam a importância, de analisar e entender o
contexto antes de propor uma intervenção não cabível.
No final será entregue o texto complementar sobre o assunto que poderão
também tirar dúvidas caso vejam a necessidade.
� Justificativa:
Sabemos que o abrigamento é uma medida de proteção estabelecida diante
da violação dos direitos da criança e do adolescente. Com base no artigo 91 do ECA
(1990), entendemos que as entidades que funcionam como abrigo deve ter local
adequado quanto à segurança, habitabilidade, higiene e salubridade, plano de
trabalho compatível com o previsto na lei, ser constituída regularmente e apresentar
funcionários inidôneos. O artigo 92 nos fala de princípios a seres seguidos pela
entidade: preservar os vínculos familiares dos abrigados; não desfazer grupos de
irmãos; evitar a transferência para outras entidades da criança e do adolescente
abrigados; participação na comunidade em que vivem; integrar-se em famílias
substitutas apenas quando os recursos para melhoria das condições gerais da
família original se esgotarem (ECA, 1990).
De acordo com o artigo 43 do ECA (1990), a adoção só é autorizada quando
comprovadas vantagens reais à criança ou adolescente adotado, com motivos
legíveis para tal medida.
Diante destas atribuições entendemos que muitas vezes existe uma confusão
sobre o que significa a criança ou adolescente estar em um abrigo, orfanato e
quando é cabível ser adotada. Visando esta questão o encontro foi escolhido para
se tratar destes temas assim como outros relevantes e associados como tutela,
guarda, famílias substutivas entre outros. Pensamos assim em proporcionar uma
discussão sobre essas ações para que bem compreendidas, os Conselheiros
possam aplicá-las de forma adequada e intervir caso estas não estejam funcionando
25 25
como previsto em lei, já que, mesmo não participando diretamente desta decisão é
preciso que eles compreendam todo o procedimento que acompanha este processo.
7º Encontro: Violências
� Objetivos:
• Apresentar as diferentes formas de violências existentes, a título de informação.
• Refletir como o Conselheiro pode intervir diante de casos que envolvam
violência.
• Realizar atividade com texto acerca da violência, como forma de aquisição de
novos conhecimentos e reflexão desta situação.
� Material: fichas com os tipos de violência (violência urbana e sócio-político-
econômica; violência moral e psicológica; violência sexual; violência no ensino;
violência familiar), cartolinas, jornais, revistas, colas, tesouras, lápis preto e colorido,
tesoura e texto sobre violência.
� Estratégias:
• Confecção de cartaz sobre tipos de violência.
• Leitura e discussão do texto “Políticas públicas para romper o ciclo da violência”
(ANEXO 8).
� Conteúdo:
Será entregue a cada Conselheiro uma ficha com um nome (tipo) de violência
e a partir deste, terão que confeccionar um cartaz, de acordo com a preferência,
(desenho, recortes, colagens, textos), representando a ficha como entendem aquela
violência. Posteriormente será apresentado a eles o que de fato corresponde a cada
abuso, comparando se correspondem ao que pensaram no início e assim discutir
sobre formas de intervenção a cada tipo de agressão. Para facilitar este processo,
será pedido que pensem em casos ou exemplos desta situação, para em conjunto
pensarmos em maneiras adequadas de ação.
26 26
No segundo momento do encontro, será entregue aos Conselheiros um texto,
que será lido e refletido, complementando e acrescentando idéias de como lidar com
a violência.
� Justificativa:
Segundo ZIMMERMAN (2001), a manifestação e intensidade da ação violenta
se ampliaram ao longo dos anos; e por isso considera que o termo seria melhor
entendido e representado como “violências”, no plural, indicando que são diversos
os tipos que acontecem, muitas vezes simultaneamente. Explica diversas formas de
violência descritas a seguir:
o Violência urbana: ação de furtar, assaltar, agredir fisicamente, cometer
homicídios e suicídios, seqüestrar, entre outros.
o Violência sócio-política-econômica: representa a ausência de condições de
moradia, alimentação, vestuário, transporte, trabalho, acesso de programas
de saúde, etc.
o Violência moral: humilhação e ofensas sofridas pela população em geral.
o Violência sexual: comportamento de pessoas mais velhas de abusar
crianças sexualmente.
o Violência do ensino: ação praticada na escola, contra os alunos, em forma
de desqualificação, humilhação, deboches, entre outras maneiras.
o Violência familiar: prática de pais ou responsáveis de maltratar, negar
condições básicas de vivência, abandonar e agredir fisicamente os filhos.
ALBERTON (2005) conceitua a violência como: “uma manifestação abusiva
de poder capaz de ignorar, ofender, humilhar, oprimir, explorar, machucar e até
mesmo matar” (p.102).
Considera-se que a violência sofrida pela criança e pelo adolescente se
classifica em quatro grupos: física, sexual, psicológica e negligência (ALBERTON,
2005). Entendemos, considerando as concepções de violência pelos autores, que a
violência moral pode ser considerada como psicológica também, por se tratar de
uma forma agressiva individual de humilhação, atingindo diretamente a essência da
pessoa; e concordamos com ALBERTON (2005), quando fala que a violência
psicológica atinge a pessoa moralmente, abalando a auto-estima desta.
27 27
Diante destas maneiras de se ver a violência, consideramos extremamente
importante que os Conselheiros tomem conhecimento destas e tenham um espaço
para refletir sobre maneiras de lidar com esta situação, que se faz tão presente em
nosso país e consequentemente na demanda apresentada pela população atendida
por eles.
8º Encontro: Jovem em conflito com a lei
� Objetivos:
• Refletir sobre a realidade dos jovens em conflito com a lei.
• Discutir possibilidades de intervenção apropriadas, visando à proteção dos
direitos e deveres dos jovens nesta situação.
• Abranger concepções e visões sobre o jovem em conflito com a lei.
� Material: folhas de papel sulfite, canetas esferográficas, rádio, cd e textos sobre o
tema.
� Estratégias:
• Leitura e discussão dos textos: “Outros futuros possíveis para o Brasil
adolescente” (ANEXO 9); “Liberdade Assistida recupera auto-estima de
adolescentes que cometeram ato infracional” (ANEXO 10); “Privação de
liberdade, empobrecimento de vidas” (ANEXO 11) e “Medidas socioeducativas
são aplicadas com sucesso em adolescente em conflito com a lei” (ANEXO 12).
• Check-list sobre o que entende sobre o jovem em conflito com a lei.
• Transmissão da música “Hey Joe” da banda “O Rappa” (ANEXO 13).
� Conteúdo:
Cada conselheiro receberá um texto relacionado ao tema e realizará a leitura
deste. Em seguida, usando folhas de sulfite, fará um check-list (listar aspectos)
sobre tudo o que entende como relacionado ao jovem em conflito com a lei (ações
inadequadas, formas de punição, entre outros). Posteriormente a partir do que leram
nesse encontro e do que já conhecem sobre o assunto, apresentarão suas
considerações, para serem discutidas em grupo, sobre a realidade em que se
28 28
encontra o jovem nestas condições. Assim, serão pensadas formas de intervenção
cabíveis a casos (experiências ou exemplos apresentados na mídia), levando em
consideração o que propõe o ECA.
No final da discussão, será transmitida a música “Hey Joe“ como forma de
reflexão sobre o tema do encontro. Os estagiários enfatizarão a importância de zelar
e não negligenciar os direitos dos jovens, associando com a necessidade de todo
ser humano ter seus direitos assegurados.
� Justificativa:
Com base no artigo 103 do ECA (1990), o ato infracional é entendido como
ação descrita como crime ou transgressão penal. Verificado este ato, são aplicadas
ao adolescente medidas sócio-educativas, que podem ser: advertência; reparo do
dano cometido; prestação de serviços à comunidade; aplicação de liberdade
assistida; cumprimento de regime semi-liberdade; internação em estabelecimentos
educacionais e aplicação de quaisquer medidas específicas de proteção.
MARCÍLIO (2001) diz que a idéia de internar jovens em conflito com a lei para
educá-los e posteriormente voltá-los à sociedade restaurados de suas ações
delinqüentes é antiga. Considera que esta situação isolada vivenciada por estes
jovens tem deixado marcas de violência que não condizem com a proposta
educacional que tem como fim proporcionar o cumprimento pela contravenção da lei.
A falta de proposta pedagógica da FEBEM, que é a instituição onde a maioria
dos jovens cumpre a medida sócio-educativa de internação, comprova que o
movimento e a intenção de reconstruir os jovens infratores não tem efeito, uma vez
que passam a maior parte do tempo na inatividade, sem estudar, o que mostra que
seus direitos, garantidos pelo ECA, são violados (MARCÍLIO, 2001). O fato de estes
jovens serem desrespeitados provoca rebeliões, manifestações de
descontentamento, fazendo com que a proposta de intervir em benefício destes
“caia por terra”.
Diante desta situação, e com o aumento da violência no país, muitas pessoas
acreditam ainda que deva acontecer a redução da maioridade penal, a fim de que
jovens infratores sejam responsabilizados pelos atos cometidos. Porém, este
acontecimento implica na mudança de artigo proposto pelo ECA, composto de leis
que zelem pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Com isso,
29 29
pode-se pensar se seria mais adequado mudar a lei ou repensar na condição do
jovem em conflito com a lei (TEIXEIRA, 2001).
Partindo deste princípio, consideramos que refletir sobre o jovem que comete
atos infracionais, assim como as possíveis intervenções a eles, se faz importante;
uma vez que discutir este tema proporcionará que novas visões apareçam e
assuntos relacionados ao tema sejam tratados como liberdade assistida, FEBEM,
entre outros.
9º Encontro: Direito à Educação
� Objetivos:
• Pensar acerca da importância da educação.
• Refletir sobre a realidade da educação oferecida no país.
• Apresentar as formas de educação existentes.
• Refletir como o Conselho Tutelar pode contribuir para garantir o direito à
educação.
� Material: rádio, cd, folha de sulfite com a frase a ser completada, lápis preto,
borrachas e canetas esferográficas.
� Estratégias:
• Transmissão da música “Aquarela” (ANEXO 14).
• Atividade de completar a frase “A educação é importante porque...”.
� Conteúdo:
O encontro terá início com a transmissão da música “Aquarela” (CANDAU,
SACAVINO, MARANDINO, MACIEL, 1995; CANDAU, SACAVINO, MARANDINO,
BARBOSA, MACIEL, 1995). Ouvindo a canção, será pedido a cada Conselheiro
pensar nos momentos mais marcantes de suas experiências de infância relacionada
à educação. Feito isso cada um irá relatar ao grupo um fato da vida que considera
especialmente significativo, justificando-o.
Em seguida pedirá que cada um preencha a frase “A educação é importante
porque...”, descrita em uma folha sulfite que será entregue. A partir das respostas
30 30
será pedida uma reflexão sobre a situação da educação analisando se os direitos
propostos pelo ECA estão sendo cumpridos e associar esta situação ao papel do
Conselho Tutelar. Posteriormente será aberto um espaço de discussão para troca de
idéias, visões e concepções, sobre a educação e seus diferentes tipos: formal e
informal (CARO e Guzzo, 2004).
No final, os Conselheiros serão lembrados que na próxima semana se
encerrará o Curso e será sugerida uma confraternização.
� Justificativa:
Visando o desenvolvimento, preparo para a cidadania e qualificação para o
trabalho, é direito da criança e do adolescente usufruir da educação. Neste sentido
cabe ao Estado garantir a educação, seja em creches, pré-escolas, ensino
fundamental e médio, escolas de educação especial, com acesso obrigatório e
gratuito (artigos 53 e 54; ECA, 1990).
Tendo isso em vista, entendemos ser importante que o Conselheiro Tutelar se
conscientize sobre estes direitos estabelecidos em lei, discutindo assim sua função
para o cumprimento destes, visando e protegendo o bem-estar da criança ou
adolescente atendido.
10º Encontro: Avaliação do Curso
� Objetivos:
• Avaliar o Curso de Capacitação.
• Comparar possíveis mudanças apresentadas antes e depois do curso.
• Verificar se as expectativas com o Curso foram alcançadas.
• Obter sugestões de temas relevantes para serem tratados em cursos para
Conselheiros.
• Realizar confraternização.
� Material: folhas sulfite, canetas esferográficas e quadro das dificuldades
construído no 3º encontro.
� Estratégias:
31 31
• Nova reflexão sobre o quadro das dificuldades de atuação.
• Atividade escrita sobre a avaliação do curso e sugestões.
� Conteúdo:
Os Conselheiros receberão novamente o quadro das dificuldades realizado no
3º encontro, para visualizarem e compararem possíveis mudanças no antes e depois
do curso verificando se suas expectativas foram cumpridas ou não.
Em seguida cada Conselheiro receberá uma folha para descrever sua
avaliação do curso, considerando aspectos positivos e negativos, justificando-se
brevemente. O modelo seguinte demonstra a atividade:
Conselheiro: ____________________________________________
Avaliação do Curso de Capacitação
Condução do Curso pelos estagiários:
Participação do grupo no Curso:
Participação pessoal no Curso:
Críticas e Sugestões:
Posteriormente será destinado um espaço para falarem sobre as avaliações
que fizeram do Curso. Por fim, uma festinha de confraternização poderá ser
realizada, conforme combinado entre o grupo no encontro anterior.
� Justificativa:
Diante do que foi proposto e dos objetivos para este curso, se faz importante
saber dos participantes como perceberam os encontros, avaliando em que medidas
a atuação e concepções deles mudaram ou foram influenciadas pelo Curso, a fim de
que possamos ter um feedback da eficácia desta proposta de trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho foi desenvolvido a partir do contato que se teve com um
Conselho Tutelar. A participação neste contexto possibilitou que fosse observada a
necessidade de se oferecer um maior aprofundamento dos temas que envolviam as
queixas apresentadas; verificando que a Psicologia tem muito a contribuir para a
transformação desta realidade. Para isso, pensamos na possibilidade de se propor
um Curso de Capacitação para Conselheiros Tutelares, em que pudessem ser
discutidas estas temáticas. No entanto, muito cuidado foi tomado para a elaboração
do mesmo, uma vez que se pretendia fazer com que os Conselheiros se tornassem
mais reflexivos e críticos quanto ao seu papel.
Entendemos que a elaboração deste curso não teve como finalidade ensinar
aos Conselheiros a exercerem suas funções, já que esse não é o papel do
psicólogo; mas pretendeu lançar disparadores que fizessem com que a prática de
reflexão e de busca de informação e aprimoramento, tornasse-se algo presente em
seu cotidiano.
Acreditamos realmente que o papel do psicólogo neste contexto é permitir que
haja uma discussão em conjunto com os Conselheiros, chegando assim a caminhos
que possam ser seguidos e que estejam de acordo com as demandas apresentadas
pela sociedade e cumprindo a principal função deste órgão que é a de zelar pelos
direitos e deveres das crianças e adolescentes.
Os objetivos propostos não foram colocados em prática, mas consideramos
que um Curso de Capacitação possuiu uma grande importância, podendo ser
desenvolvido por outros estagiários que vierem a fazer parte de um programa de
estágio realizado em conjunto com o Conselho Tutelar.
Compreendemos que este projeto não é o único que possa vir a ser aplicado,
podendo ser aprimorado e abranger outras necessidades apresentadas,
acrescentando assim novos temas para serem discutidos e que estejam de acordo
com a realidade vivida. Devido a esta flexibilidade do programa, entendemos que ele
pode ser aplicado em vários Conselhos Tutelares de diferentes municípios, desde
que a proposta atenda as suas demandas.
Encerramos dizendo que cabe à Psicologia cumprir com seu papel social, e
evitar que as crianças e adolescentes de nosso país continuem a ser discriminados
e oprimidos, entendidos como seres que não têm nada a dizer, e que seus direitos
33 33
são apenas favores. Acreditamos que os psicólogos, em conjunto com o Conselho
Tutelar, possibilitem que sejam feitas discussões e reflexões críticas sobre a
realidade vivenciada por esta parcela da população, proporcionando que
transformações e melhorias venham a acontecer.
REFERÊNCIAS
_________. A família prepara a criança para se tornar um cidadão. In: Psi Jornal
de Psicologia CRP/SP. nov/dez. 2004.
_________. A Psicologia como protagonista na discussão e implantação de
mudanças sociais. In: Psi Jornal de Psicologia CRP/SP, n. 141, jul/set, 2004, p. 05.
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ANEXOS
ANEXO 1 – LEITURA COMPLEMENTAR
Estatuto da Criança e do Adolescente precisa de vontade política para
sobreviver
Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente tenha nascido, 15 anos atrás, maduro e avançado, a aplicação de seus princípios pelo Estado brasileiro está só engatinhando. Os tímidos resultados não foram suficientes para desanimar seus defensores nem tampouco para dar eco a setores mais repressivos da sociedade favoráveis à redução da maioridade penal. Mas o pensamento jurídico de boa parte dos operadores do direito e dos profissionais, que trabalham com infância e juventude, é de que, para dar vida ao Estatuto, o Estado tem que produzir política pública na área.
O presidente da Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude, juiz Rodrigo Junqueira, diz que o foco de preocupação não deve ser o dos opositores do ECA, que pouco ruído fazem. Até porque, readaptar o Estatuto significaria alterar a Constituição Federal, que elegera a criança como prioridade absoluta. Os esforços deveriam se concentrar, segundo ele, no sentido de forçar os Governos das três esferas a trabalhar com vistas na criança e no adolescente. Reformar o ECA seria “eximir o Estado de uma obrigação que não vem cumprindo”.
O professor de Direito de Infância e Juventude da Escola de Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul, João Batista Costa Saraiva, diz que o princípio de prioridade absoluta tem de contaminar todas as ações de Estado em uma clara opção política. “O Estatuto, versão brasileira da Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança, está sendo paulatinamente efetivado”, acredita. Para o professor, é preciso, porém, que haja “decisão política” para que se produzam os efeitos esperados.
O juiz Rodrigo Junqueira define o que se quer dizer com “vontade política”: investimentos nas áreas sociais. Na educação: ampliação de vagas em creches, que em São Paulo atendem somente 1/3 da demanda, a grande causa de abrigamento na capital; orientação, apoio e acompanhamento temporário ao carente e abandonado em condições de risco; matrícula e freqüência obrigatória na escola. Na assistência social: programa terapêutico em torno do drogadiço e de fortalecimento domiciliar; oportunidades de profissionalização e de práticas de esporte; tratamento médico e psicológico em regime hospitalar e ambulatorial do dependente. Junqueira explica que os juízes da Vara da Infância e da Juventude fazem todos estes encaminhamentos. “Mas tudo é muito precário”, lamenta.
O professor Saraiva conta que a alma do ECA trouxe novos conceitos em relação às crianças e aos adolescentes, que saíram da antiga visão paternalista de proteção às crianças para a atual, de proteção de seus direitos, o que significa novos deveres a serem cumpridos pelo Estado, pela sociedade, pela família e também pelo adolescente. “É uma doutrina”, continua, “inserida no contexto
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internacional de luta pelos direitos humanos. O Brasil antecipou-se e outros países, como Chile e Argentina, só agora se esforçam para ajustar suas legislações à normativa internacional. Por conta deste detalhe, pensar em mutilar o ECA seria um retrocesso”. Saraiva defende aprimoramentos que sejam feitos dentro do próprio sistema que ele concebe, por meio de uma legislação que regule a execução de medidas sócio-educativas e a ampliação do módulo máximo de internação para até 15 anos para adolescentes em conflito com a lei.
O presidente da Febem, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, também defende a modificação do dispositivo que determina a reclusão de menores infratores para medidas sócio-educativas por prazo indeterminado. “A falta de perspectiva de liberdade gera tensão nos internos e faz com que eles não acreditem na
progressão. É preciso que as medidas sejam por prazos fixos”, sugere. Paulo Costa, defensor da instituição que preside, diz que a Febem está em fase de reorientação. A secretaria da Educação acolheu a Febem que deixou de priorizar a contenção em prol dos aspectos pedagógicos.
Já o professor de Direito Administrativo e Filosofia do Direito da PUC, deputado federal José Eduardo Cardozo (PT/SP), tem uma visão mais crítica da Febem, a qual considera “uma verdadeira escola de crimes, triste retrato de políticas violentas”. Para ele, instituições como a Febem só agravam o problema. “O Estatuto quer o adolescente na escola, no esporte, nas artes, no meio de famílias sem desemprego, com rendas capazes de garantir vida digna e qualificada”, aponta. Se o ECA não está sendo aplicado como deveria, o problema deve-se, na opinião dele, “à posição conservadora e preconceituosa de setores sociais, que defendem medidas duras e rápidas”. Cardozo afirma que a efetivação do Estatuto é um “trabalho de cada hora, pois se trata de um instrumento essencial à afirmação da plena cidadania”.
Há mais em comum que diferença entre eles. Porém, a opinião contrária à redução da maioridade penal é convergente. Para o professor Saraiva, seria um crime contra a juventude. “O Estatuto contém um modelo de responsabilidade juvenil, fundado em princípios do chamado Direito Penal Mínimo, apto a dar conta das questões relativas ao adolescente em conflito com a Lei, reconhecendo sua especial condição de pessoa em desenvolvimento”, garante. “Transferir o menino da Febem para a penitenciária é só mudança de endereço”, acredita Rodrigo Junqueira. “É preciso, ao contrário, que haja também um forte investimento naqueles que não têm conseguido a recuperação”, defende.
CRP SP Acervo - Psi - Jornal do CRP SP - Edição 136.htm Disponível em: http://www.crpsp.org.br/a_acerv/jornal_crp/set_indice_jornal.htm
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ANEXO 2 – LEITURA COMPLEMENTAR
ECA comemora 15 anos de luta pelos direitos das crianças e adolescentes Os desafios do estatuto não são apenas os de superar ranços do antigo Código de Menores e os de pôr em prática seus artigos. Projetos de lei, que tramitam no Congresso Nacional, propõem desfigurar seus princípios
A sociedade brasileira cultivou por décadas a idéia de que crianças e adolescentes eram “incapazes”, ignorando-os até no aspecto legal. A transição desse conceito para a compreensão de que os direitos se estendem a todos e não só a quem é considerado contribuinte coincidiu com a abertura política no Brasil e com a aprovação de leis democráticas e humanistas, a começar pela Constituição Federal de 1988. O amadurecimento da sociedade e a introdução de saberes científicos e sociológicos à elaboração de princípios legais foram terra fértil para a aprovação da lei n° 8069/90, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA comemorou, entretanto, no dia 13 de julho, seus 15 anos de vida sob ameaça dos defensores do antigo Código de Menores. Correm na Câmara dos Deputados projetos de lei que propõem a redução da maioridade penal e mudanças no ECA, uma das peças jurídicas mais modernas do mundo.
O estatuto, versão brasileira da Convenção das Nações Unidas do Direito da Criança, está inserido em um processo histórico internacional de afirmação dos direitos humanos. Sua legitimidade foi afirmada ao longo da construção de seus 267 artigos, os quais receberam a contribuição de diversos segmentos da sociedade, entidades ligadas à juventude, Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo e especialistas da área social.
Um dos campos que veio contribuir para essa mudança foi o da Psicologia. Hoje, de maneira mais afirmativa, os psicólogos, que atuam na área da infância e juventude, buscam aplicar em seus serviços dentro das instituições públicas, em conjunto com outras disciplinas, a defesa dos direitos humanos e o olhar da subjetividade do adolescente e da criança.
Para Débora Cristina Fonseca, conselheira do CRP SP e pesquisadora na área da adolescência, essa é uma diretriz que o psicólogo deve seguir. “Notamos que os profissionais das mais diversas áreas, que trabalham diretamente com os adolescentes, ainda acreditam que o estatuto trouxe direitos desprovidos de deveres, o que não é verdade. O ECA também prevê obrigações ao Estado, à sociedade e ao próprio jovem”, esclarece. “As medidas socioeducativas, a prestação de serviços à comunidade, a reparação do dano e, em casos mais graves, a privação da liberdade são graduações de responsabilização do adolescente”, acrescenta. Ela lamenta, porém, que as medidas socioeducativas geralmente não sejam colocadas em prática. “Após cometer diversos atos infracionais, o adolescente é enviado a instituições prisionais como a Febem, sem que tenha existido uma tentativa anterior de reeducá-lo”, pondera.
Segundo a também psicóloga e professora da USP Leste, Patrícia Junqueira Grandino, os adultos ainda não se livraram das amarras conservadoras e têm dificuldades de estabelecer um diálogo para conhecer melhor as necessidades dos jovens, sobretudo, os infratores. Segundo ela, as novas gerações já nascem mergulhadas na realidade, na qual elas se reconhecem e reivindicam seus direitos, enquanto os adultos não estariam conseguindo ocupar seu lugar de autoridade. “Todas as propostas de alterar o ECA só denunciam a incapacidade do mundo
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adulto de reconhecer o sujeito de direito, que crianças e adolescentes já conquistaram”, diz.
Para Patrícia, desfigurar o estatuto faz parte de um movimento retrógrado de impor limites ao que já não é possível ou tolerado num mundo em que se pressupõe o estado de direito. “A sociedade não consegue aceitar a juventude da maneira como ela se coloca hoje e fica querendo criar mecanismos coercitivos. Eu condeno qualquer uma dessas medidas até porque o estatuto, em toda a sua complexidade, ainda não foi totalmente colocado em prática”, afirma.
O juiz regional da Infância e Juventude de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, João Batista Costa Saraiva, explica que, nesses 15 anos, o estatuto foi responsável por mudanças significativas na vida de crianças e adolescentes em todo o Brasil e serviu de exemplo como um dos melhores e mais modernos sistemas de política pública do mundo. Mas, apesar de avançado, o ECA esbarra em problemas fundamentais que dificultam a aplicação de seus princípios, alimentando o discurso de seus opositores.
“O ECA traz em si as soluções para o enfrentamento das questões de violência cometida por crianças e adolescentes, como a aplicação das medidas socioeducativas. Mas infelizmente a política do encarceramento, herdeira do Código de Menores, ainda é a única política de combate à delinqüência juvenil”
João Batista Costa Saraiva
Seus 15 anos parecem não ter sido o bastante para que políticas públicas fossem implementadas de maneira eficiente e em número suficiente para atender as demandas. Para ele, as imperfeições permitem a continuada violação dos direitos humanos e situações como as da Febem de São Paulo, sempre em volta de rebeliões. O juiz comenta que a sociedade ainda carrega o “DNA” do paradigma da incapacidade. “As crianças e adolescentes não estão sendo considerados senhores e sujeitos de sua própria vida”, acredita. Para o magistrado, enquanto eles não forem tratados como titulares de direitos e deveres, a sociedade estará se envolvendo em discussões equivocadas como propostas que pedem a redução da maioridade penal. “O ECA traz em si as soluções para o enfrentamento das questões de violência cometida por crianças e adolescentes, como a aplicação das medidas socioeducativas. Mas infelizmente a política do encarceramento, herdeira do Código de Menores, ainda é a única política de combate à delinqüência juvenil”, critica.
Para João Batista Saraiva, conferencista conhecido em todo o País sobre o tema direitos da infância e juventude e que atuou como juiz da Vara das Execuções das Medidas Socioeducativas de Porto Alegre entre 1991 e 1994, avançado não é o mesmo que imutável. Ele defende algumas alterações no estatuto para o próprio bem de sua aplicabilidade. “A lei tem que ser dinâmica e se adequar à realidade do país. Alguns artigos do ECA possibilitam interpretação dúbia, o que dificulta a tomada de ações efetivas por parte do poder público”, afirma. Ele cita o artigo 98 do estatuto, que trata da definição da situação de risco e que deveria ser melhor explicitado. Esse artigo poderia ser interpretado de maneira errônea ao considerar a pobreza como situação de risco, permitindo a retirada de crianças e adolescentes do convívio familiar e as abrigando em instituições. “O perigo é tornar o abrigamento uma política pública que substitui os programas de atendimento à família carente”, adverte.
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O juiz também acredita que falta ao estatuto um olhar diferenciado ao jovem adulto, aquele que ainda é responsabilizado por atos cometidos na adolescência. “Esse jovem não pode ser colocado no mesmo espaço e receber o mesmo atendimento dos jovens com menos idade. Uma mudança do ECA nesse sentido traria inúmeros benefícios “, acredita.
Apesar desses desafios, a conselheira Débora Fonseca vislumbra avanços para os próximos anos se os segmentos de defesa dos direitos humanos, a começar pelos profissionais da Psicologia, não esmorecerem . “Fazer valer o ECA é uma batalha que os psicólogos têm que enfrentar. Garantir a condição de sujeitos de direitos a crianças e adolescentes irá determinar o futuro das próximas gerações. E a qualidade da saúde mental só será boa se estiverem garantidos os direitos previstos no estatuto”, defende. Patrícia Junqueira Grandino também acredita que o momento é de amadurecimento. “Não há como voltar ao passado, e teremos que encontrar alternativas para superar os obstáculos para que no futuro o ECA consiga se impor como modelo vigente”, finaliza.
CRP SP Acervo - Psi - Jornal do CRP SP - Edição 144.htm Disponível em: http://www.crpsp.org.br/a_acerv/jornal_crp/set_indice_jornal.htm
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ANEXO 6 – TEXTO A SER DISCUTIDO
Governo, entidades e movimentos juvenis se voltam para a realidade dos
jovens brasileiros e buscam alternativas para garantir seus direitos
A juventude, condição para quem tem entre os 15 e os 24 anos de idade, vive o vácuo do esquecimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente norteia as políticas públicas voltadas aos primeiros estágios da vida de um cidadão. Os adultos são lembrados por um conjunto de medidas gerais para geração de emprego e assistência social, por exemplo. Os mais velhos recentemente conquistaram o Estatuto do Idoso. Já os jovens são tolhidos em todo o seu vigor e criatividade por uma realidade que não lhes oferece condições para conquistar um espaço social, transformando muitas vezes a esperança num futuro digno em revolta e apatia, que se traduz em violência e anulação.
Os movimentos sociais já acionaram a luz vermelha e o poder público percebeu os sinais. O governo federal recentemente criou a Secretaria Nacional da Juventude e discutem-se o Plano Nacional e o Estatuto da Juventude. Segundo Maria Virgínia Freitas, coordenadora do Programa Juventude da ONG Ação Educativa, estas duas propostas, apresentadas ao Congresso Nacional, receberam críticas de parte das Organizações Não-Governamentais por não terem passado por um processo aprofundado de debates na sociedade civil. Mas têm o mérito de trazer à luz uma matéria esquecida pelas autoridades.
Com o tema da juventude ganhando visibilidade e a mobilização de diferentes setores, os governos passaram a se mobilizar para criar políticas e garantir os jovens na construção dessas iniciativas. Surgiram no âmbito público as assessorias e coordenadorias da juventude para promover a articulação entre as secretarias e acionar projetos e ações nesse campo. A representatividade dos jovens aumentou e outras questões começaram a ser discutidas, entre elas a criação de uma legislação exclusiva para os jovens.
Desde 2002, a Câmara dos Deputados conta com uma comissão, constituída por 22 parlamentares, que se propuseram a elaborar o Plano Nacional da Juventude, onde seriam definidas as perspectivas para os próximos 10 anos nos âmbitos do trabalho, educação, cultura e outras políticas públicas para jovens e o Estatuto da Juventude, que contemplaria seus direitos e deveres. Para isso, os deputados dividiram a responsabilidade de realizar Conferências Estaduais, garantindo que o processo de construção do Plano e do Estatuto fosse o mais democrático e participativo possível. O resultado desses debates estaduais foi apresentado em uma Conferência Nacional, realizada em 2004, na qual foi elaborada uma proposta de projeto de lei.
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Embora os movimentos sociais tenham aplaudido a realização de instâncias que garantam a participação juvenil, como foram as Conferências Estaduais e Nacionais, o processo não satisfez as expectativas de todos. Segundo Maria Virginia de Freitas, a forma superficial como as sugestões foram discutidas e a falta de uniformidade na participação dos Estados fez com que a proposta de criação do Estatuto e do Plano Nacional não correspondesse à aspiração da grande maioria dos participantes dos movimentos juvenis e das entidades.
A ex-secretária de Educação de Niterói, Maria Felisberta Baptista da Trindade, ligada ao Observatório Jovem, concorda que a proposta deve ser elaborada a partir de uma ampla discussão. “A proposta da criação tanto do Estatuto quanto do Plano não deve ser feita de cima para baixo, os jovens e a sociedade civil têm que participar ativamente. Entretanto, o fato de existir essas propostas já foi um grande avanço para a juventude”, afirma. A expectativa, portanto, é de que as discussões voltem a ocorrer no momento da tramitação do projeto de lei.
Pelo lado do governo federal, constituiu- se um grupo interministerial, envolvendo os ministérios da Cultura, Educação, Ação Social, entre outros, para realizar um mapeamento das políticas públicas para os jovens que estão sendo executadas e elaboradas em áreas distintas. Esse estudo deverá servir de base para a construção de uma política integrada, na qual cada ministério deverá incluir em suas ações características que contemplem as necessidades da parcela jovem da população. E foi a partir de todas essas iniciativas que se criou a Secretaria Nacional da Juventude, que deve atuar tanto na elaboração de políticas quanto na identificação de projetos e ações em outras áreas.
Para Maria Virginia, a institucionalização de uma secretaria específica é resultado de um conjunto de esforços do governo, do legislativo, das organizações da sociedade civil e da participação dos grupos e movimentos juvenis no processo. “Foi uma resposta dada com base no estudo do grupo interministerial”, explica.
Vice-presidente da Comissão da Juventude da Câmara Municipal de São Paulo, a vereadora Soninha Francine acredita que a convergência de ações distintas para uma secretaria com status de ministério é um caminho importante para o sucesso de programas para os jovens. A vereadora propõe que as esferas de poder que trabalham o assunto revejam muitas questões e invertam certos princípios para ela equivocados. “Uma política de geração de emprego e renda às famílias, por exemplo, pode possibilitar uma situação na qual o jovem se dedique aos esportes, à cultura e aos estudos, sem precisar trabalhar precocemente para complementar a renda familiar. Daí, a importância da transversalidade da discussão, envolvendo todos os ministérios”, enfatiza.
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Também está sendo montado o Conselho Nacional da Juventude, que deverá ser integrado por representantes do governo, organizações e representantes dos jovens. A expectativa, com isso, é de ampliar a participação dos jovens nas decisões, contemplando suas necessidades e respeitando seus diferentes contextos, necessidades, cultura e geografia.
Maria Virginia observa que todas essas propostas certamente ainda serão motivo para inúmeros debates e discussões. Entretanto, apenas as políticas públicas não seriam suficientes para possibilitar uma transição tranqüila e adequada para o mundo adulto. Caberia à própria sociedade, por meio das famílias, escolas e entidades um acompanhamento integral de cada jovem, respeitando suas idéias, seus conflitos, superando os preconceitos estereotipados e contribuindo assim para a construção de indivíduos seguros, responsáveis e felizes.
CRP SP Acervo - Psi - Jornal do CRP SP - Edição 143 Disponível em:
http://www.crpsp.org.br/a_acerv/jornal_crp/set_indice_jornal.htm
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ANEXO 7 – LEITURA COMPLEMENTAR
Subsede Baixada Santista e Vale do Ribeira / Campinas
Famílias provisórias ao invés de abrigos
Programa dá novos lares a crianças em situação de risco social
Famílias substitutas para crianças em situação de risco social estão sendo preparadas por psicólogos em várias cidades do Estado de São Paulo. O programa Família Acolhedora tem sido implantado pelas Secretarias de Assistência Social nos municípios em que as leis já regularizaram seu funcionamento.
O Conselho Regional de Psicologia (CRP-SP), através de suas subsedes, tem estimulado a discussão sobre a formatação desses programas, promovendo debates e incentivando os membros do Grupo de Trabalho Criança, Adolescente e Família a participarem dos diversos Conselhos Municipais e dos Conselhos Tutelares, essenciais nesse processo. “A criança que é retirada do lar da família em situações comprovadas de abandono, violência doméstica ou desarranjo familiar, mesmo que momentâneo, vai conviver com outro lar, ao invés de ir para um abrigo”, explica a conselheira do CRP-SP e membro da comissão gestora da Subsede Baixada Santista e Vale do Ribeira, Carla Bertuol.
Para ela, o programa dá aos psicólogos nova dimensão de trabalho familiar, lidando com dois núcleos simultaneamente, o que perde a guarda da criança e o que a recebe no momento de crise, o que não acontece com o atendimento tradicional. “As famílias substitutas abrem uma perspectiva de compreensão do universo infantil e a possibilidade de a criança lidar com dispositivos menos autoritários que favorecem a sua voz”, comenta.
São programas baseados na não institucionalização da criança, que sofre com um ambiente de tratamento pouco personalizado. “Normalmente as crianças institucionalizadas vivem em ambientes que são lugares de poucas trocas verbais e afetivas, elas não são estimuladas na linguagem verbal, o que pode comprometer sua forma de se expressar e a construção de sua individualidade”, diz. Para Carla Bertuol, a vida institucionalizada interfere, mais tarde, em diversas relações humanas, inclusive nas que teriam numa família adotiva, por exemplo, tais como poder disciplinar-se com horários ou no senso de propriedade.
Sob o aspecto psicológico, o tema é atrativo e complexo, afirma Carla. O profissional deve estar atento a vários processos, como o vínculo com a família de origem é rompido e como se dão as tentativas de preservação ou de reconstrução com a nova família, que pode ser até temporária, já que a substituta pode assumir apenas a guarda e não a adoção.
Carla Bertuol acrescenta que é preciso trabalhar no sentido de considerar as famílias acolhedoras como parceiras da equipe de psicólogos. “Mesmo que seja uma situação transitória, o efeito é positivo para a criança. Trata-se da sua história e da sua vida”, ressalta ela.
Experiências reais – Em Campinas, a prefeitura municipal implantou o programa de famílias acolhedoras em 1997, através do Serviço Alternativo de Proteção Especial à Criança e ao Adolescente (SAPECA).
Nos mesmos moldes pretendidos em Santos, o SAPECA oferece acompanhamento social e psicológico sistemático às famílias das crianças e
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adolescentes que estão acolhidas e as observa por mais cinco anos, após o retorno ao grupo familiar de origem, evitando a revitimização de crianças que sofreram violência doméstica. “Venho buscando a delimitação de um campo de trabalho que contribua com essa proposta, tanto na sua dimensão política e pública, quanto na dimensão da subjetividade das crianças, seus familiares, consangüíneos ou não e seus acolhedores”, garante a psicóloga do Programa, Daniela Martins Peterli.
Recentemente, o programa SAPECA realizou um seminário para propor uma alteração no artigo 90 do ECA, incluindo o atendimento psicossocial aos familiares de origem, para enfrentarem os problemas que os levaram à perda da guarda da criança ou adolescente. “O propósito é garantir cuidados à família de origem e dar-lhe o direito e condições de ter seu filho de volta”, declara a assistente social e coordenadora do SAPECA, Janete Aparecida Giorgetti Valente. A proposta de inclusão na lei tem sido encabeçada pelo próprio SAPECA e pelo Juizado da Infância de Campinas, com a participação das prefeituras de Franca e do Rio de Janeiro, que desenvolvem projetos desse tipo.
Duas conquistas recentes do programa renovaram as expectativas de sucesso na preparação das famílias. Em 2003, um usuário do SAPECA foi eleito na composição do Conselho Municipal de Assistência Social e uma família acolhedora participou do processo eleitoral para o Conselho Tutelar de Campinas, mostrando na prática o envolvimento do público alvo do programa com a causa dos direitos da criança e do adolescente.
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ANEXO 8 – TEXTO A SER DISCUTIDO
Políticas públicas para romper o ciclo da violência Especialistas defendem soluções intersetoriais para combater um fenômeno
social que atingiu níveis preocupantes A violência ganhou formas e tamanhos tão diversos que há muito tempo não
escolhe classe social, hora ou lugar. Os índices de criminalidade teimam em assustar a população e o Estado, responsável pela integridade das pessoas. Embora seja um tema sensível e de preocupação prioritária da sociedade, as propostas e as execuções de segurança pública, pautadas na idéia da repressão e de mais presídios, parecem não terem surtido o efeito prometido nos períodos eleitorais.
Estudiosos da matéria e profissionais envolvidos com programas voltados ao combate à violência tentam, há anos, mostrar aos governantes que esse fenômeno social só poderá ser enfrentado por políticas públicas que contextualizarem uma série de motivos determinantes.
A pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, Maria Fernanda Tourinho Peres, aponta os fatores individuais, culturais, sociais e históricos que precisam ser levados em consideração para que se possa entender a ocorrência, a distribuição e o crescimento de fenômenos violentos em grupos sociais, e, a partir disso, passar a pensar as formas de prevenção. “O fato de a violência ser resultante de múltiplos fatores faz com que medidas isoladas dificilmente tenham efetividade na prevenção”, acredita ela. Para Maria Fernanda, a solução é pensar e desenvolver ações de maneira intersetorial, envolvendo as diversas áreas relacionadas com a problemática e os três níveis de governo, para que assim as políticas públicas comecem a apresentar resultados. Ela explica que as ações não devem se restringir à segurança pública de maneira linear, mas precisam inserir em suas estratégias a saúde, a ação social, a educação, o lazer e a cultura como setores de natureza preventiva e de atendimento às vítimas. “São áreas que podem se desenvolver tanto em um único nível de governo, por meio das diferentes secretarias de uma prefeitura, por exemplo, como também de maneira vertical, partindo da integração entre os governos federal, estadual e municipal”, sugere.
Outros vícios que devem ser evitados ao elaborar programas intersetoriais, segundo Maria Fernanda, é o da sobreposição de projetos e as promessas de integração que não saem do papel. “Esses programas não podem ser apenas uma colagem de iniciativas de setores diversos. Eles devem surgir da elaboração conjunta de uma estratégia na qual cada um exerça seu papel e cumpra com as responsabilidades dentro de sua competência, visando o mesmo objetivo”, propõe. Maria Fernanda relata que já existem tentativas de formulação de políticas integradas e intersetoriais, mas que são difíceis de ser praticadas devido à estrutura governamental. “A organização do Estado é fundamentada na fragmentação em secretarias e nos três níveis de governo. Isso faz com que tanto as ações como as responsabilidades também sejam fragmentadas. Seria necessário partir para um modelo de gestão que rompesse com a idéia de divisões e se pautasse na integração dos diferentes setores. Já existe um movimento nesse sentido por parte do poder público, mais ainda há muito trabalho pela frente”, revela a pesquisadora. Um exemplo de tentativa de trabalho dentro dessa visão de intersetorialidade é o Centro de Referência e Apoio à Vítima, que dá atendimento a vítimas de violência
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ou seus familiares. O CRAVI é uma entidade ligada à Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, mas sua gestão é realizada em parceria com a sociedade civil por meio das ONGs Therapon e Instituto São Paulo Contra a Violência.
O CRAVI conta ainda com convênios com o governo federal, através da Secretaria Especial de Direitos Humanos e com a Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social. Lá, são atendidos especificamente os familiares de pessoas que se envolveram com alguma situação de violência fatal, em geral homicídio e latrocínio. A maior parte, mães que perderam seus filhos, chega à entidade por sugestão de fóruns e delegacias ou pela indicação de outros usuários. O atendimento é feito de forma interdisciplinar, por uma equipe composta por advogados, psicólogos e assistentes sociais.
Fabrício Toledo de Souza, coordenador do CRAVI, explica que, quando procurados pelo o usuário, o primeiro passo da entidade é receber e acolher a pessoa e identificar suas principais demandas. “Por meio de entrevistas com diversos profissionais, são detectadas as necessidades imediatas do usuário. Depois, é feito um trabalho de orientação para que ele conheça quais são os serviços públicos com os quais pode contar como a orientação de advogados e atendimento de assistentes sociais”, afirma.
“Nosso trabalho pode ajudar a romper um ciclo de violência que às vezes ultrapassa gerações, apresentando ao usuário alternativas de ação e evitando que sejam cometidos outros atos de violência que levam a mais mortes” Fabrício Toledo de Souza
Além disso, é realizada uma análise subjetiva para detectar a necessidade do atendimento psicológico. “O apoio terapêutico permite que o usuário possa elaborar sua perda e se reestruturar para que continue vivendo”, afirma Fabrício. Em diversos Estados, existem outras entidades, ligadas à Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal, que desenvolvem programa semelhante.
Os resultados desse trabalho podem ser avaliados sob duas óticas. Uma delas é a individual, ou seja, do impacto na vida de cada um dos usuários. “Nosso trabalho pode ajudar a romper um ciclo de violência que às vezes ultrapassa gerações, apresentando ao usuário alternativas de ação e evitando que sejam cometidos outros atos de violência que levam a mais mortes”, diz ele.
Já para a sociedade, o trabalho do CRAVI teria o papel simbólico de prevenção à violência. Como explica o coordenador, “somos uma instituição de direitos humanos, que pretende promover a dignidade do cidadão e, conseqüentemente, trabalhar para diminuir os índices de criminalidade no país. Esse trabalho só será efetivo se conseguirmos unir esforços e atuar de forma integrada com os poderes públicos e também com a sociedade civil organizada, seguindo uma tendência mundial de superar a violência”.
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ANEXO 9 – TEXTO A SER DISCUTIDO
Sugestão de Livro: A Vida em Rebelião, jovens em conflito com a lei
Outros futuros possíveis para o Brasil adolescente
A trajetória profissional da psicóloga e psicanalista Maria de Lourdes Trassi Teixeira(*) está ligada, desde o início, à defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. Em particular, dos adolescentes que vivem condições de vulnerabilidade, como a prática de delitos e violência. Sua experiência profissional nessa área – incluindo atuações na Febem, ONGs e outras instituições – lhe confere embasamento para denunciar a falência da Febem e apontar o equívoco dos projetos de lei que propõem ao Congresso Nacional a redução da idade penal. Docente da PUC SP, Maria de Lourdes também coordena a Comissão da Criança, Adolescente e Família do CRP SP, que realizou esse ano o Concurso Contra a Redução da Idade Penal. Todos esses assuntos ela aborda nessa entrevista a Maria Lino, dirigente da Turma da Touca Assoc. Cultural Recreativa e Social (Campo Limpo), e às psicólogas Renata Marmelsztejn, coordenadora do Projeto Semear, e Maria Cristina G. Vicentim, da Oficina de Idéias.
Cristina Vicentim – Como foi que a questão da infância e da juventude passou a se constituir no tema central na sua vida, quais seus primeiros trabalhos nessa área?
Maria de Lourdes – Quando eu fazia Faculdade de Psicologia na PUC SP, tive oportunidade de trabalhar, como aluna, com a professora Maria Nilde Mascelani, uma das responsáveis pela minha formação. Ela não era psicóloga, mas pedagoga. Naquela época, 1974, havia acabado de sair da prisão política – aliás, nós ficamos esperando para fazer o estágio com ela. Ela tinha uma visão transdisciplinar; nosso grupo de estágio, além de psicólogos, tinha historiadores, sociólogos, pedagogos, engenheiros... Trabalhávamos em uma favela de São Paulo, no Rio Bonito. Eu, “por acaso”, fui trabalhando e me interessando mais pelas crianças e, muito, pelos adolescentes. No cotidiano, a população local convivia muito bem com esses moleques, que se refugiavam na favela, que eram perseguidos pela polícia. Ao mesmo tempo, tive oportunidade de visitar o antigo Recolhimento Provisório de Menor, RPM. Ainda não existia a Febem em São Paulo, em 1973. Ela foi instituída em 1975. No RPM, as condições de vida eram muito adversas. Os meninos ficavam num galpão, a polícia tomava conta. Eles recebiam água algumas vezes por dia, e aquilo tudo me chocava muito. Antes de terminar a Faculdade, Maria Nilde me convidou para trabalhar no escritório dela, de educação, a RENOV, onde íamos completar nossa formação. Um lugar em que as pessoas que já não podiam falar dentro da universidade iam falar lá, para nós. Foi a época das Comunidades Eclesiais de Base. Foi a época, também, da formação no Instituto Sedes Sapientiae, onde tive a oportunidade de conhecer a madre Cristina. Minha formação deu-se por esse veio e, ao mesmo tempo, dentro da PUC SP. Ainda na década de 70, tive oportunidade de trabalhar na Febem e com adolescentes autores de atos infracionais, em plena vigência do Código de Menores. Na época, foi montado em uma Unidade um projeto piloto para inserção desses meninos na comunidade: a Unidade Educacional Desembargador Teodomiro Dias – homenagem ao pai do José Carlos Dias. Trabalhávamos numa equipe competente e interessante; embora politicamente houvesse diferenças. Estávamos em plena
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ditadura militar e o diretor era comprometido com prática de tortura em outras Unidades, o que descobrimos posteriormente. Aí tínhamos de fazer vigilância por 24 horas, mesmo assim ele conseguia transferir meninos para a terrível Unidade de Mogi Mirim, no meio da noite. Quem nos dava supervisão, na área de educação, era um jovem chamado Júlio Lancelotti, que então nem era padre. Outra supervisora, em serviço social, foi a Maria Inez Bierrembach, posteriormente presidente da Febem e hoje diretora do Depto. da Criança e do Adolescente do Ministério da Justiça. Tive um começo muito privilegiado, entendendo sempre o adolescente como uma pessoa com direitos. Desde antes do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA –, para mim já era uma questão de cidadania, de direitos.
Renata Marmelsztejn – Você ficou na Febem até quando e para onde você foi depois? Maria de Lourdes – Fiquei um ano mais ou menos nessa primeira experiência. Era época da ditadura militar e eu também tinha medo. Lembro muito de a Cecília Cassão Pereira e eu saindo do Tatuapé, às 11 horas da noite, com medo da escuridão, porque morávamos longe; e medo do diretor da Unidade, que começou a nos chamar de comunistas. Íamos trabalhar na periferia, mas com uma “cartinha” do dom Paulo Evaristo Arns no sutiã. Não sei se iria funcionar, mas a gente se sentia mais segura com ela... Depois, fomos descobrindo os outros liames institucionais; um dos diretores praticava sevícias contra os meninos numa Unidade do interior; não tínhamos retaguarda política e isso foi revelando também a impossibilidade de realizar um trabalho. Saí de lá e fui trabalhar no Jaguaré, coordenando um Centro de Juventude (na época chamava OSEM, Orientação Socioeducativa do Menor) e uma creche, num programa ligado aos padres do Santa Cruz que atendia àquelas favelas do Ceasa. Ao mesmo tempo, sempre na PUC, entrei em 1970 como aluna; em 1975, como professora do Depto. de Psicologia Social, convidada pela profa. Sílvia Lane, e estou lá até hoje. Voltei para a Febem na década de 80, quando encontrei a Cristina Vicentim. Trabalhávamos juntas na Unidade de Jovens Adultos, de 18 a 21 anos, que chegavam com um dossiê carimbado: “Réu perigoso”. Eles tinham de usar algemas para sair da Unidade para ir ao dentista. No Quadrilátero Tatuapé, tínhamos uma equipe fantástica. A presidente da Febem era a Maria Inez Bierrembach e fazia parte do gabinete o Paulo Afonso Garrido de Paula, que até recentemente foi coordenador do Centro Operacional da Infância e Juventude; como consultor político tínhamos o sociólogo Emir Sader. Acabávamos, juntos, enfrentando o desafio de trabalhar com dignidade sem esquecer o valor da liberdade com meninos que estavam, eu diria, extremamente presos. Presos porque tinham uma sentença e, na época do Código de Menores, havia uma sentença. E estavam presos porque trabalhávamos em uma Unidade que não tinha janelas, sem luz do sol para os meninos e também para nós...
Cristina – Como é que a experiência com a questão da violência ilumina, redimensiona outras experiências profissionais suas?
Maria de Lourdes – Na PUC, uma coisa que gosto muito de fazer é supervisão de estágios, porque ali você vê o aluno começando a descobrir, a se perguntar, olhar, se emocionar. Essa experiência com a violência precisa estar sendo constantemente elaborada, porque a todo momento nos indigna. Mas só indignação não é suficiente. Depois tem de vir o pensamento. A possibilidade de compreender e, ao mesmo tempo, ter metas é um compromisso meu. E os alunos chegam à Faculdade de Psicologia cada vez mais adolescentes, com mais experiências a viver para encontrar o sofrimento, matéria-prima do nosso trabalho enquanto psicólogos. Estão longe de ter vivido, como testemunhas, o sofrimento do
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outro em sua radicalidade maior, que é saber da existência da tortura, da ausência de direito. E a gente acaba criando na sala de aula uma certa amorosidade, um espaço de continência em que essas coisas podem ser ditas de um jeito que não seja assustador. À clínica eu cheguei por meio da instituição. Meu trabalho na Unidade de Jovens Adultos da Febem, em particular, mas todos os outros trabalhos também me colocaram questões sobre o funcionamento psíquico. Trabalhamos na Febem com a diretriz educacional de transformar os meninos em sujeitos da “História”, com h maiúsculo. Isso estava assim lá, escrito nas diretrizes educacionais da Febem. Mas os relatos da equipe técnica diziam que eles não conheciam nem mesmo suas histórias pessoais. Num trabalho que a Cristina fez, eles conseguiam recuperar suas histórias a partir das cicatrizes que tinham no corpo. Então, como é possível um menino ser sujeito da história se não sabe nem a história pessoal e se ele nega suas matrizes de identidade? As histórias de sofrimento deles são tão difíceis, que as memórias ficam esburacadas. Eles se lembram a partir do momento em que vão para a rua, um pouco como o (Walter) Benjamim dizia sobre os homens que chegavam da Primeira Guerra Mundial pobres em experiências para contar, pela violência que tinham vivido. Tudo me mostrava que a sociologia ou a economia não conseguiam explicar a delinqüência, e que só a profissionalização, a pedagogia não davam conta, porque os meninos carregavam prejuízos terríveis... Aí, a partir da leitura de Reich e da descoberta de (Donald) Winnicott, cheguei a Freud. Fui estudar um pouco mais e descobri que na clínica teria a possibilidade de elaboração. Fiquei então trafegando entre sociologia, antropologia, história, economia e Psicologia. Minha prática clínica continua, com todas as vicissitudes do humano que estão dentro de cada um de nós. O limite do sofrimento é muito esgarçado, sempre se amplia. Eu pude, com a clínica, superar preconceitos e entender que a Psicologia ou a Psicanálise comprometida deve ser para todos. Não é só o consultório, a clínica particular que atende a quem pode pagar. E pude ter mais liberdade de trânsito, mas acho que ainda há muito caminho pela frente.
Maria Lino – Vou continuar na Febem. Temos visto que os meninos que saem de lá, de 100 se aproveita 20. É muito pouco. Qual é a sua sugestão para melhorar isso? Maria de Lourdes – Penso que é trabalho para muitos: passa por construirmos um projeto de sociedade mais acolhedor para todos, inclusive os adolescentes e, particularmente, os adolescentes autores de atos infracionais, vistos não como adolescentes, mas apenas como infratores. É nessa mentalidade que dá para entender, por exemplo, as propostas de redução da idade penal. A opinião pública e muitos psicólogos, inclusive, acham que o encarceramento dos adolescentes – se bem que já estão encarcerados – pode reduzir a criminalidade e a violência. Eu penso que a solução, mesmo para o adolescente autor de ato infracional que precisa cumprir a medida socioeducativa de internação, não é a Febem. Falo dessa instituição situada dentro da Funabem, criada em 12 de dezembro de 1964, como um ato da Junta Militar e que guarda até hoje resquícios dos porões da ditadura militar. Eu já tentei, muitas pessoas já tentaram reformar a Febem por meio de supervisões, de formação de pessoal. Mas estamos lidando com uma instituição sedimentada. É constitutivo de sua montagem e de seu funcionamento a prática repressiva e a violência. Não é à toa que, atualmente, os próprios funcionários – denominados educadores – muitas vezes, e por meio de seu Sindicato, têm posicionamentos retrógrados, impedindo movimentos de mudança. Temos de pensar outras instituições onde os adolescentes possam fazer o cumprimento dessa
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medida de internação. Porque é preciso sim que o adolescente autor de ato infracional seja responsabilizado pelos seus atos e, quando são delitos graves, ele precisa cumprir a medida de internação. Não podemos defender a impunidade. A violência está crescente, até por conta das práticas de tortura que existem hoje dentro da Febem. Eles saem de lá cada vez mais violentos e o nível de reincidência está muito grande. Precisamos pensar em instituições mais adequadas, e não vamos ter de inventá-las do nada. Há hoje experiências importantes, em vários lugares do Brasil. Mas como é que se faz para desmontar uma instituição com quatro ou cinco mil funcionários? É preciso ter muita vontade política, muito peito, numa articulação com o Poder Judiciário. Hoje o que se vê? O Executivo dizendo que a responsabilidade é do Judiciário, que superlota. O Sistema de Justiça – no caso, o Ministério Público – indo lá e denunciando a prática de tortura. Quer dizer, precisamos de uma articulação de todos num projeto. E mais: precisamos de programas que dêem conta das outras medidas socioeducativas de um jeito decente, e não como pequenas experiências que atendem umas poucas dezenas de meninos, como a do Ipiranga, que é fantástica, mas atende poucos. Temos hoje em São Paulo milhares de adolescentes em liberdade assistida. Então, precisamos de um programa em nível municipal. Não dá para ficar fazendo mais experiências. Ao mesmo tempo, faltam pessoas que pensem, planejem, que tenham experiências vividas nessa área. E temos muitas cidades em que isso já está municipalizado e acontecendo não em pequenas experiências, mas como um trabalho efetivo. Por exemplo, em Belo Horizonte. Em São Paulo, setembro de 2001, onde estão as propostas de municipalização, os programas na área da infância e da adolescência? Cadê? Às vezes penso – posso estar sendo muito psicanalista ao dizer isso – que é algo da ordem da perversão ou do cinismo. Quer dizer, nada se altera. Então, as Comissões de Direitos Humanos, o Conanda, a Anistia Internacional, o Alto Comissariado da ONU, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, nós aqui do CRP SP, o Ilanud, a Abrinq, o Semear, enfim, todos nos mobilizamos em torno dessa questão, mas nada se altera...
Maria Lino – E as reciclagens dos educadores da Febem, têm acontecido? Eles têm treinamento para saber educar os nossos jovens que estão lá?
Maria de Lourdes – Nesse momento, não acredito mais em reciclagem. Penso que deve haver pessoas lá dentro muito bem-intencionadas, que sofrem, têm úlcera, precisam de licença psiquiátrica etc. E não é à toa que se pede um serviço de saúde mental para os funcionários da Febem. Mesmo que as condições melhorassem muito, continuaria precisando, porque é um trabalho difícil lidar com essa molecada. Mas, embora haja pessoas sérias, se a estrutura não mudar, não adianta. A gente vê do lado de fora a criminalização do adolescente; são adolescentes vistos como bandidos, perderam as características da adolescência. Então, reciclagem e treinamento não resolvem. Dizendo de um jeito simplista, a gente precisaria ter um projeto de sociedade, uma articulação entre todos os poderes com a sociedade civil. Precisamos ter um projeto para os adolescentes autores de ato infracional articulando as medidas de meio aberto com a de internação. Aí teríamos um projeto em que ficaria claro qual é o trabalho dessas unidades de internação e poderíamos selecionar pessoal, treinar, dar uma retaguarda permanente, uma formação permanente e, então, acho possível conseguir alguma coisa.
Renata – Que projetos você imagina que se possa fazer, em nível das pequenas utopias, para prevenir?
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Maria de Lourdes – Penso que o trabalho com os jovens tem de ser na referência da cultura. Durante muito tempo também acreditei na idéia da profissionalização, preparação para o trabalho. Hoje mesmo lia uma proposta de municipalização “A Criança e o Adolescente em Situação de Risco Pessoal e Social Para o Município de São Paulo” e lá estava: para adolescentes de 14 a 18 anos, profissionalização. Aí, fiz um ponto de interrogação: por que profissionalização? É porque eles são pobres? Para os adolescentes ricos a gente não pensa em profissionalização dos 14 aos 17 anos. Pensamos em acesso aos benefícios da cultura, como aprender línguas, informática, dança, música, viagens etc. Por que não podemos pensar também em cultura para os adolescentes pobres? Então, é pensar a educação no seu sentido mais amplo: não é só escolarização, informação e profissionalização. É dar ao adolescente acesso à cultura e, ao mesmo tempo, canais, possibilidades de expressão. Esses movimentos culturais que surgem por aí, na periferia, de rap e hip hop, são muito interessantes porque são agregadores dessa molecada. Fizemos um evento lá no Sesc Pompéia, na premiação do Concurso Contra a Redução da Idade Penal, e foi emocionante ver essa cultura que vem da rua e suas várias possibilidades de expressão. Quando são criados espaços, oportunidades, eles participam. Mas quais são os equipamentos culturais, de lazer, esportivos, recreacionais que temos na periferia?
Desconheço! Não há serviço de saúde, nem equipamento de lazer, cultura, esporte. As secretarias municipais têm de fazer um levantamento da população de 12 a 18 anos: onde ela está e que equipamentos existem nesse local? Que se incremente um outro tipo de participação alternativo ao tráfico e à participação nas quadrilhas. Nesses locais, o adolescente não exerce sua potência em times de futebol, de vôlei ou sendo chefe de equipe de escoteiro; ele exerce grafitando, criando rap, tocando atabaque, dançando break. Ele tem uma potência produtiva. Cabe à sociedade, a nós, adultos, criarmos os mecanismos para que essa potência seja produtiva e não destrutiva. Isso é extremamente sério no Brasil todo. Em São Paulo, principalmente nesses bolsões de miséria e violência, como a favela de Heliópolis, Vila Brasilândia, Jardim Ângela, Itaim Paulista. E temos para reforçar isso os dados de envolvimento com a criminalidade, embora corra o risco aqui de sugerir que a questão da criminalidade do adolescente esteja ligada só ao adolescente pobre. Porque isso não é verdade. Temos hoje em Vila Madalena, Pinheiros, Perdizes, Santana – bairros de classe média, média alta – muitos adolescentes também envolvidos com criminalidade. E aí, também, dá para pensar quais são as alternativas de participação para essa molecada de classe média, média alta. Quais são? Em 1968, os adolescentes – sem querer fazer saudosismo – tinham os jovens nas barricadas da luta política. De algum modo, eram modelos com outras possibilidades de identificação. Hoje o modelo único é o consumo. Sempre cito o Jorge Coelho, um estudioso da Universidade Federal do Rio de Janeiro; ele diz que temos de pensar outros “futuros possíveis”, porque a adolescência e a juventude hoje funcionam em padrões muito diferentes. Até algumas gerações atrás falava-se em conflito de gerações. O mercado transformou o adolescente e o jovem em um agente social autônomo, porque ele é uma unidade de consumo. Isso produz outros modos de ser, de existir, de sentir, de pensar. Não adianta a gente querer fazer um programa para essa molecada pensando na nossa adolescência, ou em como eram os programas há dez anos. Hoje é de outro modo. Temos de pensar, inventar, mas quem vai dar as dicas são eles.
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ANEXO 10 – TEXTO A SER DISCUTIDO
Liberdade Assistida recupera auto-estima de adolescentes que cometeram ato infracional
Uma das seis medidas sócio-educativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para recuperar adolescentes que cometeram atos infracionais, a Liberdade Assistida vem se mostrando, aos poucos, instrumento eficiente na recuperação destes adolescentes. O viés tem sido trabalhar a auto-estima e o potencial de cada um deles de maneira criativa e adequada. E os psicólogos aparecem como profissionais de importância estratégica na ressocialização de adolescentes em conflito com a lei.
Fábio Silvestre Silva, pós-graduando em Psicologia do Esporte e coordenador do projeto de L.A. do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Interlagos (Cedeca), desenvolveu, este ano, com apoio da iniciativa privada, um programa em que adolescentes em Liberdade Assistida cumprem sua pena não nos pátios da Febem, mas no campo de futebol. Trata-se da primeira pesquisa e experiência feita no Brasil em que esse esporte é usado como medida sócio-educativa.
São 30 jovens, entre meninos e meninas, que comparecem todas as quartas-feiras aos campos de futebol do Sesc Interlagos, parceiro do Cedeca.
Os Centros de Defesa estão dentro da política de atendimento prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Cada um tem sua autonomia, mas relaciona-se no âmbito nacional. No município de São Paulo, existem dez centros. O de Interlagos atende 250 jovens, todos moradores da Capela do Socorro, região considerada vulnerável pelos altos índices de violência.
Apesar de o programa estar em sua 8ª semana, Fábio garante que os resultados qualitativos já estão aparecendo e são os melhores possíveis. Ele conta que geralmente os adolescentes chegam ao Cedeca humilhados e desconfiados. Nesses dois meses, o diálogo já flui e começam a demonstrar suas necessidades. “O segredo está em trabalhar a emoção desses meninos. Fugir do método tradicional em que a conscientização é feita pela razão”, ensina Fábio.
Na partida de futebol, o menos relevante é aprender a jogar bola. Fábio explica que a idéia é pegar situações de jogo e transferir para a vida de cada um. Àquele, que tentou sem sucesso resolver sozinho uma jogada, vão ser mostradas as desvantagens de fazer as coisas sem a ajuda de ninguém, ignorando as pessoas ao redor.
Segundo o coordenador, essa transposição tem surtido efeito. Os jovens começam a entender os benefícios de se viver em grupo, respeitando um ao outro, como se tornar um líder, como fazer uma mobilização social e como isso pode ser revertido positivamente para suas comunidades. “Trabalhamos para que eles possam ser atores de suas próprias vidas. É o que chamamos aqui de protagonismo”, ressaltou.
O jovem D.C.O, 18 anos, diz ter “melhorado como pessoa” após ter entrado no projeto. “Depois que comecei a jogar futebol, aprendi a ser mais equilibrado, a ter união, a respeitar e dar valor à liberdade. Acho que os meus amigos também devem sentir o mesmo”.
Além do prazer em praticar o esporte, para Fábio, a chave dos saldos positivos está em mexer com todas as emoções e frustrações desses adolescentes. Segundo
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ele, quando o emocional é mais trabalhado do que o racional, a pessoa tende a responder melhor, pois os sentimentos são as principais diretrizes do homem. Na Febem, os adolescentes foram totalmente privados de se expressar. “Lá a gente apanha por tudo e de todos. Apanha de madeira, do que tiver na mão. E se falar, chorar ou reclamar, apanha mais ainda”, revelou C.H.T, 17 anos.
A aplicação da psicologia na Liberdade Assistida procura trabalhar o desenvolvimento humano. Discutir o que é adolescer, a vivência e os sentimentos de cada um. Conforme Fábio, não é jogando informação de maneira vertical que os jovens vão entender e aplicar valores em suas vidas. A vivência e a política da autonomia surtem mais efeitos na vida dos jovens que a atual política pedagógica da Febem que é da contenção e agressão.
O psicólogo e especialista em Educação Social, Arthur Adauto Souza, que trabalha com adolescentes em Liberdade Assistida, na cidade de São Carlos, diz que a punição só gera a construção de mais presídios.
Em convênio com a Febem e os Salesianos, uma congregação da igreja católica que desempenha trabalhos com jovens da periferia, Arthur acompanha 140 jovens em três programas que envolvem emoção e raciocínio: orientação sexual, escultura em concreto celular e produção de curtas-metragens. O último é feito em conjunto com alunos do último período do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).
A arte foi a maneira encontrada pelo psicólogo e sua equipe para sensibilizar e conscientizar os adolescentes. Arthur se orgulha em dizer que graças à introdução da arte-terapia e todos os outros projetos desenvolvidos pelo programa, em 2001, o número de reincidência de jovens infratores caiu 50%. E entre as três atividades atuais, a escultura em concreto celular é a que tem trazido resultados mais significativos.
Nesse projeto, é feito um paralelo entre a lapidação (processo de transformação) e os sentimentos dos adolescentes. “Inconscientemente, os meninos acabam projetando na pedra todas as suas emoções. Eles exteriorizam sua criatividade, seus medos, sua imaginação. A partir daí, desenvolvemos a promoção da auto-estima e o potencial de cada um”, conta.
Segundo ele, os bons resultados são evidentes. Os jovens ficam mais críticos, se conhecem, se respeitam mais e se colocam em condição de dignidade. Além disso, com o tempo, conseguem equilibrar razão e emoção. Para Arthur, o trabalho do profissional de psicologia é justamente buscar esse equilíbrio. “O nosso único problema é que depois de seis meses, muitos não querem ir embora. Deveria existir um programa pós Liberdade Assistida”, sugeriu.
A tendência é que cada vez mais psicólogos venham a criar e participar de projetos como este. Mas tanto para Fábio como para Arthur, isso só será possível se houver mais investimentos privados e governamentais.
Liberdade assistida Febem: a busca de alternativa Segundo a Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor, cerca de 13 mil
adolescentes estão, no momento, em regime de Liberdade Assistida no Estado de São Paulo; 3.500 na capital. A L.A. é uma fase do processo de reeducação pela qual passam todos os jovens infratores. Tem duração mínima de seis meses, podendo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida. Diferente da internação e da semiliberdade executadas apenas pelo Estado, a Liberdade Assistida pode ficar sob a responsabilidade de organizações não-governamentais
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ou de entidades civis. As condições são ter convênio ou parceria com a Febem e cumprir com as exigências impostas pelo ECA, que inclui disponibilizar uma pessoa capacitada para acompanhar o jovem até o fim de sua medida sócio-educativa.
No entanto, o avanço está, sem dúvida, nas mudanças que o Estado pode operar nos seus próprios serviços, mantendo-se com o responsável pelo atendimento educativo à infância e à adolescência.
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ANEXO 13 Hey Joe O Rappa
Composição: Jimi Hendrix (versão O Rappa)
Hey joe
Onde é que você vai
Com essa arma aí na mão
Hey joe
Esse não é o atalho
Pra sair dessa condição
Dorme com tiro acorda ligado
Tiro que tiro trik-trak boom
Para todo lado
Meu irmão, é só desse jeito
Consegui impor minha moral
Eu sei que sou caçado
E visto sempre como um animal
Sirene ligada os homi
Chegando trik-trak
Boom boom
Mas eu vou me mandando
Hey joe
Assim você não curte o brilho
Intenso da manhã
Acorda com tiro dorme com tiro
Hey joe
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O que o teu filho vai pensar
Quando a fumaça baixar
Fumaça de fumo
Fogo de revólver
E é assim que eu faço eu faço
A minha história
Meu irmão, aqui estou por causa dele
E eu vou te dizer
Talvez eu não tenha vida
Mas é assim que vai ser
Armamento pesado
Corpo fechado
Eu quero é mais ver
Mais vai ser difícil me deter
Hey joe,
Muitos castelos já caíram e você tá na mira
Tá na mira, tá na mira, tá na mira
Hey, hey, hey, hey joe
Muitos castelos já caíram e você tá na mira
Também morre quem atira.
Menos de 5% dos caras do local
São dedicados a alguma atividade marginal
E impressionam quando aparecem nos jornais
Tapando a cara com trapos
Com uma uzi na mão
Parecendo árabes,árabes,árabes do caos.
Sinto muito cumpadi
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Mas é burrice pensar
Que esses caras
É que são os donos da biografia
Já que a grande maioria
Daria um livro por dia
Sobre arte, honestidade e sacrifício, sacrifício
Arte, honestidade e sacrifício
Também morre quem atira.
Deu pro cara se ligar na missão joe.
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ANEXO 14 Aquarela Toquinho
Composição: Toquinho/Vinicius de Moraes
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo
Corro o lápis em torno da mão e me dou uma luva
E se faço chover, com dois riscos tenho um guarda-chuva
Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel
num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu
Vai voando, contornando a imensa curva Norte e Sul
Vou com ela viajando Havaí, Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela branco navegando,
é tanto céu e mar num beijo azul
Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo, com suas luzes a piscar
Basta imaginar e ele está partindo, sereno e lindo
e se a gente quiser ele vai pousar
Numa folha qualquer eu desenho um navio de partida
com alguns bons amigos bebendo de bem com a vida
De uma América a outra consigo passar num segundo
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo
Um menino caminha e caminhando chega no muro
e ali logo em frente a esperar pela gente o futuro está
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar
Não tem tempo nem piedade nem tem hora de chegar
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Sem pedir licença muda nossa vida,
depois convida a rir ou chorar
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar
Vamos todos numa linda passarela
de uma aquarela que um dia enfim
Descolorirá
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo (que descolorirá)
e com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo (que descolorirá)
Giro um simples compasso e num círculo eu faço o mundo (e descolorirá)