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65 RESUMO REPRESENTAÇÃO POLÍTICA: UM DIÁLOGO ENTRE A PRÁTICA E A TEORIA Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 65-83, fev. 2011 Recebido em 29 de outubro de 2008. Aprovado em 20 de janeiro de 2009. Daniela Resende Archanjo O presente ensaio discute a questão da representação política a partir do diálogo entre a teoria e a prática políticas. Partindo da caracterização das três formas de representação apontadas pela bibliografia (repre- sentação como delegação, como confiança e como representatividade sociológica) o texto busca revelar, a partir das falas de deputados e senadores que participaram do debate acerca da instituição do divórcio no Brasil durante as décadas de 1950, 1960 e 1970, como as diferentes possibilidades do conceito de represen- tação política foram entendidas e mobilizadas no debate político no Congresso Nacional. O espaço em que se inscrevem a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, cenário da política por excelência, é multifacetário, enquanto a prática parlamentar constitui-se na mistura (não consciente) dos modelos teó- ricos, sendo que sempre prevalece a necessidade de expressar a importância da manutenção do vínculo com o eleitor. É preciso não perder de vista que os discursos dos políticos são, antes de tudo, produtos do contexto em que estão inscritos, forjadas pelo significado atribuído pelos parlamentares à sua função de representantes políticos. PALAVRAS-CHAVE: representação política; teoria política; prática política; divórcio. I. INTRODUÇÃO O presente ensaio tem como objetivo fazer uma breve discussão teórica sobre as possibilidades do conceito de “representação política” para analisar como os parlamentares brasileiros entenderam e mobilizaram essas possibilidades durante o deba- te sobre a instituição do divórcio no Brasil nas décadas de 1950, 1960 e 1970. O estudo utilizou como fonte de pesquisa os Anais da Câmara dos deputados, do Senado Federal e do Congresso Nacional, mais especificamente, os registros dos discursos parlamentares proferidos sobre casa- mento, família, separação e divórcio no Brasil en- tre 1951 e 1977 1 . As dificuldades próprias ao processo legislativo, assim como as diferenças ideológicas pessoais ou partidárias, remetiam os parlamenta- res a pensarem (e mesmo justificarem) sua fun- ção como representantes, expressando em deter- minados momentos de seus discursos o que en- tendiam por representação e a quem entendiam ou pretendiam representar. A clareza sobre o poder que o parlamentar de- tinha em relação à feitura e interpretação das leis foi expressa pelo Deputado Campos Vergal, quan- do, em 1962, afirmou: “Quem faz as leis somos nós. Tanto quanto eu, V. Exa. [Arruda Câmara] é Constituinte de 1946. Lutamos, nesta casa – lá no Rio, bem entendido –, em várias questões, dis- cordando muitas vezes na elaboração da Consti- tuição de 1946. Logo, não venha dizer que são 1 Este trabalho é parte de um estudo feito sobre as discus- sões acerca da instituição do divórcio na legislação pátria travadas no Congresso Nacional Brasileiro entre os anos de 1951 e 1977. A decisão por estabelecer o início do recorte temporal em 1951 deveu-se ao fato de ter sido este o ano de início das atividades parlamentares do grande nome na luta a favor do divórcio, o então Deputado Federal Nelson Car- neiro. Foi também em 1951 que este apresentou o primeiro de seus muitos projetos com cunho divorcista, o Projeto de Lei n. 786/1951, que propunha a possibilidade de anulação de casamento por incompatibilidade invencível entre os cônjuges. O marco final da análise não poderia ter sido outro, já que foi em 1977 que a Emenda Constitucional n. 9/1977 foi aprovada, retirando a indissolubilidade do texto da Constituição Federal e, conseqüentemente, permitindo a aprovação, no mesmo ano, do Projeto de Lei n. 156/1977 apresentado pelos senadores Nelson Carneiro e Accioly Filho, que resultou na Lei n. 6.515/1977, a Lei do Divórcio. Sobre o trabalho, ver Archanjo (2008).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 38: 65-83 FEV. 2011

RESUMO

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA:UM DIÁLOGO ENTRE A PRÁTICA E A TEORIA

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 65-83, fev. 2011Recebido em 29 de outubro de 2008.Aprovado em 20 de janeiro de 2009.

Daniela Resende Archanjo

O presente ensaio discute a questão da representação política a partir do diálogo entre a teoria e a práticapolíticas. Partindo da caracterização das três formas de representação apontadas pela bibliografia (repre-sentação como delegação, como confiança e como representatividade sociológica) o texto busca revelar, apartir das falas de deputados e senadores que participaram do debate acerca da instituição do divórcio noBrasil durante as décadas de 1950, 1960 e 1970, como as diferentes possibilidades do conceito de represen-tação política foram entendidas e mobilizadas no debate político no Congresso Nacional. O espaço em quese inscrevem a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, cenário da política por excelência, émultifacetário, enquanto a prática parlamentar constitui-se na mistura (não consciente) dos modelos teó-ricos, sendo que sempre prevalece a necessidade de expressar a importância da manutenção do vínculo como eleitor. É preciso não perder de vista que os discursos dos políticos são, antes de tudo, produtos docontexto em que estão inscritos, forjadas pelo significado atribuído pelos parlamentares à sua função derepresentantes políticos.

PALAVRAS-CHAVE: representação política; teoria política; prática política; divórcio.

I. INTRODUÇÃO

O presente ensaio tem como objetivo fazer umabreve discussão teórica sobre as possibilidades doconceito de “representação política” para analisarcomo os parlamentares brasileiros entenderam emobilizaram essas possibilidades durante o deba-te sobre a instituição do divórcio no Brasil nasdécadas de 1950, 1960 e 1970. O estudo utilizoucomo fonte de pesquisa os Anais da Câmara dosdeputados, do Senado Federal e do CongressoNacional, mais especificamente, os registros dosdiscursos parlamentares proferidos sobre casa-mento, família, separação e divórcio no Brasil en-tre 1951 e 19771.

As dificuldades próprias ao processolegislativo, assim como as diferenças ideológicas

pessoais ou partidárias, remetiam os parlamenta-res a pensarem (e mesmo justificarem) sua fun-ção como representantes, expressando em deter-minados momentos de seus discursos o que en-tendiam por representação e a quem entendiamou pretendiam representar.

A clareza sobre o poder que o parlamentar de-tinha em relação à feitura e interpretação das leisfoi expressa pelo Deputado Campos Vergal, quan-do, em 1962, afirmou: “Quem faz as leis somosnós. Tanto quanto eu, V. Exa. [Arruda Câmara] éConstituinte de 1946. Lutamos, nesta casa – lá noRio, bem entendido –, em várias questões, dis-cordando muitas vezes na elaboração da Consti-tuição de 1946. Logo, não venha dizer que são

1 Este trabalho é parte de um estudo feito sobre as discus-sões acerca da instituição do divórcio na legislação pátriatravadas no Congresso Nacional Brasileiro entre os anos de1951 e 1977. A decisão por estabelecer o início do recortetemporal em 1951 deveu-se ao fato de ter sido este o ano deinício das atividades parlamentares do grande nome na lutaa favor do divórcio, o então Deputado Federal Nelson Car-neiro. Foi também em 1951 que este apresentou o primeirode seus muitos projetos com cunho divorcista, o Projeto de

Lei n. 786/1951, que propunha a possibilidade de anulaçãode casamento por incompatibilidade invencível entre oscônjuges. O marco final da análise não poderia ter sidooutro, já que foi em 1977 que a Emenda Constitucional n.9/1977 foi aprovada, retirando a indissolubilidade do textoda Constituição Federal e, conseqüentemente, permitindoa aprovação, no mesmo ano, do Projeto de Lei n. 156/1977apresentado pelos senadores Nelson Carneiro e AcciolyFilho, que resultou na Lei n. 6.515/1977, a Lei do Divórcio.Sobre o trabalho, ver Archanjo (2008).

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princípios vindos de milênios diretamente de umdeus desconhecido; que é lei natural e impositiva.Não, Srs., a Constituição, nós a fizemos; as leis,nós as fizemos e devemos interpretá-las de acor-do com nosso pensamento e com a realidade dahora que passa” (VERGAL, 1962, p. 1595).

Note-se que, ao mesmo tempo em que o De-putado ressaltava a autonomia do parlamentar que,de certo modo, monopolizava o poder de legislare ainda o de interpretar as leis, Campos Vergaltambém chamava a atenção para a responsabili-dade inerente a essa função. Como as leis não são“naturais e impositivas”, mas sim fruto de cons-trução social (produto do trabalho dos parlamen-tares e também de outros setores da sociedade),aqueles que ocupavam o lugar na ponta desse sis-tema, ou seja, aqueles que efetivamente participa-vam do processo de feitura da lei, discutindo evotando, deveriam assumir também o ônus colo-cado como inerente à representação.

Tomando como ponto de partida os estudosteóricos desenvolvidos no campo da Ciência Po-lítica, passaremos a discutir, a partir das falas dosparlamentares brasileiros que discursaram sobreo divórcio de 1951 a 1977, como deputados esenadores entenderam e mobilizaram as diferen-tes possibilidades do conceito de representaçãopolítica. Segundo Cotta (1992, p. 1102), estudio-sos da Ciência Política apontam três modelosinterpretativos alternativos sobre o conteúdo dafunção representativa e o papel dos representan-tes políticos: 1) a representação como relação dedelegação; 2) como relação de confiança; 3) como“espelho” ou representatividade sociológica. Emlinhas gerais, na primeira o representante recebeum mandato imperativo, que o vincula a exercerou manifestar de modo exato a vontade do repre-sentado. A segunda pressupõe a autonomia domandatário, que recebe do representado uma es-pécie de mandato fiduciário2, sem carátervinculante. Por fim, a representação como “espe-lho” tem o significado de representatividade, istoé, de semelhança ou de proporcionalidade da par-te (representante) com o todo (representados).

Em seu clássico estudo sobre o conceito derepresentação, Hanna Pitkin trata do desenvolvi-mento etimológico do conceito moderno de re-presentação, assim como do seu desenvolvimen-

to na teoria política, estudando as práticas históri-cas de representação política. De acordo com aautora, no latim clássico a palavra representare, quesignifica “tornar presente ou manifesto; ou apre-sentar novamente”, tem seu uso quase inteiramen-te reservado para objetos inanimados. “Até o sécu-lo XVI não se encontra um exemplo de ‘represen-tar’ com o significado de ‘tomar ou ocupar o lugarde outra pessoa, substituir’; e até 1595 não há umexemplo de representar como ‘atuar para alguémcomo seu agente autorizado ou Deputado’”(PITKIN, 2006, p. 20). Esse conceito moderno derepresentação, que contempla aspectos politicamen-te significativos, foi finalizado antes do final do sé-culo XVII, tendo o Leviathan de Thomas Hobbescomo obra fundamental, em que a representação édefinida em termos de autorização. A professora daUniversidade de Berkeley aponta que “ao chamar osoberano de representante, Hobbes constantemen-te sugere que o soberano fará o que se espera queos representantes façam, não apenas o que lhe sa-tisfaz. No entanto, a definição formal assegura queessa expectativa nunca pode ser invocada para cri-ticar o soberano ou resistir a ele por não represen-tar seus súditos como deveria” (idem, p. 29).

De acordo com Mezzaroba, na cultura ociden-tal o sentido atribuído à representação é “o de tor-nar presente algo que, na verdade, encontra-semediatizado” (MEZZAROBA, 2004, p. 10). En-tendida como fazer presente alguém que está au-sente, a representação exclui a presença, ou seja,a priori, o representante nunca falaria em seu pró-prio nome, como defensor de interesses pesso-ais. Tal entendimento foi expresso por alguns par-lamentares, estando estampado em declarações dotipo: “o Deputado não [...] [vai] ao Congresso paradefender as suas idéias particulares” (FARACO,1952, p. 1365). O porte da procuração outorgadapelas urnas eleitorais, com fins de representaçãopolítica, serve para legitimar a ação parlamentar aomesmo tempo em que a onera com o dever de res-ponsabilidade. Ou seja, ao mesmo tempo em que oparlamentar recebe o poder de manifestar-se demaneira direta, tendo direito a voz e voto, sem in-termediários físicos, o desempenho desta funçãofica adstrita aos limites inerentes à representação,em especial, a responsabilidade de fazer presentequem está ausente (quem não pode participar dire-tamente das discussões e votações – os eleitores).Nesse sentido, o Deputado Cid Furtado afirmou:“O poder de representar é algo que transcende avontade pessoal do mandatário. Ao revés, não serí-2 Derivado de fidúcia, que significa confiança.

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amos dignos da procuração passada no cartóriocívico das urnas” (FURTADO, 1975, p. 1102).

Citando texto atribuído a Rui Barbosa, o De-putado Arruda Câmara chamava a atenção paraesses limites da ação parlamentar. Afirmando que“o mandato dos parlamentares não deve exorbitardo que os eleitores reivindicam” (CÂMARA, 1956,p. 13), o Deputado delimitava o espaço do repre-sentante que, de acordo com este entendimento,não podia ficar aquém e nem ir além do outorga-do pela representação – entendida como delega-ção dos eleitores.

Ao declarar que estava votando contra suasconvicções pessoais, mas em consonância com avontade de seus mandantes, o Deputado JoãoAgripino deixou clara sua submissão à função quedesempenhava, colocando-se como autêntico re-presentante que tem por função fazer presente aque-le que está ausente, independentemente de suasexpectativas pessoais. João Agripino declarou:“Divorcista por convicção, voto contra a emendaconstitucional número 4-A-51, que manda supri-mir do artigo 163 da Constituição Federal a expres-são ‘de vínculo indissolúvel’, porque, representan-do, como represento, nesta Casa, um eleitoradototalmente católico e antidivorcista, não me sintono direito de trair a sua confiança. Contrariando aminha consciência, sinto-me ainda feliz por podernão contrariar as dos que confiaram em minhaconduta parlamentar” (AGRIPINO, 1952, p. 5178).

Utilizando o mesmo argumento, mas com re-sultado final oposto, Nina Ribeiro pronunciou:“Não quero impor a minha crença a ninguém. Nãoo acho justo e democrático, mesmo informado,intimamente, por razões religiosas, a não recorrerao divórcio. Não acho justo impô-la coativamente,com feição medievalesca, a outrem que não co-mungue da mesma crença, ou mesmo comungan-do da mesma crença, não com expediente tão ex-tremado, pois há que se admitir a falibilidade dacriatura humana, que pode desejar reerguer-se comnova oportunidade. A Igreja – aprende desde aProclamação da República, Srs. Congressistas –é separada do Estado. Portanto, não há que con-fundir a lei civil com a lei canônica. Sendo ambosos institutos separados, não vejo por que se que-rer confundi-los, ou torna-los absolutamenteiguais, imposto a outros cidadãos brasileiros, queprofessam crenças diversas ou até que não te-nham crença alguma, princípios que são ineren-tes, próprios, unicamente, a um grau extremado

de uma determinada feição de pensar ou de agirou de religiosidade” (RIBEIRO, 1976, p. 163).

Vale ressaltar que, tratando-se de discursos pro-feridos no Congresso Nacional, espaço políticopor excelência, a questão da necessidade de o par-lamentar preservar o vínculo de confiança em re-lação ao seu eleitor, a fim de garantir uma futurareeleição, é uma constante. Assim, ao mesmo tem-po em que os deputados João Agripino e Nina Ri-beiro vitimizavam-se, por abrirem mão de sua au-tonomia em favor de seus eleitores, fortaleciam ovínculo representante-representados, robustecen-do seus mandatos.

A tendência dos parlamentares de colocarem-se como delegados de seus representantes, dizen-do-se cumpridores de ordens, pode ser apontadacomo uma estratégia de autopreservação, na me-dida em que sugere uma transferência de respon-sabilidade ou, pelo menos, remete àcorresponsabilidade. A conhecida necessidade doparlamentar de manter o vínculo com o eleitorpara garantir a recondução ao cargo aponta tam-bém para a hipótese de que suas palavras estãosempre, em certo sentido, viciadas. O vício estáno que chamaremos de “limites do dizer”, ou seja,restrições mais ou menos explícitas à forma comoo parlamentar expressa-se e a seu posicionamentofrente às questões. O Congresso Nacional é umespaço de disputa de poder, ou melhor, de pode-res, que evidentemente não se limitam ao debatesobre o divórcio.

II. A REPRESENTAÇÃO COMO DELEGAÇÃO

Entendida como “substituir, agir no lugar deou em nome de alguém ou de alguma coisa; evo-car simbolicamente alguém ou alguma coisa; per-sonificar” (COTTA, 1992, p. 1102), a represen-tação remete à dinâmica teatral, na qual o ator in-terpreta o personagem, reproduzindo suas práti-cas e comportamentos e incorporando seus pen-samentos e sentimentos. Essa função de repre-sentação, em que alguém é delegado a cumpriruma tarefa específica, circunscrito aos limitesestabelecidos pelo mandante, exercendo o papelde um simples executor da vontade alheia, semqualquer autonomia, corresponde também à re-presentação exercida no âmbito do direito civil.Essa é a natureza do mandato outorgado, por exem-plo, a um procurador que deve servir como por-ta-voz de seu representado, expressando os dese-jos e promovendo a defesa dos interesses daquelea quem representa.

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Mas, ao contrário de como o mandato confi-gura-se no direito civil, no direito público, em queo contingente de representados é bem maior e, namaior parte das vezes, heterogêneo, torna-se difí-cil exercer a representação política dessa formatão direta (MIGUEL, 2005, p. 26). Assim, a re-presentação como relação de delegação não dizrespeito à representação direta e individualizada,mas corresponde à representação de um determi-nado grupo da sociedade, que pode estar relacio-nado à ideologia política, à opção religiosa, à posi-ção econômica, à posição geográfica, à categoriaprofissional ou a qualquer outro grupo com inte-resse singular.

II.1. Partidos políticos

Pensando em grupos com interesses singula-res, a filiação partidária talvez pudesse ser apon-tada como a forma mais autêntica de delegação,já que os partidos políticos estabeleciam em seusestatutos regras a serem seguidas e defendidaspor seus membros. A “fidelidade partidária, levandomesmo à idéia da perda do mandato do Deputadoque tenha rompido com a disciplina devida àagremiação pela qual foi eleito” (SOUZA, 1971,p. 59), remete ao mandato imperativo, na medidaem que “a amplitude do mandato representativo ea liberdade dos representantes sofrem restrições”(idem, p. 58) devendo subordinar-se ao progra-ma do respectivo partido.

Todavia, “embora seja certo que somente oEstado Novo varguista (1937-1945) prescindiu porcompleto da intermediação partidária, o que se cons-tata é que o poder central brasileiro sempre convi-veu com partidos frouxamente organizados, e, maisdo que isto, parece ter sempre dificultado ou pro-curado impedir deliberadamente o fortalecimentodessa instituição” (LAMOUNIER & MENE-GUELLO, 1986, p. 11). Assim, as peculiaridadesdo sistema partidário brasileiro afastam a possibili-dade de estabelecer-se uma relação causal entrefiliação partidária e posição ante o divórcio.

Durante o período multipartidário (1951-1965)3, em discursos proferidos sobre casamen-to, família, separação e divórcio, alguns parlamen-tares expressaram a posição “formal” de seus par-

tidos em relação à questão do divórcio. De acor-do com os deputados e senadores, o Partido So-cial Progressista (PSP), o Partido Social Demo-crata (PSD) e o Partido Democrata Cristão (PDC)estabeleceram diretrizes formais contra o divór-cio em seus respectivos estatutos e programas,enquanto o Partido Nacionalista dos Trabalhado-res (PNT), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)e o Partido Social Trabalhista (PST) declararamser esta questão aberta, sem norma firmada pelopartido.

Mas a declaração do Deputado Felix Valois deixaclaro quão frágil era a ligação do voto do políticocom sua legenda partidária. Justificando sua faltade subordinação às regras estabelecidas no Esta-tuto do PSP, o Deputado afirmou: “lamentavel-mente, não poderei acompanhar minha agremiaçãonesta oportunidade o que não significa indisciplina,mas ato de consciência” (VALOIS, 1952, p. 5173).

Analisando a constituição dos partidos políti-cos no Brasil e a relação dos políticos com suasrespectivas agremiações, cientistas políticos ex-plicam esse compromisso com a “consciência”ao qual se referiu o Deputado Felix Valois,enfatizando que, no Brasil, “o político tem de pre-servar antes de tudo o seu acesso aos centrosdecisórios, e secundariamente a sua lealdade aqualquer identidade partidária” (LAMOUNIER &MENEGUELLO, 1986, p. 60). Essa atitude dospolíticos é justificada como fruto da própria reali-dade social brasileira. “Basta lembrar, sob esteaspecto, que somente 20% da população viviamem cidades de 20 mil habitantes ou mais, segundoo censo de 1950, e que apenas um em cada cincohabitantes [...] era eleitor. Essa população pobre ealtamente dispersa em pequenos municípios e emáreas rurais, em um território vastíssimo, convi-via com as estruturas do poder privado em suaforma mais fixa e imediata, e não com as institui-ções propriamente políticas” (idem, p. 43).

Especialmente nos casos de representantes deregiões pouco populosas, como era o caso de FelixValois4, o acesso aos centros decisórios precisa-va ser garantido pelo estabelecimento do vínculode confiança com um número de eleitores sufici-ente para garantir a eleição. Além disso, o

3 O período multipartidário teve início em 1945 e perdu-rou até 1965, todavia, em função do recorte temporal destetrabalho, iremos referir-nos apenas aos discursos proferi-dos a partir de 1951.

4 Félix Valois de Araújo foi eleito Deputado Federal, em1950, pelo Território do Rio Branco (atual estado deRoraima) com 1 418 votos.

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enaltecimento desse vínculo, em detrimento dequalquer outro (inclusive o partidário), era tam-bém uma forma de reafirmar o laço de fidúcia,corroborando para garantir o futuro acesso aoParlamento por meio da reeleição. A necessidadede o político priorizar o acesso aos centrosdecisórios sobre a fidelidade partidária é apontadapor Lamounier e Meneguello também como umaconseqüência do próprio significado atribuído pelasociedade – a mídia e também os eleitores – aospartidos políticos. De acordo com os autores: “É[...] evidente que, no Brasil, a chamada questãopartidária não diz respeito apenas à indisciplinaindividual dos membros dos partidos, nem mes-mo às mazelas faccionais que afligem este ou aque-le partido. Ela se refere também à descontinuidadeentre os próprios sistemas partidários que se su-cederam ao longo de nossa história. Desde os li-berais e conservadores do Império, reconhecíveiscomo tais desde a primeira metade do século pas-sado, diversas formações totalmente distintas su-cederam-se umas às outras, atrofiando-se ou sendosuprimidas pela violência, praticamente sem dei-xar um rastro organizacional ou um fio simbólicoque pudesse ser retomado na etapa seguinte.

Como se não bastasse, o antipartidarismo podeser considerado um traço marcante da culturapolítica brasileira. Na consciência social e na lin-guagem jornalística, são hiperabundantes as refe-rências ao ‘artificialismo’ e à ‘falta de autenticida-de’ dos partidos. Embora não possamos destacara hipótese de que esta linguagem seja uma sobre-vivência ideológica do Estado Novo, sabidamenteantiliberal e antipluralista, não se trata apenas dis-so” (idem, p. 10).

O vínculo partidário ficou ainda mais compro-metido com a reforma partidária de 1965-1966,imposta pelo Ato Complementar n. 4 (novembrode 1965). Em função da extinção dopluripartidarismo pelo Ato Institucional n. 2 (ou-tubro de 1965), “os grupos parlamentares da si-tuação reuniram-se na Aliança Renovadora Naci-onal (ARENA), enquanto que a oposição ao regi-me (aquela que sobrevivera às cassações) fundouo Movimento Democrático Brasileiro (MDB)”(SCHMITT, 2000, p. 34).

O bipartidarismo forçado elevou ainda mais ograu de heterogeneidade e de dissensointrapartidário, colocando sob um mesmo (e gran-de) “guarda-chuva” diferentes ideologias e práti-cas, que, antes concorrentes, passaram repenti-

namente a ser “aliadas” e, mais do que isso,identificadas como homogêneas. Em relação aodebate sobre o divórcio, a falta de consenso tantona Arena quanto no MDB ficaram evidentes quan-do ambos partidos deliberaram considerar ques-tão aberta a votação das emendas divorcistas. Nomesmo sentido, objetivando firmar o caráterapartidário do seu projeto divorcista para, quemsabe, ampliar o número de adeptos, o SenadorNelson Carneiro afirmou em 1971: “Este projeto[Projeto de Lei n. 6/1971], Sr. Presidente, nãosendo político, não pode ser examinado com olhospolíticos, por um ou outro partido. Dentro do meuPartido há votos contrários ao projeto, como den-tro do Partido do Governo há também altas vozesfavoráveis a esta proposição” (CARNEIRO, 1971,p. 559).

Outra questão relevante quando se estudam ospartidos políticos no Brasil é a vastidão territoriale a diversidade que ela comporta. As diferençasregionais resultavam, no período dopluripartidarismo, em coligações partidárias asmais diversas, o que reforçava a frouxidão dosvínculos partidários. Assim, ao mesmo tempo emque, por exemplo, o Partido Republicano Progres-sista (PRP) era em Pernambuco coligado com oPartido da República (PR), o PDC, o PTB, o Par-tido Liberal (PL) e a União Democrática Nacional(UDN), formando a Coligação DemocráticaPernambucana nas eleições de 1950, o mesmoPRP formava, no Espírito Santo, a Coligação De-mocrática, com o PSP, o PR e o Partido Revolu-cionário dos Trabalhadores (PRT) e, na Bahia,constituía, com PSD e PST, a Coligação Bahiana(Dados Estatísticos, 1960).

II.2. O Estado, a Cidade, a Região

As diferenças regionais, explicitadas de certaforma na configuração das coligações partidárias,eram também reforçadas pelos parlamentares emseus discursos, quando estes se colocavam comorepresentantes dos seus respectivos estados. Éinteressante perceber como a população exigia essarepresentação regional. Nos discursos sobre o di-vórcio eram bastante freqüentes as reproduções,por parte dos parlamentares, de cartas, manifes-tos, ofícios e outros documentos enviados poreleitores (normalmente grupo de eleitores ligadosa algum tipo de organização: associação de mora-dores, grupos religiosos, entidades femininas etc.)sendo constante a identificação regional e a co-brança para que o parlamentar representasse aquela

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região (estado ou cidade).

Nesses registros, interesses de grupos e iden-tidade territorial confundiam-se, fazendo parecerque existia uma homogeneidade regional-local. Écomo se todas as pessoas de uma determinada re-gião compartilhassem dos mesmos interesses edesejassem uma mesma atitude de seu represen-tante político. Nesse sentido, o Deputado BeneditoVaz leu um manifesto popular que dizia: “Espera aFamília Ipamerina que os muito dignos senadorese deputados goianos estejam realmente dignos emerecedores da confiança neles depositada” (VAZ,1962, p. 279). Braga Ramos, Deputado paranaense,também reproduziu um manifesto enviado por pre-sidentes de entidades femininas do Paraná, em quese lia o seguinte trecho: “Apelam a Vossas Excelên-cias para que, como representantes do Paraná, opo-nham-se de forma irredutível à aprovação da alte-ração constitucional, capaz de permitir desagrega-ção da Família” (RAMOS, 1975, p. 365).

Vale destacar que a referência a todo o con-junto de pessoas (eleitores) de uma determinadaregião, em se tratando de política, tinha caráteraltamente coercitivo. Se os parlamentares erameleitos regionalmente, então a confiança dos elei-tores deveria ser preservada durante todo o man-dato, a fim de que lhes fosse possível a reeleição.

E, se “a Família Ipamerina” e o “Paraná” não maisconfiassem em seus representantes eleitos, certa-mente estes não se reelegeriam.

Outro indicador de que a regionalização eraimportante foi o conjunto de críticas feitas à ten-dência de considerar o Brasil como reflexo do queacontecia no Rio de Janeiro e em São Paulo, osgrandes centros culturais e econômicos do país.Nesse sentido, o Senador eleito por Goiás, Bene-dito Ferreira, criticou aqueles que votaram repre-sentando a realidade do Rio de Janeiro e São Pau-lo e não a realidade de suas regiões. Justificandosua crítica, apresentou um quadro para demons-trar que a votação a favor do divórcio não condi-zia com as necessidades sociais das várias partesdo país. Tomando como base o número de des-quites registrados em 1973 e o percentual de des-quites por região, Benedito Ferreira apontou quemais de 80% dos processos de desquites aconte-ceram nas regiões Sul e Sudeste, não refletindo,portanto, a realidade nacional. Além disso, ressal-tando a falta de coerência na representação políti-ca, o quadro objetivava demonstrar que, enquan-to apenas 8,8% dos casos de desquite ocorreramnas regiões Norte e Nordeste, os votos a favor dodivórcio de parlamentares destas regiões soma-vam 43,3%.

FONTE: Senador Benedito Ferreira (1977, p. 1639).

QUADRO 1 – VOTAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL DO DIVÓRCIO EM 15 DE JUNHO DE 1977

Dentre os grupos de eleitores quefreqüentemente enviavam manifestos aos parla-mentares, reivindicando o direito de ser efetiva-mente representado no que tange à decisão sobrea instituição ou não do divórcio no Brasil, um des-tacava-se. A Igreja Católica pode ser facilmenteidentificada como um grupo que estava semprepresente, cobrando dos parlamentares posiçõesclaras e exigindo fidelidade à “natureza católica”do Brasil. Eram freqüentes as leituras, por parte

dos parlamentares, de documentos recebidos deentidades ligadas à Igreja. Muitas dessas entida-des representavam oficialmente a Igreja, como nocaso do Arcebispo Metropolitano de Curitiba e doBispo de Divinópolis, que enviaram correspondên-cias ao Parlamento dizendo, respectivamente: “OsBispos paranaenses, cônscios de suas graves res-ponsabilidades, sobretudo na hora presentes [sic],esperam que os representantes deste grande Es-tado sejam merecedores do elevado mandato que

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receberam e saibam resguardar a Família da terrí-vel ameaça que pesa sobre ela” (MIKILITA, 1962,p. 576). “Confiamos em nossos deputados. Comolegítimos e autênticos representantes do povomineiro, não poderão destruir os alicerces de nos-sos lares. O eleitorado de Minas, esta Minas sem-pre fiel à Igreja, nunca lhes perdoaria tamanha in-sensatez” (NOBRE, 1966, p. 5)5.

O Deputado Alípio de Carvalho, ao declararseu voto contra a Emenda Constitucional n. 9,de 1977, colocou-se como representante de seuseleitores (ou de parte deles) e porta-voz dosanseios destes, dizendo tê-los consultado sobrecomo posicionar-se frente à votação da Emendade cunho divorcista. Nas palavras do Deputado:“Voto contrário ao divórcio, de acordo com aopinião da maioria dos meus eleitores que semanifestaram contra a instituição do divórcio emnosso País, mediante pesquisa que realizei portelegrama enviado a líderes municipais e amigoscom os quais sempre tenho contado de formadecisiva em minhas eleições, já por 3 legislaturas,à Câmara dos Deputados” (CARVALHO, 1977,p. 1493).

Se a princípio todos os parlamentares eram“representantes do povo”, sendo o povo entendi-do como o conjunto de eleitores, a referência aomandato imperativo implica a identificação dogrupo mandante, revelando a diversidadeescamoteada pela homogeneização implícita novocábulo “povo”. Também delimitando o perfildaqueles a quem representava, o Deputado Antô-nio Annibelli declarou: “[...] conhecendo profun-damente aqueles que me outorgaram o mandatode Deputado Federal, tenho a mais absoluta cer-teza de que, ao votar contra a emenda constituci-onal votei exatamente como votaria cada um dosmeus eleitores, se a eles fosse facultada a honrade votar nesta Casa. Agi, repito, como legítimoprocurador de milhares de brasileiros, cuja for-mação cristã, respeito à família e às próprias con-

vicções religiosas, não admitem a dissolubilidadedo matrimônio” (ANNIBELLI, 1975, p. 112).

II.3. A Igreja Católica

A distinção do mandato imperativo está emque “cada Deputado representa uma circunscri-ção eleitoral ou um determinado grupo que o te-nha escolhido, recebendo além disso instruçõesespeciais” (SOUSA, 1971, p. 46). Ou seja, a repre-sentação por delegação implica o cumprimento porparte do representante de regras determinadas pelorepresentado. Sob essa perspectiva, o poder exer-cido pela Igreja Católica sobre a população e sobreo Estado e as características da afiliação religiosa(que se estabelece por uma crença acrítica do fielnos preceitos religiosos) apontam a Igreja Católicacomo mandante que constantemente, nos púlpitos,nos confessionários, nas rádios e nas ruas, por in-termédio de padres, bispos e outros discípulos,transmitia suas instruções especiais sobre comoseus mandatários deveriam agir em relação ao de-bate sobre o divórcio.

A presença de muitos representantes diretosda Igreja no Parlamento, sendo importante ressal-tar que o líder na luta contra o divórcio foi o pa-dre e Deputado Alfredo de Arruda Câmara, reme-te à representatividade como modelo de represen-tação política. Sendo parte de um todo (entendidocomo o conjunto de católicos ou mesmo como adoutrina católica), os deputados e senadores liga-dos mais ou menos diretamente à Igreja Católicarepresentavam também a si mesmos e aos seusinteresses em seus discursos.

A representatividade é expressa na fala doDeputado José Zavaglia quando afirma: “Sr. Pre-sidente, Srs. deputados, através do batismo, nósnos tornamos cristãos; como cristãos somos umsinal aqui na terra e como sinal temos uma obri-gação, uma responsabilidade, um dever e um ide-al a realizar. Por isso mesmo, porque cristãos, coma graça de Deus, aqui estamos, Sr. Presidente,para cumprir nosso dever, realizar nossos ideais eatender às nossas obrigações da nossa formaçãomoral” (ZAVAGLIA, 1977, p. 2399).

Certamente o grupo dos católicos pode serapontado como aquele que mais destacou-se comomandante que delegava poderes específicos e li-mitados aos seus mandatários. Os representantesdo catolicismo no Parlamento ressaltavam a legi-timidade da Igreja para intervir na defesa daindissolubilidade matrimonial, pois esta teria “por

5 Parece haver um erro na listagem de discursos no docu-mento disponível no sítio da Câmara dos Deputados, emcuja versão não consta o discurso do Pe. Nobre na página 5.Contudo, na listagem de discursos fornecida pela bibliote-ca da Câmara o discurso encontra-se presente na páginacitada, em documento publicado em 28 de abril de 1966,em que o Pe. Nobre lê uma carta do Bispo de Divinópolis.A autora possui cópia impressa do referido discurso, paraeventual esclarecimento [nota do revisor.]

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obrigação divina a orientação das consciências dosseus fiéis” (FREIRE, 1977, p. 1373). Os limitesou regras da delegação, constantemente reafirma-dos por cartas, manifestos e mais diretamente nosrituais religiosos, apoiavam-se nas escriturasbíblicas6.

Ao afirmar que a aprovação de um projetodivorcista seria “uma afronta a postulados sagra-dos de fé” (MIKILITA, 1962, p. 576) e que osparlamentares eleitos pelos católicos não poderi-am apoiar o divórcio pois estariam “traindo a von-tade dos seus representados e solapando os fun-damentos da família brasileira” (ZAVAGLIA, 1977,p. 1023), os parlamentares reforçavam a idéia deque todos os católicos deveriam servir a Deus,como mandatários, demonstrando os tênues limi-tes entre a responsabilidade política (civil) e ocompromisso religioso.

A atuação da Igreja era legitimada pela refe-rência ao título nacional de “maior nação católicado mundo”. Os dados apontando o altíssimopercentual da população católica serviam tambémpara justificar a decisão parlamentar não apenaspelo viés religioso – já que a separação Estado-Igreja data de 1890 – mas, também, pela supostavontade nacional.

O senador Ruy Santos defende aindissolubilidade do casamento dizendo que o faz“Principalmente por fidelidade ao mandato querecebi de um eleitorado católico. Como todos nós.Se somos mais de 90% da população brasileirafiéis a Cristo, defendemos o princípio de que ohomem não pode separar a quem Deus uniu. Ecomo eu, há muitos entre nós, a maioria – estoucerto – que iremos defender a indissolubilidadedo casamento. Sem timidez, com convicção. Te-mos um mandato que nos vem de um eleitoradocatólico. Não sejamos tímidos. Antes fiéis ao man-dato recebido. Há necessidade de se ter firmezade dizer não às propostas apresentadas” (SAN-TOS, 1977, p. 1386).

Sob a perspectiva quantitativa, representar opovo significava representar a maioria numéricae, “se 80% de nosso povo está seriamente com-prometido com o cristianismo; e nós somos re-

presentantes desse povo, saímos desse povo, nós,deputados e senadores da República Federativado Brasil, temos a responsabilidade de represen-tar cristãmente um povo que, em sua imensa mai-oria, é um povo Cristão” (ARBAGE, 1976, p. 141).A afirmação da existência de uma unidade religio-sa no Brasil, onde “todos” seriam católicos, legiti-mava a posição antidivorcista por si só. A lutacontra o divórcio não precisava ser justificada oufundamentada, bastando a referência ao fato deque a população (os mandantes) era católica e apresunção de que todos os católicos seriam fiéisao preceito indissolubilista.

A referência à vontade da maioria também erautilizada como argumento de defesa da tesedivorcista. Para o Deputado Florim Coutinho, “di-ante das estatísticas levantadas, a maioria do povobrasileiro – incluindo os casados, os bem casados– é a favor da instituição do divórcio como umasolução necessária para os casos consumados esem remédio, que viria reerguer lares desfeitos edar aos filhos novos lares” (COUTINHO, 1971,p. 6457).

É válido anotar que a busca da legitimação apartir da representação da maioria, ao mesmo tem-po em que remete à representação por delegação,também coaduna com o ideal político de preser-vação da confiança, já que é esta maioria quem,em última instância, elege deputados e senadores.

A idéia de que os divorcistas, ao contrariaremo desejo da maioria, estariam rompendo com opacto de confiança estabelecido entre eles e osseus mandantes no momento da eleição erafreqüentemente ressaltada pelos antidivorcistas,servindo como argumento para coibir aqueles par-lamentares que ainda não haviam se manifestadoou aqueles que, apesar da tendência divorcista,pudessem temer a represália popular.

A eficácia da represália popular aparece nosdiscursos na discussão sobre possíveis diferen-ças nos resultados das votações abertas ou secre-tas. Segundo o Deputado Lauro Rodrigues, “oCongresso Nacional, por sua maioria, está claro,é divorcista confesso e, por maioria discreta, tam-bém eis que muitos dos Senhores Deputados ouSenadores a quem tive ocasião de ouvir no pre-âmbulo das votações, me confessaram que se ovoto fosse secreto votariam favoravelmente aodivórcio mas não em votação a descoberto”(RODRIGUES, 1975, 2667).

6 É importante esclarecer que nesse momento deixaremosde lado as discussões sobre as possíveis e diferentes inter-pretações das Escrituras, fazendo referência apenas à leitu-ra disseminada pela Igreja Católica dos textos da Bíblia.

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No mesmo sentido, uma circular do Bispo daParaíba lida em plenário por Arruda Câmara aindana década de 1960 também tinha por objetivo pres-sionar os parlamentares no sentido de manter ovoto aberto na questão do divórcio e, assim, ex-por os divorcistas ao crivo popular: “Acresce ain-da que os divorcistas embora já tenham sido der-rotados neste sentido, vão, de novo, pleitear vota-ção secreta para tais projetos, em um acintosodesrespeito à família brasileira que, nesta graveconjuntura, tem o direito de saber quais as idéiase convicções de seus Representantes escolhidossob promessa de que defenderiam sempre, nesteparticular, sobretudo, os sagrados direitos natu-rais e tradições cristãs do nosso povo” (CÂMA-RA, 1962, p. 627).

O repúdio à votação secreta de quaisquer pro-jetos com fins divorcistas fundamentava-se nodever de responsabilidade atribuído à representa-ção. Nesse sentido, a representação é entendida,sobretudo, como relação de confiança, em que,apesar de ter autonomia para decidir (podendoinclusive apoiar a realização de votação secreta) oparlamentar tem a obrigação de prestar contas àsociedade, especialmente ao seu eleitorado, que,em uma próxima eleição, decidirá se manterá afidúcia ou se a depositará em outro candidato.

Mas, como a maioria não é homogênea, nãogarantindo por si só a reeleição de nenhum parla-mentar, a resposta de divorcistas para o argumentode que é função dos parlamentares representar amaioria é justamente a de que as “minorias” tam-bém precisam e merecem ser representadas, a fimde que haja uma relação mais igualitária na socie-dade e esta esteja refletida no Parlamento.

O pluralismo religioso e a necessidade dedefendê-lo foram exaltados por Nelson Carneiro,que se colocava como representante da minorianão-católica dizendo, “nesses vinte e cinco anosde luta, nunca, Sr. Presidente, me coloquei contraa Igreja Católica. Sempre respeitei sua posição emdefesa do vínculo conjugal, mas em um País ondeexistem muitas religiões e em que nem todos sãocatólicos era, também, preciso, como represen-tante de todo esse povo, falar por aqueles que nãoobedecem aos ditames dessa Igreja” (CARNEI-RO, 1975, p. 432).

É interessante observar a cautela com que osdivorcistas referiam-se à Igreja Católica. Apesarde buscarem romper com um dogma católico, aindissolubilidade do casamento, os parlamentares

divorcistas fogem de qualquer embate com a Igre-ja, colocando-se, inclusive, muitas vezes, tambémcomo católicos ou simplesmente devotos de Deus.Esse cuidado por parte daqueles que lutaram pelaadoção do divórcio no Brasil pode ser tomado comouma estratégia política. Diante do poderhegemônico da Igreja, não era produtivo aosdivorcistas adotar táticas de enfrentamento. As-sim, não havia, nos quase 900 discursos proferi-dos sobre o divórcio durantes as décadas de 1950,1960 e 1970, nenhum que defendesse francamenteo enfraquecimento da Igreja ou a ruptura de suasbases fundantes, assim como também não havianenhum que propusesse uma grande ruptura domodelo de organização familiar e, conseqüente-mente, dos papéis sexuais. Apesar de, a partir doinício da década de 1970, serem mais freqüentesas referências à necessidade de flexibilização daIgreja para que esta acompanhasse as transfor-mações sociais conforme indicara o Vaticano II,ainda assim a instituição era absolutamente pre-servada no embate político. Uma demonstraçãodisso estava na forma como Nelson Carneiro ini-ciou a defesa de um de seus projetos de cunhodivorcista (Projeto de Lei n. 1 810/1960): “Sr. Pre-sidente, começo elevando o meu pensamento aDeus, rogando-lhe que me inspire na sustentaçãoque vou fazer perante esta Casa, daconstitucionalidade, da conveniência e da legiti-midade do projeto” (CARNEIRO, 1962, p. 1670).

Além do não enfrentamento em relação à Igre-ja Católica, conforme vimos anteriormente, outrolimite imposto à atuação dos divorcistas estava naprevisão constitucional da indissolubilidade7. Vi-sando escapar do julgamento deinconstitucionalidade inescapável aos projetosdivorcistas, os parlamentares apresentavam pro-jetos dizendo-os não de divórcio, mas de amplia-ção das hipóteses da já aceita anulação de casa-mento. Tal estratégia, visando “obter uma recep-ção positiva na cena política”, é apontada por Ara-újo como um meio legítimo de efetivação da re-presentação. De acordo com o autor: “No julga-mento do desempenho dos representantes, é cla-ro que se deve considerar a capacidade deles delevar à cena pública as queixas sociais dos dife-rentes estratos/grupos/classes da comunidade eentão tensionar as instituições políticas e seus pro-

7 As Constituições Federais de 1934, 1937, 1946 e 1967,assim como a Emenda Constitucional n. 1, de 1969, res-guardavam a indissolubilidade do casamento.

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cessos decisórios. Porém, o julgamento tem deatentar igualmente para a capacidade da represen-tação de reelaborar as queixas, torná-las mais re-flexivas, dando-lhes a forma adequada para obteruma recepção positiva na cena pública. A avalia-ção a ser feita nesse ponto é muito complexa,porque os atores políticos sempre deverão pro-curar um delicado equilíbrio entre a preservaçãode sua interface social e a manutenção da cenapública na qual encontram seus adversários polí-ticos. Os representantes buscam, assim, uma du-pla cumplicidade: com seus representados, semdúvida, mas também com seus próprios adversá-rios na cena pública” (ARAÚJO, 2006, p. 14).

O que quero ressaltar ao discutir mais profun-damente a questão da representação política é,sobretudo, a importância dos limites do dizer (edo agir) próprios do cenário político. O tratamen-to da representação política a partir dos discursosé um meio útil para problematizarmos a fonte depesquisa, já que as peculiaridades do universopolítico são-lhe intrínsecas. Os limites, estabele-cidos dentro do jogo político em um determinadoespaço e tempo, podem ser apontados comodelimitadores também da representação, que ga-nha significados diferentes conforme possa sermais extensiva ou menos.

Enquanto Nelson Carneiro, apesar de enfatizarseu respeito à Igreja Católica e dizer-se católicopraticante, relacionava a sua posição a favor dodivórcio com a não representação de católicos,Arruda Câmara também delimitava sua represen-tação, colocando-se, como antidivorcista, comonão representante de um determinado grupo depessoas. Exigindo que os parlamentaresposicionassem-se de acordo com o que explicitaramem suas campanhas eleitorais, Arruda Câmara ex-plicou: “Porque, se eles tivessem dito que vinhamvotar o divórcio, talvez o único que fosse eleitoseria, como foi, o Sr. Nelson Carneiro, pelasdesquitadas de Copacabana e pelos burgueses de-sejosos de mudar de mulher a cada mês ou a cadaano, conforme suas paixões, seus apetites e seusinteresses” (CÂMARA, 1961, p. 9794).

Além de delimitar sua área de representação,excluindo as “desquitadas de Copacabana” e os“burgueses desejosos de mudar de mulher a cadamês ou a cada ano”, o mesmo parlamentar ex-pressava um pensamento absolutamente vincula-do à sua crença religiosa. Arruda Câmara alertavaos seus companheiros do Parlamento sobre a exis-

tência e a força de Deus. O Deputado deixava cla-ro que, para além de haver a preocupação em ga-rantir a confiança do eleitor, existia um mandanteque detinha o poder supremo de observação doque era realizado pelos mandatários e ao qual sedevia satisfação sobre os atos praticados não ape-nas durante o mandato parlamentar, mas durantetoda a vida. No final do discurso supracitado,Arruda Câmara ressaltou: “Sr. Presidente, antesde terminar meu discurso, devo dizer, alertando aconsciência dos Srs. deputados e dos Srs. Mem-bros da Comissão de Justiça que, se aprovaremesse projeto cometerão um crime contra a Naçãobrasileira e, sobretudo, desobedecerão às ordensdo Supremo Juiz. É que, acima desta cátedra,acima desta tribuna da representação popular, re-presentação do povo, de que emanam os poderes,está a cátedra e a tribuna do Supremo Juiz, doSupremo Legislador, pelo qual, como dizem asescrituras, governam os poderosos e decretam oslegisladores as leis justas. E eu e vós daremos contaa esse Juiz. Não tenhamos dúvida, não nos iluda-mos. Será cedo ou tarde, mas compareceremosperante o Juiz inagelável, ante o qual não há omanto diáfano da fantasia para ocultar os mons-tros, os pecados e os atentados à família brasilei-ra” (idem, p. 9794).

A representação aqui, ao mesmo tempo em quese refere à delegação também refere-se à confi-ança, já que fica evidente o livre arbítrio do man-datário em relação às suas decisões na Terra, sóhavendo a sujeição às conseqüências pela quebrada fidúcia no momento do Juízo Final (a próximaeleição ou a passagem ou não para a vida eterna).Além disso, por tratar-se de um trecho de discur-so proferido por um lídimo representante da Igre-ja Católica, Monsenhor Alfredo Arruda Câmara, arepresentação também se configura comorepresentatividade, sendo o representante parte dotodo a que entende representar.

Como se pode notar, a tentativa de configuraros discursos como sendo baseados no modelo derepresentação como delegação exige sempre al-guns retoques e adaptações. Apesar de muitasvezes os políticos colocarem-se como fiéis re-presentantes de determinados grupos (seja do par-tido político, seja dos seus eleitores “individual-mente”, seja da região que o elegeu, seja da dou-trina religiosa que o promoveu etc), não há comoabstermo-los de observar que eles mantinham suaautonomia, ou, pelo menos, tinham assegurados

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os meios para exercê-la. O que se pode notar éque a opção por usufruir ou não dessa autonomiadava-se muito mais por questões relacionadas àafinidade de interesses ou o desejo ou necessida-de de reeleição do que propriamente por submis-são política. A própria “autovitimização” dos par-lamentares, quando se colocavam como fiéis de-legados de seus representados, pode ser apontadacomo uma estratégia política para escamotear oumesmo esvaziar o controle da sociedade sobre oseu mandato.

III. A REPRESENTAÇÃO COMO CONFIANÇA

O modelo de representação como relação deconfiança fundamenta-se justamente na idéia deque o representante preserva sua autonomia, nãoestando vinculado a nenhuma diretriz previamen-te estabelecida pelo representado. Nas palavras deSousa, “O representante [...] é a pessoa a quemcabe praticar certos atos em nome de uma socie-dade, e isto em virtude da posição que ocupa naestrutura da comunidade, sem precisar receberinstruções específicas, nem depender da aprova-ção ou possível impugnação de tais atos” (SOUSA,1971, p. 19). O chamado mandato fiduciário nãovincula diretamente o representante a qualquerinteresse do representado, mas, fundado na con-fiança, depende da manutenção desta para perdu-rar. A representação como relação de confiança“atribui ao representante uma posição de autono-mia e supõe que a única orientação para sua açãoseja o interesse dos representados como foi porele percebido” (COTTA, 1992, p. 1102).

Essa concepção de representação, que defen-de a independência do representante em relaçãoaos representados, é teorizada por Edmund Burkeem seu “Discurso aos eleitores de Bristol”, de1774. De acordo com Burke, o representante deveaos seus eleitores devoção aos seus interesses antesque à sua opinião. Uma vez que a relação de cadaparlamentar não está circunscrita à cidade que oelegeu, mas à nação que, por sua vez, é parte deum império, ele não representa aqueles que o ele-geram. O autor descreve “o papel do represen-tante como um ‘trabalho de razão e de juízo’ aserviço do ‘bem comum’ e não do simples ‘que-rer’ e dos ‘preconceitos locais’” (ibidem).

Discutindo o quanto o mecanismo eleitoralpode, de fato, tornar mais representativas as ins-tituições da democracia, Manin, Przeworski eStokes (2006) distinguem o que chamam de“implementação do mandato” da representação

política em si. De acordo com os autores, emdeterminados casos, visando não romper o vín-culo de confiança, os parlamentares abrem mãode atuar para o bem-estar dos eleitores escolhen-do cumprir cabalmente a plataforma que os ele-geu (ou seja, aquela que foi “aprovada” pelos elei-tores). Nesses casos, os autores afirmam que “omandato será implementado, mas os políticos nãoatuarão de forma representativa”: “Os represen-tantes podem ora executar políticas que melho-ram o bem-estar dos eleitores por meio de desvi-os do mandato, ora ser obedientes ao mandato,mesmo se acreditarem que sua implementação nãoserá melhor para os eleitores. Se a implementaçãodo mandato não é o melhor que o governante podefazer, então é difícil acreditar na ameaça de puni-ção para quem se desvia do mandato. Os eleitorespodem não gostar de governantes que traem suaspromessas, mas não punirão os políticos que be-neficiam os eleitores mediante desvios do manda-to” (idem, p. 6).

Pitkin ressalta que não importa quantos pen-sadores tomem posição em um lado ou no outro,“a polêmica sobre o mandato e a independência éum daqueles debates teóricos infindáveis que nun-ca parecem se resolver” (PITKIN, 2006, p. 30).A questão pode ser sintetizada na seguinte esco-lha dicotômica: “um representante deve fazer oque seus eleitores querem ou o que ele acha me-lhor?” (ibidem).

De acordo com Souza (1971, p. 43), quandoa representação efetiva-se, “o Deputado não re-presenta os eleitores, como se dava no tempo do‘mandato imperativo’, mas a própria Nação e avontade nacional se corporifica na vontade de seusrepresentantes”. Desse modo, segundo o mesmoautor, “a representação não tem, pois, por objeto,delegar a certos órgãos o poder de interpretar osvotos ou as aspirações da coletividade. Ela tempor fim autorizar estes órgãos a dizer o que quer anação, isto é, a ser sua vontade e sua voz. Emsuma, a representação é criadora da vontade na-cional” (idem, p. 46).

Esse era o entendimento do Senador BeneditoFerreira quando ressaltou: “Cientes, pois, da gi-gantesca tarefa a que nos propusemos, de ser oslegisladores do Brasil nesta difícil fase que atra-vessa a humanidade, neste período em que faleceao homem – em todas as latitudes da terra – quais-quer perspectivas mais animadoras, estamos –mais que qualquer outra geração de legisladores

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que nos antecedeu – na obrigação de buscar emDeus toda a inspiração, todo o apoio, para decidir,para legislar, não de acordo com a chamada ‘von-tade popular’, mas em consonância com as reaisnecessidades da nossa gente, especialmente dasfuturas gerações, sob pena de não alcançarmosnas páginas da História – se é que sobrevivere-mos como humanidade para tê-la escrita – a cul-minância da vida pública, que é o título de esta-distas.

Não me acode à memória, mas li, em certaoportunidade, uma definição sobre as figuras dos‘políticos’ e dos que, mesmo arrostando a impo-pularidade, vale dizer, despreocupados em seragradáveis, sem a preocupação de cortejaremmomentâneas vontades populares, atingiram o graude estadistas, dando ao seu povo, não o que pe-dia, mas aquilo que realmente necessitava”(FERREIRA, 1975, p. 4804).

O entendimento de que os parlamentares são“escolhidos por suas qualidades distintivas, [...]são colocados em uma posição que lhes permitecompreender melhor as questões públicas, gra-ças às informações a que têm acesso, às discus-sões no próprio parlamento e à especialização natarefa legislativa” (ibidem), atribui-lhes competên-cia para distinguir a vontade popular do bem paraa população. Nesse aspecto, a representação comoconfiança distancia-se da delegação, pois ao in-vés de o político seguir as regras prescritas pelosseus eleitores, ele deve até mesmo ir contra elas,se este for o melhor caminho para o “bem-co-mum”.

Sob essa perspectiva, o primeiro embaraço estáem pensar a diversidade de significados que po-dem ser atribuídos a esse “bem-comum”. A difi-culdade fica explícita nas palavras do DeputadoDaniel Faraco, que, ao mesmo tempo em que de-legava aos parlamentares a função de intérpretesda “vontade do povo”, já apontava o que entendiaser a vontade deste povo e, mais do que isso, de-finia qual a interpretação “mais correta”. De acor-do com Daniel Faraco, “nossa missão é a de in-terpretar [sic] da vontade do povo. A nossa mis-são, o nosso dever é respeitar os princípios, astradições e os supremos interesses do povo brasi-leiro e são estes interesses que exigem seja mantidaa indissolubilidade da família, que o divórcio sejafulminado e que o projeto infeliz do DeputadoNelson Carneiro seja rejeitado pela Câmara dosDeputados (FARACO, 1952, p. 1365).

Da mesma forma, ao reproduzir um trecho deuma carta escrita pelo ex-Deputado Carlos deBritto Velho, Geraldo Freire ressaltava a funçãoparlamentar de galgar o bem-comum para logoem seguida delimitar esse conceito excluindo oque denominou “bens privados”. Na carta lia-se:“As leis são feitas para contribuírem na efetivaçãodo bem comum, do bem geral, do bem da socie-dade, e não para atenderem alguns bens privados,por mais respeitáveis que sejam, por mais como-vedores que se nos afigurem” (FREIRE, 1977, p.1334). Na argumentação do Deputado GeraldoFreire, os interesses daqueles que, infelizes nocasamento, desejavam a instituição do divórciodeveriam ser entendidos como “bens privados”,opostos ao “bem-comum”.

O significado atribuído pelo parlamentar ao“bem-comum” vai ser produto de sua visão demundo, refletindo não apenas suas idéias sobre odivórcio, mas todo um conjunto de pensamentos,práticas e comportamentos que norteiam sua for-ma de ver e agir sobre as coisas em geral. Essalente utilizada para ver o mundo, por sua vez, éuma lente produzida socialmente, a lente da cultu-ra. Como produto cultural reflete códigos e nor-mas compartilhados por um grupo. Assim, pormais que os parlamentares tentassem colocar-secomo representantes do todo (no sentido do bem-geral), neutralizando sua posição, eles representa-vam efetivamente uma parte, a parte em que elesestavam também inscritos e muitas vezes a únicaparte que conseguiam enxergar. Essa é uma for-ma praticamente indissociável de vinculação re-presentante-representado. Mesmo gozando deautonomia, esta está a priori limitada, ainda queseja simplesmente pela visão – com tendênciaetnocêntrica – de mundo do parlamentar, quecorresponde à visão de um grupo e não de todos.

Esse comprometimento da visão transparecetambém na fala do Deputado Fernando Ferrari que,ao dizer que o legislador deveria representar a na-ção (como um todo), já excluiu o “grupo dos in-felizes” no casamento, o grupo dos que deseja-vam o divórcio, privilegiando o outro grupo, odos que não sofriam de incompreensão edesajustamento. Nas palavras do Deputado: “En-tendo que ser político é ser soldado da Pátria, es-tando a seu serviço e, como tal, deveremos votare agir como legisladores da nacionalidade e nãodeste ou daquele grupo social, atingido em deter-minado momento pela incompreensão ou pelodesajustamento” (FERRARI, 1952, p. 5174).

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Além dessas limitação e vinculação inerentes àprópria visão sobre as coisas, no mandato livre “orepresentante não está preso às preferências ex-pressas de seus constituintes, mas idealmente devedecidir da forma que eles decidiriam caso dispu-sessem das condições – tempo, informação, pre-paro – para deliberar” (MIGUEL, 2005, p. 29). Ovínculo representante-representado faz-se presen-te, condicionando a autonomia do representante.

Mas cabe aqui pensar se essa mesma situaçãonão ocorre no mandato por delegação. Conformevimos anteriormente, quando os parlamentarescolocavam-se como representando seus eleitores,eram os próprios parlamentares que decidiamquem eram seus eleitores e mesmo quais eram oseleitores mais importantes. Vale relembrar a falado Deputado Alípio de Carvalho, reproduzida an-teriormente, quando declarou seu voto contra aEmenda Constitucional n. 9, de 1977. A consultaa “líderes municipais e amigos” justificava suaposição e legitimava, segundo o Deputado, suafunção de representante. Mas será que esses fo-ram seus únicos eleitores? Ou mesmo, será queforam os que garantiram sua eleição? A ausênciade um estudo mais aprofundado não nos permitechegar a conclusões precisas, mas é possível apon-tar para a frouxidão em que está inscrita a delega-ção, ficando muitas vezes a cargo do político de-limitar ou interpretar a quem representa e o quedesejam seus representados.

Essa “liberdade” do parlamentar para interpre-tar e significar os interesses de seus possíveis re-presentados é apontada pelos estudiosos como umaporta aberta para a não representação política, massim à representação pessoal. A idéia de que “semos freios e incentivos que oferece a possibilidadede imposição de sanções, tanto positivas quantonegativas, pelo povo comum, os detentores dopoder decisório dificilmente resistiriam à tentaçãode prover seu benefício particular, legislando emcausa própria ou, então, cedendo à corrupção”(idem, p. 35), faz que cada vez mais se constru-am mecanismos de controle que garantam o vín-culo dos representantes com seus representados.De acordo com as discussões contemporâneastravadas no campo da teoria política e, mais espe-cificamente, da teoria da democracia, um meca-nismo apontado como capaz de regular essavinculação é a chamada “accountability”. “Aaccountability diz respeito à capacidade que osconstituintes têm de impor sanções aos

governantes, notadamente reconduzindo ao car-go aqueles que se desincumbem bem de sua mis-são e destituindo os que possuem desempenhoinsatisfatório. Inclui a prestação de contas dosdetentores de mandato e o veredicto popular so-bre essa prestação de contas” (idem, p. 27). Aaccountability é apontada como um mecanismoque possibilita um maior controle dos governadossobre os governantes, promovendo a representa-ção de maneira mais ampla e complexa do que osimples mecanismo eleitoral.

A análise dos debates parlamentares travadosdurante as décadas de 1950, 1960 e 1970 sobre odivórcio evidencia quão presente estava, para osparlamentares, a idéia de que, ao mesmo tempoem que gozavam de autonomia para decidir suaposição sobre a instituição ou não do divórcio noBrasil, precisavam preocupar-se com a necessi-dade de prestar contas à população sobre seuposicionamento e submeter-se, no momento daseleições, ao veredicto popular em relação a esseposicionamento.

Essa noção foi explicitada pelo Deputado LuizGarcia quando afirmou, “somos, aqui, legislado-res. Estamos lealmente votando, mas não apenasdando o nosso voto pessoal. Somos portadoresde um mandato e temos contas a prestar não adeterminados grupos, mas ao eleitorado, que man-dou a esta Casa seus representantes e é naturalinteressado em qualquer reforma substancial, prin-cipalmente em matéria de família” (GARCIA, 1952,p. 7200).

Expressões como: “o Povo, na sua sabedoria,vai nos julgar, pelo Bem e pelo Mal feitos”(COUTINHO, 1971, p. 6457) ou “Temos de ma-nifestar realmente os nossos pensamentos, paraque [...] aqueles que [...] para cá nos mandarampossam também aquilatar a nossa responsabilida-de” (LIMA, 1975, p. 2376) eram freqüentementeincorporadas aos discursos. O que chama a aten-ção é o tom de ameaça em que estavam mergu-lhadas essas colocações. A idéia de que o povoestava observando tudo o que era feito para de-pois “julgar” e, mais do que isso, “condenar” osparlamentares no momento das eleições, configu-rava mais uma relação arbitrária do que um vín-culo de confiança. De acordo com a professorado Departamento de Ciência Política da Universi-dade de Columbia, Nadia Urbinati, uma teoria de-mocrática da representação deve “envolver a idéiade que o povo soberano conserva um poder ne-

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gativo que lhe permite investigar, julgar, influen-ciar e reprovar seus legisladores” (URBINATI,2006, p. 208; grifos no original).

Conforme visto anteriormente, osantidivorcistas utilizavam o argumento de que, porestarem supostamente indo contra a vontade damaioria da população brasileira (apontada comocatólica), os divorcistas estariam rompendo como vínculo de confiança, ficando muito provavel-mente marcados pelos eleitores como “traidores”ou mal executores de seus mandatos. Além disso,os antidivorcistas freqüentemente reiteravam anecessidade de que os parlamentares deixassembem claras suas respectivas posições ante a ques-tão do divórcio, lutando veementemente contraqualquer votação secreta de projetos de cunhodivorcista, alegando ser a “transparência” da vo-tação um elemento necessário para que o eleitortomasse conhecimento sobre o posicionamentodos políticos e o pudesse avaliar.

Nesse sentido, o Deputado antidivorcista Pe.Nobre declarou: “Eu, mesmo que o voto fossesecreto, abriria a manifestação de minha opinião,pois acho que o eleitorado que nos enviou a estaCasa, ao tocante a problema tão grave e de tama-nha responsabilidade social, merece nossa defini-ção clara, limpa e pública, para que possamosdesempenhar, daqueles que nos elegeram, o papelque nos conferiram” (NOBRE, 1975, p. 1837).

A “transparência” também era referenciadaquando alguns parlamentares defendiam a neces-sidade de os candidatos manifestarem sua posi-ção em relação ao divórcio no momento das elei-ções. Nesse sentido, Geraldo Freire questionava:“Por que não fazemos primeiro a nova campanhaeleitoral, expondo ao eleitorado brasileiro, para queele não seja apanhado desprevenido, as nossasidéias? Quem é divorcista, que pregue a sua ban-deira; quem é contra o divórcio, que o diga. E oeleitor escolherá” (FREIRE, 1977, p. 1430). Omanifestar-se antes das eleições era assim apon-tado como um meio de legitimar as futuras posi-ções no Parlamento e, conseqüentemente, umaforma de legitimar a própria representação. Dessaforma, o que os antidivorcistas defendiam é queapenas aqueles que se apresentassem como a fa-vor do divórcio em suas campanhas políticas,poderiam, se eleitos, defender com convicção aspropostas divorcistas.

O Deputado Nelson Carneiro chamou atençãopara um aspecto que, ao mesmo tempo em que

tornava opaca a pretendida transparência nas tran-sações de representação, revelava como o recur-so a discursos inflamados e freqüentes (sob a ale-gação de que se quer promover informação à po-pulação) podia ser utilizado como um instrumen-to de manipulação dos eleitores. De acordo comNelson Carneiro: “Antigamente, na Velha Repúbli-ca, compreendia-se a comodidade do Deputado,pois ele precisava apenas impressionar o Gover-nador, que era quem, em última análise, o elegia.Hoje, porém, o Deputado tem que vir constante-mente à tribuna para prestar contas dos seus atos,dia a dia, ao seu eleitorado. Deputado que não falaé Deputado que não consegue, em regra, apoio eo voto dos seus correligionários nas eleições fu-turas. Deputado que não está no plenário gritan-do, discutindo, não contará com a simpatia doeleitorado que o escolheu” (CARNEIRO, 1959,p. 6837).

A observação do Deputado pode ser apon-tada como um dos fatores que compromete aaccountability. A idéia de que é necessário que oparlamentar faça-se presente, mostrando ao seueleitorado que está “trabalhando”, corrobora a tesede que a população, de um modo geral, não temacesso a informações sobre as atividades parla-mentares senão por intermédio dos próprios par-lamentares. Ora, se são os próprios interessadosos principais transmissores das informações, écerto levantar a hipótese de que os mesmos “dou-rem a pílula” antes de entregá-la aos seus eleito-res. Esses mecanismos ofuscam a pretendidatransparência na representação. Citando HannaPitkin, Urbinati aponta que a linguagem do dis-curso político, como a do discurso moral, “deveser suficientemente estável para que o que umhomem diga realmente consista na tomada de umaposição, realmente diga-nos algo a seu respeito”(URBINATI, 2006, p. 208; grifos no original). Essaestabilidade dos discursos seria um importanteindicativo de transparência, um elemento neces-sário à accountability, à representação e à demo-cracia.

Quando Nelson Carneiro salientou que o De-putado tem que estar “no plenário gritando e dis-cutindo” para garantir a “simpatia do eleitoradoque o escolheu”, ele apontou que a forma podesobrepor-se ao conteúdo, ou seja, independente-mente da natureza das idéias que são defendidasou combatidas, o que conquista o eleitor é a for-ma como são expostas (“no plenário gritando ediscutindo”).

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Assim é que nos deparamos com um dos gra-ves problemas para o exercício da accountability,a comprometida cultura política nacional. Ao dis-cutir dilemas e alternativas da representação polí-tica, o Cientista Político Luis Felipe Miguel afirmaque “as esperanças depositadas na accountability(vertical) [...] não encontram mais do que umapálida efetivação na prática política. A capacidadede supervisão dos constituintes sobre os seusrepresentantes é reduzida, devido a fatores queincluem a complexidade das questões públicas, ofraco incentivo à qualificação política e o controlesobre a agenda” (MIGUEL, 2005, p. 27).

Em um país como o Brasil, marcado pela de-sigualdade social, a dificuldade e a desigualdadeno acesso à informação são fatos incontestes, e,além disso, é clara a desigualdade na oportunida-de de participação (tanto direta quanto indireta).Quando acima dissemos que os parlamentaresrepresentavam a parte e não o todo, é preciso per-ceber que parte é esta, de qual parcela da popula-ção vieram os próprios parlamentares e a sua vi-são de mundo.

O que ocorre, então, é que a pretensão de re-presentar toda a nação, sem concentrar-se em in-teresses individuais ou de grupos, não se realiza.Os parlamentares, quando criavam a “vontadenacional”, reproduziam a vontade de determina-dos grupos, e, normalmente, a vontade de gruposdominantes, grupos que por deterem poder políti-co tinham voz ativa nas decisões de agenda e nacobrança das prestações de contas. Da mesmaforma, conforme vimos anteriormente, na repre-sentação como delegação também costumavamprevalecer os interesses dos grupos dominantes.Assim, “um dos principais problemas identifica-dos na representação política contemporânea dizrespeito à sub-representação de determinados gru-pos sociais. O grupo dos governantes, em relaçãoao conjunto da população, tende a ser muito maismasculino, muito mais rico, muito mais instruídoe muito mais branco – uma observação que valepara o Brasil e para as democracias eleitorais emgeral” (MIGUEL, 2005, p. 34).

Essa identidade entre os que compõem o gru-po de governantes chama a atenção no debate sobreo divórcio e merece destaque em relação a doisaspectos. Primeiro, porque a maioria esmagadorados autores de discursos sobre casamento, famí-lia, separação e divórcio era constituída de ho-mens (apesar de o papel da mulher na família ser

um argumento recorrente tanto para defenderquanto para repudiar o divórcio). Além disso, tan-to divorcistas quanto antidivorcistas defendiam omesmo modelo de família, que implicava a manu-tenção das relações desiguais entre os sexos, en-tre outras coisas. A diferença é que, enquanto osantidivorcistas fundamentavam a defesa dessafamília na indissolubilidade do casamento, osdivorcistas defendiam-na pela via do novo casa-mento.

O segundo aspecto que precisa ser destacadoé o fato de que, apesar de estarmos tratando dasdécadas de 1950, 1960 e 1970, período em queos meios de comunicação alardeavam a “ameaçacomunista” no Brasil, o que subentendia a exis-tência significativa de tal corrente de pensamen-to, as idéias comunistas não estavam presentesnos debates sobre o divórcio. Pelo contrário, osdiscursos traziam uma enorme rejeição, tanto deantidivorcistas quanto de divorcistas, a qualquersemelhança com os comunistas. Uma demons-tração disso estava na troca de acusações queantidivorcistas e divorcistas faziam entre si sobreas estratégias utilizadas na defesa e divulgação desuas respectivas teses. Os antidivorcistas com-paravam a propaganda do divórcio com a agita-ção comunista, afirmando que “uma e outra fun-dam-se no materialismo e partem de pequenosgrupos ativos e ruidosos, radicados nas cidadesmaiores, enquanto a população se conserva alheiae contrária à demagogia estéril e nefasta promo-tora da subversão da ordem social e da ordemfamiliar” (FARACO, 1962, p. 1477). Ao mesmotempo, os defensores do divórcio utilizavam ar-gumento muito semelhante, também criticando aestratégia antidivorcista por sua comparação coma tática comunista. Nas palavras de Nelson Car-neiro: “Sei que já estão começando a chegar aquialguns abaixo-assinados feitos nas portas das Igre-jas, por meninos, por senhoras fanáticas, que vãoassinando, cinqüenta, cem vezes, nomes diferen-tes, para empanturrar os Anais da Câmara comesses protestos inexpressivos. Esta é uma táticacomunista muito velha, e muito conhecida dos queintegraram passadas legislaturas” (CARNEIRO,1959, p. 9061).

O que interessa ressaltar neste momento sãoas ausências, os silêncios, a falta daqueles quenão estavam representados no cenário político(como as mulheres e os comunistas) e que, poressa razão, não tiveram seus interesses atendidos.

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A sub-representação ou mesmo a ausência de re-presentação de determinados grupos sociaiscorresponde à não representatividade destes narepresentação política.

IV. A REPRESENTAÇÃO COMO “ESPELHO”

O modelo de representação como “espelho”“concebe o parlamento como uma espécie demapa, no qual se vê a imagem perfeita, emboraem tamanho reduzido, da sociedade” (MIGUEL,2005, p. 35). “Diferentemente dos dois primeiros[modelos de representação] é centrado mais so-bre o efeito de conjunto do que sobre o papel decada representante. Ele concebe o organismo re-presentativo como um microcosmos que fielmen-te reproduz as características do corpo político”(COTTA, 1992, p. 1102).

O modelo de representação comorepresentatividade apresenta-se como uma pro-posta de garantia da participação política dos di-ferentes grupos sociais. Para tanto, são aponta-dos como mecanismos de promoção da partici-pação política a seleção aleatória dos governantese (ou) a reserva de vagas para grupos marginali-zados. Contemporaneamente, a prática de exigên-cia de cotas de mulheres nas instituições públi-cas, incluído aí o Parlamento, segue essa linha deentendimento, garantindo, por meio da reserva devagas, a participação política das mulheres, assimcomo de outros grupos tradicionalmente excluí-dos do poder. A identidade entre representante erepresentados é apontada como um meio de sus-citar a participação ativa e inclusiva do eleitoradono debate político, mantendo conectados socie-dade civil e esferas públicas. Young (2006) res-salta, entretanto, as dificuldades da relaçãoidentitária, uma vez que os indivíduos podem iden-tificar-se em relação a alguns aspectos e, entre-tanto, divergir em relação a outros, o quecorresponderia a ruídos na representação.

Sem entrar na discussão sobre a potencialidadee os limites desse modelo, vejamos como pensara representatividade na representação dos parla-mentares durante os debates sobre o divórcio tra-vados de 1951 a 1977 no Congresso Nacionalbrasileiro. Recuperando um pouco o que já traba-lhamos no decorrer deste ensaio, fica claro que ogrupo dos católicos é o que mais se destacavacomo participante direto no debate. Os católicos,tanto os que tinham vínculos formais com a Igre-ja como os que não os tinham, muitas vezes fala-

vam abertamente como católicos, pautando seusargumentos justamente nesta identidade religiosa.

O problema da representatividade, no casoprático do debate sobre a instituição do divórciono Brasil, está no fato de que ela estava isolada,não era parte do sistema. Isso significa que ape-nas um determinado grupo estava representado,havendo a exclusão dos demais, o que, sob certoponto de vista, esvaziava o ideal de representaçãopolítica. É bastante provável que outros parlamen-tares também discutissem e votassem de acordocom interesses seus (ou de grupos dos quais fazi-am parte). Seria o caso, por exemplo, de todosaqueles que, defendendo a instituição do divórciono país, alegando que os casais infelizes no casa-mento dela necessitavam para resolver sua situa-ção familiar, desejassem regularizar a sua própriasituação de concubinato ou de desquite por meiodo divórcio. Todavia, o que a análise do debateevidencia é que vários grupos não estavam repre-sentados, como era o caso das mulheres, dos nãocatólicos, dos desquitados, dos comunistas ousocialistas, dentre outros, o que, certamente, con-tribuiu para que a proposta de introdução do di-vórcio na legislação brasileira tenha tido umatramitação longa e demorada.

V. CONCLUSÕES

A análise dos discursos parlamentares permiteconcluir que os políticos refletem, em maior oumenor profundidade, sobre seu papel como re-presentantes políticos. Ora justificando sua posi-ção frente a uma determinada questão, ora bus-cando legitimar suas proposições e votos, ora sim-plesmente procurando fortalecer o vínculo que osliga aos seus eleitores, deputados e senadores ex-pressam representações sobre o papel que exer-cem dentro do Congresso Nacional, mobilizando,na prática política, as diferentes possibilidades doconceito de representação política construídas noâmbito da teoria política.

A múltipla significação que pode ser atribuídaao termo representar pré-anuncia a complexidadeda questão. Representar é corriqueiramente iden-tificado com a representação teatral, com fingirou falsear; ou entendido como fazer as vezes de,ocultar-se em nome do representado ou mandatá-rio; ou ainda, como conceito sociológico (repre-sentações sociais), referindo-se a “categorias depensamento através das quais determinada socie-dade elabora e expressa sua realidade”(ARCHANJO, 2006, p. 7).

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Os modelos de representação política descri-tos pela bibliografia precisam ser analisados le-vando em conta a dinâmica da política contempo-rânea, assim como a própria dinâmica social. Nãose encontra na prática política a “pureza” que osconceitos apresentam. O que se vê na prática é amistura (não consciente) dos modelos teóricos,sendo que a necessidade de expressar a impor-tância da manutenção do vínculo com o eleitorestá sempre presente.

O contexto em que se inscrevem a Câmarados Deputados e o Senado Federal, cenário dapolítica por excelência, apresenta duas faces: porum lado, limita o dizer e o fazer parlamentar, con-figurando-se como um espaço de expressões con-servadoras, lugar de expressão daquilo que publi-camente pode ser expresso; por outro lado, comosítio em que se reúne o conjunto de deputados esenadores eleitos pelo voto popular, presume alegitimidade do que é dito, ou seja, não há como

não relacionar as falas parlamentares com apolifônica “voz do povo”. A singularidade e apluralidade, o homogêneo e o heterogêneo, o unís-sono e o polifônico. A prática parlamentar exige amediação entre essas possíveis oposições, enquan-to a análise dos discursos políticos exige a obser-vância das peculiaridades da fonte de pesquisa. Épreciso não perder de vista que as falas dos polí-ticos são, antes de tudo, produtos do contextoem que estão inscritas, ou seja, os discursos sãoforjados pelo significado atribuído pelos parlamen-tares à sua função de representantes políticos.

Ao discutir a questão da representação políti-ca relacionando a teoria política com representa-ções expressas por parlamentares (deputados esenadores) sobre o seu papel de representantespolíticos, o presente ensaio enaltece a riqueza deanálises dialógicas entre a teoria e a prática políti-ca, descortinando continuidades e rupturas queperpassam a relação entre as duas.

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TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. 1960.Eleições federais, estaduais e municipais reali-zadas no Brasil em 1952, 1954 e 1955, e em

OUTRA FONTE

confronto com anteriores. In: TRIBUNAL SU-PERIOR ELEITORAL. Dados Estatísticos. 3.V. Rio de Janeiro: Tribunal Superior Eleitoral.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 295-300 OUT. 2010

SOCIAL CAPITAL AND DEMOCRACY: DOES TRUST REALLY MATTER?

Manoel Leonardo Santos and Enivaldo Carvalho da Rocha

In recent times, efforts have been made to bring two approaches previously considered to be antagonicand impossible to reconcile closer. This refers to an attempt to intermediate views that, on the onehand, emphasize the importance of individuals’ strategic choices and, on the other, prioritize thehistorical importance of socio-historical norms and institutions in political and social results. Thepresent article takes part in this debate and within this context, the question “Does culture matter?”comes to the forefront. Taking this question as our point of departure, we seek an empirical analysisof the statistical relevance of a specific cultural value, “social capital”, and its significance for thequality of democracy. The efforts we carry out consist in attempt to empirically clarifying whethersocial capital (understood here through indicators of interpersonal trust, trust in institutions andpolitical trust) is related to the quality of democracy (measured here through two indicators: FreedomHouse and The Economic Inteligence Unit). We conclude that, if relying exclusively on the conceptof interpersonal trust as a measure of social capital, we will not be able to consider the latter as acultural value that is relevant for democracy. With regard to trust in institutions, this factor’s negativecorrelation to degrees of democratization in the countries studied demonstrates quite clearly that thecircle of virtue suggested by Robert Putnam cannot be confirmed. Erosion of trust in governments,within democratic regimes, is strong evidence that there is no positive, virtuous association betweenconfidence, civic culture or any other denomination that has been suggested in the attempt to buildcausal links between social capital and democracy. Yet notwithstanding negative results and thelimitations that we have pointed to in relation to the scope of the theory of social capital, our text isrevealing of a debate that is currently under construction and seems to hold promise.

KEYWORDS: Social Capital; Theory of Democracy; Trust; Economic Development; PoliticalCulture.

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POLITICAL REPRESENTATION: A DIALOG BETWEEN PRACTICE AND THEORY

Daniela Resende Archanjo

The present essay discusses the issue of political representation through a dialog between politicaltheory and practice. Beginning from the characterization of three forms of representation noted inthe bibliography (representation as delegation, as trust and as sociological representativity) the articleseeks to reveal, through the speech of house representatives and senators who participated in thedebate around the institution of divorce during the 1950s, 1960s and 1970s, how different possibilitiesregarding the concept of political representation were understood and mobilized in political debatewithin the Brazilian Congress. The context surrounding the House of Representatives and the Fe-deral Senate, political scenario par excellence, is multi-faceted, while parliamentary practice isconstituted through the (unconscious) mixture of theoretical models, in which the need to expressthe importance of maintaining ties to the voter always prevails. We must not forget that politicians’discourse is, above and beyond all else, the product of the contexts to which they belong, forged bythe meanings that members of parliament attribute to their function as political representatives.

KEYWORDS: Political Representation; Political Theory; Political Practice; Divorce.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 18, Nº 37: 303-309 OUT. 2010

MOTS-CLES: démocratie; minimalisme; représentation politique; accountability; choix rationnel.

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CAPITAL SOCIAL ET DEMOCRATIE: LA CONFIANCE EST-ELLE VRAIMENT IMPOR-TANTE?

Manoel Leonardo Santos et Enivaldo Carvalho da Rocha

Actuellement, il est possible de trouver des efforts visant à réconcilier deux approches avant prisescomme antagonistes et inconciliables. Il s'agit d’une tentative de faire la médiation des visions qued’un côté, soulignent l’importance des choix stratégiques des individus et, d'un autre côté, qui privilégientl'importance historique des normes et des institutions socioculturelles dans les résultats sociaux etpolitiques. Cet article s'insère dans ce débat et, dans ce contexte, la question “la culture est-elleimportante?” est tout à fait logique. En partant de cette question, nous cherchons à analyserempiriquement l’importance statistique d'une valeur culturelle spécifique, “le capital social”, pour laqualité de la démocratie. L’effort est de clarifier empiriquement si le capital social (ici compris à partirdes indicateurs de confiance interpersonnelle, confiance dans les institutions et confiance politique),est lié à la qualité de la démocratie (ici mesurée à partir de deux indicateurs : Freddom House et TheEconomic Inteligence Unit). Nous concluons que, si nous prenons en considération seulement le conceptde confiance interpersonnelle comme mesure pour le capital social, nous ne pouvons pas considérerque celui-ci est une valeur culturelle pertinente pour la démocratie. Par rapport à la confiance dans lesinstitutions, sa corrélation négative avec le degré de démocratisation des pays étudiés, montre clairementque le cercle vicieux suggéré par Robert Putnam n’est pas confirmé. L’érosion de la confiance dansles gouvernements, dans les régimes démocratiques, est une forte évidence que il n’y a pas d’associationpositive, vertueuse, entre confiance, culture civique ou n’importe quelle autre dénomination que puisseêtre suggérée dans une tentative de construire un mécanisme de cause entre capital social et démocratie.Malgré les résultats négatifs et les limites indiqués en ce qui concerne le pouvoir de la théorie ducapital social, le texte indique un débat en construction et avec des perspectives prometteuses.

MOTS-CLES: capital social; Théorie de la Démocratie; confiance; développement économique;culture politique.

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REPRESENTATION POLITIQUE: UN DIALOGUE ENTRE LA PRATIQUE ET LA THEORIE

Daniela Resende Archanjo

Cet article discute la question de la représentation politique à partir du dialogue entre la théorie et lapratique de la politique. En partant de la caractérisation des trois formes de représentation indiquéespar la bibliographie (représentation tant que délégation, tant que confiance et tant que représentativitésociologique), l’article cherche à révéler, à partir des discours des députés et sénateurs qui ont participédu débat autour de l’institution du divorce au Brésil pendant les décennies de 1950, 1960 et 1970,comment les différentes possibilités du concept de représentation politique ont été comprises et mobiliséesdans le débat politique du Congrès National. Le contexte où sont inscrits le Sénat Fédéral et la Chambrede Députés, scénario de la politique par excellence, a des multiples facettes, pendant que la pratiqueparlementaire se constitue dans le mélange (inconscient) des modèles théoriques, où la nécessitéd’exprimer l’importance de l’entretien du lien avec l’électeur prévaut toujours. Il faut ne pas perdre devue que les discours des politiques sont, avant tout, des produits du contexte où ils sont inscrits, masquéspar le significat attribué par les parlementaires à leur fonction de représentants politiques.

MOTS-CLES: représentation politique; Théorie Politique; pratique politique; divorce.

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