Retórica e democracia

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RETÓRICA E DEMOCRACIA A “Pólis” grega Diferenças: 1. Na Grécia, as comunidades eram pequenas, onde, em princípio, todos se conheciam. Tratava-se, por assim dizer, de uma democracia “cara a cara”. 2. Os escravos, que não eram considerados cidadãos, eram a base da economia. Mantendo as classes exploradas à imagem da política, evitam-se antagonismos de classe. 3. Na democracia grega não havia diferença entre governantes e governados e, por isso, não havia um estado como hoje o concebemos. Não existia nenhuma instância separada da sociedade e que funcionasse com autonomia. A democracia direta funcionava não só nas deliberações e tomadas de decisões, mas também na sua realização e na gestão dos assuntos públicos. 4. A democracia grega configurava uma forma de vida, sendo difícil distinguir esfera pública e privada. O quotidiano estruturava-se em função da participação política. Hoje, as questões políticas ocupam só uma parte da nossa vida e são alheias a qualquer referência à felicidade. A participação política consistia mais num “ser parte” do que um “tomar parte” na vida política, como acontece nos nossos dias. Semelhanças: 1) O logos, a argumentação racional, era chave de toda a autoridade. Aquele que exercia o poder político devia para isso apresentar razões aceitáveis. Esta relação entre domínio e aceitação racional continua a manter a sua vigência na atualidade. Por isso, chama-mos dogmáticas ou fundamentalistas às instituições que se negam a justificar-se. 2) As nossas democracias partem de relações intrínsecas entre cidadania e participação, a qual já Aristóteles estabelecera como característica básica do ser humano. Assim, o principal para fazer parte da comunidade não era ter nascido nele, mas participar na Assembleia e Administração das coisas públicas. 3) O governo justo prosseguia o interesse comum e geral, o que não era possível sem regras jurídicas. Então, tal como hoje, um regime justo implicava submissão à lei e não a uma pessoa. Por isso, continuava vigente a definição aristotélica de lei como “a razão desprovida de paixão”. 4) A educação cívica desempenhava um papel decisivo na “Pólis” grega, defendendo- se a ideia de que uma democracia não podia funcionar sem virtude cívica e sem solidariedade, condições de vida em comum. Educação e retórica A insistência no subjetivismo e no relativismo fomenta o sentido de liberdade intelectual que permite às pessoas questionar os conceitos e valores do passado e, simultaneamente, estabelecer novas crenças e ideias. A isso se presta a retórica, enquanto técnica poderosa de expor, argumentar e convencer os interlocutores.

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RETÓRICA E DEMOCRACIA

A “Pólis” grega

Diferenças:

1. Na Grécia, as comunidades eram pequenas, onde, em princípio, todos se

conheciam. Tratava-se, por assim dizer, de uma democracia “cara a cara”.

2. Os escravos, que não eram considerados cidadãos, eram a base da economia.

Mantendo as classes exploradas à imagem da política, evitam-se antagonismos de

classe.

3. Na democracia grega não havia diferença entre governantes e governados e, por

isso, não havia um estado como hoje o concebemos. Não existia nenhuma

instância separada da sociedade e que funcionasse com autonomia. A democracia

direta funcionava não só nas deliberações e tomadas de decisões, mas também na

sua realização e na gestão dos assuntos públicos.

4. A democracia grega configurava uma forma de vida, sendo difícil distinguir esfera

pública e privada. O quotidiano estruturava-se em função da participação política.

Hoje, as questões políticas ocupam só uma parte da nossa vida e são alheias a

qualquer referência à felicidade. A participação política consistia mais num “ser

parte” do que um “tomar parte” na vida política, como acontece nos nossos dias.

Semelhanças:

1) O logos, a argumentação racional, era chave de toda a autoridade. Aquele que

exercia o poder político devia para isso apresentar razões aceitáveis. Esta relação

entre domínio e aceitação racional continua a manter a sua vigência na atualidade.

Por isso, chama-mos dogmáticas ou fundamentalistas às instituições que se negam

a justificar-se.

2) As nossas democracias partem de relações intrínsecas entre cidadania e

participação, a qual já Aristóteles estabelecera como característica básica do ser

humano. Assim, o principal para fazer parte da comunidade não era ter nascido

nele, mas participar na Assembleia e Administração das coisas públicas.

3) O governo justo prosseguia o interesse comum e geral, o que não era possível sem

regras jurídicas. Então, tal como hoje, um regime justo implicava submissão à lei e

não a uma pessoa. Por isso, continuava vigente a definição aristotélica de lei como

“a razão desprovida de paixão”.

4) A educação cívica desempenhava um papel decisivo na “Pólis” grega, defendendo-

se a ideia de que uma democracia não podia funcionar sem virtude cívica e sem

solidariedade, condições de vida em comum.

Educação e retórica

A insistência no subjetivismo e no relativismo fomenta o sentido de liberdade

intelectual que permite às pessoas questionar os conceitos e valores do passado e,

simultaneamente, estabelecer novas crenças e ideias. A isso se presta a retórica, enquanto

técnica poderosa de expor, argumentar e convencer os interlocutores.

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O facto de os sofistas negligenciaram a verdade, reduzindo-a a meras opiniões, gerou

em muitos pensadores a tendência para denegrir a sua imagem. Contudo, a importância da

sua atividade no contexto sociopolítico de então obrigada a que se proceda a uma reavaliação

destes pensadores, reconhecendo-lhes inúmeros aspetos positivos. O seu mérito reside,

fundamentalmente, no seguinte:

Reflexão centrada no homem. Souberam imprimir à filosofia um cunho essencial –

mente antropológico.

Formação cultural. Foram

Vocação pedagógica.

Radicalidade argumentativa.

Desenvolvimento da eloquência.

Questionamento da tradição.

Em síntese:

Retórica (inventada pelos gregos) – Forma democrática de resolver os problemas da

cidade. O cidadão participava diretamente no Governo, logo sentia necessidade de

intervir, expressando as suas opiniões e derrotando os pontos fracos do adversário.

Os cidadãos preparavam os jovens para a vida política, o que explica o êxito da retórica

como arte de argumentar, e a fama dos sofistas, encarregados de fazer dos jovens bons

cidadãos e bons políticos.

A retórica transformou-se numa estratégia para impor opiniões. Assim, é desprezada por

filósofos, como, p.e., Platão, que rejeitava a opinião e se empenhava na verdade.

Aristóteles admite a retórica como método legítimo de resolver problemas no campo da

ação humana, onde, por carência de verdades objetivas, as pessoas têm que fundamentar

os seus pontos de vista.

A retórica transita de Roma, onde era cultiva como oratória, isto é, como arte de bem

falar. Os bons discursos são os que têm uma organização formal e pelos recursos

estilísticos que usam.

Esta orientação da retórica confere-lhe um sentido negativo: retórico é o discurso que

prima pela beleza da forma, em detrimento da riqueza de conteúdo.

A velha retórica dos gregos torna-se, agora, o inspirador modo de resolver as questões.