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Revista de Educação Pública

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  • Revista de Educao Pblica

  • Ministrio da Educao Ministry of Education

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    Revista de Educao PblicaAv. Fernando Corra da Costa, n. 2.367, Boa Esperana,

    Cuiab-MT, Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Educao, sala 49.

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    UFMT

  • ISSN 0104-5962

    R. Educ. Pbl. Cuiab v. 20 n. 43 p. 209-400 maio/ago. 2011

    2011

    Revista de Educao Pblica

  • Copyright: 2011 EdUFMTPublicao articulada ao Programa de Mestrado e Doutorado em Educao da Universidade Federal de Mato GrossoAv. Fernando Corra da Costa, n. 2.367, Boa Esperana, Cuiab/MT, Brasil CEP: 78.060-900 Telefone: (65) 3615-8431Homepage:

    Misso da Revista de Educao PblicaContribuir para a divulgao de conhecimentos cientficos da rea de Educao, em meio s diferentes perspectivas terico-metodol-gicas de anlises, em tempos e espaos diversos, no sentido de fomentar e facilitar o intercmbio de pesquisas produzidas dentro desse campo de saber, em mbito regional, nacional e internacional, e assim, contribuir para o enfrentamento e o debate acerca dos problemas da educao brasileira em suas diferentes esferas.A exatido das informaes e os conceitos e opinies emitidos so de exclusiva responsabilidade dos autores.Os direitos desta edio so reservados EdUFMT Editora da Universidade Federal de Mato Grosso. proibida a reproduo total ou parcial desta obra, sem autorizao expressa da Editora.

    EdUFMT Av. Fernando Corra da Costa, n. 2.367 Boa Esperana. Cuiab/MT CEP: 78060-900 Homepage: E-mail: [email protected] Fone: (65) 3615-8322 / Fax: (65) 3615-8325.

    Coordenador da EdUFMT: Marinaldo Divino RibeiroEditora da Revista de Educao Pblica: Ozerina Victor de Oliveira Editora Adjunta da Revista de Educao Pblica: Mrcia Santos FerreiraSecretria Executiva: Dionia da Silva TrindadeConsultora tcnica: La Lima SaulReviso de texto: Leslie de Almeida CludioDiagramao: To de MirandaPeriodicidade: Quadrimestral Indexada em: BBE Bibliografia Brasileira de Educao (Braslia, INEP).

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel SuperiorPERIDICOS.CAPEShttp://acessolivre.capes.gov.br/pesquisa.do?palavra=REVISTADEEDUCAOPBLICA

    WebQualis: classificao de peridicos Qualis B1http://qualis.capes.gov.br/webqualis/ConsultaListaCompletaPeriodicos.faces

    IRESIE ndice de Revistas de Educacin Superior y investigacin Educativa

    UNAM Universidad Autnoma del Mxicohttp://132.248.192.241/~iisue/www/seccion/bd_iresie/

    CITAS Latinoamericana en Ciencias Sociales y Humanidades

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    Latindex:

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    Este nmero foi produzido no formato 155x225mm, em impresso offset, no papel Suzano Plen Print 80g/ m, 1 cor; capa em papel triplex 250g/m, 4x0 cores, plastificao fosca em 1 face.Composto com os tipos Adobe Garamond e Frutiger. Tiragem: 1.000 exemplaresImpresso e acabamento: Bartira Grfica e Editora S/A.

    Catalogao na Fonte

    R454 Revista de Educao Pblica - v. 20, n. 43 (maio/ago. 2011) Cuiab, EdUFMT, 2011, 192 p. Anual: 1992-1993. Semestral: 1994-2005. Quadrimestral: 2006-

    ISSN 0104-5962

    1. Educao. 2. Pesquisa Educacional. 3. Universidade Federal de Mato Grosso. 4. Programa de Ps-Graduao em Educao. CDU37.050z

    Correspondncia para envio de artigos, assinaturas e permutas: Revista de Educao Pblica, sala 49, Instituto de Educao/UFMT Avenida Fernando Corra da Costa, n. 2.367. Boa Esperana, Cuiab/MT CEP: 78.060-900. E-mail:

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    Disponvel tambm em: http://ie.ufmt.br/revista/Sistema Eletrnico de Editorao de Revista (SEER): Open Journal Systems (OJS): http://200.129.241.94/index.php/educacaopublica

  • Disponvel tambm em: http://ie.ufmt.br/revista/Sistema Eletrnico de Editorao de Revista (SEER): Open Journal Systems (OJS): http://200.129.241.94/index.php/educacaopublica

    Sumrio

    Apresentao .................................................................................. 217

    Refletindo sobre a temtica educao, formao de professores e suas dimenses scio-histricas: convergncias e tenses ............ 219Andria DALCINFilomena Maria Arruda MONTEIRO

    Educao, formao de professores e suas dimenses scio-histricas: desafios e perspectivas ................ 231Rui TRINDADE

    Polticas de Formao de Professores: consideraes sobre sensibilidades diversidade cultural .............. 253Ana CANEN

    Continuidades e descontinuidades nas polticas de formao de professores e suas implicaes na prtica pedaggica docente ....... 267Heloisa Salles GENTILMarilda de Oliveira COSTA

    Narrativas: contribuies para a formao de professores, para as prticas pedaggicas e para a pesquisa em educao .......... 289Rosa Maria Moraes Anunciato de OLIVEIRA

    Residncia pedaggica: investigao-ao com professores egressos da Faculdade de Formao de Professores da UERJ ......... 307Helena Amaral da FONTOURA

    A educao bsica e os desafios nas questes relacionadas com a diversidade cultural e suas prticas curriculares .................. 323Marcos Garcia NEIRA

  • A Matemtica e seu ensino no sculo XVII: reflexes para os dias atuais ........................................................... 343Arlete de Jesus BRITO

    Programa de Ps-Graduao Doutorado em Educao em Cincias e Matemtica PPGECEM da Rede Amaznica de Educao em Cincias e Matemtica REAMEC .......................... 357Marta Maria Pontin DARSIE

    A questo metodolgica: mtodos e tipos de pesquisa na produo acadmica sobre professores (as) na Regio Centro-Oeste ............. 379Ruth Catarina Cerqueira R. de SOUZA Solange Martins Oliveira MAGALHESNilza de Oliveira SGUAREZI

    Normas para publicao de originais ............................................. 395

    Ficha para assinatura da Revista de Educao Pblica .................. 399

  • Contents

    Presentation ................................................................................... 217

    Reflecting on the thematic education, teacher education and t heir socio-historical dimensions: convergences and tensions ......... 219Andria DALCINFilomena Maria Arruda MONTEIRO

    Education, teacher training and their socio-historical dimensions: challenges and perspectives ............................................................ 231Rui Trindade FERNANDES

    Teacher Education Policies: some reflections about sensitivities towards cultural diversity ........................................... 253Ana CANEN

    Continuities and discontinuities in the politics of formation of teachers and its implications in teaching practice .......267Heloisa Salles GENTIL Marilda de Oliveira COSTA

    Narratives: contribution to teacher education, to pedagogical practices and to researchs in education .......................................... 289Rosa Maria Moraes Anunciato de OLIVEIRA

    Pedagogical resedence: action-investigation with alumni from Faculdade de Formao de Professores- UERJ ............................... 307Helena Amaral FONTOURA

    The basic education and challenges related with cultural diversity and curricular practices ..................................... 323Marcos Garcia NEIRA

  • Mathematics and its teaching in XVII:reflections to nowadays .................................................................. 343Arlete de Jesus BRITO

    Post-Graduation Program Doctorate in Science and Mathematics Education PPGECEM at the Amazon Education Network in Science and Mathematics REAMEC ........................................... 357Marta Maria Pontin DARSIE

    The methodological question: research methods and types of the production of academic teachers (as) in the Center-West region ......... 379Solange Martins Oliveira MAGALHES Ruth Catarina Cerqueira R. de SOUZANilza de Oliveira SGUAREZI

    Directions for originals publication .............................................. 395

    Subscription form .......................................................................... 399

  • Apresentao

    A Revista de Educao Pblica, tradicionalmente, dedica uma edio divulgao de artigos frutos dos debates apresentados no Seminrio Educao (SEMIEDU). O referido evento, que acontece no Instituto de Educao da Universidade Federal de Mato Grosso, sob a coordenao de uma das linhas do Programa de Ps-Graduao em Educao (PPGE), em 2010 completou 18 anos de existncia e contou com a temtica Educao, Formao de Professores e suas Dimenses Scio-Histricas: Convergncias e Tenses. O tema propiciou reflexes coletivas entre os diferentes setores e modalidades da Educao com nfase na formao de professores, apresentando perspectivas mltiplas de pesquisa nessa rea. A organizao do evento em 2010 a cargo das linhas Formao de Professores e Organizao Escolar e Educao em Cincias e Matemtica evidenciou o intenso trabalho colaborativo de pesquisadores e de iniciativas coletivas de formadores oriundos de Instituies de Ensino Superior e ou Grupos de pesquisa em mbito Internacional e nacional. O que potencializou a interlocuo dos percursos trilhados e de suas construes nas experincias vivenciadas, nas prticas de pesquisa e de formao.

    Escolhemos a roda, ilustrada com os elementos representativos da cultura mato-grossense, sobrepostos e agrupados em crculo demarcados pelos diferentes grupos culturais, como smbolo do Seminrio 2010, com a inteno de marcar esse espao como prenhe de significados e reinterpretaes. Espao e tempo intenso de cores, alegria e dilogos na arte de aprender a viver compartilhadamente.

    Entendemos que ao publicar as reflexes apresentadas e debatidas ao longo do evento podemos compartilhar a multiplicidade de conhecimentos produzidos e em reconstruo e seus dilogos profcuos entre pesquisadores, formadores, formandos e professores que se entrelaam, expressando nveis de referncia, sentidos e significados mltiplos, acentuando posies subjetivas dos autores, contextos e circunstncias de investigao, opes metodolgicas e intenes prticas que devem ser apreciadas num dilogo permanente para que possamos construir as significaes/ressignificaes pretendidas por todos. Ao mesmo tempo esperamos que o conjunto dos textos aqui publicados possibilite o desvelamento de novas interrogaes no que se refere s questes da pesquisa em Educao e das polticas pblicas de formao de professores. Essa a nossa expectativa!

    Profa. Dra. Filomena Maria de Arruda Monteiro/UFMT Profa. Dra. Andria Dalcin/UFMT

    Coordenadoras do SEMIEDU/2011

  • Refletindo sobre a temtica educao, formao de professores e suas dimenses scio-histricas:

    convergncias e tenses

    Reflecting on the thematic education, teacher education and their socio-historical dimensions: convergences and tensions

    Filomena Maria Arruda MONTEIRO1

    Andria DALCIN2

    1 Doutora em Educao pela Universidade Federal de So Carlos. Professora Adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso. Lder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Poltica e Formao Docente, articulado Linha Organizao Escolar, Formao e Prticas Pedaggicas do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFMT. E-mail:

    2 Doutora em Educao pela Universidade de Campinas. Professora Adjunta da UFMT. Lder do Grupo de Estudos e Pesquisas Griphus- Educao Matemtica, articulado Linha Educao em Cincias e Matemtica do Programa de Ps-Graduao em Educao da UFMT. .

    Resumo

    Neste artigo pretende-se refletir sobre a temtica Educao, Formao de professores e suas dimenses scio-histricas: convergncias e tenses levando em conta a experincia do trabalho coletivo e colaborativo trilhado no Seminrio Educao 2010, nossas vivncias e ressignificaes. Problematizar o potencial das reflexes que integraram o referido evento evidenciando tanto as possibilidades terico-metodolgicas do trabalho docente quanto a diversidade de objetos a serem compreendidos. Por fim, assumido como um compromisso emancipatrio de educao acreditamos ter o evento auxiliado na construo da identidade profissional, do ser professor considerando con-vergncias e divergncias que perpassaram tal trajetria, seja em nvel bsico ou superior.

    Palavras chaves: Educao. Formao de professores. Poltica educacional.

    Abstract

    This article intends to reflect on the the-matic education, teacher education and their socio-historical: convergences and tensions, taking into account the experience of collec-tive work collaborative education trailed the 2010 Seminar, our experience and reframes. Question the potential of reflections that con-stitute that event showing both the theoretical and methodological possibilities of teaching and the diversity of objects to be understood. Finally assuming a commitment to emancipa-tory accredited education event have helped in the construction of professional identity to be a teacher considering convergence and divergence that underlie this trajectory, is at a basic level or higher.

    Keywords: Education. Teacher Educa-tion. Educacional politics.

    R. Educ. Pbl. Cuiab v. 20 n. 43 p. 219-229 maio/ago. 2011

  • 220 Educao, formao de professores e suas dimenses scio-histricas: desafios e perspectivas

    R. Educ. Pbl. Cuiab, v. 20, n. 43, p. 219-229, maio/ago. 2011

    Convergncias e Tenses fora a temtica escolhida para o Seminrio Educao de 2010. A temtica permite entrever o potencial das reflexes que integraram o referido evento evidenciando tanto as possibilidades terico-metodolgicas do trabalho docente quanto a diversidade de objetos a serem compreendidos. Ressalta-se ainda a busca de articulao dialgica entre as discusses que tematizam as polticas e prticas de formao de professor e as que investem sobre os conhecimentos da Educao em Cincias e Matemtica. Foi buscando um esprito de coletividade, partilha, troca de experincias e interlocuo que o Seminrio Educao procurou desenvolver as atividades em 2010 nos diferentes espaos da UFMT em Cuiab.

    A conferncia de abertura proferida por Rui Trindade da Universidade do Porto, Portugal, deu incio s atividades acadmicas. Seu texto aqui publicado vem compor conosco, de forma absolutamente original, na construo desse compromisso com a educao. O conferencista teceu ao longo de sua fala reflexes sobre a formao de professores, seus problemas e possibilidades, alertando sobre a necessidade de uma articulao entre a formao de professores e seu papel poltico, considerando que

    [...] no possvel dissociar a resposta questo: o que ser professor nas sociedades contemporneas? do modo como se concebem as finalidades que as escolas devero assumir em sociedades que se afirmam como democrticas. Sabendo-se que no h apenas uma possibilidade de responder quela pergunta, h todavia a necessidade de compreender que nem todas as respostas servem. Este , pois, o primeiro desafio que se nos coloca quando pensamos o projecto de formao que queremos assumir (TRINDADE, 2010, p. 19-20).

    Tal preocupao j se faz presente nas discusses que ocorrem no Programa de Ps-Graduao em Educao da UFMT. Com efeito, o Seminrio Educao fruto de tais preocupaes desde 1992, tendo assumido a postura de problematizar e construir alternativas sobre a Educao, em particular da educao mato-grossense. A necessidade de um olhar mais plural sobre a problemtica educacional brasileira tem motivado as Universidades, em especial a UFMT, a promoverem discusses internas das mais variadas temticas, em interface com o olhar nacional e internacional que em vrios aspectos e momentos so convergentes. Historicamente o Seminrio Educao foi concebido como uma oportunidade de apresentao e de debate com um pblico mais amplo, de seus projetos e programas acadmico-cientficos. Embora desde o incio, tenha-se contado com a participao de outros estados, o pblico majoritrio tem se constitudo por professores dos diferentes

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    Refletindo sobre a temtica educao, formao de professores e suas dimenses scio-histricas: convergncias e tenses 221

    nveis de ensino, tcnicos das Secretarias de Educao, pesquisadores e alunos de graduao e ps-graduao do Estado de Mato Grosso. Nos ltimos cinco anos, a respeitabilidade do Seminrio Educao tem se evidenciado com a ampliao da participao de educadores provenientes de diversos estados, brasileiros e, tambm, do exterior. Mais de 80 (oitenta) instituies tm sistematicamente marcado presena atravs de apresentaes de trabalhos, coordenaes de sesses e/ou proferindo palestras e conferncias.

    com o peso de sua prpria histria e com a responsabilidade que esta lhe confere que o Seminrio Educao 2010 empenhou-se em compartilhar com todas as pessoas da comunidade em geral os conhecimentos produzidos e em construo atravs dos projetos de pesquisas e experincias de educao escolar e no escolar; vivncias acadmicas e sociais geradas no programa de ps-graduao e na graduao.

    A temtica Educao, Formao de Professores e suas dimenses scio-histricas: Convergncias e tenses viabilizam discusses que acenam para novas possibilidades de encaminhamentos ou aprimoramentos das polticas publicas para a formao de professores. Abordar as convergncias e tenses, tendo como pano de fundo elementos histricos sobre a formao de professores e a prtica pedaggica, possibilitando um exerccio mais crtico da realidade. Por outro lado, existem problemas recorrentes e urgentes, que apresentam regularidades, e os professores no precisam, a todo momento, reinventar a roda (ELLIOT apud LDKE, 2001, p. 52).

    As experincias do passado ao serem revisitadas permitem uma pluralidade de interpretaes do presente e auxiliam na construo de uma identidade coletiva. Nesse sentido, o dilogo entre presente e passado abre novas perspectivas de olhar as diversas e plurais situaes da escola e dos processos de ensinar e aprender.

    Discutir a formao de professores uma temtica necessria e ganha espao nos eventos nacionais e internacionais na ltima dcada.

    A grande quantidade de eventos de carter cientfico tem mostrado que o encontro pessoal ainda uma forma de comunicao que muito agrada aos cientistas e pesquisadores. Mesmo com as novas possibilidades trazidas pela tecnologia, como, por exemplo, as teleconferncias e as listas de discusso via correio eletrnico, que permitem a comunicao rpida e a baixo custo, os encontros continuam a ocorrer com frequncia, reunindo os membros de uma comunidade cientfica e/ou tcnica para exporem e discutirem seus trabalhos, envolvendo-os num processo de avaliao que constitui o cerne da atividade de pesquisa (CAMPELO, 2003, p. 57).

  • 222 Educao, formao de professores e suas dimenses scio-histricas: desafios e perspectivas

    R. Educ. Pbl. Cuiab, v. 20, n. 43, p. 219-229, maio/ago. 2011

    Com esta perspectiva, foram apresentados ao longo dos debates elementos que permearam a trajetria dos professores, sua formao e prticas historicamente construdas, tecendo caminhos que acreditamos, auxiliem na construo da identidade profissional, do ser professor considerando as convergncias e divergncias que perpassaram tal trajetria, seja em nvel bsico ou superior.

    Em sua 18 edio, o evento esteve sob a responsabilidade das linhas Formao de Professores e Organizao Escolar e Educao em Cincias e Matemtica. A primeira tem se caracterizado pelo desenvolvimento de estudos no mbito da educao formal, realizando uma interlocuo sistemtica com vrias reas do saber, entre elas a Didtica, o Currculo, a Formao de Professores, as TICs e informtica educativa, a Poltica e o Planejamento de Educao e da Escola, referenciados na cincia poltica, na sociologia, na antropologia, na psicologia social e educacional, na filosofia e na histria; a segunda vem desenvolvendo pesquisas que discutem os Fundamentos epistemolgicos e histricos das Cincias Naturais e da Matemtica e sua relao com a educao escolar; bem como currculo e componentes curriculares; formao inicial e continuada de profissionais da Educao em Cincias e Educao Matemtica; processos de ensino e de aprendizagem, no mbito do ensino formal e no formal, nos diferentes nveis de ensino; as TICs e informtica educativa na educao em Cincias e Matemtica.

    Assim sendo, na confluncia dos desafios que em parceria as linhas de Pesquisa coordenaram o evento, assumindo o compromisso de, atravs das atividades especficas conferncias, painis, mesas-redondas, oportunizarem o debate e a socializao dos conhecimentos produzidos por todos os participantes.

    Estiveram presentes ao evento cerca de 1400 participantes. Tendo sido inscritos 730 trabalhos entre Comunicaes Orais e Painis, destes, aprovados pelo comit cientfico 652. As Comunicaes Orais esto vinculadas aos Grupos de Trabalho: Educao e Linguagem; Educao e Diversidades Culturais; Educao Ambiental; Educao em Cincias; Educao Matemtica; Filosofia da Educao; Polticas Educacionais; Histria da Educao; Cultura, Linguagem do Corpo e Educao; Formao de Professores; Movimentos Sociais e Educao; Ensino, Currculo e Organizao Escolar; Educao e Psicologia; Educao Superior; Relaes Raciais e Educao; Educao e Linguagem; Educao Infantil; Educao e Comunicao.

    Alm das Comunicaes Orais e Painis ocorreram as conferncias, de abertura que enfocou o tema central desta edio do evento (Educao, Formao de Professores e suas dimenses scio-histricas: Convergncias e tenses), proferida por Rui Trindade (Porto/Portugal) e de encerramento (As polticas de avaliao da educao bsica: problemas e perspectivas) ministrada pelo Ocimar Munhoz (USP). Ao todo foram 11 mesas-redondas: Formao de Professores em Cincias

  • R. Educ. Pbl. Cuiab, v. 20, n. 43, p. 219-229, maio/ago. 2011

    Refletindo sobre a temtica educao, formao de professores e suas dimenses scio-histricas: convergncias e tenses 223

    e Matemtica: convergncias e tenses; Pesquisas (Auto) Biogrficas e a Formao de Professores: narrativas da prtica e para a prtica; Encontros e desencontros entre famlia e escola; Histria da Educao Matemtica: Problematizando o presente; Representaes sociais sobre ser professora da Educao Infantil segundo acadmicos de Pedagogia de quatro estados do Brasil; Olhares sobre professores(as): Anlises da produo acadmica do Centro-Oeste; Rede Amaznica de Ensino de Cincias (REAMEC); Formao de professores: prticas diferenciadas; As continuidades e descontinuidades nas Polticas de Formao de Professores e suas implicaes na prtica pedaggica docente;Polticas de Formao de Professores nos 40 anos de existncia: os processos de ensinar e aprender na Universidade; Docncia na Educao Superior: Condies de Trabalho e Desafios Pedaggicos.

    Os subtemas das mesas-redondas nos trazem elementos importantes para anlises da formao de professores e suas prticas, das cincias e matemtica, das narrativas como mtodo de pesquisa, da histria, das polticas de formao e dos processos relativos produo das investigaes sob esse prisma.

    A presente publicao rene artigos dos conferencistas, convidados para o evento, cujas temticas abordam eixos de estudos e investigaes que embora apresentem diversidades em suas perspectivas terico-metodolgicas so fruto de esforos de pesquisadores de diferentes regies de nosso pas e para alm , engajados nos debates em torno da temtica e suas tendncias atuais. Ressaltando-se ainda a produo regional.

    Rui Trindade nos brinda problematizando a temtica Educao, Formao de Professores e suas Dimenses Scio-Histricas: Convergncias e Tenses, refletindo sobre a relao entre a formao cientfica e a pedaggica, a formao inicial e a formao continuada e, neste mbito, a relao entre a formao qualificante e a experiencial, com o intuito de encontrar respostas que permitam superar antinomias que, hoje, so obstculos a uma reflexo mais pertinente e produtiva tanto sobre o papel e os desafios que se colocam aos professores nas escolas de hoje, como, concomitantemente, sobre a natureza dos projetos de formao. O autor apresenta questionamentos sobre O que ser professor nas sociedades contemporneas?, considerando as questes polticas de sociedades que se afirmam como democrticas e alerta para o desafio da necessidade de cursos de formao de professores que de fato venham a ter sucesso no exerccio da reflexo sobre a realidade posta. Nesse sentido, polemiza a formao de professores como um tema suficientemente pertinente no mbito da reflexo mais vasta sobre a natureza e os sentidos da profisso docente.

    Polticas de Formao de Professores: consideraes sobre sensibilidades diversidade cultural de Ana Canen enfatiza a necessidade de debater-se no mbito das polticas e aes governamentais o multiculturalismo em toda a sua amplitude,

  • 224 Educao, formao de professores e suas dimenses scio-histricas: desafios e perspectivas

    R. Educ. Pbl. Cuiab, v. 20, n. 43, p. 219-229, maio/ago. 2011

    para alm do contexto de identidades coletivas especficas, na articulao com as discusses sobre o currculo e ao. Nesse sentido a autora delineia o modo pelo qual a diversidade cultural tem sido enfocada nos documentos legislativos da formao de professores, nos ltimos anos no Brasil, acenando a continuidade/descontinuidade de aes e programas que fragmentam as discusses e se concentraram em princpios gerais de justia social, quando poderiam avanar, articulando tais princpios a habilidades, competncias e indicadores de avaliao a serem desenvolvidos em cursos de formao e desenvolvimento profissional, incorporando a sensibilidade diversidade e ao desafio aos preconceitos. Em sntese, o balano dos documentos legislativos analisados sinaliza perspectivas positivas, do ponto de vista multicultural, ainda que revele, tambm, certa persistncia na compreenso da diversidade cultural como um assunto parte dos temas curriculares mais tradicionais na escola e na formao docente.

    O artigo de Heloisa Salles Gentil e Marilda de Oliveira Costa intitulado Continuidades e Descontinuidades nas Polticas de Formao de Professores e suas Implicaes na Prtica Pedaggica Docente apresenta uma anlise das polticas de formao de professores no Brasil nos ltimos anos, final dos anos 1980 e incio dos anos 1990 buscando identificar continuidades e descontinuidades nessas polticas, para compreend-las em seus processos histrico-sociais. As autoras analisam a presena do neoliberalismo nas polticas de formao de professores no Brasil e a influncia de organismos externos que por meio de projetos e eventos de grande porte acabam por influenciar modos de pensar, organizar, regular e avaliar a Educao, de modo nem sempre articulado e conexo. Nesse sentido, alertam para a realidade de estarmos promovendo programas de formao inicial aligeirados e projetos de formao continuada pontuais e temticos, cujas prticas pedaggicas tendem a ser desvinculadas de um projeto educacional mais amplo, pautando-se em aes cujas finalidades terminam em si mesmas.

    As discusses apresentadas por Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira, Narrativas: Contribuies para a Formao de Professores, para as Prticas Pedaggicas e para a Pesquisa em Educao, exploram o potencial da narrativa como instrumento metodolgico no exerccio da prtica pedaggica, da formao de professores e do fazer pesquisa. A autora alerta para a investigao de cunho narrativo abarcar vrias perspectivas, desde a anlise de biografias e de autobiografias, histrias de vida, narrativas pessoais, entrevistas narrativas, etnobiografias, etnografias e memrias populares, at acontecimentos singulares, integrados num determinado contexto, no entanto bom lembrar, narrativa se diferencia de histria, o acontecido constitui a histria e o mtodo que a investiga e a descreve se constitui numa narrativa. A escola palco de muitas histrias e as narrativas desses fatos ampliam o entendimento das ricas interaes entre professores, alunos e muitos outros

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    elementos ali presentes, elementos que aos serem investigados contribuem para a superao do descompasso entre pesquisa e processo de ensino e aprendizagem.

    Helena Amaral Fontoura d destaque ao artigo Residncia Pedaggica: investigao-ao com Professores Egressos da Faculdade de Formao de Professores da UERJ, buscando responder problemtica: como ocorre a insero profissional dos licenciados em Pedagogia da FFP (Faculdade de Formao de Professores) em sua carreira como professores? Atravs da metodologia da investigao-ao, a pesquisa promoveu o exerccio reflexivo a partir das atividades dos professores em docncia que integraram o grupo a ser investigado, em torno de 40 frequentadores por encontro durante o ano todo de 2010, sempre no ltimo sbado do ms. O referido grupo era constitudo por bolsistas de Iniciao Cientfica das professoras coordenadoras do Projeto, professores das redes atuando em escolas parceiras da FFP (como campo de Estgio ou colaboradoras em outros projetos) e ainda mestrandos do Programa de Ps-Graduao, egressos ou no da FFP. Articulando pesquisa e formao continuada a autora aposta em uma parceria colaborativa, que viabilize a reflexo e a interveno na realidade a partir da interao entre pares que assumem papis especficos no processo e vem a residncia pedaggica como uma proposta de formao em servio.

    A Educao Bsica e os desafios nas questes relacionadas com a diversidade cultural e suas prticas curriculares, artigo de Marcos Garcia Neira discute, a partir do observado em uma pesquisa desenvolvida em uma escola municipal do Ensino Fundamental, as relaes entre as diversas facetas do currculo e a cultura juvenil. Chama ateno para o fato de que nas poucas vezes em que se verifica a incluso de contedos da cultura juvenil, miditica ou popular, o que se v superficial, difuso e carnavalizado, nesta perspectiva alerta que ao

    dialetizar as manifestaes culturais produzidas pelos diferentes grupos que compem a comunidade escolar e a sociedade mais ampla, o professor cria condies para o desenvolvimento da criticidade, indispensvel capacidade de escolhas conscientes e, por consequncia, para o exerccio da cidadania

    A Matemtica e seu ensino no Sculo XVII: Reflexes para os dias atuais de Arlete de Jesus Brito, tece um panorama sobre o ensino de matemtica na Europa do sculo XVII considerando as funes assumidas pela Matemtica na relao com a nova cincia que valorizada e divulgada pela classe burguesa em ascenso. O discurso predominante apresenta o conhecimento matemtico a partir de uma perspectiva linear e fragmentada, em oposio s verdades propostas pela filosofia escolstica e pelos jesutas. Nessa perspectiva, segundo a autora, a matemtica foi assumindo cada vez mais importncia devido a seu

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    uso tanto em uma organizao linear do raciocnio, quanto nas aplicaes a situaes de trabalho e foi se tornando o modelo do conhecimento verdadeiro e rigoroso, tal concepo predomina at os dias de hoje.

    O artigo Programa de Ps-Graduao - Doutorado em Educao em Cincias e Matemtica PPGECEM da Rede Amaznica de Educao em Cincias e Matemtica REAMEC de Marta Maria Pontin Darsie apresenta o projeto de Doutoramento em Educao em Cincias e Matemtica vinculado ao Programa de Ps-Graduao em Educao em Cincias e Matemtica (PPGECEM). Este curso se d a partir da associao em REDE (AR) de Instituies de Ensino Superior da Regio Amaznica Legal Brasileira, denominada Rede Amaznica de Educao em Cincias e Matemtica (REAMEC), abrangendo os 09 Estados da Amaznia Legal Brasileira. A partir das falas de doutorandos e professores que atuam no referido curso, a autora enfatiza a relevncia do Programa considerando a realidade e necessidade de formao de pesquisadores e de formadores de professores na rea de Educao/Ensino de Cincias e Matemtica, com o propsito de fortalecer a Regio Amaznica, que revela carncia de profissionais qualificados em nvel de ps-graduao.

    A questo metodolgica: mtodos e tipos de pesquisa na produo acadmica sobre Professores(as) na regio Centro-Oeste de autoria de Solange Martins Oliveira Magalhes, Ruth Catarina Cerqueira R. de Souza e Nilza de Oliveira Sguarezi, apresenta alguns resultados da pesquisa A produo acadmica sobre os professores/as um estudo interinstitucional da Regio Centro-Oeste; que tem como objetivo bsico: discutir a questo metodolgica: mtodos e tipos de pesquisa nessa produo. As autoras integram um amplo grupo de pesquisadores que investiga a produo sobre professores/as dos programas de ps-graduao em educao da UFG, UnB, UFU, UFMT, UFMS, UFT e UNIUBE, no perodo de 1999-2009. O grupo realizou a leitura, anlise e sistematizao de 360 dissertaes produzidas sobre o tema professores(as) no Centro-Oeste sendo que no desenvolvimento do processo priorizaram: o positivismo, a fenomenologia e o materialismo histrico dialtico como mtodos que julgaram dar conta da realidade analisada, em sua quase totalidade. O artigo nos possibilita um olhar amplo sobre a produo em estudo e abre possibilidades para outras pesquisas a partir dos procedimentos metodolgicos apontados e utilizados pelas autoras para o desenvolvimento da pesquisa, um exerccio coletivo.

    Esperamos que o conjunto das reflexes aqui partilhadas possa contribuir para ampliar e fortalecer nossa compreenso sobre as questes que contempla. Discutir e refletir conjuntamente agrega a possibilidade de maior sistematizao e socializao dos conhecimentos construdos, tornando-os mais significativos e com intenes emancipatrias a partir do olhar sobre as dimenses scio-

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    histricas e polticas. Defendemos tal posio, por considerar que, por meio das discusses das experincias partilhadas, pela avaliao de seus resultados, limites e possibilidades podemos ressignificar em muito nossos entendimentos na rea da educao, contribuindo assim para outras maneiras de se pensar a educao. Ou seja, como nos alerta Imbernn preciso romper com essa lgica pensada linearmente e construir outras formas de ensinar, de aprender, de organizar-se, de ver outras identidades sociais, outras manifestaes culturais (IMBERNN, 2010 p. 14-15).

    Um evento desse porte, assumido como um compromisso emancipatrio de educao, s vivel com a participao intensa de alunos da graduao e ps-graduao. Participaram como monitores do evento alunos dos cursos de Pedagogia, Licenciatura em Matemtica e Qumica, num total de 84(oitenta e quatro), alm do envolvimento nas comisses locais de um nmero significativo de mestrandos e doutorandos do Programa de Ps Graduao em Educao, mantendo uma forte relao com a Comisso Organizadora durante o planejamento, a execuo e a avaliao das atividades realizadas no evento.

    A vivncia dos alunos do Programa de Ps-Graduao nas Comisses locais favorece no s o aprendizado da organizao de eventos de carter cientfico, mais fornece oportunidade para que esses alunos pensem criticamente sobre as implicaes de suas pesquisas, ampliando a compreenso da relao entre pesquisa, ensino e extenso e a relao entre a produo de conhecimentos e a divulgao dos resultados. O desenvolvimento das pesquisas enriquece com a troca de experincias e literatura e com o acesso a outras pesquisas que possam apresentar proximidades seja com o objeto de pesquisa ou elementos de cunho terico metodolgico. A participao em um evento cientfico constitui-se em um momento diferenciado no processo de formao de professores pesquisadores.

    A apresentao de trabalhos em encontros constitua oportunidade que o pesquisador tem de ver seu trabalho avaliado pelos pares ou colegas, de forma mais ampla, diferentemente do que ocorre, por exemplo, quando submete um artigo a um peridico cientfico que avaliado por uma comisso editorial composta por um nmero restrito de membros e que, normalmente, demora meses para completar o trabalho de julgamento. A apresentao oral do trabalho no encontro tem a vantagem de possibilitar que crticas e sugestes sejam feitas na hora, de forma a permitir uma retroalimentao instantnea, podendo envolver vrios pontos de vista. A possibilidade de se comunicar pessoalmente com seus pares de fundamental importncia

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    para o cientista, constituindo uma das maiores motivaes para seu comparecimento a eventos, e a impossibilidade de participar pode trazer uma sensao de isolamento e frustrao. (CAMPELO, 2003, p. 57).

    Tambm importante ressaltar a presena e participao dos professores, reconhecendo seu papel enquanto intelectual transformador na democratizao da sala de aula, que buscam a formao continuada, ou seja, professores em exerccio da Educao Bsica das redes municipal, estadual e privada que vm para o evento com a expectativa de encontrar um espao de debate, troca de vivncias e ampliao de possibilidades no processo de aprendizagem e desenvolvimento profissional.

    O conceito do intelectual transformador aponta para uma viso do professor como sendo mais que um tcnico que simplesmente concretiza instrues daqueles que controlam a educao. O professor que age e reflete sobre sua prtica enquanto intelectual transformador tambm participa do pensamento e da deciso concernentes ao por qu e ao em benefcio de quem as prticas escolares e de sala de aula deveriam ser organizadas. (MEERKOTTER; ROBINSON, 2002, p. 109, grifo do autor).

    As conferncias, palestras, grupos de trabalho e minicursos assumiram o desafio de aproximar a Universidade e a pesquisa acadmica da realidade escolar, pois este se constitui num momento privilegiado de articulao prtico-terica, de produo de novos conhecimentos e de reinterpretao da realidade com suas potencialidades e limitaes, contradies e paradoxos que instigam e tornam-se objetos e objetivos das pesquisas em Educao. Reconhecer a complexidade de tal desafio

    implica novas formas de trabalhar em equipe, de assumir riscos, de ser pr-ativo, de utilizar as novas ferramentas tecnolgicas, de identificar necessidades prprias de formao e possibilidades de complemento de formao.(ALARCO, 2001, p. 103).

    nesse contexto que eventos da natureza do Seminrio Educao 2010 tm como propsito possibilitar o exerccio de anlise das divergncias, tenses, contradies e convergncias que caracterizam o processo educativo,

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    valorizando as dimenses scio-histricas como elementos que possam nortear o exerccio de anlise, tendo como pano de fundo o objetivo ltimo de favorecer a construo de parceria entre os envolvidos com o processo educacional no Brasil, sejam professores, pesquisadores ou ambos,em prol de transformaes significativas da sociedade.

    Referncias

    ALARCO, I.; TAVARES, J. Paradigmas de Formao e Investigao no Ensino Superior para o Terceiro Milnio. In: ALARCO, I. Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001.

    CAMPELLO, Bernadete Santos; CENDN, Beatriz Valadares; KREMER, Jeannette Marguerite (Org.). Fontes de informao para pesquisadores e profissionais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

    IMBERNM, Francisco. Una nueva formacin del profesorado para un nuevo desarrollo profesional y colectivo. Revista Brasileira de Formao de Professores, v. 1, n. 1, p. 31- 42, maio de 2009.

    ______. Formao Continuada de professores. Traduo Juliana dos Santos Padilha. Porto Alegre: Artmed, 2010.

    LDKE, M. et al. (Coord.). O Professor e a Pesquisa. Campinas: Papirus, 2001.

    MEERKOTTER; ROBINSON. Quinze anos de pesquisa-ao pela emancipao poltica e educacional de uma universidade sul-africana. In: DINIZ-PEREIRA; ZEICHNER (Org.). A pesquisa na formao e no trabalho docente. Belo Horizonte: Autntica, 2002.

    Recebimento em: 02/02/2011.Aceite em: 01/03/2011.

  • Educao, formao de professores e suas dimenses scio-histricas: desafios e perspectivas

    Education, teacher training and their socio-historical dimensions: challenges and perspectives

    Rui TRINDADE 1

    1 Professor Auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade do Porto/Portugal. Doutor em Cincias da Educao e membro do Centro de Investigao e Interveno Educativas (CIIE) daquela faculdade. E-mail: .

    Resumo

    No presente artigo nos propomos a dis-cutir, a partir da problemtica que a formao dos professores constitui, a relao entre a formao cientfica e a formao pedaggica, a relao entre a formao inicial e a formao continuada e, igualmente, a relao entre a formao qualificante e a formao experien-cial, bem como o modo como estes diferentes tipos de articulaes tm vindo a ser abordados quer em termos sincrnicos, quer em termos diacrnicos. Nessa perspetiva pode se eleger a formao de professores como um tema sufi-cientemente pertinente no mbito da reflexo mais vasta sobre a natureza e os sentidos da profisso docente.

    Palavras-chave: Formao de professores. Formao profissional. Educao.

    Abstract

    In this paper we propose to discuss the relationship between the scientific and peda-gogical education, initial training and lifelong learning, qualifying training and experiential training within the teachers training programs. In this perspective, the discussion about these programs is an opportunity to reflect about the meanings of teachers profession.

    Key-words: Teacher training. Professional training. Education.

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    Introduo

    Ainda que no se possa circunscrever o processo de afirmao profissional dos professores aos projetos de formao que lhes conferem a possibilidade de exercer a profisso, h que reconhecer a importncia estratgica destes projetos quer na configurao desse mesmo processo de afirmao profissional, quer, concomitantemente, nos modos de definir o que ser professor e de conceber o tipo de compromissos profissionais que estes devero assumir nas salas de aula e nas respetivas escolas. Ser a partir deste pressuposto que se pode eleger a formao de professores como um tema suficientemente pertinente no mbito da reflexo mais vasta sobre a natureza e os sentidos da profisso docente.

    Num tempo marcado quer por um investimento significativo na produo de investigaes e reflexes sobre a problemtica da formao de professores, quer pela diversidade das perspetivas que se propem para a abordar, ser necessrio discutirmos o que est verdadeiramente em jogo, mesmo que se tenha que reconhecer que nos encontramos perante uma figura profissional a do docente, que poder ser conjugada de formas diversas, conforme o nvel de ensino em que se situe e o meio profissional em que se movimenta. Neste sentido, importa comear por reflectir, a partir da problemtica que a formao dos professores constitui, quer os fundamentos e os sentidos dos projectos de interveno que tm lugar neste mbito, de forma a discutirem-se as tenses, os equvocos e as implicaes de tais projetos, quer, posteriormente, as diferentes modalidades de os concretizar, problematizando-se, ento, a relao entre a formao cientfica e a formao pedaggica, a relao entre a formao inicial e a formao continuada e, neste mbito, a relao entre a formao qualificante e a formao experiencial, de modo a podermos tentar encontrar respostas que permitam superar antinomias que, hoje, so obstculos a uma reflexo que poderia ser, de facto, uma reflexo mais capaz, mais pertinente e mais produtiva tanto sobre o papel e os desafios que se colocam aos professores nas escolas de hoje, como, concomitantemente, sobre a natureza dos projetos de formao que podem contribuir para que aqueles se mostrem mais competentes e esclarecidos no que diz respeito quer ao modo como enfrentam aqueles desafios, quer ao modo como definem o seu papel enquanto professores em escolas de um tempo marcado mais pelas incertezas do que pelas promessas (CANRIO, 2005).

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    A formao de professores no mbito do processo histrico de afirmao da profisso docente

    A gnese da profisso docente um fenmeno que, devendo ser compreendido luz de um acontecimento mais amplo, o da afirmao da Escola como instituio educativa de massas tutelada pelo Estado, no pode deixar de ser associada quer ao facto de os professores poderem dispor, a partir de dado momento, de um corpo de saberes e tcnicas (NVOA, 1995, p. 16) que a consequncia lgica do interesse renovado que a Era Moderna consagra ao porvir da infncia e intencionalidade educativa (ibidem), quer ao facto de disporem de um conjunto de normas e de valores (ibidem) que, de um modo geral, permitem configurar o campo profissional especfico que a docncia constitui. Ser, assim, a produo tanto daquele corpo de saberes como a produo deste sistema normativo que, ao favorecer a sua afirmao como agentes culturais ao servio de um Estado que encontra na Escola um dispositivo de socializao e de regulao poltica e social congruente com o conjunto de desafios e de exigncias que as sociedades passaram a enfrentar no advento da Modernidade, acaba por sustentar o desenvolvimento da profisso docente como uma profisso socialmente reconhecida.

    Trata-se de um processo que, segundo Nvoa (1995), se construiu em funo da concretizao de quatro etapas complementares entre si e onde a dimenso da formao ocupa um lugar estrategicamente decisivo como fator propulsor da gnese e afirmao daquela profisso. A primeira etapa aquela que Nvoa (1995) enuncia como o momento em que a docncia passa a ser exercida como uma atividade a tempo inteiro e como a principal ocupao dos professores, enquanto a segunda etapa identificada como a do tempo em que o Estado produz regulamentao especfica atravs da qual um indivduo pode aspirar a ser professor. A terceira etapa , na perspetiva de Nvoa (1995), aquela que diz respeito criao de instituies especficas para a formao de professores (NVOA, 1995, p. 26), o que, de algum modo, pode ser lido quer como uma das condies, quer como uma das consequncias das duas etapas anteriormente referidas. A ltima das etapas, a quarta, diz respeito, finalmente, constituio de associaes profissionais de professores (idem, p. 27), as quais, at por razes de natureza corporativa, acabaro por contribuir para reforar o papel da formao como um fator capaz de contribuir para a afirmao de uma profisso com um estatuto social e econmico suficientemente prestigiado.

    Do ponto de vista da reflexo de um texto que se debrua sobre a formao de professores como o seu objeto de anlise, a abordagem promovida por A. Nvoa sobre o processo de profissionalizao do professorado (idem, p. 20)

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    permite evidenciar, entre outras coisas, como a problemtica da formao uma dimenso estruturante do processo de construo da profisso docente. Trata-se de uma dimenso que tanto resulta do facto de a docncia ter deixado de ser uma atividade subsidiria, como das exigncias que passam a pesar sobre a profisso docente, ao ponto desta passar a ser objeto de regulao jurdica por parte do Estado. Uma dimenso que nos remete quer para a existncia de um corpo de conhecimentos e tcnicas quer para a existncia de um corpo de normativos que, em conjunto, constituem o saber especializado em funo do qual a profisso docente se define e configura, o qual, por isso, importa divulgar e difundir como componente fundamental do processo de socializao profissional sem o qual a existncia dessa e de qualquer outra profisso nunca poderia ser possvel.

    Em suma, foi a existncia de um saber especializado, entendido como uma das condies necessrias para que os professores se assumissem e fossem reconhecidos como profissionais, que justificou a importncia dos projetos de formao inicial como um fator nuclear do processo de socializao profissional dos professores. Projetos estes que so marcados, quanto aos seus objetivos e dinmicas formativas, pelas vicissitudes que, ao longo da Histria, tm vindo a afetar a Escola e a contribuir para modelar os diferentes modos que esta instituio foi encontrando para se definir como espao educativo.

    Os projetos de formao de professores, por isso, no poderiam deixar de refletir este vnculo entre as finalidades da Escola e as exigncias que se colocam neste domnio aos docentes, o qual determina quer os compromissos que estes devero assumir, quer a maneira de se conceber e de se refletir tanto sobre estes compromissos como sobre o modo de os operacionalizar. Da que se possa afirmar que qualquer leitura sobre a problemtica da formao dos professores obriga-nos a debater, num primeiro momento, os fundamentos e os sentidos dos projetos relacionados com esse tipo de formao, j que qualquer reflexo sobre os modos de operacionalizar tais projetos, nas suas diferentes vertentes, ter de ter em conta essa reflexo prvia sobre aqueles fundamentos e estes sentidos.

    Formao de professores: Que fundamentos? Que desafios?

    A reflexo sobre as finalidades e os sentidos dos projetos de formao de professores que, hoje, se promovem confronta-se com um conjunto diverso de problemas e de obstculos que se relacionam, tambm, com a dificuldade que temos em definir consensos suficientemente slidos acerca do papel dos professores em escolas e num mundo que se caracterizam, de um modo geral, pela sua complexidade e pela incerteza na produo de respostas em ambientes

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    polticos, sociais e culturais algo indeterminados. No possvel, por isso, continuar a alimentar-se a crena que um projeto de formao de professores visa explorar e consolidar uma vocao de alguns eleitos ou promover, apenas, o desenvolvimento de reportrios tcnicos que, de forma prvia aos contextos escolares, so entendidos como os reportrios necessrios para que um docente possa responder a problemas e desafios previsveis. No mundo e nas escolas em que vivemos, as exigncias so outras, o que obrigatoriamente interfere no modo de se configurar a profisso docente e o papel que os professores podero e tero que assumir.

    Perrenoud um dos autores que se tem vindo a debruar sobre esta problemtica, nomeadamente quando reconhece que os professores sentem cada vez mais dificuldades em ignorar as contradies que marcam o ritmo dos quotidianos no seio das escolas e das salas de aula em que habitam. As contradies que se fazem sentir entre a pessoa e a sociedade, a unidade e a diversidade, a dependncia e a autonomia, a invarincia e a mudana, a abertura e o fechamento, a harmonia e o conflito, a igualdade e a diferena (PERRENOUD, 2001, p. 31). Contradies estas que obrigam a repensar a profisso docente, do ponto de vista das competncias e do campo de ao que cabe a cada professor assumir. Contradies que no podero deixar de ser relacionadas com uma Escola que , definitivamente, uma instituio educativa cada vez mais decisiva no mundo em que vivemos, o qual, por sua vez, caracterizado, na atualidade, tanto por um conjunto indito de ambies polticas, sociais e culturais, como por um conjunto de tenses que se verifica existirem entre estas ambies e os obstculos diversos que impedem ou, pelo menos, que atenuam a sua concretizao. neste ambiente que se tem que discutir o papel dos professores, o que Perrenoud acaba por fazer quando prope, na sequncia do apelo de Meirieu para se construir um roteiro para um novo ofcio (PERRENOUD, 2000, p. 11), 10 grandes famlias de competncias (idem, p. 14) que sejam compatveis

    com os eixos de renovao da escola: individualizar e diversificar os percursos de formao, introduzir ciclos de aprendizagem, diferenciar a pedagogia, direcionar-se para uma avaliao mais formativa do que normativa, conduzir projetos de estabelecimento, desenvolver o trabalho em equipe docente e responsabilizar-se coletivamente pelos alunos, colocar as crianas no centro da ao pedaggica, recorrer aos mtodos ativos, aos procedimentos de projeto, ao trabalho por problemas abertos e por situaes-problema, desenvolver as competncias e a transferncia de conhecimentos, educar para a cidadania. (PERRENOUD, 2000, p. 14)

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    tambm face quele ambiente que importa reflectir sobre o fenmeno designado por A. Nvoa (2005) como o de transbordamento de funes da Escola, atravs do qual este autor denuncia o excesso de atribuies que, hoje, pesa sobre as organizaes escolares no domnio da resoluo de problemas que ocorrem quer a montante (toxidependncia, sinistralidade rodoviria, gravidez precoce, violncia familiar, etc.), quer a jusante (atraso econmico do pas, problemas estruturais face sociedade da informao, etc.). a partir do reconhecimento que a a escola no pode tudo (idem, p.17) que Nvoa acaba por propor que a instituio escolar se deve retrair quanto aos compromissos polticos e sociais que estabelece, de forma a reencontrar-se como organizao centrada na aprendizagem, partilhando com outras instncias um trabalho educativo mais amplo (NVOA, 2005) e favorecendo, assim, a possibilidade de se construir um espao pblico de educao que integre as escolas como um dos seus vrtices principais (idem). Isto significa, ento, que a reflexo sobre as responsabilidades sociais dos professores necessita de ser repensada em funo de outros parmetros. Uma problemtica que abordada por A. Cosme no mbito de uma abordagem sobre a ao docente que elege o processo de influncia educativa animado pelos professores como o fator nuclear em funo do qual se explicam outros compromissos e atividades que permitem caracterizar essa ao como uma ao singular, identificada pela autora como uma ao de interlocuo qualificada (COSME, 2009). Na perspetiva de Cosme, esta ao definir-se-ia em torno do conjunto de iniciativas que os professores tero que assumir para estimularem o processo de socializao cultural que compete Escola assumir, de forma to intencional quanto deliberada, o que entendido, pela investigadora em causa, como uma oportunidade, entre outras, de promover o processo de desenvolvimento pessoal e social dos seus alunos. Definido, deste modo sumrio, o polo nuclear em funo do qual A. Cosme considera que qualquer processo de redefinio da funo docente dever ocorrer, importa referir, agora, os restantes polos identitrios que, subordinados tanto a esse polo como a um tal propsito, so entendidos como fatores chave do processo de redefinio profissional dos professores, o qual entendido como uma necessidade vital de uma classe profissional que ter que encontrar respostas plausveis para questes como aquelas que A. Cosme prope:

    Como que [os professores] gerem, em termos profissionais os novos desafios que tm que enfrentar relacionados quer com o progressivo e contnuo alargamento da escolaridade obrigatria quer com a maior responsabilizao social da Escola, decorrente da perda de influncia de alguns dos dispositivos tradicionais de regulao social mais prestigiados

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    (a famlia, a igreja, a comunidade, etc.) e do papel de mediao que essa mesma Escola assume, graas sua funo certificativa, entre os indivduos e o mercado de trabalho? Que outras respostas que encontram, em termos do exerccio da funo docente, para lidar com a concorrncia das novas tecnologias de comunicao e dos meios informticos que, hoje, temos ao nosso dispor? Que outras respostas que encontram para enfrentarem o divrcio existente entre o que se aprende nas escolas e as necessidades e exigncias das sociedades contemporneas? Como lidam e que respostas que encontraram para se relacionarem com crianas e jovens cuja socializao ocorre em funo de padres sociais menos coercivos e sujeitos a um conjunto de experincias pessoais, sociais e culturais assaz distintas daquelas outras experincias que os seus professores viveram? (COSME, 2009, p.13-14).

    face a estas questes que correspondem a outros tantos desafios que A. Cosme defende a necessidade de os professores assumirem que a sua principal tarefa profissional se define, como j o referi, em torno do processo de influncia educativa que protagonizam junto dos seus alunos. Tarefa esta que explica, segundo a autora referida, quer a necessidade de um maior envolvimento da sua parte na construo do saber profissional que lhes diz respeito, quer a sua participao na construo de coletivos docentes que permitam uma maior cooperao e partilha de saberes e experincias entre pares, quer, finalmente, o seu contributo no mbito da construo de relaes mais profcuas com outros atores e instncias de deciso exteriores a si (COSME, 2009, p. 142). Aconselhando-se a leitura da obra onde A. Cosme prope o seu projeto de redefinio do trabalho docente para aqueles que pretendam aprofundar uma reflexo mais consistente sobre tal problemtica, sempre diria que h dimenses da mesma que teremos que ter em conta no domnio da abordagem sobre os projetos de formao dos professores. Isto , se pretendemos responder questo: Quais os fundamentos de um projeto de formao docente congruente com os desafios que se colocam, hoje, s escolas?, teremos certamente de responder a uma outra pergunta prvia anterior, aquela atravs da qual se inquire: O que significa ser professor nas escolas e no mundo contemporneos?. Questes cujas respostas podero beneficiar da reflexo de A. Cosme onde, atravs do quadro de referncias conceptuais construdo pela autora, se torna possvel compreender o que est em jogo quando se discutem, por um lado, os modelos de ao pedaggica que, hoje, balizam o processo de interveno dos professores nas respetivas salas de aula e, por outro, quando se discute quais so, entre esses modelos, aquele ou aqueles que melhor respondem

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    ao desenvolvimento de um processo de socializao cultural que no s no pode negar o protagonismo dos alunos enquanto aprendentes, como, igualmente, ter que ser capaz de promover a inteligncia e a humanidade em cada um desses alunos, pelo modo como os interpela, apoia, desafia e lhes fornece os recursos vrios e necessrios sua afirmao como pessoas no mundo em que vivemos. perante esta tarefa prioritria que se compreende, ento, a reflexo que A. Cosme prope acerca da necessidade de os professores participarem na construo do conhecimento profissional que lhes diz respeito. Uma tarefa intimamente vinculada tarefa anterior e que, na perspetiva de Cosme, mais do que uma manifestao de autossuficincia epistemolgica, dever ser compreendida como a recusa da racionalidade tcnico-cientfica que, pese a importncia que teve na emergncia e afirmao de um saber especializado que sustentou a afirmao da profisso, acaba por contribuir, hoje, para acionar o processo de proletarizao dos professores, o qual ter que ser entendido no s em funo da perda de controlo sobre as formas de realizao do trabalho e sobre as decises tcnicas do mesmo (COSME, 2009, p. 100), como tambm em funo da prpria perda do sentido ideolgico e moral das iniciativas educacionais que os docentes protagonizam (ibidem). A referida recusa ter que ser entendida, segundo A. Cosme, a partir do reconhecimento que os reportrios profissionais dos professores, mais do que estabelecer uma relao de subordinao com o conhecimento cientfico construdo pelos especialistas, tero que estabelecer um processo de dilogo transfertilizador entre os saberes dos professores e este tipo de conhecimento. Uma recusa que exprime a desconfiana face a um conhecimento que, construdo no exterior da sala de aula, parece poder determinar o que a acontece, o que, entre outras coisas, alimenta a crena insensata de que os professores, no momento em que dominem um tal conhecimento, possam antecipar as situaes e as consequncias (COSME, 2009, p. 102) das iniciativas que se constroem sob a sua gide. Importa referir, no entanto, que uma tal recusa no poder legitimar as perspetivas daqueles que, em nome da afirmao dos professores como investigadores e prticos reflexivos, acabam por valorizar excessivamente o que D. Schn designa por epistemologia da prtica (SCHN, 1995, p. 20) e, concomitantemente, desvalorizar o patrimnio de saberes que os especialistas disponibilizam. Segundo A. Cosme esta focalizao nos saberes tcitos dos professores acaba por expressar, afinal, a iluso que o empirismo mais voluntarista foi acalentando e divulgando (COSME, 2009, p. 110), conduzindo a autora a considerar que:

    [...]e certo que a reflexo profissional no independente, nem das idiossincrasias dos sujeitos que reflectem, nem dos seus compromissos ideolgicos, tambm certo que a sua

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    pertinncia e rigor dependem dos instrumentos conceptuais de que os sujeitos dispem previamente para a realizar (COSME, 2009, p. 110).

    Em suma, a reflexividade docente no , pois, um fim em si, mas um meio atravs do qual se pretende contribuir para o desenvolvimento de projetos que se desenvolvam sob a gide de uma racionalidade pedaggica democrtica (COSME, 2009, p. 114).

    A importncia que se atribui necessidade de os professores estabelecerem relaes de cooperao profissional (THURLER, 2001, p. 69) decorre, por um lado, das ambies e exigncias que os professores colocam, hoje, a si prprios no mbito de projectos de influncia educativa que deixaram de ser geridos em funo do paradigma pedaggico da instruo (TRINDADE; COSME, 2010, p. 28) e, por outro lado, decorre igualmente do facto de uma tal opo conduzir afirmao de processos de reflexo profissional que, tal como os defini no pargrafo anterior, no podero ser entendidos como exerccios de carter introspetivo. Neste sentido, adquire alguma importncia a abordagem que Hargreaves (1998) produz sobre as culturas de colaborao e a necessidade de nas escolas se criarem as condies institucionais para que um tal propsito seja concretizado, de forma a compreender-se que a colegialidade docente algo que no depende, apenas, da disponibilidade dos professores para cooperarem entre si.

    A ltima das dimenses a que A. Cosme se refere aquela que tem a ver com o tipo de relaes que os professores estabelecem com outros atores e instncias de deciso exteriores a si (COSME, 2009, p. 142). Uma dimenso que obriga a discutir, afinal, qual o conjunto de responsabilidades e de competncias irredutveis, a partir das quais se define o espao profissional especfico que permite configurar a profisso docente como uma profisso singular (idem). Tal como refere a autora em causa, o reconhecimento da existncia de um tal espao est longe de poder constituir um desvario corporativista (COSME, 2009, p. 161). Segundo ela, mais do que recusar a docncia como uma profisso relacional, importa afirmar, acima de tudo, algumas das condies necessrias para que se construa como uma profisso exequvel (COSME, 2009, p.161). Face a esta dimenso, o que interessa refletir, ento, como que os professores necessitam de aprender a dialogar, a aprender e a colaborar de forma estrategicamente esclarecida e cuidada com outros atores e instncias educativas exteriores a si, sem que isso corresponda quer diluio dos seus compromissos profissionais quer ampliao e diversificao das funes docentes, entrando em campos para os quais os professores nem esto vocacionados nem habilitados para desenvolverem iniciativas com a qualidade necessria.

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    Em concluso, no sendo possvel defender um projeto de formao de professores ideologicamente assptico necessrio esclarecer, todavia, os compromissos polticos, culturais e profissionais que possam sustentar o projeto a desenvolver. Foi o que tentei fazer at este momento, a partir do pressuposto fundamental que aquele atravs do qual defendo que a Escola, enquanto instituio educativa, deve ser congruente com os princpios e os valores prprios de uma sociedade democrtica. Se esta constitui a pedra de toque da minha reflexo, importa chamar a ateno para outra varivel decisiva do meu discurso sobre formao de professores, a varivel em funo da qual defendo que a profisso docente implica a assuno de um conjunto diverso de tarefas, todas elas subordinadas tarefa maior de conceber, organizar e implementar iniciativas e projetos que visam promover a influncia necessria para que o processo de socializao cultural a cargo da Escola possa constituir uma oportunidade de desenvolvimento pessoal e social dos alunos mais ampla do que um processo de adestramento e mais ambiciosa do que um projeto confinado a finalidades de natureza instrumental.

    Formao cientfica ou formao pedaggica: dos sentidos de um dilema a problematizar necessidade de

    pensar a formao como uma actividade complexa

    no plano da reflexo sobre os modelos curriculares relacionados com a formao de professores que a discusso acerca da necessidade de ser a formao cientfica ou a formao pedaggica a terem o papel mais decisivo neste mbito assume uma importncia e uma visibilidade pblicas que, independentemente do que pensemos sobre o assunto, no poderemos, de facto, ignorar.

    Num trabalho sobre esta temtica D. Saviani, a propsito da histria da formao dos professores no Brasil, refere-se existncia de dois modelos curriculares de formao, o modelo dos contedos culturais-cognitivos (SAVIANI, 2009, p. 148) e o modelo pedaggico-didtico (idem, p. 149). O primeiro, ainda segundo Saviani, caracteriza-se por circunscrever o projeto de formao de professores tanto ao domnio da cultura geral, como ao domnio especfico dos contedos da rea do conhecimento correspondente disciplina que os professores iro lecionar (idem), constituindo, de acordo com o referido autor, no s a primeira matriz dos projetos de formao de professores, como foi tambm o modelo que predominou nas universidades e demais instituies do ensino superior que se encarregavam da formao dos professores secundrios

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    (ibidem). O segundo modelo, por sua vez, foi aquele que acabou por prevalecer na formao dos professores do, ento, ensino primrio, caracterizando-se, em larga medida, pela importncia que neste modelo se atribui preparao pedaggico-didtica dos professores como fator prioritrio do seu desempenho profissional. Isto parece significar que, no primeiro caso, a formao pedaggica propriamente dita se adquire ou atravs da prtica ou atravs de aes de formao continuada (idem), cabendo por isso s instituies de formao investir, acima de tudo, na formao cientfica dos docentes. Por outro lado, importa reconhecer que a articulao entre este modelo formativo e uma racionalidade pedaggica de carter instrutivo que acaba por legitimar a possibilidade de acreditar que basta o conhecimento cientfico para se ser um professor cuja principal tarefa consiste, afinal e acima de tudo, em transmitir informao. No outro modelo, por sua vez, parece ser, pelo contrrio a informao cientfica o elemento a desvalorizar, tendo em conta que, nesta perspetiva, no deste tipo de informao que os professores necessitam. Nesta perspetiva, os desafios profissionais dos professores circunscrevem-se, em larga medida, a desafios relacionais e instrumentais tendo em conta a idade e a experincia escolar dos alunos com os quais esses professores trabalham. Recorrendo tipologia proposta por M. T. Estrela, inspirada em G. Ferry, pode afirmar-se que estamos perante um projeto de formao que supe a necessidade dos docentes se afirmarem em funo de um perfil profissional que se situa algures entre o do professor carismtico (ESTRELA, 2010, p. 11) e o do professor tcnico (ibidem). Isto , por um lado, a profisso docente tendia a continuar a ser vista como uma misso, resultado de uma vocao que se traduzia num dom que s os chamados possuiriam (ibidem), por outro, essa mesma profisso exigiria que os professores possussem, igualmente, um conjunto de competncias pedaggicas especficas, to mais importantes quanto mais jovens fossem os alunos com os quais esses profissionais deveriam trabalhar. Seriam estes professores que, de acordo com este tipo de abordagem, necessitariam de possuir uma formao mais especializada em domnios como, por exemplo, o das didticas, na medida em que, ao contrrio dos candidatos a professores do Ensino Secundrio, teriam que saber definir, de forma minuciosa, as etapas do percurso previamente traado por essas didticas para que alunos to jovens pudessem realizar as tarefas escolares prescritas. Num tempo em que, como afirmava Rui Grcio, e cito de cor, os sistemas educativos se encontravam organizados para alfabetizar as massas e selecionar as elites, esta era uma preocupao que no se colocava aos professores dos alunos mais velhos, j que, em nveis de escolaridade caracterizados quer por um elitismo acadmico to explicitamente assumido quer por um clima epistemolgico to autocrtico, tais cuidados pedaggicos acabariam por ser no s contraproducentes como tambm incompreensveis.

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    Contraproducentes porque no favoreceriam os propsitos de seleo acadmica prprios do Ensino Mdio e incompreensveis porque, neste nvel de escolaridade e no tempo a que me refiro, a palavra dos professores e dos manuais s admitia uma leitura possvel que, por isso, os alunos teriam que ser capazes de reproduzir.

    Ser a recusa do paradigma pedaggico da instruo (TRINDADE; COSME, 2010, p. 28) e a afirmao do paradigma pedaggico da comunicao (idem, p. 58) que poder explicar a necessidade de repensar a relao entre a formao cientfica e a formao pedaggica como componentes dos projetos de formao de professores, qualquer que seja o nvel de escolaridade considerado. Este ltimo paradigma que se distancia do anterior por recusar a atitude epistemolgica autoritria que o sustenta e por no partilhar da desconfiana que o paradigma da instruo alimenta face aos recursos cognitivos e culturais dos alunos, distancia-se, por sua vez e tambm, do paradigma pedaggico da aprendizagem (idem, p. 41) porque, neste ltimo,

    se corre o risco de, ao desvalorizar-se a necessidade de gerir intencionalmente o confronto dos alunos com o patrimnio de informaes, de instrumentos, de procedimentos e de atitudes, se desvalorizar, como um factor educativo de primeira grandeza, o confronto entre o conhecimento pessoal que os alunos possuem sobre o universo que os rodeia e aquilo que tido por conhecido e culturalmente validado e valorizado que temos ao nosso dispor, entendida como uma finalidade primeira das escolas (TRINDADE, 2009, p. 91).

    Deste modo, e de acordo com esta perspetiva, constata-se que no possvel pensar a atividade do professor como uma atividade bipolarizada, onde este seja obrigado a optar, conforme o ciclo de escolaridade onde se encontre, por valorizar o conhecimento cientfico ou o conhecimento pedaggico como o conhecimento de referncia da profisso que exerce. Para o paradigma da comunicao, um professor, entendido como um interlocutor qualificado (COSME, 2009), necessita de saber refletir e intervir no mbito da organizao e gesto dos tempos, dos espaos e das atividades que ocorrem numa sala de aula como componente que, no entanto, no poder ser dissociada das propriedades dos objetos de saber que justificam a organizao e gesto desses tempos, desses espaos e dessas atividades.

    o reconhecimento e a aceitao desta perspetiva que permite sustentar uma outra proposta de conceber o projeto inicial de professores, onde a dicotomia atrs referida deixa de fazer sentido, quanto mais no seja porque no quotidiano das salas de aula no h propriamente desafios cientficos

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    e desafios pedaggicos mas desafios educativos que obrigam os docentes a pensar e a atuar num registo onde as sinergias entre as competncias e os conhecimentos cientficos e pedaggicos constituem o ncleo do saber especfico em funo do qual os professores se afirmam definitivamente como um grupo profissional singular. A planificao, a avaliao, a configurao das situaes de tutoria e de apoio s dificuldades de aprendizagem dos alunos ou, ainda e por exemplo, a animao de dilogos e de debates no espao da sala de aula so atividades que tero que ser compreendidas quer em funo do tipo de informao, instrumentos, procedimentos e atitudes que se pretende divulgar ou promover quer, concomitantemente, em funo das opes que fundamentam a deciso sobre o modo de o fazer. Ou seja, aquelas atividades so determinadas quer pela dimenso cientfica, presente atravs das propriedades relacionadas com a informao, com os instrumentos, os procedimentos e as atitudes atrs referidas, quer pela dimenso pedaggica que se exprime, neste caso, atravs da deciso relacionada com a escolha dos dispositivos de mediao selecionados. Os projetos de formao de professores tero de ter em conta estas exigncias, as quais dizem respeito a qualquer ciclo de escolaridade, ainda que tenham que ter em conta os objetivos e os compromissos curriculares especficos de cada um desses ciclos. No faz sentido, todavia, considerar que uma tal especificidade possa justificar a preponderncia da formao cientfica nos projetos relacionados com a formao de professores do Ensino Mdio ou a da formao pedaggica no Ensino Fundamental. Como se constata todos os professores, independentemente do nvel de escolaridade onde lecionem, necessitam de tomar decises e de assumir aes que dependem da sua capacidade de discernimento cientfico e pedaggico, mesmo que tenhamos que admitir que uma tal operao, porque coloca problemas distintos aos professores dos diferentes ciclos de ensino, obriga a que a sua formao cientfica se diferencie e que a sua formao pedaggica adquira contornos especficos, os quais tero que ser determinados, em larga medida, pela rea cientfica a que diga respeito. Isto , no nego a possibilidade e at a necessidade de haver temticas invariantes aos diferentes tipos de cursos no domnio da formao pedaggica, o que no invalida considerar que estas temticas devem ser objeto de uma abordagem especfica em funo de um vnculo epistemolgico a construir de forma dialogada com as reas cientficas s quais se referem que tanto podem ser objeto de interpelao quanto aos desafios pessoais e culturais que suscitam, como podem constituir, igualmente, um instrumento de interpelao e de elucidao dos sentidos possveis das concees e aes pedaggicas a empreender. Isto significa, por exemplo, que a disciplina de Psicologia da Educao num curso de formao

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    de professores do Ensino Fundamental pode adquirir contornos especficos, do ponto de vista dos seus contedos, face a um programa equivalente num curso de formao de professores do Ensino Mdio.2

    Se esta perspetiva e as estratgias que a mesma sustenta podem ser entendidas como uma resposta plausvel face ao dilema colocado, em funo do qual se dicotomiza a formao cientfica e a formao pedaggica, importa valorizar um segundo tipo de resposta que pode contribuir, igualmente, para enfrentar o referido dilema, de forma a poder pensar-se a formao de professores como uma atividade reconhecidamente complexa. Trata-se de uma resposta que responsabiliza cada formador, independentemente do facto de pertencerem s reas ditas cientficas ou s reas ditas pedaggicas, por assumir uma postura pedaggica congruente com os princpios e as dinmicas que servem de referncia conceptual aos projetos especficos de formao que estes dinamizam nas respetivas disciplinas. Uma postura que constitui, em si, um instrumento de formao, no momento em que se for capaz de estabelecer uma relao isomorficamente adequada entre os discursos tericos dos formadores e as modalidades de mediao e interlocuo que estes utilizam para veicular esses mesmos discursos. Neste sentido, um formador no pode defender a necessidade de os alunos serem entendidos como atores no mbito do processo de ensino-aprendizagem que lhes diz respeito, ou apresentar dispositivos de mediao didtica que permitam apoiar tal pretenso, e no ser coerente com este princpio no mbito do projeto de ao educativa que ele prprio dinamiza, a partir do qual, alis, ele tanto profere um tal discurso, como prope esses mesmos dispositivos. que, quanto mais no seja, a incoerncia, neste caso, tambm tem um preo, o de proporcionar oportunidades educativas contrrias quelas que se pretendiam promover atravs das lies que se ministram, as quais, assim, acabam por contrariar, quantas vezes de forma definitiva, o investimento que se pretendia realizar por via das aes intencionalmente pensadas para se promover a formao dos futuros professores.

    Termino assim este texto, evocando um outro texto. Um texto ficcional onde um professor reflete, de forma amarga, sobre as semelhanas entre aquilo que,

    2 No discutirei neste texto se a organizao dos programas de formao de professores dever continuar a ocorrer tendo por referncia o universo epistemolgico e conceptual das disciplinas clssicas ou se no teremos que transitar deste tipo de racionalidade acadmica para uma outra, onde a organizao daqueles programas passe a ser organizada em funo de amplas problemticas tericas que possam consubstanciar em si mesmas, de forma verdadeiramente interdisciplinar, os contributos daquelas disciplinas. Utilizando, ainda, o exemplo proposto poderia dizer que, de acordo com esta perspetiva, a Psicologia da Educao daria lugar a disciplinas como Educao escolar e modelos de influncia educativa e Educao escolar e relao pedaggica.

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    enquanto professor, ele faz e que segundo os cnones pedaggicos no deveria fazer e aquilo que ele viu, enquanto formando, os seus formadores fazer.

    Ensinaram-lhe que aprender no copiar ou reproduzir a informao divulgada por outros, mas foi isso que lhe acabaram por exigir, de modo mais ou menos explcito, no exame final que teve que realizar. Alguns dos seus professores, na rea das Cincias da Educao, defendiam que a actividade docente no poderia ficar circunscrita a uma actividade de difuso de informao, mas nunca lhe ensinaram, nem lhe demonstraram atravs das suas prprias aulas, como que um professor pode ser algo mais do que isso. Quando hoje se impacienta com as respostas erradas no assume uma atitude muito diferente da dos seus professores na Faculdade perante os erros cometidos por ele prprio e pelos seus colegas. Exigem-lhe que respeite os ritmos de aprendizagem dos seus alunos, mas toda a sua formao universitria, num curso de Matemtica do ramo educacional, foi conduzida como se todos eles aprendessem da mesma maneira, utilizassem as mesmas estratgias cognitivas e abordassem de forma idntica as questes que se lhes colocavam (TRINDADE; COSME, 2003, p. 55-56).

    Em larga medida so estas as incoerncias que, hoje, temos que superar, sobretudo devido ao impacto formativo das mesmas. Trata-se de um desafio que, afinal, nos obriga a ns formadores de professores a refletir sobre as nossas prticas e os discursos que produzimos sobre essas prticas quer como projeto de reflexo profissional, quer como oportunidade de construo de saber, relacionado com o prprio campo de desenvolvimento da rea da formao.

    Formao inicial e formao continuada: Que articulao?

    O segundo dilema com que nos confrontamos no domnio dos projectos de formao de professores diz respeito ao modo como se concebe a articulao entre a formao inicial e a formao continuada. Numa leitura imediata desta problemtica podemos considerar que nos defrontamos, num primeiro momento, com aquelas concees que promovem uma viso ortopdica da formao continuada (MALGLAIVE, 1995), qual competiria resolver os problemas ou as insuficincias da formao inicial, compensando, assim, as iniciativas menos

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    conseguidas neste mesmo campo. Um segundo tipo de concees aquele que, entendendo a formao continuada como uma formao autnoma face formao inicial, no deixa de reproduzir os modelos de interveno formativa dominantes neste ltimo domnio. Neste caso, a formao continuada afirmar-se-ia como uma formao de tipo qualificante, como se a prtica fosse, apenas, um terreno propcio aplicao da teoria cuja qualidade, deste modo, seria assegurada por este tipo de formao. Um terceiro tipo de concees perfilha, igualmente, da necessidade da formao continuada ser desenvolvida atravs de projetos autnomos face aos projetos de formao inicial, ainda que, e ao contrrio do modelo anterior, estes sejam construdos de forma mais plural e complexa, subordinados, neste caso, necessidade de envolver os professores na resoluo dos problemas e no desenvolvimento dos projetos de interveno educativa com os quais se relacionam. Situao esta que entendida, tambm, com uma oportunidade de os professores participarem quer na construo do seu conhecimento profissional, quer, por isso, na construo de coletivos docentes onde se exploram solues, se discutem problemas e questes e se partilham, igualmente, solues ou recursos.

    Qualquer uma das opes enunciadas ter que ser analisada luz da afirmao da Escola como um espao de incertezas (CANRIO, 2005), num tempo em que, no seu seio, os docentes tm que agir urgentemente e decidir na incerteza (PERRENOUD, 2001). Razes estas que, por si s, so suficientes para que as escolas possam e devam ser entendidas e geridas, tambm, como espaos de formao intensamente vinculados aos projetos de interveno educativa que a tm lugar. , de acordo com esta perspetiva, que, das trs opes atrs enunciadas, defendo ser a ltima dessas opes aquela que melhor se adequa aos contextos escolares onde intervimos, ainda que no estejamos perante cenrios de formao mutuamente exclusivos. Isto , admitem-se os programas de formao continuada de natureza qualificante no mbito de uma estratgia formativa mais ampla que no visa reciclar professores ou menoriz-los como agentes de interlocuo das propostas tericas construdas por outros, mesmo que especialistas, noutros contextos e noutras condies. Eis-nos, assim, perante uma proposta onde a formao continuada entendida como uma oportunidade para estimular a cooperao entre docentes, favorecendo a construo de comunidades de formao, onde cada um contribui, medida das suas possibilidades, para que os outros se possam formar (TRINDADE, 2009a, p. 39). nestas comunidades que os professores podero usufruir dos apoios que necessitam para se tornarem mais capazes de lidar com os seus problemas profissionais quotidianos ou para se sentirem mais apoiados a desenvolver alguns dos projetos por si concebidos, partilhando-se informaes,

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    saberes e experincias que constituem pontos de ancoragem de um trabalho de reflexo o qual suporte as aes profissionais de cada professor que participe na referida comunidade (ibidem). Assim, e tal como defende Ariana Cosme, entender as escolas como espaos de formao visa, ento, ampliar o campo das respostas concretas em face a problemas concretos (COSME, 2007, p. 43), o que s poder ocorrer se essa produo se configurar como um processo de co-interpelao entre as representaes e as concees dos professores e as abordagens tericas de que hoje dispomos, a partir dos projetos de interveno que estes animam (ibidem). Se um projeto de formao continuada, assim concebido, poder ter implicaes diversas no modo como os professores planificam, constroem e refletem sobre as respostas que vo produzindo, importa reconhecer, tambm, os efeitos colaterais de um tal projeto, nomeadamente os que tm a ver quer com o desenvolvimento de situaes de colaborao e de colegialidade docente, quer com a participao no processo de construo do conhecimento profissional que lhes diz respeito. Propsito este que, por sua vez, permite ampliar o campo da produo terica na rea da educao, no o circunscrevendo, apenas, ao espao delimitado pelo contributo dos especialistas cuja importncia indiscutvel, desde que no contribuam para a domesticao profissional dos professores, a qual, em nome da sua hipottica qualificao tcnica, pode contribuir, pelo contrrio, para acelerar o processo da sua proletarizao profissional. Um processo que poder acontecer, tambm, por outra via, a de uma reflexividade que tanto se pode constituir como