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AEMSAssociação de Ensino e Cultura de Mato Grosso do Sul

DIRETORA GERAL Profª Maria Lúcia Atique Gabriel

DIRETOR ACADÊMICOProf Edmo Gabriel

CONSELHO EDITORIALProf Paulo César FerreiraProfª Ms Amélia Regina Mussi GabrielProf Nei Fernando Vital Pinto

COORDENAÇÃO EDITORIALProf Edmo GabrielProf Ms Alexandre CostaProf Paulo César Ferreira

REVISÃO Profª Clayton da Silva Barcelos

EDITOR DE PUBLICAÇÕESProf Mestre Alexandre Costa

PLANEJAMENTO VISUAL E GRÁFICOAline Menezes Sílvio César da Silva

IMPRESSÃOGráfica Santa Maria

Revista Direito e Sociedade - Três Lagoas - MS Ano 04/nº1 p. 97janeiro - dezembro/2004

ISSN 1518-9783

Periodicidade Anual - Tiragem: 1.500 exemplares

Endereço para correspondência:Av. Ponta Porã, 2750 - Distrito Industrial - Três Lagoas - MSSite: http://www.aems.com.brTelefone: (67) 521-9218

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APRESENTAÇÃO

A Faculdade de Direito de Três Lagoas, mantida pela Associaçção de Ensino e Cultura de Mato Grosso do Sul - AEMS, oferece ao público suas edições da Revista Direito e Sociedade, consciente de seu papel social, como instituição de ensino voltada a formação de competentes bacharéis em Direito.

Em respeito à proposta inicial desta Revista, busca-se despertar nos acadêmicos o interesse pela pesquisa, oportunidade em que este veículo serve para expor as habilidades de seu corpo discente e a maturidade de seus professores no âmbito jurídico.

Esta linha segue os Projetos Pedagógicos do Curso de Direito e da Instituição de

Ensino e representa parte da constante atividade de iniciação científica em nosso meio acadêmico. Nesta edição foram selecionados artigos de alunos e de nossos mestres, caracterizados por sua atualidade e importância para as comunidades locais.

Aberta a toda a comunidade jurídica da região, esta Revista propõe-se a divulgar os trabalhos jurídicos desenvolvidos e realizados em benefício de nossas comunidades. Para tanto, os interessados deverão observar as normas para publicação constantes ao final desta edição.

Assim, em nome da Direção e dos professores de Direito da AEMS e pela

força deste exemplo, reforçamos aos nossos alunos nossa firme convicção sobre a necessidade contínua de estudos e de atualização nesta área do conhecimento, tão sensível as constantes oscilações sociais.

Profº Paulo César Ferreira

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SUMÁRIO

A Proteção ao Trabalho do Menor e os Direitos HumanosBARRETO, Denise Muniz.

Fungibilidade das Tutelas de Urgência: Análise do § 7. º do Artigo 273 do CPC.ROCHA, Ana Lúcia de Bianchi.

Instrumentos Urbanísticos Relevantes e Polêmicos que Limitam o Direito a Propriedade – A Usucapião Especial de Imóvel Urbano e a Desapropriação por Interesse Privado.PARDO, Milton.

O Empresário e o Novo Código Civil.GARCIA, Ricardo Alexandre Rodrigues.

O Tribunal do Júri no BrasilOTAVIANO, Luiz Renato Telles.

Oratória : A Arte de Falar !PAGANELLI, Wilson.

Normas Para Publicação Nesta Revista

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A PROTEÇÃO AO TRABALHO DO MENOR E OS DIREITOS HUMANOS

Denise Munioz BARRETO Acadêmica do Curso de Direito da

AEMS - Faculdades Integradas de Três Lagoas

RESUMO: A legislação que protege o menor é bastante vasta, mas o que ocorre não é a carência de leis e normas externas e internas protetoras dos direitos trabalhistas e infantis, e sim o descaso para com a efetiva aplicação das mesmas. O Brasil é um país com um alto índice de desemprego adulto, apresentando dados alarmantes em relação ao trabalho precoce. Crianças e adolescentes que deveriam estar se dedicando ao estudo, ao lazer, ao desenvolvimento cultural e artístico, bem como, exercendo o direito de se desenvolver com dignidade, estão sendo explorados nas mais variadas formas de trabalho, substituindo etapas indispensáveis ao seu desenvolvimento. Desse modo, pretende esse artigo discorrer acerca o trabalho do menor, evidenciando as permissões e proibições, bem como a atual situação do trabalho precoce no Brasil e proteção aos direitos humanos.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho do Menor, Direitos Humanos e Legislação.

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1. INTRODUÇÃO

O trabalho do menor ao longo do tempo teve uma considerável proteção, de sorte que a legislação o trata como pessoa em desenvolvimento, devendo-lhe ser atribuído trabalho que não desnature sua condição de pessoa humana em crescimento. Assim, há algum tempo a proteção do trabalho do menor vem sendo debatida com grande e merecido destaque no mundo jurídico.

Na verdade, a preocupação com o trabalho do menor vem da época das corporações de ofício, em que sua assistência era feita para preparação profissional e moral, com o objetivo de conferir-lhe aprendizagem.

Com a Revolução Industrial o menor ficou desprotegido, sendo submetido a jornadas de trabalho excessivas de 12 a 16 horas diárias, e a tipos de labor que prejudicavam sua condição física, psicológica e biológica, como o trabalho em minas de subsolo. Somente em 1802 que a jornada de trabalho foi reduzida para 12 horas diárias e proibido o trabalho do menor de 9 anos. Assim, aos poucos os menores foram sendo protegidos e garantidos seus direitos.

Dessa forma, o art. 2º da Declaração Universal dos Direitos da Criança prevê que a finalidade principal da proteção do trabalho dos menores está em “lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade”.

Com efeito, são os adolescentes de hoje que formarão a grande massa economicamente ativa do amanhã, de modo que a preocupação com os direitos do menor, em relação ao trabalho, justifica-se não somente como política meramente protetiva, mas, sim, como concreta atuação do Estado no cumprimento dos princípios político-fundamentais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (art. 1°, III e IV, da Constituição Federal), dentre os quais está compromissado, de acordo com a Constituição Federal, almejando-se a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e garantindo o desenvolvimento nacional, com a erradicação da pobreza e da marginalização, mitigando-se as desigualdades sociais (art. 3°, I, II e III, da Constituição Federal).

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2. MEDIDAS DE PROTEÇÃO NO AMBITO INTERNACIONAL

Como estamos cansados de saber, a criança deve ser submetida a um ensino de qualidade, estar na escola e não sendo explorada.

Seguindo os ensinamentos de LIBERATI (1995), cumpre destacar que o menor é um ser em pleno desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e sociocultural, de forma que a necessidade de trabalhar não deve prejudicar o seu regular crescimento, daí porque se exige que até um limite de idade, não se afaste o menor da escola e do lar, onde receberá às condições necessárias à sua formação e futura integração na sociedade ativa. O trabalho prematuro ou em condições impróprias acarretam lesões irreparáveis e com reflexos deletérios.

Conforme MARTINS (2003), a Organização Internacional do Trabalho - OIT passou a expedir uma série de convenções e recomendações sobre o tema, veja-se:

A - A Convenção nº 5/1919 estabeleceu a idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria, e em 1934 foi ratificada pelo Brasil.

B – A Convenção nº 6/1919 proibiu o trabalho do menor no período noturno nas indústrias, sendo adotado pelo Brasil em 1935.

C – A Convenção nº 10/1921 fixou o limite de idade mínima para o trabalho na agricultura.

D – As Convenções nº 59 e 60/1937 trataram do resguardo da moralidade do menor.

E – A Convenção nº 128/1967 versou sobre o peso máximo a ser transportado pelo menor.

F – A Convenção nº 182 e a Recomendação nº 190 da OIT tratam da proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação.

G – A Recomendação nº190 da OIT complementa a Convenção nº 182, definindo como perigoso o trabalho em que a criança fique exposta a abusos de ordem física, psicológica ou sexual; trabalhos subterrâneos ou embaixo da água, em alturas perigosas ou em ambientes fechados; dentre outros.

Ainda, em âmbito internacional, em 1959 foi editada pela Organização das Nações Unidas - ONU a Declaração Universal dos Direitos da Criança, a qual, entre outras coisas, estabelece a proteção especial para o desenvolvimento físico, mental, moral e

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espiritual da criança, isso conforme o seu art. 2º, e no art. 9º, alínea 2ª, há a proibição de empregar a criança antes da idade mínima conveniente.

No dia 26 de janeiro de 1990 foi subscrita na sede da ONU, em New York, a convenção sobre os Direitos da Criança, que entrou em vigor internacionalmente em 02/09/1990. Conforme MARTINS:

Tal norma foi ratificada pelo Brasil em 24/09/1990, entrando em vigor

em 23 de outubro do mesmo ano, aprovado pelo Decreto Legislativo

nº 28, de 14/09/1990, e promulgada pelo Decreto nº 99.710/90, de 21

de novembro. (MARTINS, 2003, p. 580).

2.1 Documentos Internacionais recepcionados pelo Brasil

Os documentos internacionais que constituem o embasamento para a promoção e proteção dos direitos da criança e do adolescente no âmbito do sistema de direitos humanos da ONU, inspiraram, em grande medida, o aparato jurídico-institucional que, nos dias de hoje, assegura a implementação do direito da criança e do adolescente brasileiros, assim, seguindo os ensinamentos de CUSTÓDIO (2002), pormenorizaremos o que acima foi descrito.

O documento básico e primeiro a ser lembrado é a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, de 1924, consubstanciada, mais tarde, na Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1959. A convicção de que seria fundamental propiciar à criança uma proteção especial foi, inicialmente, enunciada em 1924, alcançando posterior reconhecimento na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, assinados e ratificados pelo governo brasileiro.

Três décadas foram necessárias para que a comunidade internacional viesse a adotar, em novembro de 1989, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que consagrou, por um lado, a doutrina de proteção integral e de prioridade absoluta aos direitos da criança, e, por outro, o respeito aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais da criança. Firmado pelo governo brasileiro na ocasião

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em que foi aberto à assinatura dos Estados-membros da ONU, esse instrumento foi ratificado pelo Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990. Ainda em setembro daquele mesmo ano, o Brasil esteve representado no Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, realizado na sede das Nações Unidas. Naquela ocasião, 71 Presidentes e Chefes de Estado, além de representantes de 80 países, assinaram a Declaração Mundial sobre Sobrevivência, Proteção e Desenvolvimento da Criança, e adotaram o Plano de Ação para a década de 90, assumindo o compromisso de implementar , de imediato, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CUSTÓDIO, 2002).

Noutro quadrante, o direito positivo brasileiro abriga, em linhas gerais, as normas das convenções da Organização Internacional do Trabalho, a despeito de nem todas terem sido ratificadas. As convenções e recomendações resultantes da participação do Brasil como Estado-membro da OIT desde a sua criação, em 1919, somente passam a incorporar o ordenamento jurídico nacional na mesma hierarquia das leis ordinárias depois de submetidas à aprovação do Congresso Nacional.

No âmbito do trabalho infantil, o Brasil ratificou : I) Convenção nº 5 referente à idade mínima na indústria (1919); II) Convenção nº 7, relativa à idade mínima no trabalho marítimo (1920); III) Convenção nº 58 (revista), também atinente à idade mínima no trabalho marítimo (1936). Vale ressaltar que, embora o Brasil ainda não tenha ratificado a Convenção nº 138 (1973), que restringe a atividade laboral para menores de 15 anos, o parâmetro de uma idade mínima para ingresso no mercado de trabalho, conforme mencionado anteriormente, foi adotado pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Além do mais, convém destacar que o Programa Nacional de Direitos Humanos (1996) vem ao longo do tempo lutando pelos direitos e garantias ofertadas pelos direitos humanos às crianças e aos adolescentes.

3. O TRABALHO DO MENOR EM ÂMBITO NACIONAL

O Brasil, infelizmente, é um país que apresenta uma diferença social muito grande entre seus habitantes, o que faz com que vários jovens tenham que trabalhar para se sustentarem ou para ajudar em casa, vivendo infâncias afastadas dos livros

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e das brincadeiras. Sem desconhecer a realidade, as leis brasileiras tentam garantir ao menor uma juventude sem trabalho, ou em alguns casos, pelo menos, um estudo profissionalizante. É por isto que a Constituição da República de 1988, em seu art. 7º, XXXIII, prevê a: “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”.

Sobre os percalços até então enfrentados acerca do trabalho do menor, ELIAS (1994) salienta que os primórdios da proteção do trabalho do menor no Brasil são encontrados no Decreto nº 1.313, de 17 de janeiro de 1890, que estabelecia medidas gerais de proteção ao trabalho dos menores, todavia, nunca foi regulamentado.

O Decreto n. 16.300/23 determinou que era vedado o trabalho do menor de 18 anos por mais de seis horas em 24 horas. No dia 12 de outubro de 1927 foi aprovado o Código de Menores pelo Decreto nº 17.943-A, o qual vedou o trabalho dos menores de 12 anos e o trabalho noturno aos menores de 18 anos.

A Constituição de 1934 proibia diferenças de salários para um mesmo trabalho por motivo de idade, sendo também vedado o trabalho a menores de 14 anos, o trabalho noturno a menores de 16 anos, e em indústrias insalubres a menores de 18 anos.

A Constituição de 1937, por sua vez, vedava o trabalho dos menores de 14 anos, o trabalho noturno a menores de 16 anos e o trabalho em indústrias insalubres a menores de 18 anos.

Foi em 1943 que a legislação esparsa existente sobre o tema foi consolidada, originando, dessa forma, a Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT.

A Constituição de 1967 proibia o trabalho do menor de 12 anos e o trabalho noturno aos menores de 18 anos, assim como o trabalho nas indústrias insalubres.

Com a EC nº 1, de 1969, vedou-se o trabalho do menor em indústrias insalubres, bem como o trabalho noturno, proibindo qualquer trabalho a menores de 12 anos.

A Constituição de 1988 proibiu a diferença de salários, de exercício de

funções e de critério de admissão por motivo de idade (art. 7º, XXX).

Vedou o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18

anos e qualquer trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de

aprendiz (art. 7, XXXIII). A Constituição voltava ao limite de 14 anos

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para o menor trabalhar, previsto nas constituições de 1934, 1937 e

1946. (MARTINS, 2003, p. 580).

Desse modo, a Lei nº 8.060, de 13 de julho de 1990, deu origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

3.1 Constituição de 1998 e CLT

A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 7º e incisos XXX e XXXIII e art. 227, normas de proteção ao trabalho do menor e, também, de igual forma, a legislação infraconstitucional, uma vez que a CLT, em seus artigos 80, 402 a 439, trata de forma específica sobre duração do trabalho, admissão em emprego, CTPS, deveres dos responsáveis legais de menores e dos empregadores, aprendizagem e disposições gerais, de proteção ao trabalho do menor. Há ainda, a Lei n. 8.069, de 13.7.90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e reservou todo seu capítulo V, para tratar acerca Do Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho (arts. 60 a 69).

A Constituição Federal, no art. 7º, estabeleceu, entre outros, os direitos pertinentes à vida profissional do trabalhador urbano ou rural. O menor trabalhador tem a garantia de direitos previdenciários e trabalhistas, entre os quais destacamos alguns (MARTINS, 2003):

a) relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória;

b) seguro- desemprego, em caso de desemprego involuntário; c) fundo de garantia do tempo de serviço; d) salário mínimo e garantia de salário, nunca inferior ao mínimo para os que

percebam remuneração variável; e) décimo terceiro salário com base na remuneração integral; f) participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e,

excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei; g) irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo

coletivo;

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h) duração do trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais;

i) repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; j) remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por

cento à do normal, somente no caso de força maior; k) gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que

o salário normal; l) aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias,

nos termos da lei. A Constituição Federal proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos

menores de dezoito anos e qualquer trabalho a menores de 16 anos. A CLT, em seu art. 40, reza que não será permitido o trabalho de menores

(MARTINS, 2003):a) nos locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade, considerando-se como

tais: o prestado, de qualquer modo, em teatros de revista, cinemas, boates cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos, em empresas circenses, em funções de acrobata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes, de produção, composição, entrega ou venda de escritos, impressos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros objetos que possam, a juízo da autoridade competente, prejudicar sua formação moral;

b) em horário noturno; Somente para esclarecer o que seja considerado trabalho noturno, temos que o

mesmo é aquele executado no período compreendido entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte.

MARTINS tece alguns comentários sobre o assunto:

A própria legislação ordinária já previa a proibição do trabalho

noturno do menor (art. 404 da CLT), que é aquele realizado das 22 às

5 h na atividade urbana; das 20 às 4 h na pecuária; das 21 às 5 h na

lavoura, para o empregado rural. (MARTINS, 2003, p. 585).

c) consistente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas;

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d) exercido nas ruas, praças e outros logradouros, salvo com autorização do Juiz de Menores, que verificará se essa atividade é indispensável à sua subsistência e à de seus familiares. Observe-se que, tratando-se de jornaleiros em localidades onde existam instituições oficialmente reconhecidas destinadas ao amparo destes, só será outorgada autorização do trabalho aos que se encontrarem sob o patrocínio de tais instituições;

e) em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 quilos, para o trabalho contínuo, ou 25 quilos, para o trabalho ocasional, exceto no caso de remoção de material feita por impulsão ou tração de vagonetes sobre trilhos, de carros de mão ou quaisquer aparelhos mecânicos.

3.2 Estatuto da Criança e do Adolescente

Promulgado pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente regula as conquistas consubstanciadas na Constituição Federal em favor da infância e da juventude. O Estatuto introduz inovações importantes no tratamento dessa questão, sintetizando mudanças de conteúdo, de método e de gestão.

Uma das mudanças de conteúdo mais relevantes refere-se à defesa jurídico-social de crianças e adolescentes. Em termos de método, para uma ação mais efetiva, o ECA desloca a tendência assistencialista prevalecente em programas destinados ao público infanto-juvenil, e a substitui por propostas de caráter socioeducativo, de cunho emancipatório.

CUSTÓDIO (2002) observa que o estatuto começa por determinar o que é criança e o que é adolescente nos termos da lei, segundo o art. 2o do ECA: “considera-se criança para os efeitos da Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquelas entre doze e dezoito anos de idade”. Proíbe qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente baseia-se em três princípios fundamentais: descentralização, participação e mobilização. As ações do governo e da sociedade civil nos diversos setores voltados para a problemática da infância e da adolescência vêm sendo desenvolvidas a partir deste trinômio. No que se refere à descentralização, o Estatuto da Criança e do Adolescente delega atribuições específicas e fundamentais aos estados e municípios, que passam a dividir com o governo federal e a sociedade

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civil organizada a responsabilidade pela garantia do cumprimento da lei na proteção às crianças. Essa estratégia de descentralização, que viabiliza a participação dos diferentes segmentos da sociedade civil, propiciando a sua mobilização em torno do respeito aos direitos da criança e pela eliminação do trabalho infantil, inclui a criação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares.

Segundo CUSTÓDIO (2002)

A adoção dos princípios protetivos presentes no Estatuto da Criança

e Adolescente, trouxe uma nova visão, garantindo direitos ao livre e

pleno desenvolvimento físico e psíquico, exercitando em toda a sua

plenitude a convivência familiar e comunitária livre da mais absoluta

exploração.

No mais, institucionalmente, o ECA criou os Conselhos Tutelares (art. 131) para garantir a aplicação eficaz das propostas estatutárias. Órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, são encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes. Sempre que esses direitos forem violados, por ação ou omissão do Estado ou da sociedade, caberá aos Conselhos Tutelares adotar as medidas de proteção cabíveis, ajuizando, quando necessário, uma representação junto à autoridade judiciária.

3.3 Lei Organiza de Assistência Social

A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), promulgada em 7 de dezembro de 1993 (Lei nº 8.742), que regulamenta os artigos 203 e 204 da Constituição, estabelece o sistema de proteção social para os grupos mais vulneráveis da população, por meio de benefícios, serviços, programas e projetos, é o que anota CUSTÓDIO (2002).

Em seu art. 2º, estabelece que a assistência social tem por objetivos dentre outros: I) a proteção à família, à infância e à adolescência; II) o amparo às crianças e adolescentes carentes.

Vale salientar que as ações de assistência social não se dirigem ao universo da população infanto-juvenil, mas a um segmento específico que delas necessita por se

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encontrar em estado de carência, exclusão ou risco pessoal e social.

3.4 Trabalho Infantil

Nas periferias urbanas pobres e na zona rural a infância tem curta duração, ainda que as crianças sejam consideradas ‘meninos’ e ‘meninas’ (até 14 anos). É nesta fase que são socializados no mundo do trabalho. Crianças e adolescentes trabalham em todas as esferas: Eles cortam cana, colhem café e laranjas, vendem doces e refrigerantes, vigiam carros, engraxam sapatos, ajudam as mães em casa, se prostituem e ganham dinheiro no tráfico de drogas.

Trabalho infantil não é um fenômeno novo no Brasil (CUSTÓDIO, 2002). É quase tão velho como a própria história do país. Desde o início da colonização as crianças negras e indígenas eram incorporadas ao trabalho. Com o desenvolvimento socioeconômico do país a forma do trabalho infantil se modificou. Com a imigração crescente da Europa e Japão, pouco antes do final do século XIX, a revolução industrial chegou ao Brasil. As novas formas de divisão de trabalho facilitaram a próprio exercício do trabalho e possibilitaram a inclusão da mão-de-obra infantil a custos mais baixos, particularmente na industria têxtil. No século XX, o forte processo de migração, e conseqüentemente a urbanização, ampliaram mais uma vez os ramos de atividade para as crianças. Nas cidades as crianças e adolescentes ganham no setor informal, principalmente na oferta de serviços e nas atividades ilícitas (tráfico de drogas, prostituição, etc.).

Em contraposição a essa milenar injustiça, os esforços no sentido de eliminar o trabalho infantil têm data recente. Só a partir do fim da década de 80 foram aprovadas medidas jurídicas, políticas e sociais no campo nacional e internacional, conforme dispõe MARTINS (2003). O mais importante nessas novas leis é que estas tinham por objetivo não apenas combater o trabalho infantil com sua proibição, mas reconheciam a cidadania das crianças e dos jovens. Com isso eles se tornam sujeitos de seus próprios atos com direitos a serem defendidos. O trabalho infantil torna-se, então, uma questão de direitos humanos. O objetivo deste artigo é mostrar junto com os dados estatísticos essas inovações.

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Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

existem atualmente 250 milhões de crianças e adolescentes trabalhando

em todo o mundo. A Pesquisa Nacional por Amostra e Domicílio

(PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),

realizada em 2001, verificou que no Brasil, existem cerca de 5,5 milhões

de crianças e adolescentes trabalhadores, sendo que 48% não recebem

qualquer tipo de remuneração pelos trabalhos realizados. Em Santa

Catarina a referida pesquisa aponta a existência de 206 mil crianças

e adolescentes no trabalho. (IBGE, 2003).

O trabalho precoce gera sérios prejuízos ao desenvolvimento físico e psicológico provocando conseqüências na saúde e desenvolvimento da criança e do adolescente de longo prazo. Estudo elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego destaca que:

Como conseqüência das condições de vida extremamente insatisfatórias,

as crianças e adolescentes que trabalham têm como características o

retardo no desenvolvimento pondero-estatural, desnutrição proteico-

calórica, fadiga precoce, maior ocorrência de doenças infecciosas

(gastrointestinais e respiratórias) e parasitárias. Estes prejuízos

são agravados pelas condições de trabalho, que leva à formação de

adultos de menor capacidade de trabalho e aumentando o contingente

de trabalhadores incapazes, parcial ou totalmente, para o trabalho.

(MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2000).

As diretrizes da política nacional destacam que para efetiva proteção de criança e adolescente contra a exploração no trabalho são necessários um conjunto de ações articulados que envolvam: integração e sistematização de dados sobre o trabalho infantil; a implantação dos efetivos controle e fiscalização; a garantia de escola pública de qualidade à todas crianças e adolescentes, com condições de acesso, freqüência e permanência em período integral; a articulação interinstitucional quadripartite entre organizações governamentais, ONGs, organizações de trabalhadores e empregadores; melhoria da renda familiar garantida por meio de renda mínima e geração de renda

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a toda as famílias e a promoção de desenvolvimento local integrado e sustentável. (FÓRUM NACIONAL DE PREVENÇÃO E ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL, 2000)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Internamente a legislação é afinca na proteção ao trabalho do menor, estabelecendo normas que se fossem efetivamente cumpridas, o objetivo de proteger a condição de pessoa em desenvolvimento do menor seria respeitada. Todavia, o que percebemos, de fato, é um contexto empregatício no qual utilizam o trabalho do menor de forma a propiciar ao enriquecimento fácil, ilícito, culminando com salários abaixo dos estabelecidos legalmente, e em condições não recomendáveis, impróprias e proibidas ao menor.

Em âmbito externo a OIT editou, ao longo do tempo, Convenções e Recomendações, de forma que aos poucos as legislações foram ratificando tais documentos jurídicos e adotando uma política protetiva ao menor, como é o caso do Brasil, que teve toda uma árdua trajetória até a atual abordagem do menor. Importante não esquecer que o menor é objeto de incansável proteção aos direitos humanos, eis que constituem pessoas em desenvolvimento, e como tais devem ser tratadas.

Ocorre que diante da magnitude que ainda constitui o trabalho precoce nos países menos desenvolvidos, em particular no Brasil e em suas regiões, algumas leis e regras foram criadas para minimizar e combater essa prática. A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - Lei Federal nº 8.069/90, fixam as diretrizes que norteiam o combate ao trabalho infanto-juvenil.

Assim, promulgada em 1988, a Constituição Federal determina em seu artigo 7o, parágrafo XXXIII, a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 (dezoito) anos e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo aos 14 (quatorze) anos na condição de aprendiz”.

O conceito de trabalho precoce envolve a proibição de trabalhos perigos, insalubres, penosos, noturnos, prejudiciais à moralidade, realizados em horários e locais que prejudique a freqüência à escola, bem como todos os demais trabalhos prejudiciais ao desenvolvimento físico e psicológico da criança e do adolescente, ou seja, a todos

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aqueles que tenham idades inferiores ao limite de 18 anos.É interessante pontuar que o trabalho precoce gera conseqüências à criança e

ao adolescente, em razão de sua peculiar fase de desenvolvimento, trazendo serio distúrbio á fase adulta, ou até mesmo durante a infância.

Apenas como dado informativo, importante mencionar que a luta pela prevenção e erradicação desse tipo de trabalho advém dos Fóruns estaduais e nacional de prevenção e erradicação do trabalho infantil, organizações não-gorvenamentais, que buscam espaços, programas e políticas publicas para a infância e juventude, bem como pela proteção ofertada pelos direitos humanos.

No mais, para findar este artigo, cumpre ressaltar que além da garantia de direitos, o dispositivo constitucional impôs o status de prioridade absoluta na realização dos direitos da criança e do adolescente, conferindo responsabilidade compartilhada à família, à sociedade e ao Estado para sua realização por meio de políticas sociais públicas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil.

______. Lei no 8.069, de 13 jul. 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

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FUNGIBILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA: ANÁLISE DO § 7. º DO ARTIGO 273 DO CPC

Ana Lúcia de Bianchi ROCHA

Docente da AEMS - Faculdades Integradas de Três LagoasEspecialista em Direito Processual Civil

Doutoranda em Direito Público

RESUMO: Aborda-se uma das alterações introduzidas no Código de Processo Civil, pela Lei 10.444, de 07.05.2002, especificamente, da inclusão do § 7. º no artigo 273. Constata-se que houve o reconhecimento da distinção entre os institutos da tutela antecipada e cautelar, visto que, não há fungibilidade entre iguais. Além disso, o novo § 7. º no artigo 273 representou uma grande mudança no regime das tutelas de urgência.

PALAVRAS-CHAVE: tutela – cautelar – antecipada – fungibilidade – urgência.

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1. INTRODUÇÃO

As tutelas provisórias e de urgência assumem relevância nos ordenamentos jurídicos modernos. Tornou-se muito mais aguda a necessidade das tutelas de urgência em nossa civilização industrializada e de massa, com autêntica multiplicação das situações de emergência. O fundamento da tutela de urgência é a garantia constitucional da efetividade jurisdicional.

Neste sentido, é importante mencionar a relação entre o tempo do processo e a atividade jurisdicional. A palavra processo traz ínsito que o tempo é um dos elementos inafastáveis à atividade processual. É inconcebível um processo, mesmo sob os influxos de rigoroso princípio da oralidade, que se prolongue no tempo. A demora no andamento processual, os recursos que se desdobram e multiplicam, em suma, a lentidão da justiça constitui um grave problema social, pois causa danos econômicos, favorece a especulação e a insolvência. Além disso, acentua a discriminação entre os que têm a possibilidade de esperar e aqueles que, esperando, tem tudo a perder.

A Constituição Federal de 1988, no artigo 5.º, XXXV, dispõe que nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. Esse princípio constitucional, muito mais do que o acesso à justiça, garante o direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva (MARINONI, 1999, p. 18).

As tutelas de urgência, nas quais estão inseridas as cautelares e antecipatórias, constituem alternativas que vêm conquistando os operadores do direito, pois têm por escopo evitar a concretização do dano ao direito. Ressalte-se que estas tutelas de urgência constituem mecanismos que possibilitam maior efetividade dos direitos sem sacrifício total da efetividade jurídica.

Assim, destacam-se as tutelas antecipada e cautelar, consideradas espécies das tutelas de urgência, porém possuem técnicas diferentes. Enquanto a tutela cautelar deve limitar-se a assegurar a viabilidade e utilidade do processo acautelado, a tutela antecipada é satisfativa, realiza o direito no plano fático.

Antes de 1994, responsável pela codificação da tutela antecipada ocorria uma distorção do uso do processo cautelar. O artigo 798 do Código de Processo Civil - CPC atribui ao juiz o poder de determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, antes que o julgamento da lide, cause ao direito da outra, lesão grave e de difícil

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reparação. Uma parcela doutrina admitiu que o juiz concedesse medidas sumárias satisfativas com base no artigo 798 do Código de Processo Civil.

Sobre este aspecto Luiz Guilherme Marinoni comenta que os Tribunais raciocinavam supondo que a satisfatividade da tutela era o bastante para dispensar o ajuizamento da ação principal. Ao que rebate, dizendo que:

O erro contido em tal forma de pensar é tão evidente que pode ser

surpreendido por esta indagação de resposta elementar: a concessão

de liminar, na ação de reintegração de posse, por ter conteúdo

satisfativo, deve impedir o prosseguimento do contraditório? Será que a

realização da instrução para apuração da resistência do réu – no dizer

do julgado há pouco referido – importa aqui em apego ao formalismo.

Absolutamente não.

[...]

A jurisprudência e a doutrina vinham confundindo satisfatividade com

definitividade. (1987, p. 83)

Portanto, a inexistência de instrumento processual adequado para a tutela desses

direitos, somada à lentidão da justiça, estimulou a criatividade dos operadores do direito, que começaram a utilizar intensamente da ação cautelar inominada como meio de obtenção da antecipação de tutela postulada na chamada “ação principal”. Ocorreu, outrossim, desvio e exagero na utilização da cautelar inominada e não simplesmente acautelatória (WATANABE, 1996, p. 31).

Com freqüência, as medidas liminares, em ações cautelares inominadas aforadas com vistas à obtenção de antecipação dos efeitos da tutela da ação dita principal, eram concedidas em atos decisórios que repetiam chavões que de especial nada expressavam, como, por exemplo: “presentes (ou ausentes) os pressupostos legais, concedo (ou nego) a medida liminar”. Eram decisões sem motivação ou fundamentação, portanto, nulas.

Nos Tribunais brasileiros a ação cautelar passou a ser aceita, não apenas como instrumento para a obtenção de medidas para garantia do resultado útil do processo,

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mas também para alcançar tutela de mérito relativa a pretensões que reclamassem fruição urgente. Este movimento se ampliou, sendo sentido também em outros países com sistema semelhante, de expansão da tutela provisória. Porém, na onda expansiva vieram abusos, como, por exemplo, o da concessão de liminares, mais que satisfativas, irreversíveis, cuja execução inviabiliza o retorno da situação fática ao estado anterior, comprometendo irremediavelmente a garantia do contraditório e da defesa, bem como a efetividade prática do eventual sucesso do réu na sentença final (ZAVASCKI, 1999, p. 44).

Neste contexto, é preciso analisar as causas que levaram ao uso distorcivo da tutela cautelar: o problema fundamental é que o direito processual civil influenciado pelas idéias do liberalismo europeu do século XIX, apresenta graves equívocos. Cabe destacar as deformidades causadas pelas correntes “formalistas” que tanto distanciaram o processo civil da realidade social, ao ponto imaginar a possível existência de um “mundo jurídico” desvinculado e independente do mundo social em que os conceitos jurídicos pudessem ser construídos como princípios, conceitos e fórmulas matemáticas carentes de conteúdo.

O repúdio às formas sumárias de tutela processual é, no fundo, uma conseqüência lógica dessa concepção generalizadora do fenômeno jurídico. Neste ponto, onde emerge a superioridade indiscutível do processo ordinário, na medida em que a ordinariedade permite a demanda judicial de maneira que o processo civil atende as exigências e valores do individualismo liberal do século XIX, quais sejam o respeito à liberdade individual do demandado, a quem deveria assegurar uma ampla e exaustiva defesa, e a segurança absoluta do vencedor contra quaisquer futuras investidas do vencido, representada pela coisa julgada, abrangendo, na medida do possível todas as questões litigiosas que somente as demandas de cognição plena (de rito ordinário) podem proporcionar.

Ocorre que, o conflito nascido da relação tensional entre efetividade e segurança jurídica, tornou-se agudo e extremamente sensível na moderna sociedade de massa, que necessita conviver com ideologias, concepções de vida e exigências antagônicas que a forçam a tornar-se pluralista e não individualista.

Com a introdução do artigo 273 do Código de Processo Civil, mediante a Reforma de 1994, triunfou a tese de que a tutela sumária satisfativa nada tem a ver

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com a cautelar. A reforma do Código criou a possibilidade de antecipação de tutela no processo de cognição exauriente, eliminando a necessidade do demandante, para obter tutela sumária satisfativa, ajuizar ação cautelar inominada.

2. DISCIPLINA GERAL DA TUTELA JURISDICIONAL DE URGÊNCIA

Consoante ao que foi exposto, diante da utilização excessiva das medidas cautelares de cunho satisfativo, afastando-se da natureza instrumental do provimento acautelatório, houve a instituição, através da Lei n.º 8.952/94, do artigo 273 do Código de Processo Civil, o qual disciplina a tutela antecipada, destinada em uma de suas hipóteses, aos provimentos urgentes de natureza satisfativa. O ordenamento jurídico brasileiro adotou dois sistemas estanques na admissão das tutelas urgentes: o processo cautelar, de natureza instrumental, reservado para as medidas assecuratórias da eficácia do processo principal e a tutela antecipada, requerida incidentalmente, destinada à realização rápida do direito.

Embora tecnicamente distintas, as referidas espécies de tutela se caracterizam pelo elemento comum da urgência, em sentido amplo. Cândido Rangel Dinamarco adverte que antecipação da tutela jurisdicional, como conceito relativamente distinto da tutela cautelar ainda não foi perfeitamente compreendida pelos operadores do direito, nem adequadamente assimilada. E pontifica:

Talvez a primeira e mais grave causa de incompreensão consista na

falsa crença de que esses sejam dois conceitos absolutamente distintos

e não, como convém, duas categorias de um gênero só, o das medidas

urgentes (2003, p. 90).

Destinada a prevenir os danos ao direito da parte, decorrentes da preocupação excessiva com a cognição completa, exauriente, a tutela de urgência engloba, no sistema processual brasileiro, a tutela cautelar em sentido estrito (CPC, artigo 798-887), a tutela antecipatória (CPC, art. 273 e parágrafos) e as medidas denominadas provisionais (CPC, artigos 888 e 889).

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A tutela cautelar constitui uma das espécies do gênero tutela de urgência. Contudo, certas pretensões urgentes poderão ser satisfeitas por outros institutos processuais, diversos das cautelares. A tutela cautelar visa proteger a possibilidade de realização futura do direito e não apenas proteger o processo de conhecimento. É forma de prestação jurisdicional assecuratória de futura realização dos direitos subjetivos.

Neste sentido, a tutela cautelar é espécie do gênero tutela urgente. Surge, com efeito, para eliminar uma situação de perigo que coloque em risco uma pretensão (MARINONI, 1992, p. 59). Visa proteger a possibilidade de realização futura do direito e não apenas proteger o processo de conhecimento. Ela é uma forma de prestação jurisdicional voltada a impedir que o decurso de tempo do processo impeça a realização do possível direito alegado pela parte. Seu escopo é a urgência, devendo atuar sempre que a tutela de conhecimento se mostre insuficiente e incapaz de atender a uma pretensão urgente de direito material. Tem por objetivo assegurar a possibilidade de satisfação futura do direito a ser reconhecido (DORIA, 1999, p. 31).

A tutela de urgência é mais abrangente que a tutela cautelar e volta-se a todas aquelas situações em que o decurso de tempo constitua um pesado ônus para as partes. Tem caráter preventivo, de maneira a evitar que a demora do processo permita à outra parte um comportamento que venha causar dano irreparável. É gênero do qual a tutela cautelar e a tutela antecipada constituem espécies. É um instituto criado para impedir que a demora na prestação jurisdicional elimine a possibilidade de realização do direito material.

Quanto à tutela antecipada, visa satisfazer o próprio direito antes de ser proferida decisão final em determinado processo. Ela satisfaz e não apenas assegura a satisfação futura do direito.

É importante deixar claro que embora a tutela antecipada, em geral, esteja associada às situações de urgência (este é o caso do inciso I do artigo 273, do CPC), é possível encontrar circunstâncias que autorizem uma satisfação do direito de defesa ou propósito protelatório do réu (inciso II do artigo 273, do CPC).

Ocorre que, no Brasil, a maior parte da aplicação do artigo 273 é na hipótese de urgência (inciso I do artigo 273, do CPC), onde por muito tempo se utilizou apenas a tutela cautelar. Pode-se afirmar que a tutela antecipada e a tutela cautelar têm em comum o traço da provisoriedade, enquanto se distinguem porque a instrumentalidade,

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a referibilidade e a dependência só se encontram presentes na segunda. A Lei 10. 444/2002, ao incluir o novo § 7.º ao artigo 273, consagrou a fungibilidade

entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar. Diz o dispositivo que:

Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência

de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos

pressupostos, deferir medida cautelar incidental do processo

ajuizado.

Assim, por exemplo: A move ação anulatória de título de crédito em face de B, requerendo, a título de tutela antecipada, a retirada de seu nome de cadastro restritivo de crédito. Evidentemente, não se trata de providência relativa ao mérito da ação. Não se está pedindo a antecipação da tutela jurisdicional, que é anulação do título de crédito. Apenas se está pedindo providência capaz de assegurar o resultado prático do provimento jurisdicional que espera ver ao final, mas não o próprio provimento. Portanto, trata-se de pedido acautelatório e não antecipatório. Pelo novo dispositivo o juiz poderá conceder essa providência cautelar ainda que o pedido tenha sido formulado sob o título de tutela antecipada.

Em princípio, pelo § 7. º, do artigo 273, do CPC, constata-se o reconhecimento da distinção entre os institutos da tutela antecipada e cautelar. Não há fungibilidade entre iguais. Essas diferenças poderiam perder relevo se fosse abolida a diferença de procedimento entre as tutelas de urgência. Não é o caso, ainda. Por isso, inclusive, a importância da regra da fungibilidade.

Com a codificação da tutela antecipada tornou-se recorrente a formulação dos pedidos de liminares cautelares no âmbito do processo de conhecimento. Até mesmo cautelares nominadas passaram a ser veiculadas nos próprios autos da ação principal. A jurisprudência impôs a pena do indeferimento inicial às demandas desprovidas de boa técnica processual, acusadas de baralhar os conceitos de cautelaridade e satisfatividade. Todas essas questões merecem nova interpretação após a introdução do § 7. º, do artigo 273, do CPC.

A doutrina aplaudiu esta inovação. É possível, de forma expressa, requerer providência de natureza cautelar no próprio processo de conhecimento. Neste

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sentido, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier consideram ser desnecessário que a parte qualifique seu pedido como “pedido de tutela antecipada”, pois se fosse possível pensar numa gradação de pedidos de antecipação de tutela e pedidos cautelares, aqueles seriam “mais” e estes, “menos ”. Pontificam estes autores que:

[...] isso, certamente, porque os requisitos da tutela antecipada são

mais intensos, que os da cautelar (o requisito da “verossimilhança” é

mais expressivo que o “ fumus boni iuris”).

[...] não teria sentido admitir-se que poderia o autor pedir o “mais”

no bojo do processo para formular pedido de natureza cautelar, que é

o “menos”. (2002, p. 59)

O § 7. º, do artigo 273, do CPC privilegiou o princípio da economia processual.

Proposta ação em que se pleiteia a satisfação do direito, dispõe o juiz dos elementos

necessários para apurar a presença dos pressupostos indispensáveis ao deferimento

da medida cautelar. A instauração do processo específico para a apuração da medida

cautelar significaria o desdobramento inútil de numerosos atos processuais, em clara

infringência ao mencionado princípio processual.

A inovação, indubitavelmente, é digna de gloriosos aplausos. Em boa hora, o

legislador observando as necessidades práticas oriundas das mais diferentes lides que

atolam diariamente os tribunais, na redação do § 7. º, do artigo 273, do CPC, permitiu

a incidência de um sincretismo processual, o qual consiste no poder do magistrado

de, presentes os requisitos pressupostos, deferir providência cautelar no lugar de uma

postulada providência de tutela antecipada.

3. O PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE

Com a vigência do § 7. º, do artigo 273, do CPC torna-se relevante a compreensão

do princípio da fungibilidade. Num primeiro momento, ele é enfocado como principio

inerente ao sistema recursal e, num segundo momento, com vistas a garantir a

operatividade do sistema.

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Pelo enfoque recursal, o principio da fungibilidade autoriza o recebimento de um

recurso por outro, proporcionando o conhecimento de mais de uma espécie de recurso

contra uma única decisão judicial.

Fungibilidade, como se sabe, significa troca, substituição. Atualmente, admite-se a

aplicação do princípio da fungibilidade, desde que verificado o pressuposto da dúvida

objetiva, aquela derivada de impropriedades terminológicas presentes no próprio

Código e, principalmente, divergências existentes na doutrina e na jurisprudência

sobre qual o recurso cabível. (VASCONCELOS, 2004, p. 59)

Para a compreensão do princípio da fungibilidade convém fazer um breve relato

em relação à sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro: na vigência do Código

de 1939, o sistema recursal não era claro. Havia confusão quanto a que recurso seria

cabível diante de tantos previstos, e dificuldade em se identificar o teor da decisão a

ser impugnada; no Código atual não há norma expressa autorizando a fungibilidade

recursal. Mas, ainda que não exista regra expressa, a idéia de fungibilidade dos recursos

não ofende o nosso sistema recursal, que muitas vezes gera dúvida objetiva a respeito

da adequação do recurso e pronunciamento judicial recorrível.

Assim, hoje se admite a aplicação do princípio, desde que entendido como dúvida

objetiva, entendida como aquela derivada de impropriedades terminológicas presentes

no próprio Código e, principalmente, de divergências existentes na doutrina e na

jurisprudência sobre qual o recurso cabível. É importante deixar claro que a aplicação

do princípio da fungibilidade no âmbito recursal, nas hipóteses em que efetivamente

há dúvida objetiva sobre qual o recurso adequado, é de extrema relevância para

assegurar uma prestação jurisdicional eficaz.

Neste sentido, Rita de Cássia Corrêa de Vasconcelos (2004, p. 112) ressalta que

em razão da necessidade de se privilegiar os valores fundamentais e a efetividade

da tutela jurisdicional, tem sido defendida a aplicação da fungibilidade em relação

ao outros mecanismos processuais. Conclui a processualista que talvez a tutela de

urgência possa ser considerada o subsistema que mais reclame a aplicação do princípio

da fungibilidade fora do âmbito recursal, especialmente em razão da ausência de

sistematização satisfatória fora de suas espécies.

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4. A FUNGIBILIDADE DE MÃO DUPLA

Quanto à aplicação da fungibilidade é preciso abordar um aspecto polêmico que tem dividido importantes doutrinadores: trata-se da admissão da fungibilidade de “mão dupla”, como se convencionou chamar. O dispositivo em questão, expressamente, só autoriza que se conceda medida cautelar em processo de conhecimento:

Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência

de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos

pressupostos, deferir medida cautelar incidental do processo

ajuizado.

A questão é saber se, a despeito da ausência de previsão em sentido inverso, se infere da disposição, ou mesmo do sistema do CPC, a possibilidade de se deferir antecipação de tutela em processo cautelar.

Antes da Lei 10.444/2002 e após da introdução da tutela antecipada no ordenamento jurídico brasileiro, sustentava-se, majoritariamente, que sendo dotado do instrumento específico da antecipação de tutela de efeitos da pretensão definitiva de mérito, pode-se até penalizar com extinção, sem julgamento do mérito por falta de interesse de agir, a pretensão antecipatória deduzida em processo cautelar (ARMELIN, 1997, p. 439).

Com a vigência da Lei 10.444/2002 muitos autores continuam a defender a inviabilidade fundamentando-a no fato de o legislador ter autorizado que pedindo o mais (antecipação), o juiz poderá vir a conceder o menos (cautelar), mas não inversamente (ARRUDA ALVIM, 2002, p. 110).

Porém, outra corrente doutrinária defende a fungibilidade de mão dupla. Neste sentido, Cândido Rangel Dinamarco pontifica:

Também o contrário está autorizado, isto é: também quando feito um

pedido a título de medida cautelar, o juiz está autorizado a conceder a

medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu entendimento

e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em uma

só mão de direção. Em direito, se os bens são fungíveis isso significa

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que tanto se pode substituir um por outro, como outro por um.

Os defensores desta tese afirmam que não convence a alegação segundo a qual a fungibilidade de mão dupla não se autoriza porque sempre seria erro grosseiro, fora do campo próprio da fungibilidade, até por analogia aos princípios de fungibilidade recursal. Seria um equívoco supor que a dúvida objetiva acerca da natureza da medida, como requisito para aplicação da fungibilidade, revele-se exclusivamente para os casos de cautelar requerida em ação de conhecimento (nunca no sentido inverso).

No que tange ao referido assunto, assim dispõe Elias Marques de Medeiros Neto:

Admitir que o fenômeno do sincretismo processual seja aplicado tão

somente para a situação literal da lei, é, repita-se, negar o caráter útil

e eficaz que deve nortear as inovações e conclusões dentro do Direito

Processual (2004, p. 57).

Há quem sustente uma solução intermediária: se a parte requerer medida antecipatória via processo cautelar, e o juiz entender que os requisitos da tutela antecipada estão preenchidos, deve ele conceder a medida, desde que determine a conversão do procedimento para o rito comum (ordinário ou sumário), intimando o autor para que proceda às devidas adaptações em sua petição inicial, antes da citação do réu (DIDIER JÚNIOR, 2002, p. 71).

A conversibilidade do procedimento é uma das maiores manifestações do princípio da instrumentalidade das formas. Trata-se de adaptação da fungibilidade dos provimentos de urgência junto com a adaptação procedimental. Esta solução é coerente com o sistema. Assim, caso requerida uma medida antecipatória pelo procedimento equivocado (cautelar), o juiz corrige-o, observando que, em situação contrária, não é necessária alteração procedimental.

Isto porque, não se pode aceitar, no âmbito teoricamente sumarizado do processo cautelar, uma pretensão inibitória (tutela antecipada), a ser necessariamente confirmada em sentença de cognição exauriente, pois esta espécie de cognição é inerente ao processo de conhecimento. Portanto, não é adequada ao restrito procedimento do

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processo cautelar em que há a sumarização cognitiva, inclusive com redução de produção de provas em relação aos processos de conhecimento, pois se assim não fosse não haveria de ser sumária a cognição.

Conclui-se que no caso do pedido de tutela antecipada no âmbito do processo cautelar a incidência da fungibilidade de mão dupla autoriza apenas que se conceda a liminar satisfativa. E, necessariamente, deverá ser feita a correção procedimental, emendando-se a inicial nos termos do artigo 284 do Código de Processo Civil.

A possibilidade de emenda da petição inicial deverá ser regra. Mesmo que o julgador considere que petição inicial da ação cautelar contém todos os elementos da ação principal, não pode simplesmente recebê-la como tal, sob pena de flagrante violação do princípio da ação.

5. REQUISITOS E LEGITIMIDADE PARA REQUERER A APLICAÇÃO DO § 7. º, DO ARTIGO 273

O § 7. º, do artigo 273 subordina a concessão de uma medida pela outra à presença dos respectivos pressupostos. Desta forma, se à concessão da cautelar em ação de conhecimento se exigem os pressupostos daquela (periculum in mora e fumus boni iuris), à antecipação em cautelar exigem-se os pressupostos indicados nos artigos 273 e 461, conforme o caso.

Ademais, deverão ser analisados os requisitos para a aplicação do princípio da fungibilidade: deve haver dúvida objetiva acerca da natureza da medida ou extrema urgência.

Com relação à legitimidade para invocar o § 7. º, do artigo 273, é preciso ressaltar que a redação do mencionado parágrafo pode conduzir a uma errônea interpretação. Pelo texto legal, parece que apenas o autor é parte legítima para requerer a antecipação dos efeitos da tutela – ou provimento cautelar – o que é absurdo. Ressalte-se que o caput do artigo 273 menciona requerimento da parte, e não somente pelo autor (DIDIER JÚNIOR, 2002, p. 711).

Assim, a interpretação deve ser no sentido de que tanto o autor, como réu, terceiros intervenientes podem requerer a antecipação dos efeitos da tutela. Todos têm direito à tutela jurisdicional.

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O réu pode requerer a antecipação dos efeitos da tutela quando forz reconvinte e denunciante; quando formular pedido contraposto ou ação declaratória incidental; ou quando a ação for dúplice, hipótese em que a sua simples defesa já constitui exercício de sua pretensão. Ainda quando simplesmente contestar a demanda da declaratória negativa (improcedência do pedido do autor). Por exemplo: em demanda condenatória contestada, tendo remetido o autor, em razão da suposta dívida, informações para órgãos de proteção ao crédito. Poderá o réu, em tese, postular a antecipação dos efeitos da futura sentença de improcedência, a fim de que seu nome seja provisoriamente excluído do rol dos inadimplentes ou não seja divulgado esse dado (BEDAQUE, 1998, p. 235).

6. CONCLUSÃO

Conclui-se que o decurso do tempo possui um reflexo direto na qualidade e na eficácia da prestação jurisdicional. A efetividade do processo é um dos fundamentos constitucionais das tutelas de urgência, das quais são espécies as tutelas cautelar e antecipada.

Ao estabelecer a regra da fungibilidade entre a tutela cautelar e antecipada, o legislador procura mitigar as dificuldades dos operadores do direito, que, ainda pouco familiarizados com o instituto da antecipação, relutam em transpor a ele os preceitos explícitos que o Livro III do Código de Processo Civil contém, sem que se apercebam de que ali está uma verdadeira disciplina geral da tutela jurisdicional de urgência (DINAMARCO, 2003, p. 91).

O estabelecimento da regra da fungibilidade abriu novos horizontes de uma caminhada rumo a maiores esclarecimentos dos institutos das tutelas cautelares e antecipatórias e do gênero que integram. Neste sentido, vale descrever o ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco:

Quando bem compreendido, em face do sistema das medidas urgentes,

esse novo dispositivo tem um significado e uma dimensão que podem ir

muito além dos objetivos do próprio legislador, em proveito da maior

efetividade da tutela jurisdicional e de sua tempestividade. Ele pode

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valer muito mais pelos caminhos que é capaz de abrir, do que por aquilo

que resulta da mera leitura de suas palavras. A fungibilidade entre as

duas tutelas deve ser o canal posto à disposição da lei à disposição

do intérprete e do operador para a necessária caminhada ruma à

unificação da teoria das medidas urgentes ou seja, para a descoberta

de que muito há, na disciplina explícita das medidas cautelares, que

comporta plena aplicação às antecipações de tutela. (2003, p. 92).

A inclusão do § 7. º, do artigo 273, do CPC representou uma grande mudança no regime das tutelas de urgência. Inspirou-se nos anos de prática forense que se seguiram à reforma de 1994, que introduziu a tutela antecipada em nosso ordenamento jurídico e que certamente deverá contribuir para uma maior efetividade, necessária para que o processo alcance seu escopo social. Trata-se de mais uma importante vitória do moderno Processo Civil, o qual se presta a formular os instrumentos exigidos para a prestação de uma adequada tutela jurisdicional: célere, eficaz útil.

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INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS RELEVANTES E POLÊMICOS QUE LIMITAM O DIREITO A PROPRIEDADE – A USUCAPIÃO ESPECIAL DE IMÓVEL URBANO E A DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE PRIVADO.

Milton PARDOMestrando em Direito - PUC/São Paulo.

Docente do Curso de Direito da AEMS - Faculdades Integradas de Três Lagoas.

Docente do Curso de Direito do Instituto Toledo de Ensino de Araçatuba.

Advogado

RESUMO: O Estatuto da Cidade inaugura um novo ciclo nas cidades ao definir as diretrizes gerais e os principais instrumen-tos da política urbana, que orientam e explicita os procedimen-tos objetivos para a formulação, implantação e atualização dos Planos Diretores municipais. Foram atribuídos aos Municípios vários instrumentos jurídicos e políticos, sendo certo que al-guns deles afetam diretamente o direito a propriedade como o ‘usucapião especial de imóvel urbano’ do Estatuto da Cidade e o ‘desapropriação por interesse privado’ do novo Código Civil.

PALAVRAS-CHAVE: Estatuto da Cidade; direito urbanís-tico; função social da propriedade; instrumentos de política urbana; usucapião especial de imóvel urbano; desapropriação por interesse privado.

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1. INTRODUÇÃO

O Projeto de Lei 5.788/90 que há mais de uma década tramitava no Congresso Nacional foi finalmente aprovado e sancionado pelo Presidente da República, transformando-se na Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Esta Lei Federal Complementar é conhecida como o Estatuto da Cidade, cujo objetivo precípuo é disciplinar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal que tratam da política urbana.

A aludida Lei Federal Complementar - Estatuto da Cidade - inaugura um novo ciclo, nas cidades e na vida pública dos cidadãos brasileiros, naquilo que se refere à política urbana nacional.

Os primeiros passos na busca de uma política urbana nacional foram precisos e inteligentes, posto que atribuiu poderes aos órgãos ou entes do Poder Público Executivo.

Os avanços contidos nesta nova Lei Federal Complementar são inegáveis, definindo no país, por exemplo, as diretrizes gerais e os principais instrumentos da política urbana, que orientam e indicam como implementar as ações municipais no espaço urbano; explicitando, também, os procedimentos objetivos para a formulação, implantação e atualização dos Planos Diretores municipais.

Nesse contexto legislativo foram atribuídos aos Municípios vários instrumentos jurídicos e políticos, sendo certo que alguns deles afetam diretamente o direito a propriedade.

Este modesto trabalho pretende abordar os instrumentos que consideramos mais relevantes e polêmicos no Estatuto da Cidade que limitam o direito a propriedade, mas objetiva, mormente, fazer um paralelo sobre a ‘usucapião especial de imóvel urbano’ do Estatuto da Cidade e o ‘desapropriação por interesse privado’ do novo Código Civil.

2. CONCEITO DE DIREITO URBANÍSTICO

O Professor José Afonso da Silva afirma que:

o Direito Urbanístico forma-se de um conjunto de normas que ainda pertencem a várias instituições jurídicas, parecendo mais adequado

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considerá-lo, em seu estágio atual, como uma disciplina de síntese, ou ramo multidisciplinar do direito, que aos poucos vai configurando suas instituições (MUKAI, 2002, p. 22).

Pelo que vimos, José Afonso da Silva, considera que o Direito Urbanístico, em seu estágio atual, é uma disciplina de síntese ou ramo multidisciplinar que está ainda se configurando; não é uma disciplina independente. Certamente porque considera que o Direito Urbanístico está intimamente vinculado e dependente do Direito Administrativo.

Toshio Mukai vai mais longe e ao nosso ver vai ao ponto certo, posto que afirma que o “Direito Urbanístico é um desenvolvimento técnico-jurídico do Direito Administrativo, já que neste tem sua origem” (2002, p. 22).

Podemos definir o Direito Urbanístico como sendo um ramo do Direito Público que tem por objetivo expor, interpretar e sistematizar normas que organizem os espaços habitáveis, a fim de propiciar melhores condições de vida as pessoas que vivem em comunidades urbanas.

O direito urbanístico é de suma acuidade no que diz respeito à ordenação do território municipal, com especial atenção à zona urbana. É através dele (Direito Urbanístico) que o Poder Público deve atuar nas relações urbanas e isso tendo em vista como era já, é o bastante.

3. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Não é nada contraditório juridicamente impor ao direito individual de propriedade

uma função social. Muito pelo contrário.

Desde sempre o proprietário tem o direito de usar, gozar e dispor da coisa (artigo

1228, do Novo Código Civil), mas hoje mais do que nunca, tem, outrossim, o dever

de não subutilizá-la – isto é, tem o dever de não deixar sua propriedade sem o

aproveitamento adequado.

O nosso ordenamento jurídico impõe ao proprietário obrigações de fazer

consistentes na utilização da propriedade, seja ela rural ou urbana, em prol do interesse

da sociedade.

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Analisando os artigos 5º, XXII e XXIII, 182 e 186, da nossa Constituição Federal de 1988, podemos concluir que o legislador constituinte quis colocar a propriedade como elemento fundamental na nossa ordem jurídica, bem como quis também que ela servisse ao desenvolvimento da justiça social baseado na distribuição de riquezas. Posto que não é justo que a propriedade perdure nas mãos de poucos que não dão a ela o seu aproveitamento adequado.

Deve haver uma coexistência entre o princípio do direito a propriedade e o princípio da função social da propriedade. Embora, este (princípio da função social da propriedade) não autoriza suprimir a propriedade privada.

O princípio da função social da propriedade consiste em que esta deve cumprir um destino economicamente útil e produtivo, de maneira a satisfazer as necessidades sociais – ou seja, não poderá a propriedade ser utilizada de modo a contrariar os interesses da sociedade.

Pode também apresentar um conteúdo vinculado aos objetivos de justiça social, comprometidos com o projeto de um sociedade mais igualitária e menos desequilibrada, no qual o uso da propriedade seja orientado no sentido de ampliar oportunidades a todos os cidadãos independentemente da utilização produtiva que porventura já esteja tendo.

Apesar de trazer expressamente que o uso da propriedade urbana deve ser em prol do bem coletivo, da segurança, do bem-estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental, o Estatuto da Cidade não tem competência para delimitar tal utilização. Ele apenas repete o princípio constitucional e o complementa. A competência dos Municípios decorre da Constituição Federal, conforme artigos antes explicitados, e não do Estatuto da Cidade – posto que este somente delineia a configuração de alguns instrumentos de política urbana.

Vale transcrever abaixo na íntegra as conclusões do Professor Carlos Ari Sundfeld (p.21):

1. O princípio da função social da propriedade tem conteúdo maleável,

podendo adaptar-se às exigências da sociedade e às características

das múltiplas ‘propriedades’ conhecidas em nosso Direito.

2. Ao acolher o princípio da função social da propriedade, o

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Constituinte pretendeu imprimir-lhe uma certa significação pública,

trazendo ao Direito Privado algo até então tido por exclusivo do Direito

Público: o condicionamento do poder a uma finalidade.

3. O princípio da função social da propriedade não é o fundamento das

limitações administrativas, e, sim, um novo instrumento, que autoriza a

imposição de obrigação de fazer ao proprietário, consiste na própria

utilização do bem.

4. O princípio da função social não autoriza a supressão da propriedade

privada, cujo conteúdo mínimo continua garantido como direito

individual e se expressa nas faculdades de detença exclusiva da coisa

e de utilização economicamente viável.

5. A utilização da propriedade na realização de interesses sociais

merece proteção do Direito, mesmo contra o proprietário.

6. A função social é um dos fundamentos de legitimação da

propriedade.

Podemos pronunciar então que a função social da propriedade ocorre com o equilíbrio entre os interesses público e privado, pois o uso que se faz de cada propriedade possibilitará a realização plena de urbanização e equilíbrio nas cidades.

Cabendo, assim, ao Poder Público na realização da função social da propriedade agir não somente como tutor das necessidades públicas, mas agir também como proprietário. Não basta só indicar, impor e fiscalizar a utilização adequada das propriedades é preciso também atender às exigências da lei no sentido dele (Poder Público) realizar plenamente a função social de suas propriedades.

4. INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS RELEVANTES E POLÊMICOS

O Estatuto da Cidade especifica vários instrumentos jurídicos e políticos que visam dar ao Poder Público melhores condições para organizar de forma conveniente os espaços habitáveis, bem como atribui função social a propriedade urbana.

Alguns desses instrumentos já são tradicionais e de larga utilização e outros são

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extremamente relevantes, polêmicos e novidades.Os instrumentos urbanísticos que serão abordados a seguir são aqueles que de

uma forma ou de outra afetam de modo inequívoco o direito a propriedade. Portanto, resta evidente o embate entre os princípios do direito a propriedade e da função social da propriedade.

Na nossa opinião os instrumentos urbanísticos mais relevantes e polêmicos a disposição do Poder Público no Estatuto da Cidade são a ‘concessão de direito real de uso’, a ‘concessão de uso especial para fins de moradia’ e a ‘usucapião especial de imóvel urbano’.

Entretanto, entendemos que há também um instrumento urbanístico relevante e polêmico que não está previsto no Estatuto da Cidade, mas sim no novo Código Civil brasileiro e que por nós será chamado de Desapropriação por interesse privado.

De tal sorte, como já dito alhures, será objeto desse módico trabalho fazer um paralelo entre a Usucapião especial de imóvel urbano (individual ou coletiva) – prevista no artigo 4º, V, ‘j’, do Estatuto da Cidade e a Desapropriação por interesse privado – prevista no artigo 1.228, § 4º e 5º, do novo Código Civil.

4.1. A USUCAPIÃO ESPECIAL DE IMÓVEL URBANO NO ESTATUTO DA CIDADE

O artigo 9º, do Estatuto da Cidade, traz praticamente a mesma usucapião do artigo 183 da Constitucional Federal de 1988. A diferença é que o texto constitucional diz respeito apenas à área urbana. A usucapião do Estatuto da Cidade abrange área ou edificação urbana – isto é, casa ou apartamento e pode ser definida como forma de aquisição de área ou edificação urbana com até 250 metros quadrados, por quem não é proprietário de outro imóvel urbano ou rural e exerce a posse durante 05 anos ininterruptos sem oposição, e a utiliza para sua moradia ou de sua família.

Trata-se de uma usucapião pro morare e não pro labore – posto que visa área ou edificação urbana para moradia própria ou de família. Não se confunde, portanto, com a pro labore ou usucapião constitucional rural que se destina àquele que nela trabalhar. E mais, não se confunde também, com as usucapiões de terreno urbano que têm tratamento específico no novo Código Civil.

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Mas a grande novidade do Estatuto da Cidade é a Usucapião especial coletiva de imóvel urbano prevista no artigo 10. Pode ser definida como uma forma de aquisição de área urbana com mais de 250 metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos ininterruptos e sem oposição, em que não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor. Dessa maneira, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

O instrumento tem inegável alcance e ampara inequívoca ocorrência social. São inúmeros os casos alcançados por ele. Ocorre que as pessoas de baixa renda

vão se ajuntando em imóveis acanhados e precários. Normalmente, ocupam-nos e moram quase como animais – em situações de extrema penúria. Moram de qualquer jeito; em colchões jogados ao chão, móveis adaptados ou quebrados, tetos furados e pisos precários ou até no chão puro. Isso tudo, sem falar nas péssimas ou inexistentes redes de energia e água e esgoto.

Vale consignar que podem propor a ação de Usucapião especial de imóvel urbano: 1) o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; 2) o possuidor, em estado de composse; 3) como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica e desde que inequivocamente autorizada pelos possuidores. Tudo disso de acordo com as disposições do artigo 12, do Estatuto da Cidade.

Inúmeras serão as dúvidas e dificuldades processuais ou executórias (registrárias) que surgirão na aplicação do instrumento abordado.

Entretanto, no nosso entendimento, o que realmente importa é que surge uma solução ao aflitivo problema da moradia nos conglomerados urbanos do Brasil. Com o sucesso desse instrumento - Usucapião especial coletiva de imóvel urbano - o ocupante ou o possuidor poderá adquirir um documento que finalmente lhe dê dignidade.

Frisa-se que todos os usucapientes precisam preencher as várias exigências legais dispostas nos supracitados artigos. No entanto, de tal maneira, entendemos que o nosso Poder Judiciário deve, por meio do seu poder discricionário, deixar alguns aspectos extremamente formalistas e burocráticos.

O Professor Edésio Fernandes, com toda a sua sapiência finaliza um tópico de um de seus textos em que trata da Usucapião especial de imóvel urbano da seguinte forma:

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A regulamentação legal do instituto tem sido aceita como um avanço

no tratamento da questão, sobretudo no sentido de permitir aos

juízes que olhem para a matéria com outros olhos que não os do

usucapião tradicional previsto no Código Civil. Contudo, somente as

experiências concretas poderão permitir uma devida avaliação acerca

das implicações práticas do novo instituto, bem como de seus limites,

lacunas e possibilidades (2001, p. 207).

4.2. A Desapropriação por interesse privado

Vem regulamentada no artigo 1.228, § 4º e 5º, do Novo Código Civil – cujo teor segue abaixo transcrito:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da

coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente

a possua ou detenha.

[...]

§ 4º O proprietário também poderá ser privado da coisa se o imóvel

reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de

boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e

estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras

e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico

relevante.

§ 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização

devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título

para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

Como certamente já foi notado, fizemos questão de nomear neste trabalho o instrumento previsto nos parágrafos 4º e 5º do artigo supratranscrito de Desapropriação de interesse privado. Primeiramente porque ele vem regulamentado no bojo do artigo 1.228 - que trata e define o que é propriedade, bem como trata da função social da propriedade, dos atos defesos aos proprietários e da desapropriação por interesse

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social. A seqüência lógica seria, então, tratar da Desapropriação por interesse privado ou pelo menos de uma nova espécie de Desapropriação.

Em segundo lugar, porque nos parece mais adequado definir como Desapropriação por interesse privado em razão do termo em si – que diferencia inequivocamente da outra Desapropriação, disposta no § anterior do artigo 1228 (Desapropriação por interesse social), e não propriamente pelo seu escopo jurídico - interesse privado.

Frisamos, no entanto, que a Desapropriação por interesse privado não se confunde com nenhuma espécie de Usucapião, apesar de algumas similitudes. Ressalta-se que confundi-las é completamente inapropriado simplesmente e principalmente pelo fato de que, obviamente, na Desapropriação sempre haverá justa indenização e em qualquer Usucapião não – posto que esta última opera-se a aquisição originária de propriedade. Mas sem dúvida há mais similitudes entre ambos os instrumentos do que diferenças.

A Desapropriação por interesse privado beneficia um número considerável de pessoas que exerce posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de 05 anos, numa área extensa e que nesta área tiverem realizado obras e serviços considerados pelo Juiz de interesse social e econômico relevante.

Já a Usucapião especial coletiva de imóvel urbano beneficia população de baixa renda que exerce posse ininterrupta e sem oposição, em áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Os termos destacados são inegavelmente as similitudes mais evidentes. Não obstante, a similitude mais expressiva ao nosso ver é o fato de que ambos institutos ou instrumentos são destinados a política urbana nacional.

Apesar do termo “considerável número de pessoas” ser um tanto subjetivo temos que concluir que o interesse da Desapropriação por interesse privado é beneficiar um grupo de pessoas que realiza obras e serviços de interesse social e econômico relevante – como, por exemplo, na nossa opinião, quando um grupo de pessoas ou considerável número de pessoas constrói ou mantém creches, escolas, padarias, mercearias, feiras, igrejas,... etc, junto a sua comunidade.

O interesse antes de tudo é de um determinado grupo – de quantas pessoas não

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se sabe, posto que isso ficará a critério do Juiz. Ficará também a critério do Juiz decidir qual será o critério de área extensa, bem como o que serão obras e serviços de interesse social e econômico relevante e, especialmente, qual critério para se apurar qual o valor a ser pago ao proprietário desapropriado.

Entendemos ser incontroverso, portanto, que o interesse, num primeiro momento, é efetivamente privado – posto que vai beneficiar um grupo de pessoas ou considerável número de pessoas – de 50, 100, 200,...? Não se sabe ao certo. Contudo, outrossim, é lógico que por trás desse interesse privado há o interesse social de dar moradia para pessoas quem não têm.

Salientamos que isso ocorre também com a Usucapião especial coletiva de imóvel urbano – bastando lembrar que ela visa beneficiar “[...] população de baixa renda [...], [...] são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, [...]” (artigo 10, caput, do Estatuto da Cidade).

Tudo isso nos leva a dizer que se trata de mais um instrumento de política urbana a disposição do Poder Público – que por acaso ou não, não foi previsto no Estatuto da Cidade.

Na nossa opinião pouco importa onde tal instrumento esteja previsto. Sendo assim é irrefragável que ele destina-se a política urbana nacional e é mais um instrumento complexo – mas, concomitante, é de alta relevância e pode ser bem aplicado, razão pela qual não merece ficar longínquo da atenção do Poder Público e dos doutrinadores.

A jurista Maria Helena Diniz entende que, a por nós denominada Desapropriação por interesse privado, trata-se de uma Posse pro labore, isto é – posse-trabalho. Veja-se o seu entendimento:

Com base na função social da propriedade, dá-se proteção especial à

posse-trabalho, isto é, à posse por mais de 5 anos de uma extensa área,

traduzida em trabalho criador de um número considerável de pessoas,

concretizado em construção de moradia ou em investimentos de caráter

produtivo ou cultural, por isso o proprietário vencedor da demanda não

receberá de volta o bem de raiz, mas sim o seu justo preço, sem nele

computar o valor das benfeitorias, por terem sido produto de trabalho

alheio, considerado pelo juiz de interesse socioeconômico relevante. E

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a sentença judicial valerá como título para o registro da propriedade

imobiliária em nome dos possuidores (2003, p. 736-737).

Com todo o respeito não concordamos com o entendimento de Maria Helena Diniz, pelo fato de que o instituto ou instrumento in casu visa primordialmente dar de forma efetiva moradia (propriedade) para um considerável número de pessoas que efetivamente não têm e não dar moradia para um considerável número de pessoas que não têm e que nela necessariamente trabalham.

Na nossa humilde opinião se adotarmos o entendimento da jurista referendada, o instituto ou instrumento em questão de nítido teor urbanista ficaria restrito apenas a aquelas pessoas que ali trabalham – o que convenhamos não é o caso de nossos inumeráveis conglomerados urbanos (favelas, grandes bairros,...) – já que nestes muitas pessoas apenas moram em seus barracos, casas, cortiços,... e trabalham se é que trabalham no centro das cidades.

E mais, quanto a denominada Desapropriação por interesse privado, temos que salientar que é sim mais um instrumento jurídico político de natureza urbana muito útil – a despeito das inúmeras dúvidas que persistem sobre sua efetiva aplicação, como por exemplo, de quem será o dever de indenizar? Ou ainda, como se alegará tal instituto ou instrumento – isto é, dependerá de iniciativa do Poder Público ou do Particular?

Na nossa opinião, apesar do interesse privado ser incontestável num primeiro momento – o fato do interesse social estar por trás do interesse privado e, ainda, por ser um instituto ou instrumento de política urbana, caberá ao Poder Público o dever de indenizar.

Quanto a sua alegação ou iniciativa, entendemos que pode ser tanto do particular ou particulares (coletivo - considerável número de pessoas) como do Poder Público. No entanto, também é certo que o considerável número de pessoas – representado por uma Associação, poderá alegar ou solicitar o reconhecimento ao Poder Judiciário da Desapropriação de interesse privado numa demanda possessória qualquer onde eles (particulares, ou considerável número de pessoas, ou associação) estiverem na qualidade de réus.

Ao final deve ficar assinalado que a Desapropriação por interesse privado é mais

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um instituto ou instrumento de política urbana que requer ainda muito cuidado, estudo e, especificamente, muita reflexão – razão pela qual as palavras antes alinhavadas representam uma mera analise inicial e perfunctória.

5. CONCLUSÃO

Temos certeza de que o Estatuto da Cidade inaugura um novo ciclo no nosso sistema jurídico, nas cidades e na vida pública dos cidadãos brasileiros, sobretudo naquilo que se refere à política urbana nacional. É a grande tentativa de se quebrar o fenômeno estrutural da ilegalidade urbana que deixou há muito de ser uma exceção e virou regra.

Podemos também ter certeza que todos os instrumentos contemplados pelo Estatuto da Cidade são de extrema importância e relevância jurídica para o sucesso da política urbana brasileira, especialmente aqueles que brevemente abordamos neste trabalho.

As modalidades de concessões como vimos, de direito real de uso e de uso especial para fins de moradia, apesar de ainda não terem sido praticadas a contento, devem com certeza ser muito útil num futuro breve para o Poder Público e, outrossim, obviamente, para sociedade.

Por outro lado, não menos complexos e polêmicos, temos os dois instrumentos que também tratamos neste trabalho, a Usucapião de imóvel urbano, tanto a individual como a coletiva, e a Desapropriação por interesse privado.

Alguns poucos doutrinadores consideram o Estatuto da Cidade inócuo devido ao fato de que o mesmo não resolve verdadeiramente os problemas habitacionais das populações de baixa renda, sendo ele apenas um instrumento de apreensões – no sentido de beneficiar o Poder Público, ou ainda, de dar ao Poder Público condições jurídicas e políticas para retirar pessoas de baixa renda de determinados lugares considerados de utilidade social. E mais, consideram ainda que tal diploma legal – Estatuto da Cidade está impregnado de contradições legislativas – o que certamente nos trará enormes dificuldades na sua aplicabilidade – especialmente quanto aos aspectos registrários e tributários.

Todavia preferimos acompanhar a tese dos doutrinadores que entendem que o Estatuto da Cidade trata-se de um grande diploma legal, repleto de novidades e de

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instrumentos jurídicos relevantes – mas que seu sucesso e êxito dependerá sem dúvida alguma de enorme esforço de todos, dos intérpretes e aplicadores do direito, das pessoas de baixa renda, e especialmente, dos Poderes Executivo e Judiciário.

Dependerá de esforço comum para que a regularização fundiária, escopo maior a ser atingido pelo Estatuto da Cidade, não se restrinja à mera outorga de títulos de propriedades ou às consolidações / regularizações de posses, notadamente nos casos de imóveis públicos.

Enfim, toda e qualquer interpretação que ser der ao Estatuto da Cidade deve atender fixamente a nossa Constituição Federal de 1988, bem como todos os seus princípios fundamentais – sobretudo o princípio da dignidade da pessoa humana.

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O EMPRESÁRIO E O NOVO CÓDIGO CIVIL

Ricardo Alexandre Rodrigues GARCIAAdvogado

Mestre em Direito Empresarial Pós-Graduando em Didática e Metodologia do Ensino Superior

Professor de Direito Comercial

RESUMO: O presente artigo científico tem o singelo objetivo de levar um breve conhecimento a respeito do vigente Código Civil mirando seu foco em direção das figuras do empresário e da sociedade empresarial em relação a suas atividades.

PALAVRAS-CHAVES: empresário – sociedade empresária - empresa

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1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A atividade dos empresários pelo nobre doutrinador Fábio Ulhoa Coelho1 pode ser enumerada como sendo: articular os fatores de produção ou circulação de bens ou serviços (capital, mão-de-obra, insumo e tecnologia), tudo isto estimulados pela possibilidade de ganhar dinheiro, deixando claro então que não existe nenhum empresário que não tenha como escopo lucrar com seu empreendimento.

Desta maneira, o Direito Comercial cuida do exercício dessa atividade econômica organizada de fornecimento de bens ou serviços – empresa, que estuda os meios socialmente estruturados de superação dos conflitos de interesses envolvendo empresários ou relacionados às empresas que exploram.

Assim o Direito Comercial tem como objeto estudar as leis e a forma pela qual são interpretadas pela jurisprudência e doutrina, os valores prestigiados pela sociedade, bem assim o funcionamento dos aparatos estatal e paraestatal, na superação desses conflitos de interesses.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

O Código Comercial de 1850 teve em 2002 sua primeira parte revogada com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, conforme salienta o artigo 2.045 do mesmo dispositivo legal2 .

A lei de 1850 em sua parte revogada tinha forte influência da teoria dos atos de comércio e não considerava como comerciantes quem praticava atos como: prestação de serviços, negociação de imóveis e atividades rurais.

Mas, com a entrada em vigor do atual Código Civil, a figura do comerciante deixou de existir, surgindo então o elemento empresa e em conseqüência o empresário, termo este que é encontrado artigo 966 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 e definido da seguinte forma: “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.1. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 16ª ed. São Paulo: Saraiva,2005.2. Art. 2.045 – CC/2002. Revogam-se a Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº 556 de 25 de junho de 1850.

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3. O EMPRESÁRIO E A ATIVIDADE EMPRESARIAL

Na hermenêutica do que diz o artigo 966 do Código Civil, a definição de empresário tem como noções: a) profissionalismo; b) atividade econômica organizada; c) produção ou circulação de bens ou serviços.

Desta forma de raciocinar temos que o profissionalismo desdobra-se em outros três aspectos, ou seja: a) habitualidade; b) pessoalidade; c) monopólio de informações.

Assim, temos que o elemento habitualidade estará ligado diretamente ao termo empresário, pois este nunca irá realizar suas tarefas de modo esporádico, e sempre de maneira continua e constante.

Seguindo o raciocínio, o elemento pessoalidade vem identificar que todos os atos praticados pelo empresário ou até mesmo por seus empregados na produção ou circulação de bens ou serviços são feitos em nome do empregador, mostrando evidente então, que este irá ser responsável por todos atos praticados sob seu comando.

Quando tratamos sobre o monopólio das informações, sob a melhor interpretação temos que seu sentido diz respeito às condições de uso, qualidade, insumos empregados, defeitos de fabricação, riscos potenciais à saúde ou vida dos consumidores, que o empresário tem obrigação de saber e informar aos consumidores e usuários. Deste modo, temos que o empresário tem o dever de ter o mais completo conhecimento técnico sobre a atividade que exerce, seja na produção ou circulação de bens ou de serviços.

Assim, ao definirmos empresário como sendo aquele que exerce uma atividade econômica organizada, temos que estes elementos podem ser classificados da seguinte forma: a) atividades: empresário é o exercente profissional de uma atividade econômica organizada, então empresa é uma atividade – “a de produção ou circulação de bens ou serviços”; b) econômica: busca gerar lucro para quem a explora. Esclarece ainda, que o lucro pode ser o objetivo da produção ou circulação de bens ou serviços, ou apenas o instrumento para alcançar outras finalidades (p. ex.: religiosa – onde o lucro é meio e não fim); c) organizada: encontram-se articulados quatro fatores de produção: 1) capital; 2) mão-de-obra; 3) insumos; 4) tecnologia.

Ainda esmiuçando a definição de empresário, temos que tratar sobre os elementos produção de bens e produção de serviços, onde podemos distingui-los da seguinte

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maneira: a) produção de bens (atividade industrial – sempre será considerada empresarial) é a fabricação de produtos ou mercadorias (p. ex.: montadora de veículos, fábrica de eletrodomésticos, confecções de roupas, etc); b) produção de serviços que é a atividade dos empresários que praticam a prestação de serviços (p. ex.: banco, seguradora, hospital, escola, estacionamento, provedor de acesso à internet, etc.).

Dando continuidade, temos ainda os elementos Circulação de bens ou serviços: a) circular bens é ir buscar o bem no produtor para trazê-lo ao consumidor (são empresários os donos de supermercados, lojas de roupas, etc); b) circular serviços é intermediar a prestação de serviços (agência de turismo geralmente não presta os serviços de transporte aéreo e hospedagem ao montar um pacote de viagem, pois apenas faz a ponte entre seus clientes e as empresas de transporte aéreo e hotéis).

4. ATIVIDADE ECONÔMICA CIVIL

Como já mencionado todo empresário deve ter como objetivo o lucro, no entanto isto não quer dizer que as pessoas que não exerçam atividade empresarial nunca poderão lucrar em suas atividades, assim sendo, temos aqueles que exercem atividades econômicas civis.

Temos assim, quatro hipóteses de pessoas que desenvolvem a mais variadas modalidades de atividades, no entanto não serão considerados empresários, tais como: a) profissionais não organizados como empresa; b) profissionais intelectuais; c) empreendedores rurais não registrados na Junta Comercial; d) Cooperativas.

Existem profissionais não organizados como empresa os quais prestam serviços ou produzem bens diretamente, mas não organizam uma empresa, mesmo que o faça com intuito lucrativo e habitualidade, ele não é empresário e seu regime será o civil.

Segundo o Parágrafo Único do Artigo 966 do Código Civil, Profissional intelectual não é empresário, e dentre estes elementos estão destacados os seguintes sujeitos: o exercente de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, mesmo que contrate empregados para auxiliá-lo em seu trabalho; exploram, assim, atividades econômicas civis, não sujeitas ao Direito Empresarial (advogado, médico, etc.; e os escritores e artistas de qualquer expressão – plásticos, músicos, atores, etc).

Em relação àqueles que desenvolvem atividade no campo a vigente lei civil, mais precisamente em seu artigo 971 traz uma inovação e opção para o produtor rural, pois

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se este desejar poderá fazer o registro de sua atividade na Junta Comercial tornando-se assim um empresário, seja do ramo da agroindústria ou agronegócio.

Por fim, em relação a atividade econômica civil, temos as Cooperativas, as quais têm quase sempre as mesmas características das atividades dos empresários (profissionalismo, atividade econômica organizada e produção ou circulação de bens ou serviços), mas por expressa disposição legal, não se submetem ao regime jurídico-empresarial (não estão sujeitas à falência, plano de recuperação judicial ou extrajudicial – Lei nº 5.764/71 e nos arts. 1.093 a 1.096 do CC/2002).

5 – SOCIEDADE EMPRESARIAL

Importante ainda destacar que a figura do empresário ainda pode desenvolver suas atividades de forma individual ou em grupo, ou seja, se o empresário assim desejar poderá se unir com uma ou várias outras pessoas e criar uma sociedade empresária1.

Desta maneira, com a união de esforços e cabedais duas ou mais pessoas podem criar uma sociedade empresária, a qual é uma pessoa jurídica com personalidade autônoma, sujeito de direito independente, daquelas que a deu origem.

Assim sendo, sociedade é o desejo de compartilhar uma atividade em comum, porém, resta saber que o modo não necessariamente será empresarial, podendo ser assim uma sociedade simples a qual deverá ser regida pelas normas cíveis e não empresariais.

Concluímos então, que é considerada sociedade empresária aquela que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro na Junta Comercial4 , e simples todas as outras assim como prescreve o Parágrafo Único do Artigo 982 do Código Civil: “Parágrafo Único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa”.

3. Art. 981 – CC/2002. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados. 4. Art. 967 – CC/0220. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas

Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.

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6. BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Amador Paes. Manual das sociedades comerciais. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 16. ed. São Paulo, 2005.

________ . Curso de direito comercial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

DORIA, Dylson. Curso de direito comercial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, 1. v.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

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O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL

Luiz Renato Telles OTAVIANO Advogado

Mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto Toledo de Ensino de Araçatuba/SP.

Docente do Curso de Direito da AEMS - Faculdades Integradas de Três Lagoas/MS.

RESUMO: O presente artigo trata da questão da validade e eficácia do Tribunal do Júri no Brasil, mormente, no que se refere ao respeito aos princípios constitucionais relativos ao instituto e à necessidade de se atentar para a eficácia desses princípios, quais sejam, a plenitude de defesa, o sigilo das vo-tações, a soberania dos veredictos, e a competência para julga-mento dos crimes dolosos contra a vida, questão que se mostra de maior relevância frente às reformas propostas e o debate sobre a validade ou não do instituto.

PALAVRAS-CHAVE: Júri; origem; reforma; princípios; eficácia

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1. INTRODUÇÃO

O Tribunal do Júri desperta inúmeros defensores e opositores, que apresentam opiniões recheadas de argumentos amparados ora pela razão ora pela paixão, tal situação decorre, logicamente, da própria estrutura do instituto, que coloca nas mãos de pessoas comuns, do ponto de vista do conhecimento jurídico, o poder de decisão sobre ações criminosas.

A dificuldade que se apresenta é diferenciar quais são os argumentos amparados tão somente pela paixão, daqueles que se sustentam na razão, e, ainda, não se pode duvidar da existência de argumentos que sejam dotados em boa medida de ambos.

Aqui, procurar-se-á apresentar algumas particularidades da evolução do Tribunal do Júri no Brasil e as reformas que se pretendem introduzir, tidas por alguns como inócuas e por outros como a salvação do instituto, enfatizando, entretanto, a necessidade de se questionar, acima de tudo, a eficácia dos princípios constitucionais do Júri, quais sejam, a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos, e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Muito se discute sobre a necessidade do Júri no nosso sistema jurídico, e até, sobre eventuais mudanças em sua estrutura, entretanto, pouco se questiona acerca da plena aplicação dos preceitos constitucionais a ele relacionados.

Imperioso mencionar que, sendo unanimidade ou não, o Júri está presente na nossa ordem jurídica, e o estudo deste instituto deve, obrigatoriamente, levar isso em conta, em que pese a robustez dos argumentos expedindos em desfavor do Júri, urge questionar se seus comandos básicos são respeitados.

Com efeito. Desde a sua longínqua criação do Júri para o julgamento dos crimes de imprensa, em 1822, até a promulgação da Constituição vigente, o instituto passou por diversas fases que retratam com fidelidade a própria história política do país, eis que ganhou força sempre sob o apelo de ser a instituição mais democrática do ordenamento jurídico, e perdeu tal força nos momentos de repressão à democracia, como na Constituição de 1937 e na Emenda Constitucional número I de 1967.

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2. ORIGEM DO JÚRI

Muita divergência há quando se pretende estabelecer, com precisão, a origem do Tribunal do Júri. Em verdade, pode-se afirmar que o Júri é uma instituição de origem incerta, mas sem dúvida muito antiga e debatida, cujo formato vem sendo moldado desde os povos primitivos: chineses, hindus e judeus ou hebreus.

Vários são os institutos apontados como antecedentes do Júri, são eles: a lei mosaica; os dikastas, a Heliéia; o Areópago grego; os centini comites, e existem ainda aqueles que afirmam ter surgido o instituto em solo britânico, de onde teria passado para os Estados Unidos, e somente após para os continentes europeu e americano de forma ampla, entre os defensores da idéia acima está Ruy Barbosa, conforme afirma Lauria Tucci (TUCCI, 1999, p. 12).

Há, ainda, aqueles como o constitucionalista Carlos Maximiliano, também citado por Lauria Tucci (TUCCI, 1999, p. 12), que entendem originar-se o Tribunal do Júri da inquisitio primitiva, que surgiu em substituição ao duelo judiciário, ordálias e conjurações. Em verdade não há concordância quanto à origem primitiva do Tribunal do Júri.

Lauria Tucci (TUCCI, 1999, p. 15), ao seu turno, afirma não ter dúvida de que o Júri originou-se em Roma, através das quaestiones perpetuae, que eram formadas por órgãos colegiados, constituídos de cidadãos e presididos por um Pretor, sendo certo que sua constituição, atribuições e competência, eram definidas por leges previamente editadas.

O processo penal romano desenvolveu-se em três fases, o processo comicial; o acusatório; e a cognitio extra ordinem.

A primeira quaestio foi instituída pela Lex Calpurnia, de 149 a.C., com o passar do tempo as quaestios passaram de temporárias a permanentes, o que seria a primeira espécie de jurisdição penal.

A quaestio era formada por um corpo de jurados, os iudices uirati, sob a presidência de um Pretor, o quaesitor, e tinha natureza pública, já que independia de qualquer manifestação de concordância das partes, para a tramitação do processo, bem como aceitação da decisão, pelas partes.

Com base nas características das quaestiones perpetuae é que sugere Tucci, ser ela

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o embrião do júri brasileiro, pois apesar do tempo decorrido, ainda hoje, o Tribunal do Júri se desenvolve de maneira muito parecida com o antigo procedimento romano, em suma podemos citar como argumentos expendidos, os seguintes: idêntica forma de recrutamento do “jurados”; formação mediante sorteio; possibilidade de recusa desmotivada de certo número de “jurados”; decisão tomada por maioria de votos; soberania do veredicto etc (TUCCI, 1999, p. 24).

Com o passar do tempo as características do processo acusatório romano influenciaram o julgamento popular de outros povos, entre eles os povos bárbaros, em especial os germânicos e os francos.

Já na Inglaterra a situação foi diferente, os normandos ao conquistarem as ilhas britânicas levaram consigo as influencias do julgamento praticado pelos romanos, porém acabaram por se amoldar aos costumes ingleses, originando um órgão julgador de caráter misto, que se desenvolveu de tal forma que se alastrou pela Europa e América.

O Júri recebeu seus liames definitivos na Inglaterra, perdendo a aparência teocrática e tornando-se um ato realizado em nome do povo. Foi tamanha a importância dada por este povo à instituição, que a mesma se espalhou pela Europa e América.

Em princípio, o Júri inglês era formado por pessoas que, ao mesmo tempo, testemunhavam e julgavam, formando um só Júri de acusação e julgamento. Com o transcorrer do tempo o júri britânico firmou-se com o número de doze jurados e com duas fases, a do júri de acusação e a do júri de julgamento, que era sigilosa, desenvolvida em sala reservada.

Interessante verificar que os elementos que fundamentaram o Júri inglês, quais sejam, a natureza popular do tribunal, a sua composição por sorteio, o juramento para o exercício do mandato e o julgamento do cidadão pelos seus pares concidadãos, de alguma forma, já haviam se manifestado nas civilizações antigas.

O júri inglês foi implantado nos Estados Unidos, ainda antes de se espalhar pela Europa, sendo que lá o processo generalizou-se abrangendo todas as causas. Para o povo americano, apesar das diferenças entre os procedimentos dos diversos Estados Federados, a instituição do Júri é a maior expressão da liberdade, com as características marcantes da publicidade e oralidade, mas conservando o sigilo no momento da decisão, que é tornada pública após o atingimento do resultado, necessariamente

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unânime.Com efeito. O Júri se consolidou na América do Norte no século XVII, antes

mesmo que ali se constituísse uma nação independente, tornando-se um padrão comum e abrangendo o julgamento geral de todas as causas. Ruy Barbosa acentua:

Antes de passar das Ilhas Britânicas ao continente, a velha inspiração

do gênio legista dos anglo-saxônicos estabelecera a sua segunda

pátria no solo americano. O Júri foi uma das instituições mais antigas

das colônias inglesas na América do Norte (Gourd: “Les Chartes

Coloniales et les Constitutions des États Unis, v. II, p. 176). Já o

consagrava formalmente a carta régia, outorgada ao primeiro grupo

de imigrantes que da Inglaterra veio civilizar aquelas paragens. (Grane

anda Moses: Polities, p. 92). A patente dada, em 1629, aos colonos

de Plymouth, os pais da América atual, assegurava-lhes entre “as

livres liberdades do livre povo inglês (“... the free liberties of de free-

born people of England...” Story: “Comment”. I, p. 33), santificadas

quase na mesma linguagem da Magna Carta quatro séculos antes, o

julgamento pelo Júri (LYRA, 1950, p.28).

No ano de 1789, a Revolução Francesa, baseada em idéias iluministas, refletiu também sobre a organização judiciária, tanto que pouco tempo depois, em trinta de abril de 1790, foi baixado Decreto consagrando o Júri Criminal como instituição judiciária.

Portanto, assim como a França havia assimilado o modelo das colônias inglesas para formulação da declaração dos direitos humanos, da mesma forma assimilou o Tribunal do Júri, concedendo-lhe, contudo, caráter especialmente político.

Os votos do eleitor e do jurado eram os símbolos da soberania exercidos pelo cidadão francês, sendo que o primeiro era um direito, enquanto que o segundo constituía-se em obrigação.

Eram características do julgamento popular na França, entre outras: apreciação de matéria criminal; publicidade dos debates; o cidadão deveria ser eleitor para alistar-se como jurado; quem não se inscrevesse na lista de jurados estaria impedido de

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concorrer a qualquer função pública, pelo prazo de dois anos; o processo penal passou a ser formado por três fases: a) instrução preparatória; b) Júri de acusação, formado por oito membros; e c) debates e Júri de julgamento, formado por doze membros; proclamação individual do voto, sem necessidade de justificativa.

Por fim, para condenação fazia-se necessária a votação da maioria, ou seja, nove votos de um total de doze jurados. Ao contrário do sistema inglês, onde a condenação dependia da totalidade dos votos.

3. NASCIMENTO DO JÚRI NO BRASIL E A CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO 3.1. Lei de 18 de junho de 1822 e a Constituição política do Império

O nascimento do Júri no Brasil, com a Lei de 18 de junho de 1822, ocorreu com a finalidade específica de atender aos casos de crimes de imprensa, sendo que o mesmo era formado por Juízes de Fato, num total de vinte e quatro cidadãos bons, honrados, patriotas e inteligentes, os quais deveriam ser nomeados pelo Corregedor e Ouvidores do crime, e a requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda, que atuava como o Promotor e o Fiscal dos delitos. Os réus podiam recusar dezesseis dos vinte e quatro nomeados, e só podiam apelar para a clemência real, pois só ao Príncipe cabia a alteração da sentença proferida pelo Júri.

José Frederico Marques, quanto a este momento histórico, acrescenta que:

Coube ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro, em vereação

extraordinária de 4 de fevereiro de 1822, dirigir-se a Sua Alteza,

o Príncipe Regente D. Pedro, solicitando a criação do Juízo dos

Jurados, para execução da Lei de Liberdade da Imprensa no Rio de

Janeiro, “aonde a criação do Juízo dos Jurados parece exeqüível sem

conveniente, atenta a muita população de que se compõe, e as muitas

luzes que já possui (MARQUES, 1963, p.15).

Mais tarde, na Constituição Política do Império, promulgada em 25 de março de 1824,

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ficou estatuído o seguinte:

Art. 151 – O Poder judicial é independente e será composto de juízes e

jurados, os quais terão lugar assim no cível como no crime, nos casos

e pelo modo que os Códigos determinarem.

Art. 152 – Os jurados pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a

lei (MARQUES, 1963, p.16).

3.2. O Júri no Código de Processo criminal do Império

O Código Criminal do Império deu à instituição do Júri uma abrangência exagerada, diretamente criticada por Cândido de Oliveira Filho, conforme citado por Frederico Marques:

(...) imitando as leis inglêsas, norte-americanas e francesas, deu ao

Júri atribuições amplíssimas, superiores ao grau de desenvolvimento

da nação, que se constituía, esquecendo-se, assim, o legislador de que

as instituições judiciárias, segundo observa MITTERMAIER, para que

tenham bom êxito, também exigem cultura, terreno e clima apropriados

(...)(MARQUES, 1963, p.16).

Segundo o estabelecido neste Código, em cada distrito havia um Juiz de Paz, um

Escrivão, Oficiais de Justiça e Inspetores de Quarteirão. Em cada termo encontrava-se um Juiz Municipal, um Promotor Público, um Escrivão das Execuções, Oficiais de Justiça e um Conselho de Jurados. No entanto, poderiam reunir-se dois ou mais termos para formação do Conselho, sendo que a cidade principal seria aquela que proporcionasse maior comodidade para a realização das reuniões.

A mudança foi significativa, pois, a partir daquele momento estavam extintas quase todas as formas de jurisdição ordinária, restando somente o Senado, o Supremo Tribunal de Justiça, as Relações, os Juízes Militares, que tinham competência unicamente para crimes militares, e os Juízos Eclesiásticos, para tratar de matéria espiritual. Havia, ainda, os Juízes de Paz, aos quais cabiam os julgamentos das

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contravenções às posturas municipais e os crimes a que não fosse imposta a pena de multa de até cem mil-réis, prisão, degredo, ou desterro até seis meses.

Todos os crimes restantes passavam à competência dos Conselhos de Jurados, sendo que o primeiro deles era o Júri de Acusação, com vinte e três jurados, e o segundo era o Júri de Sentença, formado por doze membros.

Estavam aptos a serem jurados todos os eleitores com probidade e bom senso, com exceção apenas dos senadores, deputados, conselheiros e ministros de Estado, bispos, magistrados, oficiais de justiça, juízes eclesiásticos, vigários, presidentes, secretários dos governos das províncias, comandantes das armas e dos corpos de primeira linha.

No entanto, a excessiva liberalidade conferida pelo Código de Processo Criminal não poderia durar por muito tempo, o que levou o próprio senador Alves Branco, autor do Código, a propor uma reforma parcial da legislação, em setembro de 1835, principalmente no que se referia ao Júri e aos juízes de paz. Finalmente, em trinta e um de janeiro de 1842, veio do Regulamento nº 120, trazendo sérias alterações no Júri, bem como na organização judiciária nacional.

Pelo Regulamento foram criados os cargos de Chefe de Polícia, ocupado por um desembargador ou um juiz de direito, e delegados e subdelegados distritais, que poderiam ser quaisquer juízes ou cidadãos. Essas autoridades receberam as funções outrora atribuídas aos juízes de paz, somando à função policial também a judiciária.

O Júri de acusação foi extinto, passando para a competência dos juízes municipais, ou das autoridades policiais, desde que com a confirmação daqueles, a formação da culpa e a sentença de pronúncia.

Foi mantida, pela Lei nº 261, de três de dezembro de 1841, a apelação de ofício, feita pelo juiz de direito perante a Relação, órgão correspondente aos nossos atuais Tribunais de Justiça. O recurso acontecia sempre que o juiz entendesse que a decisão fora contrária à evidência das provas, caso em que era ordenada a realização de novo Júri, onde não se repetiam os juizes e nem os jurados.

Essa mesma lei, em seu artigo 66, extinguiu a exigência de unanimidade de votos feita pelo Código de Processo Criminal para a aplicação da pena de morte, determinando que a decisão do Júri fosse tomada por duas terças partes dos votos,

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sendo as demais decisões sobre as questões propostas tomadas pela maioria absoluta, e no caso de empate, adotada a opinião mais favorável ao acusado.

Posteriormente, com a reforma processual de 1871, foram novamente extintos os cargos de chefe de polícia, delegado e subdelegado para a formação de culpa e pronúncia nos crimes comuns. Permaneceu apenas o chefe de polícia, nos casos de crime extremamente grave, ou quando no crime estivesse envolvida alguma pessoa que pudesse prejudicar a ação da Justiça com sua influência. As pronúncias passaram, então, para a competência dos Juízes de Direito, nas comarcas especiais, e dos Juízes Municipais, nas comarcas gerais.

Em 1872, com o Decreto nº 4992, de 3 de janeiro, cada sessão do Júri passou a ser presidida pelo desembargador da Relação do distrito, designado pelo presidente segundo a ordem de antiguidade.

O Júri foi mantido com a Proclamação da República, em quinze de novembro de 1890, advindo a promulgação do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, o qual criou a Justiça Federal, bem como o Júri Federal, composto de doze jurados, sorteados entre trinta e seis cidadãos do corpo de jurados estadual da comarca.

3.3. O Júri na Constituição de 1891.

Em meio a acirradas discussões, quando da promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, em 24 de fevereiro de 1891, foi aprovada a emenda que dava ao artigo 72, parágrafo 31, o texto “é mantida a instituição do Júri”. Destarte, foi mantido com sua soberania.

Diante da simplicidade do texto Constitucional não tardou a chegada da controvérsia a respeito de qual deveria ser a forma atribuída ao Júri a partir de então, tal controvérsia permaneceu até que em 7 de outubro de 1899, o Supremo Tribunal dispôs, em acórdão, o seguinte:

São características do Tribunal do Júri: I, quanto à composição

dos jurados, composta de cidadãos qualificados periodicamente por

autoridades designadas pela lei, tirados de todas as classes sociais,

tendo as qualidades legais previamente estabelecidas para as funções

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de juiz de fato, com recurso de admissão e inadmissão na respectiva

lista, e b) o conselho de julgamento, composto de certo numero de

juizes, escolhidos à sorte, de entre o corpo dos jurados, em número

tríplice ou quádruplo, com antecedência sorteados para servirem

em certa sessão, previamente marcada por quem a tiver de presidir,

e depurados pela aceitação ou recusação das partes, limitadas as

recusações a um numero tal que por elas não seja esgotada a urna dos

jurados convocados para a sessão; II, quanto ao funcionamento, a)

incomunicabilidade dos jurados com pessoas estranhas ao Conselho,

para evitar sugestões alheias, b) alegações e provas da acusação e

defesa produzidas publicamente perante ele, c) atribuição de julgarem

êstes jurados segundo sua consciência, e d) irresponsabilidade do voto

emitido contra ou a favor do réu (MARQUES, 1963, p.22).

Depois, uma vez fixados os parâmetros do Júri na vigência da Constituição de 1891, de relevante, apenas a declaração de inconstitucionalidade, pela Suprema Corte, da Lei paulista número 4784 que atribuía ao juiz togado competência para decidir sobre as atenuantes, confirmando que a soberania do Júri havia sido mantida.

3.4. O Júri na Constituição de 1934, Carta de 1937 e Decreto-lei 167, de 1938

Importante inovação adveio da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, com a retirada do antigo texto referente ao Júri das declarações de direitos e garantias individuais, passando para a parte destinada ao Poder Judiciário, no art. 72, dispondo: “É mantida a instituição do Júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei”.

Com a Constituição de 1937, que não se referia ao Júri, houve, inicialmente, o entendimento de que o instituto estava extinto. Contudo, em cinco de janeiro de 1938, foi promulgado o Decreto-lei número 167, regulando a instituição do Júri.

As alterações foram bastante significativas, uma vez que foi extinta a soberania dos veredictos de forma que, havendo “injustiça na decisão, por sua completa

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divergência, com as provas existentes nos autos ou produzidas em plenário” (art. 92, letra b), era aceita a apelação de mérito. Dispondo, ainda, que caso fosse dado provimento à apelação, o próprio Tribunal era quem deveria aplicar a pena justa ou absolver o réu, apreciando livremente as provas produzidas, em qualquer tempo do processo (art. 96).

Apesar das inúmeras críticas sofridas pelo novo regulamento, não faltaram aqueles que elogiassem aquilo que entendiam um grande avanço na legislação processual penal brasileira, principalmente Frederico Marques, que em 1948, disse:

Entendemos que o sistema inaugurado pelo decreto-lei 167, provou

magnificamente nos nove anos em que vigorou. A criminalidade

diminuiu; os espetáculos deprimentes a que se assistia em certos lugares

do interior iam aos poucos desaparecendo; e por fim à impunidade

tiraram-se os fôros de cidade que sempre encontrara nos julgamentos

do júri (MARQUES, 1948, p. 36).

3.5. O Júri na Constituição de 1946

Com a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, sobreveio a restauração da soberania do Júri, inspirada, segundo os proclamaram os próprios Constituintes da época, pela democracia exibida na participação do povo no processo criminal1. Surgiu, então, o artigo 141, parágrafo 28, onde o termo soberania não deveria ser confundido com abuso de decidir contra a própria evidência dos autos, condenando-se ou absolvendo-se arbitrariamente.

Ao legislador ordinário restou a incumbência de regulamentar e estruturar juridicamente a instituição, devendo obedecer, contudo, a algumas limitações.

Quanto ao funcionamento, vedou-se o cerceamento de defesa ou o estabelecimento de julgamentos descobertos.

No que se refere à organização, o conselho deveria ser formado por número ímpar de jurados, no mínimo três, contrariando o número par tradicionalmente utilizado, em especial a formação com doze membros.

Finalmente, as últimas limitações impostas foram quanto à competência

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mínima, sendo definido que, ratione materiae, os crimes dolosos contra a vida eram exclusivamente julgados pelo Júri, e que não caberia a quaisquer outros órgãos judiciários reformar os julgamentos.

Portanto, sendo respeitadas as características aludidas, outras matérias poderiam ser inseridas no âmbito de competências do Júri.

Entretanto, como o artigo 101, inciso II, letra “c”, da Constituição de 1946, dava ao Supremo Tribunal competência para julgar em recurso ordinário os crimes políticos, não poderia haver decisão soberana dos órgãos inferiores em relação a estes crimes, o que impedia a inclusão de tais crimes no rol daqueles destinados ao julgamento pelo Júri.

A Lei nº 263, de vinte e três de fevereiro de 1948, deu nova redação a vários artigos do Decreto-lei nº 3689, de 3 de outubro de 1941, ou seja, ao Código de Processo Penal que vige até os dias atuais.

Foi definida, pelos artigos 2º e 3º, a competência do Júri Popular, tanto em razão da matéria, como em razão da conexão ou continência, respectivamente, dando redação final aos artigos 74 e 78 da Carta Processual Penal.

Também trouxe inovação o artigo 5º, o qual descrevia o procedimento de quesitação aos jurados sobre as circunstâncias agravantes e atenuantes, modificando o artigo 484 do Código de Processo Penal. Com a inclusão, através do artigo 7º, da previsão de nulidade por deficiência dos quesitos ou das respostas, e ainda, da ocorrência de contradição entre elas.

De maior relevo, porém, a alteração trazida pelo artigo 8º da Lei, que deu nova redação ao artigo 593, III, letra “d”, do Código de Processo Penal, inserindo limites a apelação em face da decisão dos jurados, que visava controlar, o poder das jurisdições superiores, garantindo, assim, a eficácia do princípio da soberania das decisões do Júri.

3.6. O Júri na Constituição de 1967 e na Emenda Constitucional número I, de 17 de outubro de 1969

A Constituição do Brasil de 1967, manteve, no parágrafo 18 do seu artigo 150 a instituição do Júri, inserida no capítulo dos direitos e garantias individuais, dispondo

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o seguinte: “São mantidas a instituição e a soberania do Júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

Nesta oportunidade, pela leitura do Texto Constitucional, restava clara a limitação da competência para o julgamento dos crimes dolosos conta a vida1.

Da mesma forma, a Emenda Constitucional número I, de 1969, manteve o instituto do Júri, todavia, omitiu referência a soberania dos veredictos. O parágrafo 18 do artigo 153 previa o seguinte: “é mantida a instituição do Júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

Diante de tal fato, alegou-se que estava suprimida a soberania dos veredictos, inclusive com vários projetos de alteração do Código de Processo Penal, a fim de inserir no texto a possibilidade alteração do veredicto do Júri por Tribunal Superior, entretanto, prevaleceu, tanto na doutrina como na jurisprudência, a idéia de que não seria possível compreender a instituição do Júri sem a soberania de seus veredictos.

Como não houve qualquer regulamentação posterior do Tribunal do Júri, o mesmo continuou com a mesma organização definida pelo Código de Processo Penal, inclusive, com o entendimento de que suas decisões são soberanas.

Posteriormente a Lei nº 5941, de 22 de novembro de 1973, alterou em alguns pontos o Código de Processo Penal, estabelecendo a possibilidade do réu pronunciado, se primário e de bons antecedentes, continuar em liberdade, segundo o parágrafo 2º do artigo 408, além da redução do tempo para os debates para duas horas, e trinta minutos para a réplica e a tréplica, respectivamente. Como se pode observar, modificações no procedimento que não afetaram a essência do instituto.

3.7. O Júri na Constituição de 1988

Ao elaborar a Constituição de 1988, o legislador constituinte buscou, até com certo exagero, trazer a tona tudo quanto comprovasse a existência do tão proclamado Estado Democrático de Direito.

1.“Essa redação demonstra que a competência do júri teria sido constitucionalmente limitada,

ou seja, a instituição é mantida para julgar crimes dolosos contra a vida e nenhum outro”,

verbis: NUCCI, 1999, p. 42.

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Como muito bem disse o Professor Guilherme de Sousa Nucci:

Finalmente, findo o período militar no Brasil, que durou de 1964 a 1985,

outra vez, nos moldes da Assembléia de 1946, sentiu-se o constituinte

de 1988 levado a restaurar tudo aquilo que fora suprimido ou alterado

pela Constituição de 1967, especialmente pela Emenda n. 1, de 1969

(NUCCI, 1999, p. 43).

Com esse espírito, resgatou-se, quase na integra, o que previa o texto Constitucional de 1946, estabelecendo no título dos direitos e garantias fundamentais e capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos: “É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida”.

Como se vê, ao contrário do que pretendiam os contrários à permanência do Júri no ordenamento jurídico, a Constituição de 1988, não só manteve o instituto, como resgatou a previsão de sua soberania e previu expressamente a plenitude de defesa, o sigilo das votações e a competência, mínima, para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, encartando tais princípios como fundamentais, tornando-os intangíveis pelo legislador ordinário.

Com isso, fica patente que o Júri é tido como necessário, ou ao menos, salutar à democracia.

4. PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO DO PROCEDIMENTO DO JÚRI No item anterior analisou-se de forma breve e resumida a evolução histórica

do Júri no Brasil, desde a sua criação em 1822, para o julgamento dos crimes de imprensa, até a promulgação da Constituição de 1988, onde o mesmo é obrigatório para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida e com as garantias da plenitude de defesa, o sigilo das votações, e soberania dos veredictos, adiante, passaremos à análise das propostas de alteração do procedimento, sempre apresentadas sob a alegação de que visam agilizar e modernizar o instituto.

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Até se chegar ao projeto apresentado em 2001, formulado por uma Comissão composta por alguns dos mais renomados estudiosos do direito penal e processual penal tais como, Ada Pellegrini Grinover, que presidiu a Comissão, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, entre outros, várias foram as propostas de mudança ao Código de Processo Penal que afetariam, se aprovadas, o procedimento do Júri, conforme veremos sucintamente a seguir.

Foram apresentadas de acordo com a organização apresentada pelo Professor Lauria Tucci na obra Tribunal do Júri Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, já citada.

4.1. O Anteprojeto de Código de Processo Penal de 1963 No ano de 1963 o Professor Hélio Tornaghi apresentou ao então Ministro da Justiça

João Mangabeira, o anteprojeto de Código de Processo Penal, no qual apresentava entre outros procedimentos, o destinado aos casos de crime doloso contra a vida, como citado no item 3.5, a Constituição de 1946 havia previsto a exigência do Júri para o julgamento dos crimes doloso contra a vida.

Tal projeto não trazia alterações de grande significado ao procedimento até então em vigor, de se destacar a menção técnica ao ato decisório da pronúncia como sentença e a conseqüência da prisão provisória do acusado, como consectário necessário desta, com uma única exceção nos casos de crime afiançável.

Além disso, esmiuçou a “integração e saneamento do” e audiência de instrução, cuidando de maneira muito atenta aos casos de desaforamento do julgamento.

4.2. O Anteprojeto de Código de Processo Penal de 1970 e de 1981 No ano de 1970 foi apresentado pelo Jurista José Frederico Marques um novo

anteprojeto, que diferentemente do anterior, tratou de forma mais profunda do Júri.Em suma pode-se destacar, a supressão do libelo, sob a alegação de que a acusação

baseia-se exclusivamente na pronúncia, com a adequação da denúncia à pronúncia; atribuiu ao Juiz Presidente a incumbência de sentenciar os crimes não abrangidos pela conexidade; a possibilidade de extinção da punibilidade mediante o pagamento

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de multa, nos casos de crimes apenados com detenção; dispensou a existência do Tribunal do Júri nas comarcas com população inferior a trinta mil habitantes; ampliou os caso de apelação e situações em que o pronunciado poderia aguardar o julgamento do recurso em liberdade.

De se notar que tal anteprojeto foi elaborado em concordância com a emenda Constitucional I de 1969, que omitiu de seu texto a soberania dos veredictos do Júri, daí a ampliação dos casos de apelação.

Esse mesmo anteprojeto após duas revisões por Comissão integrada, ente outros, pelo próprio autor, foi apresentado em 1975 ao Congresso Nacional, e retirado em agosto de 1978, para reexame.

O anteprojeto foi novamente encaminhado ao Congresso Nacional em 1981, sem alteração substancial, mormente, no que se refere ao procedimento do Júri.

4.3. O Projeto de Lei 1.655 de 1983 Também o anteprojeto apresentado em 1981 foi revisto, resultando desta revisão ao

Projeto de Lei 1655 de 1983, que pretendia simplificar o procedimento dos processos de competência do Tribunal do Júri.

Esse projeto de lei não trouxe novidades relevantes ao texto primitivo, de 1981, ressaltando, a manutenção da supressão do libelo, a extinção do protesto por novo júri, e a ampliação dos casos de apelação, merecedora de especial atenção, ante suas características próprias.

4.4. O Anteprojeto de 1994

Em 1992 o Ministro da Justiça Célio Borja, designou o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira para presidir comissões de juristas a fim de elaborar projetos de reformas pontuais para o Códigos de Processo Penal e Civil.

Em junho de 1993 foram publicados os anteprojetos, ente eles, um referente ao Júri, tal anteprojeto foi revisto e ampliado por uma segunda Comissão, também presidida pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Nas mudanças alvitradas de relevante, podemos mencionar, a pretensão expressa

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de modernização do instituto do Júri, através da simplificação e redução dos quesitos; dispensa da presença do acusado à seção de julgamento; supressão do libelo e do protesto por novo júri, saneamento prévio; legitimação para requerer-se o desaforamento; a escolha e convocação dos jurados; disciplina e organização da pauta; e maior liberdade do jurado na formação de sua convicção.

4.5. O Projeto de Lei 4.203 de 2001

Através da Portaria número 61, de 20 de janeiro de 2000, do Ministério da Justiça, foi constituída a Comissão Especial para Reforma do Código de Processo Penal Brasileiro, presidida pela jurista Ada Pellegrini Grinover, que encaminhou o Projeto de Lei 4203/2001, relativo ao Tribunal de Júri, entre outros, onde se propõem várias alterações, entre as quais analisaremos as mais expressivas.

Imperioso mencionar que ao apresentar a proposta ao Ministro da Justiça, a Comissão ressaltou o fato de estar o Júri encartado na Constituição Federal como órgão judiciário que se revela como de garantia fundamental para o direito de liberdade do cidadão, assumindo contornos de cidadania e proteção da democracia.

Ressaltou, ainda, a Comissão que se faz desnecessário, em que pese os argumentos colocados em oposição ao Júri, a defesa de sua existência no ordenamento jurídico, ante a sua manutenção e seu fortalecimento na Carta Constitucional de 1988, bem como, sua existência continuada durante a história do Brasil, sendo certo que a questão que se coloca é de se alterar aquilo que for necessário ao equilíbrio do Júri, bem como, ao perfeito respeito às garantias constitucionais atinentes do Júri.

Por fim, é de se dizer que a Comissão considera profundas as alterações propostas.

A primeira alteração que merece menção é a criação de um procedimento específico para os processos de competência do Júri, caracterizado por uma fase preliminar de defesa, em que após o oferecimento da denúncia o denunciado será citado para oferecer defesa, podendo argüir preliminares, arrolar testemunhas e juntar documentos, sendo a audiência concentrada em um só ato, com o juízo de admissibilidade ocorrendo somente após a instrução preliminar. Recebendo a denúncia poderá o juiz, pronunciar o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes

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de autoria ou participação, decretar sua impronúncia, ou absolvê-lo sumariamente, a prisão provisória, segundo o projeto, torna-se exceção.

Conforme se pretende desde os anteprojetos de 1970, 1975 e 1983, suprime-se o libelo, e da mesma forma, suprime-se o protesto por novo júri.

Ao preparar o processo para o julgamento o juiz deverá elaborar um relatório deliberando sobre a necessidade de diligências que visem sanar eventuais nulidades ou esclarecer fato que interesse ao julgamento, sendo remetida cópia deste relatório ao jurado, quando da sua convocação.

Disciplina-se os casos de desaforamento, que são ampliados e ganham a condição de regular o tempo de espera para o julgamento que, em regra, não poderá ser superior a seis meses, legitimando-se o assistente da acusação para requerer o desaforamento.

O tratamento do acusado em plenário ganha contorno humanitário com a proibição, em regra, do uso de algemas.

Por outro lado, dispensa-se a presença do acusado para a realização do julgamento, que poderá, inclusive, requerer a sua dispensa de comparecimento caso esteja preso, tudo em homenagem ao direito ao silêncio.

Propõe-se a simplificação e redução do questionário, com a formulação de apenas três quesitos, redigidos, obrigatoriamente, em proposições afirmativas, quanto à materialidade do fato, autoria ou participação, e se deve o acusado ser condenado ou absolvido, sendo este último, elaborado de acordo com o texto legal da seguinte forma, “os jurados absolvem ou condenam o acusado?”. Uma vez condenado o acusado, os jurados serão indagados sobre a existência de causa de diminuição alegada pela defesa, circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidos na pronúncia, cabendo ao juiz a verificação da existência de atenuantes ou agravantes, com exceção, do quesito alternativo a ser formulado em hipótese de desclassificação para crime de competência do juiz singular.

A ata do julgamento será elaborada com base em resumo a ser redigido durante o julgamento pelo escrivão e submetido ao juiz presidente e às partes para verificação e assinatura

Estas são, em suma, as alterações propostas com a expressa intenção de tornar o Júri mais simples, moderno, ágil e garantista, conforme requer o moderno processo penal.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não há como negar a força do Tribunal do Júri em nosso ordenamento, mesmo combatido, às vezes por abalizados juristas e argumentos consistentes, sempre se fez presente na nossa ordem jurídica, mesmo quando o texto Constitucional omitiu-se a respeito, ou seja, a Constituição de 1937, o legislador ordinário regulamentou o Júri, no caso, através do Decreto-lei 167 de 1938.

Desde a criação do Júri no Brasil em 1822, muito se discutiu, entre outros aspectos, acerca da soberania das suas decisões, hoje não se contesta a soberania, eis que elevada a princípio constitucional, assim como, a plenitude de defesa, o sigilo das votações e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Pretende-se alterar o procedimento, conforme se demonstrou no item anterior, entretanto, pouco se discute a respeito da aplicação plena dos princípios constitucionais do Júri, trazer à tona essa discussão, que nos foi apresentada por Guilherme de Souza Nucci, é o objetivo maior do presente texto.

Muito mais importante que discutir se o libelo é mera fonte de nulidades, como defendem alguns, ou se é necessário ao procedimento do Júri, como entendem outros, é saber se a plenitude de defesa ou a soberania dos veredictos estão sendo respeitadas na prática, ou se a revisão criminal ofende à soberania, como a nomeação de defensor dativo tecnicamente deficiente para proceder a defesa, ofende a plenitude de defesa.

Não se trata de ignorar os benefícios de uma modernização do procedimento do Júri, mas sim de defender a eficácia plena daquilo que foi estipulado como estrutura mínima do instituto.

A eficácia plena do Júri como se acha previsto na Constituição é medida que se impõe, independentemente das discussões que se colocam, como muito bem menciona Guilherme de Souza Nucci, entender que o Júri não é, ao menos materialmente, uma garantia fundamental, não implica na licitude de se desrespeitar os seus princípios, já que o Júri é, ao menos formalmente, uma garantia fundamental, e por isso mesmo, deve ser respeitado como tal. Com efeito:

De nada valeria estipular que o Tribunal do Júri é uma garantia

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individual da pessoa humana, constituindo o devido processo legal

para a formação da culpa dos acusados da prática de crimes dolosos

contra a vida, se não forem observados, na prática, os definidos e

rígidos parâmetros impostos pelo constituinte para o seu funcionamento

(NUCCI, 1999, p. 79).

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FRANCO, A. S.; STOCO, R. (coords). Código de processo penal e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

LYRA, R. O júri sob todos os aspectos, textos de Ruy Barbosa sobre a teoria e prática da instituição (pesquisa, classificação e preparo de Roberto Lyra Filho e Mário César da Silva). Rio de Janeiro: Nacional de Direito, 1950.

MARQUES, J. F. A instituição do júri. São Paulo: Saraiva, 1963.

____. Da competência em matéria penal. Campinas: Millennium, 2000.

____. Elementos de direito processual penal (revista e atualizada por Eduardo Reali Ferrari). 2. ed. Campinas: Millennium, 2000.

____. O júri e sua nova regulamentação legal. São Paulo: Saraiva, 1948.

____. O júri no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1995.

MARREY, A.; FRANCO, A. S.; STOCO, R. Teoria e prática do júri. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

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MOSSIM, H. A. Júri - crimes e processo. São Paulo: Atlas, 1999.

NUCCI, G. S. Júri princípios constitucionais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.

PEDROSO, F. A. Competência penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

TUCCI, R. L. Tribunal do júri - estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

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ORATÓRIA : A ARTE DE FALAR !

Wilson PAGANELLIDocente da AEMS - Faculdades Integradas de Três Lagoas/MS

Advogado

RESUMO: O objetivo deste escorço é enfocar a arte de falar (oratória), orientando o leitor, num primeiro momento, para a apre-sentação e postura do orador, focalizando vestimenta, cuidados pessoais, comportamento, gesticulação, uso do mi-crofone; de-pois, comentários sobre o discurso e suas idioss-incrasias.

PALAVRAS-CHAVE: forma de se vestir; eventos; discurso.

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1. INTRODUÇÃO

“Tenho muita dificuldade de falar em público” — eis uma das manifestações mais comuns entre cidadãos, muitos até mesmo com certa cultura. Mas a questão não é bem essa. “falar em público”, na acepção mais pura da expressão, todos falamos. Quando alguém está num restaurante, sentado a uma mesa em companhia de amigos, conversando, sem dúvida, está falando em público. O grande problema para quem diz ter dificuldade de falar em público é, na verdade, “falar a um público”, ou seja, ser um orador e falar a uma platéia, a um corpo de jurados, a alunos numa classe, dentre outras situações reais de comunicação. Nem todos, evidentemente, possuem a facilidade para tal mister. Há pessoas que, por circunstâncias muitas vezes alheias à sua vontade (como ser chamada, de repente, para falar alguma coisa a uma platéia), entram em pânico absoluto, passam por verdadeiro ato de tortura. O microfone “queima” na mão. A boca seca, a garganta resseca e a tosse entra em cena. Grande cena, não? A platéia esperando o discurso do grande orador — sem saber que fora convidado de surpresa — e ele ali, engolindo secamente, com as palavras fugindo, sorridente e ironicamente, de sua mente, tornando-o um ser repugnante e literalmente mudo. Que situação vexatória!

Contudo, como tudo na vida, para ser um orador com relativo sucesso há que se preparar, ter certas noções imprescindíveis e, principalmente, ler muito, para adquirir aquilo a que chamamos de conteúdo. Leitura, boa dicção, alguns cuidados especiais, preparação, planejamento do discurso — eis alguns dos ingredientes necessários para quem deseja ser um bom orador. Despretensiosamente, vamos abordar alguns aspectos desse tema.

2. A APRESENTAÇÃO DO ORADOR E SUA POSTURA

Primeiramente, temos que ter em mente que a oratória não se resume em falar. O orador é o senhor da comunicação. E será, obviamente, o centro das atenções. Por isso, a comunicação exige um conjunto de elementos. E principia pela forma como a pessoa chega ao recinto (ou ambiente) em que irá falar, do jeito que se acomoda em uma cadeira, como caminha ou utiliza o espaço, a postura que terá em relação

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aos demais participantes do encontro. Tais ingredientes, embora não pareçam, são determinantes. Preparam o público presente para aceitar ou rejeitar o orador.

Lemos, certa vez, uma comparação a respeito que, embora prosaica, encaixa-se bem, a roupa é a embalagem da pessoa. Quando damos um presente, o costume é colocá-lo numa bela embalagem. No fundo sabemos que a embalagem do presente, bem apresentável, o estojo em que se acondiciona o presente impressionam tanto quanto o seu conteúdo. É a primeira imagem que passamos a quem recebe. O orador, pois, não pode e nem deve desconsiderar essa realidade. A sua "embalagem", ou seja, a sua apresentação pessoal, terá reflexo na receptividade e na avaliação da platéia.

Portanto, um dos primeiros cuidados do orador é com a forma de se vestir, de se apresentar em público. Isso não significa - e principalmente para as mulheres - se "emperiquitar". É estar bem vestido, de acordo com o ambiente. Um político jamais iria a um comício em zona rural vestido de terno e gravata! Entra aí o que denominamos de "bom senso". É preciso que o orador saiba compatibilizar a roupa com o local e a oportunidade. O que jamais ele pode parecer é um ET, ou seja, uma pessoa totalmente estranha no recinto, chamativa, alguém que parece ter chegado de outro planeta.

Imaginemos estes exemplos extravagantes: um advogado criminalista chega para uma sessão de Júri em camisa de mangas curtas. Inaceitável. Uma advogada chega para uma audiência com pernas de fora e visíveis seios fartos - a atração estará nos dotes físicos à mostra, permitidos pela vestimenta, e não no conteúdo que apresentará na audiência. Por isso, discrição e elegância, eis a receita. A atração será a oratória, que é o que deve ser percebido pela platéia.

Em certas situações, o uso do paletó (pelo homem) é necessário. Por exemplo, orador que for para uma tribuna com paletó terá que o usar até o final de sua oratória. Ainda que esteja num ambiente em que o calor esteja insuportável. Jamais deverá tirar o paletó, desabotoá-lo, arregaçar as mangas da camisa, soltar a gravata, deixando-a folgada na gola da camisa, porque são procedimentos deselegantes, além de impertinentes. Esse tipo de comportamento, além da deselegância, demonstra desrespeito às pessoas que estão ali para o ouvir, uma vez que passa a elas que o bem-estar dele está em primeiro lugar. Basta que nos lembremos de sacerdotes ou militares que se acostumam com o rigor de seus uniformes, mesmo em dias quentes. Trata-se de hábito. E mais, o paletó deverá estar sempre fechado. Apenas o último

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botão fica livre. Nunca devemos usar paletó aberto em situações formais. E a gravata?A gravata é um acessório masculino que precisa combinar em cores, em padrão,

com o tecido da camisa e do paletó. Nada de gravatas em cores espalhafatosas. Ou com estampas de personagens de histórias infantis. O laço precisa ser bem formatado, ajustado e no lugar correto. Nó solto ou gravata torta, nem pensar! Passa ao público a aparência de desleixo. O comprimento deve ser exatamente na altura do cinto. (Curta lembra garçom (para que ela não fique esfregando-se no prato); longa, palhaço).

Os sapatos, muito embora se situem lá embaixo, são importantes, além de serem referências da personalidade da pessoa. Numa dessas estatísticas descomprometidas, geralmente realizadas em programas de TV, constou que boa porcentagem de mulheres (até surpreendente), ao conhecer um homem, olha, acreditem se quiser!, para os sapatos! Desconhecemos o motivo (não é fácil entender as mulheres), mas olham. Talvez pensem que um homem que cuida bem de seus sapatos cuidará também muito bem dela (Teoria falaciosa, porque desculpem o humor macabro há homens sem pés que se casaram!). Se os sapatos tiverem cadarço, cuidado. O pisar de um pé no outro em que o cadarço do sapato estiver solto pode ocasionar um acidente constrangedor. Imaginem o espírito de um orador que, logo na entrada, tropeça ou leva uma queda. Adeus discurso!

Desnecessário falar de unhas bem aparadas e cabelos alinhados, não é mesmo? Orador que entra "descabelado" já perde muito de sua credibilidade. Passa a impressão de desleixo, de desorganizado, de pseudo-orador. Lembremo-nos de que ele estará sendo sempre observado pelo público. Logo, postura, forma de andar, trejeitos, tudo terá que ser bem analisado, porque será avaliado pelo público, antes de ele pronunciar sua primeira palavra.

Cuidado com o material que carregar. Chegar ao local (Tribunal de Júri, sala de Diretoria etc.) abraçado a uma montanha de papéis, sem ordenamento, sem capas, alguns caindo pelas laterais ou ficando totalmente esparramados na primeira mesa que aparecer é um procedimento extremamente condenável. O orador deve chamar a atenção pelos seus predicados de oratória, mas jamais por fatos outros que levam as pessoas a formularem um péssimo juízo ou que lhes distraíam a atenção.

"É, mas eu já vi algo parecido num Tribunal de Júri!!!". Nós também. Isso é

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técnica de veterano, pessoas hábeis, seguras de si, extremamente experientes. São casos excepcionais que não devem ser tomados como regra.

Numa sessão de Júri, certa vez, um advogado experiente utilizou-se desse expediente. Simulou ser desorganizado, como forma de atrair a atenção e, quando começou seu discurso, surpreendeu a todos pela qualidade de sua oratória. Quem sabe um dia possamos utilizar desse mesmo expediente. Se o tempo existe é para nos demonstrar que há tempo por vir. Um dia, certamente, seremos experiente, seguro e, se a conveniência recomendar, poderemos utilizar-nos desse ardil. Enquanto isso não ocorre, melhor nos cuidar.

Evitemos o uso de telefone celular no ambiente. Quando o orador chegar ao local em que se realizará o evento, em que fará sua exposição, deve desligar o telefone celular. Mesmo os espectadores, porque o soar da campainha de um telefone celular atrapalha o orador, perturba os trabalhos e cria um clima de indisposição, pois, por mais mal educada que seja uma pessoa, ela jamais aceita a má educação dos outros. Principalmente os celulares de hoje, cuja “campainha” de chamada é tremendamente escandalosa.

Nunca chegue cedo demais ao evento. Nem tarde (isso é terrível!). Cedo, desgasta a imagem do orador, além de causar problemas para ele próprio, porque se dissipa a energia física e mental nesse processo de espera. Atrasado, pior ainda, porque demonstra desleixo, pouco caso. O ideal é chegar cedo a um local próximo ao de onde ocorrerá o evento, local em que se possa ficar confortável. Estará ele nas cercanias do local do evento e poderá, assim, chegar no horário determinado.

Se for um local em que deverá sentar-se, o orador deve tomar certas precauções. Se se jogar na cadeira, como se estivesse no sofá de sua casa. não demonstrará postura pública. Joelhos não devem ficar separados, mesmo para homens. O orador deve evitar sentar-se com pernas abertas (imaginem a mulher!!).

E já que tocamos nesse assunto, como dissemos, a palavra não é tudo na oratória. Há orador, principalmente em sua estréia, que não sabe o que fazer com as mãos, com pernas, pés, cotovelos etc. O que fazer com as mãos? Qual postura é melhor com pernas, pés e cotovelos?

As mãos, para quem sabe usá-las, são instrumento importante na comunicação. Servem, no mais das vezes, como complemento das palavras, da fala em si. Um gesto,

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um movimento com as mãos dizem, às vezes, muito mais que palavras. Portanto, nada melhor que as usar em favor do orador. E quem não sabe? Não deixe, pelo menos, que suas mãos o(a) atrapalhem. Quem não domina essa técnica deve segurar um papel. Funciona. O orador pode até mesmo fazer algumas anotações que serão, uma vez ou outra, ligeiramente consultadas. Quando o orador se sentir mais seguro, vencidas as barreiras da timidez e da insegurança, poderá abandonar esse procedimento. Ou então as repouse sobre o púlpito, sem, evidentemente, se debruçar sobre ele. Melhor elas ali, quietinhas, a servir para gesticulações inúteis ou grotescas. O orador deverá compensar com a entonação de voz. Ficar estático também é desaconselhável.

A estaticidade de um orador passa má impressão, além de não comunicar absolutamente nada. O orador agitado, por sua vez, também não impressiona positivamente. Equilíbrio e moderação, eis a solução. Movimentos devem ter significados. Não tendo, melhor não usar! Os movimentos, quando utilizados, devem comunicar algo. Contudo, não podem e não devem ser movimentos exaltados. Os tempos mudam, mudam-se as maneiras. Aqueles discursos de antes, em que o orador, principalmente político, se exaltava, gesticulava, impostava a voz, para dar a impressão de que incorporava os dizeres (o que tornava um verdadeiro "berreiro") com microfone às mãos, ajoelhando-se, erguendo-se, pondo as mãos para o céu, é coisa do passado.

Notou-se que demonstrava ao público, no mais das vezes, desequilíbrio, quando não desespero. Hoje, o orador deve passar credibilidade. Para isso, deve falar com calma (passa equilíbrio, firmeza, determinação, certeza do que fala). As mãos, ao gesticularem, não devem ultrapassar a altura da cabeça. Mãos erguidas acima da cabeça denotam, geralmente, como dissemos, idéia de desespero, de descontrole. Elas devem ser usadas para completar idéias. Como tintas, dão cor às palavras. Se o orador disser, por exemplo, " eu vejo..." - (coloca o dedo próximo aos olhos) - "No meu pensamento..." (encosta o dedo na cabeça), mas numa gesticulação sem gestos bruscos.

Portanto, evitem-se gestos inúteis, que nada dizem, que só servem para distrair a atenção. Gestos de tamborilar os dedos na mesa, mexer no relógio, na aliança, coçar nariz, orelha, são movimentos irritantes, que descredenciam o orador e irritam a platéia.

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O bom orador deve atinar para a posição dos cotovelos. Nunca devem ficar grudados ao corpo, porque leva ao encolhimento dos ombros. Passa a imagem de fraqueza. Se estiver sentado, nunca deve apoiar os cotovelos abertos sobre a mesa. Perde em elegância e estilo. Podem ser apoiados na mesa com as mãos no rosto, quando ouve um aparte, o que simboliza atenção ao outro orador.

Pernas e pés são importantes. Antes de usar a palavra, normalmente, um orador nervoso, inexperiente, mecanicamente, desencadeia uma movimentação indesejada de pernas, cruzando e descruzando a todo instante, balançando o pé ou mesmo as pernas ininterruptamente. Isso é geralmente percebido pela platéia. Demonstra insegurança. Deve sentar numa postura correta, elegante. Impõe respeito. Imaginem uma mulher então, cuja roupa seja um vestido, cruzando e descruzando pernas, sentando com as pernas abertas!

Ao falar em pé, o orador deve manter uma distância de cerca de 20 cm entre os pés. Por que esse detalhe é importante? É imprescindível para o equilíbrio. Com os pés juntos, inevitavelmente terá, em alguns momentos, o corpo balançando na procura do equilíbrio, demonstrando desconforto, distraindo a atenção de quem ouve. Se separar demasiadamente os pés, perderá a estética e parecerá um leão de chácara ou um militar dando ordens de comando para seus soldados.

Durante o discurso, o orador deve evitar ao máximo de caminhar, salvo se absolutamente necessário para dirigir-se, por exemplo, a um quadro, a um monitor ou para entregar algo para uma pessoa na mesa de trabalho etc. Seu andar, no entanto, tem que ser estritamente essencial. O orador que tem o costume de ficar caminhando, indo e vindo, é um desastre.

Ao ser anunciado, obviamente, o orador deve se encaminhar para o púlpito, para a tribuna, para o local, enfim, de onde deverá falar. Primeiro, cuidado com os fios soltos no chão, com degraus, se houver, porque são verdadeiras armadilhas. Imaginem um tropeço ou uma queda... E, ao ser anunciado, passa a ser o centro das atenções. Não pode errar nesses segundos que antecedem sua fala. Por isso, deve examinar, primeiro, o terreno a percorrer para não cometer erros.

São raros os oradores que possuem presença de espírito para, num desastre desse, ainda conseguir algo a seu favor. Isso é coisa de orador experiente. Lembramo-nos de um político que, ao tropeçar nos fios, foi ao solo. De imediato, pegou o microfone,

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ergueu-se e, encarando o povo, foi dizendo: "Quando chego a esta terra, meu primeiro gesto é beijar o solo da terra que amo..." (Hoje, um discurso desse tipo demonstra demagogia). Mas, como dissemos, isso é raridade, melhor não arriscar.

Assim, a gesticulação é importante, como vimos. E deve ser utilizada como reforço de idéias, para dar ênfase aos pensamentos transmitidos, para melhor convencimento. Auxilia a passar a emoção, desde que bem executada. Mal executada, sem dúvida, é desastre certo. Como dizem os entendidos em oratória: "Quem escreve trabalha com a razão; quem discursa opera com as emoções".

Outro aspecto importante é o uso do microfone. Ele é um auxiliar indis-pensável, porque comunicação depende de o orador ser ouvido... e bem, com nitidez. Primeiramente, o melhor é que o microfone esteja apoiado num pedestal. Na mão é para cantor, que precisa se movimentar pelo palco, pois é parte de seu espetáculo. Para o orador, não. Discurso em pé, o melhor é o microfone no pedestal. Razões? O orador pode assumir uma postura elegante, fica com as mãos livres para enriquecer seu pronunciamento, por meio da habilidade com os gestos. Se não tiver habilidade, repouse-as, como dissemos.

Às vezes, o orador não tem escolha. Tem que segurar o microfone. Primeiro, nunca o segure pelo fio, ou seja, uma mão no microfone e a outra no fio; segundo, nunca o segure com as duas mãos e, terceiro, jamais o segure com as pontas dos dedos. Apenas uma mão segura o microfone, com naturalidade. O fio fica solto. Segurar com as duas mãos transmite a idéia de insegurança. Dá a impressão de que o orador, apavorado, encontrou algo a que se agarrar. Segurá-lo com as pontas dos dedos demonstra falta de intimidade com o equipamento e, lógico, inabilidade na arte de discursar. Por isso, segurar com uma mão apenas, envolvendo os dedos nele.

Sustentá-lo também de cima para baixo é erro grotesco. Muito comum ver essa posição em programas de televisão. Se o microfone estiver no pedestal, pôr as mãos nele, apenas na hora em que vai iniciar sua fala, para ajustar a posição. Melhor seria até que se fizesse isso anteriormente, se o orador for o único a falar. E esse ajuste deve ser feito discretamente, tentando, o máximo possível, não chamar a atenção da platéia.

Há o orador inexperiente que, ao fazer o ajuste, arranca o microfone, coloca-o de volta, dá-lhe com os dedos para ver se está funcionando, diz o infamante 1, 2, 3,

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enfim, chama a atenção para si. Essa tarefa ou é do técnico, que monta o som, ou então do apresentador ou da pessoa que fará o protocolo, antes do início do evento. Não é tarefa para o orador. É demonstração cabal de postura irregular, de desconhecimento da arte da oratória. Microfone no pedestal não deve ser tocado. Para que "pegar" nele, se ele está ali seguro? Como dissemos antes, se o orador segura no microfone que está num pedestal, passa a impressão de que se agarrou à primeira coisa que lhe apareceu pela frente. Insegurança total! É um mau começo para o orador.

O microfone deve ficar à frente da boca e a uma distância que demonstre ser o suficiente para que atenda a sua razão de existir. Se o orador o encostar demasiadamente na boca, ele capta até a respiração e passa a transmitir ruídos indesejáveis. Há oradores que falam tão próximo do microfone que o público ouve o orador ofegante, sua má respiração ao falar. Passa a imagem de afobado, de quem quer se livrar das palavras. Se deixar longe da boca, perde o sentido de o microfone existir. Qualquer platéia se irrita ao ver um orador com um microfone e ela a não ouvir nada!!

Outro aspecto importante - o retorno do som. Uma das caixas de som deve estar sempre voltada para o orador. Ele tem que ter o ouvido apurado. Ao pronunciar as primeiras palavras, ouvirá a si próprio e será capaz de identificar a distância exata entre boca e microfone, compatível com o ambiente e com o seu tom de voz. Quando não há retorno, o orador, geralmente, fica aos berros, pensan-do que o som está baixo, quando, na verdade, é o seu retorno que está fraco.

Enquanto isso, ele está arrebentando os tímpanos de seus ouvintes. Iisso ocorrendo, ele grita sem necessidade e acelera o ressequir da boca, sem falar da imagem que passa, com as veias do pescoço estufadas, quase estourando a garganta. Por isso, se possível, sempre fazer um teste antes do evento, para verificar esses detalhes que, apesar de parecerem insignificantes, são essenciais para uma boa oratória. Espelhe-se nos grandes cantores e bandas. Mesmo com técnicos especializados que os acompanham no dia a dia, o bom cantor ou a boa banda sempre vai, antes do show, ao recinto do espetáculo para testar o som.

Lembramo-nos sempre do que dizia um grande mestre de Português: só os ignorantes improvisam. O discurso é uma viagem e o bom orador deve planejar cada etapa dela para chegar ao final com segurança e satisfação.

Há perguntas que são comuns: como podemos preparar um discurso? Como iniciar

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um discurso? Como fazer as saudações? Usam-se anotações? Pode-se improvisar?

3. O DISCURSO E SUAS IDIOSSINCRASIASPrimeiramente, como dissemos antes, se o discurso se compara a uma viagem,

quando viajamos, claro, preparamos todo o roteiro. Da mesma forma devemos agir em relação ao discurso. Temos que ter em mente a necessidade de se ter um planejamento. Discurso nunca deve ser improvisado. Haja vista os discursos de improviso de nosso Presidente e suas conseqüências... Improviso pode existir sim, mas nas palavras, nos efeitos a serem produzidos no ato. Mas, a idéia central jamais pode ser improvisada.

Não tenha receio de anotações. Discurso nunca deve ser decorado. É uma temeridade. Corre-se o risco do esquecimento. Esquecer significa vexame certo. Depois, quem decora, normalmente, perde a naturalidade. Por isso, não há demérito algum ao orador que utiliza anotações. Principalmente se, na oratória, houver estatísticas, números, valores etc. Evidentemente, essas consultas precisam ser feitas sem que se perca a atenção do público. Até mesmo há possibilidade de uma leitura, desde que não se estenda muito no tempo (digamos, deve levar um minuto). Se passar desse tempo, pode cansar o público e desinteressá-lo.

Às vezes, há necessidade de se ler trechos mais longos, como, por exemplo, num Tribunal de Júri. Simples, o orador entremeia a leitura com comentários. Ou lança mão de um recurso muito válido, a pausa. O orador faz a pausa e olha para o auditório, como se recolhesse das pessoas a impressão sobre o conteúdo. Outro recurso é olhar de soslaio, de canto de olho no papel. Contudo, o ideal é a consulta com o papel na mão, dando a ênfase que o assunto exija, só que de forma teatralizada, sem deixar o público perceber que está lendo, digamos, de maneira despudorada.

Se há alguém que o público não perdoa, esse é o enrolador. A pessoa chegada ao psitacismo. Aquele que fala, fala, fala, sem que haja lógica seqüencial, dá voltas e mais voltas e não chega a lugar algum, para a absoluta decepção da platéia. Como evitar? Estabelecendo previamente o roteiro: o que falar, tempo necessário, ter conhecimento das etapas.

Um discurso, normalmente, inicia-se com saudações: aos componentes da mesa de trabalho, num Júri (Juiz Presidente, Promotor, jurados, oficiais etc.); ou a autoridades,

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ou à pessoa que, de acordo com o ambiente, seja o destaque do evento.Aqui se exigem cuidados. Num evento festivo mais íntimo (aniversário de um

amigo ou de alguém da família, jantar entre amigos), exige-se menos formalidade que em outros eventos, como, por exemplo, na posse de um Prefeito, de um Presidente de Clube de Serviço etc. Se o evento não tiver caráter oficial, há que se ser objetivo e simpático (Caro amigo, irmão, companheiro de todas horas, fulano de tal, permita que, em seu nome, preste minhas homenagens de afeto a todos os presentes”)... e pronto, começa-se o discurso.

Quando houver necessidade de dizer nomes, é indispensável que se tenham os nomes devidamente anotados, para não esquecer ninguém ou trocá-los - é algo imperdoável! Se o orador resolve saudar componentes de uma mesa, deve saudar todos, sem exceção. Até mesmo se houver entre eles alguma pessoa com quem o orador não mantenha boas relações de amizade. Questão de elegância e educação. Contudo, melhor é o recurso em que se cita um da mesa e, em nome dele, se saúdam os demais. Evita a indelicadeza de esquecer alguém. Além do mais, hoje, o público geralmente é ansioso e não possui paciência suficiente para esperar a nominação de cada um da mesa. Isso pode se tornar enfadonho e causar desinteresse.

O orador deve estar atento para não cometer gafes no tratamento. Quando há a necessidade de se saudar mais de uma pessoa, todos devem receber o mesmo tratamento, salvo, obviamente, o respeito pelos títulos dos cargos. Se numa mesa há o Prefeito, o Promotor, dois advogados, uma Diretora de Escola e um Presidente de Associação, obviamente, deve-se iniciar a saudação pela autoridade de maior hierarquia - “Ilustrissimo senhor Prefeito Municipal, senhor fulano de tal; Excelentíssimo senhor Promotor Público, Doutor fulano de tal; Excelentíssima senhora Professora Fulana de Tal, Diretora da Escola tal; ilustríssimos senhores doutores fulano e beltrano; ilustríssimo senhor fulano de tal, Presidente da Associação tal.”

Não cabe numa solenidade, por mais simples que seja, rasgos de intimidade, do tipo: “ Meu caro Prefeito Municipal e amigo, fulano de tal; minha amiga Fulana, Diretora da Escola tal; caros colegas de luta, Doutor Fulano e meu amigo beltrano...”. É tremendamente deselegante estabelecer diferenças onde não as há, como é o caso citado nesse exemplo dos advogados. Ambos devem ser tratados por “doutor”. Por que para um é “doutor” e para o outro o tratamento íntimo - “meu amigo”? No que

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diz respeito à estética e à elegância do discurso, todos devem ser equiparados.Outro perigo - o exagero na saudação. Primeiramente, elogios longos cansam o

auditório. Eles só “encantam” quem os recebe. (Há algumas pessoas, incrivelmente, que, se pudessem, quando o orador parasse de falar delas para dirigir-se a outro, diriam sem pestanejar: “Por favor, continue falando de minha pessoa...”); depois, o cuidado ao se atribuir qualidades para as pessoas em que a própria platéia sabe que não são verdadeiras. Isso constrange o próprio homenageado. É, de fato, por demais constrangedor, uma pessoa ficar elogiando, exaltando qualidades que o próprio homenageado sabe que não tem.

Outro aspecto - o elogio demasiado. O orador não percebe, no mais das vezes, que ele faz uma apologia de uma pessoa em detrimento das demais. Estas, evidentemente, terão um de dois sentimentos: ou ficam enciumadas ou se sentem desprestigiadas. Cabe ao orador ser cativante e ter a bonomia da atenção de todos os presentes.

Quanto ao discurso em si, há que se aprender a estruturá-lo. Para alcançar êxito em seu empreendimento, o orador deve ter em conta certas regrinhas básicas que não vamos focalizar aqui, porque não é o objetivo deste escorço “ensinar” alguém a discursar.

Em resumo, o bom orador deve ter conhecimento do assunto de que vai falar; conhecimento da platéia a quem vai se dirigir; dominar as etapas pelas quais percorrerá ao longo do seu discurso; estar com corpo e voz descansados; alimentar-se (comida leve) no dia do evento e escolher a roupa adequada ao ambiente.

Todo orador precisa passar para a platéia estar absolutamente seguro (mesmo que não esteja, a princípio). Certa feita, num Júri, um advogado, certamente inexperiente, iniciou seu discurso pedindo desculpas ao Juiz Presidente, ao Promotor, aos jurados, pelo fato de não saber falar muito bem. Confessou sua deficiência. Obviamente, nada mais a se esperar de seu discurso. Os próprios jurados nem prestaram mais atenção. Ficaram retidos no pensamento deles, certamente, os argumentos da acusação. Houve um desestímulo total aos jurados. Mesmo que seja verdade, não se deve dizer.

O bom orador, de chofre, mostra segurança ao dirigir-se ao local de sua fala, com ar confiante, de forma simpática, sem gestos espalhafatosos, sem demonstrar nervosismo. Muitas vezes, o bom orador, antes de dizer qualquer palavra, pára, e, por alguns segundos, passa os olhos pela platéia, como se quisesse reconhecer cada

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uma das pessoas que ali estão, para, depois, iniciar sua fala.Há um adágio muito conhecido por jornalistas que diz - o texto jornalístico deve

ser como a saia da mulher bonita: curto o bastante para chamar a atenção e comprido o suficiente para cobrir o assunto. Assim deve ser o discurso.

Nervosismo, eis o inimigo do orador principiante. Não só do principiante, mas, de certa forma, todos ficamos nervosos pela expectativa que se apossa antes do início de qualquer discurso. Isso é normal. Por isso, o início do discurso é importante. A fase de saudação deve ser encarada como forma de “acomodação” dos nervos. Depois, quando chegar o momento exato de apresentar os argumentos, o orador deve transformar-se, ganhar confiança, força, tornar-se brilhante. È preciso que aprendamos a dominar os nervos. Respirar fundo faz bem, concentrar-se, antes de falar, enviando fluxos positivos para o cérebro é outra coisa que costuma dar certo.

Cuidado com a água. Houve casos em que o orador levou para a tribuna um copo de água. Salutar, sem dúvida. Porém, armadilha para inexperiente. Antes de começar a falar, que é um momento meio tenso, o orador costuma beber um pouco de água, para deixar a “garganta” molhada e evitar que a boca resseque. É um período de ansiosidade. O que fazer? Molhar os lábios, ingerir, de forma lenta, um gole de água. O nosso orador acima referido bebeu vários goles e depressa. Resultado... engasgou. A platéia esperando e o orador engasgado, tossindo em desespero. Passados alguns minutos, ainda tinha que “limpar” (pigarreando) a garganta para falar. Foi um vexame.

Já dissemos - e reiteramos - que o silêncio é amigo do orador. O silêncio comunica. A pausa desencadeada no momento certo, em que o orador corre os olhos pelo ambiente, com olhar firme, costuma fascinar o auditório. Esse recurso é riquíssimo para quem aprende a utilizá-lo. Precisa de treino, mas vale a pena.

Finalmente, o orador estando na tribuna, arrumado, com voz limpa, inicia seu discurso. Este — vamos relembrar? — deve ser curto o bastante para chamar a atenção e comprido o suficiente para cobrir o assunto.

Hoje, já não se usam mais os tipos de discurso como o ainda utilizado por Fidel Castro, que fica horas falando. O orador, para usar um jargão popular, deve ser curto e grosso. Ele deve terminar seu discurso e sentir que a platéia gostaria de que ele continuasse. Como diziam os antigos: a pessoa, para saber exatamente o volume de alimentos a comer, se sair da mesa com fome, comeu a quantidade certa. O público,

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quando o orador encerrar sua fala, deve ficar com aquele gostinho de “quero mais”. Deve lamentar que o orador tenha encerrado seu discurso. Ficará na expectativa de poder ouvi-lo falar novamente.

A televisão possibilitou um aprendizado inconsciente a todos nós - a pressa em receber a mensagem. Não houve empatia entre orador/ouvinte, a atenção se esvazia. A interação deve ser rápida e eficiente. Rapidez não significa aqui falar, atropelando as palavras, como fazia o então saudoso deputado Enéas, quando candidato a Presidente e com tempo curtíssimo na televisão. O bom orador deve usar as palavras certas, ou seja, cada palavra pronunciada deve atingir o alvo em cheio, proporcionar um efeito fantástico. Até o silêncio, como vimos, colabora. O discurso tem que ser objetivo, eficiente, eficaz, acrescentando sempre algo ao conhecimento das pessoas.

Por isso, é preciso exercício. Exercício de dicção, porque não se concebe um bom orador falar comendo “S”, falando palavras pela metade. Como está em moda - tolerância zero com esses aspectos. Ler mais. A leitura é imprescindível para um bom orador. E da leitura que podemos retirar belas idéias, frases com efeito para usar em nossos discursos. E a leitura propicia principalmente um au-mento de palavras no nosso vocabulário ativo.

Oradores há que enfeitam seus discursos com belas figuras de linguagem, com belos pensamentos citados por pensadores respeitados, utilizam versos de poetas conhecidos e mesmo expressões populares de forma inusitada. E evita que o orador utilize frases feitas, desgastadas, que irritam quem ouve. Há oradores que ainda querem usar determinados adágios populares absolutamente anacrônicos, do tipo: “quem não tem cão, caça com gato” / quem sai na chuva é para se molhar./ melhor prevenir que remediar. etc. E julgam que produzem efeito positivo!!!

Já imaginou um orador, pregando religião, falando a centenas e centenas de pessoas e, de repente, faz um suspense ao dizer: “Quero agora lhes dizer algo de suma importância...” pára, encara o povo, com olhar firme... E o povo, lógico, aguardando ansiosamente o algo de suma importância que ele vai dizer. E o orador complementa: “em terra de cego, quem tem um olho é rei!” . E pára aí!!! Obviamente, decepção total. Não era o esperado pelo público. É algo desgastado, que a platéia está cansada de ouvir. Se ele tivesse, na seqüência, acrescentado, por exemplo: “mas, esse dito popular não nos serve, porque em nossa terra até os cegos enxergam por meio da palavra de

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Deus e isso nos torna todos reis, reis leais ao nosso Rei maior, que é Deus!” - com certeza, teria se saído muito melhor.

Para finalizar este despretensioso escorço, enfoquemos, rapidamente, brincadeiras e piadas no transcurso do discurso. Por mais solene que seja um discurso, sempre cabe uma certa dose de humor. Isso, muitas vezes, faz com que o ouvinte relaxe um pouco. Logo após esses momentos de relaxamento, o orador consegue que o ouvinte se fixe novamente no discurso. Há uma trégua capaz de, na volta, prender ainda mais a atenção da platéia. Contudo, cuidado com a piada, com a brincadeira, para evitar constrangimentos. Nunca se deve brincar, referindo-se a uma pessoa especificamente. Todos podem rir. A pessoa visada também ri... por educação, mas, no fundo, o orador acabou de ganhar um inimigo mortal.

Ninguém gosta de ser ridicularizado na frente dos outros. Piada então pode ser algo terrível. Se o orador contar uma piada já conhecida (e a maioria assim o é), está arriscado a ele próprio ter que rir sozinho, para não ficar ainda mais sem graça. Piada tem que saber ser contada. Do contrário, o efeito é destruidor, descomunal. Sorrisos por educação. E não há nada pior para um orador. Segundo os entendidos, no lugar de uma piada, de uma brincadeira, o melhor recurso é contar uma história real, curiosa ou engraçada, ligada ao tema. Daí dizermos que leitura é essencial e imprescindível. Só tem algo para contar quem lê. E ao orador cabe utilizar desse recurso com maestria e perfeição. Mas, com preparo, certo de que, ao contar, todos rirão, ou julgarão a história interessante, sem ter que passar pelo vexame do sorriso amarelo ou do riso estampado no rosto... por piedade.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANCO, Vitorino Prata Castelo. O Advogado no Tribunal do Júri. São Paulo: Saraiva.

CÂMARA, J. Matoso. Manual de Expressão Oral e Escrita. Petrópolis: Vozes.

GARCIA, Othon, M. Comunicação em Prosa Moderna. São Paulo: FGV.

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HENRIQUES, Antônio. Prática da Linguagem Jurídica. São Paulo: Atlas.

KOTHE, Flávio R. A alegoria. São Paulo: Ática.

PAGANELLI, Wilson. Reflexões sobre a Comunicação Escrita na Linguagem Jurídica. S.l. : Sem Limites.

XAVIER, Ronaldo Caldeira. Português no Direito. Rio de Janeiro: Forense.

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