Roteiro de Aula 2 - Teoria Geral dos Títulos de Crédito

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TEORIA GERAL DO TÍTULO DE CRÉDITO CONCEITO DE TÍTULO DE CRÉDITO - O conceito de título de crédito aceito pelos doutrinadores foi dado pelo jurista italiano Cesare Vivante: documento necessário ao exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado. Esse conceito foi adotado pelo Código Civil/2002 no art. 887. CARACTERISTÍCAS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO a)- natureza essencialmente comercial : o direito cambiário é sub-ramo do direito comercial para conferir aos títulos de crédito as prerrogativas necessárias ao cumprimento de sua função primordial: circulação de riqueza com segurança. b)- são bens móveis : sujeitam-se aos princípios que norteiam a circulação desses bens (arts. 82 a 84, CC/02), como o que prescreve que as posse de boa-fé vale como propriedade. c)- são títulos de apresentação : documento necessário ao exercício do direito nele contido. d)- título executivo extrajudicial : configuram obrigação líquida e certa (art. 585, I, CPC). e)- são obrigações quesíveis ( querable ) : cabe ao credor dirigir- se ao devedor para receber a importância devida, e que a emissão do título e a sua entrega ao credor, têm, em regra, natureza pro solvendo (não implica novação no que se refere à relação jurídica que deu origem ao título – a relação jurídica que originou o título não se confunde com a relação cambiária representada pelo título emitido). f)- título de resgate : a emissão pressupõe futuro pagamento em dinheiro que extinguirá a relação cambiária. g)- título de circulação : sua principal função é a circulabilidade do crédito. PRINCÍPIOS DO DIREITO CAMBIÁRIO - Do regime jurídico disciplinador dos títulos de crédito é extraído três princípios: cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações cambiais (obrigações independentes entre si). A esses princípios pode ser incluído mais um, o formalismo (previsto em lei – princípio da tipicidade). Todo título que possuir essas características pode ser chamado de título de crédito próprio. ULHÔA afirma que os princípios informadores dos títulos de crédito, tomando a negociabilidade como principal atributo característico, facilitador da circulação de crédito, podem ser utilizados como fatores essenciais de caracterização dos títulos de crédito.

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TEORIA GERAL DO TÍTULO DE CRÉDITO

CONCEITO DE TÍTULO DE CRÉDITO - O conceito de título de crédito aceito pelos doutrinadores foi dado pelo jurista italiano Cesare Vivante: documento necessário ao exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado. Esse conceito foi adotado pelo Código Civil/2002 no art. 887.

CARACTERISTÍCAS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

a)- natureza essencialmente comercial: o direito cambiário é sub-ramo do direito comercial para conferir aos títulos de crédito as prerrogativas necessárias ao cumprimento de sua função primordial: circulação de riqueza com segurança.

b)- são bens móveis: sujeitam-se aos princípios que norteiam a circulação desses bens (arts. 82 a 84, CC/02), como o que prescreve que as posse de boa-fé vale como propriedade.

c)- são títulos de apresentação: documento necessário ao exercício do direito nele contido.

d)- título executivo extrajudicial: configuram obrigação líquida e certa (art. 585, I, CPC).

e)- são obrigações quesíveis ( querable ) : cabe ao credor dirigir-se ao devedor para receber a importância devida, e que a emissão do título e a sua entrega ao credor, têm, em regra, natureza pro solvendo (não implica novação no que se refere à relação jurídica que deu origem ao título – a relação jurídica que originou o título não se confunde com a relação cambiária representada pelo título emitido).

f)- título de resgate: a emissão pressupõe futuro pagamento em dinheiro que extinguirá a relação cambiária.

g)- título de circulação: sua principal função é a circulabilidade do crédito.

PRINCÍPIOS DO DIREITO CAMBIÁRIO - Do regime jurídico disciplinador dos títulos de crédito é extraído três princípios: cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações cambiais (obrigações independentes entre si). A esses princípios pode ser incluído mais um, o formalismo (previsto em lei – princípio da tipicidade). Todo título que possuir essas características pode ser chamado de título de crédito próprio. ULHÔA afirma que os princípios informadores dos títulos de crédito, tomando a negociabilidade como principal atributo característico, facilitador da circulação de crédito, podem ser utilizados como fatores essenciais de caracterização dos títulos de crédito.

1. CARTULARIDADE - Título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado.

Também é chamado de “incorporação” – pressupõe a posse do título, ou seja, o credor deve portar o documento. Do adjetivo “necessário” é feita a referência ao princípio da cartularidade, quer dizer, a posse legítima de um título de crédito é o que autoriza o exercício do direito nele mencionado. O direito de crédito mencionado na cártula não existe sem ela.

Só quem exibe a cártula (o papel) pode pretender a satisfação da obrigação nela documentada. A aplicação própria desse princípio revela-se no momento do ajuizamento de ação judicial quando se exige que a petição inicial seja instruída com o título original e não sua cópia.

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Como o título de crédito é um instrumento de circulação de riqueza, o princípio da cartularidade é a garantia de que o sujeito que postula a satisfação do direito é mesmo o seu titular.

Por tal razão é que quem paga o título deve exigir que ele lhe seja entregue.

Pelo princípio da cartularidade, o credor do título de crédito deve provar que se encontra na posse do documento para exercer o direito nele mencionado.

Do princípio da cartularidade surge o subprincípio da incorporação, quer dizer, o amálgama entre o documento e o direito de crédito (o direito de crédito materializa-se no próprio documento, não existindo o direito sem o respectivo título).

O título incorpora de tal forma o direito creditício mencionado, que a sua entrega a outra pessoa significa a transferência da titularidade do crédito. Para tanto, a exercício das faculdades dessa transferência não podem ser exigidas sem a posse do documento.

Em obediência ao princípio da cartularidade:

a)- a posse do título pelo devedor presume o pagamento do título;

b)- só é possível protestar o título apresentando-o; e,

c)- só é possível executar o título apresentando-o, não suprindo a sua ausência nem mesmo a apresentação de cópia autenticada.

DESMATERIALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO - O princípio da cartularidade vem sendo mitigado em virtude do crescente desenvolvimento tecnológico e da consequente criação de títulos de crédito magnéticos, ou seja, que não se materializam numa cártula. - art. 889, § 3º, CC/02. No caso das duplicatas virtuais, elas podem ser executadas mediante a apresentação, apenas, do instrumento de protesto por indicação e do comprovante de entrega das mercadorias (art. 15, § 2º, lei 5.474/68). - art. 365, § 2º, CPC.

Obs.: Todo título que possuir cartularidade, literalidade, autonomia e formalismo pode ser chamado de título de crédito próprio.

2. LITERALIDADE - Título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado. Só produzem efeitos jurídico-cambiais os atos lançados no próprio título de crédito, quer dizer, o título de crédito vale pelo que nele está escrito.

RESUMO: Apenas geram efeitos cambiais os atos expressamente lançados na cártula.

Os atos documentados em instrumentos apartados, ainda que válidos e eficazes entre os sujeitos diretamente envolvidos, não produzirão efeitos perante o portador do título. O exemplo mais apropriado de observância desse princípio está na quitação dada em recibo separado. Quem paga parcialmente um título de crédito deve pedir a quitação na própria cártula, pois não poderá se exonerar de pagar o valor total se ela vier a ser transferida a terceiro de boa-fé. Outro exemplo se encontra na inexistência de aval, quando o pretenso avalista apenas se obrigou em instrumento apartado. Desta forma, nenhum credor pode pleitear mais direitos do que os resultantes exclusivamente do conteúdo do título crédito; e o devedor não será obrigado a mais do que mencionado no documento. Daí que se fala que o princípio da literalidade age em duas direções: uma positiva e outra negativa. Tudo isso ocorre para facilitar a circulação do crédito documentado no título.

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3. AUTONOMIA - Título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado. O termo “autonomia” indica obrigações independente entre si.

É o mais importante princípio do direito cambial – autonomia das obrigações documentadas no título de crédito. Sem ele, os títulos perderiam suas principais características: negociabilidade e a circulabilidade. Por esse princípio, o título de crédito configura documento constitutivo de direito novo, autônomo, originário e completamente desvinculado da relação que lhe deu origem. Quando um título documenta mais de uma obrigação, a eventual invalidade de qualquer delas não prejudica as demais. Os vícios que comprometem a validade de uma relação jurídica, documentada em título de crédito, não se estendem às demais relações abrangidas no mesmo documento.

As implicações do princípio da autonomia representam a garantia efetiva da circulabilidade do título de crédito. O terceiro descontador não precisa investigar as condições em que o crédito transacionado teve origem, pois ainda que haja irregularidade, invalidade ou ineficácia na relação fundamental, ele não terá o seu direito maculado.

Ex.: Antônio vende automóvel usado a Benedito para receber metade do preço em 60 dias (relação fundamental ou negócio originário). A obrigação é materializada por uma nota promissória. Imaginando que Antônio é devedor de Carlos em quantia próxima a que Benedito lhe deve, e que Carlos concorda em receber (através de endosso) o pagamento por meio do título de crédito, teremos a existência de três relações jurídicas:

i)- obrigação de Benedito pagar a Antônio – relação causal ou “causa debendi”;

ii)- Antônio satisfazendo sua dívida junto a Carlos; e,

iii)- Benedito devedor de Carlos por causa do endosso.

Qualquer “problema” na relação fundamental, ex. vício redibitório, não poderá ser invocada por Benedito para não adimplir a obrigação perante Carlos. Como as obrigações correspondentes são autônomas, umas das outras, eventuais vícios que venham a comprometer qualquer delas não contagiam as demais. O princípio da autonomia das obrigações cambiais se desdobra em dois outros subprincípios: abstração e inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé. A abstração e a inoponibilidade correspondem a modos diferentes de se reproduzir o preceito da independência entre as obrigações documentadas no mesmo título de crédito.

ABSTRAÇÃO - Pela abstração, o título de crédito, quando posto em circulação, se desvincula da relação fundamental que lhe deu origem, quer dizer, a abstração significa a completa desvinculação do título em relação à causa que originou sua emissão. “O título não está vinculado ao negócio que lhe deu causa”. Exceção que se pode apontar é quanto à duplicata, por se tratar de título causal. A abstração tem por pressuposto a circulação do título de crédito, quer dizer, não circulando, o título não se considera desvinculado entre os sujeitos participantes do negócio jurídico originário, podendo ser invocada causas que não obriguem ao pagamento (ex.: art. 445 – vício redibitório se invocado no prazo de 06 meses).

Quando o título é transferido para terceiros de boa-fé, opera-se o desligamento entre o documento cambial e a relação em que teve origem. Nesse caso, o devedor não pode exonerar-se de suas obrigações cambiárias perante terceiro de boa-fé, em razão de irregularidades, nulidades ou vícios de qualquer ordem que contaminem a relação fundamental.

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Assim, posto o título de crédito em circulação opera-se a abstração, isto é, a desvinculação do ato ou negócio jurídico que deu ensejo à sua criação.

Com a circulação, o título passa a vincular outras pessoas, que não participaram da relação originária, e que por isso assumem obrigações e direitos tão somente em função do título, representado pela cártula.

Obs.: a prescrição fulmina o princípio da abstração. A prescrição não apenas fulmina a executividade do título, mas também a perda da cambiaridade (o título perde as suas características intrínsecas de título de crédito).

INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS - Exceção nesse princípio é utilizada no sentido técnico-processual de defesa. A inoponibilidade das exceções pessoais decorre do autonomia do título. Pelo subprincípio da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé, o executado em virtude de um título de crédito não pode alegar, em seus embargos, matéria de defesa estranha à sua relação direta com o exequente, salvo quando provada a má-fé dele.

Obs.: Trata-se da impossibilidade em que se encontra o devedor de opor ao portador, endossatário de boa-fé, as exceções que teria em reação ao endossante.

Em função da autonomia, o portador legítimo do título de crédito exerce um direito próprio e autônomo, desvinculado das relações jurídicas antecedentes, por força do princípio da abstração. O título chega ao portador completamente livre dos vícios que eventualmente adquiriu nas relações pretéritas. A boa-fé do portador do título se presume.

São inoponíveis aos terceiros de boa-fé defesas (exceções) não fundadas no título. Ex.: Benedito não poderá invocar o vício redibitório do carro para eximir-se do pagamento da nota promissória perante Carlos. A matéria de defesa deve ficar circunscrita à relação jurídica que mantém com o exequente (Carlos). Qual relação jurídica é essa? R: Simples: Benedito é o devedor de uma nota promissória de que é credor Carlos, nada mais. Benedito pode apenas alegar questões relacionadas ao título: prescrição, falsificação, ausência de requisitos necessários, etc. As questões relativas ao vício no automóvel são exceções pessoais contra o vendedor do bem, Antônio, fato do qual Carlos não pode ser responsabilizado. Situação diversa ocorreria se Carlos soubesse que antes de receber o título que Benedito havia notificado Antônio acerca do vício, e mesmo assim quis receber o título por endosso.

EM RESUMO: o devedor não pode opor ao portador do título exceções (defesas) pessoais, exceto se o título não circulou (não opera a abstração). Porém, o devedor do título poderá opor a qualquer portador do título vícios formais ou falta de requisitos necessários ao exercício da ação. Porém, o devedor do título poderá opor a qualquer portador do título:

a)- vícios formais (forma do título, conteúdo literal, falsidade de assinatura e capacidade do signatário); b)- falta de requisitos necessários para o exercício da ação; c)- vício de representação no momento da subscrição; d)- qualquer exceção direta que tiver com o exequente. Além destes princípios e seus desdobramentos, a doutrina aponta outros:

INDEPENDÊNCIA OU SUBSTANTIVIDADE - Independes seriam os títulos autossuficientes, ou seja, que não dependem de nenhum outro documento para completá-los. Ex.: letra de câmbio, nota promissória, cheque.------ Independente e outro documento.

LEGALIDADE OU TIPICIDADE - Esse princípio significa que os títulos de crédito são tipos legais, ou seja, só recebem tal qualificação de títulos de crédito aqueles documentos assim definidos em lei.

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FORMALISMO - É o que o próprio conceito de título de credito contido no art. 887 diz, porquanto deve atender aos requistos da lei. Os títulos de crédito precisam observar os requisitos essenciais previstos na legislação cambiária. Está previsto em lei – princípio da tipicidade.