Sebenta Direito da Economia 2017/2018 DNB

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Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB Regência: Miguel Sousa Ferro O que é o Direito da Economia? Para que serve? ........................................................................... 3 Definição.................................................................................................................................... 3 Características ........................................................................................................................... 3 Constituição Económica Portuguesa .............................................................................................. 6 Princípios Fundamentais da Organização Económico-Social ..................................................... 8 1. Garantia dos Direitos Fundamentais económico-sociais ..................................................... 9 2. Subordinação do poder económico ao poder político democrático.................................. 11 3. Coexistência dos 3 setores de propriedade dos meios de produção................................. 11 4. Liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista 13 5. Propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse coletivo ................................................................................................................. 13 6. Planeamento democrático do desenvolvimento económico e social ................................ 17 7. Proteção do setor cooperativo e social de propriedade dos meios de produção .............. 17 8. Participação na definição das principais medidas económicas e sociais por parte das organizações representativas quer dos trabalhadores quer das atividades económicas ...... 17 Constituição Económica Europeia ................................................................................................ 18 Princípio Fundamental das normas europeias de Direito da Economia: ................................. 19 1. Livre circulação de pessoas: Liberdade de circulação dos agentes económicos ................ 19 2. Livre circulação de serviços: Liberdade de prestação de serviços ..................................... 20 3. Livre circulação de capitais: Liberdade de circulação de capitais e de pagamentos .......... 21 4. Livre circulação de mercadorias: Liberdade de circulação de mercadorias e bens ............ 21 Governação Económica: instrumentos .................................................................................... 24 Instituições comunitárias e suas atribuições na esfera económica ......................................... 25 Articulação entre a Constituição Económica da UE e a Constituição Económica Portuguesa . 25 Setor Público Empresarial do Estado ......................................................................................... 27 Empresa Pública ...................................................................................................................... 27 DL 260-76 ................................................................................................................................ 27 DL 558/99 ................................................................................................................................ 28 DL 133/2013 ............................................................................................................................ 28 Conceito de influência dominante: art. 9º .......................................................................... 30 Art. 14º - princípio da especialidade. .................................................................................. 30 EPs ....................................................................................................................................... 30 Regime da atividade empresarial local (Lei 50/2012) ............................................................. 31 DL 71/2007 Estatuto Gestor Público ....................................................................................... 31 Direito da Regulação Económica .................................................................................................. 32 Regulação Económica .............................................................................................................. 33

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Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

Regência: Miguel Sousa Ferro

O que é o Direito da Economia? Para que serve? ........................................................................... 3

Definição .................................................................................................................................... 3

Características ........................................................................................................................... 3

Constituição Económica Portuguesa .............................................................................................. 6

Princípios Fundamentais da Organização Económico-Social ..................................................... 8

1. Garantia dos Direitos Fundamentais económico-sociais ..................................................... 9

2. Subordinação do poder económico ao poder político democrático .................................. 11

3. Coexistência dos 3 setores de propriedade dos meios de produção ................................. 11

4. Liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista 13

5. Propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o

interesse coletivo ................................................................................................................. 13

6. Planeamento democrático do desenvolvimento económico e social ................................ 17

7. Proteção do setor cooperativo e social de propriedade dos meios de produção .............. 17

8. Participação na definição das principais medidas económicas e sociais por parte das

organizações representativas quer dos trabalhadores quer das atividades económicas ...... 17

Constituição Económica Europeia ................................................................................................ 18

Princípio Fundamental das normas europeias de Direito da Economia: ................................. 19

1. Livre circulação de pessoas: Liberdade de circulação dos agentes económicos ................ 19

2. Livre circulação de serviços: Liberdade de prestação de serviços ..................................... 20

3. Livre circulação de capitais: Liberdade de circulação de capitais e de pagamentos .......... 21

4. Livre circulação de mercadorias: Liberdade de circulação de mercadorias e bens ............ 21

Governação Económica: instrumentos .................................................................................... 24

Instituições comunitárias e suas atribuições na esfera económica ......................................... 25

Articulação entre a Constituição Económica da UE e a Constituição Económica Portuguesa . 25

Setor Público Empresarial do Estado ......................................................................................... 27

Empresa Pública ...................................................................................................................... 27

DL 260-76 ................................................................................................................................ 27

DL 558/99 ................................................................................................................................ 28

DL 133/2013 ............................................................................................................................ 28

Conceito de influência dominante: art. 9º .......................................................................... 30

Art. 14º - princípio da especialidade. .................................................................................. 30

EPs ....................................................................................................................................... 30

Regime da atividade empresarial local (Lei 50/2012) ............................................................. 31

DL 71/2007 Estatuto Gestor Público ....................................................................................... 31

Direito da Regulação Económica .................................................................................................. 32

Regulação Económica .............................................................................................................. 33

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Da Regulação Governamental à Regulação Independente ...................................................... 34

Regulação por Agências Reguladoras ................................................................................... 34

Função Reguladora da UE ........................................................................................................ 36

Estruturas de Regulação da UE ............................................................................................. 36

Estatuto dos Reguladores ........................................................................................................ 37

Regulação Económica (especificamente) em Portugal ............................................................ 38

Lei-Quadro das Entidades Reguladoras (Lei 67/2013)........................................................... 39

Direito dos Auxílios de Estado ...................................................................................................... 40

Fontes do Direito dos Auxílios de Estado ................................................................................. 40

Conceito de Auxílio de Estado ................................................................................................. 41

Auxílios Compatíveis com o Tratado ........................................................................................ 45

Procedimento Administrativo de Notificação e Aferição de Auxílios ....................................... 47

Controlo Judicial das Decisões da Comissão Europeia ............................................................. 48

Papel dos Tribunais Nacionais ................................................................................................. 49

Crise Financeira e Impacto no Regime do Auxílios de Estado .................................................. 49

Regime das Práticas Individuais Restritivas do Comércio – DL 166/2013 ...................................... 50

Relação com o Direito da Concorrência................................................................................... 56

Atualidade do Regime.............................................................................................................. 57

STJ – AUJ 9/2014 ..................................................................................................................... 58

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O que é o Direito da Economia? Para que serve?

Paz Ferreira: Direito da Economia estuda as formas de organização e orientação da atividade

económica.

➢ Evoluiu devido à crescente produção de normas jurídicas que ultrapassam a dicotomia

direito público e direito privado.

Do Direito da Economia podem recortar-se 3 áreas normativas:

• Direito Internacional Económico – compreende o direito produzido por fontes

normativas internacionais e que visa criar uma ordem jurídica económica internacional

• Direito Comunitário Económico – autonomiza uma parte do direito económico

internacional produzido pela EU

• Direito Interno Económico

Definição • Menezes Cordeiro: “sistema resultante da ordenação de normas e princípios jurídicos,

em função da organização e direção da economia”

Miguel Sousa Ferro: esta definição indica-nos um caminho

• Sousa Franco: “ramo normativo do direito que disciplina, segundo princípios específicos

e autónomos, a organização e a atividade económica”

• Paz Ferreira: “conjunto de normas jurídicas ao serviço de uma mesma finalidade de

organização da atividade económica” – sistema de normas instrumentais de objetivos

claramente definidos que ultrapassam a tradicional dicotomia direito público/direito

privado.

Características

1. CARÁTER RECENTE DO DIREITO DA ECONOMIA

2. CRESCENTE AUTONOMIZAÇÃO CIENTIFICA E PEDAGÓGICA

A disciplina juscientífica do Direito da Economia é recente – a regulação estatal da Economia é

antiga. Ex: os romanos proibiam cartéis.

➢ Giannini – a ordenação jurídica da economia não é um facto recente e desde que há

testemunho da constituição de ordenamentos jurídicos gerais que se verifica uma

preocupação com a regulação da atividade económica.

o A origem dessa regulamentação, hoje em dia, pode ter fontes de caráter infra-

estadual ou supra-estadual.

Estudos de Direito da Economia surgiram num período histórico de grande desenvolvimento

das técnicas de planificação e criação de vastos sectores públicos empresariais e orientavam-se

para a regulação jurídica de aspetos macroeconómicos1. Hoje em dia a perspetiva da

microeconomia, bem patente no direito da concorrência, tende a ser dominante.

1 Numa primeira abordagem era o direito da intervenção económica do Estado. Ex: nacionalizações, empresas públicas, reforma agrária.

➢ Direito Público Económico – Laubadère: “direito aplicável às intervenções das pessoas públicas na economia e aos órgãos dessa intervenção”

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Movimento relacionado com duas situações que ocorreram simultaneamente:

• Publicização do Direito Privado – alteração da natureza ou características das normas

de direito privado no sentido em que passam a ter características de Direito Público

aplicado ao Direito Privado.

o Atividades privadas passam a reger-se por normas públicas, ou normas privadas

foram alteradas para ter uma lógica própria de Direito Público. Ex: no direito da

concorrência aplicam-se regras a uma relação de privados com uma lógica de

direito público – não podem comprar as empresas que querem, têm de pedir

autorização a uma autoridade pública para o fazer e etc.

o Estado intervencionista que não hesitou em intrometer-se numa série de áreas

tradicionalmente reservadas para o direito privado.

• Privatização do Direito Público – submissão da própria atuação do Estado a uma lógica

privatista e de acordo com regras de Direito Privado.

Fronteiras vão-se alterando devido a:

a) Mudanças das realidades económicas subjacentes ao Direito

b) Própria autonomização das normas do Direito da Economia, enquanto objeto de

estudo – leva a que essas normas também se alterem devido a essa especialização.

Com o surgimento do Estado Providência o princípio da legalidade deixa de ser concebido nos

termos rigorosos do Estado Liberal e a lei passa a ser um quadro de referência da Administração,

que atua no sentido de prosseguir a pluralidade de interesses da sociedade e não e limita à

preocupação com a defesa da esfera individual.

➢ Leva a novas formas de atuação do Estado que diluem a dicotomia direito

público/direito privado

o Surgem normas destinadas a regular a atividade económica dos vários

agentes, quer públicos quer privados – normas que se sobrepõe às categorias

direito público/direito privado e não nascem por elas condicionadas

3. NECESSIDADE DE RECURSO A ESTUDOS INTERDISCIPLINARES

Não se podem ignorar as zonas de fronteira mal definidas e da autonomia de múltiplas

disciplinas afins ao Direito da Economia, que é um Direito de sobreposições2

➢ Hoje em dia, o Direito da Economia ficou como um guarda-chuva de temas que já são

estudados em outras disciplinas autónomas.

o Não haveria uma lacuna científica se esta disciplina desaparecesse, pois estes

temas poderiam ser estudados noutras áreas.

o O que faltaria era uma visão de conjunto sobre todas estas áreas de forma

interdisciplinar.

o Um jurista de uma das outras áreas não conseguiria tratar todas as matérias que

o Direito da Economia regula – esta disciplina permite que um jurista tenha

“um pé em cada área” de forma a compreender tudo, com um pensamento

interdisciplinar.

4. MOBILIDADE ACENTUADA DAS NORMAS JURÍDICAS

2 Ex: Direito constitucional económico – estuda-se no Direito Constitucional Direito administrativo económico – estuda-se no Direito Administrativo

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5. CRISE DA GENERALIDADE DA NORMA E CRESCENTE IMPORTÂNCIA DO CASUÍSMO

As normas têm caráter recente e subordinam-se às políticas económicas e sociais.

➢ Há uma dependência da legislação face às mudanças de política económica.

As próprias normas têm de ser dinâmicas e que sejam alteráveis pois a realidade vai-se

alterando e evoluindo:

• Solução europeia: enquadramento muito geral das normas de forma a que o TJUE

densifique as normas e adapte a normatividade à normalidade por via jurisprudencial.

• Solução nacional: é colocar apenas algumas normas na legislação e deixar para a

regulação a concretização das mesmas, pois é mais fácil alterar-se essas normas do que

as legais.

6. VARIAÇÃO E HETEROGENEIDADE DAS FONTES DE DIREITO

As Fontes do Direito da Economia que têm de ser consideradas não são todas de natureza

pública ou exclusivamente pública.

A. Constituição

B. Atos Normativos

C. Regulamentos

D. Fontes internacionais

E. Fontes Comunitárias – que têm um lugar à parte das internacionais

F. Novas Fontes – origem numa série de disposições de regulação da atividade económica

que têm origem privada ou mista – soft law

a. Acordos de Concertação Económica – Códigos de Boa Conduta, constituídos por

recomendações elaboradas progressivamente e que procurariam fazer face à

ausência de tradições e costumes ou à sua insuficiência.

b. Autoridades Administrativas Independentes.

c. Organismos Consultivos – observatórios, comités de ética e etc.

Jurisprudência é muito importante num domínio com a novidade e mobilidade do Direito da

Economia – a apreciação da forma como os tribunais interpretam as normas de direito

económico revela-se de grande importância na cimentação desta área normativa.

➢ Quem decide até que ponto o Estado pode intervir na economia é o próprio Estado, pela

boca dos Tribunais3,

7. DECLÍNIO PARCIAL DA IMPERATIVIDADE E COERCIBILIDADE DAS NORMAS

Crescente recurso a incentivos em vez de normas de repressão

• Normas de pressão – limita os termos de exercício de uma atividade, enquadrando-a

pela negativa

• Normas de incentivo – pretendem não limitar, mas sim impulsionar a atividade

3 No limite: o Tribunal Constitucional. Direito é dito não pelo legislador mas sim pelo juiz. Nas questões fraturantes, é a pessoa que está a julgar, como ser humano e político, que tem a capacidade de decidir.

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Constituição Económica Portuguesa

A Constituição Económica é constituída por um conjunto de objetivos que refletem uma certa

visão de como a sociedade deve funcionar4.

Antigo Regime

Constituições económicas implícitas.

Preponderância de corporações e monopólios

Economia dirigista com alguma autorregulação

No espaço da Europa Ocidental, as Revoluções Liberais renegaram o Estado Absoluto e dá-se a

transição para o Estado Liberal.

• 1ª Constituição neste espaço foi a Francesa – embora a 1ª tenha sido a da

Commonwealth da Letónia e Lituânia, uns meses antes.

• Constituições preocupavam-se com liberdades e direitos políticos – aos quais estavam

subjacentes direitos económicos, na Constituição material.

Liberalismo

Não entendem o Estado como preponderante e veem a economia como resultado da liberdade

individual

Há um mínimo de Estado que apenas tem de garantir a segurança e a propriedade

1ª Constituição Económica em sentido formal

Constituição de Weimar, Alemanha 1919

Direitos económicos expressos

Constituições de cunho autoritário

Dirigismo estatal e postura antidemocrática – até ao final da II Guerra Mundial.

Welfare State

Especialmente a partir da queda do muro de Berlim, os Estados passaram por um período de

transição de uma economia planificada para economias de mercado.

O Estado cresce, pois aumenta-se o angariar de receita para se ter mais despesa

Economia mista – coexistência do setor público e privado.

Dimensão Supranacional

Com as crises dos anos 70, os Estados começam a partir para uma dimensão de

supranacionalidade

Integração europeia na Europa;

Integração no FMI;

Devolução de poderes de regulação económico-social para entidades infraestaduais.

4 Existem vários modelos económicos de constituição: comunista, liberalista.

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PORTUGAL

Constituição de 1822

• Consagra-se o direito ao valor da propriedade.

• Não havia direito à liberdade mas sim a um princípio da legalidade – podia haver

restrições à liberdade, desde que feitas por lei.

• Modelo de Estado abstencionista ou minimalista.

Carta Constitucional de 1826

Consagra expressamente a liberdade económica, de circulação de pessoas e bens

• Começa a instituir-se mercado interno português.

Constituição de 1938

• Indemnizações ex post após expropriações

• Irreversibilidade da venda de bens nacionais

Constituição de 1911

Preocupação constitucional com regulamentação da moeda com perspetivação de um Banco

Central.

Constituição de 1933

Pedro Alves Pardal: 1ª CRP formal – à semelhança da de Weimar, tem as primeiras normas

económicas na CRP

• Economia dirigista, intervencionista e com grande componente protecionista.

• Diminuição da liberdade económica e proteção da propriedade privada.

• Regime de condicionamento industrial em que o Estado controla

Período pré-constitucional de 1974 a 1976

Programa do MFA com os 3 Ds5 e com pendor socialista cujos aspetos principais eram:

• Direitos sociais e redistribuição de riqueza;

• Nacionalizações – 1º os bancos (o banco emissor de moeda); empresas portuguesas de

vários setores;

• Reforma agrária;

• Ocupação de empresas;

• Criação do IAPMEI;

• Medidas legislativas de punição de delitos económicos

A CRP 1976 nasce num período conturbado de revoluções e contrarrevoluções.

Constituição de 1976

Constituição socializante e de forte pendor socialista – com diversas referências.

• Irreversibilidade das nacionalizações;

• Vedam-se vários setores à iniciativa económica privada e há grande setor público

empresarial;

Consagra-se o Welfare State condicionado à transição para o socialismo.

5 Democratizar, descolonizar, desenvolver

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O legislador ordinário é que concretizaria a transição para o socialismo, começando a dar-lhe

uma leitura mais liberal.

Revisão de 1982

Retira a densidade da carga ideológica/programática socialista – neutraliza mais a CRP e

prepara-a para a adesão às Comunidades Europeias.

Desliga-se os DESC da apropriação coletiva dos meios de produção;

Deixa de haver limitação de rendimentos a máximo legal nacional;

Setor privado deixa de ser definindo pela negativa;

Torna a CRP mais democrática – planificação democrática da economia.

Miguel Sousa Ferro: Tribunal Constitucional foi ágil e permitiu uma maior liberalização da

economia, pois era o que o legislador pretendia.

Revisão de 1989

Passagem para o Estado pós-social.

Parte significativa do Direito Económico era já regulado por DUE – grande influência da adesão

ás Comunidades Europeias.

Continuou-se o processo para uma economia mais liberal e um Estado providência pós-social.

• Elimina-se o princípio da irreversibilidade das nacionalizações – possibilidade de se

reprivatizar aqueles bens nacionalizados após a Revolução.

• O direito de propriedade sai reforçado, na medida em que é eliminada a possibilidade

de expropriação sem indemnização dos meios de produção abandonados.

• Livre exercício da iniciativa económica privada deixa de ser limitado.

Revisão de 1992

Desencadeada na sequência do Tratado de Maastricht de 7 de fevereiro de 1992.

➢ Inserção do Banco de Portugal no sistema europeu de bancos centrais (SEBC).

Revisão de 1997

Prossegue o processo de neutralização ideológica da CRP, permitindo atenuar ainda mais o peso

do Estado na economia, com uma atuação pública reduzida.

Em vez de uma exigência, passa a ser uma faculdade constitucional a vedação de setores à

iniciativa privada.

Caráter remissivo das leis para normas europeias sobre o Banco de Portugal e criação de um

regime de União Económica e Monetária.

Economia Mista.

Princípios Fundamentais da Organização Económico-Social Texto constitucional contem várias disposições relevantes em matéria económica.6

6 Na CRP temos:

• Normas de Garantia/Estatutárias: princípios + DLG –> direitos contra o Estado

• Normas Programáticas: DESC –> impõe ao Estado a prossecução de objetivos, que são

concretizados e densificados em legislação ordinária

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A Parte II da Constituição (art. 80º e ss. CRP) abre com os “princípios fundamentais” que

conferem unidade sistemática à organização económica.

➢ Guilherme D’Oliveira Martins: princípios constituem os fundamentos da organização

económica, extraindo-se da sua enunciação o modelo estático da economia – são o

ponto de partida de (outros) princípios e normas subsequentes da ordem constitucional

portuguesa da economia.

1. Garantia dos Direitos Fundamentais económico-sociais Direitos e deveres económicos – Capítulo I, Título II da Parte I

O direito da propriedade privada e da livre iniciativa económica são traves-mestras da ordem

económica liberal e constituem-se como “direitos-liberdade”, na medida em que o seu

exercício depende de uma decisão autónoma do respetivo titular.

• Estão na CRP mas não têm caráter absoluto e individualista.

Direito de Propriedade Privada – art. 62º CRP Está previsto entre os Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais – a razão para esta

inserção sistemática é de origem histórica e vem em linha de conta com o espírito socializante

da CRP 1976 em que não se consagrava a Propriedade Privada como algo fundamental.

➢ Tem uma natureza análoga aos DLG, por força do art. 17º CRP, beneficiando da

proteção dada a estes, pelo art. 18º CRP.

➢ TC tem-no vindo a afirmar repetidamente desde 1984, mas discernem, dentro do direito

de propriedade privada, o núcleo ou conjunto de faculdades que revestem natureza

análoga aos DLG, uma vez que nem todas elas se podem considerar como tal.7

➢ Eventuais restrições legais que afetem o núcleo essencial do direito de propriedade

cabem na reserva relativa da AR (art. 165º/1/b CRP)

O objeto do direito de propriedade privada, a nível constitucional abrange mais do que a

propriedade sobre coisas, referindo-se a outros direitos de valor patrimonial bem como a

propriedade científica, literária ou artística – estende-se a todos os tipos de bens.

• Quase todos os direitos sobre bens estão reconhecidos constitucionalmente.

• A pensão não está consagrada como direito de propriedade = Acórdão TC nº 187/2013

o Existe direito à pensão mas como direito de assistência social

No âmbito subjetivo do direito de propriedade privada cabem “todas” as pessoas, singulares

ou coletivas.

• Pode é haver certas limitações pelos seus estatutos e/ou funções.

Dupla Garantia Constitucional:

• Enquanto Instituição – veda ao legislador ordinário colocar em causa a existência da

propriedade privada

• Enquanto Direito Fundamental

7 Acórdão TC nº 329/99: “só na dimensão em que o direito de propriedade tiver essa natureza análoga aos DLG”

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Componentes

1. Direito à propriedade – no sentido de liberdade de aquisição de bens através das formas

legítimas de apropriação.

2. Direito de usar e fruir dos respetivos bens8

3. Direito de transmissão da propriedade dos respetivos bens – inter vivos ou mortis caua

4. Direito de não ser privado dos respetivos bens – restringido pelo art. 62º/2

Valor da propriedade como sucedâneo ao direito de propriedade privada

Nos casos em que há privação do direito da propriedade privada, tal só pode ser feito por

razões de utilidade pública e mediante pagamento de indemnização.

• Requisição – privação excecional e temporária que incide sobre bens móveis ou

imóveis, justificando-se por um interesse público a realizar com urgência.9

• Expropriação – ablação do direito de propriedade com caráter definitivo e justificando-

se por um interesse público, alterando o domínio das situações jurídicas.

o Exige sempre uma “justa indemnização”

▪ Já não se admite o Confisco Geral de bens

• Só pode haver um Confisco Especial, como sanção penal10,

traduzida na apreensão e correspondente perda a favor do

Estado do produto obtido e dos instrumentos utilizados na

prática de ato ilícito.11

Livre Iniciativa Económica Privada – art. 61º CRP Direito económico fundamental cujo exercício é realizado nos quadros definidos pela CRP e pela

lei12, tendo em conta o interesse geral.

➢ Não é direito absoluto e está sujeito a condicionamentos e até restrições – nunca pode

é ser posta em causa a existência e garantia de um setor privado.

Duas vertentes13:

• Liberdade de iniciar uma atividade económica – liberdade de iniciativa stricto sensu ou

liberdade de estabelecimento – direito de iniciar uma atividade económica, direito de

iniciar uma atividade de organização de certos meios de produção para um determinado

fim económico;

• Liberdade de organizar a empresa – liberdade de empresa ou liberdade empresarial –

direito de praticar atos correspondentes aos meios e fins predispostos e de reger

livremente a organização em que tem de assentar.

Pode até dividir-se em 4 componentes:

1. Liberdade de acesso ou investimento – restrição no art. 86º/3 CRP e Lei 88-A/9714

2. Liberdade de criação de empresas

8 Pedro Alves Pardal: por não se encontrar expressamente referido no texto constitucional, parece revestir estatuto diminuído face aos restantes 9 Tem sempre que passar no crivo do princípio da proporcionalidade e ter em conta se há disponível um meio menos lesivo. 10 Acórdão TC nº 39/88 – o confisco só como reação criminal é constitucionalmente admissível. 11 Miguel Sousa Ferro: há casos em que não há confisco propriamente dito, pois o objeto são bens ilícitos. 12 Grande margem de manobra do legislador ordinário sem ter limites fixos constitucionalmente 13 Duplo sentido (Gomes Canotilho e Vital Moreira); dois momentos (Jorge Miranda e Rui Medeiros) 14 Lei que exclui a iniciativa privada de alguns setores da economia.

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3. Liberdade de organização – há limitações, como os requisitos do Código das Sociedades

Comerciais; mas são restrições permitidas pela CRP.

4. Liberdade de contratação – liberdade de definir as suas relações jurídicas com terceiros.

Há restrições na lei.

Art. 86º/3 – consagra uma faculdade cujo exercício legislativo (art. 165º/1/j) tem de ter em

conta o princípio do Estado de Direito Democrático.

➢ É análogo aos DLG no que diz aos quadros gerais e aspetos garantísticos da liberdade

de iniciativa económica, que digam respeito à liberdade de iniciar empresa e de a gerir

sem interferência externa.

De acordo com uma visão pluralista da atividade económica também se consagra a livre

iniciativa cooperativa.

2. Subordinação do poder económico ao poder político democrático Art. 80º/a CRP

Na CRP 1976 havia uma subjugação do poder económico privado ao poder político democrático.

➢ Com a revisão de 1982 consagra-se formalmente um princípio de subordinação do

poder económico (geral) ao poder político democrático.

o Jomi: princípio estrutural da definição da República Portuguesa como EDD

Art. 80º/a constitui um corolário do princípio do Estado de Direito Democrático (art. 2º) e do

princípio do poder por parte do povo nos termos da Constituição (art. 108º).

• Diretriz de atuação ao poder político para não deixar que o poder económico se

sobreponha ou imiscua no processo de tomada de decisão do Estado lato sensu.

• Visa todos os centros de decisão do poder político nacional, regional e autárquico e as

entidades reguladores setoriais.

• Trata-se de uma reafirmação do poder do Estado sobre a economia.

3. Coexistência dos 3 setores de propriedade dos meios de produção Art. 80º/b CRP

Consagrado como princípio paradigmático da Constituição económica portuguesa – princípio

fundamental da organização económico-social.

Tem garantia constitucional no art. 82º/1 CRP e constitui um dos limites materiais de revisão

no art. 288º/f CRP.

➢ É da reserva relativa da AR – art. 165º/1/j

➢ Está sujeito a regime especial de veto – art. 136º/3/b

Noção constitucional de “bens de produção”

A doutrina marxista influenciou fortemente a CRP de 1976 e visava moldar uma sociedade em

que a “propriedade dos meios de produção” seria coletiva15.

15 Sendo que o sentido constitucional dado à “propriedade” é diferente do entendimento no Direito Civil.

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Com as sucessivas revisões, retira-se a carga ideológica da CRP e simplifica-se o atual art. 82º/1

falando-se apenas em “bens de produção”, que englobam os bens de produção stricto sensu e

os recursos naturais e os solos. Desde a revisão de 1989 passa a englobar também o conceito de

unidades de produção.

O conceito constitucional é diferente do conceito económico de fatores de produção (capital +

terra + trabalho): na CRP, “meios de produção” são o fator de produção capital16 e o

fator de produção terra17. ➢ O fator de produção trabalho18 não integra os “meios de produção” e antes se exerce

sobre ele, sendo tutelado constitucionalmente em matéria de direitos e deveres

económicos e DLG dos trabalhadores.

➢ Não engloba também os bens de consumos, i.e., aqueles que satisfazem necessidades

económicas através da sua destruição.

Princípio da coexistência de propriedade dos meios de produção legitima constitucionalmente a

participação no processo de produção económica por parte de entidades de diversa natureza –

públicas, privadas, cooperativas e sociais – sendo elas compatíveis umas com as outras, o que

contribui para a realização de uma economia mista.

Setor Público de propriedade dos meios de produção Muito abrangente na CRP de 1976 – publicização da economia

Hoje em dia, o setor público é definido no art. 82º CRP com base num critério cumulativo:

➢ propriedade + gestão pertencentes ao Estado.

Mediata ou imediatamente têm de pertencer ao Estado ou a outras entidades públicas sendo,

para efeitos de integração num dos setores de propriedade dos meios de produção, indiferente

a forma jurídica de organização e atuação dessas empresas.19

Setor Privado de propriedade dos meios de produção Era definido em 1976 pela negativa20, com a revisão de 1982 passa a ser definido positivamente

no art. 82º/3.

Paulo Otero divide em:

• Setor privado suis generis/publicizado – quando há um dos elementos públicos

(controlados pelo Estado)

• Setor privado típico – quando ambos os elementos são privados

16 Bens produzidos que, por sua vez, são empregues como fatores de produção para produzir bens e serviços. 17 Fatores de produção naturais, i.e., decorrem da natureza. 18 Atividade humana no processo de produção – esforço consciente desenvolvido pelos seres humanos obre outros fatores de produção para produzir bens úteis à satisfação das necessidades económicas. 19 Isto implica que algumas empresas públicas dotadas de personalidade jurídica de direito privado tenham os seus meios de produção integrados no setor público. 20 Em 1976 o setor privado era visto como o setor onde cabia o que não cabia nos outros.

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13

Art. 86º/3: O vedar de setores à iniciativa privada pode não por em causa a coexistência dos

setores – depende do caso e deve se ter em conta sempre este princípio de coexistência dos

setores.

Setor cooperativo e social de propriedade dos meios de produção Em 1976 apenas se previa o setor cooperativo.

Com as sucessivas revisões constitucionais, este setor passou a englobar 4 subsetores – art.

82º/4 CRP:

1. Cooperativo

2. Comunitário – bens que não pertencem nem a privados nem a públicos e que dizem

respeito a formas tradicionais de utilização coletiva de certos bens (rurais). Ex: baldios

3. De autogestão – reminiscências de expetativas do período revolucionário e reflexo de

ideias de pendor coletivista.

4. Solidariedade social – prossecução de finalidades de solidariedade social.

Art. 86º/3 é entendido pela maior parte da doutrina como não aplicável ao setor cooperativo

pois este tem uma natureza diferente do setor privado.

4. Liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia

mista

Art. 80º/c CRP

Funda-se na coexistência dos 3 setores e admite iniciativas económicas públicas, privadas e

cooperativas.

➢ Pedro Alves Pardal: Constitucionaliza-se uma noção de Economia Mista.

5. Propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo

com o interesse coletivo Art. 80º/d CRP

Constituição tem hoje um princípio de neutralidade e não impede, nem impõe que os meios de

produção do Setor Público tenham por destino alcançar lucro.

➢ Mas, o lucro não pode constituir critério suficiente para justificar a propriedade dos

meios de produção por parte do Estado – o critério que releva é o do interesse público,

que justifica a manutenção da propriedade pública de meios de produção.

Nacionalizações Requisito formal: dever de fundamentação, de forma a permitir o controlo judicial efetivo, na

decisão da administração.

É constitucionalmente admissível a apropriação pública dos meios de produção – art. 83º CRP.

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14

O regime das nacionalizações é da competência relativa da AR – art. 165º/1/l

• Devem ser feitas de acordo com o interesse coletivo, respeitando o princípio da

proporcionalidade e o da igualdade. Tem que se também ter em conta o princípio da sã

concorrência, uma vez que a nacionalização de determinada empresa afeta o mercado.

• Nunca pode por em causa os 3 setores dos meios de produção.

Regime Legal das Nacionalizações

Devido à urgente opção política de nacionalizar o BPN, em 2008, surge o enquadramento

normativo das nacionalizações: Lei 62-A/2008, de 11 de novembro.

• Expressa que pode haver nacionalização por motivos excecionais especialmente

fundamentados, tal se revele necessário para salvaguardar o interesse público.

• Deve respeitar-se os princípios da igualdade, proporcionalidade e concorrência

• Permite ao Governo fazer DL para as nacionalizações – forma mais célere, quando há

risco sistémico e etc.

o Nacionalização não tem caráter geral e abstrato, assemelhando-se a um ato

administrativo.

o Cunha Rodrigues: era mais fácil, mais rápido e não contra a CRP fazer

nacionalizações por decreto regulamentar – numa perspetiva de iure condendo.

o Optou-se por ser DL porque as medidas são muito importantes.

Para afastar a figura do Confisco (geral), a Nacionalização envolve sempre uma Indemnização.

• Após o 11 de março de 1975 houve inúmeras nacionalizações sem diplomas legais a

reger as medidas privativas da propriedade.

• Os proprietários não foram logo indemnizados e tiveram de esperar – o processo de

atribuição das indemnizações foi, em todo o caso, um processo moroso e até complexo

que se arrastou pelos tribunais portugueses e até por instâncias internacionais (Paz

Ferreira).

TC orienta-se no sentido de que, Constitucionalmente, o regime da indemnização por

expropriação é diferente do da indemnização por nacionalização:

• Expropriação dá sempre lugar ao pagamento de uma justa indemnização (na CRP 1976

havia uma possibilidade de expropriação sem indemnização “de latifundiários e de

grandes proprietários e empresários ou acionistas” mas isso foi eliminado em 1982) –

art. 62º/2 CRP;

• Nacionalização remete para a lei ordinária onde se fixa os critérios para o conferir de

indemnizações – art. 83º CRP.

Acórdão TC nº 452/95: o ato expropriativo impõe uma indemnização completa, total ou integral

do dano suportado pelo expropriado, devendo o pagamento da expropriação ser

contemporâneo à expropriação. Para a nacionalização não é necessária uma full composition e

basta apenas uma indemnização razoável ou aceitável que cumpra as exigências mínimas de

justiça implicadas na ideia de Estado de Direito.

• Dois critérios de justiça para as indemnizações: um mais exigente para as expropriações

e outro menos exigente para as nacionalizações.

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15

Objeto diferente:

• Nacionalização é unidades/bens de produção;

• Expropriação é bens/propriedade privada.

Fim diferente:

• Nacionalização é para intervenção económica;

• Expropriação é para utilidade pública.

Tem que sempre se ter em conta outras opções menos lesivas (princípio da proporcionalidade).

Acórdão TC nº 39/88

Um dos fins que se apontam às nacionalizações é o de colocar nas mãos dos poderes públicos

funções de direção e de coordenação da economia que se entende estarem a ser mal exercidas

na esfera privada.

Mota Pinto: é ato político expresso num ato jurídico; tendo uma forte carga ideológica o que

tem implicações na questão da indemnização.21

Manuel Afonso Vaz: não ligam ao valor real do património ou dos bens mas ao facto de se

tratarem de uma unidade produtiva

Nacionalização de bens tem que dar lugar, em princípio, a uma indemnização que obedeça a um

critério de justiça.

• Indemnização visa compensar os proprietários privados pelo prejuízo sofrido com a

nacionalização – o que é uma exigência do Estado de Direito Democrático.

• Proíbe-se as nacionalizações arbitrárias, que não forem determinadas por razões de

interesse público, de ordem pública ou que se façam sem atribuição de indemnização

ou com indemnização manifestamente inadequada.

Distinção entre nacionalização e expropriação:

Nacionalização é instituto de caráter excecional, que arranca da ideia de uma determinada atividade

económica pertencer à coletividade e, por isso, dever ser por ela exercida no interesse público.

Expropriação é instituto comum ou ordinário que implica sempre a fixação de uma indemnização total e

prévia da transferência da propriedade

Mota Pinto:

• Nacionalização – ato politico expresso num ato jurídico em que se provoca a

transferência de bens da propriedade privada para a propriedade pública e exprime o

intuito de gerir os bens no interesse coletivo.

o Assenta numa conceção político-ideológica sobre o papel e âmbito relativo da

propriedade pública dos bens.

• Expropriação – transferência de bens da propriedade privada para a propriedade

pública visando uma utilidade pública superior à decorrente do bem na esfera privada.

o Assenta em razões económico-sociais de índole pragmática que, em situações

determinadas, exigem que se ponha termo à propriedade privada de um certo

bem.

21 Carlos Ferreira de Almeida: Sentido quase sempre ideológico e até punitivo das nacionalizações

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16

Princípio da justa indemnização reclama uma adoção num período de avaliação mais curto, para

reduzir ao mínimo os efeitos de desvalorização da moeda.

➢ Haver um prazo muito longo, faz desvalorizar a moeda e retira o efeito útil da

indemnização.

Lei das Reprivatizações: Lei 11/90 Elaborada para as nacionalizações pós Abril de 1974 ainda é considerada como o regime mais

adequado e com maior aplicabilidade.

Ambiguidade quanto ao âmbito de aplicação para as nacionalizações pós período pré-

constitucional.

A alienação de participações sociais do Estado é diferente da privatização22, pois não implica

uma transferência setorial subjacente ao ato (saindo do setor público para o setor privado) –

regulada na Lei 71/88.

➢ Também há diferenças de natureza:

o Mera alienação é ato administrativo de gestão financeira

o Privatização é um ato político

Na maior parte dos casos há logo programas de privatização, pelo que se aplica a Lei 11/90.

➢ Se não houver logo programa, mas o Governo tem a intenção de fazer uma privatização,

tem na mesma que aplicar a Lei 11/90, sob pena de ser fraude à lei.

o Governo não pode transferir agora 40% para sujeitar à Lei 71/88 e depois

transferir 11% aos quais aplica a Lei 11/90.

Exclusão de aplicação da Lei 11/90:

1. Art. 293º/2 CRP – PMEs indiretamente nacionalizadas situadas fora dos sectores básicos

da economia poderão ser reprivatizadas nos termos da lei.

2. Art. 1º da Lei 11/90

a. Nacionalizações antes do 25 de abril de 1975

b. Quando unidade económica ou meio de produção nunca tenha estado no setor

privado (estando sempre estado no setor público)

c. Reprivatizações de apropriações coletivas que não tenham sido nacionalizadas

d. Alienação das participações sociais indiretamente nacionalizadas

e. Todas as alienações das participações sociais no âmbito da Lei 71/88, que não

assumem o caráter de programa político-legislativo de reprivatização,

consistindo num ato administrativo, na maior parte das vezes atendendo a

considerações de índole financeira23, os quais podem ser (até apenas) abertos a

entes públicos

3. Art. 2º da Lei 11/90 – empresas vedadas à iniciativa privada, pela Lei 88-A/97

Geralmente aplica-se a Lei 11/90 a algo que foi nacionalizado e agora volta a ser privado –

incluem-se também os bens.

➢ Tem que se ter em conta o art. 4º; após esta fase pode passar-se para a fase seguinte

do Conselho de Ministros (art. 14º)

22 Implica uma transferência sectorial subjacente (do setor público para o setor privado) 23 Pode ser um ato administrativo de gestão do Estado

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17

Art. 15º da Lei 11/90 permitia ações preferenciais do Estado em empresas24 - foi revogado.

➢ Acórdão Comissão v. Portugal, C-171/08 TJUE estabeleceu que isso era contrário ao

DUE – detenção pelo Estado português de ações privilegiadas em causa constitui uma

restrição à livre circulação de capitais.

o A livre circulação de capitais traduz-se em normas dirigidas ao Estado.25

o Não pode haver medidas estatais que criem participações privilegiadas em

empresas – eles podem ter essas ações preferenciais, mas não pode ser o

Estado a criá-las; só pode existir por vontade do privado (estando nos

Estatutos26, criado em assembleia geral ou etc.)

Art. 293º/1/b CRP é a norma habilitante desta lei-quadro que determina a consignação das

receitas.

6. Planeamento democrático do desenvolvimento económico e social Art. 80º/e CRP

A revisão de 1982 retira-lhe a carga ideológica de economia dirigista a que se impõe a

“construção de uma economia socialista” e permanece apenas como instrumento de

orientação, coordenação e direção da organização económica e social.

Noutros ordenamentos jurídicos europeus começa também a consagrar-se o planeamento mas

um de tipo liberal, essencialmente fundada na concertação com os parceiros económicos e

sociais.

Hoje em dia temos diversos níveis de planeamento: nacional, regional e autárquico – são

independentes, mas o sistema constitucional visa alguma articulação entre eles.

• Planos nacionais são documentos que determinam as escolhas estratégicas, por parte

do Governo (art. 199º/a) para a prossecução, num determinado período de tempo, dos

objetivos de desenvolvimento económico e social que se encontram

constitucionalmente previstos (art. 90º e 91º).

• Isso não impede que a lei também estabelece objetivos económicos a desenvolver.

7. Proteção do setor cooperativo e social de propriedade dos meios de produção Art. 80º/f CRP

8. Participação na definição das principais medidas económicas e sociais por parte

das organizações representativas quer dos trabalhadores quer das atividades

económicas Art. 80º/g CRP

24 Ações que eram só do Estado como preferenciais; sendo vendidas deixam de ser preferenciais. 25 Às justificações fundadas em razões imperiosas de interesse geral, invocadas pelas autoridades portuguesas, importa recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que o interesse de salvaguardar condições de concorrência num determinado mercado não constitui uma justificação válida de restrições à livre circulação de capitais. 26 Mas esses estatutos não podem ser aprovados por DL, aí já é uma medida estatal. Nas empresas participadas, o Estado deve abster-se de votar na criação destas ações preferenciais, pois isso pode confundir-se com uma medida estatal.

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18

Constituição Económica Europeia Refere-se às grandes opções jurídico-económicas feitas pela União Europeia

Maria Manuel Leitão Marques, António Carlos dos Santos, Maria Eduarda Gonçalves: A ordem

jurídica europeia (comunitária) baseia-se em princípios de índole jurídico-económica e

em princípios de índole jurídico-política desde o seu início.

Fontes das normas europeias de Direito da Economia:

• Tratados

• Direito Derivado – que pode primar sobre normas internas

• Jurisprudência TJUE – interpreta os Tratados e o Direito Derivado, densificando

conceitos e criando precedentes para as normas

• Também os dispositivos de soft law fazem parte do acquis communautaire

4 fases de integração económica regional: A. Zona de Comércio Livre – só abrange os produtos produzidos nos Estados dessa zona

(para ser originário dessa zona basta que haja uma transformação do produto – essa

transformação é aferida quantitativamente em quanto valorizou)

B. União Aduaneira – pauta aduaneira comum na relação com Estados terceiros (política

comercial comum com os mesmos direitos de importação e exportação na relação com

o mundo exterior; é indiferente em que país o produto entre, pois paga sempre o

mesmo); livre circulação de mercadorias é alargada a todos os produtos (incluindo os

agrícolas)

C. Mercado Comum – alargamento do âmbito das trocas (passa a existir as 4 liberdades) e

além das políticas de integração negativa começam a construir-se as políticas de

integração positiva (harmonização das legislações nacionais com o objetivo de

realização do mercado interno/único, art. 26º TFUE).

• Ato Único Europeu: relançou o projeto de integração europeia e aditou diversas

disposições ao Tratado de Roma com a previsão de intervenções comunitárias

em novos domínios.

D. União Económica e Monetária – preparado desde o Tratado de Maastricht com o

objetivo de ser realizado por fases (sendo o mais importante o alcançar uma moeda

única).

• Principal inovação do Tratado de Maastricht foi a construção em três fases de

uma UEM27, aberta aos Estados-membros que a ela pretendessem aderir e

satisfizessem certas condições.

• MSF: de união económica temos pouco, como a imposição de alguns limites ao

comportamentos dos Estados (quanto ao seu défice, às dividas públicas e etc.)

e a criação da União Bancária (integração positiva).

27 1ª fase (Conselho Europeu de Madrid, julho de 1990): extensão do mecanismo de câmbios do SME a todos os Estados-membros; acabamento do mercado interno, reforço da coesão económica e social e desenvolvimento da coordenação das políticas económicas. 2ª fase (janeiro de 1994): reforço da cooperação dos bancos centrais, consagrou-se a liberdade de circulação de capitais e se prosseguiu um esforço de convergência sustentada entre Estados-membros. 3ª fase (janeiro de 1999): adoção da moeda única e criação do BCE.

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19

Art. 2º TUE: não tem pendor económico e recorta a UE como um espaço de integração política.

Art. 3º/1 TUE: “bem estar” já pode ter pendor económico mas continua a ser questão política

Art. 3º/3 TUE: primeira abordagem à economia – síntese da visão europeia da economia

(projeto de capitalismo-liberal)

➢ UE tem esta visão de economia de mercado, mas o art. 345º TFUE garante aos Estados-

membros que as suas opções acerca de setores públicos e privados serão respeitadas

– principio da neutralidade (presente desde 1957)

CDFUE tem vários direitos económicos com uma componente bastante forte, mas, em menos

número que os restantes direitos.

Art. 3º TFUE: todas matérias exclusivamente económicas: a competência exclusiva da UE é

sobre matérias económicas

Art. 4º TFUE: também tem muitas competências económicas

MSF: há um degradê de competências económicas ao progredir nos Tratados

Art. 18º TFUE: aplica-se aos Estados-membros e Instituições da UE

Princípio Fundamental das normas europeias de Direito da Economia:

Liberdades fundamentais do mercado interno28

Mercado interno pressupõe como primeiro fundamento a construção de uma união

aduaneira, i.e., a fusão de diversos territórios aduaneiros num só, com a correspondente

abolição de direitos aduaneiros e de encargos de efeito equivalente, e a proibição de

restrições quantitativas e medidas de efeito equivalente.29

➢ Para construir o mercado interno temos de:

o Eliminar as restrições – regulação negativa

o Construir instrumentos jurídicos/complexos normativos que sirvam para o

realizar – regulação positiva

1. Livre circulação de pessoas: Liberdade de circulação dos agentes económicos i. Liberdade de circulação de trabalhadores assalariados: visa a construção de um

mercado unificado do trabalho assalariado e funda-se na abolição de quaisquer

discriminações em razão da nacionalidade (e de sexo) entre os trabalhadores dos

Estados-membros, no que respeita ao emprego, à remuneração e demais condições de

trabalho (art. 45º a 48º TFUE).

➢ Noção que abrange todo aquele que, mediante um contrato de trabalho ou um

contrato de qualquer outro tipo, se encontra na dependência de um

empregador exercendo uma atividade remunerada por conta alheia. Dá-lhe

direito de residência que se estende aos membros da família.

28 A par destas normas estão as regras de Direito da Concorrência e regras da UE;. 29 As medidas limitadoras da autonomia dos Estados-membros exigem a intervenção de centros de decisão da UE.

➢ Proibição restrições aduaneiras + proibição de restrições quantitativa + proibição de restrições por “medidas equivalentes”

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20

ii. Liberdade de circulação conexa com o conceito de cidadania da UE (art. 20º a 25º

TFUE): liberdade de circulação de pessoas situadas fora do processo produtivo

iii. Liberdade de estabelecimento: quer quanto às atividades não assalariadas e seu

exercício (trabalhadores liberais, independentes, comerciantes e etc.) quer quanto à

constituição e gestão de empresas e sociedades nos mesmos termos que os nacionais

(art. 49 a 55º TFUE). Restrição no art. 52º TFUE.

2. Livre circulação de serviços: Liberdade de prestação de serviços

Corolário da liberdade de circulação de pessoas (art. 56º e ss. TFUE). Restrições: art. 52º ex vi

art. 62º TFUE

➢ Noção de prestação de serviços compreende atividades muito diversas, de natureza

industrial ou comercial.

o Abrange as prestações normalmente realizadas mediante remuneração, desde

que não sejam reguladas pelas outras liberdades.

Livre prestação de serviços = deslocação do cidadão para adquirir + deslocação do prestador +

deslocação do serviço em si

Josemans, C-137/09

Resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça que o princípio da igualdade de tratamento

proíbe não só as discriminações ostensivas, baseadas na nacionalidade, mas ainda quaisquer

formas dissimuladas de discriminação que, por aplicação de outros critérios de distinção,

conduzam, de facto, ao mesmo resultado.

➢ Uma medida restritiva só pode ser considerada adequada para garantir a realização

do objetivo pretendido se responder verdadeiramente à preocupação de o atingir de

maneira coerente e sistemática

Säger, C-76/90

Principio do reconhecimento mútuo aplicado à prestação de serviços.

➢ Teste de acesso ao mercado30: constituem restrições à livre prestação de serviços não

só as medidas discriminatórias (entre nacionais/residentes e de outros EM) como

qualquer medida que determine um entrave à entrada num determinado mercado.

Carpenter, C-60/00

Caso extremo de aplicação das liberdades fundamentais do mercado interno.

➢ Imigrante filipina casada com um britânico que prestava serviços frequentemente na

Holanda.

o As leis da imigração britânicas que determinavam a deportação da senhora

foram consideradas contrárias à livre prestação de serviços, pois a sua

deportação ia implicar que o marido deixaria de ter condições para continuar a

se deslocar à Holanda para prestar serviços (por causa dos filhos menores do

casal), pois teria de ficar em casa a cuidar dos filhos.

30 É como o Dassonville. Teste de acesso ao mercado existe para todas as liberdades. As “outras medidas” podem ser derrogadas pelas normas expressas e por razões imperiosas de interesse geral.

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21

Football Association Premier League, C-403/08

TFUE exige a eliminação de qualquer restrição à livre prestação de serviços, ainda que

indistintamente aplicada aos prestadores nacionais e aos de outros Estados‑Membros, quando

seja suscetível de impedir, entravar ou tornar menos atrativas as atividades do prestador

estabelecido noutro Estado‑Membro, onde preste legalmente serviços análogos.

3. Livre circulação de capitais: Liberdade de circulação de capitais e de pagamentos Art. 63º a 66º TFUE – surge com Maastricht

• Art. 63º TFUE impõe aos Estados-membros a eliminação de restrições entre si e entre

Estados terceiros (única norma que fala em Estados terceiros, todas as outras são para

Estados-membros) – liberdade mais ampla dos Tratados, por falar nesses Estados

terceiros.

o O art. 64º tem derrogação temporal para terceiros antes de 1994.

▪ Ex novo não pode haver restrições.

o O art. 65º tem as exceções do art. 63º.

▪ Distinção fiscal31 - tem de se saber quem e onde tributa (para evitar uma

dupla tributação)

▪ Medidas de supervisão prudencial de ordem e segurança pública

Só se aplica a entidades públicas, mas, TJUE concluiu que se houver restrição por uma empresa

privada, o Estado é que é responsável – pois ele incumpriu a sua função de garantir o livre acesso

(Acórdão Strawberries).

Definição de Movimentos de Capitais – dado pela Diretiva 88/361/EC: investimentos diretos

estrangeiros, investimentos e compras imobiliárias, valores mobiliários, concessão e atribuição

de créditos ou empréstimos e outras operações de entidades financeiras.

• Sanz de Lera, C-163/94: a exportação material de meios de pagamento não pode por si

só ser considerada como um movimento de capitais.

Comissão v. Portugal, C-171/08: ações preferenciais do Estado constituem restrições32 à

liberdade de circulação de capitais pois isso iria determinar que o investimento estrangeiro fosse

feito sem ser em condições normais do mercado.

4. Livre circulação de mercadorias: Liberdade de circulação de mercadorias e bens Art. 31º, 34º, 35º, 36º TFUE

“Medidas de efeito equivalente”33 – conceito densificado pelo Caso Dassonville (C-08/74

TJUE), onde se inclui a descriminação:

31 Fiscalidade ainda é matéria da exclusiva competência dos Estados-membros 32 Conceito abrangente na lógica de mercado. 33 Há o seu paralelo nas outras liberdades, em que há medidas discriminatórias e outras restrições.

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22

➢ Todas as regras de comércio adotadas pelos Estados-membros que sejam

capazes de restringir, direta ou indiretamente, atual ou potencialmente, as

trocas entre o mercado comunitário.34 o Ex: supermercados estarem fechados ao domingo estaria a violar esta fórmula

pois haveria menos quantidade vendida, logo menos quantidade seria

importada – isto tudo potencialmente.

➢ Jurisprudência Dassonville fez com que o TJUE aplicasse um teste de acesso ao

mercado, concluindo que se restringir é medida de efeito equivalente.

Fórmula Dassonville era muito abrangente, pois foi avançada numa fase primária da formação

do mercado interno.

• Começam a existir muitos reenvios prejudiciais devido a esta noção ampla, que se

aplicaria a muitos casos.

o Levou a que muitos casos fossem apresentados perante o TJUE.

Após ver se passa na fórmula Dassonville35 temos que ver estas seguintes características:

1. Caso Cassis de Dijon (C-120/78 TJUE) + Dassonville

Está-se a regular características do produto.

Princípio do Reconhecimento Mútuo dentro do mercado interno – se um produto é autorizado,

com aquelas características, num Estado-membro, então tem de ser permitido noutro.

• Se um produto for legalmente comercializado noutro Estado-membro, então pode ser

legalmente comercializado noutro, a não ser que o Estado justifique com razões

imperiosas para essa não comercialização – exceção do art. 36º TFUE

o Delhaize, C-47/90: restrições quantitativas à exportação de vinho de Rioja e

derrogação (não admitida pelo TJUE) assente na proteção da propriedade

industrial e comercial (art. 36º TFUE) -> não foi demonstrado que o

engarrafamento do vinho em causa na região de produção fosse uma operação

que conferisse ao vinho características particulares ou uma operação

indispensável para a manutenção das características específicas que o vinho

adquiriu.

▪ Regulamentação nacional aplicável aos vinhos com denominação de

origem que limita a quantidade de vinho suscetível de ser exportada é

uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à

exportação.

• Basta a empresas atingirem mínimos para poderem estar em todos os Estados-membros

– efeito Dellaware.

34 = Qualquer medida suscetível de dificultar, direta ou indiretamente, atual ou potencialmente, o comércio intracomunitário constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa.

➢ Exigência por um Estado-membro de um certificado de autenticidade cuja obtenção é mais difícil para os importadores de um produto autêntico regularmente em livre prática noutro Estado-membro do que para os importadores do mesmo produto em proveniência direta do país de origem constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, incompatível com o Tratado

35 Critério geral para ver o que é medida de efeito equivalente a restrições.

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23

Isto levou a que fosse a UE a regular diretamente os produtos – para evitar que Estados

diferentes tenham requisitos diferentes.

➢ Vertente de regulação positiva para a construção do mercado interno.

2. Caso Keck (C-267/91 TJUE)

Está-se a regular regras de comércio. o Quando há descriminação

o “certain selling arrangements” = modalidades de venda

Tribunal diz expressamente que vai alterar a sua jurisprudência (Dassonville) pois percebe que

a fórmula anterior está a gerar muitos casos.

➢ Teste de acesso ao mercado de Dassonville tem que também ser testado para ver se

afetam da mesma forma, tanto juridicamente como de facto, a comercialização dos

produtos nacionais e dos provenientes de outros Estados-membros.

Está-se a falar de regras de comércio, pelo que o que importa é que elas não sejam

discriminatórias, o que levaria a que elas caíssem no âmbito das proibições.

• Teste de Descriminação: são “medidas equivalentes” se se tratar de forma distinta os

produtos nacionais e os produtos de outros Estados-membros.

o Regras de comércio não discriminatórias não caem no âmbito do artigo do

Tratado – está a corrigir a norma e aditar coisas que lá não estão escritas (art.

34º TFUE) – se medida não for descriminação não é restrição.

o Tribunal usa esta lógica para não ter de aplicar a exceção do art. 36º, pois

implicava ir controlar em concreto o conteúdo das normas.

o Não tinham que controlar as medidas não discriminatórias, só tinham de ver

se eram discriminatórias.

Foi excessivo, dizer que o TJUE não controlaria as medidas não discriminatórias.

• Os Estados-membros começaram a fazer medidas não discriminatórias mas cujos

efeitos eram discriminatórios.

o TJUE não alterou o Keck36 mas interpretou-o no sentido de que a descriminação

pode ser de iure (quando advém da letra da lei) ou de facto (quando advém dos

efeitos práticos da lei37).

o Dizendo que é discriminatório de facto, tem que se sindicar se é uma exceção e

se isso é justificável (pelo art. 36º).

A consequência foi um impulso legiferante da UE para se harmonizarem as regras de comércio.

36 Mickelsson e Roos, C-142/05 + Comissão c. Itália, C-110/05: Estes casos representam um regresso ao teste do acesso ao mercado (Dassonville) quanto à aferição de medidas de efeito equivalente, por oposição ao teste da discriminação que vinha a ser aplicado desde o acórdão Keck. 37 Caso de entrada na polícia Grega que tinha requisitos de altura, sendo discriminatório para mulheres – os efeitos eram discriminatórios pois seria possível entrarem mais homens do que mulheres.

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24

Apesar disso, tem de sempre aferir-se a aplicação do art. 36º TFUE

• Exceção no art. 36º: numerus clausus de justificações para restringir as medidas

quantitativas38 e as medidas equivalentes.

➢ O Estado pode ainda tentar justificar as medidas equivalentes por Razões

Imperiosas de Interesse Geral39 – TJUE sindica até que ponto isso é atendível,

aplicando um teste de proporcionalidade40.

Liberdade de concorrência: é uma consequência das liberdades económicas, em particular

da liberdade de empresa.

• Forma de coordenação económica reconhecida como o verdadeiro

motor do sistema de economia de mercado e, nesta ótica, uma garantia

da efetivação das outras liberdades económicas.

• É um mecanismo frágil que dificilmente subsistiria se deixado entregue

a si próprio.

o Daí que seja competência exclusiva da UE: art. 3º/1/b TFUE.

• Para além de um princípio que atravessa todo o articulado do TFUE e de

uma liberdade económica, síntese e garantia das demais, é também

uma política da UE, facto que explica a sua localização na sistemática do

TFUE (art. 101º e ss.)

Governação Económica: instrumentos Pilar comunitário do Tratado de Maastricht não possuía instrumentos específicos de política

económica.

➢ Ainda não existe e a política económica comunitária baseia-se especialmente na

coordenação, no seio do Conselho, das políticas económicas dos Estados-membros,

pela via de um mecanismo de supervisão multilateral (art. 120º e ss. TFUE)

➢ Outro mecanismo é o de controlo das politicas orçamentais nacionais, destinado a

evitar ou eliminar situações de défices excessivos (superiores a 3% do PIB) ou de dívidas

públicas superiores a 60% do PIB.

➢ Há também mecanismo de acompanhamento das situações orçamentais, devendo os

Estados-membros apresentar regularmente programas de estabilidade e crescimento

(zona euro) e de estabilidade e convergência (zona não-euro)

o Tem componente de prevenção (alerta rápido ao Conselho quando há desvios

significativos) e dissuasão (instauração de procedimentos por défice excessivo

quando é o caso).

➢ Além destes mecanismos, a União Económica realiza-se através das clássicas políticas

de construção de mercado interno e das políticas económicas e setoriais da UE.

38 Para as medidas quantitativas (barreiras quer à importação quer à exportação), a única exceção possível é argumentada pelo art. 36º, não se pode recorrer a razões imperiosas de interesse geral.

➢ Para as medidas equivalentes pode recorrer-se quer ao art. 36º quer às razões imperiosas de interesse geral.

39 Mesma lógica para as outras liberdades mas com outra denominação.

• Restrições discriminatórias -> derrogações expressas;

• Outras restrições -> derrogações expressas + razões imperiosas. 40 Lógica de adequação e necessidade para prosseguir os fins dessa restrição.

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25

➢ Têm surgido apelos para um aprofundamento da governação económica europeia, em

particular para o reforço dos poderes de intervenção do Conselho Europeu, a

intensificação de supervisão financeira, o desenvolvimento da capacidade de

investimento da UE em educação e inovação, sem esquecer as políticas sociais e de

coesão.

Instituições comunitárias e suas atribuições na esfera económica

Entidades de direção

• Conselho Europeu: dá os impulsos políticos

• Conselho: ação legislativa (em codecisão com o Parlamento Europeu, após iniciativa da

Comissão).

o Algumas formações do Conselho são muito relevantes em matéria económica

(como o ECOFIN e o Conselho Competitividade).

• Comissão: dá os impulsos legislativos e é independente dos Estados-membros, tendo

uma natureza comunitária.

o Deve garantir o desenvolvimento e funcionamento do mercado interno, sendo

a guardiã da legalidade europeia, com poderes para reprimir infrações em

importantes áreas económicas (como a livre circulação de produtos,

concorrência, incorreta transposição de diretivas e etc.).

o Administra o orçamento europeu.

• Parlamento Europeu: ação legislativa (em codecisão com o Conselho, após iniciativa da

Comissão).

• BCE: tem personalidade jurídica e o seu objetivo principal é a manutenção da

estabilidade dos preços.

o No quadro do Sistema Europeu de Bancos (SEBC) cabe ao BCE definir e executar

a política monetária. Tem poder normativo e decisório exclusivo no âmbito das

suas competências

Instituições de Controlo

• Parlamento Europeu: tem funções de controlo do executivo (Comissão) e pode

constituir comissões de inquérito temporárias para análise de alegações de infrações ou

de má administração na aplicação do DUE

• TJUE: exerce um controlo judicial, cuja criação jurisprudencial tem contribuído para

alargar a extensão do DUE.

• Tribunal de Contas: exerce um controlo orçamental – art. 285º TFUE

• Órgãos auxiliares

Articulação entre a Constituição Económica da UE e a Constituição Económica

Portuguesa A Constituição Económica da UE é inspirada por uma filosofia (neo)liberal, mas, não adota os

pressupostos clássicos do liberalismo e, pragmaticamente, através de fórmulas

compromissórias, constitui um mercado regulado (institucional) quase sempre caracterizado

mais por um laisser-passer do que por um laissez-faire.

• A eliminação de barreiras, o combate às formas de descriminação comercial e a livre

circulação de “fatores de produção” são inerentes à visão liberal clássica.

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26

• Já as políticas comuns, autoridades supraestaduais, harmonização de políticas e

legislações considerando os fatores político-sociais são mecanismos com um certo

pendor dirigista e protecionista. o Maria Manuel Leitão Marques, António Carlos dos Santos, Maria Eduarda Gonçalves:

Modelo económico oscila entre uma “economia aberta de livre concorrência”

e uma “economia social de mercado”.

As revisões constitucionais, que se deram devido ao aprofundamento do projeto europeu,

possibilitaram a redução substancial de uma possibilidade de existirem incompatibilidades ou

contradições fundamentais entre a Constituição económica portuguesa e a da União.

Hoje em dia, a doutrina, partindo da tese dos ordenamentos separados (autónomos e distintos)

da UE e dos Estados-membros, admite a tese da prioridade ou preferência aplicativa dos

normativos da UE dotados de aplicabilidade direta.

➢ A primazia do DUE não se fundamenta numa hierarquia normativa, mas na aplicação

preferente de umas normas sobre outras de distinta fonte, sendo todas, em princípio,

válidas.

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Setor Público Empresarial do Estado

Empresa Pública Empresas públicas tal como as conhecemos começaram a surgir nos anos 60.

• Foi a doutrina com uma ideologia fortemente de Direita que faz surgir o conceito de

empresa pública – Marcello Caetano, Freitas do Amaral

o Marcello Caetano entendia que as empresas públicas nem podiam ter fins

lucrativos.

Com a vaga de nacionalizações que surgem muitas Empresas Públicas – leva à necessidade de

se criar um regime jurídico.

• Nesta fase, é a ideologia de Esquerda que toma a defesa das Empresas Públicas, como

forma de “transição para o socialismo”.

o Não defendiam o lucro destas Empresas e elas tinham que prosseguir fins

coletivos e deviam prosseguir objetivos de definição de políticas pelo Estado,

numa lógica de economia dirigista.

DL 260-76 Noção restrita de Empresa Pública.

• Falava-se necessariamente de uma pessoa coletiva que era necessariamente pública –

tinha capitais públicos detidos pelo Estado.

• Forma pública controlada necessariamente pelo Estado central.

Empresa de interesse politico – prestação serviços políticos individualizados (defesa nacional e

alguns monopólios)

Empresa de interesse económico – tudo o que não era político.

• Regime misto, porque tinha forma de empresa, mas que tendia para o regime público.

Os trabalhadores podiam fazer parte da função pública.

Empresas estavam sujeitas ao dirigismo do Governo, com poderes de superintendência e tutela

do ministério da área e do ministério das finanças.

• Maneira preferencial do Estado intervir de forma continuada em certos setores da

economia.

SEE = EPúblicas + Empresas privadas com capitais totalmente/maioritariamente públicos

– EIntervencionadas – Eparticipadas

• Compreendia as EP stricto sensu e as sociedades de capitais maioritariamente públicos.

• Não se incluía neste contexto amplo as:

o Empresas intervencionadas – não chegavam a passar para o domínio da

propriedade pública, o Estado apenas tratava da gestão temporária daquela

empresa (propriedade privada mas gestão pública);

o Empresas participadas – Estado tinha participação apenas minoritária,

propriedade privada e gestão privada.

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Vaga de Privatizações

• Estado começa a perceber que tem muitas empresas que começam a assumir forma

privada – Estado começou a organizar as suas empresas na forma de pessoas privadas

(sociedades), para ficar sujeito cada vez menos ao setor empresarial do Estado.

Na década de 90 o conceito de EP começa a evoluir

Tudo isto foi com base na evolução do Direito da UE – que foi o principal ímpeto da reforma do

setor empresarial do Estado.

Diretiva 723/80 veio regular as relações financeiras entre os Estados com o objetivo de

transparência – para evitar que os Estados estejam a esconder dívida pública nas suas empresas

públicas41.

➢ Com esta Diretiva, surge um novo conceito de empresa pública: Estado tem de ter

influência dominante na gestão – problema começa a girar em torno de “quem

controla aquela empresa”.

➢ Alargamento da noção de empresa pública é devido à ampliação introduzida por alguns

Estados europeus e pelo ordenamento jurídico da UE.

DL 558/99 Substituiu o DL de 1976 e procedeu a uma profunda reforma da regulação do setor empresarial

do Estado:

• ampliou o conceito de empresa pública;

• aplicou direito privado como regime regra;

• criou melhores condições para o exercício da função acionista do Estado

O Setor Empresarial do Estado passa a incluir entidades do setor privado também – até 1999 a

doutrina identificava o SEE com o setor público de propriedade dos meios de produção – o Setor

Empresarial do Estado era também uma forma privilegiada do Estado intervir na economia com

vista à prossecução dos seus objetivos.

➢ Clarifica-se que o setor empresarial se distingue do setor público do art. 82º CRP

Passagem de grande número das atividades empresariais do Estado de forma restritiva para um

modelo de organização com maior margem de atuação.

A partir de 1999 as anteriormente designadas empresas públicas passaram a ser designadas por

Entidades Públicas Empresariais – E.P.E.

DL 133/2013 Atualmente temos tendências inversas entre si:

➢ Por um lado, “menos Estado” que continua o processo de redução do âmbito do setor

público empresarial com a privatização de mais empresas e alguns dos seus ramos de

atividade.

➢ Por outro lado, “mais Estado” em que se reforça o dirigismo e intervenção das

autoridades públicas na gestão das EPs que restam.

41 Também foi importante para a aplicação dos auxílios de Estado.

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Houve uma redução da autonomia das autarquias locais que ficam sujeitas a um mais apertado

regime de vigilância.

Na gestão de empresas públicas houve também uma redução da sua autonomia em que há

um maior controlo financeiro exercido pelo Tribunal de Contas.

• A sujeição a visto prévio dos atos e contratos das empresas públicas é sistematicamente

incoerente com a natureza e características da gestão das empresas públicas.

Maior atribuição de poderes ao Ministro das Finanças em que a autonomia financeira é

comprimida e praticamente todas as mais relevantes competências nesta área são transferidas

para o Governo.

Paz Ferreira, Ana Perestelo Oliveira, Miguel Sousa Ferro: DL 2013 é filho do seu tempo.

Aparentemente, quando o cinto aperta, as autonomias (também) sofrem.

A par do regime do Setor Empresarial do Estado há o regime do Setor Empresarial Regional

(Açores e Madeira) e o regime do Setor Empresarial Local (Lei 50/2012).

➢ Só se aplica o Regime SEE subsidiariamente – no que os outros diplomas não regularem,

regula o DL 133/2013

Setor Público (art. 82º CRP = propriedade (maioria capital social) + gestão (influência

dominante)) ≠ Setor Empresarial do Estado

SPE = SEE (DL 133/13 = Empresas Públicas (de Direito Privado + EPE) + Empresas Participadas) +

SEL (DL 133/13 + L 50/12) + SER (DLRA + DLRM)

SEE= EP (EPE + EP stricto sensu) + Empresas Participadas.

Art. 2º/2: Empresas Públicas

1) E.P.E. = às antigas EP do anterior regime42

2) Empresa Pública stricto sensu: aquelas com forma privada, mas com controlo público

devido à “influência dominante”

Art. 2º/2: Empresas Participadas

3) Pessoas jurídicas privadas em que o Estado tenha participação minoritária e sem

influência decisiva na gestão dessas empresas (sem influência dominante) – só estão

sujeitas ao regime do SEE na medida que são participadas, só a participação do Estado

é que está sujeita a este regime.

• Art. 7º/1: conceito-chave de Participação Permanente

• Art.7º/2: 2 requisitos cumulativos e 1 adicional para ser Participação

Permanente

o Mesmo que ainda não tenha passado um ano, se se verificam os outros

2 a Empresa já é Participada – não podia haver 1 ano em que estava no

limbo.

42 Contribuiram para clarificar a fronteira entre a atividade puramente administrativa e a atividade empresarial, nomeadamente no âmbito de processos de reorganização administrativa.

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30

Conceito de influência dominante: art. 9º ➢ Conceito surge vindo do Direito da Concorrência.

As empresas, por serem controladas pelo Estado estão sujeitas a regime diferente porque o

Estado pode decidir organizar parte da sua atividade na forma empresarial mas isso não o

isenta de estar sujeito aos princípios e valores que a CRP sujeita o Estado.

Pode haver uma influência dominante indireta. Ex: caso em que o Estado tem uma empresa

pública que por sua vez detém outras empresas.

Em situações em que o capital está disseminado, o Estado pode vir a ter influência dominante

(uma vez que o Estado tem a percentagem individual mais elevada) – mas tem de ter direitos

especiais associados, porque só a maior percentagem pode não querer dizer nada

Art. 14º - princípio da especialidade. Empresas Públicas stricto sensu regem-se pelo direito privado, salvo no que estiver disposto no

DL 133/201343 e nos diplomas que tenham aprovado os estatutos dessas empresas,

encontrando-se apenas sujeitas a um poder geral de controlo de gestão por parte do Estado, o

que não reflete qualquer forma de tutela ou poder de superintendência do Estado.

Aplica-se o CSC excepto no que for derrogado pelo DL.

➢ Quais as áreas desta derrogação? Quais as áreas em que se considerou que se devia

criar regime especial?

o Controlo financeiro pelo TContas – art. 26º - empresas públicas estão

sujeitas a visto (prévio ou sucessivo).

▪ Restrição da flexibilidade das empresas no mercado que condiciona

a sua atuação.

o Art. 68º e 69º

o Princípio da unidade de tesouraria – art. 28º - limitação na capacidade de

gerir os próprios recursos.

o Art. 26º, 27º, 65º

o Há outra grande limitação que decorre do DUE: Auxílios de Estado –

empresas públicas têm relações limitadas, na sua liberdade comercial, pelo

regime dos auxílios de Estado.

EPs Novas teorias sobre corporate governance – art. 30º = governo societário – quis garantir-se que

no âmbito das EP também se segue estas novas escolas de pensamento

• Quem representa o Estado na função acionista – art. 37º

Exercício do poder de gestão e de orientação comerciais do Estado – art. 24º

Art. 22º DL 133/13 apenas se aplica a empresas públicas

• Elenco de poderes que à partida são do Estado – não é taxativo

• O diploma legal depende do tipo de poder de autoridade e da forma da sua aprovação

(uns necessitam diploma da AR e outros não)

43 Mas estão sujeitos a tributações nos termos gerais – não pode haver isenção de impostos.

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Art. 43º DL 133/13 apenas se aplica às empresas públicas, nunca às Empresas Participadas.

E.P.E.

Antigas EP e são criadas e extintas por DL – art. 56º

• Tem de haver parecer prévio – art. 57º

• Art. 59º exige que não possa haver outras entidades e só possa existir 1 capital público

do Estado.

o EPE nunca pode ser empresa participada.

EPE prosseguem fins do Estado.

Porque existem EPE no domínio da saúde e não no domínio da educação? Ou seja, porque é que

o Estado decidiu organizar a sua intervenção no domínio da saúde numa forma empresarial?

➢ Não há diferença cultural e objetiva entre a saúde e educação – é uma opção cultural

e política.

Antigamente havia debate doutrinário sobre se as EPE eram pessoas coletivas públicas ou

privadas. Não tem aplicação prática.

• MSF: são empresas públicas empresariais de direito público.

EP stricto sensu

São empresas privadas mas vinculadas a prosseguir o interesse público, estando sujeita aos

valores do setor público.

Uma empresa em que o Estado não tenha a maioria do capital ou dos direitos de voto pode,

ainda assim, ser qualificada como empresa pública desde que o Estado possa exercer nessa

empresa, de forma isolada ou conjuntamente, de forma direta ou indireta, influência

dominante.

Regime da atividade empresarial local (Lei 50/2012) Como se relaciona com o DL 133/2013?

• Âmbito de aplicação do art. 3º e 4º do DL 133/2013

o Capítulo V

DL 133/2013 parece que respeita a Lei 50/2012 mas introduz alterações que retiram a

autonomia do setor local.

Art. 6º Lei 50/12 decorre um princípio geral que exclui as empresas municipais de explorarem

em locais fora da sua circunscrição.

DL 71/2007 Estatuto Gestor Público O que significa ter no seio de uma empresa um gestor sujeito a este estatuto?

➢ Significa que temos uma gestão por objetivos, indo ao encontro dos ideais preconizados

pelo new public management.

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Direito da Regulação Económica

O período de proclamação da excelência da intervenção pública e das vantagens de grandes

setores públicos entrou em crise nos anos 80 – Crise do Estado Intervencionista

• Contestava-se o modelo macroeconómico dominante nos países industrializados:

conjugação da receita keynesiana44 de fomento da despesa pública com a ideologia

socialista;

• Elevado custo financeiro do setor público;

• Mercado pouco robusto e pouca afirmação da iniciativa privada.

Levou a um contração quantitativa da intervenção pública.

No final dos anos 80, floresciam as correntes neoliberais suportadas pelas receitas monetaristas.

• Maria Eduarda Azevedo: Os mesmos objetivos prosseguidos por um setor público

tentacular e intervenção pública podiam ser alcançado pelo jogo das forças de

mercado, com ganhos acrescidos de eficiência.

• MSF: Estado regulador é mais liberal e confia no setor privado para que este alcance, de

modo mais eficiente, os objetivos públicos.

“Contrarrevolução” neoliberal configura uma reordenação do sistema de distribuição de papéis

e funções do Estado.

• Estado assimila valores do “new public management” que está ao serviço de uma

Administração pública mais eficiente – tem uma posição menos exuberante e mostra

preferência por captar o potencial da sociedade tirando o máximo benefício das

capacidades privadas para atingir objetivos públicos.

• Maria Eduarda Azevedo: Particular não é mais o cidadão socialmente descomprometido

do Estado liberal, nem o simples utente de serviços públicos do Estado social,

desenvolvendo ou sendo movido a desenvolver um novo papel de agente que partilha

com o Estado a tarefa de prosseguir o interesse público e os respetivos fins institucionais.

Surgem movimentos de desregulação, liberalização e privatização.45

➢ Mas, por mais que o Estado haja limitado a sua participação direta na atividade

económica e que se liberalize a economia, há exigências de regulação cujas funções o

Estado assume – desregulação não é sinónimo de diminuição da atividade reguladora

do Estado, mas sim de uma regulação de tipo diferente:

o Passa a impor-se uma regulação mais ou menos pormenorizada, sistemática e

duradoura da produção e prestação nas áreas entregues à iniciativa privada –

para estabelecer a concorrência e/ou garantir a satisfação de alguns requisitos

de serviço público que o Estado mantinha em relação a tais atividades.

o Muda-se o paradigma e do Estado positivo, intervencionista e gestor direto

evolui-se para um Estado regulador (descentralizado, que acompanha e

44 Políticas Keynesianas – Estado deve aumentar despesa pública para dar um estímulo ao mercado e à procura. Isto devido ao efeito multiplicador da economia. 45 Freeer market more regulated - precisamos de mercados mais regulados para permitir que eles sejam livres.

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

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monitoriza os processos no mercado), cuja atividade é enquadrada por modelos

e princípios de “better government, better regulation”46.

Regulação Económica Conceito (Paz Ferreira e Luis Morais) – regulação jurídica da economia como o

desenvolvimento de técnicas de intervenção pública indireta na atividade económica

produtiva, que envolve algum tipo de coordenação da atividade e das condições do seu

exercício, tendo em perspetiva assegurar o seu funcionamento equilibrado em função de

determinados objetivos públicos.

➢ MSF: definição é altamente criticável e não se deve atender à mesma, deve perceber-se

é quais os objetivos da Regulação

o Não há nenhuma boa definição deste Direito mas há vários ramos que estão

incluídos: telecomunicações (ANACOM), valores mobiliários (CMVM), energia

(Entidade Reguladora da Energia), bancos, seguros, aviação civil (ANAC) e outras

que estão no âmbito da Lei Quadro das Entidades Reguladoras.

o Comunicação social não está aqui incluída porque é um direito político (uma

regulação política) e não um direito de natureza económica.

o Direito da concorrência é direito da regulação?

▪ Não, porque é um direito de regulação horizontal e não setorial,

aplicando-se a todas as atividades económicas (e a regulação tem a ver

com as especificidades dos setores).

Regular para quê?

1. Proteção dos Consumidores – necessidade de proteger os consumidores, na sua relação

de “troca desigual” com os produtores e distribuidores;

➢ MSF: a forma como o Direito da Regulação está hoje construído causa dúvidas

se é efetivamente para proteger os consumidores. Ex: obrigações universais -

protege os potenciais consumidores de ter acesso a um mercado que

livremente não teriam acesso. Diz-se que há a possibilidade de reparar danos

sofridos pelos consumidores, mas não há, pois isto não é poder imperativo. Há

apenas a possibilidade de recorrer à autoridade, que não repara danos e sim

aplica sanções a quem prevaricou - regulador deteta que há violações da lei e

que isso afeta consumidores, mas não condena a indemnizar os consumidores

e apenas sanciona a entidade que está a violar.

2. Proteger processo concorrencial – implementação de regras para assegurar a

concorrência e o mercado que, abandonado a si mesmo, podia derivar numa

concentração monopolista;

3. Correção das falhas de mercado – estabelecimento de um funcionamento equilibrado

do sistema, devido à existência de limites e/ou falhas de mercado em que este não

funciona por razões materiais (ex: monopólios naturais);

4. Afastamento das externalidades negativas do funcionamento da economia, quando

movida pela procura do lucro;

5. Garantia das obrigações de serviço público

46 MSF: Menos Estado mas Melhor Estado

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Princípio fundamental da regulação é separação estrutural – um operador que tenha uma rede

de distribuição de gás não pode ser o operador que tenha a central de importação de gás.

• Tem de ser separado para impedir de ceder à tentação de usar a posição num mercado

para favorecer os interesses que se tem no outro.

Pontos de ligação que nos leva a concluir que haja um direito da regulação:

• Tem de ser setorial

• Conceito imperfeito em que não tem linha condutora obvia e a sua delimitação está

ligada a um fator histórico (liberalização de certos setores) + estreita associação à sua

aplicação por entidades independentes

Da Regulação Governamental à Regulação Independente Além da regulação indireta através de empresas públicas, a intervenção económica do Estado

desenvolvia-se também em relação à economia privada, mediante o condicionamento da

iniciativa privada, por via administrativa – licenciamento do acesso ao mercado, reservas do

setor público, fixação administrativa de preços, restrição da liberdade comercial das empresas

privadas e etc. – assumia a forma de planeamento mais ou menos diretivo do conjunto da

economia.

➢ Através de serviços administrativos governamentais;

➢ Através de agências públicas relativamente autónomas ou institutos públicos

(administração indireta).

A intervenção direta na economia mudou de forma – deixa de se apoiar na figura de ente

jurídico-público e passa a assumir a fisionomia de sociedade de capitais públicos sujeita aos

mecanismos do mercado (desprovida, por isso, das antigas prerrogativas de exclusivo).

➢ Serviços públicos que subsistem são concessionados ou delegados.

Novo modelo que tem esquema regulatório próprio, que viria a desenvolver-se através de

agências reguladoras independentes, devido à passagem de uma regulação hostil ao mercado

para uma regulação constitutiva e fomentadora do mercado e devido à mudança de regulação

protecionista de cada setor para uma regulação virada para a proteção do interesse geral e dos

interesses dos utentes.

Regulação por Agências Reguladoras A génese de agências reguladoras independentes está associada ao modelo institucional de

regulação dos EUA – convicção de que as “independent agencies” configuram o modo mais

adequado de asseguram o cumprimento do princípio do “due process of law” enquanto

princípio basilar da atividade da Administração norte-americana.

• São independentes em relação às demais estruturas administrativas em sentido

orgânico e funcional.

o Racionalidade da regulação independente reside na desgovernamentalização,

despolitização e despartidarização da função reguladora, fazendo prevalecer os

valores da imparcialidade, tecnicidade, estabilidade e previsibilidade dos

membros das “independente agencies”.

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35

Na UE, este fenómeno das Autoridades Reguladoras Independentes surgiu por via do Reino

Unido e arrancou nos mercados financeiros.

➢ Apesar das diferenças político-institucionais, a verdade é que tanto as agências

reguladoras de figurino norte-americano, como as autoridades reguladoras dos demais

países europeus comungam de duas ideias-chave:

i. Mercado, além de não dar sempre garantias de bom funcionamento devido a

uma incapacidade de autorregulação eficaz, precisa de ser constituído e

estimulado pela regulação;

ii. Lógica própria da regulação, separada das opções políticas tendo estabilidade,

previsibilidade, imparcialidade e objetividade.

Agências Reguladoras Independentes compreendem-se no quadro da Administração

Independente – instâncias de natureza pública, com uma inclusão na Administração do Estado

mas sem sujeição a poderes de superintendência ou tutela governamental.

• Exercem uma função administrativa desempenhando competências consultivas e de

fiscalização.

• Há uma desgovernamentalização da atividade reguladora através da separação entre a

orientação política da economia (a cargo do Governo) e as tarefas de regulação

(responsabilidade das entidades reguladoras independentes).

Mas porque há autoridades independentes para umas coisas e não para outras? O que leva o

Estado a decidir que para umas atividades é um regulador independente que regula e noutras é

o próprio Estado?

• As entidades independentes surgem para evitar conflito de interesses - o regulado não

pode ser regulador;

o Estado se fosse regulador tenderia a favorecer aquilo que era controlado por

entidades públicas.

▪ Argumento que surge historicamente nos processos de liberalização do

mercado.

• As entidades independentes surgem porque há ideia que são mais eficientes sem

estarem conectadas à máquina estatal burocrática e aos salários tabulados (assim

podem pagar mais e ter especialistas);

• As entidades independentes surgem porque elas ficam sujeitas a controlo judicial

diferente das outras;

• As entidades independentes surgem para garantir que regras de segurança técnica são

respeitadas sem qualquer interferência política;

• Há umas reguladas independentes e outras não devido a consequência histórica-

cultural - não há razão de uns setores estarem com reguladores independentes e

outros não;

o MSF: É uma incoerência do Estado

Muitas das Autoridades Reguladoras são independentes por imposição da UE.

Requisitos de Independência (vindos do DUE):

1. Autonomia administrativa e financeira;

2. Autonomia de gestão - poder gerir o dinheiro como quer;

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36

3. Ter recursos humanos próprios de pessoas com competências reconhecidas naquela

área;

4. Não haver impedimentos e/ou incompatibilidades.

Função Reguladora da UE A UE foi sendo construída e ganhando consistência como um conjunto complexo de estruturas

de regulação.

• Tem uma dimensão reflexa dos processos de liberalização com os esforços de promoção

de valores de mercado e abertura de setores económicos à concorrência.

• UE identifica-se como um dos corpos mais dinâmicos e em expansão de regulação.

• Há um grande dinamismo na garantia preventiva de certos mercados e do seu

permanente funcionamento – existência de processos de regulação ex ante da

atividade económica como atividade preventiva e existência de processos de

intervenção ex post como os que decorrem das normas de concorrência.

Regulação tem dois níveis fundamentais:

1. Promoção de novos mercados ou manutenção de condições para a sua abertura à

concorrência;

2. Correção dos mercados em função de interesses específicos que extravasam a tutela do

livre funcionamento desses mercados.

Houve transferência de poderes regulatórios explícitos dos Estados para a UE – limites

normativos que circunscrevem essa transferência de poderes e que acrescem graus variáveis de

“transnacionalização” dos poderes de regulação.

Há redes reguladoras nacionais que estão articuladas com a Comissão ou outros organismos

comunitários – tendo relações com tripla natureza de controlo, coordenação e cooperação.

Qual a legitimidade democrática dos organismos reguladores, visto estarem em causa

delegações de poderes muito significativos em organismos não dependentes de sufrágio

popular? Questão difícil de responder atendendo aos indispensáveis equilíbrios e balanços

institucionais da UE.

Tendência para o desenvolvimento institucional de processos de regulação que sugerem a

interação entre Estados e estruturas supranacionais.

• Interação dos níveis estadual e comunitário e interação de esfera pública e esfera

privada de intervenção reguladora na atividade económica.

• Arquitetura institucional de regulação suis generis, com uma grande fragmentação (ora

horizontal, ora vertical).

• Tem uma eficácia considerável e sendo um fenómeno de fragmentação torna mais difícil

os processos de captura dos reguladores pelos interesses regulados

Estruturas de Regulação da UE A regulação económica da UE sofreu fenómenos de comunitarização:

• Multiplicação e aproximação das entidades administrativas independentes nacionais

com funções de regulação;

• Dinamização de certo federalismo administrativo de incidência regulatória.

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

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Maria Eduarda Azevedo: Há injunção comunitária no sentido da criação pelos Estados-

membros de autoridades reguladoras independentes –> obrigação de criar + assegurar a sua

independência e dotação de meios necessários ao cumprimento da sua missão.

Há exigências de independência para alguns reguladores nacionais:

• Exigido pelo TFUE: Banco de Portugal (bancos centrais nacionais) – caso único que

regulador tem direito de recorrer duma decisão de destituição para o TJUE47

• Exigidos por outra legislação: telecomunicações, energia, proteção de dados,

Não há nada nos Tratados que diga que a UE tenha competência para obrigar os Estados-

membros a criar organismos independentes e sujeitá-los a certas condições.

➢ O critério que permite legislar nesta matéria é a efetividade do DUE – para garantir o

efeito útil de certas normas europeias.

o Mesmo que não esteja nos Tratados, para se chegar aos objetivos lá elencados,

o TJUE e a UE podem obrigar certas situações aos Estados-membros de forma a

dar efeito útil às restantes normas.

Influência europeia, através de diretivas e etc, torna-se muito importante não apenas na

definição de regimes substantivos mas também no desenho institucional dos sistemas de

regulação.

➢ Há uma reconfiguração das estruturas de organização administrativa nacional em

função de um modelo delineado por normas de DUE e, ainda assim, na alteração do tipo

de missões das estruturas administrativas nacionais.48

As crises recentes levaram a que a UE entrasse num caminho no sentido da regulação

administrativa europeia dos mercados, substitutiva dos movimentos de coordenação ou

harmonização.

Estatuto dos Reguladores Devido à instituição de entidades reguladoras por setor de atividade, criou-se um corpo

normativo para cada setor que dota as entidades reguladoras dos necessários poderes de

autoridade para zelar pelo seu cumprimento – cada setor tem o seu direito da regulação

próprio.

➢ Feudalismos jurídico – vários sistemas regulatórios montados em cascata em que há

exemplos de unidade jurídica (tendências comuns, adoção de modelos institucionais e

funcionais que se replicam e etc.)

o Cascata de sistemas regulatórios envolve uma certa dose de especialização do

direito que disciplina os organismos administrativos encarregados da regulação.

47 MSF: e obviamente isso devia ser controlado pelos tribunais nacionais 48 MSF – Controvérsias jurídica na área da regulação: Novo governo Espanhol entra em função, o regulador não tem pessoas da sua cor política. Funde esse regulador com outro, extingue o antigo regulador e pode nomear pessoas para o novo regulador que foi criado. TJUE veio dizer que se pode reorganizar as entidades como quiserem mas que as pessoas que estavam a exercer funções no organismo anterior têm de continuar a exercer funções no novo regulador – não é solução perfeita pois com a restruturação da empresa pode retirar-se o efeito útil das pessoas do antigo organismo (ex: eram 3 administradores e na nova empresa são 7)

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38

Autoridades reguladoras autónomas são dotadas de poderes públicos de natureza e

amplitude distinta, consoante o seu objeto específico e o seu tipo de atividade. Normalmente

têm poderes públicos que se corporizam em esferas de atuação específicas, de maior ou menor

significado conforme as exigências emergentes das atribuições cometidas a tais entidades:

• Poder quasi-normativo – aprovação de regulamentos que instituem sistemas

regulatórios públicos enquadrando e disciplinando a ação dos agentes;

• Poder quasi-executivo – campo da supervisão (inspeção, fiscalização e injunção

dirigidas à pratica de atos ou comportamentos de forma a fazer cessar violações das

regras);

• Poder quasi-jurisdicional – campo sancionatório49 (tipificação de contraordenações

específicas para vários setores regulados).

• Cada vez mais assume importância as atuações informais informativas – tentativas de

persuadir regulados, não possuindo caráter vinculativo50

Há uma clara linha que demarca os operadores dos reguladores, separando entre a atividade de

regulação e a participação pública nas próprias atividades reguladas.

Qualificar as entidades reguladoras como independentes gera alguns problemas a propósito do

défice de responsabilização e escrutínio (“accountability”) desses organismos face aos órgãos

com legitimidade democrática direta.

➢ Forma de ultrapassar esse problema:

o Princípio da imparcialidade da atividade da Administração pública legitima a

isenção de certos domínios sensíveis ao Governo à ação reguladora;

o Exigência fundamental de submissão das entidades reguladoras independentes

ao Direito;

o Controlo direito por comissões parlamentares que exigem prestações de

esclarecimentos, relatórios de atividade e etc;

o Exigência de transparência e controlo financeiro pelo Tribunal de Contas.

Regulação Económica (especificamente) em Portugal É na vigência da CRP 1933 que surge a primeira referência expressa à regulação económica –

com a criação das comissões de regulação económica, dotadas de um papel de especial

importância na organização económica corporativa.

➢ Mantiveram-se ao longo do Estado Novo e foram aumentando os poderes, sendo

veículo privilegiado de regulação económica estadual em detrimento de uma pretensa

autorregulação corporativa.

➢ Sobreviveram à CRP 1976 até Portugal entrar na CEE.

Só com as revisões constitucionais de 1989 e de 1997, tendo em conta a prática legislativa

infraconstitucional, que a economia portuguesa evoluiu num sentido liberalizante,

consagrando-se uma economia mista.

Regulação pode enquadrar-se como função do Estado no art. 81º/f CRP

49 Para ser legítimo, tem de ser exercido dentro dos limites estabelecidos pelo legislador e através dos respetivos procedimentos, respeitando os princípios constitucionais aplicáveis. 50 Apesar de na prática acabarem por possuir uma certa força, não tendo, no entanto, fundamento legal expresso.

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39

A criação de entidades reguladoras independentes é possibilitada pelo art. 267º/3 CRP

Reguladores portugueses: vasto conjunto de entidades diversas que enformam realidades

distintas – as formas organizativas são diferentes e o relacionamento com o Governo é

variado.

• Há reguladores cujo estatuto se orienta no sentido de uma independência reforçada

(como Banco de Portugal, CMVM, ANACOM).

• Há outros reguladores que são institutos públicos, integrados na administração indireta

do Estado, dotados de autonomia administrativa e financeira e património próprio.

Nomeação de todas as entidades reguladoras depende do Governo.

Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém acumula os litígios dos

diferentes reguladores.

➢ Movimento que levou a uma atenuação do feudalismo e levou a uma harmonização de

soluções (ainda mais do que a ditada pela lei-quadro).

Competência do Tribunal de Concorrência, Regulação e Supervisão

• Na LOSJ, art. 112º só concede que entrem litígios de entidades administrativas

independentes com funções de regulação e supervisão.

o Houve vários casos de autoridades públicas que chegavam aos Tribunais de

Instâncias Criminais que se declaravam incompetentes e remetiam para o TCRS.

TCRS dizia que era incompetente.

o Presidente do Supremo, da secção criminal, disse que o Infarmed e a ASAE e etc

podiam ir para o TCRS.

o Entretanto essa decisão já foi alterada e os Tribunais continuam a funcionar

caoticamente.

▪ Vai alterar-se o art. 112º LOSJ e em vez de ter lá uma cláusula aberta

(na alínea g) vai ter uma lista detalhada. MSF: não se pode confiar aos Tribunais

interpretar algo que toda a gente sabe o que quer dizer

Lei-Quadro das Entidades Reguladoras (Lei 67/2013) Maria Eduarda Azevedo: Conjunto de regras que configuram de modo adequado o modelo

jurídico de criação e funcionamento das entidades administrativas com poderes de regulação

económica.

➢ Exclui o Banco de Portugal e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que se

regem por legislação própria.

Art. 6º - ideia de que o Estado não deve andar a criar entidades independentes à toa e só devem

ser criadas se forem economicamente viáveis por si, não dependendo de injeções monetárias

do Estado.

➢ Entidades reguladoras são financiadas pelos regulados.

➢ E há sistema de financiamento cruzado em que são financiados por outros reguladores

setoriais.

Há limitações profissionais por se trabalhar em entidades reguladoras: não pode ter 2 salários (se trabalhar noutro

sítio); período de nojo (após sair-se da entidade reguladora não se pode trabalhar para os regulados) e etc.

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40

Direito dos Auxílios de Estado

É um ramo do direito da concorrência da União Europeia.

• Ao contrário das outras duas áreas do direito da concorrência – práticas restritivas da

concorrência51 e controlo de concentrações – o direito dos auxílios de Estado é

estritamente europeu (não existe direito nacional dos auxílios de Estado52).

• Também se diferencia por ter uma maior componente política e implicar um maior

grau de insegurança jurídica53.

Com a construção do Mercado Comum, teve de se garantir que os Estados e as outras

entidades públicas não dariam vantagens às suas empresas nacionais, para lhes dar uma

vantagem na concorrência contra as empresas dos outros Estados.

➢ Ex: empresa francesa pode colocar os seus produtos na Alemanha sem lhe poderem ser

colocados quaisquer obstáculos quantitativos, qualitativos ou custos adicionais, a

atribuição de um auxílio a essa empresa pelo Estado francês é injusta para as empresas

alemãs concorrentes que não recebam auxílios idênticos.

➢ Se não se regulasse os auxílios de Estado haveria um Efeito Delaware com uma Race to

The Bottom em que todos Estados se veriam forçados a replicar os auxílios atribuídos

pelos restantes, sob pena de verem as suas empresas perderem no jogo da

concorrência.

A criação destas normas surgiu também como moeda de troca para a aceitação política da

criação de um mercado unificado, ao passo que nas outras comunidades políticas a existência

do mercado unificado era (mais ou menos) um dado adquirido54.

• Instrumento do processo de construção do mercado interno.

• Instrumento que permite controlo sobre a despesa pública.

Devido à parca harmonização das políticas fiscais, os Estados-membros continuam a concorrer

entre si a este nível, até um certo ponto, para atrair empresas para o seu território.

➢ Esta distorção concorrencial não é controlável por via das normas dos auxílios de Estado

(desde que os benefícios sejam de âmbito geral).

Fontes do Direito dos Auxílios de Estado A. Direito Primário – art. 107º a 109º TFUE55

B. Direito Secundário – diplomas de direito substantivo (esclarecem requisitos para a

qualificação de medidas como auxílios de Estado e definem condições da sua legalidade)

51 Acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas; abuso de posição dominante abuso de dependência económica. 52 Na realidade, existem algumas normas nacionais sobre auxílios de Estado (ex: art.65.º Lei da Concorrência), mas estas não criam sistemas de proibição e controlo efetivo dos auxílios públicos, antes se assemelham mais a normas programáticas (identificam um ideal), acompanhadas de poderes de recomendação. 53 Isto devido à ampla margem de discricionariedade de que a Comissão Europeia goza e controlo judicial do TJUE limitado. 54 Caso de municípios portugueses que oferecem incentivos ao estabelecimento de algumas empresas; Estados Federados e etc. 55 Há outras normas dos Tratados relevantes, maxime: artigo 3.º do TUE; artigos 3.º a 6.º, 14.º, 42.º, 93.º, 106.º, 119.º e 346.º do TFUE.

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41

e de direito processual (regulam o modo de notificação, avaliação e autorização de

auxílios, os formulários a serem utilizados, a intervenção de terceiros e etc.)

C. Documentos de soft law – documentos que, na prática acabam por definir parâmetros

normativos que têm de ser respeitados pelos sujeitos de direito (no mínimo, pela

própria Comissão, por via do princípio da auto-vinculação administrativa), na medida

em que a sua definição não exceda aquela margem de discricionariedade do executivo

europeu.

Conceito de Auxílio de Estado Art. 107º/1 TFUE define Auxílio de Estado, de onde se decantam certas condições

cumulativas56:

1. VATANGEM – é auxílio qualquer medida que confira uma vantagem, benefício ou utilidade

económica, atendendo ao efeito ou potencial efeito da medida.

• C-342/96 TJUE: um auxílio, na aceção do artigo [107.º] do Tratado, deve determinar-se

se a empresa beneficiária receber uma vantagem económica que não teria obtido em

condições normais de mercado.57

• C-280/00, Altmark: “são considerados auxílios as intervenções que,

independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou

indiretamente empresas (…) ou que devam ser considerados uma vantagem económica

que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado”.

Dever aferir-se se o beneficiário fica, direta ou indiretamente, numa posição económica melhor

do que aquela em que estaria na ausência dessa medida – por estar a aumentar a utilidade

económica na sua esfera patrimonial ou por diminuir os custos decorrentes da atividade

económica ou da sua regulação, comparando à situação na ausência da medida em causa.

Na identificação de uma vantagem pode utilizar-se:

• Critério do Operador numa Economia de Mercado – não há benefício se a interação

entre Estado e a empresa ocorrer nos termos que se teria verificado num mercado livre,

aferido em função da informação disponível no momento da transação.

o Cabe ao Estado o ónus da prova do respeito por este critério.

o Se ocorreu na sequência de concurso competitivo, transparente, não

discriminatório e incondicional pode assumir-se que a transação ocorreu de

acordo com a lógica de um operador numa economia de mercado. Pode

também ser com base numa avaliação comparativa ou baseado em dados

fiáveis, verificáveis e objetivos.

Se compensação por um Serviço de Interesse Económico Geral (SIEG) fosse um auxílio, a

Comissão Europeia teria o poder de controlar, em certo grau, opções fundamentais dos Estados-

56 Atendendo também à Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal (2016/C 262/01) 57 C-126/01, GEMO: “o conceito de auxílio pode abarcar não apenas prestações positivas, como subvenções, empréstimos ou tomadas de participação no capital de empresas, mas também intervenções que, sob formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa, pelo que, não sendo subvenções na aceção estrita da palavra, têm a mesma natureza e efeitos idênticos” (incluindo vantagens indiretas tais como “o fornecimento de bens ou serviços em condições preferenciais”)

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

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membros sobre como organizar a atividade económica e o acesso a bens e serviços pelos seus

cidadãos.

➢ No entanto, isto levava a que os Estados entendessem muitas coisas como SIEGs para

se escaparem à notificação e autorização da Comissão Europeia.

Acórdão Altmark (C-280/00) fixou 4 requisitos cumulativos para que uma obrigação de serviço público (SIEG) não seja qualificada como auxílio de Estado:

i. Obrigações de serviço público claramente definidas;

ii. Cálculo da compensação deve ser estabelecido previamente, de forma objetiva e

transparente – de uma forma clara deve saber-se quais os custos associados a esse

serviço, estando pré-definida para impedir que os Estado a manipulem a posteriori;

iii. Compensação não pode ultrapassar o que é necessário para cobrir total ou parcialmente

os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações (atendendo a receitas obtidas

e lucro razoável destas obrigações) – princípio da proporcionalidade;

iv. Empresa encarregada de SIEG deve sê-lo por concurso público ou com base em análise

de custos (comparando com empresa média bem gerida e adequadamente equipada58)

– garante que a empresa que realiza o serviço é a mais eficiente para isso.

2. ORIGEM ESTATAL – critério alternativo do art. 107º/1 de auxílios concedidos pelos Estados

OU provenientes de recursos estatais foi convertido num critério cumulativo.

➢ Interpretação restritiva da esfera de competências da UE – prende-se com a

compreensão de que a alternatividade dos critérios traria para o âmbito do regime

europeu de controlo de auxílios de Estado toda e qualquer regulação económica

nacional que aumentasse receitas ou reduzisse custos das empresas, mesmo que a

soberania para regular essas matérias não tivesse sido transferida ou não tivesse ainda

sido exercida pela UE.

O que significa origem Estatal?

Tem de haver um feixe de indícios que mostre que o Estado tenha uma potencial intervenção.

Imputável ao Estado – sentido lato – quando adotado por qualquer autoridade pública, ainda

que descentralizada ou desconcentrada, ainda que com autonomia jurídica ou independência.

• Pode ser empresa pública ou entidade privada.

o TJUE, C-482/99: “não há que distinguir entre os casos em que o auxílio é

concedido diretamente pelo Estado e aqueles em que o auxílio é concedido por

organismos públicos ou privados que o Estado institui ou designa para gerir o

auxílio (…).”

Recursos Estatais – está em causa a transferência de recursos ou a abdicação de receitas de

qualquer entidade do Estado, no sentido lato acima referido (Governo, região, autarquia, banco

central, regulador independente…), ou de empresas públicas (controladas pelo Estado).

58 Muito difícil de determinar. Daí que haja uma intervenção político-económica da Comissão para se exigir o concurso público.

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

43

Fundos europeus podem ser considerados recursos estatais na estrita medida em que a sua

atribuição tenha sido decidida por um Estado-membro no exercício da sua margem de

discricionariedade.

Também é preenchido no caso de mecanismos indiretos de financiamento público – imposição

de taxas e pagamentos através de entidade que canaliza esses recursos para benefício de uma

empresa determinada pelo Estado. ➢ TJUE percebeu que abriu a porta a uma fraude à lei fácil. Estados diziam para empresas recolherem

determinadas taxas e depois pagar a uma entidade estatal. Estado em vez de angariar receita para si e

depois dar, punha uma empresa privada a angariar e depois dar. Ex: privado angaria taxa e dá à RTP

➢ Critério passou a ser o facto de Estado ter montado uma estrutura de recursos para

receber receitas.

3. EMPRESA – direito dos auxílios de Estado visa impedir distorções da concorrência nos

mercados, portanto só se preocupa com benefícios atribuídos a entidades que concorrem em

mercados: Empresas, tal como definidas no direito da concorrência europeu.

• C-222/04, Cassa di Risparmio di Firenze: “empresa é qualquer entidade que desenvolva

uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do modo

como seja financiada.“59

o Conceito funcional que abrange múltiplas realidades60

4. SELETIVA – só são proibidos os auxílios de Estado que favoreçam certas empresas ou certas

produções.

• Se beneficiarem, de jure e de facto, todos os agentes no mercado, então não são

suscetíveis de distorcer a concorrência e não suscitam preocupações na ótica do

funcionamento do mercado interno: são medidas gerais.61

• Se beneficiarem só algumas empresas, alguns setores económicos ou algumas regiões:

são auxílios, pois são seletivos.

Seletividade de jure – resulta da sua configuração formal que só algumas empresas/setores

têm acesso a esses benefícios.

Seletividade de facto – resulta da análise das consequências factuais da medida, identificando-

se, na prática, um benefício significativo de um determinado grupo de agentes económicos.

Ex: benefícios fiscais para quem faça grandes investimentos estão de jure disponíveis para todos,

mas estão de facto disponíveis apenas para empresas com avultados recursos financeiros ->

todas as empresas que investirem 10 milhões têm isenção de impostos: é seletivo porque na

prática não são todas as empresas que conseguem investir 10 milhões.

O art. 107º/1 não proíbe todas as vantagens atribuídas por Estados que distorçam a

concorrência – só as que favorecem certas empresas/setores. Podem distorcer desde que o

façam através de medidas gerais.62

59 Se atuar ao abrigo de poderes de autoridade já não é considerada “empresa” – exclui-se atividades de forças de segurança, do sistema nacional de saúde, das agências de controlo de tráfego aéreo/marítimo e etc. 60 Incluindo as pessoas singulares. 61 Não se considera seletivo algo que se insere na lógica geral do sistema. 62 Isto leva a três principais dificuldades: identificar corretamente o sistema de referência (de base), relativamente ao qual se compara a medida em causa (ex: o regime de tributação de sociedades);

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

44

A medida será sempre seletiva se for adotada por uma autoridade pública central (nacional)

para que se aplique só a uma parte do território.

➢ Se for tomada por autoridade infranacional, no quadro de poderes desconcentrados,

a sua seletividade só pode ser aferida em relação ao quadro de referência aplicável

nessa área infranacional.

o Nos países com desconcentração assimétrica de poderes fiscais (como é o caso

de Portugal, com as suas duas regiões autónomas), a seletividade geográfica da

medida dependerá do grau de autonomia da autoridade regional relativamente

à administração central (tem de se verificar autonomia institucional, processual

e económica e financeira).

▪ Um Estado-membro não pode ser prejudicado na aplicação do regime

europeu dos auxílios de Estado pelo facto de se ter legitimamente

organizado, a nível constitucional, com regionalização parcial.

5. DISTORCE CONCORRÊNCIA E AFETA AS TROCAS ENTRE ESTADOS-MEMBROS – são

proibidos os auxílios de Estado que afetem as trocas comerciais entre os Estados-membros e

que falseiem ou ameacem falsear a concorrência – tendem a ser analisados de modo

indissociável.

➢ TJUE, 730/79, Philip Morris: Há efeito distorcivo da concorrência “quando um auxílio

financeiro concedido por um Estado ou através de receitas de Estado reforça a posição

de uma empresa relativamente a outras empresas concorrentes nas trocas comerciais

intracomunitárias”.

Se for a empresa que atua em monopólio legal legítimo, não há concorrência no mercado nem

pelo mercado e não há sucedaneidade próxima com outros bens ou serviços – não há impacto

distorcivo da concorrência nesse mercado.

➢ Pode haver é efeito distorcivo reflexo noutros mercados, se essa empresa estiver ativa

em mercados concorrências.

Basta que se verifique uma concorrência potencial.

➢ Tal como o impacto nas trocas entre Estados-membros pode ser meramente potencial,

desde que previsível – não é necessário demonstrar efetivas importações/exportações,

ou a presença de concorrentes de outros Estados-membros, apenas essa

potencialidade.

Auxílios de minimis – excluem-se deste âmbito e não são proibidos, pois não têm efeito sensível

na concorrência entre Estados-membros; algo insignificante não interessa ao direito dos auxílios

de Estado porque não tem impacto relevante no mercado interno

• Regulamento (UE) n.º 1407/2013 da Comissão, de 18 de dezembro de 2013, relativo à

aplicação dos artigos 107.º e 108.º do TFUE aos auxílios de minimis (JO L 352/1, de

24/12/2013) – funcionam como isenções categoriais e estabelecem porto de abrigo que

define que se não passar certos tresholds há efeito mínimo, pelo que não são

classificados como auxílios de Estado.

• Regra do de minimis non curat praetor (tribunal não se preocupa com as coisas mínimas)

identificar o espírito e objetivos intrínsecos ao sistema; identificar situações de benefícios seletivos disfarçados, baseados em critérios tendenciosos que só em aparência seguem a lógica do sistema.

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

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Auxílios Compatíveis com o Tratado Mesmo que algo seja qualificado como Auxílio de Estado não significa logo que é proibido.

➢ Os Auxílios são compatíveis se configurarem uma Isenção.

1. Isenção de jure/Derrogações – art. 107º/2 TFUE Se o auxílio se enquadrar num dos 3 casos previstos no art. 107º/2, então é compatível com o

mercado interno.

➢ Sendo exceções, têm de ser interpretadas restritivamente.

Em relação às catástrofes: Auxílios só beneficiam desta isenção na medida em que se limitem

a compensar os danos que tenham resultado diretamente da calamidade ou acontecimento

extraordinário.

Estados continuam a ter de notificar a Comissão Europeia, que verifica se estão preenchidos os

requisitos destas alíneas.

• Estando preenchidas, Comissão está vinculada a adotar uma decisão de isenção e não

tem margem de discricionariedade.

2. Isenção Categorial – Regulamentos

A Comissão, com os limites definidos pelo Conselho, pode adotar Regulamentos de Isenção

Categorial – art. 109º e 108º/4 TFUE.63

➢ Efeito de declarar a compatibilidade com o mercado interno dos auxílios de Estado

que cumpram os requisitos neles definidos.

o Dispensa-os do mecanismo de notificação prévia à Comissão Europeia, mas

devem informar.

Grande maioria está no Regulamento Geral de Isenção Categorial (Regulamento (UE) n.º

651/2014 da Comissão, que define requisitos gerais e específicos para diferentes tipos de

auxílios. Ex: finalidade regional, apoiar ou facilitar PMEs, fomentar investigação; auxiliar

trabalhadores desfavorecidos, proteger ambiente, remediar danos de calamidades e etc.

Cada Estado-membro deve avaliar, por si, se as medidas que pretende adotar preenchem os

requisitos do regulamento de isenção categorial.

➢ Estados-membros têm de informar a Comissão mas não pedir autorização

➢ Mas a Comissão Europeia pode vir a discordar e a exigir a notificação de uma

determinada medida.

➢ Mecanismo sancionatório e de reação a uma prática abusiva – Comissão pode retirar64,

num caso concreto, o benefício da isenção categorial se um Estado-membro tiver

alegado, incorretamente, que um determinado auxílio estava abrangido pelo

regulamento.

63 Depende de normas legislativas secundárias – Conselho define limites e Comissão adota. 64 Daí que haja um efeito de conformação das medidas nacionais com o que é estabelecido pela Comissão – maneira da UE orientar as políticas nacionais quanto aos auxílios de Estado.

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3. Isenção Individual – art. 107º/3 TFUE Tem que se ver se o caso concreto pode beneficiar de uma isenção individual, apreciado e

autorizado pela Comissão Europeia, se visarem ou se for provável que tenham por efeito uma

das alíneas do art. 107º/3.

Comissão pode autorizar auxílios individuais (ad hoc) ou regimes de auxílio (esquemas gerais ao

abrigo dos quais, desde que preenchidas todas as condições, poderão ser concedidos auxílios

individuais).

Diferente do art. 101º/3, no caso dos auxílios de Estado do art. 107º/3, ao nível de

discricionariedade acresce o facto de só a Comissão poder aplicar esta norma e se entender que

ela tem margem de apreciação da própria compatibilidade da medida com o mercado interno

Exercício político

Por detrás da aplicação de qualquer isenção individual está a ponderação dos efeitos positivos

e negativos de uma medida, ao nível dos objetivos prosseguidos e do funcionamento do

mercado interno, e a aplicação do teste da proporcionalidade.

➢ Faz-se também juízo previsivo e valorativo sobre o impacto das medidas e a importância

da questão – Comissão decide se auxílio promove um objetivo legítimo e quão

importante é a promoção desse objetivo por contraste à proteção do funcionamento do

mercado interno.

Comissão tem ampla margem de discricionariedade mas tem sempre de fazer o teste de

proporcionalidade – TJUE tem imposto alguns limites, aderindo aos critérios de

proporcionalidade previamente estabelecidos pela própria Comissão.65

➢ Esta margem pode ser coartada nos termos do art. 108º/2/§3 em que o Conselho pode

autorizar por unanimidade um auxílio proibido.

Cabe ao Estado-membro o ónus da alegação e da prova do preenchimento dos requisitos para

beneficiar de uma isenção.

➢ Enquanto não autorizado, um auxílio estatal abrangido pelo art. 107º/1 é ilegal.

Art. 106º/2 é diferente mas pode, potencialmente, conduzir a um resultado equivalente.

• Quando os requisitos Altmark não estiverem preenchidos, a compensação do serviço

público é classificada como auxílio, mas pode beneficiar desta exceção.

• Enquanto exceção, esta regra tem de ser interpretada restritivamente e está sujeita ao

teste de proporcionalidade.

• TJUE (C-387/92, Banco de Crédito Industrial) interpretou esta norma no sentido de que

não se trata de tornar os artigos 107º a 109º TFUE (e direito secundário) inaplicáveis,

mas de obrigar a uma isenção individual ao abrigo dos critérios do artigo 106º/2 –

Comissão retém monopólio de aferição individual da compatibilidade de um auxílio com

o Tratado.

65 Comissão tem inúmeros instrumentos de soft-law que visam concretizar o seu entendimento sobre situações que podem beneficiar de isenções.

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

47

Procedimento Administrativo de Notificação e Aferição de Auxílios Regulado no art. 108º TFUE e nos Regulamento (UE) n.º 2015/1589 + Regulamento (CE) n.º

794/2004

Os auxílios de Estado dividem-se em:

a) Auxílios existentes (legais, não têm de ser notificados, sem prejuízo de deveres de

informação):

i) Auxílios preexistentes à adesão de um EM (e exceções previstas nos

tratados de adesão), que perduram;

ii) Auxílios autorizados, por decisão expressa ou tácita da Comissão (ou

medidas individuais adotadas estritamente nos termos de um regime

de auxílios autorizado);

iii) Auxílios cuja obrigação de recuperação prescreveu;

iv) Medidas que só se tornaram auxílios após a sua execução, devido a uma

evolução (externa) das circunstâncias (exceto na caso da liberalização

de mercados)66.

b) Auxílios novos (que não são “existentes”, incluindo alterações de auxílios existentes):

i) NOTIFICADOS: que foram notificados à Comissão Europeia e não foram

implementados antes de uma decisão favorável; é aplicável o processo

previsto nos artigos 2.º a 11.º do Regulamento (UE) n.º 2015/1589;

➢ Deve primeiro notificar a Comissão Europeia, atempadamente e

com toda a devida informação (utilizando os formulários aprovados

para o efeito), ficando proibido de implementar/executar o novo

auxílio antes de receber uma decisão de compatibilidade (ou antes

de passar o prazo de decisão = obrigação de “stand still”).

➢ Em certos casos, pode-se recorrer a um procedimento de

notificação simplificado, que dispensa a apresentação de um

grande número de informações

ii) NÃO NOTIFICADOS: executados sem notificação ou antes de decisão

favorável – são ilegais (inválidos) e nunca produzem efeitos nem podem

criar expectativas legítimas nos seus beneficiários; é aplicável o

processo previsto nos artigos 12.º a 16.º do Regulamento (UE) n.º

2015/1589.

Em ambos os casos, após notificação completa à Comissão, esta decidirá (a não ser que a

notificação voluntária seja retirada pelo Estado-membro – i.e., “desista” – e sem prejuízo do

prazo de prescrição de dez anos):

• que o auxílio é incompatível com o mercado interno – neste caso, o Estado-membro é

proibido de conceder o auxílio, ou obrigado a recuperar do beneficiário todo o benefício

que lhe foi atribuído, acrescido de juros;

• que o auxílio é compatível com o mercado interno – neste caso, o auxílio pode ser

atribuído ou, no caso dos não notificados, o auxílio em si não tem de ser recuperado,

mas tem de se recuperar do beneficiário os juros relativos ao período durante o qual

66 Não é devido a nada que o Estado tenha feito. Estado concedeu auxílio, mas depois aconteceu qualquer evolução estranha nos mercados e aquilo que antes não era considerado auxílio ilegal agora passa a ser.

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

48

beneficiou do auxílio enquanto este ainda era ilegal – como era ilegal, tem de se destruir

os efeitos desse tempo em que era ilegal.

Decisão de recuperação é endereçada ao Estado-membro – e depois Estado-membro endereça

ato administrativo para devolver dinheiro.

➢ Se Estado-membro não recuperar, Comissão pode interpor ação por incumprimento

dessa obrigação.

Se Estado-membro entende que uma medida não é um auxílio de Estado, não é obrigado a

notifica-la.

➢ Comissão pode discordar da qualificação dada pelo Estado.

➢ É frequente a notificação de medidas “por cautela”, apesar de se entender que não

constituem auxílios de Estado.

Procedimento de análise de um auxílio divide-se em 3 fases:

0) Fase opcional de pré-notificação (contactos informais entre EM e Comissão);

1) 1ª fase: investigação preliminar, com prazo de 2 meses (prazo não se aplica a

investigações ex officio de auxílios ilegais);

2) 2ª fase: investigação formal: não está sujeita a prazo (embora uma duração

excessiva possa violar o princípio da boa administração); o seu âmbito e

fundamentação podem ser relativamente vagos, mas têm de identificar as questões

que, a final, serão decididas.

Os contactos são próximos entre os Estados-membros e a Comissão, tendo em conta que

terceiros só podem intervir na 2ª fase mediante submissão de observações escritas e respostas

a pedidos de informação da Comissão.

➢ O principal ímpeto para a deteção de auxílios não notificados são as denúncias à

Comissão Europeia apresentadas por terceiros interessados.

Se Auxílio de Estado for incompatível, Estado-membro é obrigado a recuperar esse auxílio na sua

integralidade (com juros) – derroga as regras gerais do TFUE sobre o processo por

incumprimento.

Controlo Judicial das Decisões da Comissão Europeia Há 3 tipos de decisões (aferidas primeiro pelo TGUE e, eventualmente, em recurso pelo TJUE):

1) decisões que põem termo a uma análise preliminar;

2) decisões que dão início a uma investigação formal;

3) decisões sobre a compatibilidade de um auxílio de Estado, que o autorizam /

proíbem / obrigam à recuperação.

Estados-membros têm o direito de recorrer contra atos gerais e abstratos, incluindo

documentos de soft-law da Comissão pois têm efeitos externos de vincularem-na a decidir

futuros auxílios de acordo com esses critérios.67

• Terceiros interessados também podem recorrer se houver efeito negativo sobre os

seus direitos ou interesses – art. 263º TFUE.

67 Característica do controlo judicial neste domínio em que há apego judicial aos documentos de soft-law da Comissão.

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

49

o Conceito de ato recorrível tem vindo a ser alargado pelo Tribunal: admitem

recursos por omissão e recursos que invoquem a responsabilidade

extracontratual da UE por danos causados por estas decisões.

TJUE está limitado pelo pedido e pelas informações disponíveis à data da sua adoção.

Na prática, o domínio dos auxílios de Estado é a área do direito da concorrência em que a

Comissão está sujeita ao menor grau de controlo judicial do exercício dos seus poderes, o que

se compreende também face à natureza eminentemente política de muitas das decisões em

causa68.

Papel dos Tribunais Nacionais Papel importante a desempenhar na garantia do respeito pelas regras dos auxílios de Estado

– atuação que se enquadra no conceito de “private enforcement” por se iniciar a pedido de

particulares. Processos são intentados contra o Estado, devendo correr nos Tribunais

Administrativos. Incluindo medidas provisórias, pode ser de 3 tipos:

1) Pedidos de suspensão de decisão / recuperação de um auxílio de Estado ilegal (garantia

do respeito pela obrigação de stand still) – por empresas prejudicadas pela atribuição

do auxílio a uma sua concorrente;

2) Pedidos de indemnização por danos causados por auxílios de Estado ilegais – por

empresas prejudicadas pela atribuição do auxílio a uma sua concorrente;

3) Pedidos de revisão da legalidade de uma decisão de recuperação de um auxílio ilegal –

por beneficiário do auxílio.

Só podem decidir sobre a qualificação de uma determinada medida como um auxílio de Estado

e sobre a eventual violação do dever de notificação prévia, protegendo os direitos reflexos

dos particulares.

➢ Não podem julgar a compatibilidade nos termos do artigo 107º/2 ou 3, que só pode ser

decidida pela Comissão Europeia. A legalidade do auxílio só pode ser aferida pelo TJUE.

Crise Financeira e Impacto no Regime do Auxílios de Estado Comissão teve de criar um quadro mais ágil e permissivo de apoio pelos Estados-membros,

em especial, às suas instituições financeiras em dificuldades.

• Criação de múltiplos instrumentos jurídicos (maioritariamente de soft-law) e aplicação

prática de critérios definidos em abstrato.

Muitas das decisões da Comissão foram motivadas politicamente – quer no sentido de permitir

um auxílio defendido pelo Estado português que muito dificilmente parecia passar nos requisitos

europeus (ex: identificação de um risco sistémico criado pela falência de um pequeno banco), ou sendo

pouco exigente no controlo desses requisitos (ex: decidindo sobre um auxílio extremamente complexo

no espaço de um fim de semana); quer no sentido de promover agendas políticas europeias (como o

fomento da concentração da banca europeia, favorecendo-se a aquisição de bancos portugueses por

bancos de outros Estados-membros).

68 O cenário de controlo judicial é ligeiramente diferente no caso da aplicação dos critérios da jurisprudência Altmark, acima

descrita. Como nesses casos a própria Comissão Europeia tem de respeitar a margem de discricionariedade dos Estados-membros, o Tribunal tem de fazer um controlo pleno do exercício dos poderes da Comissão. O Tribunal encontra-se aí vinculado pela margem de discricionariedade nacional, mas não pode permitir espaço para margem discricionária da instituição europeia.

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

50

Regime das Práticas Individuais Restritivas do Comércio – DL

166/2013

Revisão substancial de um regime com 3 décadas de existência e que levanta profundas dúvidas

quando à sua ponderação jus-política, atendendo às potenciais consequências deste normativo

sobre a vida económica nacional.

Não se atendeu à vontade dos consumidores, embora haja uma convicção de que haverá

benefício indireto para os consumidores.

➢ Em 2013, o regime foi feito com base num draft elaborado pelos grande produtores –

portanto foram os interesses dos produtores que mais prevaleceram.

Muitas das práticas reguladas não são “individuais”, mas sim coletivas, nem “restritivas do

comércio”, na medida em que não temos por demonstrados que todas as práticas em causa

limitam ou reduzem o número de transações comerciais nos mercados nacionais.

Este Regime das PIRC (RPIRC) não tem por objetivo proteger os interesses dos consumidores69

e é medida legislativa de política económica, que visa proteger e favorecer o setor da produção

nacional, sobretudo na área agroalimentar.

➢ Mas, o preâmbulo do diploma afirma que o DL 166/2013 visa garantir a “transparência

nas relações comerciais”, o “equilíbrio das posições negociais entre agentes

económicos” e a “sã concorrência”.

Em relação à proporcionalidade deste diploma70, a proteção dos pequenos produtores e

redistribuição de valor na cadeia de distribuição não é, enquanto tal, um valor constitucional

que justifique a restrição de outros.

➢ Uma análise detalhada poderia levar a que algumas disposições substantivas do RPIRC

não passavam no teste de proporcionalidade e haveria limitação da liberdade da

iniciativa económica (art. 61º/1 CRP)

Um juízo de proporcionalidade sobre este diploma deve radicar no art. 81º CRP e as suas normas

devem ser consideradas constitucionais por são contributo para a proteção e promoção:

i. Da liberdade de iniciativa económica;

ii. Da equilibrada concorrência entre as empresas.

➢ Saliente-se a ênfase no “equilíbrio” da concorrência, apesar de a incumbência

prioritária do Estado que implicitamente se invoca se focar, em primeiro lugar,

no “funcionamento eficiente dos mercados”.

69 Como é interesse do Direito da Concorrência – lógica do Diploma das PIRC não tem nada a ver com isto.

➢ Diploma PIRC não está preocupado em garantir a eficiência do mercado (enquanto o Direito da Concorrência é isso que visa) – a preocupação é muito diferente e o objetivo assenta na ideia de que há práticas desleais (não com base na eficiência mas sim com a ideia de equidade/justiça), legislador prossegue um objetivo de redistribuição da riqueza.

70 Apesar do que o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão diz: que RPIRC visa “salvaguardar a transparência e a lealdade da concorrência”, proteger a livre iniciativa privada e, “mais concretamente, (…) a promoção da eficiência económica (eficiência derivada do mérito, da organização, e não de um poder financeiro pré-existente), que, indiretamente, irá, por um lado, promover o crescimento económico e, por outro, beneficiar os próprios consumidores” – TCRS, 19 de fevereiro de 2013

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

51

Este diploma só será significativo quando o impacto das práticas em causa é negligenciável

pelo Direito da Concorrência, que já impõe salvaguardas necessárias.

Art. 2º/1 – Âmbito de aplicação territorial Implica leitura dos art. 2º/1, 4º/3, 7º/4

Direito da Concorrência segue a teoria dos efeitos – aplicando-se a toda e qualquer prática com

efeitos no território nacional, independentemente do local onde as empresas em causa estejam

estabelecidas.

O critério formal que atende, única e exclusivamente, ao local de estabelecimento da entidade

jurídica relativamente à qual se pondera aplicar uma norma do DL 166/2013 – é desadequado;

uma empresa que preste serviços ou atue em Portugal, mas cuja sede é noutro país não está

sujeita às obrigações do RPIRC.

➢ Por outro lado, qualquer empresa estabelecida em Portugal vê a sua liberdade de

atuação no estrangeiro sujeita a todas estas restrições, que ganham um efeito

extraterritorial.

Consequências:

• um fornecedor estrangeiro não está sujeito às obrigações de transparência do art. 4.º;

• um fornecedor nacional está sujeito às obrigações de transparência do art. 4.º nas suas

relações com empresas e consumidores de outros Estados do EEE, mesmo que as leis

desses Estados não imponham exigências idênticas;

• uma empresa com sede em Espanha pode comprar produtos em Portugal e revendê-

los em Portugal por um “preço inferior ao preço de compra efetivo”;

• uma empresa com sede em Portugal que compre um produto em Espanha (ou

Portugal) e o revenda na França não o pode revender abaixo do “preço de compra

efetivo” (mesmo que as leis francesas o permitam);

Problemas de tratamento discriminatório.

➢ Critério da sede em Portugal pode cair num entrave à livre circulação de mercadorias –

num entrave à exportação, em que as empresas portuguesas teriam de preencher mais

requisitos pois estavam sujeitas ao RPIRC.

Aplicação apenas a “empresas” também é problemático pois não há definição deste conceito

que está sujeito a muitos entendimentos consoante o ramo de Direito em causa.

➢ Deve integrar-se o conceito através de uma interpretação sistemática e teleológica –

art. 10º/3 remete para uma Recomendação da Comissão Europeia que define empresa

como “qualquer entidade que, independentemente da sua forma jurídica, exerce uma

atividade económica” = agente económico.

Art. 2º/2 a) os SIEGs não estão sujeitos às obrigações decorrentes do RPIRC – só estão sujeitos às

obrigações decorrentes do direito da concorrência (art. 4º/2 Lei da Concorrência e art.

106º/2 TFUE).

➢ MSF: não se explicou o porquê desta exclusão;

➢ Este conceito é muito indeterminado e a sua noção está normalmente associada

à prestação de serviços públicos – estão tipicamente sujeitos a regulação

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

52

setorial, o que deixa pouco espaço próprio para a diferenciação das

consequências desta alínea relativamente ao art. 2º/2/b;

➢ Pode decorrer alguma insegurança jurídica – abrange o SIEG em si apenas ou

toda a atividade da empresa encarregue de um SIEG?

b) Isto porque os fins visados pelo RPIRC e as suas proibições já devem ser impostas pelos

reguladores setoriais sempre que tal se justifique e se mostre necessário para alcançar

objetivos regulatórios.

➢ Há outros setores ou mercados cuja regulação ou características tornem

desproporcionadas as restrições do RPIRC.

Art. 3º - proibição da prática de preços ou condições de venda discriminatórios

relativamente a prestações equivalentes Art. 3º/1: não tem relação de subsidiariedade com o Direito da Concorrência, mas sim, o inverso

Só proíbe práticas que também sejam proibidas pelo Direito da Concorrência (art. 9º,

11º ou 12º da Lei 19/2012).71

o Legislador contradiz-se pois afirma no preâmbulo que RPIRC aplica-se em casos

em que não esteja em causa uma afetação sensível da concorrência, mas depois

exige que a prática discriminatória seja desconforme ao Direito da Concorrência,

tendo, para isso, que se verificar uma afetação sensível da concorrência.

Art. 4º - transparência dos preços e condições de venda Art. 4º/1: ASAE não pode impor a uma empresa uma coima ao abrigo desta norma, com base

apenas no facto de lhe ter solicitado as tabelas de preço e ter constatado que estas não existiam.

➢ Só preenche o ónus probatório se demonstrar que houve uma solicitação por parte dum

revendedor ou utilizador que não recebeu resposta favorável e conforme os termos da

lei – ASAE tem de provar que um revendedor ou utilizador exigiu a tabela de preços e

os outros não deram. Tem de haver queixa que diga a ASAE que tal foi pedido e depois

foi negado.

Art. 4º/2: empresas só estão obrigadas a divulgar condições de venda que não incluam segredos

comerciais – é admissível que as empresas definam escalões mais ou menos amplos, consoante

as características do mercado em causa, que lhes permitam preservar o seu segredo comercial,

desde que não privem a norma do seu efeito útil.72

➢ MSF: norma deixa de ter utilidade prática – não há forma económica de se exigir às

empresas que sejam transparentes quanto aos preços que praticam, pois é a

discriminação que importa às empresas.

Art. 4º/3: apenas se aplica a contratos celebrados entre empresas estabelecidas em território

nacional (como consequência do art. 2º/1).

➢ MSF: podia ter muita utilidade mas está subaproveitada – está apenas feita para os

fornecedores, mas de forma bastante limitada: remunerações recebidas de um

fornecedor devem ser reduzidas a escrito.

71 MSF: é redundante e pode até ter problema constitucionais, pois pode haver um concurso de normas e isso levava a uma dupla condenação inaceitável 72 Não se pode impor a uma empresa que revele todas as suas práticas de negociação e os resultados mais favoráveis obtidos por alguns clientes, mas apenas as condições típicas que pratica, sob pena de minar a sua capacidade negocial em futuras transações.

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

53

o Preocupação de que qualquer remuneração que se vá receber de um fornecedor deve

ser reduzida a escrito pois os grandes retalhistas falam com os fornecedores e nunca

estão reduzidas a escrito, podendo haver uma diminuição da liberdade de negociação

dos pequenos produtores, que como os outros não têm nada reduzido a escrito os

pequenos não se podem defender dos grandes.

Art. 5º - Vendas com Prejuízo A identificação de uma venda com prejuízo baseia-se no elemento chave de determinação do

Preço de Compra Efetivo – calculado nos termos do art. 5º/2 e 5º/373

• Preço unitário constante da fatura de compra – tendo em conta que a medida de

“unidade” varia consoante o tipo de produto em causa e que pode variar entre

diferentes níveis da cadeia.

• Deduzem-se os descontos e os pagamentos relacionados com a transação – não

apenas os descontos em sentido próprio, mas também pagamentos que levam ao

mesmo resultado económico. Ex: contribuição para campanha promocional acordada

em troca de uma determinada compra74.

o Pode ter eficácia diminuta pois muitos pagamentos de fornecedores a

vendedores são contrapartidas por serviços prestados, não preenchendo o

requisito.

• Descontos e pagamentos têm de ser exclusivamente relacionados com a transação em

causa – descontos que sejam concedidos no contexto e por causa da transação concreta

em causa na respetiva fatura, individualmente considerada.

o Solução muito formal que ignora a complexidade das trocas comerciais.75

• Apenas se pode atender a remissões para contratos de fornecimento ou a tabelas de

preço que estejam em vigor no momento da transação – impede a alteração retroativa

do preço de compra através da revisão de documentos.

Art. 5º/4: desconto concedido sobre valor global duma fatura, ou sobre e por causa de uma

globalidade de produtos comprados, não é um desconto “concedido num determinado

produto”, faltando-lhe a determinação tanto do quantum do desconto como da associação ao

produto em causa.

➢ significa que se ele estiver a 10€ com desconto de 20% paga 8€. Nos casos L2P1 (leve 2,

pague 1), o preço de venda é de cada 1 – está-se a comprar cada produto a metade do

preço.

Art. 5º/5: descontos só relevam na medida em que forem atendíveis pelo art. 5º/4 – para a

aplicação do art. 5º/5 tem de se identificar um desconto que deve ser considerado na

determinação do preço de venda nos termos do art. 5º/4.

➢ Reinvenção da noção de venda com prejuízo, criando figura nova que poderá não ser

compatível com a aplicação da proibição de base.

o Qual o preço real? É que o desconto em cartão é meramente hipotético. No

momento da compra não há venda nenhuma com prejuízo. Neste caso está-

73 Tem de se comparar o PVP (preço de venda ao público) com o PCE (preço de compra efetivo).

➢ No PCE enquadra-se o IVA e retiram-se os descontos. 74 Fica por esclarecer se a entrega de um objeto de valor é atendível para este efeito 75 Exclui os descontos em “rappel” (desconto concedido ao comprador sempre que este atinja ou ultrapasse um determinado volume de compras, e que incide sobre o valor total da mercadoria vendida) e todos aqueles que sejam identificáveis como atendendo a um coletivo de transações

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

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se a comprar por 10€ com uma potencialidade de comprar por 8€, que é algo

que só se efetiva num momento posterior. Não se pode punir pelo risco de se

ter venda com prejuízo, quando no momento da compra não se teve.

▪ MSF: ninguém sabe como aplicar esta norma. E é impossível aplicar na

prática.

O desconto em cartão é possível e vai servir para determinar PVP

• Afere-se por venda e há 2 ofertas do produto:

o Com carão – seriam com prejuízo se não fossem usadas nos 30 dias seguintes;

o Sem cartão – não eram com prejuízo.

Art. 6º - Recusa de venda de bens ou prestação de serviços Não se esclarece se a lista de causas justificativas é exaustiva ou exemplificativa.

➢ MSF: a última cláusula foi redigida em termos relativamente abertos e pode sugerir a

presença de uma cláusula “catch-all” supletiva.

Também está regulada no Direito da Concorrência – exemplo de esquizofrenia do legislador.

Mesmo legislador que só se pode proibir recusa de venda se tiver posição dominante é o

mesmo que noutra lei vem dizer que a recusa de venda é sempre proibida.

➢ Norma nunca é aplicada, pois ela está dependente de que hajam queixas (ASAE não

pode aplicar a norma sem haver queixa e aplicar per si).

Art. 6º/2: proíbe o pure bundling

• Proíbe os casos de “só forneço se”

o Pode ser bundling (associação de dois produtos) ou tieing (associação de

prestações).

Art. 7º - Práticas negociais abusivas Legislador impôs restrições aplicáveis a todas as relações comerciais entre empresas

portuguesas, que são manifestamente desnecessárias para alcançar os objetivos do diploma e

cuja constitucionalidade não poderá deixar de ser testada.

• Nenhuma empresa portuguesa poderia acordar com outra uma alteração retroativa

de um contrato de fornecimento de bens. Se “contratos de fornecimento” não

abranger as prestações de serviços deve indagar-se o porquê deste tratamento

discriminatório.

• Deixam de poder acordar entre si cláusulas de “empresa mais favorecida”.76

• Lei proíbe acordos de obtenção de contrapartidas por promoções em curso ou já

ocorridas.

76 Parecido a Cláusula da Nação Mais Favorecida – cláusulas frequentes em vários tipos de mercados e está-se a fixar um preço mínimo para o mercado naquelas empresas. No Direito da Concorrência não se pode fazer isto se não for justificado. Aqui não há teste de racionalidade económica nem há teste de sensibilidade de efeito na concorrência. Proíbe-se qualquer prática mesmo que não haja efeito na concorrência. Em teoria a norma é aplicável, mas não há casos disso.

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

55

• Podem negocias promoções futuras, mas já não o podem fazer se se entender que uma

das empresas está a “impor unilateralmente” a realização dessa promoção ou o

pagamento duma contrapartida à sua contraparte77.

o MSF: paternalismo económico penado em grandes retalhistas que impõe aos

pequenos condições exorbitantes – mas, o Estado não tem que vir classificar

como exorbitante e o Direito da Concorrência já vem estabelecer que se as

partes quiseram o acordo então ele é possível. Aqui vem proibir-se de todo, o

que não faz sentido pois não houve imposição e sim uma concertação das

partes.

• A própria tentativa é punida – ex: é punido como contraordenação se um pequeno

retalhista enviar comunicações a um grande fornecedor exigindo que ele contribua para

a realização de uma promoção dos seus produtos na loja em causa

Art. 6º/3 – Como é que um comprador “demonstra”, satisfatoriamente, a responsabilidade do

fornecedor pela menor qualidade da encomenda?

• Problema de (impossibilidade) de prova, que passa por elementos que só estão na

disposição do fornecedor.

o Pode haver também outros problemas, relacionadas com a norma em si: há

responsabilidade se houver condições climatéricas adversas? Há

responsabilidade se uma entrega se atrasar devido a dificuldades de transporte

que não estavam no seu controlo?

• Consequência é que consumidores se poderão mostrar extremamente relutantes em

estabelecer relações comerciais com entidades que se insiram no âmbito subjetivo do

art. 7º/3 DL 166/2013, pois pode vir a mostrar-se gravemente contrária aos seus

interesses económicos.

o MSF: O nº3, em termos de análise económica do direito, tem um impacte de

dissuadir os negócios com os pequenos agricultores – vai preferir comprar a um

médio/grande agricultor pois terá o risco sempre por ele se contratar com

pequenos agricultores.

• Ao pretender proteger o pequeno agricultor, o legislador pode ter criado um quadro

legislativo que dificultará o seu acesso ao mercado.

Art. 9º - referência à negligência e tentativa têm alguma relevância

Art. 10º - valores das contraordenações Valores tão elevados por causa de algo que pode não ter qualquer impacto no mercado – as

vendas com prejuízo não têm impacto económico real.

Poucos processos por ano e pouca imposição de contraordenações.

Parece que, ao ler o regime, ele se aplica a qualquer troca mas depois, na prática, há muito

poucos processos instaurados e poucas inspeções, também.

➢ ASAE perdeu todos os recursos menos 1 (que foi o único caso em que não se estava

efetivamente a discutir descontos).

77 Verifica-se esta situação mesmo nos casos de uma empresa que não tenha posição dominante – tem de se provar o elemento subjetivo de falta de vontade por parte de uma das empresas para realizar uma promoção ou pagar uma contrapartida pela promoção

➢ É incoerente pois os contratos são feitos de livre vontade; em que situação vem o Estado dizer que é imposição?! No Direito da concorrência há explicação e atende-se à posição dominante. Não se sabe bem qual o teste para aferir-se que houve imposição. Não tem lógica económica.

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

56

Não é absolutamente clara a proporcionalidade destas coimas e há um aumento dos valores

máximos das coimas (nomeadamente para as previstas no art. 9º/1/a, d).

As coimas são aplicáveis por uma única infração – no caso de pluralidade de infrações aplica-se

o art. 19º do Regime Geral das Contra-Ordenações.

São aplicáveis mesmo que a conduta tenha sido meramente negligente ou tentada (art. 9º/2

DL 166/2013).

Novo regime introduz quadro normativo que permite a aplicação de coimas desproporcionais

e que pode até abrir a porta à arbitrariedade, sobretudo atendendo à ausência de critérios

específicos de determinação da medida da coima.

➢ O desafio da justificação da proporcionalidade das coimas passa pela dificuldade de

justificação económica das próprias proibições em causa.

➢ Se o impacto destas práticas sobre a concorrência é pouco significativo, como admite o

legislador, o que justifica multas com valores máximos tão superiores aos de outras

contraordenações?

Art. 13º - Centralização na ASAE das competências de fiscalização, instrução e decisão

dos processos Antes do DL 166/2013, a aplicação do regime das PIRC era dividida entre a ASAE (inspeção e

instrução) e a AdC (aplicação de coimas) – a partir da nova lei, a ASAE passou a aplicar sozinha

o diploma.

Gera maior eficiência na gestão dos processos – proceder à fiscalização e instrução dos

processos permite adquirir uma sensibilidade mais ampla sobre a disseminação e real impacto

das práticas dos mercados e na economia nacional, que é essencial para a orientação dos

recursos administrativos escassos.

➢ Desvantagem são as exigências acrescidas (e possivelmente excessivas) colocadas

sobre a ASAE, sem que ela esteja dotada de meios adicionais – ex: tem de ter

conhecimentos especializados de direito da concorrência (art. 3º/1 e art. 6º/3/g)

Note-se que a redistribuição de competências resultará ainda na alteração dos tribunais

competentes para conhecer os recursos judiciais de decisões adotadas ao abrigo do RPIRC.

• Autoridade da Concorrência – Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão

• Inspetor-geral da ASAE – Tribunais comuns territorialmente competentes – perda das

vantagens que decorreram da especialização judiciária

Art. 16º - Autorregulação Apesar do art. 7º/5 DL 166/2013, não existe qualquer obrigação de adorar instrumentos de

autorregulação – é uma mera possibilidade.

Relação com o Direito da Concorrência A aplicação de algumas das proibições e respetivas coimas do RPIRC pode ser problemática

pois pode verificar-se uma sobreposição com a Lei da Concorrência.

➢ Os mesmos factos serviriam de base para a aplicação de contraordenações distintas, o

que poderia levar a uma dupla punição da mesma conduta, em violação do princípio ne

bis in idem.

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

57

Se a intenção do legislador era aplicar as proibições do RPIRC quando não se aplicam as da Lei

da Concorrência (quando não esteja em causa uma afetação sensível da concorrência), então,

tal deveria ter sido indicado de modo claro nas normas do diploma.

O RPIRC prossegue objetivos e protege valores distintos dos prosseguidos pela Lei da

Concorrência e não tem regime subsidiário ao do Direito da Concorrência e há sim previsões que

as obrigações do RPIRC só se aplicam quando a mesma conduta também é proibida pelo Direito

da Concorrência (art. 3º/1 DL 166/2013) – regime esquizofrénico que não é claro na inter-

relação de diplomas e leva a conflito de normas.

Atualidade do Regime Este novo regime traz um substancial aumento da insegurança jurídica e da litigância –

havendo um substancial acréscimo de custos para as empresas portuguesas, que têm de

recorrer a serviços jurídicos para compreender as dúbias normas do diploma.

• Prejuízo para economia – pois tira-se dinheiro do mercado para objetivos inúteis e sem

efeitos práticos.

Desprezou-se o “de minimis non curat praetor”.

➢ Tribunais e as empresas podem ser obrigadas a discutir seriamente a venda de uma

garrafa de água, numa loja, por 1 cêntimo abaixo do preço de compra, devido aos efeitos

deste ato para a concorrência e para a economia.

Esta reforma jurídica, com um impacto potencial extremamente profundo no tecido

económico nacional, tenha sido realizada, única e exclusivamente, com base em pré-

entendimentos não demonstrados sobre os seus fundamentos e consequências.

Uma venda com prejuízo é, claramente, no interesse imediato dos consumidores, que assim têm

acesso a produtos a um preço inferior. Esta prática só poderá ser prejudicial para os

consumidores mediatamente, se conduzir ao aumento da concentração do mercado,

permitindo a futura exploração do poder de mercado reforçado dos concorrentes. Mas esta

lógica parece-nos inteiramente enviesada.

Entre 2014 e 2016, a maior parte dos processos PIRC instaurados foram no âmbito das vendas

com prejuízo (art. 5º). Correspondem ainda a 81% dos processos instaurados pela ASAE ao

abrigo do DL 166/2013.

TJUE, C-295/2016 Europamur Tribunal de Justiça decidiu que a diretiva relativa às práticas comerciais desleais procede a uma

harmonização completa das regras em matéria de práticas comerciais desleais das empresas

face aos consumidores, e que os Estados-Membros, não podem, portanto, adotar medidas

mais restritivas do que as definidas por esta diretiva, mesmo com a finalidade de assegurar um

grau mais elevado de proteção dos consumidores.

➢ Não se pode admitir uma disposição nacional que contém uma proibição geral de propor

para venda ou de vender bens com prejuízo e que prevê motivos de derrogação a essa

proibição baseados em critérios que não figuram nessa diretiva.

Desde acórdão retira-se que o DL 166/2013 é contrário à diretiva europeia que aproxima as

legislações dos Estados-membros relativas às práticas comerciais desleais – mas, a forma como

ver isto sem ser contrário ao DUE é enquadrar o DL com o objetivo da proteção da relação de

Sebenta Direito da Economia – 2017/2018 DNB

58

forças entre produtores e a diretiva não ter o propósito de proteger diretamente os interesses

económicos dos consumidores das práticas comerciais desleais das empresas face aos

consumidores.

➢ Mas, não se pode retirar a força da harmonização de determinadas práticas somente

porque os diplomas visam situações diferentes: como se visa o mesmo tipo de

práticas, a argumentação dos objetivos diferentes não pode ser procedente.

STJ – AUJ 9/2014 de 14 de maio de 201478

Art. 5º sofreu uma evolução jurisprudencial e antes exigia-se que tivessem de ser diretamente

relacionados com aquela transação e o desconto tinha de ser determinável (era muito restritivo

e alguns tipos de desconto iriam ser excluídos), agora exige-se que apenas seja possível

determinar o preço unitário.

Raro exemplo de ativismo judicial em que o STJ interveio para alterar drasticamente os

parâmetros de aplicação da proibição das vendas com prejuízo – legislador foi insensível à

realidade económica mas os tribunais portugueses repuseram o bom senso.

➢ MSF: embora STJ não tenha dito nada de muito significativo, mas levou a que os

Tribunais fizessem uma interpretação ab-rogante da lei

Citando Carolina Cunha e Cruz Vilaça, STJ proclamou-se a necessidade de conhecimento da

realidade económica para uma correta interpretação da lei, fiel ao seu espírito e objetivos.

Quanto às vendas com prejuízo, o RPIRC “impede a subtração ao preço de facto de boa parte

dos descontos realmente obtidos do fornecedor e tem como consequência – uma vez que nem

todos os descontos podem ser considerados para a determinação do preço de venda –, o

aumento das margens de lucro do revendedor (…), leva[ndo] a que tal regime jurídico comporte

a possibilidade de ser punida como venda com prejuízo uma venda em que os agentes

económicos não sofrem prejuízo nenhum e, pelo contrário, obtêm lucros”.

A conceção de desconto é demasiado estrita

AUJ 9/2014 chegou à conclusão que “Um desconto «rappel» escalonado, cujo primeiro escalão

se inicia na unidade (em euros, quilos, litros, etc.), é um desconto de quantidade que, nos termos

dos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de outubro, na redação do Decreto-

Lei n.º 140/98, de 16 de maio, releva para a determinação do preço de compra efetivo,

satisfeitas que se mostrem as restantes exigências de se encontrar identificado na fatura ou, por

remissão desta, em contratos de fornecimento ou tabelas de preços e de ser suscetível de

determinação no momento da respetiva emissão”.

Um desconto atribuído numa venda específica em que só foi adquirida uma unidade deve ser

considerado um “desconto de quantidade”, nos termos do RPIRC, e tido em conta no cálculo

do preço de compra efetivo. Permitiu um desconto expresso na forma de uma condição

suspensiva – a praticar só a posteriori e estava, na mesma, preenchido o requisito da

determinabilidade do desconto.

78 Relativo ainda à interpretação do DL 370/93 mas mantém a sua relevância na vigência do DL 166/2013, devido à identidade das normas em causa, no que releva para as questões nele discutidas.

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Mas desconto em rappel é estabelecido em termos tais que expressam o seu aumento à medida

que aumenta a quantidade adquirida (vários escalões), podendo argumentar-se que seria

necessário provar, num caso concreto, a existência desses escalões em abstrato, para se poder

qualificar o rappel como um desconto de quantidade.

• ASAE dizia que não era um desconto de quantidade pois o desconto já estava previsto

a partir da primeira unidade. O que não faria sentido, pois um desconto de quantidade

é correspondente a um desconto dado por se comprar certa quantidade, certamente

mais que uma unidade.

• STJ veio dizer que pode haver desconto de quantidade mesmo que ele seja previsto a

partir da primeira unidade – permitiu criar-se uma solução para englobar dentro da

fórmula legal. Aplica-se a circunstâncias específicas de descontos em rappel que se

iniciam na primeira unidade. Mas, o espírito do acórdão é, na realidade, criticar o

legislador devido à aplicação desta lei. Isto levou a que os tribunais de 1ª instância ao

interpretarem a lei tivessem a mesma atitude.

STJ também forneceu orientações adicionais sobre tipos de descontos que a lei – por muito

que tal solução desagradasse – não permitia ter em conta, nomeadamente por serem uma

“contrapartida de utilidades proporcionadas pelo revendedor ao fornecedor”: bónus de tronco

comum nacional, bónus facing mínimo linear, bónus de não devolução e bónus de organização

de operações comuns especiais.

ASAE não considera os descontos comerciais, pois a lei não o considerava e só admitia 3 tipos de

desconto. Se fatura diz desconto, a ASAE não o considera pois não sabe qual é a justificação

desse desconto.

➢ Os tribunais consideraram que se efetivamente as vendas não tinham prejuízo, então

não se devia aplicar a lei cegamente – interpretação dos tribunais foi numa de adaptar

a lei à realidade do mercado.

➢ Ex: pessoa pagava 4,5€ de X para revender. Chegava lá a ASAE e pedia a fatura e estava

escrito que X custava 5€ menos 20% de desconto. ASAE considerava que estar a

revender a 5€ era venda com prejuízo pois o desconto não estava especificado logo não

contava. Tribunal veio considerar que, apesar de desconto não estar especificado,

efetivamente ele não está a vender com prejuízo.

Na prática judicial, em cerca de 90% dos recursos decididos, os tribunais discordaram da

interpretação da ASAE quanto aos requisitos da identificação de uma venda com prejuízo.

➢ Desde a entrada em vigor do DL 166/2013, sempre que os Tribunais calcularam o preço

de compra efetivo, discordaram da ASAE, quanto aos descontos que podiam ser tidos

em conta nesse cálculo.

A pedra de base da discórdia é o AUJ 9/2014 – que teve como consequências práticas de que

qualquer desconto pode ser considerado um desconto de quantidade, mesmo que esteja

disponível logo na primeira unidade. Outra consequência, com a sua crítica ao regime, foi abrir

a porta à aplicação razoável da norma tendo em conta a realidade da vida económica.

Tribunais de primeira instância têm tido uma interpretação da lei que permite abranger a mais

descontos: “desde que seja possível relacionar o produto, o preço e a transação, por

forma a apurar-se o preço unitário, todos os descontos indicados, direta ou

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indiretamente, na própria fatura relativamente a determinado produto, podem ser

considerados como descontos de quantidade”.

O art. 5º DL 166/2013 tem vindo a ser aplicado pelos tribunais nacionais e dele resulta:

• O “preço de compra efetivo” deve ser calculado tendo em conta todos os tipos de

descontos, independentemente do modo como forem expressos, desde que seja

possível relacionar esse desconto com a transação do produto em causa;

• Devem ser tidos em conta descontos previstos em comunicações entre as empresas

posteriores à compra ou até à venda, nomeadamente por email ou em notas de crédito.

O RPIRC aplicava-se a todos e visava impedir uma concorrência injusta entre grandes e pequenos

retalhistas. Mas, os Tribunais têm tido alguma relutância em aceitar a aplicação da proibição de

vendas com prejuízo a PMEs pois a coima tem um valor tão elevado que pode ser

manifestamente desproporcional.

O contributo mais importante do AUJ 9/2014 foram os obter dicta, com duras críticas à

razoabilidade desta solução legislativa – considerações que se revelam o mais importante

contributo para o futuro da aplicação desta norma do RPIRC.

➢ Os tribunais de 1ª instância têm vindo a consagrar soluções justas.

Mas isto só acontece a nível judicial e nada garante que se continue a verificar esta

interpretação jurisprudencial uniforme e as entidades administrativas continua a ser próxima

da lei, pelo que quem não conheça esta orientação dos tribunais tenderá a não recorrer para

tribunal.

É imperativo rever a redação arcaica da proibição das vendas com prejuízo, desajustada da

realidade das trocas comerciais e, mais do que incapaz de produzir os efeitos pretendidos,

geradora de efeitos nefastos precisamente sobre aqueles que se visava proteger.

• Não se pode permitir a continuação de leis – bem e justamente – desaplicadas pelos

tribunais.

• As“vendas com prejuízo”, tal como as conhecíamos, morreram. Será que se justifica

ressuscita-las, noutro formato?