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Eliana Lucia Prevedello Rubin SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL: A (NÃO) EFETIVAÇÃO DO DIREITO Á SAÚDE UMA ABORDAGEM SÓCIO-JURÍDICA Santa Maria, junho de 2008

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Eliana Lucia Prevedello Rubin

SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL: A (NÃO) EFETIVAÇÃO

DO DIREITO Á SAÚDE – UMA ABORDAGEM SÓCIO-JURÍDICA

Santa Maria, junho de 2008

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Eliana Lucia Prevedello Rubin

SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL: A (NÃO) EFETIVAÇÃO

DO DIREITO Á SAÚDE – UMA ABORDAGEM SÓCIO-JURÍDICA

Trabalho de monografia apresentado ao Curso de Especialização em Direito do Trabalho e Previdenciário da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA para obtenção do Grau de Especialista.

Orientadora: Jane Lucia Wilhew Berwanger

Santa Maria, junho de 2008

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RESUMO

Ao falarmos de Seguridade Social, surge a idéia primária de Previdência Social. Consoante o art. 216

da Constituição Federal de 1988 por Seguridade Social, compreende-se o conjunto integrado de ações

de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, assegurada mediante políticas sociais, econômicas,

ambientais e assistenciais, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à

assistência social. Devido a distorções quanto ao seu verdadeiro significado, a Seguridade Social, no

Brasil, tem sido alvo de reformas e críticas e assemelha-se a um seguro social. Toda Constituição

inserida em um Estado Social e Democrático de Direito é alicerçada nos direitos fundamentais, e a

nossa Carta Magna de 1988, não foge a regra. A nova visão e conceito de saúde inserido pelo Texto

Constitucional traz à discussão a importância atribuída à saúde como direito social e fundamental de

eficácia plena e aplicabilidade imediata, bem como sua difícil efetivação no Brasil. Através das políticas

sociais, principalmente do SUS, busca-se a efetivação deste direito prestacional. Percebe-se que a

realidade brasileira está distanciada, na área da saúde, do que preconiza o Texto Constitucional. Os

fatores desse distanciamento passam pela falta de vontade e comprometimento de alguns

administradores, até a escassez de recursos financeiros.

Palavras-chaves: seguridade social – direitos sociais – saúde – efetivação - políticas sociais

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ABSTRACT

When we talk about Social Security, the idea is the first of Welfare. According to art. 216 of the Federal

Constitution of 1988 by Social Security, it is the integrated set of actions of the initiative of Public

Powers and society, assured by social, economic, environmental and welfare, to ensure the rights to

health, welfare and social assistance. Due to of distortions his true meaning, the Social Security in

Brazil, has been the target of criticism and reform and has characteristics of an insurance social. Entire

Constitution inserted in a Democratic and Social State of Law is founded on fundamental rights, and our

Magna Carta of 1988, no exception to rule. The new concept of health inserted by the Constitutional text

discusses the importance of health as a fundamental right and social, of full effectiveness and

immediate applicability, and its difficult realization in Brazil. Through social policies, especially the SUS,

seeks to making realizable this right prestacional. Of course, the Brazilian reality, in health, is far from

the recommended by the constitutional text. The causes of this distance ranging from the lack of will and

commitment of some administrators, up to scarcity of financial resources.

Keywords: social security - social rights - health - realization - social policies

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LISTA DE ABREVITURAS E SIGLAS

AG – Agravo

Art. – Artigo

CAPs – Caixas de Aposentadoria e Pensão

CEME- Central de Medicamentos

CF/88 – Constituição Federal de 1988

CLPS – Consolidação das Leis da Previdência Social

CPMF - Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e

de Créditos e Direitos de Natureza Financeira

DJ – Diário da Justiça

Fls.- Folhas

FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social

INPS – Instituto Nacional de Previdência Social

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social

LBA – Liga Brasileira de Assistência

LOAS- Lei Orgânica de Assistência Social

LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social

Min. – Ministro

MPAS- Ministério da Previdência e Assistência Social

Nº - Número

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OMS – Organização Mundial da Saúde

PEC – Proposta de emenda à Constituição

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RDT – Revista de Direito do Trabalho

RE – AgR – Recurso Extraordinário – Agravo Regimental

Rel. – Relator

SINPAS- Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social

STF – Supremo Tribunal Federal

SUS – Sistema Único de Saúde

TJRS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

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SUMÁRIO

RESUMO ..................................................................................................................................................3

ABSTRACT...............................................................................................................................................4

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS.................................................................................................. 5

INTRODUÇÃO......................................................................................................................................... 8

1 A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL ............................................................................................11

1.1 Seguridade Social: Diversidade de Interpretações....................................................................... 11

1.2 Evolução da Seguridade Social no Mundo ....................................................................................16

1.3 Evolução da Seguridade Social no Brasil ................................................................................. .20

2 BREVE ENFOQUE SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................ 26

2.1 Aplicabilidade Imediata e a Eficácia Plena dos Direitos Fundamentais ........................................32

3 POLÍTICA SOCIAIS E EFETIVAÇÃO DE DIREITOS PRESTACIONAIS............................................39

3.1 Saúde como um Direito Fundamental Social ................................................................................39

3.2 Saúde e Dignidade Humana......................................................................................................... 43

3.3 A Possibilidade de Efetivação do Direito à Saúde no Brasil sob o Enfoque da CF/88

e da Lei nº 8080/90 ......................................................................................................................46

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................................56

REFERÊNCIAS......................................................................................................................60

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SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL: A (NÃO) EFETIVAÇÃO

DO DIREITO À SAÚDE – UMA ABORDAGEM SÓCIO-JURÍDICA

INTRODUÇÃO

Ao falarmos de Seguridade social, surge a idéia primária de Previdência

Social, idéia limitada. Consoante o art. 194 da Constituição Federal de 1988, por

Seguridade Social, compreende-se “o conjunto integrado de ações de iniciativa dos

Poderes Públicos e da sociedade, assegurada mediante políticas sociais,

econômicas, ambientais e assistênciais, destinadas a assegurar os direitos relativos à

saúde, à previdência e à assistência social”.

Todos devem ter o direito aos benefícios que ela distribui e o dever de

contribuir para manter a solidariedade entre gerações. Foi esse o ideário que orientou

as políticas sociais após a Segunda Guerra Mundial nos países mais desenvolvidos e

transformando àquelas sociedades em Estados de Bem-Estar Social. Importa

consignar que esse resultado foi conseqüência de uma atitude deliberada das

sociedades através do apoio à intervenção do Estado. Foi essa a base sobre a qual

se assentou o desenvolvimento econômico e social das sociedades mais evoluídas.

No entanto não foi a Carta Magna que decretou o surgimento da

Seguridade Social. O termo vem sendo utilizado desde 1935 nos Estados Unidos e

desde a década de 1940 nos países capitalistas da Europa, designando um conjunto

variável de programas e serviços sociais. Mesmo recentemente adotado no Brasil, ou

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como prática consolidada em outros países, o termo "Seguridade Social" permanece

marcado pela imprecisão conceitual (VIANNA, 1998).

No Brasil, a ampliação do conceito de Seguridade Social surgiu com a

Constituição de 1988. A CF/88 tentou abarcar todas as políticas sociais desde o início

do séc. XX, introduzindo um novo conceito; propondo assim, a reorganização das

políticas que passaram a compor a Seguridade Social: a previdência, saúde e

assistência.

Destarte, em nosso país, a seguridade social assemelha-se a um

seguro previdenciário e não é analisada sob seu amplo significado, fato que corrobora

para que sua efetivação torna-se cada vez mais distante e utópica.

Devido às distorções quanto ao seu significado, a Seguridade Social

tem sido alvo de reformas, principalmente no que diz respeito à área da previdência

social. Justificam-se reformas devido a um suposto déficit entre receita e despesa

desta política social.

O objetivo deste estudo é externar toda relevância da Seguridade

Social na sociedade, demonstrando que a necessidade de reformas ocorre devido a

não implementação do Projeto de Proteção preconizado na Carta Máxima Brasileira.

Cabe lembrar que, ao tratar a previdência como política isolada, estas reformas

tendem a minar e destruir as bases conceituais e financeiras da seguridade social,

reduzindo a possibilidade de sua institucionalização.

Busca-se uma abordagem clara e concisa, de modo que se diminua a

complexidade do tema, fazendo com que os dispositivos constitucionais que o

permeiam, sejam interpretados de forma sistemática, buscando a racionalização do

problema, externando uma perspectiva hermenêutica adequada do texto

constitucional.

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Discutem-se inicialmente, algumas confusões conceituais existentes em

torno do termo Seguridade Social, pois estas incorrem em confusão e limitação da

sua compreensão como previdência, desconsiderando tanto a importância como o

sentido do sistema de proteção social idealizado no Brasil.

Num segundo momento, busca-se dar ênfase à importância

constitucional atribuída à Seguridade Social, enquanto geradora de direitos e

garantias sociais no Brasil, abordando-se que a não implementação do projeto de

Seguridade Social, implicará na redução de nosso sistema de proteção social e

conseqüente não efetivação de direitos sociais no país. Questiona-se, finalmente, se,

as políticas sociais e econômicas, especialmente o SUS, tem o condão de efetivar o

acesso ao direito à saúde no país.

Pretendo, portanto, com este estudo, sustentar que o debate sobre a

previdência desconsidera o sistema da qual esta política faz parte – implicando

primeiramente, na fragmentação e inaplicabilidade do projeto de proteção social

projetado pela Constituição de 1988; e por último na redução da proteção social (crise

do estado de bem-estar social) implicando na não-efetivação de nossos direitos

sociais, especificamente o direito à saúde.

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1 A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL

1.1 Seguridade Social: Diversidade de Interpretações

No que tange a Seguridade Social, pode-se afirmar que no Brasil, ela

não possui um significado específico. Que características possui então esta política

social? Confunde-se seguridade com seguro, política social, welfare state, Estado de

Bem-Estar Social ou Estado de Providência? Todas as terminações remetem-se ao

mesmo fenômeno, ou cada um possui significação particular?

É de suma importância, a precisão do termo seguridade social,

distinguindo-o dos demais, vez que a tradução pura e simples resulta confusão. O

termo "seguridade", que passou a integrar os Dicionários de Língua Portuguesa a

partir de 1988 (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa -versão eletrônica 3.0),

está ligado a idéia de segurança, sendo o "Conjunto de medidas, providências,

normas e leis que visam a proporcionar ao corpo social e a cada indivíduo o maior

grau possível de garantia, sob os aspectos econômico, social, cultural, moral e

recreativo". Já no Dicionário Eletrônico Houaiss (versão 1.0), há uma idéia de

universalidade, mas restrita às ações incluídas na Constituição de 1988, além de

implicar uma suposta previdência de caráter mais amplo: "Previdência social em

moldes mais amplos, abrangendo toda a população. Conjunto de ações dos poderes

públicos e da sociedade, que integradas, asseguram a saúde, a previdência e a

assistência social".

Percebe-se que, tanto o conceito Welfare State (anglo saxão), Etat-

Providence (francês), bem como o Sozialstaat (alemão) apresentam distinção no

significado do termo seguridade social. Cada uma das nações citadas elaborou seu

conceito para designar determinadas formas de intervenção estatal na área social e

econômica e muitas vezes, estes conceitos foram incorporados ou traduzidos sem o

devido cuidado na sua precisão. Torna-se inevitável questionar até que ponto, ao

utilizar a expressão traduzida de outro idioma, esta se refletindo ou explicando a

realidade brasileira?

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O termo welfare state, uma das expressões mais utilizadas a partir de

meados do século XX, para designar o "conjunto" de políticas sociais baseadas no

modelo fordista-keynesiano, por exemplo, é utilizado, muitas vezes, de modo

impreciso, seja para designar todo e qualquer tipo de política social implementada,

seja para reduzir seu escopo à esfera de políticas específicas. Exemplo desta última

possibilidade é o trabalho de Marques (1997, p. 23), quando define welfare state

como "(...) um conjunto de políticas sociais desenvolvido pelo Estado no intuito de

prover a cobertura dos riscos advindos da invalidez, da velhice, da doença, do

acidente de trabalho e do desemprego". Nesta definição o welfare state é reduzido à

política que no Brasil denominamos previdência e que, na Europa, é freqüentemente

designada como seguro social.

Alguns autores, tais como Wilensky, ampliam este conceito ao agregarem, entre outras, a habitação e a educação, como áreas de atuação do 'welfare'. Preferiu-se usar a definição restrita porque, na maioria dos países, as políticas de renda de substituição e de cuidados com a saúde são consideradas, tanto do ponto de vista do volume de recursos envolvidos como das políticas desenvolvidas, o principal objeto de ação do Estado em matéria de proteção social (MARQUES, 1997, p.23).

Diante da afirmação, são possíveis duas observações: a) as políticas de

substituição de renda e a atenção à saúde podem ser os pilares do welfare state, mas

não são as únicas, de modo que esta perspectiva restringe o escopo da proteção

social; b) a utilização e definição de um conceito é simplesmente resultado de uma

"opção" do pesquisador ou deve procurar expressar a totalidade do real?

O Estado do bem-estar social

(...) representou um esforço de reconstrução econômica, moral e política. Economicamente, significou um abandono da ortodoxia da pura lógica do mercado, em favor da exigência de extensão da segurança do emprego e dos ganhos como direitos de cidadania; moralmente, a defesa das idéias de justiça social, solidariedade e justiça social, solidariedade e universalismo. Politicamente, o Welfare state foi parte de um projeto de construção nacional, a democracia liberal, contra o duplo perigo do fascismo e do bolchevismo (ESPING-ANDERSEN, 1995, p.73).

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O chamado Estado do Bem-estar Social foi o tipo de organização

política e econômica que colocou o Estado (país) como agente da promoção (protetor

e defensor) social e organizador da economia. O Estado é o agente regulamentador

de toda vida e saúde social, política e econômica do país em parceria com sindicatos

e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com a nação em questão. Cabe

ao Estado do bem-estar social garantir serviços públicos e proteção à população,

regulamentação econômica em quase todos os níveis e intervenção, se necessário

for. Cabe ainda, ao Estado, a responsabilidade da cobrança e administração dos

impostos, onde este busca a distribuição de renda e fontes financeiras para realização

de seus supostos deveres ( ESPING-ANDERSEN, 1995).

Segundo Kott (1995), na Alemanha a expressão Sozialstaat (Estado

Social) é utilizada para designar o conjunto de políticas de proteção social que inclui

os seguros sociais, mas não se restringe a eles. O Sozialstaat assegura educação

universal, habitação e Seguridade Social que, por sua vez, engloba aposentadorias e

pensões, saúde, seguro acidente de trabalho e auxílios familiares. Apesar da

significação, este país não instituiu um sistema de Seguridade Social universal, com

“prestações uniformes a todos”. Os regimes de seguros sociais obrigatórios,

organizados por categoria profissional, “cujas prestações dependem do montante e do

tempo de contribuição do segurado, deixam entre 1 e 5% da população excluída do

acesso a um dos regimes existentes” (DUMONT, 1995, p. 4).

Os seguros, conforme aponta Marshall (1967, p. 81) foram iniciados sob

a ótica privada e destinados a reduzidas categorias profissionais e se espalharam no

final do século XIX e início do século XX, entre países da Europa, Ásia, Américas e

Australásia. Alguns países possuem “seguro compulsório contra doença, outros,

alguma forma de aposentadoria contributiva”, quase todos tinham planos para atender

acidentes no trabalho e moléstias industriais, pouquíssimos possuíam “seguro

obrigatório contra o desemprego e cobriam situações de riscos como doença, velhice

e desemprego”. Esta modalidade de proteção social demonstrou não possuir caráter

universal e nem recebia a designação de welfare state, o que revela a impropriedade

de “restringir o conceito welfare state às prestações de substituição de renda sob a

forma de seguros sociais”.

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O que parece marcar a emergência do welfare state anglo saxão é

justamente a superação da ótica securitária e a incorporação de um conceito

ampliado de Seguridade Social, que provocou mudanças significativas no âmbito dos

seguros sociais até então predominantes. Portanto, não são todas e quaisquer formas

de política social que podem ser designadas de welfare state:

(...) é de certo modo enganador, na minha opinião, utilizar o termo 'política social' como quase equivalente a 'Estado-providência'. A 'política social', parece-me, é um conceito genérico, enquanto o Estado-Providência tem uma conotação histórica (pós-guerra) e normativa ('institucional') bastante específica, que não podemos ignorar (MISHRA, 1995, p. 113).

Os princípios que estruturam o welfare state, segundo Mishra (1995),

são aqueles apontados no Plano Beveridge: a) responsabilidade estatal na

manutenção das condições de vida dos cidadãos, por meio de um conjunto de ações

em três direções: regulação da economia de mercado a fim de manter elevado nível

de emprego; prestação pública de serviços sociais universais, como educação,

segurança social, assistência médica e habitação; e um conjunto de serviços sociais

pessoais; b) universalidade dos serviços sociais; e c) implantação de uma 'rede de

segurança" de serviços de assistência.

Nesta linha de raciocínio, Johnson (1990, p.17) define o welfare state

como:

a introdução e ampliação de serviços sociais onde se inclui a seguridade social, o serviço nacional de saúde, os serviços de educação, habitação, emprego e assistência aos velhos, inválidos e crianças; a manutenção do pleno emprego; um programa de nacionalização.

Apesar das "armadilhas" na tradução dos conceitos, constata-se que a

expressão welfare state surge e se generaliza a partir de sua utilização na Inglaterra

na década de 1940, e designa uma configuração específica de políticas sociais. O

conceito Seguridade Social integra o welfare state, mas não se confunde com ele. Por

outro lado, a Seguridade Social também pode apresentar características e

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abrangência diferenciadas, de acordo com as especificidades de cada país, podendo

limitar-se aos seguros ou incorporar outras áreas.

A Seguridade Social francesa atual, por sua vez, abrange três grandes

áreas: saúde (seguro saúde e ações sanitárias e sociais); previdência

(aposentadorias, pensões e salário maternidade) e assistência à família (um conjunto

de sete prestações financeiras de apoio familiar). Compartilhando do entendimento de

Dorion & Guionnet (1993), afirma-se que as duas primeiras seguem a lógica do

seguro contributivo, com benefícios proporcionais à contribuição, enquanto a terceira

tem caráter misto .

Segundo Castel (1995, p.309) "O desenvolvimento da propriedade social

e dos serviços públicos representa assim a realização do programa solidarista contra

o individualismo-egoísmo do liberalismo clássico". Desse modo, a Seguridade Social,

ao superar a lógica liberal dos seguros mercantis, possui a potencialidade de

transmutar-se em "propriedade social" e constituir-se em um dos principais

mecanismos de promoção da igualdade e da cidadania.

Diante do exposto, podemos realizar as seguintes afirmações sobre a

Seguridade Social:

1) seguridade social não se confunde e não é sinônimo de welfare state,

Etat Providence ou Sozialstaat, mas é parte integrante; e que a seguridade social é

imprescindível para a compreensão da natureza da intervenção social do Estado;

2) a seguridade social também não se confunde e nem se restringe ao

seguro social ou a previdência (como no Brasil); pelo menos três elementos estão

presentes: seguros, assistência médica e auxílios assistenciais;

3) a precisão conceitual da seguridade social enseja a superação de

análises fragmentadas das políticas que a compõem; a compreensão de suas

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propriedades e de seu significado na conformação do Estado social pressupõe

investigar os elementos que definem o caráter dos direitos, assim como o tipo de

financiamento e forma de organização.

Com tais elementos, para compreensão da Seguridade Social, torna-se

necessário uma análise de sua gênese e desenvolvimento no mundo e no Brasil.

1.2 Evolução da Seguridade Social no Mundo

A origem da Seguridade Social no mundo está ligada à própria origem

do homem. Quando o homem primitivo se permitiu guardar um pedaço de carne para

o dia seguinte, estava aí, nascendo a previdência ( LEITE, 1983).

Para alguns autores, dentre eles Pereira Netto (2002, p. 33-34), as

origens da “Previdência Social remetem-se à Roma e Grécia antigas, nas instituições

de cunho mutualista”, embora outros visualizam suas origens a períodos da história

chinesa. Consenso entre os doutrinadores, citar como primórdios da previdência as

caixas de socorro de natureza mutualista, que as corporações profissionais da Idade

Média mantinham para os seus, como os seguros de vida, semelhantes aos

realizados pelos armadores de navios, a partir do século XVI.

No período, a Igreja também desempenhou papel importante na ajuda

médica, educacional e assistencial a famílias pobres e indigentes. Era a caridade e

solidariedade pregadas pela doutrina cristã. Nos pronunciamentos dos pontífices da

época, observa-se, por exemplo, na Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII (1891), a

idéia de criação de um sistema de pecúlio ao trabalhador, custeado com parte do

salário do mesmo, visando protegê-lo dos riscos sociais.

Cabe lembrar, que no ano de 1344 ocorreu a celebração do primeiro

contrato de seguro marítimo, posteriormente surgindo a cobertura de riscos de

incêndios, e que a famosa Lei de Amparo aos Pobres (Poor Relief Act), marco da

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criação da assistência social; pois desvinculou da caridade o auxílio aos necessitados,

reconhecendo o Estado a sua obrigação de amparar as pessoas que comprovassem

necessidade de meios, foi editada em 1601, na Inglaterra. Surgia a primeira disciplina

jurídica de proteção social, por força de dogmas religiosos, de molde a ser a

precursora da previdência social como concebida na atualidade. Nota-se, no entanto,

que a preocupação estatal com a assistência social pública precede a de previdência

social, como concebida na atual Carta Magna, na medida em que não se assegurava

a cobertura aos riscos inerentes às atividades profissionais ou econômicas

(MARTINS, 2005).

Não é por outra razão a afirmação de Russomano (1998, p.6):

Essa "oficialização da caridade" – como foi dito, certa vez – tem importância excepcional: colocou o Estado na posição de órgão prestador de assistência àqueles que – por idade, saúde e deficiência congênita ou adquirida – não tenham meios de garantir sua própria subsistência. A assistência oficial e pública, prestada através de órgãos especiais do Estado, é o marco da institucionalização do sistema de seguros privados e do mutualismo em entidades administrativas. [...] Hoje compreende-se que nesse passo estava implícita a investida de nossa época, no sentido de entender os benefícios e serviços da Previdência Social à totalidade dos integrantes da comunidade nacional, a expensas, exclusivamente, do Estado, e não apenas aos associados inscritos nas entidades de Previdência Social. Dessa forma, podemos concluir dizendo: naquele momento distante, no princípio do século XVII, começou, na verdade, a história da Previdência Social.

Com a Revolução Industrial, no séc XVIII, a demanda por proteção

social cresceu o que forçou a Inglaterra a reformular a Lei de Amparo aos Pobres,

entre o período de 1832 a 1834. A causa deste aumento de demanda deve-se a

invenção da máquina a vapor e do tear mecânico, que elevaram o desemprego

(MALTHUS, 2000).

Em 1844, vinte e oito tecelões, entre eles ex-empregados de Robert

Owen, fundaram a Cooperativa dos Probos Pioneiros de Rochdale, assinalando o

início do movimento cooperativista no mundo (CORRÊA, 2001).

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Embora as nações conhecidas como embrionárias da previdência social

sejam Inglaterra e França, foi na Alemanha, que o Chanceler Otto Von Bismark

instituiu um verdadeiro sistema de seguro social destinados aos trabalhadores.

Organizado pelo Estado, sob a tríplice contribuição: Estado, trabalhadores e

empresas. No ano de 1884, criou-se o seguro de acidente de trabalho; em 1889, foi

instituído o seguro de invalidez e velhice, custeado pelos trabalhadores,

empregadores e Estado. Salienta-se que as leis instituídas por Bismark, possuíam o

objetivo de “evitar as tensões sociais existentes entre os trabalhadores, através de

movimentos socialistas fortalecidos com a crise industrial” (RUSSOMANO, 1998, p.

9/10).

Nos demais continentes, excluindo o europeu, as medidas de proteção

sob a forma de seguro social só eclodiram no período pós Primeira Grande Guerra.

Surge na Inglaterra, o seguro obrigatório contra acidentes de trabalho, através do

Workmen’s Compensation Act, em 1897. O empregador era considerado responsável

pelo sinistro, independentemente de culpa, consolidando o princípio da

responsabilidade objetiva da empresa. Em 1908, criou-se o Old Age Pensions Act,

cujo objetivo era a concessão de pensões aos maiores de 70 anos,

independentemente de contribuição. Em 1911, através do National Insurance Act,

estabelece-se um sistema compulsório de contribuições sociais, que ficavam a cargo

do empregador, empregados e do Estado (MARTINS, 2005).

Sobrevém a fase, conhecida como Constitucionalismo social, onde as

constituições passam a cuidar dos direitos sociais, previdenciários e trabalhistas. A

primeira a incluir o seguro social foi a Constituição do México, em 1917 (art. 123);

seguida da Constituição de Weimar, em 1919 (art. 163), que delegou ao Estado o

dever de prover a subsistência do cidadão alemão, caso não pudesse proporcionar-

lhe a oportunidade de ganhar a vida com um trabalho produtivo. Diante da

necessidade de resolver a crise econômica que vinha assolando os Estados Unidos,

desde 1929, Franklin Roosevelt instituiu o New Deal, através da doutrina do Estado

do bem-estar social (Welfare State). Almejava a luta contra a miséria e a defesa dos

mais necessitados, em especial os idosos e desempregados. Destinado a ajudar os

idosos e a estimular o consumo, bem como o auxílio-desemprego aos trabalhadores

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desempregados, em 1935, foi instituído o Social Security Act. Vislumbra-se a

expressão que originou a tão suscitada Seguridade Social, nos moldes atuais, pois tal

medida consubstanciava-se no amparo generalizado do cidadão contra riscos sociais

em geral.

Um novo momento surge na Inglaterra, com o Plano Beveridge (1941),

reformado em 1946. Elaborado por Sir William Beveridge, Doutor pela Universidade

de Oxford e Diretor da London School of Economics, tinha como objetivo constituir um

sistema de seguro social que garantisse ao indivíduo proteção diante de certas

contingências sociais, tais como a indingência ou incapacidade laborativa. A

segurança social deveria ser prestada do berço ao túmulo (Social security from the

cradle to the grave). O Plano Beveridge apresentou as seguintes características: a)

unificar os seguros sociais existentes; b) estabelecer a universalidade de proteção

social para todos os cidadãos; c) igualdade de proteção social; d) tríplice forma de

custeio, com predominância de custeio estatal. Inaugura-se a fase da Seguridade

Social, pois vai além da previdência social (ARAÚJO, 2006).

Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, enfatiza-

se entre outros direitos fundamentais da pessoa humana, a proteção previdenciária,

conforme preconizado no art. 25:

Toda pessoa tem o direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe a saúde, e o bem-estar próprio e da família, especialmente no tocante à alimentação, ao vestuário, à habitação, à assistência médica e aos serviços sociais necessários; tem direito à segurança no caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou em qualquer outro caso de perda dos meios de subsistência, por força de circunstâncias independentes de sua vontade.

Com a mesma concepção de proteção a Organização Internacional do

Trabalho (OIT), criada em 1919, em sua convenção nº 102 e aprovada em Genebra

em 1952:

Seguridade Social é a proteção que a sociedade proporciona a seus membros, mediante uma série de medidas públicas contra as privações econômicas e sociais que de outra forma, derivam do desaparecimento ou

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em forte redução de sua subsistência como conseqüência de enfermidade, maternidade, acidente de trabalho ou enfermidade profissional, desemprego, invalidez, velhice, e também a proteção em forma de assistência médica e ajuda às famílias com filhos.

Destacam-se, por fim, nesta fase de Constitucionalismo social, os pactos

realizados entre os países na defesa da seguridade social: a) Pacto dos Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais (1966); b) Protocolo de São Salvador (1988); c)

Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica –

1969).

1.3 Evolução da Seguridade Social no Brasil

No Brasil, a preocupação com a proteção social do indivíduo nasceu

com a necessidade de implantação de instituições de seguro social, de cunho

mutualista e particular. Surgem as Santas Casas de Misericórdia, como a de Santos

(1543), os Montepios, como o da Guarda Pessoal de D. João VI (1808) e sociedades

beneficentes. A Constituição Imperial de 1824 tratou da proteção social em seu art.

179, inc. XXXI, abordando a importância da constituição dos socorros públicos.

Referida proteção social reforçada pela lição de Ruy Carlos Machado Alvim "não teve

maiores conseqüências práticas, sendo apenas um reflexo do preceito semelhante

contido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793, a qual, o art.

23, qualificava estes "socorros públicos" como "dívida sagrada" [...] (RDT 18/12).

Em 1835, foi criado o primeiro Montepio (entidade privada) em nosso

país, o Montepio Geral dos Servidores do Estado (Mongeral). Configurou-se em um

sistema mutualista, no qual os associados contribuíam para um fundo que garantiria a

cobertura de certos riscos, mediante a repartição dos encargos com todo o grupo. Na

mesma linha de proteção outros diplomas legais: o Código Comercial de 1850, que

em seu art. 79, dispunha que os empregadores deveriam manter o pagamento dos

salários dos empregados por no máximo 03 meses, no caso de acidentes imprevistos

e inculpados; e o Decreto nº 2.711, de 1860, que regulamentou o financiamento de

montepios e sociedades de socorros mútuos. A Constituição de 1891 foi a primeira a

contemplar a expressão "aposentadoria". Preceituava que os funcionários públicos,

Page 21: seguridade social no brasil

21

em caso de invalidez, teriam direito à aposentadoria, independentemente de nenhuma

contribuição para o sistema de seguro social. Por sua vez, o Decreto Legislativo nº

3.724, de 15/01/1919, instituiu a responsabilidade dos empregadores pelas

conseqüências dos acidentes de trabalho (ARAÚJO, 2006).

Foi com a Lei Eloy Chaves, Decreto Legislativo nº 4.682, de

24/01/1923, que se instituiu em nosso país a previdência social. Através deste

diploma foram criadas as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) para os

empregados das empresas ferroviárias, contemplando-os com os benefícios de

aposentadoria por invalidez, aposentadoria ordinária (similar a aposentadoria por

tempo de contribuição); a pensão por morte e a assistência médica. Existia uma caixa

de aposentadoria e pensão por empresa ferroviária. Este fato é considerado o marco

da previdência social no país e não passa imune à crítica de Aníbal Fernandes (2003,

p.21), asseverando que tal marco tem um forte conteúdo ideológico, a saber:

Tivemos o mutualismo como forma organizatória e como precedente precioso da Previdência Oficial. Sob tal prisma, os festejos oficiais que situam na Lei Elói Chaves (1923) o nascimento da Previdência brasileira têm caráter ideológico que deve ser desvendado: buscam transformar as conquistas sociais, logradas com lutas e a partir das bases, em benesses estatais. Sobre ser ainda, a afirmativa relativa ao surgimento da Previdência em 1923, uma inverdade histórica, seja pelos apontamentos, seja porque outras leis previdenciárias são anteriores a esta data (como nossa primeira lei acidentária que data de 1919).

Na década de 20 surgem as Caixas de Aposentadorias, vinculadas às

empresas e de natureza privada. A primeira Caixa de Aposentadoria criada foi a dos

empregados da Great Western do Brasil - eram assegurados os benefícios de

aposentadoria e pensão por morte e assistência médica. O custeio estava a cargo das

empresas e dos trabalhadores. Os empregados portuários e marítimos tiveram os

benefícios da Lei Eloy Chaves reconhecidos a partir do Decreto Legislativo nº 5.109,

de 20/12/1926; enquanto que os empregados das empresas de serviços telegráficos e

radiotelegráficos passaram a ter direito aos mesmos benefícios, em 1928, através da

Lei nº 5.485, de 30/06/1928.

Page 22: seguridade social no brasil

22

A década de 30 caracterizou-se pela criação dos Institutos de

Aposentadorias e Pensões – entidades de proteção social que reuniam categorias

profissionais. As Caixas de Aposentadorias e Pensões eram organizadas por

empresas, desta forma, os institutos ao serem organizados por categorias

profissionais passaram a ter uma abrangência nacional. Para Martins (2005, p. 33) os

IAP‟s valeram-se do modelo italiano” e cada categoria era responsável por um fundo.

“A contribuição era tríplice, custeada pelo empregado, empregador e pelo governo”.

A Constituição de 1937 apenas rememorou a expressão "seguro social"

ao invés de previdência social em seu texto. Já a Constituição de 1946 aboliu a

expressão "seguro social", dando ênfase pela primeira vez à expressão "previdência

social". O inciso XVI do artigo 157, mencionava que a previdência social seria

custeada através da contribuição da União, do empregador e do empregado e que

deveria garantir a maternidade, bem como riscos sociais: a doença, a velhice, a

invalidez e a morte. Também abordava a obrigatoriedade da instituição do seguro de

acidente de trabalho por conta do empregador.

No início dos anos 50 a proteção previdenciária se ampliou, à margem

dele encontravam-se somente os trabalhadores domésticos e autônomos. Realidade

que se modificou com o Decreto nº 35.448, de 01/05/1954, o qual uniformizou a

legislação sobre a previdência social no País. Com a edição da Lei nº 3.807, de

26/08/1960, Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), foram unificados os critérios

de concessão dos benefícios dos diversos institutos existentes na época e ampliados

os benefícios, tais como: auxílio-natalidade, auxílio-funeral, auxílio-reclusão e

assistência social. Foi criado o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

(FUNRURAL), com o advento da Lei nº 4.214, de 02/03/1963. Surge a LOPS através

do Decreto-Lei nº 72, de 21/11/1966, criando o Instituto Nacional de Previdência

Social (INPS), hoje INSS. Assim, houve por parte do governo a centralização da

organização previdenciária em seu poder (MARTINS, 2005).

Na década de 70, são editados diversos diplomas legais, os quais

trouxeram inovações na legislação previdenciária como: criação do salário-família; os

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23

empregados domésticos se tornaram segurados obrigatórios e o salário-maternidade

passou a constar no rol dos benefícios previdenciários. Diante da diversidade de

normas disciplinando a previdência social, houve a necessidade de unificá-las. Para

tanto, cria-se o Decreto nº 77.077, de 21.01.1976, resultando na Consolidação das

Leis da Previdência Social (CLPS). Intentando a reestruturação da Previdência Social,

com a revisão das formas de concessão e manutenção de benefícios e serviços,

reorganização da gestão administrativa, financeira e patrimonial, surge em

01/07/1977, através da Lei nº 6.439, o SINPAS (Sistema Nacional de Previdência e

Assistência Social), subordinado ao Ministério da Previdência e Assistência Social.

Com a redação da Carta de 1988, ocorre uma estruturação completa da

previdência social, saúde e assistência social. Esses conceitos são unificados no

termo "Seguridade Social" (arts. 194 a 204). No ideário de Martins (2003, p.43)

Seguridade Social compreende:

Um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social aos indivíduos contra contingências que os impeçam de prover as suas necessidades pessoais básicas e de suas famílias, integrado por ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, visando assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

A Seguridade Social é uma técnica moderna de proteção social, que se

busca implementar em prol da dignidade da pessoa humana. As suas diversas

facetas: a assistência, a saúde e a Previdência Social, devem atuar de forma

articulada e integrada, mas percebe-se a existência de uma nítida separação no

respectivo campo de atuação extraída do próprio texto constitucional. Enquanto a

saúde e a assistência social estão focadas para o atendimento do que se

convencionou chamar de mínimos sociais, a previdência social busca "assegurar

níveis economicamente mais elevados de subsistência, limitados, porém, a certo

valor" (PULINO, 2001, p.33).

Em virtude disso, afirma-se que a existência de regras jurídicas

destacadas sobre previdência – sobretudo de origem constitucional – é reveladora de

uma estrutura modeladora da previdência social brasileira dotada de "especificidades

Page 24: seguridade social no brasil

24

capazes de compor um sistema próprio (um subsistema), um regime jurídico-

previdenciário, dentro da totalidade do sistema de Seguridade Social" (BALERA, 2003

p.14). No tocante a Previdência Social, ainda não se conseguiu afasta-la do regime de

seguro social, porquanto tem como pressuposto para a concessão de suas

prestações a necessidade de prévia contribuição por parte dos trabalhadores

expostos aos riscos sociais. Isso não significa dizer que o princípio a solidariedade

não seja um dos esteios do regime protetivo da previdência social conforme arts. 3º ,

I, e 195, caput.

Quanto ao fim da Previdência Social, Pulino (2001, p.45-46) afirma que

esta deve:

(...) garantir condições básicas de vida, de subsistência, para seus participantes, de acordo, justamente, com o padrão econômico de cada um dos sujeitos. São, portanto, duas idéias centrais que conformam esta característica essencial da previdência social brasileira: primeiro, a de que a proteção, em geral, guarda relação com o padrão-econômico do sujeito protegido; a segunda consiste em que, apesar daquela proporção, somente as necessidades tidas como básicas, isto é, essenciais – e portanto compreendidas dentro de certo patamar de cobertura, previamente estabelecido pela ordem jurídica – é que merecerão proteção do sistema. Pode-se dizer, assim, que as situações de necessidade social que interessam à proteção previdenciária dizem respeito sempre à manutenção, dentro de limites econômicos previamente estabelecidos, do nível de vida dos sujeitos filiados.

Em 1990, o Decreto nº 99.350, de 27 de junho, cria o Instituto Nacional

do Seguro Social -INSS. Os demais órgãos que faziam parte da estrutura do SINPAS

são paulatinamente extintos: em 1993, o INAMPS; 1995 a LBA e a FUNABEM e em

1997 a CEME. Somente a DATAPREV permanece atuando na prestação de serviços

de processamento de dados aos órgãos do MPAS.

A Seguridade Social foi organizada, através da edição da Lei nº 8.080, de

19/09/1990 que cuidou da Saúde. Seguiram-se as leis nºs 8.212/91 e 8.213/91, que

atendendo ao disposto na Carta Magna Brasileira, em consonância com o art. 59 do

ADCT/88, instituíram o Plano de Organização e Custeio da Seguridade Social e o

Plano de Benefícios da Previdência social, respectivamente. No § único do art. 1º da

Page 25: seguridade social no brasil

25

Lei 8.212/91 há referência aos mesmos princípios constitucionais descritos no art. 194

do referido diploma legal. Vejamos a seguir os citados princípios:

a) Universalidade da cobertura e atendimento: a seguridade social

tem como postulado básico abranger todos os residentes de um país, que, diante de

uma contingência terão direito aos benefícios. No entanto, na prática, só terão direito

aos benefícios e às prestações da seguridade social de acordo com a disposição da

lei (art. 201), a pessoa que contribui. Já as prestações nas áreas da saúde e da

assistência social (arts. 196 e 203) são destinadas ao cidadão, independentemente

de sua contribuição.

A universalidade da cobertura não significa assegurar direitos iguais

para todos. Na verdade, indica que a saúde é direito de todos, que a assistência é

devida a quem necessitar e que a previdência é um direito derivado de uma

contribuição anterior. Com o advento da Constituição, qualquer pessoa, mesmo que

não esteja exercendo uma atividade remunerada pode contribuir para a previdência

como autônomo, o que rompe com o conceito de cidadania regulada (SANTOS,

2001).

b) Uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às

populações urbanas e rurais: as prestações da seguridade social são divididas em

benefícios e serviços. Os benefícios são prestações em dinheiro, como a

aposentadoria e a pensão, enquanto que os serviços são bens imateriais colocados

à disposição da pessoa, como assistência médica, reabilitação profissional, serviço

social etc.

A legislação previdenciária instituiu benefícios aos trabalhadores rurais e

urbanos inscritos no Regime Geral de Previdência Social (RGPS) sem qualquer

distinção. Assim, este princípio garante que mediante contribuição os trabalhadores

rurais passam a ter direito aos benefícios dos trabalhadores urbanos. Princípio este,

inaplicável para tornar equivalente os benefícios dos trabalhadores do setor público e

do setor privado.

Page 26: seguridade social no brasil

26

c) Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e

serviços: a seleção das prestações vai ser feita de acordo com as condições

econômico-financeiras do sistema de seguridade social. A lei determinará a que

pessoas as prestações serão estendidas. A distributividade tem caráter social, pois

deve atender prioritariamente aos mais necessitados. Este princípio abrange além

dos direitos assistenciais, os da previdência e os da saúde.

d) Irredutibilidade dos benefícios: todo benefício previdenciário deve

ter o seu valor real preservado. Assim, o constituinte assegurou a irredutibilidade dos

benefícios da seguridade social. A forma de correção dos benefícios deve ser feita

de acordo com o disposto legal, atendendo a redação do § 4º do art. 201 da Carta

Constitucional. A irredutibilidade do valor dos benefícios recomenda que nenhum

benefício deve ser inferior ao salário mínimo, e que deverão ser reajustados e não

atingidos pela inflação.

e) Eqüidade na forma da participação no custeio: este princípio é um

desdobramento dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Os

contribuintes que se encontram em condições contributivas iguais deverão ser

tributados da mesma forma. Um exemplo claro de eqüidade no financiamento da

seguridade social, é o § 9º do art. 195 da Constituição, que possibilita a

diferenciação da base de cálculo e da alíquota da contribuição, em razão da

atividade econômica ou utilização intensiva de mão-de-obra.

f) Diversidade na base de financiamento: as fontes de financiamento

devem ser diversificadas com intuito de garantir a manutenção do sistema de

seguridade social. Além das fontes previstas no art. 195 da Carta Magna, nada

impede que se instituam outras fontes de custeio, desde que por lei complementar.

As contribuições dos empregadores não devem ser mais baseadas somente sobre a

folha de salários; devem incidir sobre o faturamento e o lucro, de forma a tornar o

financiamento da seguridade social mais redistributivo e progressivo –

compensando, desta forma, a diminuição das contribuições patronais provocadas

pela introdução da tecnologia e redução da mão de obra. Diversificação essa, que

Page 27: seguridade social no brasil

27

obriga o governo federal, os Estados e os municípios a destinarem recursos fiscais

ao orçamento da seguridade social.

g) Caráter democrático e descentralizado da administração: no

inciso VII, § único do art. 194 da Constituição, há disposição de que a gestão

administrativa da Seguridade Social é qüadripartide, com a participação do governo,

aposentados, trabalhadores e empregadores. Tal dispositivo se coaduna com o art.

10 da Constituição que garante a participação dos trabalhadores e empregadores

nos colegiados de órgãos do governo em que se discutam ou deliberem sobre

assuntos relativos à seguridade social. Este princípio assegura que aqueles que

financiam e usufruem dos direitos (os cidadãos) devem participar das tomadas de

decisão. Isto não significa, por outro lado, que os trabalhadores e empregadores

devem administrar as instituições responsáveis pela seguridade social. Tal

responsabilidade continua sob a proteção do Estado.

Esses princípios norteadores da seguridade social, deveriam provocar

mudanças sensíveis na área da saúde, previdência e assistência, com intuito de

articulá-las e formar uma rede de proteção ampliada, coerente e consistente.

Deveriam, enfim, permitir a transição de ações desarticuladas para "um conjunto

integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social" (Artigo

194, CF/88). Apesar de tais indicações, não foram estes os princípios que

sustentaram a implementação das políticas que constituem a seguridade social, e

muito menos a reforma da previdência social.

Embora alguns autores considerem que "o Brasil fez a sua reforma à

inglesa, eliminando os fundamentos bismarckianos de um sistema montado nos anos

30 com as características segmentares do alemão" (VIANNA, 1998, p.130),

encontramos presentes, ainda, os elementos do seguro. A seguridade social

brasileira, tal como a Constituição a instituiu, ficou entre o seguro e a assistência, já

que a lógica do seguro que sustenta a previdência brasileira desde sua origem não

só não foi suprimida, como foi até mesmo reforçada em alguns aspectos. Os

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28

benefícios previdenciários tiveram sua lógica atuarial revigorada, com a redação da

Emenda Constitucional no 20, e os benefícios com natureza assistencial mais

demarcada, como auxílio natalidade e funeral, foram transferidos para a assistência

social. Mesmo com a inclusão destes princípios, as políticas de saúde, previdência e

assistência não conseguiram transformar-se em seguridade social. A saúde, com

exceção do auxílio doença, passou a ser orientada por todos os princípios do modelo

assistencial beveridgiano (universalização, descentralização, uniformização dos

direitos, unificação institucional, financiamento predominantemente de origem fiscal).

A assistência, apesar de reconhecida como direito, mantém prestações assistenciais

apenas para pessoas comprovadamente pobres e incapazes ao trabalho

implementando programas e serviços cada vez mais focalizados em populações

tidas como de "risco social" (TEIXEIRA, 1990).

Advém então, a Lei nº 8.742, de 07/12/1993, que tratou da Lei Orgânica

de Assistência Social – LOAS, seguida de algumas emendas tentando melhor

implementar a seguridade social. Com a Emenda Constitucional nº 29, de

13/09/2000, houve alterações no sentido de assegurar os recursos mínimos para o

financiamento das ações e serviços públicos de saúde; enquanto que a Emenda

Constitucional nº 41, de 31/12/2003, alterou as regras do regime próprio de

previdência social dos servidores públicos, com o intuito da paridade e integralidade

para os futuros servidores; a contribuição dos inativos/pensionistas; redutor da

pensão; base de cálculo da aposentadoria com base da média contributiva; abono

permanência. Tentativa derradeira, deu-se com a Emenda Constitucional nº 47/2005,

denominada PEC Paralela que procurou reduzir os prejuízos causados aos

servidores públicos pela Emenda nº 41/2003 (ARAÚJO, 2006).

Embora, se sustenta um avanço do conceito de seguridade social,

poucos se dedicam a analisar quais princípios que o sustentam legalmente.

Tampouco se observam estudos que analisem a seguridade em sua totalidade, no

sentido de verificar como se deu a operacionalização destes princípios. O que

encontramos são análises específicas, que focam separadamente cada uma das

políticas que compõem a seguridade social. Estas condutas demonstram a urgência

em se desenvolver estudos que apontem os limites e obstáculos à sua consolidação,

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29

a fim de melhor compreender os motivos, necessidades e conseqüências das

reformas ocorridas no Brasil.

Page 30: seguridade social no brasil

30

2 BREVE ENFOQUE SOBRE DIREITOS FUNDAMENTAIS

A mais moderna concepção dos direitos fundamentais discute a

possibilidade e o dever do Estado vir a ser obrigado a criar os pressupostos fáticos

necessários ao exercício dos direitos constitucionalmente afirmados e a possibilidade

do titular desse direito debelar sua pretensão frente ao Estado, independentemente

da existência desses pressupostos. Não desconhecendo que os direitos inerentes à

Seguridade Social efetivam-se através de prestações, cujo objeto exige condutas

positivas do Estado, surge uma dimensão econômica extremamente relevante. Há

que se falar na antinomia da materialização dos organismos de proteção social, pois

quanto mais subdesenvolvido economicamente o Estado mais abundante de

necessidades sociais.

Ao longo da história, os direitos fundamentais receberam várias

denominações, dentre elas: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem,

direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades

públicas e direitos fundamentais do homem. Elenca-se alguns os conceitos, como de

Sarlet e Canotilho, com intuito de clarear o entendimento.

Direitos fundamentais "são os direitos do ser humano, reconhecidos e

positivados na esfera do direito Constitucional positivo de determinado Estado", na

concepção de Sarlet (2004, p. 45); enquanto que para Gomes Canotilho (2003), as

expressões „direitos do homem‟ e „direitos fundamentais‟ são utilizadas como

sinônimas.

No tocante às lições de Canotilho (2003, p. 382-383) sobre direitos

fundamentais, pode-se extrair a seguinte reflexão. (...) “Antes de serem um instituto

no ordenamento positivo ou na prática jurídica das sociedades políticas, os direitos

fundamentais, foram uma idéia no pensamento dos homens." Na perspectiva

internacionalista ou universalista, foi a experiência da II Guerra e do totalitarismo o

fator determinante da preocupação internacional em se criar mecanismos jurídicos

capazes de proteger os direitos fundamentais dos cidadãos nos diversos Estados." E

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31

por fim, na "perspectiva Constitucional refere-se à garantia Constitucional de certos

direitos ou liberdades, fazendo referência à Carta Magna de 1215, em especial, ao

documento francês de 1789 e às constituições atuais."

Jorge Miranda (2000, p.115) elenca três razões para não utilizar a

terminologia „direitos do homem‟ como sinônima de „direitos fundamentais‟, a saber:

a) trata-se de direitos assentes a ordem jurídica e não de direitos derivados da

natureza do homem; b) a necessidade de, no plano sistemático da ordem jurídica

(Constitucional), considerar os direitos fundamentais correlacionados com outras

figuras subjetivas e objetivas (organização econômica, social, cultural e política); c)

os direitos fundamentais presentes na generalidade das Constituições do século XX

não se reproduzem a direitos impostos pelo Direito natural.

Diante do aparente dissenso, é oportuna a posição de José Afonso da

Silva (2003), ao designar a expressão „direitos fundamentais do homem‟, como

aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma

convivência digna, livre e igual para todas as pessoas. Esta definição é a mais

adequada para o presente estudo, pois faz referência aos princípios que resumem o

conceito do mundo, de tal forma que configura a ideologia política de cada

ordenamento jurídico. O conceito encontra-se em total harmonia com o verdadeiro

significado de Estado Social Democrático de Direito, vez que a premissa para se

formar um Estado Social consubstanciado no princípio democrático, é sem dúvida

sua ligação correlacionada com os direitos fundamentais e sociais.

Para definir juridicamente o Estado brasileiro e a maioria dos Estados

civilizados - basta construir a noção de Estado Social Democrático de Direito,

agregando-se aos seus elementos, a imposição, ao Estado, do dever de atingir

objetivos sociais, e a atribuição, aos indivíduos do correspondente direito de exigi-los.

(SUNDFELD, 2006). Um Estado Social Democrático de Direito poderia definir-se pelo

comprometimento Constitucional com os direitos sociais, pela definição das

atribuições do Estado, ainda no tocante à prestação direta dos serviços públicos,

quando tais serviços sejam de prestação gratuita e universal, como são saúde,

Page 32: seguridade social no brasil

32

educação e assistência social. Neste sentido, o Estado para cumprir com suas

obrigações sociais na prestação de serviços básicos e essenciais a população, há de

realizar investimentos consideráveis na área social, e para alavancar estes

investimentos, o Estado atua como ente econômico, para desta forma conseguir

crescer e conseqüentemente cumprir com suas obrigações constitucionais no que

tange as prestações sociais.

Toda Constituição inserida em um Estado Social e Democrático de

Direito é alicerçada nos direitos fundamentais, e a nossa Carta Magna de 1988, não

foge a regra, haja vista o ensinamento de Sarlet (2004, p.75):

Apesar da ausência de norma expressa no direito constitucional pátrio qualificando a nossa República como um Estado Social e Democrático de Direito (art. 1º, caput, refere-se apenas os termos democrático e Direito), não restam dúvidas – e nisso parece existir um amplo consenso na doutrina – de que nem por isso o princípio fundamental do Estado Social deixou de encontrar guarida em nossa Constituição.

Para vivermos em um Estado Social de Direito, lapidado por princípios

democráticos, é de relevância que a Constituição, além de promover a organização

estatal, seja contornada de direitos fundamentais, atingindo efetivamente os fins

sociais, para, assumir seu papel de norteadora da sociedade.

Os direitos individuais, devido sua transcendência, se tornaram uma

questão de interesse internacional, e a via escolhida tem sido a da proclamação de

direitos de âmbito transnacional. Na Declaração Universal dos Direitos do Homem de

1948 houve a preocupação, primordial, com quatro dimensões de direitos individuais,

conforme assegura Celso Ribeiro Bastos (2000, p. 171-172):

Logo no início, são proclamados os direitos pessoais do indivíduo: direito à vida, à liberdade e à segurança. Num segundo grupo encontram-se expostos os direitos do indivíduo em face das coletividades: direito à nacionalidade, direito de asilo para todo aquele perseguido (salvo os casos de crime de direito comum), direito de livre circulação e de residência, tanto no interior como no exterior e, finalmente, direito de propriedade. Num outro grupo são tratadas as liberdades públicas e os direitos públicos: liberdade de pensamento, de consciência e religião, de opinião e de expressão, de reunião e de associação, princípio na direção dos negócios públicos. Num quarto

Page 33: seguridade social no brasil

33

grupo figuram os direitos econômicos e sociais: direito ao trabalho, à

sindicalização, ao repouso e à educação.

Quanto a Declaração Universal, Norberto Bobbio (1992, p.34) diz que

ela representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores

fundamentais na segunda metade do século XX. Constitui-se uma “síntese do

passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de

uma vez para sempre".

Conforme o pensador italiano, sem direitos do homem reconhecidos e

protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas

para a solução pacífica dos conflitos. E comenta ainda sobre a transformação e

ampliação ocorrida com os direitos. Para tanto, basta examinar os escritos dos

primeiros jusnaturalistas para ver quanto se ampliou a lista dos direitos; Hobbes

conhecia apenas um deles, o direito à vida, e complementa: " o desenvolvimento dos

direitos do homem passou por três momentos distintos: no primeiro, afirmaram-se os

direitos de liberdade - todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e

a reservar para o indivíduo ou grupos, uma esfera de liberdade em relação ao Estado;

no segundo, foram propugnados os direitos políticos, que – concebendo a liberdade

como autonomia – tiveram como conseqüência a participação cada vez ampla,

generalizada dos anunciados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento

de novas exigências, de novos valores –, como os de bem-estar e da liberdade

através ou por meio do Estado."

Observamos assim que os direitos fundamentais do homem constituem

uma variável ao longo da história, que se modificaram e continuam se modificando de

acordo com os acontecimentos históricos, interesses, classes no poder ou dos meios

disponíveis para a realização dos mesmos. A partir deste contexto, torna-se

necessária uma abordagem sobre a dimensão dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais podem ser estudados com projeções

multidimensionais, sendo essa uma característica do modelo epistemológico mais

adequado, segundo a teoria de Robert Alexy (2002). O referido modelo é

Page 34: seguridade social no brasil

34

tridimensional, na tentativa de conciliar três das principais correntes do pensamento

jurídico: o positivismo normativista, o positivismo sociológico ou realismo, e o

jusnaturalismo. Dessa forma, temos (a) "dimensão analítica", (b) "dimensão empírica"

e (c) "dimensão normativa". Assim, a primeira dimensão é a dimensão analítica, da

qual se tem um aperfeiçoamento conceitual a ser utilizado na investigação, em um

trabalho de diferenciação entre as várias figuras e institutos jurídicos localizados em

nossa área de estudo. Na segunda, denominada empírica, toma-se como instrumento

de estudo, manifestações concretas do direito, tal como se apresentam nas leis,

normas do gênero e principalmente na jurisprudência. Por fim, a terceira dimensão

que se denomina normativa, é aquela

em que a teoria assume o papel prático e deontológico que lhe está reservado, no campo do direito, tornando-se o que com maior propriedade se chamaria doutrina, por ser uma manifestação de poder, apoiada em um saber, com o compromisso de complementar e ampliar, de modo compatível com suas matrizes ideológicas, a ordem jurídica estudada (GUERRA FILHO, 2000, p.98)

Falar em dimensões é melhor do que gerações de direitos fundamentais,

onde não se justifica apenas pelo preciosismo de que as gerações anteriores não

desaparecem com o surgimento das mais novas. É que os direitos gestados numa

geração ganham outra dimensão com o surgimento de uma geração sucessiva.

Dessa forma, os direitos da geração posterior se transformam em pressupostos para

a compreensão e realização dos direitos da geração anterior. Como bem

exemplificado pelo professor Guerra Filho, temos que

o direito individual de propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser exercido observando-se sua função social, e com o aparecimento da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental (1997, p.13).

Inicia-se esta abordagem com os direitos fundamentais de primeira

dimensão, os quais permeiam todos os diplomas constitucionais das sociedades civis

democráticas, e postulam uma atividade negativa por parte do Estado. São teorizados

pelo seu cunho materialista, indicando uma nova universalidade com finalidades

materiais e concretas. O século passado foi marcado pelo advento dos direitos de

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35

primeira dimensão (direitos civis e políticos), e no que diz respeito ao século XX, este

foi caracterizado por uma nova ordem social, a qual ejeta uma nova estruturação dos

direitos fundamentais não mais sedimentada no individualismo. Entende-se aqui, os

direitos civis e políticos como os direitos à vida, liberdade, propriedade, segurança

pública.

Segundo Bonavides (2000, p.517), "são os direitos da liberdade, os

primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos

civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela

fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente".

a nota distintiva destes direitos” é a sua dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas, sim, na lapidar formulação de C. Lafer, de propiciar um „direito de participar do bem-estar social (Sarlet, 2004, p. 50)

Vivencia-se um novo conteúdo dos direitos fundamentais: as garantias

institucionais - inerentes das instituições de Direito Público. São direitos que delimitam

as formas de organização e o arbítrio do Estado para com os direitos de segunda

dimensão. Estes se tornam tão essenciais quanto os direitos da primeira dimensão,

tanto por sua universalidade quanto por sua eficácia.

Na concepção de Bonavides (2000, p.518), "são os direitos sociais,

culturais, e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades,

introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social...". São os

direitos ligados as prestações sociais do Estado perante o indivíduo, bem como

assistência social, educação, saúde, cultura, trabalho, os quais exercem uma

liberdade social, e estabelecem ligação das liberdades formais abstratas para as

liberdades materiais concretas. Inauguram uma nova fase, não só pelo fato de

possuírem o intuito positivo, mas também por exercerem uma função prestacional

Estatal para com o indivíduo. Promovem um pensamento de preservação do

indivíduo, um necessário despertar para a conscientização de proteger a instituição,

uma realidade social mais fecunda e aberta à participação e a valoração da

personalidade humana.

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36

Assim, a Seguridade Social, tema central deste estudo, se

consubstancia como conjunto integrado de ações de iniciativa do poder público com a

participação da sociedade atuando na área de saúde, assistência social e previdência

social, é direito fundamental de segunda geração, ou seja, ligados às prestações que

o Estado deve ao seu conjunto de integrantes. Com o reconhecimento dos direitos de

segunda geração, o direito assume uma dimensão positiva não como forma de aceitar

a intervenção do Estado na liberdade individual, mas como meio de proporcionar uma

participação do bem estar social.

Na evolução, os direitos da terceira dimensão, que são direitos

atribuídos à fraternidade ou de solidariedade, ou seja, aqueles referentes ao

desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à propriedade sobre o patrimônio comum

da humanidade e a comunicação. Urge um novo intuito jurídico que vem somar nos

direitos do homem junto com os historicamente versados direitos de liberdade e

igualdade.

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado (BONAVIDES, 2000, p.523).

A terceira dimensão relaciona os direitos a uma nova ordem social e

internacional em que os direitos de liberdade estabelecidos na Declaração Universal

dos Direitos do Homem possam ser plenamente realizados; direito à paz, ao

desenvolvimento, ao meio ambiente, entre outros. Esta dimensão é típica das

democracias pluralistas contemporâneas e diz respeito a fins coletivos. São direitos

classificados como “metas individuais”, porque se referem a direitos dos indivíduos

enquanto seres humanos (parte da humanidade) ou dos indivíduos enquanto

membros de uma categoria ou grupo social específico. Também são classificados

como direitos “difusos”, por se referirem a pessoas indeterminadas; de “multiculturais”

por garantirem respeito à pluralidade de identidades socioculturais; e de

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“republicanos”, porque se relacionam à coletividade e porque implicam numa

cidadania ativa (SARLET, 2003).

Assim, os direitos da terceira dimensão são direitos solicitados pelo

indivíduo devido os avanços tecnológicos, delineando direitos de titularidade coletiva

ou difusa. São reconhecidos como direitos de solidariedade ou de

fraternidade. Conforme as mudanças no mundo e nas sociedades, mais direitos vão

sendo descobertos e formulados, para posteriormente serem efetivados, com isso

criar-se-á um processo ao qual sempre estará em evolução.

Vivenciada em nosso país, a globalização política neoliberal provoca

grande impacto sobre os direitos fundamentais da população subdesenvolvida

inserindo um novo rol de direitos fundamentais: os direitos fundamentais da quarta

dimensão. Estes significam uma institucionalização do Estado social: "são direitos da

quarta geração o direito à democracia, o direito à informação, e o direito ao

pluralismo"( BONAVIDES, 2000, p.525). Nota-se a nítida vantagem de constituir, de

fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais, relacionando os

direitos contra a manipulação genética, mudança de sexo, dentre outros, como

integrantes da quarta dimensão.

No que se refere à terminologia – alvo de discussão quando se aborada

as dimensões dos direitos – salienta Bonavides (2000, p. 526) que

força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo „dimensão‟ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo „geração‟, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Ao contrário, os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia; coroamento daquela globalização política para a qual, como no provérbio chinês da grande muralha, a humanidade parece caminhar a todo vapor, depois de haver dado o seu primeiro e largo passo. Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem – sem, todavia, remove-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos de primeira geração". E continua dizendo que "tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam opulentados em sua dimensão principal,

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objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico".

Assim, pode-se partir para a assertiva de que os direitos da segunda,

terceira e quarta geração não se interpretam, mas sim, concretizam-se. E é no seio

dessa materialização, dessa solidificação, que se encontra o futuro da globalização

política, o início de sua legitimidade e a força que funde os seus valores de libertação.

Ao permearem todo o texto constitucional, os direitos fundamentais assumem

primeiramente um caráter de direitos negativos, que importam uma restrição à ação

do Estado para, posteriormente, assumirem uma postura ativa, exigindo ações

positivas deste mesmo Estado.

2.1 A Aplicabilidade Imediata e a Eficácia dos Direitos Fundamentais

O presente trabalho atenta para a consagração dos direitos sociais no

nosso Texto Constitucional como direitos fundamentais de eficácia imediata. Nesse

sentido:

Em relação aos direitos sociais, o dispositivo da aplicação imediata ganha uma outra função, visto que estes devem ser tratados de maneira diferente dos direitos clássicos na defesa contra o poder estatal. Nesse contexto, o art. 5º, §1º, impõem aos órgãos estatais a tarefa de maximizar a eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais e criar as condições materiais para sua realização (KRELL, 2003, p.38).

A propósito, leciona Ingo Wolfgang Sarlet que são considerados

direitos sociais prestacionais básicos a saúde, educação, previdência e assistência

social, sendo que na Constituição vigente tais direitos encontraram uma

receptividade sem precedentes, de modo especial no capítulo dos direitos sociais.

Em virtude de sua vinculação com a concepção de um Estado social e democrático de Direito, como garante da justiça material, os direitos fundamentais sociais reclamam uma postura ativa do Estado, visto que a igualdade material e a liberdade real não se estabelecem por si só, carecendo de uma realização. Acrescentando que “os direitos sociais estão vinculados com a necessidade de se assegurar as condições materiais mínimas para a sobrevivência e, além disso, para a garantia de uma existência com dignidade (SARLET, 2001, p 170).

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Devido a problemática a respeito das funções, eficácia e positivação

dentro da Constituição Federal, o nobre jurista gaúcho (2004) propõe uma

classificação para os mesmos, em virtude de sua multifuncionalidade: a) direitos de

defesa (englobaria os direitos de liberdade, igualdade, garantias, bem como parte dos

direitos sociais) e; b) os direitos a prestações (envolvendo os direitos à proteção e à

participação na organização e procedimento, direitos a prestação, representados

pelos direitos sociais de natureza prestacional, tais como a educação, a saúde, o

trabalho e a previdência social).

A presunção em favor da aplicabilidade imediata e a máxima da maior eficácia possível devem prevalecer, não apenas autorizando, mas impondo aos juizes e tribunais que apliquem as respectivas normas aos casos concretos, viabilizando, assim, o pleno exercício desses direitos outorgando-lhes, portanto, tanto sua pela eficácia como também, sua efetividade (SARLET, 2004, p. 262).

Os direitos a prestação, necessitam de uma atuação positiva do Estado

surgindo posições diversas acerca de sua aplicabilidade imediata. A partir disto, estes

direitos de cunho prestacional, positivados a partir de normas programáticas, carecem

em princípio, de interposição do legislador para que conseqüentemente sejam

permeados de aplicabilidade e eficácia plena. Os direitos fundamentais de defesa ou

prestacionais estão vinculados intimamente ao grau de eficácia e aplicabilidade,

devido a sua forma de positivação no texto constitucional.

Não se tem dúvida em afirmar que as prestações positivas inerentes aos

direitos sociais devem ser submetidas ao que a doutrina constitucional denomina de

princípio da "reserva do possível". Atualmente os indivíduos têm pleno acesso aos

mecanismos de proteção judicial de seus direitos, bem como já se tem como

consagrados os direitos sociais como direitos humanos fundamentais.

Ressalta Canotilho (2003, p. 481-482) que

um direito social sob „reserva dos cofres cheios‟ equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica”, sustentando que “os direitos fundamentais sociais consagrados em normas da Constituição dispõem de vinculatividade normativo-constitucional”; asseverando que “as normas garantidoras de

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direitos sociais devem servir de parâmetro de controle judicial quando esteja em causa a apreciação da constitucionalidade de medidas legais ou regulamentares restritivas destes direito”, e que “as normas de legislar acopladas à consagração de direitos sociais são autênticas imposições legiferantes, cujo não cumprimento poderá justificar, como já se referiu, a inconstitucionalidade por omissão; acrescentando que “as tarefas constitucionalmente impostas ao Estado para a concretização desses direitos devem traduzir-se na edição de medidas concretas e determinadas e não em

promessas vagas e abstractas.

Como dá conta a problemática posta pelo “custo dos direitos”, por sua

vez, indissociável da assim designada “reserva do possível” (que não pode servir

como barreira intransponível à realização dos direitos a prestações sociais), a crise de

efetividade vivenciada com cada vez maior agudeza pelos direitos fundamentais de

todas as dimensões está diretamente conectada com a maior ou menor carência de

recursos disponíveis para o atendimento das demandas em termos de políticas

sociais. Com efeito, quanto mais diminuta a disponibilidade de recursos, mais se

impõe uma deliberação responsável a respeito de sua destinação, o que nos remete

diretamente à necessidade de buscarmos o aprimoramento dos mecanismos de

gestão democrática do orçamento público ( SARLET, 2003, p. 356-357).

Parece-nos oportuno apontar aqui que os princípios da moralidade e da

eficiência, que direciona a atuação da administração pública em geral, assumem um

papel de destaque nesta discussão, notadamente quando se cuida de administrar a

escassez de recursos e otimizar a efetividade dos direitos sociais”; destacando “que

também resta abrangida na obrigação de todos os órgãos estatais e agentes políticos

a tarefa de maximizar os recursos e minimizar o impacto da reserva do possível...”

(SARLET, 2004, p. 250). Assim, levar a sério a “reserva do possível” (e ela deve ser

levada a sério, embora sempre com as devidas reservas) significa também,

especialmente em face do sentido do disposto no art. 5º, § 1º, da CF, que cabe ao

poder público o ônus da comprovação efetiva da indisponibilidade total ou parcial de

recursos e do não desperdício dos recursos existentes.

Com efeito, verifica-se que deve haver máxima cautela quando o Poder

Executivo se apega ao argumento da reserva do possível para justificar a sua

omissão na área da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente de cunho

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social. É comum o agente estatal apresentar uma desculpa genérica para não

concretizar um direito social, notadamente na área da saúde.

A CF/88, em seu §1º do art. 5º determinou certo grau de eficácia e

aplicabilidade, principalmente, aos direitos fundamentais: "As normas definidoras dos

direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". Ao se analisar a

abrangência e o significado da norma do Art. 5º, § 1º da Lei Maior de 1988, salienta

Maliska (2001) que o dispositivo estaria reduzido às normas do art. 5º, tal

entendimento pode ser afastado pela simples interpretação literal da norma, que

refere a „direitos e garantias fundamentais‟. Desta forma, a localização tópica da

norma, não serve como critério para justificar tal entendimento restritivo. Uma

interpretação sistemática e teleológica conduzirá aos mesmos resultados, uma vez

que utilizar a expressão „direitos e garantias fundamentais‟, o constituinte buscou

atingir a totalidade das normas do Título II, o que inclui também os direitos políticos,

de nacionalidade e os direitos sociais e não apenas os direitos e garantias individuais

e coletivos.

Não obstante, a norma que dá amparo ao reconhecimento dos direitos

excluídos do texto constitucional (direitos sociais, econômicos e culturais), todos os

demais direitos, liberdades e garantias de natureza semelhante, configuram-se,

normas aplicáveis diretamente. Adentra-se, assim em um campo de divergências na

doutrina jurídico-constitucional no que diz respeito a aplicação imediata dos direitos e

garantias fundamentais. Há divergência de posições, posto que, para alguns juristas,

como Ferreira Filho (1996, p.8), há o entendimento de que a norma em evidência não

pode atentar contra a natureza das coisas, a tal ponto que relativa parte dos direitos

fundamentais alcançaria sua eficácia nos termos e na medida da lei.

No entanto, oportuna e urgente a lição de Eros Roberto Grau (2000, p.

313) :

Aplicar o direito é torná-lo efetivo. Dizer que um direito é imediatamente aplicável é afirmar que o preceito no qual é inscrito é auto-suficiente, que tal preceito não reclama – porque dele independe – qualquer ato legislativo ou

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administrativo que anteceda a decisão na qual se consume a sua efetividade. (...). Preceito imediatamente aplicável vincula, em última instância, o Poder Judiciário. Negada pela Administração Publica, pelo Legislativo ou pelos particulares a sua aplicação, cumpre ao Judiciário decidir pela imposição de sua pronta efetivação.

Da linha de pensamento de Eros Roberto Grau (2000, p. 313/319),

pode-se extrair o seguinte posicionamento: o Poder Judiciário tem a função de

reproduzir o direito, bem como de produzir, baseado nos princípios jurídicos. Esta

produção do direito, não deve ser subentendida como dever do Judiciário de assumir

a função Legislativa, mas sim de assegurar a pronta execução do direito,

fundamentado na Lei Maior. Tal designação não viola o princípio da Separação dos

Poderes, pois segundo o autor, ao Legislativo incumbe o monopólio do exercício da

função legislativa e não da função normativa.

Interpretando-se o ensinamento de Eros Grau, afirma-se que a referida

norma do § 1º do art. 5º da Constituição Federal é dotada de vigência e eficácia

jurídica. Esta norma é de aplicabilidade imediata (o Poder Judiciário, em ultima

instância, está compelido a conferir-lhe efetividade jurídica ou formal).

Neste mesmo sentido, Piovesan (1997, p.64) assevera que:

A norma do art. 5º § 1º da Constituição Federal impõe aos Poderes Públicos conferir eficácia máxima e imediata a todo e qualquer preceito definidor de direito e garantia fundamental. Este princípio intenta assegurar a força dirigente e vinculante dos direitos e garantias de cunho fundamental, ou seja, objetiva tornar direitos prerrogativas diretamente aplicáveis pelos Poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário.

Sarlet (2004, p.259-261) entende que todas as normas relativas a

direitos fundamentais são dotadas de um mínimo de eficácia, podendo-se afirmar que

aos poderes públicos incumbem a tarefa e o dever de extrair das normas que

consagram tais direitos, a maior eficácia possível, outorgando-lhes, nesse sentido,

efeitos reforçados relativamente às demais normas constitucionais, tendo em vista o

conteúdo do próprio § 1º do artigo 5º. Assim, há um plus nas normas definidoras dos

direitos fundamentais quando comparadas às demais normas constitucionais. Isso

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43

não significa que mesmo dentre os direitos fundamentais não possam existir

distinções quanto à graduação da aplicabilidade e eficácia, dependendo da forma de

positivação, do objeto, e da função que cada preceito desempenha. O § 1º do artigo

5º da Constituição representa uma espécie de mandado de otimização (ALEXY, 2002,

81-114), que impõe a maximização (portanto, otimização) da eficácia de todos os

direitos fundamentais.

Destarte, os direitos fundamentais de natureza prestacional passam a

ter certa peculiaridade devido ao seu grau de aplicabilidade imediata e eficácia plena

alcançável. As normas constitucionais possuem uma eficácia jurídica de vinculação, e

estas, quando assumem uma dimensão positiva, condicionam o legislador,

reclamando a realização de suas imposições; se nem sempre podem autorizar a

substituição do legislador pelo juiz, podem, por vezes, autorizar o desencadear de

medidas jurídicas ou políticas voltadas para a cobrança do implemento pelo próprio

legislador. Cabe lembrar, que os direitos sociais, dentre eles a saúde, passaram a

contar com remédios específicos para garantir-lhes plena eficácia. A importância dos

chamados remédios constitucionais justifica-se pelo fato de serem eles os

instrumentos garantidores do Estado de Direito, pois, sem eles, o texto constitucional,

com todos os direitos e garantias nele inserido, não passaria de letra morta.

Acerca dos dispositivos supra citados, a omissão inconstitucional não

pode ser concebida como não fazer; mas sim como produto da vontade de não

realizar a ação prescrita pela norma e, portanto, esperada. É o não fazer algo devido.

(SARLET, 2003).

Os direitos fundamentais prestacionais tem sua exegese externada de

forma diversa dos direitos fundamentais de defesa, no que tange a sua aplicabilidade

e posterior efetivação. Conforme a lição do notável jurista Canotilho (2003), a força

dirigente e determinante dos direitos a prestações (econômicos, sociais e culturais)

inverte, desde logo, o objeto clássico da pretensão jurídica fundada num direito

subjetivo: de uma pretensão de omissão dos poderes públicos (direito a exigir que o

Estado se abstenha de intervir nos direitos, liberdades e garantias) transita-se para

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uma proibição de omissão (direito a exigir que o Estado intervenha ativamente no

sentido de assegurar prestações aos cidadãos).

A utilização de normas constitucionais, as quais dispõem sobre os

institutos do Mandado de Injunção e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por

Omissão como aporte interpretativo da norma do § 1º do art. 5º, no sentido da não

aplicabilidade imediata de todos os direitos fundamentais, pode revelar que tais

institutos, estão a serviço da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.

Negar eficácia plena à referida norma constitucional contraria toda

evolução doutrinária e jurisprudencial acerca da efetividade dos direitos

fundamentais; ainda mais porque a Lei Fundamental prevê que “as normas

definidoras dos direitos e garantias constitucionais têm aplicação imediata” (§ 1º do

art. 5º). Por isso, assegura Sarlet (2003), ao analisar a norma constitucional inserida

no § 1º do art. 5º da CF, que não há como sustentar uma redução do âmbito de

aplicação da norma a qualquer das categorias específicas de direitos fundamentais

consagradas na nossa Constituição, nem mesmo aos assim equivocadamente

denominados direitos individuais e coletivos do art. 5º. Ao contrário, continua o autor

há como sustentar, a exemplo do que tem ocorrido na doutrina, a aplicabilidade

imediata (por força do art. 5º, § 1º, da CF) de todas as normas de direitos

fundamentais constantes do Catálogo (arts. 5º a 17), bem como dos localizados em

outras partes do texto constitucional e nos tratados internacionais.

Aos Poderes Públicos, cabe o trabalho e o relativo dever, de colher das

normas consagradoras dos direitos fundamentais, a máxima eficácia possível, pois

presumir a aplicabilidade imediata e a eficácia plena em prol dos direitos

fundamentais significa, em última instância, exteriorizar toda a fundamentalidade

formal da qual nossa Carta Magna é detentora.

Konrad Hesse (1991, p.19), já em 1959 abordava a questão da força

normativa da Constituição, afirmando que embora a Constituição não possa, por si

só, realizar nada, ela pode impor tarefas; aduzindo que

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a Constituição transforma-se em força ativa se estas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar esta ordem.

Portanto, a Constituição tem força normativa própria, sendo norma em

sentido material, devendo ser sempre interpretada em sintonia com a sua mais alta

hierarquia; ou seja, a eficácia a ser dada à Lei Maior deve ser equivalente à sua

importância no contexto do ordenamento jurídico. Desta forma, o Poder Judiciário é

atingido pelos institutos processuais, que obrigam a fornecer tal efetividade aos

direitos fundamentais, em virtude destes possuírem vinculação imediata com os

mesmos.

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3 POLÍTICAS SOCIAIS E EFETIVAÇÃO DO DIREITO Á SAÚDE

3.1 Saúde como um Direito Fundamental Social

Prosseguindo esta análise, torna-se necessário a delimitação do termo

“saúde”, que por vários séculos foi motivo de discussão vindo a se consubstanciar, no

Brasil, como direito fundamental e social, no Texto Constitucional de 1988. Aponta-se

como marco inicial da definição de saúde, o brocado grego "Mens Sana In Corpore

Sano", onde se vislumbra de imediato a preocupação tanto com o corpo, quanto com

a mente sadia. Entretanto, na evolução histórica, o termo "saúde" ensejou uma

diversidade de interpretações, de um lado "o entendimento de que a saúde

relacionava-se como o meio ambiente e as condições de vida dos homens; do outro

lado, o conceito de saúde como sinônimo de ausência de doenças." Esta divergência

foi contornada, somente em 1946 quando do surgimento da Organização Mundial da

Saúde (OMS). A definição de saúde compreende o “completo bem-estar físico, mental

e social e não somente a ausência de doenças ou agravos, bem como, reconhecida

como um dos direitos fundamentais de todo ser humano, seja qual sua condição

social ou econômica e sua crença religiosa ou política”.

O reconhecimento da saúde como direito fundamental social,

consagrado na Constituição Federal de 1988, abriu caminho para todos os cidadãos

dele usufruir, na medida em que saúde passa a caracterizar-se como um direito

público subjetivo. A definição atual de saúde não pode vir dissociada do princípio da

dignidade da pessoa e do direito à vida. Neste sentido, “o direito à saúde além de

qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa

conseqüência constitucional indissociável do direito à vida” (STF – 2.ª T. – RE-AgR

393175/RS – Rel. Min. CELSO DE MELLO. J.: 12.12.06, DJ 02.02.07, p. 00140),

amparado em vários artigos de nossa Carta Constitucional (art. 196 ao art. 200).

Destaca-se o art. 196, cuja redação afirma que saúde é direito de todos e dever do

Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do

risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e

serviços para sua promoção, proteção e recuperação (grifou-se).

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O referido dispositivo constitucional é o novo modelo, por colocar em

condições de igualdade de acesso às ações e serviços de saúde todos os cidadãos,

independentemente do seu status social. “ É no art.196 e seguintes, que o direito à

saúde encontrou sua maior concretização ao nível normativo-constitucional”

(SARLET, 2003). Devido sua importância na sistemática constitucional, o art. 196

não pode ser interpretado como uma norma programática, e conseqüentemente de

eficácia limitada. Conforme o expoente prof. Schwartz (2001) saúde deve ser

concebida como um “processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças,

ao mesmo tempo, que visa a melhor qualidade de vida possível”, tendo como

instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a

possibilidade de esse mesmo indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu

particular estado de bem-estar.

Destarte, o direito à saúde, na concepção de direito social, se vê

permeado de outros direitos, quais sejam: direito ao saneamento, à moradia, à

educação, ao bem-estar social, à seguridade social, à assistência social, direito de

acesso aos serviços médicos e ao direito à saúde física e psíquica. Sendo

reconhecido na Carta Máxima, como um direito social, o direito à saúde passa a ser

um direito que exige do Estado prestações positivas no sentido de

garantia/efetividade da saúde, pena de ineficácia de tal direito (SARLET, 2004).

Imperioso designar que, quando o cidadão se encontrar na situação de

hipossuficiente para fruir a sua saúde e de sua família, estará originando um elo

jurídico criador de obrigações entre todos os Entes da Federação (devedor) e o

cidadão (credor) no que tange seu direito à saúde. Assim sendo, a Lei 8.080/90,

“Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a

organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras

providências”, preconizando em seu artigo 2º, que “A saúde é um direito

fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis

ao seu pleno exercício.”

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A saúde comunga, na nossa ordem jurídico-constitucional, da dupla

fundamentalidade formal e material da qual se revestem os direitos e garantias

fundamentais (e que, por esta razão, assim são designados) na nossa ordem

constitucional. A fundamentalidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional

positivo e, ao menos na Constituição pátria, desdobra-se em três elementos: a) como

parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais (e, portanto, também

a saúde), situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, cuidando-se, pois, de

norma de superior hierarquia; b) na condição de normas fundamentais insculpidas na

Constituição escrita, encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento

agravado para modificação dos preceitos constitucionais) e materiais (as assim

denominadas “cláusulas pétreas”) da reforma constitucional; c) por derradeiro, nos

termos do que dispõe o artigo 5, parágrafo 1º, da Constituição, as normas definidoras

de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam

diretamente as entidades estatais e os particulares. Já no que diz com a

fundamentalidade em sentido material, esta se encontra ligada à relevância do bem

jurídico tutelado pela ordem constitucional, o que - dada a inquestionável importância

da saúde para a vida (e vida com dignidade) humana (SARLET, 2004, 90-94).

O direito à saúde é garantido, em nosso Texto Constitucional, pela

existência do Sistema Único de Saúde – SUS (art. 198 da CF), que se apresenta

como meio pelo qual o Poder Público cumpre seu dever na relação jurídica de saúde.

Esta relação jurídica tem no pólo ativo qualquer pessoa e a comunidade, uma vez que

o direito à saúde a ser concebido como um direito social pessoal e também como um

direito social coletivo (SCHWARTZ, 2001). Consoante, o Estado fica obrigado a

garantir aos seus cidadãos o acesso a serviços e ações de saúde, que devem

proporcionar atendimento integral (inciso II do art. 198 da CF), nele compreendido

uma adequada assistência médico-hospitalar, a qual pressupõe a oferta de

procedimentos (exames, cirurgias etc.) e de medicamentos, ainda que sejam de

última geração, pouco importando o seu custo, desde que comprovadamente

necessários para a preservação da vida e saúde do usuário do SUS.

Observa-se que o legislador constituinte reconheceu que “são de

relevância pública as ações e serviços de saúde” (art. 197), reforçando sua

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exigibilidade e atribuindo-lhe o caráter de serviço público essencial. Passa então, o

Estado a incumbir-se do papel de garantidor positivo de uma política sanitária ampla,

com o intuito de desincumbir-se da sua responsabilidade, de seu dever constitucional

de prestar.

A caracterização da relevância pública dos serviços e ações de saúde, o reconhecimento da saúde como um direito social e individual e o fato de a saúde ser o resultado de políticas sociais e econômicas que reduzem o risco de doença são os princípios essenciais que vão informar todas as ações e serviços de saúde (SANTOS, 2001).

Por outro lado, "a causa de inefetividade dos direitos sociais está na

ausência de vontade política para materializar sua principal forma de garantia

(prestações positivas estatais), e não nas dificuldades de acionar tais direitos." Diante

disto, a não atuação do Estado na prestação sanitária, revela uma afronta ao nosso

bem maior, que é a vida. Pois o direito à saúde, neste aspecto é eivado de

aplicabilidade imediata e eficácia plena, e deve ser respeitado como tal, eis que se

consubstancia como um direito público subjetivo, tendo posição de destaque na

Constituição como um direito fundamental social (SCHWARTZ, 2004).

Não obstante a consagração do direito à saúde no rol dos direitos

fundamentais, assim como, a estruturação do Sistema Único de Saúde para garantir o

restabelecimento do status saúde, todas às vezes que este se modificar, concluímos

que o princípio da universalidade de acesso e igualdade perante os serviços só existe

no plano teórico.

3.2 Saúde e Dignidade Humana

Hodiernamente, nos países consideramos democráticos, o princípio da

dignidade da pessoa humana é cada vez mais abordado, eis que deixou de ser um

mandamento moral para ganhar a força coativa de direito. Na ordem jurídica

brasileira, ele foi estabelecido como fundamento do Estado Democrático de Direito no

artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, coexistindo, lado a lado, com a

soberania, a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Entretanto,

Page 50: seguridade social no brasil

50

como os valores mudam conforme a visão de mundo de cada um, a aplicação e a

interpretação desse princípio têm-se mostrado, muitas vezes, variável e até mesmo

antagônica. Portanto, é pertinente a seguinte indagação: qual o critério mais razoável

para a aplicação e para a interpretação de tal princípio?

O reconhecimento do caráter normativo do princípio da dignidade da

pessoa humana, desde que preservada a sua essência, conduzirá a um lugar comum,

quer se parta de uma posição ativa (o direito em sentido lato), quer passiva (o dever).

Assumindo a Constituição o status de pedra fundamental da organização política,

todos os direitos nela consagrados serão oponíveis, em maior ou menor medida, mas

de forma indefectível, ao Estado. De igual modo, sendo o homem o centro da referida

organização, quaisquer deveres imputados ao Estado, direta ou indiretamente, a ele

alcançarão, daí resultando a existência de direitos correlatos. Assim, consagrando o

dever do Estado ou contemplando o direito do homem, alcançará a Constituição

efeitos axiológicos paritários. (KELL, 2002)

Retoma-se a questão já proferida: qual o papel dos direitos

fundamentais face ao princípio da dignidade humana? O papel dos direitos

fundamentais é salvaguardar a existência e a dignidade humana. Surge, então, outra

indagação: quais são os direitos fundamentais cuja função é esta?

A eminente jurista Maria Garcia (2002, p. 115-123) observa que “o art.

5º, caput, da Constituição especifica cinco direitos fundamentais básicos: vida,

liberdade, igualdade, segurança e propriedade, que constituem o fundamento de

todos os demais direitos consagrados no texto Constitucional. Conclui, que todos os

direitos e garantias diretamente vinculados a um dos cinco direitos fundamentais

básicos constantes do art. 5º, caput são considerados direitos fundamentais e que os

demais compõem apenas o quadro dos direitos constitucionais. Assim, os direitos

fundamentais se apresentam como uma espécie de trincheira na salvaguarda da

dignidade da pessoa humana.

Em relação à dignidade humana como fonte de direitos prestacionais,

especificamente direcionada aos direitos sociais, assumirá ela ares de exceção. Em

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51

regra, a dignidade humana não costuma ser interpretada como diretamente invocável

a partir de normas constitucionais, pressupondo, ante o seu acentuado grau de

indeterminação, a intermediação do legislador, que fixará suas condições e

dimensões, bem como a respectiva fonte de custeio das prestações dela derivadas

(ZIPPELIUS, 1997, p. 395). No entanto, tratando-se de prestações que se enquadrem,

consoante os valores vigentes no grupamento, em um núcleo, essencial e

incontestável, consubstanciador da dignidade, não há óbice à sua invocação direta

com o fim de alicerçar pretensões dessa natureza. Nesse caso, como veremos, o

difundido vetor principiológico da dignidade assume maior concretude e, consoante a

situação específica, pode assumir o status de direito subjetivo.

Os direitos fundamentais, a um só tempo, esmiúçam a idéia de

dignidade e têm a sua interpretação por ela direcionada, do que resulta uma simbiose

que não é passível de ser dissolvida. Essa constatação talvez justifique o fato de a

dignidade humana, enquanto núcleo essencial do direito fundamental que alicerça

uma pretensão de ordem prestacional, deva ser normalmente invocada em caráter

subsidiário, não como fundamento principal à configuração do direito subjetivo a essa

prestação. Todavia, ainda que deslocada a uma posição secundária e alçada à

condição de mera argumentação, a dignidade humana não se dissocia de seu caráter

estrutural, mantendo a condição de ratio decidendi.

Dignidade é a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2003, p.60)

O homem, ser social, merece do Estado e dos demais indivíduos da

sociedade, todo o respeito e consideração, devendo ser tratado sempre como o fim de

todas as coisas e não como o meio. O direito à existência digna não é assegurado

apenas pela não abstenção do Estado em afetar a esfera patrimonial das pessoas

sob a sua autoridade. Passa também pelo cumprimento de prestações positivas. Não

foi à toa que a nossa Lei Fundamental impôs, ao Estado e à sociedade, a realização

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52

de ações integradas para a implementação da seguridade social (art. 194), destinada

a assegurar a prestação dos direitos inerentes à saúde, à previdência e à assistência

social.

Ao Estado cabe, então, organizar e manter sistema previdenciário, com

vistas a suprir os rendimentos do trabalhador por ocasião das contingências da vida

gregária (art. 201), englobando: a) cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte

e idade avançada; b) proteção à maternidade, especialmente à gestante; c) proteção

ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário-família e auxílio-

reclusão para os dependentes do trabalhador de baixa renda; e) pensão por morte.

Da mesma forma, àqueles não filiados à previdência social, incumbe-se ao aparato

estatal a prestação de assistência social quando necessitarem (art. 203), consistindo

nas seguintes prestações: a) proteção à família, à maternidade, à infância, à

adolescência e à velhice; b) amparo às crianças e adolescentes carentes; c)

promoção da integração ao mercado de trabalho; d) habilitação e reabilitação das

pessoas portadoras de deficiências, com a sua integração à vida em comunidade; e)

garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência

e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção, ou de

tê-la provida por sua família, tendo sua regulamentação advindo com a Lei 8.742/93.

Não podem ser esquecidas, as ações no campo da saúde, realizadas

mediante políticas sociais e econômicas que objetivam a redução dos riscos de

doença e de outros agravos, garantindo-se o acesso universal igualitário às ações e

serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196).

Diante do que já vimos, impera afirmar que o homem é um ser de valor

absoluto, por isto um ser dotado de uma dignidade, a qual engloba necessariamente

respeito e proteção da integridade física e emocional (psíquica) em geral da pessoa. É

qualidade integrante e irrenunciável da condição humana, devendo ser reconhecida,

respeitada, promovida e protegida, sem a qual o sentido de justiça humana se esvai.

Para Barroso (2003, p.38)

Page 53: seguridade social no brasil

53

Dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conceito jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu conteúdo material elementar é composto do mínimo existencial- o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade. Aquém daquele patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade.

O mínimo existencial comporta variação conforme a visão subjetiva de

quem o elabora, mas parece haver consenso de que inclui: renda mínima, saúde

básica e educação fundamental. Há, ainda, um elemento instrumental, que é o acesso

à justiça, indispensável para a exigibilidade e efetivação dos direitos.

Em síntese, pode-se dizer que foi o reconhecimento da dignidade

humana,1 em forma de princípio fundamental do Direito Constitucional e do Direito

Internacional dos Direitos Humanos, que levou à instituição do Estado Democrático de

Direito, de modo a assentar-se este sob as bases daquele princípio. Igualmente, é em

atenção ao princípio da dignidade humana que se reconhecem e se garantem direitos

fundamentais. É em respeito ao pleno desenvolvimento da personalidade humana

que o direito à saúde merece a qualificação de direito fundamental.

O Estado Democrático de Direito tem em sua base o princípio da

dignidade humana para sustentá-lo e orientá-lo no exercício do poder. Cabe a este

promover a efetividade dos direitos fundamentais em todas as modalidades que se

apresentam (civis, políticos, sociais, econômicos, culturais, ambientais). Foi o

reconhecimento da dignidade humana, em forma de princípio fundamental do Direito

Constitucional e do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que levou à instituição

do Estado Democrático de Direito. Igualmente, é em atenção ao princípio da

dignidade humana que se reconhecem e se garantem direitos fundamentais. É em

1 Paulo Bonavides assim destaca “ o primado da dignidade da pessoa humana” no Estado de Direito

democrático: “...Mas tudo mudou, e mudou para sempre, quando advieram os direitos fundamentais da segunda, da terceira e da quarta gerações e a reflexão constitucional passou, numa hora feliz, de compatibilização teórica, para o outro pólo – o da vertente tópica, também aristotélica, formando os juristas de uma nova escola de pensadores e hermeneutas. Suas postulações fizeram o princípio deslocar a regra, a legitimidade a legalidade, a Constituição a lei, e assim logrou estabelecer o primado da dignidade da pessoa humana como esteio de legitimação e alicerce de todas as ordens jurídicas fundadas no argumento da igualdade, no valor da justiça e nas premissas da liberdade, que concretizam o Estado de Direito”. (Cfme. BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo: Malheiros, 2001, p.221).

Page 54: seguridade social no brasil

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respeito ao pleno desenvolvimento da personalidade humana que o direito à saúde

merece a qualificação de direito fundamental.

Sabe-se que a promoção do direito de todos à saúde enfrenta grandes

desafios e sérias dificuldades no campo de sua concretização. Cabe ressaltar que os

direitos à vida, à saúde e à dignidade humana devem prevalecer, ainda que em

detrimento de gastos públicos, como sabiamente já decidiu o Ministro Celso de Mello,

quando do exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto

assemelhado (Pet. 1.246-SC), cuja parte final transcreve-se:

Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que têm acesso, por força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes.

Inquestionável que este avanço constitucional pertinente ao direito à

saúde relaciona-se à proteção igualmente constitucional da dignidade da pessoa

humana, que, nas palavras de Sarlet (2004, p. 442), torna-se o “fio condutor de toda a

ordem constitucional, sem o qual ela própria acabaria por renunciar à sua

humanidade, perdendo até mesmo a sua razão de ser”.

No mesmo sentido é o pensamento de Flávia Piovesan (1998, p. 34),

para quem

o valor da dignidade humana – ineditamente elevado a princípio fundamental da Carta, nos termos do art. 1º, III – impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.

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No Brasil, considerando o direito à saúde um direito fundamental e

realçando o fortalecimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de

reconhecer o dever de o Estado diante de salvaguardar a saúde e as condições

mínimas à sobrevivência de pessoas carentes, o Superior Tribunal de Justiça,

passando ao largo do caráter programático das normas constitucionais que o

consagram, condenou o Estado ao cumprimento desse dever. Ressaltou que, à luz

das peculiaridades do caso, "a lei deveria ser interpretada de forma mais humana,

teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho

justo: decidir pela preservação da vida," tendo acrescido a necessidade de serem

sopesados "preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à

saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das

necessidades básicas do cidadão" 2. Nesse precedente, a invocação da dignidade da

pessoa humana serviu de nítido vetor interpretativo.

Isto posto, o direito à saúde perante os dispositivos da nossa Carta

Magna, deve ser entendido como um direito social fundamental, que deve ser

buscado com a maior otimização possível, eis que se configura na preservação da

vida e no respeito à dignidade humana.

3.3 A possibilidade de efetivação do direito à saúde no Brasil sob o enfoque da

CF/88 e da Lei 8080/90

Como resultado das lutas e mobilização da sociedade brasileira, a

Constituição Federal, incorporou de forma parcial, as propostas defendidas pelo

2 1

a T., ROMS n

o 11.183/PR, rel. Min. José Delgado, j. em 22/08/2000, RSTJ n

o 138/52. No mesmo

sentido, autorizando o levantamento de verbas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço para fins de tratamento de portador do vírus HIV, hipótese não contemplada na respectiva lei de regência: 1

a T.,

REsp. no 249.026/PR, rel. Min. José Delgado, j. em 23/05/2000, DJ de 26/06/2000, p. 138. A dignidade

humana também foi invocada para o fim de identificar a teleologia do art. 20 da Lei no 8.036/90 e

autorizar o levantamento do FGTS para a reconstrução da casa própria parcialmente destruída por enchente (1

a T., rel. Min. Luiz Fux, j. em 09/04/2002, RSTJ n

o 156/102), bem como para permitir a

aquisição de aparelho auditivo para a filha menor (2a T., REsp. n

o 560.777/PR, rel. Min. Eliana Calmon,

j. em 04/12/2003, DJ de 08/03/2004, p. 234). Nesse último acórdão, foi decidido que "o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, com assento no art. 1

o, III, da CF/88, é fundamento do

próprio Estado Democrático de Direito, que constitui a República Federativa do Brasil, e deve se materializar em todos os documentos legislativos voltados para fins sociais, como a lei que instituiu o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço".

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movimento da Reforma Sanitária Brasileira e consolidadas na 8ª Conferência

Nacional de Saúde (1986), reconhecendo a saúde com um direito de todos e dever

do Estado e instituindo o SUS - Sistema Único de Saúde. O dever do estado de

garantir o direito à saúde a todos os brasileiros far-se-á, conforme já mencionado pelo

art. 196 da Carta Máxima: "mediante políticas sociais e econômicas que visem à

redução do risco de doença e de outros agravos e assegurem o acesso universal

(princípio da universalidade) e igualitário (princípio da equidade) às ações e serviços

para a promoção, proteção e recuperação da saúde". Dentre as políticas sociais e

econômicas se inclui a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), cuja leitura

combinada dos arts. 194, 196 e 198 da Constituição Federal permite a definição dos

princípios informadores desta política pública de saúde. Vejamos:

a) universalidade (art. 194, I; art. 196, caput): como direito de todos, a

saúde não requer nenhum requisito para sua fruição, devendo ser universal e

igualitário o acesso às ações e serviços de saúde;

b) caráter democrático e descentralizado da administração, com

participação da comunidade (art. 194, VII; art. 198, I e III): traduzido na distribuição

de responsabilidades pelas ações e serviços de saúde entre os vários níveis de

governo;

c) atendimento integral, com prioridade para as atividades

preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais (art. 198, II): significa

garantia de acesso a ações de promoção, que buscam eliminar ou controlar as

causas das doenças e agravos, envolvendo também as ações em outras áreas, como

habitação, meio ambiente, educação; de proteção/prevenção de riscos e exposições a

doenças, incluindo ações de saneamento básico, imunizações, ações coletivas e

preventivas, vigilância à saúde e sanitária; de recuperação;

d) regionalização e hierarquização (art. 198, caput): este princípio

permite um conhecimento maior dos problemas de saúde da população de uma área

ou região delimitada, favorecendo medidas de vigilância epidemiológica.

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Interpretando minuciosamente a legislação Maior, observa-se que as

políticas sociais e econômicas determinam uma atuação estatal preventiva, tendo em

vista que a redução de doenças e outros agravos dá-se mediante ações sanitárias

preventivas. Tais políticas sociais e econômicas, devem também exprimir um acesso

igualitário e universal para qualquer ser humano, assim, todo e qualquer cidadão,

inclusive o estrangeiro tem o direito à saúde, direito de ser atendido pelo Sistema

Único de Saúde. Por imposição constitucional o dever do Estado vai além da

promoção da saúde, não se limitando à cura e prevenção de doenças, mas

modificando o tecido social, elevando a qualidade de vida, interpretação que está

muito bem expressa nos direitos equivalentes do art. 3 º da Lei n º 8.080/90. Não

pode ser esquecida, também a proteção, bem como a recuperação da saúde

enquanto política social e econômica (HUMENHUK, 2004).

A competência para o direito sanitário, na sua efetivação, é do Estado

como um todo, posto que "a Constituição vigente não isentou qualquer esfera de

poder político na obrigação de proteger, defender e cuidar da saúde. (...) é de

responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios."

Entendimento preconizado pela Carta Máxima em seu artigo 23, inciso II. Esta

descentralização, também prevista na Lei 8080/90 impulsiona cada esfera do Estado

a atuar dentro de suas diretrizes e atribuições permitindo maior êxito na efetivação do

direito à saúde. Por conseguinte, em seu art. 18, a Lei da Saúde, trata de explanar a

forma de organização, planejamento e programação de como se dará a execução de

ações e serviços do Sistema Único de Saúde. As ações e serviços ofertados pelo

SUS devem estar de acordo com as políticas e diretrizes aprovadas pelos Conselhos

de Saúde (Conselho Nacional de Saúde, na esfera federal, Conselhos Estaduais de

Saúde, na esfera estadual, e Conselhos Municipais de Saúde, na esfera municipal).

Metade (50%) dos Conselheiros de Saúde são representantes do governo, dos

profissionais (ou trabalhadores) da saúde e dos prestadores de serviços. A outra

metade (50%) são representantes dos usuários (SCHWARTZ, 2004).

Tais políticas têm por objetivo, organizar o Sistema Único de Saúde

(SUS), fazendo com que o mesmo seja acessível e igualitário, através de ações que

interliguem os seus princípios, diretrizes e normas através de políticas sociais e

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58

econômicas, sempre com intuito de alcançar a efetivação da saúde como meio para

uma qualidade de vida.

Ante o exposto, percebe-se uma nova interpretação constitucional no

dever dos municípios quanto à prestação de serviços em saúde. A municipalização da

saúde, nada mais é do que a descentralização prevista pela Carta Máxima (art. 198,

I). Assim sendo, os municípios passam a desempenhar papel de destaque com a

descentralização da saúde, uma vez que, evidenciam as necessidades locais e as

particularidades de cada região. A efetivação do direito à saúde perpassa pelas

políticas sociais e econômicas, as quais exprimem a primeira forma de efetivação,

visto que se as políticas impostas pelo Estado na área da saúde fossem suficientes

para efetivação e conseqüente aplicação da prestação sanitária, desnecessária a

necessidade de outras organizações e atividades com função de reparar a inércia

estatal para com a saúde (SCHWARTZ, 2004).

Cabe ressaltar uma forma encontrada pelo governo Brasileiro para

tentar amenizar/sanar o problema da efetivação da saúde: a CPMF, que desde janeiro

de 1997, estava sendo arrecadada para fomentar o atendimento de necessidades

urgentes no setor. Com essa contribuição se esperava arrecadar cerca de 4,8 bilhões

de dólares, que elevariam o orçamento federal da saúde em aproximadamente 30 %.

(Relatório da OMS: A saúde no Brasil).

No entanto, diante da realidade apresentada pela saúde brasileira e

veiculada na mídia, é quase inquestionável que a arrecadação deste montante não foi

destinada à saúde ou foi de forma insuficiente. Bem ou mal aplicada, é uma política

econômica que abandona o cenário brasileiro resultando em uma defasagem sensível

à efetivação da saúde, posto que cancelada. Há ressalvar, também, a falta de

"vontade de Constituição", vontade política de fazer valer os ditames constitucionais,

já enfatizado por Hesse (1991). Assim, ou se realiza o direito à saúde, designando

todo o Estado Democrático de Direito para com o cidadão, ou se desrespeita a

dignidade humana, a Constituição e a vida.

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Conforme ensina o prof. Schwartz(2004):

Mesmo que o direito à saúde necessite dos meios materiais necessários para sua efetivação, a Constituição Federal, através de inúmeros artigos que tratam da matéria, determina que os Poderes Públicos têm responsabilidade na área da saúde, e que nenhum dos entes federados componentes da República Brasileira pode eximir-se de tal obrigação. (...) A saúde não pode estar condicionada a discursos vago, promessas políticas e ideologias cambaleantes. A condição primordial para o desenvolvimento de qualquer regime democrático é a vida do ser humano, que não pode ser colocada em segundo plano por distorções ideológicas que têm como grande objetivo disfarçar os reais e egoísticos interesses implícitos em ditas falas.

Suficiente, portanto, que se tenha vontade política para promoção,

recuperação e defesa da saúde, não atuando e investindo somente nos interesses

econômicos em detrimento aos direitos sociais. Perante esta falta de “vontade de

Constituição” e inércia estatal, na defesa dos direitos sociais, especificamente os

prestacionais, há falar em algumas ações capazes de efetivá-los: os remédios

constitucionais.

Por remédios constitucionais entende-se todos “os meios postos à

disposição dos indivíduos ou cidadãos para provocar a intervenção das autoridades

competentes, visando sanar, corrigir, ilegalidade e abuso de poder em prejuízo de

direitos e interesses individuais” (SILVA, 2003, p.420). Aplicam-se à saúde os

seguintes:

a) Mandado de Injunção. Sua previsão constitucional está no artigo 5°,

Inciso LXXI e é utilizado sempre que o titular dos direitos e liberdades constitucionais

e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania não o possa

usufruir pela falta de norma regulamentadora que torne inviável o seu exercício. Como

é interposto pelo próprio titular do direito, exige uma solução para o caso concreto e é

o próprio Poder Judiciário que supre, no caso concreto, a omissão da norma

regulamentadora.

b) Mandado de Segurança Individual. É a ação civil pela qual qualquer

pessoa pode provocar o controle jurisdicional quando sofrer lesão ou ameaça de

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lesão a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus nem habeas data, em

decorrência de ato de autoridade (alguém dotado de parcela do poder público),

praticado com ilegalidade ou abuso de poder (Art. 5º, LXIX).

c) Mandado de Segurança Coletivo. É uma inovação da Constituição

de 1988. Os pressupostos são os mesmos previstos para o Mandado de Segurança

Individual, no entanto pode ser impetrado por partido político com representação no

Congresso Nacional ou Organização Sindical, Entidade de Classe ou Associação

legalmente constituída, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. É

utilizável apenas para a defesa de interesse coletivo (não a soma de interesses

individuais, mas aquele que pertence ao todo) (Art. 5º, LXIX e LXX).

d) Ação Popular. Visa anular ato emanado pelas pessoas jurídicas

públicas ou privadas, pelas autoridades, funcionários ou administradores que

houverem autorizado, aprovado ou ratificado ou praticado ato lesivo, ao patrimônio

público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e

cultural. A imoralidade se constitui em fundamento autônomo para propositura da

ação popular, independentemente de demonstração de ilegalidade. Qualquer cidadão

(brasileiro nato ou naturalizado) no gozo dos direitos públicos é parte legítima para

propor ação popular (Art. 5º, LXXIII)

e) Ação Civil Pública. Pode ser proposta em caso de lesão ou ameaça

de lesão a interesse difuso ou coletivo que abrange a proteção do meio ambiente, ao

consumidor, ao patrimônio histórico ou cultural, à ordem econômica, à ordem

urbanística ou a qualquer interesse que possa enquadrar-se como difuso ou coletivo.

O sujeito passivo é qualquer pessoa, física ou jurídica pública ou privada, responsável

por dano ou ameaça de dano a interesse difuso ou geral. Podem manejar esta ação,

o Ministério Público, a União, os Estados, Distrito Federal e Municípios, as Autarquias,

Empresas Públicas, Fundações e Sociedades de Economia mista bem como as

Associações que estejam constituídas há pelo menos um ano, nos termos da lei civil,

e incluam entre as suas finalidades institucionais, a proteção do meio ambiente, ao

consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, paisagístico ou outros

Page 61: seguridade social no brasil

61

interesses difusos e gerais. (A ACP não tem previsão constitucional específica, porém

está inserida no rol do chamado “direito de petição” – (Art. 5º, XXXIV).

A participação do Ministério Público na elaboração das políticas públicas

passa, primeiramente pelo conhecimento da realidade de cada um dos Municípios,

Estados e da União no que concerne ao atendimento aos direitos sociais, buscando,

em conjunto com os Poderes Executivo e Legislativo, Conselhos de Gestão e

sociedade civil organizada definir prioridades, para que possíveis falhas sejam

devidamente corrigidas, indicando a melhor forma de fazer com que os orçamentos

públicos contemplem recursos suficientes para tanto.

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime

democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, CF/88). Há

que lembrar da importância do Ministério Público, como defensor dos interesses da

sociedade, deve tomar as medidas necessárias para a adoção, pelo Estado, das

políticas públicas voltadas à realização dos direitos fundamentais, em especial, dos

direitos fundamentais sociais de caráter prestacional. A ação ministerial respalda-se

na propositura da ação civil pública e promoção de inquéritos policiais na defesa do

direito à saúde, tendo em vista o interesse difuso e coletivo.

Vejamos:

MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE EXAMES E MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À SAÚDE E VIDA DO IMPETRANTE. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. É dever e responsabilidade do Estado, por força constitucional e infraconstitucional, o fornecimento de exames, medicamentos e aparelhos essenciais e indispensáveis à saúde e à própria vida do impetrante. Preliminar de ilegitimidade afastada. O direito à saúde, pela nova ordem constitucional foi elevado ao nível dos direitos e garantias fundamentais, sendo direitos de todos e dever do Estado. Aplicabilidade imediata dos princípios e normas que regem a matéria. Segurança concedida." (9 fls.) (MSE n º 597258359, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Relator: Des. Henrique Osvaldo Poeta Roenick, julgado em 17/03/2000). DIREITO CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO À SAÚDE. Internação hospitalar. Apoiando-se a internação em direito subjetivo constitucional, que alcança como devedor qualquer dos entes federativos, ofensivo a direito líquido e

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certo do impetrante e a negativa. Mandado de Segurança concedido. (Mandado de Segurança n º 597267608, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Relator: Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, Julgado em 18/06/1999).

MANDADO DE SEGURANÇA. SAÚDE PÚBLICA. MEDICAMENTOS. É direito do cidadão exigir, e dever do Estado fornecer, medicamentos excepcionais e indispensáveis à sobrevivência quando não puder prover o sustento próprio sem privações. Segurança concedida. ( 7 fls.) (Mandado de segurança n º 70000696104, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, TJRS, Relator: Desembargador Arno Werlang, Julgado em 05/05/2000).

Por outro lado, se o Ministério Público deve atuar na elaboração das

políticas públicas, também deve ter ao seu alcance instrumentos eficazes na busca do

cumprimento das políticas já formuladas. Como sabemos, o campo de

discricionariedade do Chefe do Poder Executivo no cumprimento das políticas

públicas é bastante amplo, sobretudo diante do fato de que o orçamento, atualmente,

não possui natureza impositiva.

A busca da efetivação dos direitos sociais, pela via processual ou extraprocessual, deve levar o Ministério Público à realização do acesso dos direitos fundamentais a milhões de pessoas que vivem à margem do direito. O caminho do Ministério Público, como instituição da sociedade, deve também, o de efetivação da saúde pública (HUMENHUK, 2004).

O Ministério Público também atua como potencializador do controle

social, já que defende o direito à saúde também em conjunto com os Conselhos de

Saúde, gerando resultados positivos no que tange à fiscalização das ações e

omissões estatais (HUMENHUK, 2004).

Questiona-se, até que ponto o Ministério Público, depois de esgotadas

outras instâncias, pode buscar a tutela jurisdicional visando o cumprimento das

políticas públicas. Dentre os vários temas discutidos na atualidade, insere-se aquele

atinente à capacidade limitada do Poder Público de prover todas as necessidades

ilimitadas da coletividade. Quer no campo, da infra-estrutura de transportes, de

segurança pública, na área educacional, na fiscalização alfandegária, e

principalmente da saúde. Isto porque, por mais que a superestrutura estatal esteja

satisfatoriamente aparelhada para se desincumbir destes encargos sociais,

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dificilmente terá condições de promover um atendimento integral a todos aqueles que,

de alguma forma, necessitam do suporte dos Poderes Públicos.

Inúmeras decisões judiciais vêm obrigando os entes governamentais a

fornecerem determinados medicamentos, ou a executarem procedimentos médicos,

cujos aportes financeiros para efetuar tais pagamentos chegam a alcançar cifras

astronômicas. Assim, os responsáveis pela representação judicial dos entes estatais,

passaram a procurar argumentações alternativas que pudessem apresentar uma

solução jurídica aceitável. Capaz de impedir que estas situações viessem a se

concretizar, com um ingente prejuízo para o funcionamento das estruturas

governamentais. Solução que, no caso, é dada pela adoção do princípio da reserva

do possível. Que procura estabelecer alguns marcos regulatórios para a emissão de

ordens judiciais, tendentes a obrigar o Poder Público a dar efetividade a certa

categoria de prerrogativas instituídas em favor das pessoas em geral.

Posto que, por mais que uma norma jurídica esteja inserida no próprio

Texto Constitucional, ela somente poderá alcançar sua efetividade se estiverem

presentes as condições fáticas e jurídicas capazes de lhe conferir esta eficácia. Pois,

caso contrário, na ausência deste contexto favorável e imprescindível à sua

realização, por mais nobre que fosse a intenção do mandamento legal, ninguém

poderá ser forçado a cumprir suas diretrizes. Com efeito, para a implementação de

certas diretrizes legais (sejam constitucionais ou infraconstitucionais), principalmente

no que tange àquelas que exigirão iniciativas positivas (ativas) e materiais do Estado,

cumpre que os Órgãos Jurisdicionais atentem para a circunstância de haver ou não

meios materiais disponíveis para sua concretização.

Como, ademais, bem esclarece Canotilho (2003, p.133), para quem a

plena realização dos direitos sociais, econômicos e culturais deve ser examinada

segundo os parâmetros desta “reserva do possível”, pois estão intimamente

dependentes dos recursos econômicos necessários para sua efetivação. Motivo pelo

qual sua concretização estaria vinculada ao montante de aportes financeiros, capazes

de serem mobilizados para o cumprimento desta finalidade. Não há como se fugir da

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constatação de que a concretização dos direitos previstos nas legislações demandam

– quase sempre – um determinado custo financeiro.

Nos ensinamentos de Cléve (2004), um bom caminho para cobrar a

realização progressiva dos direitos sociais é o das ações coletivas, especialmente,

das ações civis públicas. Tratar-se-ia de compelir o Poder Público a adotar políticas

públicas para, num determinado espaço de tempo (cinco ou dez anos), resolver o

problema da moradia, do acesso ao lazer, à educação. É claro que, neste caso,

emerge o problema orçamentário. Entretanto, cabe ao Estado contemplar no

orçamento dotações específicas para tal finalidade, de modo a, num prazo

determinado, resolver o problema do acesso do cidadão a esses direitos. Desta

forma, tratar-se-ia de exigir do Poder Público o cumprimento da lei orçamentária que

contenha as dotações necessárias (evitando, assim, os remanejamentos de recursos

para outras finalidades). Sem esquecer que o orçamento é lei que precisa ser

cumprida pelo Poder Executivo.

Assim sendo, ao se afirmar que vivemos em um Estado Democrático de

Direito e que a saúde, neste aspecto, funciona como pressuposto de vida, esta deve

ser buscada por todos. Cabe, portanto, à sociedade organizada ver o direito à saúde

efetivado.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo se propôs a abordar o problema da Seguridade

Social e a efetivação do direito à saúde no Brasil, buscando vislumbrar algumas

alternativas para sua consecução.

O ordenamento normativo constitucional não é perfeito, mas

certamente representa um grande avanço em termos de Constituição de um Brasil

moderno, já que se adota como ideário um modelo de proteção social assentado na

proposta da Seguridade Social.

Assim, grandes foram as conquistas em termos de proteção social no

decorrer da histórica, pois há menos de um século não se tinha sequer a garantia

efetiva do Estado quanto às prestações de assistência social, enquanto que hoje se

caminha, a passos largos, para o ideário da Seguridade Social, assentada no bem-

estar e na justiça sociais, esbarrando apenas em pressupostos fáticos, que com muito

luta e empenho serão batidos.

A Saúde, como uma das facetas desse sistema de Seguridade Social,

ainda que não arraigada com técnicas de medidas preventivas, também delineou

importante evolução, abrangendo o maior número possível de protegidos, bem como

selecionando e distribuindo suas prestações de forma a atingir o ideário do sistema de

seguridade social.

Face aos referenciais teóricos analisados, conclui-se que o direito à

saúde se consubstancia em um verdadeiro direito fundamental social e direito público

subjetivo, assim destacado e amparado em nossa Lei Maior. Entretanto o mesmo não

está sendo considerado e efetivado conforme preconizado nos dispositivos

constitucionais que o permeiam.

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É diante da atual concepção de saúde, submetida a várias alterações

ao longo da história, que se pretende demonstrar a relevância da efetivação do direito

à saúde, em especial, após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Percebe-se que o conceito, outrora defendido, de que saúde era

sinônimo de ausência de doenças não mais se justifica perante os preceitos do

Estado Democrático de Direito brasileiro. O pacto federativo brasileiro é fortalecido e

fomentado pela presença e pela atividade do município, nas políticas públicas que

envolvem a saúde.

O direito à saúde é um direito do indivíduo frente ao Estado, bem como

direito daquele frente aos demais de sua espécie. Neste sentido, deve ser aplicado

tanto na função de defesa, como na função de proteção e prestação.

Considerado pela nossa Carta Máxima, dever do Estado (compreendido

em todas as suas esferas), o direito à saúde é elevado à condição de princípio

constitucional de justiça social. A política social e econômica assinalada pela

Constituição Federal para a efetivação do direito à saúde no Brasil é o Sistema Único

de Saúde (SUS). Enfatiza-se o Programa de Saúde da Família, criado pelo Ministério

da Saúde em 1994, que apresenta características estratégicas para o Sistema Único

de Saúde (SUS) e aponta possibilidades de adesão e mobilização das forças sociais e

políticas em torno de suas diretrizes. Isto possibilita integração e organização das

ações de saúde em território definido. A finalidade é propiciar o enfrentamento e a

resolução de problemas identificados, pela articulação de saberes e práticas com

diferenciados graus de complexidade tecnológica, integrando distintos campos do

conhecimento e desenvolvendo habilidades e mudanças de atitudes nos profissionais

envolvidos.

No entanto, o SUS, como política não consegue alcançar seus

objetivos constitucionais devido a uma série de descasos do Poder Público – há

detrimento de interesses sociais, em algumas administrações municipais, por

interesses particulares - resultando um tecido social permeado de mazelas, tornando

a saúde um direito fundamental de difícil efetivação.

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Aceitar a idéia de que a prestação estatal positiva em favor da saúde

humana está condicionada à existência de recursos nos cofres públicos, é o mesmo

que afirmar que o direito existe somente no plano formal e, mais, é fulminar a

existência e dignidade humana. Por óbvio que este não pode ser o raciocínio

aplicado, posto que, neste caso, o direito à saúde é uma manifestação da própria

vida, logo um direito de defesa do indivíduo, instrumento para a preservação da vida

humana. Mas, por outro lado, há de ser observado o princípio da reserva do possível.

A municipalização da saúde, estabelecida na Constituição Federal

(Artigo 30, VII) e na Lei Federal 8.080 (Artigo 7°, IX, a), compreende sob dois

aspectos: a habilitação, o que significa dizer que os municípios assumem a

responsabilidade total pela gestão do sistema de saúde em seu território, e a

descentralização, onde os municípios assumem a gerência das ações e serviços de

saúde.

Com a municipalização, o município passa a ser o responsável

imediato pelas necessidades de saúde de seus munícipes, porém não o único. Ou

seja, a municipalização não exime os demais poderes públicos (União, Estados e

Distrito Federal) e a sociedade da co-responsabilidade pela saúde. (CF, Artigo 194,

caput).

Diante da negativa/omissão do Estado em prestar o atendimento à

população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos

necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de

emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado

(STF, AG nº 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ.11/05/99,STJ,RESP

nº249.026/PR, Rel.Min. José Delgado,DJ 26/06/2000).

Tendo em vista as particularidades dos casos em concreto, faz-se

imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios

de ordem ético-jurídica conduzam ao único final justo: decidir pela preservação da

vida.

Não há aceitar o apego de forma rígida, à letra fria da lei, e sim,

considerá-la tendo-se em vista a intenção do legislador, sobretudo perante preceitos

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maiores preconizados na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à

dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas

dos cidadãos.

Conclui-se, portanto, que a efetivação de direitos sociais, especialmente

o direito à saúde depende de ações do Poder Público, da sociedade organizada e do

Poder Judiciário, na prerrogativa de fazer valer os dispositivos constitucionais, dando

ao direito sanitário seu referido valor dentro da Lei Maior de 1988.

Conclui-se também que podemos falar de Saúde Pública em nosso

país, embora os obstáculos a sua efetivação decorram da escassez de recursos

financeiros e dos interesses de alguns administradores. As ações preventivas em

Saúde devem ser fortalecidas, sejam através de feiras e oficinas, ou através da

atuação dos agentes comunitários. A população carece de orientação, em especial

aos jovens, sobre programas como o combate às endemias (dengue, raiva,

leishmaniose e gripe aviária), controle da hipertensão e diabetes, tuberculose,

hanseníase, saúde do adolescente, PSF, planejamento familiar, saúde bocal,

atendimento ao idoso, DST/AIDS e saúde mulher.

As ações preventivas em Saúde não se resumem à implementação de

programas sociais, tampouco são de responsabilidade exclusiva do Estado. Pelo

contrário, a prevenção deve ser realizada através de programas e ações concretas

que podem e devem ser levadas a efeito pelos municípios e pela própria sociedade,

formando uma rede um trabalho onde, ao mesmo tempo, as comunidades passem a

desempenhar um verdadeiro protagonismo.

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