Ser quilombola, Ser de Pinhões: dinâmicas de autonomia ... · produção de localidade, das...

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1 Ser quilombola, Ser de Pinhões: dinâmicas de autonomia, resistência e territorialização 1 Dias, Lúnia Costa 2 Resumo O presente artigo se apresenta como um resultado parcial de uma reflexão em curso na pesquisa de mestrado em desenvolvimento. Nesse sentido apresentamos alguns apontamentos em torno da análise dos processos envolvidos na afirmação da identidade quilombola na comunidade de Pinhões localizada no município de Santa Luzia, Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG. Dentro da proposta do GT de fomentar o debate crítico em torno dos 25 anos da Constituição de 1988 e os direitos quilombolas nos propomos pensar as questões em torno da afirmação da identidade quilombola na comunidade de Pinhões sobre o ponto de vista dos moradores numa incursão sobre percursos históricos buscando constituir minimamente algumas das relações constituintes da comunidade. Nesse exercícios entendemos que as significações em torno da identidade quilombola se fazem a partir e através das experiências historicamente constitutivas do grupo num exercício dinâmico de autonomia, resistência e territorialização. Palavras-chave: identidade, etnicidade e territorialização ______________________________________________________________________ A noção própria constituite da ideia de quilombo, juridicamente falando “remanescentes dos quilombos”, carrega em si a articulação entre as noções de 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 3 e 6 de Agosto de 2014 em Natal/RN, no GT69 Quilombos no Brasil: 25 anos da de direitos na Constituição Federal de 1988 (coordenadores: Osvaldo Martins de Oliveira/UFES e Aderval Costa Filho/UFMG. Artigo construido a partir da pesquisa de mestrado em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Antropológia da UFMG, sob orientação da professora Doutora Andréa Zhouri com financiamento da CNPQ/CAPES. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFMG - Brasil.

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Ser quilombola, Ser de Pinhões: dinâmicas de autonomia, resistência e

territorialização1

Dias, Lúnia Costa2

Resumo

O presente artigo se apresenta como um resultado parcial de uma reflexão em curso na

pesquisa de mestrado em desenvolvimento. Nesse sentido apresentamos alguns

apontamentos em torno da análise dos processos envolvidos na afirmação da identidade

quilombola na comunidade de Pinhões – localizada no município de Santa Luzia,

Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG. Dentro da proposta do GT de fomentar o

debate crítico em torno dos 25 anos da Constituição de 1988 e os direitos quilombolas

nos propomos pensar as questões em torno da afirmação da identidade quilombola na

comunidade de Pinhões sobre o ponto de vista dos moradores numa incursão sobre

percursos históricos buscando constituir minimamente algumas das relações

constituintes da comunidade. Nesse exercícios entendemos que as significações em

torno da identidade quilombola se fazem a partir e através das experiências

historicamente constitutivas do grupo num exercício dinâmico de autonomia, resistência

e territorialização.

Palavras-chave: identidade, etnicidade e territorialização

______________________________________________________________________

A noção própria constituite da ideia de quilombo, juridicamente falando

“remanescentes dos quilombos”, carrega em si a articulação entre as noções de

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 3 e 6 de

Agosto de 2014 em Natal/RN, no GT69 Quilombos no Brasil: 25 anos da de direitos na Constituição Federal de 1988 (coordenadores: Osvaldo Martins de Oliveira/UFES e Aderval Costa Filho/UFMG. Artigo construido a partir da pesquisa de mestrado em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Antropológia da UFMG, sob orientação da professora Doutora Andréa Zhouri com financiamento da CNPQ/CAPES. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFMG - Brasil.

2

autonomia e resistência3, noções por si só articuladas. No processo de construção da

Constituinte de 1988, resultado de lutas políticas envolvendo movimentos sociais e a

participação de acadêmicos, que cuminou na elaboração do Artigo 68 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias e posteriormente na elaboração do Decreto

4887/2003 que regulamenta o artigo4, o conceito de quilombo se fez aberto a novas

significações quando sustentado pela noção de etnicidade embutida no dispositivo de

autoatribuição (O‟DWYER, 2002).

Sustentado sobre as bases teóricas defendidas por Fredrik Barth (1997) da

conformação de grupos étnicos, a autoatribuição prevê uma organização social em

direção a delimitação de fronteiras definidoras do grupo no processo de diferenciação

em contextos étnicos. Nesse sentido a situação de etnicidade pressupõe relações de

antagonismo, principalmente em relação aos movimentos homonegeizadores dos

Estados-nação, colocando a autoatribuição de uma identidade diferenciada na pauta do

dia para a conformação do grupo no seu exercício de afirmação de pertença e

autonomia. Os atributos de diferenciação, assim, se dão em sentido situacional de modo

a não conceber identidades substancializadas nem tampouco estanques.

Sobre a noção de cultura como uma dimensão processual, dinâmica e

interacionista (BHABHA,1998; HANNERZ,1997; APPADURAI, 2004) as noções de

grupo e comunidade se dão sobre a base de relações em multiplas escalas temporal e

espacialmente concebidas. É dizer, as experiências de pertencimento, de constituição e

reprodução social da comunidade se fazem a partir e através das diversas relações

historicamente situadas em multiplas escalas de sociabilidade, perpassando, inclusive,

pelos limites das noções de humanidade, grupo, natureza e cultura. Nesse sentido a

afirmação de uma identidade diferenciada em contextos étnicos se faz na conformação

de uma ação social, no sentido defendido por Weber, direcionada à organização social e

a definição de fronteiras no sentido nós-eles. Esse movimento no entanto, não acontece

3 Dizemos autonomia no sentido de se fazer sujeito do prórprio presente em relação a um futuro e,

nesse sentido a resistência aparece como movimento de negação a certas dinâmicas de dominação. 4 “Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é

reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” Decreto 4887 – “Art. 2 º Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.”

3

discolado das dinâmicas contitutivas do grupo, das experiências históricas (ERIKSEN,

2001) que orientam a ação social.

É nesses termos que pretendo analisar as formas de constituição e reprodução

social da comunidade de Pinhões perpassando pelo debate da afirmação da identidade

quilombola na comunidade. Tais dimensões, acredito, passam por dinâmicas de

autonomia, resistência e territorialização, no sentido de fazer-se comunidade e de

produzir localidade (APPADURAI, 2004). Assim pergunto: como é significada a

identidade quilombola em Pinhões? Quais os elementos são acionados no debate em

torno de tal afirmação? Quem defende que é uma comunidade quilombola e por que

defende isso?

Nesse sentido este texto será desenvolvido através de um percurso que propõe

articular dimensões de uma história do lugar, ou seja, da produção de localidade, no

termos defendidos por Appadurai (2004), traçando possíveis experiências e relações

constitutivas de Pinhões. Partimos do pressuposto, assim de que a localidade se faz

“como uma qualidade fenomenológica complexa constituída por uma série de vínculos

entre o sentido da imediatidade social, a tecnologia da interactividade e a relatividade

dos contextos” (APPADURAI, 2004, p.238). Pretendemos, assim, apresentar breves

análises, de uma pesquisa ainda em desenvolvimento, das dimensões constitutivas da

produção de localidade, das dinâmicas que fazem de Pinhões lugar, comunidade, nos

termos dos moradores. Entendendo que o lugar é produzido a partir e através de

relações de multiplas escalas e naturezas constituidas espaço-temporalmente e como

dentro de tais dinâmicas e contextos aparece a afirmação da identidade quilombola

articulada as noções de autonomia, resistência e territorialização.

***

Pinhões é um bairro localizado no município de Santa Luzia, Região

Metropolitana de Minas Gerais, a aproximadamente quinze (15) quilometros da sede do

município e conta com atendimento diário de transporte público, o que permite o

trânsito dos moradores para a sede do município e para a capital do estado, Belo

Horizonte5. São três as linhas que atendem a comunidade, duas destas estabelecidas em

5 Este trânsito foi historicamente realizado pelos moradores principalmente pelas balaieras (mais

adiante será dada mais atenção a este fato) que caminhavam a pé com os balaios na cabeça até a sede do município onde tomavam o trem com destino a Belo Horizonte, estação do Horto/estação central.

4

resposta à demandas dos moradores, que historicamente têm algumas de suas atividades

de trabalho fora dos perímetros da comunidade6.

A comunidade conta com uma unidade de posto de saúde e uma escola estadual

que atende até o Ensino Médio e tem aulas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no

período noturno. A escola recebe o nome de Escola Estadual Padre João de Santo

Antônio, o padre indicado por alguns moradores como „fundador‟ da comunidade,

sendo este responsável pela construção da Igreja de Nossa Senhora do Rosário,

padroeira da comunidade. A escola de Pinhões recebe auxílio merenda por ser

reconhecida como escola quilombola7. Em Pinhões há também o espaço da quadra

poliesportiva coberta que se constitue como um espaço de interação social. A quadra é

gerida por um grupo de moradores (equipe de acordo com a termilogia local), formado a

patir da indicação do pároco responsável pela igreja da comunidade já que a quadra foi

construída em é um espaço da igreja sedido para a construção da quadra como espaço

para a realização das atividades físicas da escola, bem como para a realização de festas e

grandes reuniões8. A comunidade conta com três associações civis com

representatividades distintas: a Associação dos Produtores Rurais de Pinhões,

responsável pela coleta do leite produzido na região, que é armazenado em um tanque

na própria comunidade e recolhido pela empreza Itambé; a Associação do Loteamento

organizada pelos moradores residentes no loteamento realizado pela prefeitura na

comunidade9; e a Associação Cultural das Mulheres de Pinhões

10 fundada com o intuito

6 4135 – linha que circula em 3 horários diários da comunidade até a estação de metro São Gabriel; 913

– linha de maior circulação com dois trajetos distintos entre a comunidade e a sede do município, Santa Luzia, atendendo também a comunidade do Engenho, localizada a aproximadamente 10 km da comunidade em sentido Jaboticatubas-Taquaraçu de Minas; 4125 – linha especial para atender as balaieiras, com percurso que atende a comunidade em apenas um horário pela manhã retornando a tarde com as trabalhadoras (entre balaieiras e domésticas/diaristas), esta linha deixa as balaieiras em seu ponto de trabalho em Belo Horizonte, na Rua Ponte Nova esquina com a Jacuí. Os moradores podem contar ainda com a linha Belo Horizonte-Jaboticatubas (5582) que circula nos dias úteis de hora em hora nos horários de pico. 7 Em buscas de informação da Escola pela internet identifiquei que a escola de Pinhões recebe auxílio

como escola quilombola. Dado a ser averiguado ao longo do desenvolvimento desta pesquisa, já que Pinhões não se autoreconheceu como remanescente quilombo não possuindo o registro da Fundação Cultural Palmares. 8 A quadra foi ocnstruída pelos próprios moradores através de mutirões, assim como a reforma de

cosntrução da corbertura da quadra, na qual os materiais foram conseguidos através de doações, algo que é contado com muito orgulho que se empenham nos exercícios de negociação do uso da quadra com a igreja e com as demais organizações da comunidade como a Associação Cultural das Mulheres de Pinhões (desenvolveremos mais a fundo sobre esta Associação em especial mais adiante). 9 Ainda não tive acesso a data e ao processo que gerou o loteamento no bairro.

10 Fundada em 2009 como resultado de diálogos e oficinas promovidas pelo CEDEFES.

5

de conduzir os debates sobre a afirmação da identidade quilombola e a valorização da

negritude focando na produção de uma cosnciência negra e do estabelecimento de

diálogos com o poder público local para a resposta de demandas da comunidade.

Na rua principal da comunidade há serviço de esgoto e em toda a comunidade a

água é distribuida pela COPASA11

que tem um poço de distribuição de água localizado

na própria comunidade. Apesar da presença da COPASA são muitas as casas que não

contam com saneamento básico para coleta de esgoto servindo-se de fossas. Apenas as

ruas principais da comunidade (três) são asfaltadas, de modo que as outras quatro são de

terra ou de calçamento. Pinhões é composta de aproximadamente 40012

famílias,

segundo os moradores. Sendo este número muito próximo do número de domicílios,

mais do que das famílias que compõem a comunidade, já que as famílias são extensas e

se concentram em regiões específicas da comunidade.

Pinhões se constituiu a partir dos trabalhadores e escravos13

de duas grandes

terras vizinhas, situando-se na fronteira, ou melhor nas extremas, para utilizar a

categoria local, estre a sesmaria do Mosteiro de Macaúbas e a Fazenda de Bicas. O

Mosteiro de Macaúbas tem sua construção datada de 1714, o que revela uma

longeividade no tempo de povoação da região14

. O Mosteiro foi construido por dois

irmãos vindos de Alagoas que compraram o terreno onde se localiza o Mosteiro e outros

tantos alqueires de terra foram sendo conseguidos com a justificativa da realização de

atividades para o sustento do Mosteiro15

. Os irmãos fundadores do Mosteiro vieram em

comitiva com suas filhas e filhos bem como munidos de escravos. Antes mesmo da

construção do Mosteiro este obteve autorização para vestir o hábito de Nossa Senhora

da Conceição, da qual os irmãos eram devotos.

11

Agência de distribuição e tratamento de água do estado de Minas Gerais. 12

Segundo CEDEFES, no projeto Quilombos Gerais de mapeamento das possiveis comunidade quilombolas de Minas Gerais, Pinhões é a segunda comunidade com maior número de moradias (350), ficando atrás penas de Brejo dos Crioulos (483) (CEDEFES, 2008). 13

Trabalhamos com essas duas categorias em consoancia aos discursos dos moradores que transitam entre ambas, afirmando-se descendentes de escravos em situações de construção lógica muito mais que de reconhecimento. Este uso será analisado mais adiante no texto. 14

Segundo Galizoni o tempo de povoamento está intimamente ligado solidez das formas de apropriação da terra e com a oferta de recursos (GALIZONI, 2000 – dissertação de mestrado USP) um ponto relevante para se pansar a solidez das relações constitutivas da ‘comunidade’ de Pinhões. 15

Dados construídos ao longo de análises no Arquivo Público Mineiro e no Memorial da Arquidiocese de Belo Horizonte, nos foi possível identificar apontamentos de cartas trocadas com Rio de Janeiro e com um Padre chamado Padre Lana, em Portugal para a aquisição de terras no formato de sesmarias e para as atividades de colégio de moças no Mosteiro.

6

A construção do Mosteiro, assim, foi um fato relevante para a região e não foi

diferente para história de Pinhões. Ao conversar com os moradores sobre a origem da

comunidade, todos afirmam que Pinhões surgiu dos escravos e trabalhadores do

Mosteiro e da Fazenda de Bicas, duas grandes terras das quais Pinhões está na „extrema‟

de ambas:

Pesquisadora: então foi o dono da Fazenda de Bicas que cedeu a

terra para o pessoal que trabalhava fazer as casas...

-É...a terra era até aqui, (aponta para o fundo da sua casa) era

enorme minha filha...

Pesquisadora: A Fazenda vinha de lá do final de Santa Luzia....é isso

mesmo?

- É Você sabe ali vindo pra cá, onde tem uma igrejinha ali na beira da

estrada?[local identificado pelos moradores como FECHO] É de

Nossa Senhora da Conceição, pois é, dali pra cá tudo era deles...[...]

A extrema era aqui oh....de Macaúbas era aqui. Então sabe ali onde

Alice16

mora, ali tudo era do Mosteiro de Macaúbas. Ali é Chácara,

que o dono que comprou uma parte na mão das irmãs chacriou, mas a

extrema de Macaúbas é ali oh...ainda não é bem na casa de Alice não,

é no fundo da casa de Alice.

Pesquisadora: eram duas grandes terras, e vocês ficavam no meio e

trabalhavam nas duas?

-É, então tinha escravo de Macaúbas e escravo da Fazenda Bicas e

foi aí que formou esse povoado de Pinhões. 17

As „extremas‟ são marcadores dos limites entre as terras sobre as quais a

comunidade se constituiu. Estes limites estão vivos nas memórias dos moradores que

são capazes de localizá-las e que o fazem sempre que indagados sobre a história da

comunidade.

A narrativa de outra moradora, Dona Elisa Azevedo18

sobre a história da

comunidade se mostra muito específica em relação às demais narrativas, já que ela

realizou uma pesquisa sobre a genealogia de sua família e identifica uma figura

feminina que teria gerado três diferentes famílias que constituem a comunidade de

Pinhões:

16

Os nomes são fictícios, a utilização dos nomes reais será discutida com os moradores no contexto de realização do trabalho de campo de maior fólego que será realizado em Junho/Julho deste mesmo ano, 2014. 17

Entrevista realizada com uma moradora de pInhões identificada pelos moradores como principal detentora da história da comunidade, atual presidente da Associação Cultural das Mulheres de Pinhões. Entrevista realizada em Agosto de 2012 no contexto de elaboração da Monografia de Conclusão de Curso. 18

Dona Elisa é uma senhora de aproximadamente 65, 70 anos, dona de casa.

7

Não se sabe precisar bem a data a gente sabe que foi numa década do

século XVIII. E naquela época era comum o governo arrumar terra pra

certas pessoas, arrendatários tomar conta de um tanto de terra e essas

terras eram chamadas de sesmarias. Então aqui tinha uma sesmarias

pertencente a fazenda das Bicas que era aqui e a divisa dessas fazenda era

aqui [aponta para o fundo do quintal] com a sesmaria do Mosteiro de

Macaúbas. Então o que se sabe é que aqueles escravos de mais confiança

dos senhores lá da fazenda das Bicas eles mandaram pra aqui pra vigiar

demarcação de terra, pra não haver invasão da sesmaria de lá pra cá, né.

Porque era em aberto né, não havia cerca de arame, nem muro, né. Então

o objetivo dos donos da sesmaria da Fazenda das Bicas era mandar os

escravos pra aqui pra servir de vigia, e eles é que foram os primeiros

moradores e o povoado foi criado daí, desses escravos que vieram. E

depois foi rolando um intercâmbio de casamento, de matrimonio dos

escravos daqui com os escravos da sesmaria de Macaúbas.

Bom, eu procurei saber a origem da minha família. A família do meu pai

eu procurei saber os antepassados, então eu fui até uma mulher chamada,

eu sei que o nome dela real era Ana, Essa Sá Aninha, ela deu origem a

família Azevedo, que é a minha que tem muito pouca gente,[...] porque a

Sá Aninha foi casada com um homem chamado João José e esse João José

foi numa festa do Divino em Macaúbas e dizem que foi morto lá [...] Essa

Sá Aninha inventou de ter outro filho com o nome de Marçal, [...] e esse

Marçal deu origem a família Diniz que é lá do Ambrósio. O povo lá.Aí

gerou a família Diniz, depois a Sá Aninha teve outro filho por nome de

Luciano, esse Luciano gerou a Pereira. Então a própria Sá Aninha tinha

uma geração com o nome Azevedo, a outra com o nome Diniz, eu não sei

se é cada homem que ela arrumava e esse Luciano gerou os Pereira. Então

esse não foi o primeiro morador daqui não, você entendeu, ele não foi o

primeiro, é descendente de escravo, sim, porque naquela época todo negro

era escravo, então não tem onde escapolir. E depois foi mistiçando né, que

foram casando procurando mulheres brancas né, pra casar e tudo, então

já foi misturando as raças.

É interessante pensar nas famílias que constituem a comunidade no sentido que

os moradores são identificados a partir deste registro que se mostra fortemente operante

em dois sentidos, na organização e distribuição das residências pelo território da

comunidade e nas festas realizadas na e pela comunidade19

. Quanto a distribuição das

famílias pelo território o local de residência se faz diretamente vinculado as relações de

trabalho/escravidão estabelecidas em relação às fazendas no entorno e ao Mosteiro:

...a família TELES, a família GERÔNIMO, [...] era escravo de

macaúbas[...]. Família SANTOS, que veio lá, da Fazenda Bicas, que

mora lá na Vagna, onde faz panelas[...] Pois é... tem os

CARVALHO[...] que veio de Lagoa Santa, [...] trabalhava também

pro...ali onde é Nana Bahia, então Nana Bahia também era de

19

Este ponto será abordado adiante.

8

Fazenda das Bicas.[...] Ali era um fazendão, aquela beirada de Rio,

ali, aquela ruazinha ali onde Lilicia mora, ali tudo ali era gente que

morava que trabalhava pra eles... ele, (morador do comunidade

conhecido como Zé Garotão) a família dele era da Alcatruz, Alcatruz

é aqui onde é o Aras, e lá também tinha escravo, né, na Alcatruz, lá

também tinha escravo, Fazenda Alcatruz20

.

As fazendas apontadas acima, como Alcatruz, por exemplo, a Naná Bahia e a

fazenda Santa Helena que será apontada adiante por Dona Elisa são de dimensões

menores que a Fazenda de Bicas acredito, sendo algumas delas inclusive repartições

desta. Naná Bahia, segundo Dona Elisa era a esposa de um dos herdeiros da Fazenda de

Bicas, e ela comandava junto com o marido um armazém que ficava nos âmbitos da

comunidade de Pinhões. Onde se localizava o armazém atualmente é uma praça, onde

se realiza o encerramento da Festa de Nossa Senhora do Rosário de Pinhões. O casarão

foi demolido e segundo uma das lideranças da Associação Cultural das Mulheres de

Pinhões, a secretária geral, eles lutaram para que este não fosse demolido, havia o

desejo de que o casarão fosse um centro cultural ou, porque não, a sede a Associação,

nas palavras da liderança.

Quando indagados sobre a origem da comunidade aos moradores21

as narrativas

apontam para a construção da Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Pinhões como

marco incial de fundação. É interessante ressaltar que o início da construção da Igreja

data de 1900, um período pós-abolição, um dos indícios do trânsito entre as categorias

de trabalhadores e escravos. Quando „fundada‟ a comunidade não havia escravidão.

Além deste ponto, as relações assimétricas que a escravidão pressupõe são

transpassadas pelo lugar da Igreja na comunidade (civilizador e referência da

constituição de uma moral22

) e pelo discurso de benevolência em relação aos

fazendeiros e das multiplas famílias e relações constituintes da comunidade.

20

Entrevista realizada com a presidente da Associação Cultural das Mulheres de Pinhões, em Agosto de 2012 em contexto da elaboração da Monografia de Conclusão de Curso, Ciências Sociais, PUC-Minas. 21

Ingaguei sobre a origem e história da comunidade com moradores em sua maioria idosos e meia idade identificados como figuras conhecedoras da história local. Duas mulheres idosas, uma delas presidente da Associação Cultural das Mulheres de Pinhões, duas de meia idade também membros da Associação, Dona Elisa, um antigo pároco da Igreja da comunidade atualmente aposentado e residente na comunidade e o mestre da Guarda de Catopé da Comunidade. 22 Fala de Dona Elisa: Então filhos ilustres não tem, mas tem pessoas que foram muito notórias na

comunidade, por exemplo tem o Marcos Gerônimo, ele chamava Marcos Gerônimo da Conceição. Era um negro, sabia ler e escrever, só que o ele não sabia era regras gramaticais, concordancias verbais ele não entendia, mas lia e escrevia. E era um homem católico que na época ele, ele é descendente lá de Macaúbas, da sesmaria, lá ele era sacristão, ajudava o padre a celebrar em latim, aprendeu, sabe? Então ele era uma figura de muita importância na comunidade.

9

Vamos dizer assim que num tem uma família, uma geração com filhos ilustres não,

não tem, mas com o decorrrer dos anos que aqui não tinha igreja, não tinha

cemitério, não tinha nada, eles comemoravam no cruzeiro, acho que o nome era

uma cruz. [...] Então aqui eles botavam um cruzeiro então aí lá eles iam lá cultuar,

São João, São Pedro, Santo Antônio, Santa Cruz... E como era caminho de tropa,

de burro, o Padre João de Santo Antônio, ele é de Morro Vermelho, lá no

Município de Caeté, mas ele tava lá em Cordisburgo lá em Sete Lagoas.[...] Então

ele passando a cavalo que parece que ele tava indo pro Mosteiro né, ele viu o povo

numa festa lá no cruzeiro, porque o caminho de Santa Luzia entreva lá em Santa

Helena ali na frente, passava por dentro assim e saia lá no cemitério [local de

hoje, onde se localizava a cruz/cruzeiro dos festejos], não tinha essa estrada na

beirada do rio. Então ele passou lá e viu minha filha, cultuando um santo lá não

sei o que que era, mas a cachaça rolando e o tambor no batuque, e aí a hora que

um queria entrar no batuque o outro não queria sair ainda e aí é que virava a

briga de foice, e, o golo, né. Aí ele passou a cavalo e viu e perguntou pra eles se

eles tinham vontade de ter uma capela, pra festejar o santo. Eles falaram que

tinha. Ele falou então, eu vou prometer vocês que eu volto pra gente ver como é

que vai fazer uma capela aqui. Mas até acontecer vocês vão me prometer uma

coisa, podem vim aqui cultuar os santos todos que vocês estão cultuando, mas

vocês podem ficar aqui só até nove horas da noite, deu nove horas todo mundo tem

que ir embora pra casa. Não pode ficar. Uma maneira deles beber menos, ficar

menos tempo né, pra evitar briga. E ele voltou.23

Sobre o prisma de que a memória trabalha no exercício de construir identidades

e auto-imagem24

(NOVAIS,1983), estas são cosntruídas atráves de dimensões espaço-

temporais constituindo espaços e período(s)-âncora, de onde partem as referências

(WOORTMANN, 1998). O tempo de chegada do padre João de Santo Antônio e a

construção da Igreja de Nossa Senhora do Rosário podem ser pensandos sobre tal

perspectiva. É a partir deste espaço construído em um determinado período-âncora que

a comunidade se institue enquanto tal. Essa narrativa de fundação vem acompanhada

também da força da Igreja Católica na constituição da comunidade e na marcação de um

ato civilizador que organiza o batuque (candombe segundo o mestre da Guarda de

Catopé), os cultos, o espaço, com a construção da igreja, do cemitério, etc. Dimensões

constitutivas de uma forte relação que perpetua na comunidade assuimindo a Igreja o

lugar de principal „Outro‟ legitimador das práticas e condutas, foco de negociações

múltiplas, quais sejam, a utilização e gestão da Quadra, as festas e cultos realizados na

comunidade, a utilização dos espaços do Centro Catequético, para reuniões da

23

Fala de Dona Elisa entrevista realizada em Agosto de 2012. 24

“Auto-imagem [...] implica características não fixas, estremamente dinâmicas e multifacetadas que se transformam, dependendo de quem é o outro que se torna como refer~encia para a cosntituição da imagem de si e mais, de como as relações com este outro se transformam ao longo do tempo.” (NOVAES, 1983: 27,28 apud FILHO, 2008 – artigo apresentada na 26ª RBA)

10

Associação Cultural das Mulheres, por exemplo. Essas relações de negociação são

historicamente constituidas e revelam os limites da própria Igreja Católica quando tais

negociações são realizadas diretamente com o pároco responsável pela igreja local,

flutuando a cada novo pároco – quais festas religiosas passam pela igreja ou não; a

fundação da Guarda de conga na comunidade, um desejo expressado pelas mulheres,

principalmente aquelas que compõem a Associação, e agora será fundada num regime

tutelar em relação ao pároco e ao seminarista assistente que definiram as regras, músicas

e processos que envolvem a fundação de uma guarda, apesar de existir na comunidade a

Guarda de Catopé, que se faz exclusivamente masculina.

Na esteira dos breves apontamento realizados acima, que não serão

aprofundados neste texto por questões de espaço e consistência dos dados ainda em

construção, nos é possível afirmar que grande parte dos ex-escravos que

constituiram(cosntituem) a comunidade de Pinhões são apontados pelos moradores

como escravos da Igreja (Mosteiro de Macaúbas) ou escravos de confiança da Fazenda

de Bicas. Espaços estes com os quais os moradores ainda mantém relações na

constituição de Pinhões enquanto Lugar. Ao assimilar a escravidão a uma noção de

sofrimento e castigo, os moradores não acionam sua memória diretamente a um passado

de escravidão. Não foram castigados ou explorados pela Igreja ou pelos donos da

Fazenda que lhes sedeu o lugar de moradia:

Então porque Pinhões é uma origem de sesmaria, aqui ninguém tem

escritura, todo mundo tem posse. Porque a família lá da sesmaria, os

herdeiros, eles nunca quiseram, é, simplesmente deixaram, pra evitar de

pagar o imposto no INCRA, eles preferiram, abandonar aqui, tirar do

registro da parte deles, mas eles também não arrumou escritura naquela

época pra ninguém, né. Olha a quantos anos atrás, né. E aí porque, aqui é

uma posse, que todo mundo é, cada um foi fazendo seus ranchos, depois foi

melhorando a situação foi fazendo um barracãozinho melhor, mas

ninguém tem escritura. Mas existem regiões quilombolas onde o pessoal

quilombola enfrenta muita dificuldade com os fazendeiros daquela região

né. Mas o nosso não acontece isso porque a família que foram donos né da

sesmaria, os herdeiros, eles tem um carinho muito grande por Pinhões.

Então ninguém nunca teve vontade [de afirmar quilombola e disputar

terras].

Então a origem de Pinhões é essa, nós não sabemos quem foram os

primeiros moradores, mas sabemos que é, a comunidade aqui foi criada

por escravos que vieram morar aqui. Existe um impasse [silêncio], muita

gente não gosta de falar que a gente é descendente né, é remanescentes de

escravos entendeu. Principalmente aqueles que tem preconceito, que não

quer saber de falar que é negro. Como se isso fosse pecado.

11

As possibilidades do reconhecimento de uma identidade quilombola chegou na

comunidade de Pinhões através do CEDEFES em contexto da realização do “Projeto

Quilombos Gerais‟ que almejou identificar comunidades quilombolas no estado de

Minas Gerais. A realização deste projeto resultou na publicação de um livro

“Comunidades Quilombolas no estado de Minas Gerais no Século XXI: história e

resistência” e na conformação da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas

Gerais, N‟Golo. Foi a partir da indicação de uma liderança do Movimento Negro de

Santa Luzia que o CEDEFES foi informado de Pinhões e estabeleceu diálogos com a

comunidade no sentido de informar sobre as possibilidades da afirmação da identidade

quilombola. Este contato se deu entre os anos de 2006 e 2009 e cuminou na formação

da Associação Cultural das Mulheres de Pinhões, fundada em 2009, ano que iniciaram

meus contatos com a comunidade, também estabelecidos via indicação do CEDEFES de

um rico campo de vivências em torna da afirmação da identidade quilombola na Região

Metropolitana de Belo Horizonte.

Foram idas e vindas em relação a afirmação da identidade diferenciada. Em um

primeiro momento a Associação Cultural das Mulheres de Pinhões se apresentou à

comunidade em uma festa realizada em homenagem ao dia das mulheres com o seguinte

nome: Associação Quilombola das Mulheres de Pinhões. Vários foram os debates,

internos à Associação sobre as categorias, quilombola, cultural e mulheres pressupostas

nos possíveis nomes da Associação e, ao registrar-se enquanto associação civil em

2010, o nome assumido, então, foi Associação Cultural das Mulheres de Pinhões. Ao

interpelar os membros da Associação sobre a retirada do termo quilombola da

Associação foi-me informado de que a questão da comunidade ser quilombola não era

um consenso na comunidade. Como a Associação se pretende representativa da

comunidade nos diálogos com o poder público local, não se podia colocar algo que não

era(é) consenso. Ainda segundo as lidenranças da Associação o termo cultural abrangia

a ideia de valorização da cultura local e da intensão em se trabalhar a consciência negra

na comunidade.

Os conflitos situados em torno da afirmação da identidade quilombola25

, em

conversa sobre o tema com a presidente da Associação e a partir dos dados apresentados

acima, giram em torno das disputas em relação ao reconhecimento do território da

25

Tais conflitos são objeto da dissertação de mestrado em desenvolvimento e portanto os dados etnográficos de descrição de tal situação ainda estão sendo forjados.

12

comunidade. As significações em torno da afirmação da identidade quilombola se

manifestam no sentido do entendimento de que o fim último de tal afirmação é a

regularização do território no formato de terras de uso comum. Segundo conversa muito

delicada com a presidente da Associação, no contexto inicial do debate com a presença

do CEDEFES ministrando palestras e oficinas houveram brigas entre irmãos e desunião

entre famílias inteiras sobre a sombra de que as terras se tornariam coletivas, com uma

gestão comum e fora das transações de mercado. Várias foram as falas sobre o fato de

que a terra, mesmo sobre o domínio de posse, era(é) o único bem, a reserva familiar em

caso de necessidade última.

Outro ponto de desconfiança em relação a afirmação da identidade quilombola

veio ao longo do período pós contato com o CEDEFES quando alguns projetos voltados

à comunidades quilombolas começaram a ser realizados na comunidade em parceria

com a Associação Cultural das Mulheres. Projetos que, segundo as lideranças já chegam

prontos e não podem ser discutidos com a comunidade para alterações no sentido de

uma execussão mais próxima das demandas locais. “Eles vem aqui, ganham dinheiro e

fazem tudo do jeito deles. Vê se pode servir coxinha pros convidados da festa? A gente

tem a nossa comida que servimos em dia de festa.”26

Nesse sentido, a afirmação da identidade quilombola foi significada pelos

moradores como uma perda de autonomia em relação a gestão de suas terras, a

condução dos projetos e resposta de demandas. A noção de terras de uso comum,

pressuposta juridicamente como fim último do reconhecimento como remanescentes de

quilombo, não se apresentou, neste primeiro momento, como um exercício de

autonomia, o que levou a uma certa resistência dos moradores a tal afirmação. A

questão quilombola, assim, se situou como um debate velado, conduzido

exclusivamente pela Associação Cultural das Mulheres de maneira indireta, ou seja, no

desenvolvimento de festas e homenagens ao dia das mulheres e ao dia da consciência

negra, nas quais se apresenta um discurso de valorização da cultura local.

Algumas das dimensões das experiências historicamente constitutivas da

comunidade apontam para tal significação da identidade quilombola e, principalmente a

26

Fala da liderança da Associação em menção a um projeto que realizou seu encerramento com uma festa na comunidade com a presença de todas as comunidades quilombolas envolvidas.

13

noção de terras de uso comum, além da diversidade de formas de ocupação do território

que compõem o bairro27

.

Uma dimensão importante e diretamente articulada às famílias e as alianças

entre famílias que se mostrou um campo a ser explorado são as configurações de uso da

terra. Em minhas incursões a campo, prévias ao trabalho profundo que como afirmado

anteriormente se sucederá, pude perceber algumas das dinâmicas do uso da terra para

plantação e criação. Em conversas com alguns moradores que revelaram uma memória

relativamente recente, já que são pessoas entre 40 e 60 anos, que em suas infâncias

trabalharam com seus pais e irmãos nas lavouras das fazendas que faziam, e algumas

ainda fazem, fronteira com a comunidade, no plantio de tomates, quiabo, cana, milho,

etc, no formato de plantio na meia e na quarta, no qual porcentagens de suas produções

eram entregues aos donos das terras como pagamento pela utilização da terra.

Atualmente as atividades de plantio, em geral, estão condicionadas a pequenas

produções para uso doméstico realizadas em lotes de cunhados, irmãos e sobrinhos, até

onde tive acesso. Plata-se um pouco de milho no lote sem área construída, divide-se os

fundos da casa para criação de gado com o cunhado, três cabeças de um e quatro do

outro, enquanto o capim para tratar do gado é plantado no lote de um primo, e assim por

diante. São relações que se mostraram interessantes e que ainda se fazem muito

insipientes enquanto dado, mas revelam um ethos camponês resistênte mesmo às

atividades de trabalho na cidade de Belo Horizonte e Santa Luzia realizadas pelos

moradores, muitos destes pedreiros, trabalhadores em firmas em Santa Luzia,

empregadas domésticas e diaristas em Belo Horizonte geralmente, etc.

Tais dinâminas apresentadas acima, somadas ao histórico de formação da

comunidade, sustentam a hipótese de que Pinhões se constituiu enquanto “chão de

morada” (WOORTMANN, 1990; WOORTMANN, 1983). As atividades de trabalho se

constituiram historicamente fora dos limites de moradia, nas lavouras e fazendas do

entorno, através de cultivos na meia e na quarta como já apontado acima, bem como na

cidade. Restringem-se aos limites da comunidade pequenos plantios de hortaliças e

pequenas criações no modelo do “sítio camponês” (WOORTMANN, 1983), produção

27

Em Pinhões há um grande hotel fazenda situado ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e que compreende uma grande área de mata com lagoa e pesque-pague. A comunidade está sercada, também de pequenas chácras de fim de semana, os sitiantes como nomedos pelos moradores; além da presença de um Aras, do loteamento e de fazendas de médio e grande porte em seus limites.

14

esta escoada pelas balaieiras, que tecem dinâmicas de troca e produção na comunidade

produzindo territorialidades múltiplas que alcaçam a capital do estado.

As balaieiras são mulheres que a gerações (a atividade já está complentando sua

terceira geração) levam verduras, frutas e doces em balaios de palha, tradicionalmente

produzidos na comunidade, para vender em Belo Horizonte na Rua Ponte Nova, esquina

com Rua Jacuí no bairro Floresta:

Pesquisadora.: e a senhora estava trabalhando? Todo mundo falou que a senhora

demorava pra chegar...

-É, eu sai pra Belo Horizonte. Eu era pequena e minha mãe ia pra Belo Horizonte

vender as coisas, pra Lagoa Santa, atravessava o rio La embaixo, com balaio na

cabeça, atravessa o rio em barca pra levar balaio com panela de barro pra vender

em Santa Luzia, Lagoa Santa...

Pesquisadora: é...e a senhora levava o que....

-Panela de barro pra vender em Lagoa Santa,depois a gente foi crescendo e

mamãe ia muito em Lagoa Santa e mamãe criou a gente assim sabe, ia muito a

Belo Horizonte, num tinha ônibus nem nada não, a gente ia a pé, daqui até Santa

Luzia e pegava trem de ferro na estação de Santa Luzia. Muito trabalhoso não

tinha asfalto nem nada era estrada de chão, aquele matão assim, e a gente ia com

a mão assim, e o capim abria, a gente ai, eu era pequena com o balaio na cabeça

sabe... aí a gente ia e chegava lá e descia lá na estação do Arruda, lá perto do

Perrela... [...] É...ali no Santa Efigenia...aí a gente descia ali, a mamãe punha os

balaio na cabeça e eu ia atrás, tinha mais donas de idade que já morreu sabe, mas

igual hoje a gente ainda vai pra Belo Horizonte vender, mas é outra turma, morreu

os velhos e a gente ficou no lugar dos velhos, já morreu muita da minha idade

também, as velhas vão morrendo e os filhos vão ficando no lugar, sabe, é tradição.

P.: e a senhora vende o que lá hoje?

-Hoje, eu fui lá, a gente vende verdura, fruta, vende doce, vende ovo...

P.: aonde?

- Lá na Floresta, na Rua Ponte Nova com Salinas, cruzamento ali de jacuí com

Salinas e Ponte Nova, é lá que a gente vende, em frente a porta da Igreja São

Pedro. De terça a sábado tem gente lá... todo dia tem gente lá. Então a gente não

leva quando igual esses dias aí pra trás que deu muita chuva, acabou com as

plantas, com as hortas tudo. Igual, pega de outros quintal, igual de vizinho que

vende pra gente, do meu filho que tem quintal, tem gente que dá pra gente...então é

assim. Doce mesmo eu desde 9 anos que fazia pra vender, pra ajudar mamãe que a

gente morava numa casa de pau a pique com cipó tampado de barro, e dois

cômodos só, mamãe nos criou assim, mas era oito filhos, aí depois que eu cresci eu

fui trabalhar na roça que eu falei mamãe vão fazer uma casa e ela disse uai tem

jeito não minha filha nós vão é passar fome, de jeito que nós vai fazer....falava o

belo, num falava belo horizonte não, de que jeito que nós vai pro belo vender essas

coisas aí nós vai arrumar um jeito de fazer casa... ah não nós vai fazer sim mãe,

deus vai ajudar que nós vai fazer. Aí minha filha, eu era solteira ainda, eu mais

mamãe fizemos uma casa de quatro cômodos, é de quatro cômodos, aí depois que

eu casei e os meus meninos ficaram grande é que eles fizeram essa casa.28

Assim, as balaieiras são parte de uma teia de trocas de produtos bem como

figuras importantes na constituição da comunidade nos seus vínculos estabelecidos em

28

Entrevista realizada com Dona Doralice, balaieira, em Janeiro de 2012.

15

Belo Horizonte. Muitas mulheres que trabalham hoje em Belo Horizonte como

empregadas domésticas ou diaristas foram indicadas pelas balaieiras a suas clientes.

Muitas mulheres escolarizadas da comunidade fizeram seu processo de escolarização

em Belo Horizonte morando e trabalhando em „casa de família‟. As balaieiras, assim,

estabelecem uma rede constituida e alimentada a gerações. Rede esta que configura uma

territorialidade interessante que extrapola os limites físicos-geográficos da comunidade.

Outro ponto interessante das balaieiras é que em sua maioria são mulheres, o que

configura numa rede de fluxo de mulheres, são elas que extrapolam mais longicuamente

temporal e espacialmente falando os limites da comunidade, trazendo novidades e

perspectivas para a comunidade como um todo. São as balaieiras também que ainda

hoje transportam as roupas para lavar. Muitas delas eram lavadeiras ou passavam o

serviço para suas irmãs, primas e tias. Um fato que, apesar de não mais acontecer na

beira do Ribeirão Vermelho com muita cantoria ainda mantêm uma rede de encomendas

para lavar, passar e/ou engomar29

. O ônibus das balaieiras, o 4125, vai e vem de Pinhões

diariamente repleto de balaios e trouxas de roupas e regado de boas conversas e risadas,

um espaço de interação e socialização.

Uma outra dimensão que revela alianças e dinâmicas de conformação familiar,

além de se constituir como um espaço privilegiado pela comunidade para a produção e

transmissão viva das histórias, são as festas. Podemos dizer, que Pinhões é uma

comunidade em festa! Com um vasto calendário anual festivo, Pinhões tem como sua

principal festa a Festa de Nossa Senhora do Rosário de Pinhões, um grande

evento/ritual que organiza um calendário anual de atividades, de outubro a outubro,

quando acontece a Festa em si. São três dias de festa no mês de outubro, sempre num

sábado, domingo e segunda-feira, além da novena que antecede estes dias. Compõe o

calendário anual da festa de Nossa Senhora do Rosário também uma peregrinação com

a imagem de Nossa Senhora do Rosário pelas casas da comunidade. A peregrinação

inicia-se em Maio, numa região mais rural da comunidade conhecida como Mata

Virgem, ou Pau D‟Óleo, e se encerra numa visita ao Mosteiro de Macaúbas e as casas

em seu entorno, estas responsáveis pela manutenção dos roçados e criação do Mosteiro.

A Festa de Nossa Senhora do Rosário conta com a participação da Guarda de Catopé da

29

Segundo os moradores o Ribeirão Vermelho hoje se encontra poluido demais para desenvolver essas atividades assim como outras, como os banhos de diversão: “hoje não dá mais pra ir se banhar no rio” (fala de uma moradora, antiga lavadeira).

16

comunidade, composta apenas por homens de todas as idades. A Guarda conta com um

número aproximado de cem integrantes sendo mantida pelas promessas, geralmente

realizadas pelas mães à Nossa Senhora do Rosário e tem como pagamento o ingresso do

filho na Guarda. Após sete anos de participação na Guarda é firmada a irmandande

entre membros. Como uma das conclusões apresentadas na monografia30

pude perceber

que tanto a peregrinação como a Guarda de Catopé realizam percursos pelo território da

comunidade, percursos estes que extrapolam as extremas, tecem histórias, atualizam

relações sociais e sagradas responsáveis pela constituição da comunidade.

Outra dimensão interessante da Festa de Nossa Senhora do Rosário é o fato de

que ela sempre é produzida por um casal de festeiros, que não necesseriamente precisam

ser casados, em verdade quase nunca se configura como um casal de noivos, já que

estes devem pertencer a mesma família, em geral são mãe e filho, primo e prima, tia

sobrinho, etc. O casal festeiro é revelado sempre no penúltimo dia de Festa (o

domingo), onde são passados os bastão e coroa de um rei e rainha a outro. A definição

do casal festeiro é feita em negociação com o padre responsável pela Igreja da

comunidade e com as coordenações da igreja, e em geral os festeiros realizam a festa

num movimento de promessa a santa. Para realizar a Festa o casal mobiliza uma rede de

parentes e conhecidos para conseguir doações de alimentos, de figuras decorativas, de

infraestrutura de palco, etc, além de compor „equipes‟ (categoria utilizada pelos

moradores) para a organização e produção da Festa – a equipe da cozinha que prepara o

almoço, a equipe da quadra que organiza e decora o espaço, bem como as equipes de

composição das procissões. Nesse sentido, as festas são verdadeiras narrrativas

localizadas socialmente sobre a história da comunidade. Cada festeiro tem certas

liberdades na composição de elementos da festa. Apesar de existirem elementos

„convencionalmente‟ obrigatórios, cada Festa é uma, de modo que nesse fazer/viver da

Festa de Nossa Senhora do Rosário os moradores, de uma forma ou de outra, em certa

medida estão conscientemente „inventando‟ seu modo de viver e de contar uma história.

Além da Festa de Nossa Senhora do Rosário, acontecem outras tantas festas em

Pinhões. Cada família que chegou a comunidade trouxe sua festa. O dono da mercearia,

natal de uma comunidade próxima, chamada André Quicé, levou para Pinhões sua festa

de São João, com boi da manta e fogueira onde os devotos caminham sobre as brasas.

Na própria comunidade já existia uma família que tradicionalmente guarda as bandeiras

30

Na qual analisei mais a fundo a Festa de Nossa Senhora do Rosário de Pinhões.

17

de São João e Santo Antônio, os Pereira e Conceição. No dia de São João, assim

acontecem duas festas, em horários distintos para possibilitar a presença de todos. Além

desses exemplos há também as festas de São Sebastião, do Divino, de Santa Cruz etc.

Não são festas de grandes públicos como a de Nossa Senhora do Rosário, mas

reafirmam a hipotese das festas como locus de criatividade, como linguagem, como

idioma identitário da comunidade para dentro e para fora.

A partir e através das festas assim, as famílias e as alianças constituidas

assumem discursos próprios sobre a comunidade, fazendo história, assumindo narrativas

a partir do estabelecimento de vínculos e interações. Negociam em menor ou maior

medida com a Igreja local, com o Mosteiro, com os vereadores, etc.

O lugar de relevância ocupado pelas festas na comunidade e, em principal da

Festa de Nossa Senhora do Rosário com suas dinâmicas de territorialidades, nos permite

trazer para o diálogo a noção de „terra de santo‟, apresentada por Alfredo Wagner, como

uma possibilidades de se pensar a dimensão de terras de uso comum na comunidade de

Pinhões. Segundo Wagner(2008):

Pode-se dizer que ela [terra de santo] se refe à desagregação de

extensos domínios territoriais pertencentes à Igreja. [...] Consoante o

santo padroeiro destas fazendas, foram sendo adotadas denominações

que recobriram seus limites e lhe conferiam unidade territorial. [...]

Nas chamadas „terras de santo‟, entretanto, as formas de uso comum

coexistem, ao nível da imaginação dos moradores, com uma

legitimação jurídica de fato destes domínios, onde a santo aparece

representado como proprietário legítimo, a despeito das formalidades

legais requeridas pelo código da sociedade nacional. Sobressaem

nestas unidades sociais os denominados „encarregados‟ ou lideranças

do grupo que teriam basicamente funções vinculadas ao ciclo de festas

e ao cerimonial religioso. [o que ] mantém a coesão do grupo

acionando rituais de devoção. (2008, p.149)

Nesse sentido, acredito que a dimensão das festas é um locus privilegiado na

construção da comunidade de Pinhões, sendo estas, principalmente a Festa de Nossa

Senhora do Rosário, historicamente situada como idioma identitário no sentido de

situar sócio-espacialmente outras tantas dimensões da vida em sociedade, além de

conter em si a noção de terra de uso comum. Faz-se necessário assim, compreender

mais a fundo as relações entre terra, religião e festas, no sentido de revelar experiências

histórias norteadoras das noções de autonomia, resistência, pertencimento e identidade.

Digo históricas porque as experiências se fazem situadas em processos que constituem

18

territorialidades específicas (ALMEIDA, 2008) em movimentos de produção de

localidade que de forma alguma se fazem isolados de relações de poder constitutivas

das configurações culturais e histórico-estruturais, definindo limites dinâmicos nas

relações nós-eles.

Assim, entendendo a noção de territorialização sobre os pressupostos defendidos

por João Pacheco, a noção de processos de territorialização é uma chave analítica que

permite trabalhar com a definição de território sem tomar o social como uma dimensão

estática, revelando principalmente os conflitos contitutivos da definição do mesmo. Em

uma perspectiva processualista, João Pacheco propõe, assim, a noção de “processos de

territorialização” como uma dinâmica da relação intersocietária produzida em contextos

de conflito, e que compreende em si processos de territorialização, desterritorialização e

reterritorialização. Quando sociedades com territorialidades distintas estão em contato,

sobretudo quando este contato acontece no formato de fricção interétnica31

, um fato

histórico, sobretudo a presença colonizadora muitas vezes incorporada pelo Estado,

instaura novas relações com o território, “deflagrando transformações em múltiplos

níveis de sua existência sociocultural” (OLIVEIRA, 1999, p.22).

Em si pensando por tal chave de análise, uma possível ameaça à reprodução

social da comunidade de Pinhões32

, bem como aprofundamentos nas análises dos

conflitos embutidos na afirmação da identidade quilombola somado a um exercício de

debates clareadores das implicações de tal afirmação com os moradores, podem gerar

uma ação social em direção a constituição da comunidade como um grupo étnico em

seu sentido organizacional. Um movimento no qual representação e realidade social são

dois lados da mesma moeda, de modo que a dimensão do simbólico é uma estrutura

imbricada na prática, campo de disputas que revela posicionamentos e hierarquias na

legitimidade das representações em jogo (BOURDIEU, 2002).

31

Conceito cunhado por Roberto Cardoso de Oliveira, para explicar os processos de contato entre grupos, para um aprofundamento na questão ver CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Identidade, Etnia e Estrutura Social. São Paulo: Pioneira, 1976. 32

No mês de maio deste ano, em entrevista com uma vereadora do município me foi informada a existência de um projeto municipal que altera as leis de uso e ocupação do solo atribuindo a Pinhões a categoria de área urbana na seção de Áreas de Interesses Especiais, podendo a mesma ser destinada a construção de conjuntos habitacionais e regularização fundiária nos parâmetros de urbanização vigente.

19

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