Silva, C.a; Ribeiro, A.C.T; Campos, A. Cartografia Da Acao e Movimentos Da Sociedade

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  • Cartografia da ao e movimentos da sociedade

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  • Cartografia da ao e movimentos da sociedade: desafios das experincias urbanasCatia Antonia Da Silva; Ana Clara Torres Ribeiro; Andrelino Campos (orgs.)

    Lamparina editora

    Reviso Lusa UlhoaProjeto grfico Fernando Rodrigues

    O texto deste livro foi adaptado ao Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa, assinado em 1990, que comeou a vigorar em 1 de janeiro de 2009.

    Proibida a reproduo, total ou parcial, por qualquer meio ou pro cesso, seja reprogrfico, fotogrfico, grfico, microfil ma gem etc. Estas proi bies aplicam-se tambm s caracte rs ticas grficas e/ou editoriais. A violao dos direitos au torais punvel co mo crime (Cdigo Penal, art. 184 e ; lei 6.895 / 1980), com busca, apreenso e in de nizaes diversas (lei 9.610 / 1998 Lei dos Di reitos Autorais arts. 122, 123, 124 e 126).

    Catalogao na fonte do Sindicato Nacional dos Editores de Livros

    C316Cartografia da ao e movimentos da sociedade: desafios das experincias

    urbanas / Catia Antonia da Silva (org.), Ana Clara Torres Ribeiro (org.), Andrelino Campos (org.); Alberto Toledo Resende [et al.]. Rio de Janeiro: Lamparina: Faperj: Capes, 2011. 2.000 exemplares.

    200 p.; il.; 12,6 20,7cmTrabalhos apresentados no III Seminrio Nacional Metrpole: Governo, So-

    ciedade e Territrio, e, no II Colquio Internacional Metrpoles em Perspectivas.Inclui bibliografiaIsBN 978-85-98271-89-71, Sociologia urbana. 2, Regies metropolitanas aspectos sociais. 3, Regies

    metropolitanas aspectos econmicos. 4, Renovao urbana. 5, Planejamento urbano. I; Silva, Catia Antonia da. II; Ribeiro, Ana Clara Torrres. III; Campos, Adrelino, 1949.11-4442. CDD: 307.76

    CDU: 316.334.56

    Lamparina editora

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    Cartografia da ao e movimentos da sociedade: desafios das experincias urbanasCatia Antonia Da Silva Ana Clara Torres RibeiroAndrelino Campos (orgs.)

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  • Autores

    Ana Clara Torres Ribeiro (org.) graduada em Cincias Polticas e Sociais pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (pUC-Rio), possui mestrado em Sociologia pela Sociedade Brasi-leira de Instruo (sBI/IUperj) e doutorado em Cincias Huma-nas pela Universidade de So Paulo (Usp). tambm profes-sora adjunta da UFrj, pesquisadora 1a do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNpq); membro da Red Iberoamericana de Investigadores sobre Globalizacin y Ter-ritorio e coordenadora do GT Desenvolvimento Urbano do Conse-lho Latino-Americano de Cincias Sociais.

    Andrelino Campos (org.) possui graduao em geografia pela Uni-versidade Federal Fluminense (UFF), mestrado em geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFrj) e doutorado em geografia pela mesma instituio. tambm professor adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Formao de Pro-fessores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (DGeo/FFp/Uerj), coordenador do Ncleo de Estudos Sociedade, Espao e Raa (Noser) e autor do livro Do quilombo favela: a produo do espao criminalizado no Rio de Janeiro (Bertrand Brasil, 2010). E-mail: .

    Catia Antonia da Silva (org.) professora adjunta, pesquisa-dora e coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extenso Territ-rio e Mudanas Contemporneas (DGeo/FFp/Uerj). graduada em geografia (UFrj), com mestrado em Planejamento Urbano e Regional e doutorado em geografia, todos pela mesma institui-o. lider do Grupo de Pesquisa e Extenso: Urbano, Territrio e Mudanas Contemporneas, onde desenvolve o Laboratrio de Estudos metropolitanos. pesquisadora do proCIeNCIa/Uerj.

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  • Alberto Toledo Resende graduado em geografia (Uerj), possui especializao em Planejamento e Uso do Solo Urbano (UFrj) e mestrando do Programa de Ps-Graduao em Histria Social (FFp/Uerj). Atualmente professor docente 1 da Secretaria de Estado de Educao do Rio de Janeiro, coordenador de campo do Federao dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro e profes-sor substituto (FFp/Uerj).

    Anita Loureiro de Oliveira fez graduao em geografia, mestrado em geografia, ambos pela UFF, e doutorado em Planejamento Urbano e Regional (IppUr/UFrj). Trabalha desde 2010 no Departamento de Educao e Sociedade do Instituto Multidisciplinar da Univer-sidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFrrj). Tutora do peT-Geografia-IM/UFrrj. E-mail: .

    Fbio Tozi doutorando do Programa de Ps-Graduao em geo-grafia da Usp, doutorando em geografia humana (FFLCH/Usp) com estgio (pDee/Capes) na cole des Hautes tudes en Scien-ces Sociales (eHess) de Paris. Possui graduao e mestrado em geografia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICaMp).

    Felippe Andrade Rainha graduado em geografia (FFp/Uerj) e pesquisador Tcnico da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

    Ivy Schipper possui licenciatura em geografia e mestrado em Pla-nejamento Urbano e Regional, ambos pela UFrj. Atualmente da UFrj e participa do Laboratrio da Conjuntura Social (LasTro).

    Joana Bahia graduada em cincias sociais com mestrado em sociologia e antropologia social, ambos pela UFrj. tambm pro-fessora adjunta da FFp/Uerj e pesquisadora associada ao Ncleo Interdisciplinar de Estudos Migratrios NIeM/IppUr/UFrj, dou-tora em antropologia social ppGas / Museu Nacional e investiga-dora visitante da Universidade de Lisboa.

    Jorge Luiz Barbosa graduado em geografia pela UFrj, possui mestrado em geografia na mesma universidade, doutorado em geografia pela Usp e ps-doutorado em geografia humana pela Universidade de Barcelona, Espanha. professor Departamento de Geografia da UFF e coordenador do Observatrio de Favelas do Rio de Janeiro. E-mail: .

    Marcia Soares de Alvarenga professora da graduao e do mes-trado em educao da FFp/Uerj e pesquisadora do Grupo de Pes-quisa Vozes da Educao (DeDU/FFp/Uerj). Graduou-se em direito pela UFF, licenciatura em pedagogia pela Uerj, doutorado em educao pela UFrj e ps doutorado em educao pela Univer-sidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e em educao pela Uni-versidade de vora. E-mail: .

    Maria Tereza Goudard Tavares possui graduao em pedagogia, ps-graduao lato sensu em Metodologia do Ensino Superior, mestrado em educao pela UFF e doutorado em Educao pela UFrj. professora e diretora (20082011) do Programa de Ps-Graduao em educao da FFp/Uerj. Pesquisadora do proCIeNCIa/Uerj nos perodos 19992002, 20052008 e 20082010, e lder do Grupo de Pesquisa Vozes da Educao. E-mail: .

    Renato Emerson dos Santos graduado em geografia, com mes-trado em Planejamento Urbano e Regional, ambos pela UFrj, e doutorado em geografia pela UFF. Atualmente professor adjunto da Uerj, e ocupa a posio de chefe do DGeo/FFp, no campus de So Gonalo (rj).

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    Cartografia da ao e desafios contemporneos

    A metrpole significante: usos rebeldes do territrio e a efervescncia de novas racionalidades 19Fbio ToziAlberto Toledo Resende

    Cartografia da ao e a juventude na cidade: trajetrias de mtodo 28Ana Clara Torres RibeiroCatia Antonia da SilvaIvy Schipper

    Cartografias e lutas sociais: notas sobre uma relao que se fortalece 41Renato Emerson dos Santos

    O retorno ao territrio como condio da democratizao da gesto da metrpole 59Jorge Luiz Barbosa

    Cidade e compartilhamentos da vida coletiva

    Os pequenos e a cidade: o municpio de So Gonalo como um livro de espaos 81Maria Tereza Goundard Tavares

    Brasileiros no mundo: novas construes identitrias do salsa american way 96Prof Dr Joana Bahia

    Projeto Baa Limpa: um exerccio de mapeamento dos resduos slidos pelo olhar dos pescadores 118Catia Antonia da SilvaFelippe Andrade RainhaAlberto Toledo Resende

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    Apresentao

    Este livro tem a inteno de publicar artigos criados e inspira-dos em debates, reflexes e estudos apresentados durante os eventos III Seminrio Nacional Metrpole: Governo, Sociedade e Territrio e II Colquio Internacional Metrpoles em Perspec-tivas, ambos ocorridos de 1 a 3 de dezembro de 2010, na Facul-dade de Formao de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e que tiveram como tema central Territ-rio usado e cartografia da ao: por outra gesto urbano-metro-politana. O evento foi promovido pelo ncleo de Extenso e Pes-quisa: Urbano, Territrio e Mudanas contemporneas Programa de Ps-Graduao em Histria Social (rea de concentrao: his-tria social do territrio) e Departamento de Geografia da Facul-dade de Formao de Professores da Uerj, pelo Laboratrio da Conjuntura Social: tecnologia e territrio do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFrj) e pela Coordenao de Geografia Departa-mento de Educao e Sociedade Instituto Multidisciplinar da Uni-versidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFrrj).

    O tema central dos eventos foi o debate de orientaes con-ceituais e diretrizes terico-metodolgicas que hoje reconstroem a anlise da dinmica metropolitana. Trata-se fundamentalmente dos desafios relacionados ao reconhecimento das complexas rela-es entre sociedade, Estado e territrio, em seus vnculos com a urbanidade. A questo metropolitana confunde-se com a questo nacional. Junto com a consolidao democrtica, conformam-se outros determinantes da ltima fase do capitalismo, portadora de profundas contradies: entre desenvolvimento econmico e desenvolvimento social; entre avano tcnico-industrial e preca-riedade da vida coletiva; entre multiplicao dos mecanismos de controle social, reinveno de insurgncias e afirmao de novos movimentos sociais.

    O tema deste livro est voltado para a problemtica de novas metodologias referentes possibilidade de novos olhares e novas formas de representao da sociedade e do territrio em contex-

    Metrpole e o movimento da sociedade

    A particularidade do Movimento Negro enquanto sujeito da histria brasileira 131Andrelino Campos

    Leituras sobre movimentos sociais e aes organizadas em contextos urbanos: notas de dilogos sobre mtodo 159Marcia Soares de Alvarenga

    Arte, educao e cidadania: dilogo de saberes na metrpole 169Anita Loureiro de Oliveira

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    tos urbanos e metropolitanos que possibilitem novas formas de experincias e novos formatos para pensar o desenvolvimento social. Deseja-se contribuir para o campo da gesto urbana com base em mltiplas metodologias e experincias sociais urbanas. Ao tratarmos de trajetrias de pesquisadores populares, de crian-as, de pescadores, do movimento negro, de lutas identitrias e de musicalidades, podemos compreender a complexidade da metrpole e ver nela novos devires.

    Este livro orienta-se pela compreenso do sentido das aes sociais na produo do espao urbano com base nas seguintes categorias centrais: movimentos sociais, aes espontneas e identitrias, cartografia da ao e territrio. Pretendemos, com articulao de ideias oriundas de pesquisadores das reas de geografia, sociologia e educao, ter nesse produto material do evento, elementos contribuidores para o desafio contemporneo que consiste na compreenso da metrpole e da vida urbana em uma conjuntura atravessada pela perturbao no entendimento do mundo. Este livro divide-se em trs sees. A primeira busca reconhecer a cartografia da ao como desafio contemporneo e tem a finalidade de colaborar com novas referncias metodol-gicas que ajudem a novas formas de alargamento do pensar e do fazer da luta social.

    Fbio Tozi e Alberto Toledo Resende demonstram suas lei-turas com base na coordenao conjunta do grupo de traba-lho Cartografias rebeldes e (re)inveno do territrio, ocor-rido durante os eventos do III Seminrio Nacional Metrpole: Governo, Sociedade e Territrio. no dilogo entre as diver-sas pesquisas e reas, filiadas a diferentes leituras da cidade, da metrpole e do urbano que identificaram caminhos possveis que nos ajudam a compreender a complexidade do presente, comba-tendo as vises simplistas acerca do territrio e da sociedade.

    O artigo de Ana Clara Torres Ribeiro, Catia Antonia da Silva e Ivy Schipper, fruto de pesquisa do Laboratrio de Conjuntura Social: Tecnologia e Territrio, do IppUr/UFrj, e do Laboratrio de Estudos Metropolitanos, do Ncleo de Pesquisa Urbano, Terri-trio e Mudanas Contemporneas do ppGHs e do Departamento de Geografia / FFp / Uerj, busca identificar novas possibilidades

    sobre a problemtica do direito da juventude cidade com base nas trajetrias de jovens moradores da periferia da metrpole do Rio de Janeiro. A anlise da apropriao do espao urbano por jovens que residem, estudam e/ou trabalham no municpio de So Gonalo, situado a leste da baa de Guanabara, teve como pressuposto o dilogo entre sociologia, geografia e educao. Recorre-se a diferentes mtodos e tcnicas de pesquisa, entre os quais as metodologias da cartografia da ao e a tcnica dos gru-pos focais.

    O artigo de Renato Emerson dos Santos analisa quando os novos atores utilizam a cena cartogrfica. Para ele, o campo da cartografia tem sido tensionado por diversos sentidos. Toma alguns exemplos em curso no Brasil e em outras partes do mundo. Identifica o uso crescente de objetos cartogrficos como instrumento de luta por movimentos e articulaes de movimen-tos sociais. Os objetos cartogrficos vm sendo utilizados como leituras sociais do territrio que so confrontadas s leituras ofi-ciais e/ou de atores hegemnicos, mas tambm como instrumen-tos de fortalecimento de identidade social e de articulaes pol-ticas ou seja, na sua plenitude de instrumento de representao que exprime a realidade (segundo pontos de vista, posies defi-nidas) e tambm ajuda a construir a prpria realidade.

    Jorge Luiz Barbosa apresenta em seu artigo o resultado do projeto Rio Democracia, uma programao para o desenvolvi-mento sustentvel da metrpole, desenvolvido pelo Observat-rio de Favelas do Rio de Janeiro no perodo de outubro de 2007 a agosto de 2009. O projeto visava construo de inventrios crticos de polticas pblicas em favelas e periferias urbanas da metrpole do Rio de Janeiro, tendo como referncia os 20 anos de promulgao da atual Constituio Brasileira e, com base em suas concluses, contribuir para a elaborao de uma agenda propositiva de superao de desigualdades sociais, enfatizando as possibilidades de democratizao da gesto urbana. Foram realizados mapeamentos cognitivos do inventrio de gesto de polticas pblicas. O inventrio realizado contemplou mapea-mentos cognitivos de prticas sociais concepes, percepes, vivncias e experincias construdas e afirmadas no contexto

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    da gesto de polticas pblicas, em particular aquelas voltadas s comunidades populares localizadas nos municpios que com-pem o arco metropolitano do Rio de Janeiro.

    Na segunda seo, intitulada Cidade e compartilhamentos da vida coletiva, encontra-se o artigo de Maria Tereza Goudard Tavares que realiza, com base nessa breve contextualizao, uma anlise sobre a natureza educativa da cidade, que segundo ela implica admitir no mbito poltico e epistemolgico a intenciona-lidade formadora que a metrpole pode assumir na contempora-neidade, sobretudo por ser o meio tecnico-cientifico-informacional por excelncia, locus da densidade comunicacional, reforando a texturologia da cidade enquanto contedo alfabetizador. Diz que a cidade educadora e ressalta seu carter de agente educativo, uma ideia-fora que intenciona ser compartilhada e assumida pelos diferentes atores sociais, apesar das contradies nodais que tornam a cidade cenrio dos conflitos e confrontos sociais.

    A professora Joana Bahia analisar, por meio do artigo Bra-sileiros no mundo: novas construes identitrias do salsa ameri-can way, a formao identitria de brasileiros que migram para o exterior por diferentes motivos, sendo o principal a busca de oportunidade. A professora parte de um paradoxo: um pas que at a dcada de 1980 era receptor de mo de obra, em 30 anos torna-se exportador desse material humano. Para tal emprei-tada, a pesquisadora parte de algumas variveis que evidencia-ro alguns aspectos: questes de classe entre a populao imi-grante, de temporalidade da imigrao, de gnero e sexualidade, de ascendncia europeia (diferenciada por graus diferentes de ascendncia), de cor/raa, de ocupao no mercado de traba-lho, de origem regional, de religio, entre outras possveis. Uma colcha de retalhos identitrios. A proposta da professora eluci-dar problemas de quem precisa e/ou escolhe ser estrangeiro em outras terras, demonstrando tambm que os sonhos podem se distanciar da realidade.

    O artigo seguinte expressa a preocupao de Catia Anto-nia da Silva, Felippe Andrade Rainha e Alberto Toledo Resende em conjugar esforos entre pesquisadores e pescadores arte-sanais (elo frgil na cadeia produtiva da pesca, localizado na

    baa de Guanabara). Eles focam como base para o desenvolvi-mento da anlise do projeto, os Princpios de cidadania e qua-lidade ambiental (qualidade de vida e trabalho) como direitos universais, direitos humanos essenciais. Os autores invertem a lgica, fazendo dos pescadores artesanais protagonistas da ao, abrindo condies de trat-lo no contexto de uma cartografia participativa, em que a ao dos pescadores que conduz o rumo da prosa, e no o saber oriundo da academia. Ao longo das pginas que tratam do projeto, os pesquisadores mostraro que, apesar das dificuldades, a baa de Guanabara pode se tornar um lugar de esperana, tanto para os trabalhadores da pesca artesa-nal quanto para quem admira os contornos cantados em versos e prosas ao longo de muitos anos de histria.

    A terceira e ltima seo trata do entendimento da Metr-pole no movimento da sociedade. O artigo de Andrelino Cam-pos analisa o movimento negro como sujeito histrico no con-texto brasileiro. No decorrer da histria brasileira, o ativismo de negros, que vem se destacando pela longevidade das suas ativi-dades, deixa de ser apenas um conjunto de pessoas para se tornar projeto de mudana da sociedade. Em funo desses elementos, formam-se as perguntas: como so formados os sujeitos? Qual a importncia da dimenso da particularidade em sua formao? Essas so questes centrais que nos ajudam a refletir sobre os sen-tidos das aes em contexto poltico-urbano.

    Marcia Soares de Alvarenga ter sua anlise voltada para as questes que envolvem cidadania e desenvolvimento econ-mico acelerado, sendo este responsvel pelo alargamento das desigualdades sociais. A preocupao da autora nos leva a refle-tir sobre alguns aspectos da vida urbana e o distanciamento da justia social, visto que as bases tanto do desenvolvimento eco-nmico quanto da construo da cidadania so criadas de forma arcaica, uma vez que um conduz com suas prticas a tentativa de anulao e excluso do outro. possvel sintetizar a anlise da autora com a seguinte preocupao: Podemos dizer que a ausn-cia deste estatuto impetrou relaes contraditrias entre cida-dania e vida urbana. Populaes inteiras foram deslocadas pelo poder poltico ou mobilizaram resistncias diante destes desloca-

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    mentos ao ocuparem espaos sem cidadania. A autora permitir que cheguemos a concluses diferentes daquelas s quais esta-mos habituados.

    A jovem professora Anita Loureiro de Oliveira tem sua traje-tria acadmica ligada a questes urbanas. Um dos pressupostos que movem a pesquisadora pensar que a cidadania uma fer-ramenta a ser aprendida, buscando como meio a educao liber-tria. Para tanto, no conta apenas com a formalidade da escola, mas com a experincia acumulada das pessoas, visto que a rua emana saberes dos quais a teoria, no seu isolamento epistmico, no daria conta, necessitando ento das prticas da rua. Fazer arte, expresso popular que os adultos dizem para os mais jovens, guarda na dimenso da rua a possibilidade de educao, pois, assim como a arte das crianas, sempre acontece o inespe-rado. A autora nos convidar a uma reflexo bem sustentada teo-ricamente construda sobre o quarteto: vida urbana, cidadania, arte e educao, onde as ruas, por meio de seus atores, passam a ser o cenrio perfeito para outras vivncias. Para exemplificar, destacamos de seu texto a seguinte passagem: Buscamos refletir neste artigo o carter mltiplo resultante de experincias que evi-denciam o modo pelo qual os territrios urbano-metropolitanos constituem a base de um processo educativo que vai muito alm dos espaos institucionais de aprendizagem e pode trazer contri-buies significativas para a renovao da vida urbana.

    Este livro conta com o estimvel apoio de Capes, que tam-bm patrocinou os eventos junto com a Faperj e a sr3 Sub-Rei-toria de Extenso e Cultura. Agradecemos ainda a Direo da FFp/Uerj, CepUerj e CoMUNs/Uerj pelo apoio recebido, pro-porcionando a infraestrutura para os eventos, ricos em debates, ideias e proposies.

    Cartografia da ao e desafios contemporneos

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    A metrpole significante: usos rebeldes do territrio e a efervescncia de novas racionalidadesFbio ToziAlberto Toledo Resende

    Em certas tardes ns subamos ao edifcio. A cidade diria, como um jornal que todos liam,ganhava um pulmo de cimento e vidro.(Melo Neto, 1994)

    Uma introduo: a cidade, a metrpole e as disciplinas cientficas

    Qual a sobrevivncia possvel, no burocrtica e repetitiva, de cincias cujos fundamentos estruturadores referem-se a datas e lugares de pouca equivalncia com o Brasil contemporneo? Tal questo, longe de querer resumir em uma nica frase os deba-tes a seguir expostos, aponta, ao contrrio, para um tema central que envolve o rigor de todo trabalho cientfico nas cincias huma-nas. O perodo tumultuado que nos acompanha, misto de glo-balizaes e fragmentaes, parece sinalizar a efervescncia de novas formas de vida cujo entendimento analtico dbil se os conceitos e categorias adotados no forem formulados a partir do momento presente da formao socioespacial brasileira.

    Vale retomar a fala da professora Ana Clara Torres Ribeiro na conferncia de abertura do III Seminrio Nacional Metr-pole: Governo, Sociedade e Territrio e II Colquio Internacional Metrpoles em Perspectivas, cobrando uma necessria interdisci-plinaridade cientfica, especialmente entre geografia e sociologia. Essa interdisciplinaridade deve ser traduzida na superao do pensamento instrumental e operacional herdado das ideias filo-

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  • 20 A metrpole significante A metrpole significante 21

    a cidade grande um grande espao banal, o mais significa-tivo dos lugares. Todos os capitais, todos os trabalhos, todas as tcnicas e formas de organizao podem a se instalar, conviver, prosperar. Nos tempos de hoje, a cidade grande o espao onde os fracos podem subsistir (1996, p. 258).

    Acreditamos, cada uma sua maneira, que as pesquisas apresen-tadas revelam manifestaes concretas desse espao banal, as complexas estruturas presentes nas tramas cotidianas s quais o olhar desatento nem sempre permite vislumbrar.

    A riqueza na diversidade: um sobrevoo por 2 dias de reflexo

    Em 2 dias de apresentaes e debates, o grupo de trabalho Car-tografias rebeldes e a (re)inveno do territrio revelou, com base em diversas leituras, os caminhos entrecruzados da geo-grafia e da sociologia, sem, no entanto, resumir-se a elas. Distin-tos recortes temticos e posicionamentos terico-metodolgicos possibilitaram um debate cientfico de alta qualidade, do qual as ideias e os relatos aqui contidos so uma amostra.

    O trabalho apresentado por Anita Rink analisa o grafite na cidade do Rio de Janeiro, buscando entend-lo para alm do seu possvel enquadramento ou no como arte, para examinar a cidade como uso e como meio de expresso cultural. Assim, arte e uso tornam-se, nesse caso, sinnimos, pois o ato de criar indis-socivel a ambos: criar dar forma a algo novo, respondendo, subjetivamente, por instituir novas conexes que se estabelecem para a mente humana, novas relaes e nova compreenso, como sugere Ostrower (1987, p. 9), bem como, objetivamente, ofere-cendo novas coerncias aos objetos e s normas.

    Essa compreenso promovida pelo ato criador, que rela-ciona, ordena, configura e significa (ib.), uma dimenso no apenas individual, mas geogrfica, posto que se d com o indi-vduo em sua condio espacial da existncia: o lugar. Demais, as consequncias do ato criativo no se resumem ao indivduo como agente social isolado, influenciando o sistema de relaes

    sficas do sculo XIX, matrizes das disciplinas que hoje trabalha-mos. Souza afirma que

    o iluminismo tem muito a ver com o desenvolvimento das cincias humanas e, muito especialmente com a geografia, medida que ela se funda como cincia humana. Fundando-se no racionalismo absoluto, fundamentado no desenvolvi-mento cientfico e tecnolgico, ele vai alimentar a esperana, para a humanidade, de um mundo melhor a partir da melho-ria das condies materiais da existncia (2003, p. 2).

    Tal esperana, no entanto, no se realizou, o que traz um desa-fio evidente s cincias como um todo e s cincias humanas em especial. No obstante viver um perodo cientfico, tecnolgico e informacional, a humanidade sofre com desigualdades extremas, pobreza crescente e uma desvalorizao da comunicao em benefcio da repetio.

    no dilogo entre as diversas pesquisas e reas, filiadas a diferentes leituras da cidade, da metrpole e do urbano, que reside um dos caminhos possveis que nos ajudam a compreender a complexidade do presente, combatendo as leituras simplistas acerca do territrio e da sociedade. Lefebvre (1969), numa aula de mtodo, ensina que a cidade filosoficamente pensada uma totali-dade no apenas abstrata, mas tambm concreta, cuja compreen-so exige que todos os instrumentos metodolgicos devam ser uti-lizados conjuntamente; discernidos, mas no dissociados: forma, funo, estrutura, instituies, linguagens, significados. Esse esp-rito esteve presente durante todo o seminrio, e, particularmente, no Grupo de Trabalho (GT) Cartografias rebeldes e a (re)inven-o do territrio. A cidade, a metrpole e o urbano, mais do que temas ou objetos de estudo de tal ou qual cincia, so condies da vida social, sendo, por isso, um objeto interdisciplinar de estudo.

    As situaes abordadas no grupo de trabalho trataram de cidades e municpios em reas metropolitanas, ou seja, em gran-des aglomeraes populacionais, informacionais, materiais. San-tos j alertava que

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  • 22 A metrpole significante A metrpole significante 23

    Esse papel ativo das materialidades citadinas nas atividades artsticas tambm foi marcante nos trabalhos de Henrique Jacin-tho, tomando a realizao do XII Salo do Livro para Crianas e Jovens como objeto emprico, e de Vincius Lima, com sua an-lise dos movimentos sociais de Nova Iguau e os pontos/teias da cultura. Em ambos os trabalhos revelam-se, atravs da cidade, as imbricaes entre geografia, sociedade, cultura e arte, comba-tendo as vises simplistas e setoriais sobre o espao e a sociedade.

    Os usos marginalizados do territrio aparecem na exposi-o de Fbio Tozi que discute os contedos geogrficos da pirata-ria. O perodo e o meio tcnico cientfico informacional, propos-tos por Milton Santos (1996), so pontos de partida para desmis-tificar o senso comum que trata a pirataria como crime ou como uma questo meramente econmica. A expanso do meio geogr-fico modernizado traz consigo a possibilidade da realizao de novos usos do territrio, abarcando novas racionalidades na lida com os objetos e as informaes.

    Portanto, a pirataria entendida como um uso da tcnica e das informaes que caracterizam o perodo histrico atual, tendo na metrpole o lugar privilegiado dessa situao, que, con-tudo, se interioriza pelo pas junto urbanizao da sociedade e do territrio, compondo o aspecto nacional de um fenmeno de dimenses globais.

    A cartografia da ao e as cartografias participativas foram o tema central de alguns dos trabalhos, como os apresentados por Ivy Schipper, Lya Boynard, Fabiane Bertoni, Rafaela Torres e Diego Borges, que contriburam com um debate riqussimo acerca do que a geografia e quais so os seus instrumentos tcnicos, ou, dizendo de outra maneira, como representar os fenmenos espaciais tendo como orientao uma teoria crtica do espao.

    A cartografia da ao um exerccio terico-metodolgico de observao dos conflitos sociais no territrio (leitura de jor-nais, leitura sociolgica e criao de bancos de dados), enquanto a cartografia participativa trata das maneiras comunitrias de produo de mapas com base em valores e definies imanentes aos prprios lugares, que podem, assim, representar-se. Ambas, no entanto, trazem um debate fundamental, especialmente nesse

    dos lugares. Ou seja, o lugar exerce um dado ativo na criao e na criatividade.

    Inspirados em Benjamin e sua discusso sobre a autenti-cidade (aura) da obra de arte, que o seu hic et nunc (aqui e agora), no poderamos argumentar ser o grafite uma manifes-tao representante do lugar e do tempo convergidos? Ou, nas palavras do prprio autor, a unidade de sua presena no prprio local onde se encontra. a esta presena, nica, no entanto, e s a ela que se acha vinculada toda a sua histria (1975, p. 13).

    Cidade e arte tambm foi o tema do trabalho apresentado por Francisco Ottoni, que reflete sobre o Virado Carioca rea-lizado pela prefeitura do municpio do Rio de Janeiro, concen-trando centenas de atividades culturais em 3 dias do ano. Aqui, o par dialtico continuidade e ruptura que se faz evidente, pois h um papel ativo do poder pblico na normatizao do que seja a arte, acompanhado da deslegitimizao dos processos criativos que no coincidam com a poltica pblica.1 latente a contradi-o que h entre a difuso da arte, por um lado, e o controle das manifestaes artsticas, por outro, o que permite a transforma-o do Virado em um artefato do marketing territorial.

    A arte, mais uma vez, no existe imune cidade, totali-dade social:2 os equipamentos pblicos, sua distribuio e cen-tralidade, os sistemas de transporte, as praas e os stios capazes de abrigar determinadas manifestaes artsticas (como salas de cinema ou de teatro, por exemplo) se impem definio da pro-gramao. Embora tenha havido uma distribuio territorial das atividades do Virado, as materialidades da cidade, os desloca-mentos que ela permite ou inibe, so constrangimentos irremov-veis do dia para a noite.

    1 Veja-se o relato do caso (ocorrido em julho de 2010) do artista que repre-sentava uma esttua viva no largo da Carioca: foi impedido de trabalhar sob a alegao de que sua arte contraria os usos estipulados calada pela mu-nicipalidade. Esse acontecimento contrasta com o incentivo ao uso artstico dos espaos pblicos, incluindo as caladas, nos 3 dias do Virado Carioca. 2 Para Kosik (2002, p. 121), a arte uma realidade humana, tal qual a economia, porm com tarefa e significados diferentes. No entanto, no a economia que gera a arte, nem direta nem indiretamente: o homem que cria a economia e a arte como produtos da prxis humana.

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    da populao nacional urbana.3 O processo de urbanizao da sociedade e do territrio um desafio analtico para as cincias sociais, mas tambm para os governos e para a prpria sociedade. Sempre incompleto, esse processo cria incessantemente novas desigualdades, uma vez que h uma perpetuao da reproduo da pobreza.

    A cidade, especialmente a metrpole, o lugar da constru-o das alternativas, pois, cheia de atividades suspeitas, ela fer-menta delinquncias, um centro de agitao (Lefebvre, 1969, p. 76), traz sempre o novo. O territrio e a cidade esto dispon-veis para os diversos usos, obedientes a distintas racionalidades, embora nem todos os agentes sociais disponham da mesma capa-cidade de mobilizar, para a realizao dos seus desgnios, os con-tedos e as materialidades neles presentes.

    A condio brasileira na era da globalizao esquizofr-nica, uma vez que somos impulsionados modernizao de alto nvel sem termos alcanado direitos e objetos sociais bsicos. A cidade revela esse processo. Nas palavras de Santos,

    Na cidade luminosa, moderna, hoje, a naturalidade do objeto tcnico cria uma mecnica rotineira, um sistema de gestos sem surpresa. Essa historizao da metafsica crava no organismo urbano reas constitudas ao sabor da moder-nidade e que se justapem, superpem e contrapem ao resto da cidade onde vivem os pobres, nas zonas urbanas opacas. Estas so os espaos do aproximativo e da cria-tividade, opostos s zonas luminosas, espaos da exatido (1996, p. 261).

    3 O conceito de urbano adotado pelo IBGe no o mesmo que temos adotado ao longo do artigo, pois, para aquele instituto, trata-se de habitar reas institucionalmente definidas como urbanas, enquanto para ns o modo de vida urbano passa a existir mesmo nas reas onde a materialidade do urbano (a cidade) no est presente. Um bom exemplo so as reas de agricultura moderna, extremamente urbanizada, mesmo se realizando em pores agrcolas do territrio. Essa divergncia no impede o uso, tampouco diminui a legitimidade dos dados fornecidos pelo IBGe.

    presente histrico no qual a exacerbada instrumentalizao da vida produz cartografias e cartogramas tecnicamente mais efi-cientes, todavia, esvaziados de sentidos e de conflitos. Coincidem e contribuem tambm para a percepo do territrio usado em processo, representando-o em mapas que trabalham com o movi-mento da sociedade.

    Evidenciaram-se as contribuies geogrficas e sociolgicas proposio de outras cartografias nas quais a vida real e suas manifestaes so fontes inspiradoras, rompendo com o deter-minismo estatal e/ou corporativo na eleio das representaes, dando ateno no somente ao que perene, mas tambm ao passageiro e ao transitrio, igualmente significantes.

    Nesse movimento intelectual, os trabalhos apresentados por Alberto Toledo, Igor Queiroz e Felippe Rainha buscam dar visibi-lidade pesca e aos pescadores artesanais da baa de Guanabara, mostrando a importncia de prticas antigas que sobrevivem em uma rea metropolitana que sofre vigoroso processo de moderni-zao. Nesse local, pequenos barcos convivem, nem sempre har-moniosamente, com grandes navios cargueiros.

    A pesquisa por eles desenvolvida revela outro aspecto per-verso manifestado pela incapacidade de uma gesto de uma regio metropolitana: os resduos slidos dos diferentes munic-pios se depositam na baa, gerando formas de poluio que afe-tam diretamente a atividade pesqueira tradicional. Nessa situa-o, a luta para preservar o ambiente a prpria luta para pre-servar a atividade artesanal. Por isso, a importncia em conhecer, mapear e quantificar esses resduos muito mais do que um levantamento, a preservao de uma atividade que gera no somente a continuidade de uma cultura, mas a existncia de uma produo renovvel extremamente importante para a cidade.

    Algumas consideraes finais

    A vida urbana, e mais que isso, a vida nas grandes cidades, um fato que se acentua na formao espacial brasileira: o recense-amento de 2010, realizado pelo IBGe, mostra que mais de 84%

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    Referncias

    Walter BeNjaMIN. A obra de arte na poca de suas tcnicas de reproduo. In: Textos escolhidos. So Paulo: Ed. Abril, 1975.

    Karel KosIk. Dialtica do concreto. So Paulo: Paz e Terra, 2002.Henri LeFeBvre. O direito cidade. So Paulo: Editora Documen-

    tos, 1969.Joo Cabral de MeLo NeTo. O engenheiro. In: Obra completa. Rio

    de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.Fayga OsTrower. Criatividade e processos de criao. Petrpolis:

    Vozes, 1987.Michael PoLLak. Memria, esquecimento, silncio. In: Estudos

    histricos. Rio de Janeiro: v. 2, n. 3, 1989.Milton SaNTos. A natureza do espao: tcnica e tempo, razo e emo-

    o. So Paulo: Hucitec, 1996.Niel SMITH. Desenvolvimento desigual: natureza, capital e a produ-

    o do espao. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.Maria Adelia SoUza. Geografia, paisagens e a felicidade. In: ii

    Colquio Internacional Sobre a Ideia de Felicidade. Fortaleza: 10, 11 mar. 2003.

    Nas insignificncias, diz Ana Clara Torres Ribeiro, residem novas formas de experimentar a vida. Dar visibilidade a elas uma tarefa cientfica das mais nobres, a despeito do seu desconheci-mento pelo restante da populao ou do discurso nico e repe-titivo da mdia, que se autodenominou como a opinio pblica. Afinal, o que se denomina racionalidade nada mais do que o controle racional pelo capital, que, como nos alerta Smith (1988), se concentra na anarquia do privado, o que trans-forma a cidade numa irracionalidade para si mesma, uma autodesregulao.

    H que se destacar tambm a importncia desse semin-rio como uma construo da memria em relao s diversas for-mas de se viver e estudar o espao urbano, como Pollak nos lem-bra bem:

    A memria, essa operao coletiva dos acontecimentos e das interpretaes do passado que se quer salvaguardar, se inte-gra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforar sentimentos de pertencimento e fron-teiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes: partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regies, cls, famlias, naes etc. A referncia ao passado serve para manter a coe-so dos grupos e das instituies que compem uma socie-dade, para definir seu lugar respectivo, sua complementari-dade, mas tambm as oposies irredutveis (1989, p. 7).

    Devemos valorizar os estudos apresentados nesse seminrio e mant-los vivos na construo constante da memria dos grupos que participaram de cada etapa da pesquisa para no cairmos no vazio do esquecimento. As cincias e os cientistas devem dialogar com o que existe nos lugares, com rigor e seriedade, cumprindo e retribuindo a confiana que a sociedade em ns depositou.

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    de conceitos que valorizam os nexos entre tecido social e espao urbano como indicam, entre outras, as seguintes noes: micro-conjuntura urbana; superficialidade de relaes sociais; territ-rio praticado; espao pblico provisrio e tentativo; arena oculta; impulso global; circuito perverso; humanismo concreto; sujeito corporificado; mercado socialmente necessrio.

    Estes conceitos tm sido utilizados para a anlise crtica de informaes veiculadas pela grande imprensa e para a identifi-cao de atores sociais e polticos que, de fato, esto nas ruas. A experincia desse trabalho em conjunto com o LeMe/FFp/Uerj tem como finalidade o aprofundamento do debate acerca de con-ceitos da geografia e de experimentaes, bem como ser a FFp um dos pontos de partida da pesquisa em So Gonalo.

    Este texto tem a inteno de analisar a cartografia da ao junto juventude em So Gonalo, municpio perifrico da metrpole do Rio de Janeiro, apresentando os princpios analti-cos e metodolgicos e resultados preliminares do grupo focal rea-lizado com estudantes de graduao da Faculdade de Formao de Professores, que se encontravam a partir do stimo perodo, em maro de 2010.

    Compreendendo a cartografia da ao

    Os contextos, a vida de relaes que as novas cartografias devem valorizar, so o prprio espao. Deve-se valorizar a experincia social, traar realmente a transformao do territrio em usado, praticado e vivenciado. A cidade viva e experimental no morreu, apesar de todas as afirmaes em contrrio, feitas pelo discurso da crise: ela fortssima, muito resistente. Da a importncia dos sujeitos sociais que de fato existem, nas suas condies eventu-ais de sujeitos da sua prpria ao, e que, na verdade, so as pes-soas que esto nas ruas, falando, acontecendo, dizendo, agindo, fazendo. essa a cartografia da ao que nos referimos.

    Queremos saber dessa cartografia, e de outras dos territrios usados, de maneira a resistir ao pagamento da vida de relaes, o qual cada vez mais, achamos, vai ser a forma dominante, a forma hegemnica de ver e de ler as relaes entre a sociedade e

    Cartografia da ao e a juventude na cidade: trajetrias de mtodo Ana Clara Torres RibeiroCatia Antonia da SilvaIvy Schipper

    Introduo

    A pesquisa Cartografia da ao da juventude em So Gonalo encontra-se em andamento com apoio da Faperj (20092011) e nesta seo intencionamos apresentar proposta analtica, meto-dolgica e os resultados preliminares. Os pressupostos analti-cos visam justamente conhecer e estimular a reflexo do espao em que vive essa juventude e, ao mesmo tempo, formar os jovens envolvidos no projeto no domnio de informaes e tcnicas de expresso de sua experincia urbana. Compreender as prti-cas, as tticas, os vnculos sociais, os desencantos e os desejos dos jovens exige uma anlise contextualizada de aes sociais e o mapeamento (objetivo e subjetivo) de (des)encontros com a cidade. O mapeamento orienta-se por uma geografia da existn-cia e por uma cartografia que valoriza cada gesto, iniciativa e pro-jeto dos sujeitos sociais. Nesta direo, a denominada cartografia da ao possibilita o exame simultneo de formas de apropria-o do espao urbano e de sentidos da ao, incluindo as suas ori-gens, objetivos, formas de manifestao e simbologia.

    A investigao feita por dois grupos de pesquisa: Labora-trio da Conjuntura Social: Tecnologia e Territrio (LasTro), do IppUr/UFrj, e Laboratrio de Estudos Metropolitanos (LeMe), do Grupo de Pesquisa Urbano, Territrio e Mudanas Contem-porneas, da Faculdade de Formao de Professores (FFp), da Uerj / So Gonalo. O LasTro possui uma dcada de experin-cia no desenvolvimento da metodologia da cartografia da ao e tem permitido que esse exame acontea por meio de uma rede

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    A trajetria da pesquisa

    A anlise da apropriao do espao urbano por jovens que resi-dem, estudam e/ou trabalham no municpio de So Gonalo (rj), situado a leste da baa de Guanabara da metrpole do Rio de Janeiro, teve como pressuposto o dilogo entre sociologia, geogra-fia e educao. Recorre-se a diferentes mtodos e tcnicas de pes-quisa, entre os quais se destacam as metodologias da cartografia da ao e da pesquisa-ao e, ainda, a tcnica dos grupos focais.

    Em articulao com estas opes de mtodo foram utilizados o geoprocessamento de estatsticas referidas s condies de vida, estrutura urbana e ao transporte pblico; mapas mentais; entre-vistas abertas e questionrios. A investigao dedicada juven-tude de So Gonalo (rj), destacando as suas condies de vida e anseios relacionados apropriao do espao urbano. Em um contexto marcado pela violncia que atinge, sobretudo, os jovens entre 14 e 24 anos e pela carncia de oportunidades de trabalho e de formao intelectual, prope-se a realizao de uma pesquisa que valoriza o protagonismo da juventude no desvendamento de intervenes urbanas. Intervenes estas que reduzem as desi-gualdades sociais, a fragmentao territorial e as diversas formas de espoliao (Kowarick, 1975) que se repetem no cotidiano de municpios perifricos da regio metropolitana do Rio de Janeiro.

    Trata-se, portanto, de um municpio submetido a fortes pres-ses sociais, que se sobrepem carncias urbanas acumuladas em sua trajetria histrica recente (Cordeiro, 2009). No muni-cpio de So Gonalo, que apresenta o quarto produto interno bruto e abriga o terceiro colgio eleitoral do estado, a juventude das classes populares tem os seus anseios de realizao individual tolhidos pela pobreza e pelo isolamento, em comunidades que mais enclausuram do que ensinam e libertam (Carrano, 2002; Bauman, 2003).

    esta trajetria que conduzir a integrao entre tcnicas quantitativas e qualitativas de pesquisa utilizadas no treinamento e no dilogo com os jovens integrantes da equipe do projeto e dos diferentes grupos focais. Esta integrao de tcnicas corresponde

    o Estado. E com isso, sim, ns podemos correr o risco, de ver cres-cer e se afirmar quase exclusivamente a leitura militar das rela-es sociais ou o crescimento dos ativismos. Em ambos os casos, a imposio poltica deseja ser dominante, caso contrrio, nego-ciao teremos o extermnio do opositor. O que agora aconteceu, pode acontecer muitas outras vezes mais, e isso com o apoio pro-duzido por uma sociedade em grande parte envolvida num uni-verso informacional que muito difcil de analisar e criticar.

    necessrio, assim, alargar os dilogos no s com as dis-ciplinas, mas tambm com outros saberes, com a fala do outro, com a leitura do outro, para que a banalizao que est no espao banal no seja tambm a do controle, e sim a necessria ao di-logo. E nos parece que mais do que nunca se faz necessria a epis-teme dialgica e a democrtica, efetivamente democrtica, que procure realmente fazer representar todos os outros, os muitos outros, para que todos ns, ou a maior parte possvel, estejamos nas nossas representaes do espao e da sociedade. Assim, se poder contrariar a ao que se d de cima para baixo. Para des-cobrir como realizar isso, necessria a leitura horizontal e a de baixo para cima.

    Aderimos proposio de Max Weber (2000) de que nem todo tipo de ao ao social. A ao externa aquela orientada exclusivamente pela expectativa de determinado comportamento de objetos materiais, projetos no ditos, que estimulam consumos e comportamentos. A ao social aquela que pressupe sentidos (racional, emocional, orientada por valores), sentidos de imann-cia, mas tambm sentido de transcendncia, portando sentidos de conscincia. A cartografia da ao social refere-se, sobretudo, s formas de protestos, reivindicaes, vnculos sociais que aca-bam por desenhar novas configuraes espaciais e sociais, repre-sentaes espaciais de trajetos vividos e experimentados. Eles acontecem, sobretudo, nos contextos perifricos metropolitanos, de espaos carentes de bens culturais e de formas de expresso da juventude, esta atravessada pelas dvidas, incerteza de trabalho, de futuro, de sociabilidades (Ribeiro, 2000, 2003 e 2004, Ribeiro et al. 2001 e 2002, 20052006, Ribeiro e Silva, 2000).

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    tm indicado a gravidade desta crise por meio dos seguintes des-locamentos conceituais: da segregao fragmentao e da mar-ginalizao excluso.

    Compreendendo os contextos sociais e espaciais

    A multiplicao de conflitos sem traduo em projetos defendidos na esfera pblica, observada na regio metropolitana do Rio de Janeiro, constitui-se num dos mais claros sintomas da crise socie-tria. Da mesma forma, so seus sintomas: a militarizao do coti-diano e o encerramento da experincia urbana das classes popula-res em espaos isolados e submetidos a formas paralelas de poder e ao medo (Delumeau et al., 2002; Caldeira, 2000; Souza, 2008).

    So erguidas, por estes processos, novas e quase intrans-ponveis barreiras fsicas e socioculturais, que reduzem as pers-pectivas de futuro da juventude a um aqui e agora precrio e incerto. Estes processos adquirem especial intensidade em muni-cpios perifricos, como o caso de So Gonalo (ver Cordeiro, 2008 e 2009). Nesses municpios, a vulnerabilidade das fam-lias soma-se pobreza do ambiente construdo, gerando um ac-mulo de fatores responsveis pela excluso social e pela manu-teno de preconceitos. Refletindo essas condies do presente, o projeto destaca o territrio como uma dimenso da experin-cia urbana que adquire grande centralidade para a compreenso das carncias coletivas e das representaes sociais que orientam a vida cotidiana.

    Compreende-se que as qualidades do territrio e as territo-rialidades construdas pela juventude das classes populares for-mam uma mesma realidade que precisa ser reconhecida para que o jovem amplie a sua capacidade de ao e, em consequncia, de conquista de seus direitos de cidadania, onde se incluem os direi-tos urbanos. Para isto, indispensvel contrapor ao predomnio do espao concebido (Lefebvre, 1969 e 2000), do espao abstrato, as representaes do espao vivido que incorporem o territrio usado e praticado (Santos, 1987 e 1993; Ribeiro, 2003) pela juven-tude. A valorizao dessas representaes, conjugada a infor-

    tanto natureza dos fenmenos estudados quanto ao intuito de apoiar, com informaes consistentes e convincentes, as reivindi-caes urbanas da juventude do municpio de So Gonalo (Bob-bio, 1992 e 1997). O desafio tcnico do projeto decorre dos nexos espao-temporais da ao social (Santos, 1996), cuja considera-o cada vez mais indispensvel s intervenes no presente que visam o alcance de uma vida urbana mais justa e solidria.

    Os tempos da periferia, refletidos a partir dos tempos da juventude, formam territorialidades geradas por limites, projetos, desejos e tambm pelo imaginrio, o que impe que a ao social, predominantemente estudada pela sociologia, no seja desco-nectada da teoria crtica do espao. Como adverte Boaventura de Souza Santos: Comeamos a ver que cada um destes tempos simultaneamente a convocao de um espao especfico que con-fere uma materialidade prpria s relaes sociais que nele tm lugar (1991, p. 63).

    Identificar essas relaes, sustentando sua compreenso em anlises de contextos que contemplem meios e obstculos ao social, corresponde, na perspectiva do projeto, a uma real pos-sibilidade de apoio construo de vnculos sociais entre dife-rentes segmentos da juventude de So Gonalo e concepo de projetos que possam enriquecer a vida cotidiana no municpio.

    Por fim, a experincia construda pela pesquisa, com seus instrumentos e produtos, formar um acervo documental que permitir sua reproduo em outros municpios da periferia da regio metropolitana do Rio de Janeiro. As fraturas e as desigual-dades sociais transformaram a regio metropolitana do Rio de Janeiro, nas ltimas dcadas, em um real epicentro da crise socie-tria. Neste tipo de crise, obstculos socialidade e, portanto, construo de vnculos sociais, manifestam-se por impedimentos socializao (compartilhamento de valores) e sociabilidade (interaes sociais).

    Nestas circunstncias, o esgaramento do tecido urbano inclui a reduo da adeso s instituies sociais, o que, na ausncia de novos processos instituintes, significa aumento da violncia, inclusive simblica (Lojkine, 2002). As cincias sociais

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    So Gonalo, que rene pessoas de diferentes origens municipais, relativiza e articula o estar ligado pelas perspectivas de dentro e de fora, da casa e da cidade.

    Para o grupo, So Gonalo o lugar das igrejas e da sina-goga, onde amizades, identificaes e investigaes podem ser construdas nos bairros de Porto Novo, Porto Velho, Santa Iza-bel, Alcntara e Patronato. O lugar da faculdade da vida univer-sitria, por unanimidade, o melhor lugar, onde os locais e os de fora, que moram em repblicas, se encontram, numa das escas-sas redondezas em que estabelecimentos ficam abertos at mais tarde, permitindo que pessoas de origens diversas possam se conhecer e a outros frequentadores populares. A, at a ciclovia faz parte do lugar. Este o centro, j que So Gonalo um lugar de poucos bares com msica e boates. Academias de musculao e artes marciais localizam-se perto de outras atividades: a facul-dade, o trabalho ou a moradia.

    As pracinhas e os campinhos deveriam ser os lugares cata-lizadores da convivncia, da diverso; mas eles so inexistentes. Se as crianas usam canteiros entre pistas de automveis para se divertirem com bola, porque faltam os campinhos de terra batida. Quando eles existem, como no Mutondo, o campo de fute-bol passa a ser o lugar de encontro no fim de semana entre tur-mas de amigos, com idades variadas, envolvendo o jogo, a cer-veja e, at mesmo, as brigas de turma.

    So Gonalo tambm pode ser repulsivo para estudantes de fora do municpio que para l se mudam durante os perodos letivos: a cidade enseja experincias de estranhamento e rejei-o para quem vem de lugares pacatos, onde as pessoas moram com pelo menos 50m de distncia umas das outras. Em So Gon-alo, esses estudantes vivem em bairros aglomerados, em pr-dios onde a vizinhana est colada e os vizinhos costumam ter contato visual constante entre si, mesmo estando dentro de casa. Ou ainda, o estranhamento e a rejeio advm do tempo despen-dido no trajeto para o trabalho nos horrios de pico entre o bairro aglomerado de Porto Novo e a rea comercial e de trabalho de Alcntara. Aqui, somam-se a hora e meia no transporte extrema explorao a que submetido o trabalhador do comrcio tradi-

    maes que viabilizem o conhecimento multiescalar do espao urbano, permitir aos jovens participantes do projeto ter acesso a uma cartografia detalhada e ativa do espao em que habitam, estudam e/ou trabalham. Este acesso ser acompanhado de opor-tunidades de exposio e debate de dificuldades vividas no coti-diano e de anseios relacionados dinmica da vida urbana.

    Nesta direo, o uso de instrumentos de pesquisa (ver meto-dologia e metas) que articulam tecnologia e cognio (Dupuy, 1996), constitui um compromisso do projeto, viabilizando a supe-rao de mecanismos culturais que tendem a limitar anseios ao que considerado como imediatamente disponvel ou alcanvel (Certeau, 1994 e 1998).

    O desenho do projeto expressa a compreenso de que a pes-quisa precisaria ser concebida de forma a integrar avanos no processo de conhecimento ampliao da participao social na esfera pblica e oferta de subsdios para a implementao de intervenes urbanas que reduzam desigualdades sociais; estimulem a sociabilidade e possibilitem o usufruto do espao urbano pela juventude de 15 a 29 anos. H a necessidade de uma nova episteme, dialgica e aberta, que desvende espaos de esperana, como props David Harvey (2004), no cerne das dife-rentes faces da crise societria.

    O olhar da juventude residente em So Gonalo

    Com base no grupo focal realizado em 31 de maro de 2010, com graduandos veteranos da Faculdade de Formao de Professores da Uerj, foi possvel conhecer um pouco o universo desses jovens de 20 a 26 anos, compreender as suas trajetrias sociais e espa-ciais. Para eles, estar ligado a So Gonalo fazer parte da hist-ria do lugar e, ao mesmo tempo, compartilhar diferentes modos de vida; pois, os diferentes lugares fazem parte tambm da pr-pria histria do indivduo. reviver, pela visita ou nos percur-sos, os lugares que ligam a lembrana s atividades da infncia e da adolescncia e, ainda, os lugares que ligam as novas ativida-des ao presente do sujeito. A experincia universitria a partir da Faculdade de Formao de Professores da Uerj (FFp/Uerj) em

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  • 36 Cartografia da ao e a juventude na cidade Cartografia da ao e a juventude na cidade 37

    com aqueles terrenos onde so construdas casas espaosas, que dividem o terreno com varandas, ptios e quintais, dando outro recorte ao modo de vida local. Indicaram ainda que parece existir um desconhecimento dos moradores de bairros populares sobre o seu lugar no espao urbano.

    Qualquer pequena melhoria relativa s ms condies de vida vista como uma grande contribuio do poder pblico. Segundo os depoentes, movimentos de bairro deveriam se asso-ciar de forma autnoma a assessorias tcnicas, para que, por exemplo, o asfaltamento seja acompanhado por infraestruturas independentes de esgotamento fluvial do sanitrio. Caso contr-rio, os problemas decorrentes ultrapassam os anteriores.

    Por isso, a estrutura de So Gonalo no se compara de Niteri. Falta infraestrutura e lugares de encontro e atividades culturais. Na verdade, o municpio deve ser equiparado a outro tipo de municpio, como Cabo Frio, por exemplo, para, depois, confront-los a Niteri.

    A questo debatida pelo grupo focal como desdobramento tratava dos determinantes do pertencimento: ser a densidade de equipamentos urbanos que qualifica os pertencimentos ou so as relaes sociais estabelecidas a partir do lugar de existncia que possibilitam o convvio, os momentos de reflexo sobre as condi-es de vida e a luta por melhorias? Ficou esta questo no ar.

    As mobilizaes polticas em So Gonalo foram debatidas sob o ngulo do tempo da organizao de lutas:

    1 Em funo da momentaneidade com que se experimenta a indignao frente a transtornos permanentes e recorrentes; quando (e onde) a indignao pode durar dois ou trs dias. Em resposta, os depoentes salientaram que os compromissos do coti-diano impedem qualquer possibilidade de mobilizao ampliada ou coletiva, em termos de reunio de pessoas que compartilhem as mesmas dificuldades.

    2 Por meio do aprendizado de quais condies desfavor-veis, experimentadas individual e coletivamente, podem levar as pessoas associao, iniciando procedimentos de mobilizao para a conquista de melhores condies de vida.

    A participao das classes mdias na luta por melhorias em

    cional, chegando a trabalhar diariamente, de forma ininterrupta, at 10 horas.

    Para o grupo, Alcntara tambm o lugar da desigualdade, onde meninos permanecem nas ruas, em frente s lojas, usando a praa para solucionar todas as suas necessidades de sobrevi-vncia: Onde tambm um inferno, onde a gente se aglomera, quente, imundo. Outros lugares hostis reconhecidos, alm das aglomeraes de Alcntara e Porto Novo, so: Galo Branco (cons-tantes assaltos), Coluband, Tribob (falta de asfaltamento e iluminao).

    O tempo despendido na circulao e no trabalho acaba, segundo os depoentes, por inviabilizar o prprio usufruto da vida domstica. Em outro sentido, a vida universitria incluindo o deslocamento dirio at o bairro Patronato consome o tempo que poderia ser aproveitado na circulao livre e com intuito exploratrio ou, mesmo, para atividades culturais. No entanto, a vida universitria colocaria os alunos em contato com um cir-cuito especfico de atividades e compromissos, fazendo com que a experincia universitria surja como matriz da identidade espa-cial e norte da circulao.

    Por outro lado, a possibilidade de uma vida coletiva em outros municpios, como o Rio de Janeiro e Niteri, onde esto concentradas as atividades culturais e econmicas, na viso dos estudantes, compensada pelo o ritmo de vida mais calmo da cidade de So Gonalo, que tem origens e histria de vida dife-rente. O estresse do trabalho em outros municpios da metrpole do estado compensado por uma circulao em diversos bairros onde a sensao de estar em casa, em oposio estranheza causada por estar frequentando e vivenciando ambientes anlo-gos, em outros municpios.

    Os estudantes do grupo focal declararam que na arquitetura da cidade surge outro indicador visvel do modo de vida em So Gonalo. As diferenas de concepo da moradia entre as classes sociais, materializadas no aproveitamento dos terrenos residen-ciais com suas construes, produzem fortes contrastes: nas reas populares, os terrenos so mais baratos e as construes so intensivas e ocupam ao mximo o lote adquirido, em contraste

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  • 38 Cartografia da ao e a juventude na cidade Cartografia da ao e a juventude na cidade 39

    de apropriao da cidade e da metrpole um desafio importante para orientar a gesto territorial e abrir novos caminhos para pos-sibilitar novas formas de sociabilidades.

    Referncias

    Zygmunt BaUMaN. Comunidade: a busca por segurana no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2003.

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    e cidadania em So Paulo. So Paulo: Ed. 34 / eDUsp, 2000.Paulo Cesar Rodrigues CarraNo. Os jovens e a cidade: identidades

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    Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.Henri LeFeBvre. O direito cidade. So Paulo: Documentos, 1969. La production de lespace. 4. ed. Paris: Economica Editions,

    2000. Col. Anthropos.

    seus bairros (Camaro, Centro, Patronato, Alcntara etc.) so tra-vadas na esfera jurdica e anunciadas em faixas penduradas nas vias de maior circulao e visibilidade. J as formas mais indig-nadas e populares de protesto e a luta por melhorias das classes populares por melhorias adquirem a forma de incndios de lixo e de objetos de mdio e grande porte nas ruas de maior movimento dos bairros desassistidos.

    Entre os estudantes, a mobilizao poltica em So Gonalo parece obedecer a uma lgica na qual os alunos do ensino mdio se mobilizam mais que os do ensino superior. Por outro lado, o movimento universitrio recebe maior adeso dos universitrios que vem de fora de So Gonalo. Tambm h uma grande expec-tativa desses setores mobilizados pelo alcance de compromissos com a produo acadmica e com a educao pblica, gratuita e socialmente referenciada.

    No momento propositivo da sesso, surgiram duas deman-das: a primeira, pela transformao de So Gonalo em um muni-cpio formador de atletas por meio da multiplicao dos centros ou quadras poliesportivas, incluindo reas menos urbanizadas e aces-sveis, geridas pelas comunidades via associao de moradores e apoiadas ou supervisionadas por entidades tais como universida-des, sesC etc., com clara autonomia em relao ao governo muni-cipal. A segunda diz respeito incluso da antropologia na for-mao aos futuros professores e bacharis, fazendo com que esses passem um semestre dedicados ao envolvimento vivencial com o tema a ser trabalhado em suas monografias de final de curso.

    Algumas consideraes

    Trata-se de uma proposta metodolgica da cartografia ao junto juventude em municpios perifricos, levando em conta a abor-dagem crtica em que as metrpoles devem ser averiguadas como lcus de contradies entre inovaes, modernizao e pobreza; so lugares de aglomerao urbana, concentrao demogrfica e centralizao das atividades secundrias e tercirias. Ouvir os jovens e conhecer suas trajetrias, suas formas de compreenso e

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    Cartografias e lutas sociais: notas sobre uma relao que se fortaleceRenato Emerson dos Santos

    A cartografia, como corpo disciplinar acadmico e cientfico, tem seu desenvolvimento atrelado ao processo de eurocentrismo do mundo, num perodo histrico conhecido como modernidade. Seu desenvolvimento foi tambm, portanto, associado ao estabe-lecimento de uma ordem e afirmao de hegemonias em rela-es de poder, o que a tornou historicamente um instrumento de dominao e controle.

    Como nos mostrou, entre outros, Lacoste (1988), a repre-sentao cartogrfica do espao sempre foi um trunfo de grupos hegemnicos. O controle do instrumento cartogrfico, dos pro-cessos de produo e das formas de representao (postulados, concepes etc.) durante muito tempo despertou pouca ateno de foras e grupos contra-hegemnicos. Isto permitiu que, por sculos, a cartografia se mantivesse praticamente inclume frente s disputas sociais nas quais ela era um instrumento a servio de foras dominantes, o que serviu para reforar um discurso (posi-tivista) de que ela era apenas uma tcnica calcada na neutrali-dade de suas bases. Permitiu tambm o amplo desenvolvimento de formas de mentir com os mapas (Monmonier, 1996).

    No perodo recente, entretanto, um conjunto cada vez maior de experincias vem indicando transformaes (ou ao menos ten-dncias) no campo da cartografia. Diversas experincias de car-tografias vinculadas a movimento sociais vm mostrando que parece haver algo novo no campo. O novo parece ser o uso da cartografia como instrumento de lutas de grupos socialmente des-favorecidos e no apenas um instrumento de dominao, como historicamente foi desenvolvida a cartografia moderna. Aponta-mos, entretanto, que esta dimenso conflituosa do uso da car-tografia tambm vem envolvendo transformaes no prprio objeto cartogrfico, e no processo de produo deste objeto.

    Processo, objeto e uso cartogrfico so trs dimenses da

    Jean LojkINe. Les sociologies critiques du capitalisme: en hommage Pierre Bourdieu. Paris: Presses Universitaires de France, 2002.

    Ana Clara Torres RIBeIro, et al. Por uma cartografia da ao: pequeno ensaio de mtodo. Cadernos ippur, ano 15 e ano 16, n. 1 e n. 2, 2001 e 2002.

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    Relatrio tcnico-cientfico do projeto: cartografia da ao e anlise de conjuntura: reivindicaes e protestos em contex-tos metropolitanos (quatro volumes). Programa Cientista do Nosso Estado, Rio de Janeiro: Faperj, 20052006.

    Ana Clara Torres RIBeIro e Catia Antonia da SILva. Faces ativas do urbano: mutaes num contexto de imobilismos. In: Ana Clara Torres RIBeIro (org.). Repensando a experincia urbana da Amrica Latina: questes, conceitos e valores. Buenos Aires: CLaCso, 2000.

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    A crtica da razo indolente: contra o desperdcio da experin-cia. So Paulo: Cortez, 2000.

    Milton SaNTos. O espao do cidado. So Paulo: Nobel, 1987. A natureza do espao: tcnica e tempo, razo e emoo. So

    Paulo: Hucitec, 1996.Marcelo Lopes de SoUza. Fobpole: o medo generalizado e a milita-

    rizao da questo urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.

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  • 42 Cartografias e lutas sociais Cartografias e lutas sociais 43

    tais vivenciadas pelos povos da Amaznia, central na campa-nha Na floresta tem direitos: justia ambiental na Amaznia uma iniciativa de movimentos sociais, entidades, oNGs e redes da Amaznia.

    O mapa foi elaborado sob responsabilidade tcnica da Fede-rao de rgos para Assistncia Social e Educacional (Fase),2 por meio de uma metodologia participativa: foram coletadas informaes fornecidas pelos prprios movimentos, em encon-tros e eventos. A coleta foi executada principalmente por meio da exposio de mapas impressos aos participantes e lideranas dos movimentos que nele indicavam os conflitos vivenciados e suas localizaes. A indicao ia alm, na verdade: eles tambm qua-lificavam os conflitos socioambientais, apontando as atividades e prticas que causam tal degradao, sua localizao e os atores a envolvidos.

    Abrangendo toda a Amaznia Legal, o mapa foi utilizado como um instrumento de denncia e presso junto ao Ministrio Pblico Federal e outras autoridades competentes, e tambm para a articulao de organizaes, entidades, movimentos sociais na luta por alternativas locais que assegurem o desenvolvimento da Amaznia com justia ambiental e garantia dos direitos humanos.

    O mapa opera com uma classificao dos conflitos por agenda, do que so definidas 14 modalidades: recursos hdricos; queimada e/ou incndios provocados; pesca e/ou caa preda-tria; extrao predatria de recursos naturais; desmatamento; garimpo; pecuria; monocultivo; extrao madeira; grandes pro-jetos; regularizao fundiria; ordenamento territorial; violncia fsica declarada; moradia.

    Foram identificados 675 focos de conflitos socioambientais por todo o territrio da Amaznia Legal que, classificados e asso-ciados cada qual a um smbolo, tm a sua espacializao (e, con-sequentemente, identificados os focos de concentrao) expressa no mapa. Outro aspecto interessante do mapa o conjunto de

    2 As informaes a seguir, bem como o mapa, foram extrados da pgina de internet da Fase. Disponvel em: . Acesso em: 20 set. 2006).

    cartografia que vm sendo tensionadas por e com base em jogos de poder. Diversos atores vm se inserindo em disputas que arti-culam cartografias e relaes de poder onde o que est em jogo pode ser, por exemplo, o controle do territrio, de propriedade, de comportamentos e relaes sociais, de processos polticos ou, das prprias formas e instrumentos de representao.

    A valorizao poltica e analtica da dimenso espacial de fenmenos, processos, objetos e atores transforma os instrumen-tos de representao espacial cada vez mais no centro de dispu-tas de poder. Esta valorizao do espao que faz com que a car-tografia cada vez mais se cruze com jogos e disputas, ou, ela pr-pria se torne objeto de disputa. Sem a pretenso de esgotar o debate, trazemos aqui alguns exemplos de aes nestas disputas.1

    Novos atores na cena cartogrfica

    O campo da cartografia est sendo tensionado por (e em) diver-sos sentidos. Tomemos alguns exemplos em curso, no Brasil e em outras partes do mundo, que provocam nossa reflexo. Um pri-meiro fenmeno o uso crescente de objetos cartogrficos como instrumento de luta por movimentos e articulaes de movimen-tos sociais. Os objetos cartogrficos esto sendo utilizados como leituras (sociais) do territrio que so confrontadas s oficiais e/ou de atores hegemnicos, mas tambm como instrumentos de (fortalecimento de) identidade social e de articulaes polticas ou seja, na sua plenitude de instrumento de representao que exprime a realidade (segundo pontos de vista, posies defini-das) e tambm ajuda a construir a prpria realidade.

    Estes usos cartogrficos podem ser exemplificados com o caso do Mapa dos conflitos socioambientais da Amaznia Legal: degradao ambiental, desigualdades sociais e injustias ambien-

    1 Valemo-nos aqui das anlises que realizamos no relatrio da pesquisa Cartografagens da ao e dos conflitos sociais: anlise comparativa de ob-servaes e representaes do espao-tempo do fazer poltico, coordenado por ns e apoiado pela Faperj. Neste, coletamos e analisamos 34 experincias de cartografias relacionadas a lutas, movimentos sociais e disputas sociais e cartogrficas.

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  • 44 Cartografias e lutas sociais Cartografias e lutas sociais 45

    antirracismo, e, em Salvador, pela prefeitura e o Centro de Estu-dos Afro-Orientais da UFBa, com recursos da seppIr e da Funda-o Cultural Palmares.

    O ponto de partida para a elaborao do mapeamento a constatao e a reivindicao dos movimentos sociais sobre a invisibilidade das religies afro-brasileiras nos cadastros ofi-ciais. Essa invisibilidade aparece como uma dimenso institu-cional da negao da herana africana pelo Estado brasileiro, o que ao longo da histria j assumiu a forma da perseguio poli-cial, fechamento de casas e mesmo assassinatos de praticantes. Hoje ela aparece na forma do desconhecimento que este mesmo Estado sustenta em relao a estes grupos, muitos ento coloca-dos na condio de ilegalidade por conta desta violncia espiri-tual, religiosa e epistmico-cultural.

    A ausncia de informaes sobre estas religies nos formu-lrios censitrios, que s foi revertida no censo 2010, impossibili-tava reivindicaes de aes do Estado em relao aos praticantes destas religies. Esta falta de informaes sistemticas e reconhe-cidas, ao contribuir para a invisibilidade destas religies, con-cedia terreno para a reproduo de violncias e perseguies s religies de matriz africana, que vm se avolumando nos ltimos anos no Brasil. A cartografia neste caso , portanto, um instru-mento de reconhecimento estatal dos grupos envolvidos, instru-mento de fortalecimento de articulaes e identidades, e tambm uma ferramenta para a promoo de polticas pblicas.

    Essas dimenses aparecem tambm numa srie de iniciati-vas de mapeamento participativo nucleadas pelo projeto Nova Cartografia Social da Amaznia, coordenado pelo antroplogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, vinculado ao ppGsCa/UFaM (Programa de Ps-Graduao em Sociedade e Cultura da Ama-znia), financiado pela Fundao Ford e que j gerou quase duas centenas de fascculos resultantes de oficinas de mapeamento participativo. Trata-se de uma cartografia elaborada pelos pr-prios grupos sociais que ela representa no mapa, um processo no qual membros de um determinado grupo registram quem so, onde e como vivem. O que se busca, portanto, no mapear

    objetivos elencados como motivadores para sua confeco, que denotam as decises estratgicas tomadas em torno dele:

    1 dar visibilidade aos conflitos socioambientais na regio; 2 ser instrumento de presso e denncia; 3 auxiliar no diagnstico local, desmistificando o que

    tem sido chamado de desenvolvimento e progresso para a Amaznia;

    4 carter educativo no sentido de possibilitar a organizao e mobilizao;

    5 viabilizar o dilogo com dados oficiais; 6 contribuir no planejamento das aes das organizaes

    populares, indicando caminhos estratgicos e alianas/parcerias.A estes, agrega-se um aspecto concernente prpria forma

    como o mapa construdo: a metodologia participativa, em que os prprios sujeitos coletivos, que conhecem e vivenciam os impac-tos negativos das atividades degradantes existentes em suas loca-lidades, identificam os conflitos e constroem o mapeamento. Isso se constitui, cabalmente, num aprendizado da operao de refe-rncias espaciais no pensar e no fazer da sua experincia de luta: ao indicarem sobre um mapa os conflitos vivenciados, sua locali-zao, quais so as agresses e os sujeitos coletivos envolvidos, os participantes esto aprendendo e apreendendo novas formas de pensar para agir, o pensar no espao, e o pensar com o espao.

    Neste caso, o objeto cartogrfico instrumento de identi-dade e articulao, e tambm de disputa nas leituras e represen-taes da realidade que servem de base para tomadas de deci-so e aes. Tal quadro tambm aparece em recentes iniciati-vas de mapeamento de casas de religies africanas, que esto sendo realizados, por exemplo, no Rio de Janeiro e em Salva-dor, como resultado da luta de setores do Movimento Negro Bra-sileiro contra a intolerncia religiosa, por meio do levantamento e visibilidade das casas religiosas que o mapa promove. No Rio de Janeiro, o mapeamento est sendo realizado atravs da parce-ria entre a Secretaria Especial de Polticas de Promoo da Igual-dade Racial (seppIr, do Governo Federal, que conhecida como o ministrio da igualdade racial), a pUC-Rio e movimentos sociais

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  • 46 Cartografias e lutas sociais Cartografias e lutas sociais 47

    o de representaes configura uma forma distinta de ativismo cartogrfico do ncleo.

    Todas essas experincias que acabamos de analisar tm, em maior ou menor grau, uma tenso em relao ao objeto carto-grfico, ao seu uso e, sobretudo no caso do pNCsa, ao processo de produo cartogrfica. Elas tm tambm em comum o fato de que, em sua maioria, um dos interlocutores fundamentais o Estado. Mas, se de um lado elas nos mostram que uma crtica (s) cartografia(s) oficial(s) vem se fortalecendo, de outro elas nos chamam a ateno para um olhar sobre como o Estado vem rea-gindo neste debate sobre objetos, usos e processos de produo cartogrfica. E o Estado se revela fundamentalmente uma com-plexa e mltipla arena, muito mais do que um ator.

    Verificam-se diversas formas de reao do Estado s dis-putas em curso no plano da produo cartogrfica. Uma delas a reao negativa: nas tramas de poder em que atores contra-hege-mnicos se utilizam de instrumentos cartogrficos, o setor do Estado diretamente envolvido pode adotar a negao, a desqua-lificao, ou a notvel ignorncia em relao quilo que trazido pelos movimentos na forma da representao cartogrfica. Entre-tanto, o que nos chama mais ateno o fato de que, dentro do prprio Estado, de maneiras ambguas, multilocalizadas e con-traditrias, tambm h variados graus de permeabilidade a pro-cessos e objetos cartogrficos assemelhados queles que esto no ncleo da convergncia entre cartografia e lutas sociais.

    Polticas pblicas recentes comeam a incorporar processos de mapeamentos participativos. Este no um processo linear, unidirecional, nem isento de contradies. Ele envolve, na ver-dade, mltiplas dimenses: incorporao da participao de gru-pos que so chamados de pblico alvo em processos de formu-lao e/ou execuo de polticas pblicas ou, quase sempre, em partes bem definidas destes processos, e com restrita capacidade de deciso e interferncia; incorporao de elementos, linguagens e vises de mundo tradicionalmente excludos de cartografias ofi-ciais o que envolve dilogos interculturais em alguns processos.

    Um exemplo de poltica pblica que incorpora mapeamen-tos participativos o projeto Maplan (tambm chamado de pro-

    os grupos, mas sim, permitir aos grupos que eles prprios se mapeiem, e este processo de (auto)mapeamento denominado, segundo o prprio ncleo, de mapeamento situacional.

    Este processo de mapeamento traz ntida influncia do pen-samento situacionista, que pregava o combate alienao pro-duzida pela sociedade capitalista por meio da valorizao das vises dos indivduos que vivem as relaes. Com isto, buscava-se romper com a passividade inerente sociedade do espetculo (Debord, 2003), dentro da qual indivduos e grupos desfavoreci-dos so transformados em espectadores e participantes passivos diante de um roteiro sobre o qual no tm qualquer influncia.

    Com base nessa influncia, a cartografia do pNCsa vai valo-rizar as vises da realidade daqueles que a vivem, mas so des-titudos de fala na construo das representaes hegemnicas. Como esta matriz combate a rigidez na compreenso da reali-dade (sobretudo, das matrizes estruturalistas e funcionalistas), a cartografia situacional vai se propor tambm uma representa-o transitria e parcial de uma realidade. Como afirma Alfredo Wagner (2009, p. 4), o mesmo grupo pode num outro momento refazer um mapa e gerar um produto cartogrfico completamente diferente. A valorizao de identidades inerente construo dos mapas enquanto representaes ganha um componente cen-tralmente poltico, pois na vivncia de conflitos, interlocues, embates e articulaes que so engendrados os esforos mobiliza-dores de ao coletiva que constituem os grupos que se pem em processo cartogrfico. Cada mapa produzido trata-se, portanto, de uma leitura contextualizada da realidade.

    O pNCsa , sem dvida, a maior articulao de experin-cias de mapeamento participativo no Brasil e na Amrica Latina. , para nossa anlise, um grupo concentrador de experincias sociais de mapeamento, que difunde objetos cartogrficos para a luta e tambm difunde um modelo de construo de represen-taes cartogrficas. Para os grupos (auto)mapeados, esta ao constri um instrumento til em suas lutas, alm de transmi-tir aprendizados sobre como elaborar (participativamente) um mapa e sobre como raciocinar por meio do espao sobre suas pro-blemticas e lutas. Mas esta difuso de um modelo de constru-

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    O diagnstico participativo aparece, na perspectiva indicada, como um instrumento de valorizao da voz e da fala de grupos desfavorecidos, portanto, um instrumento de equilbrio democr-tico; e um instrumento de enquadramento desta fala em formatos (ou, meios) vlidos de conhecimento. Com isto, torna-se tambm paradoxalmente um instrumento de desqualificao das falas que no se encontram enquadradas neste mesmo formato, como as prprias formas de expresso dos grupos a quem se pretende dar voz. Torna-se, portanto, uma tecnologia de gesto social que, se no discurso (e, por que no, tambm na prtica) instrumento de fortalecimento e luta de grupos, tambm o de desqualificao de outras falas e expresses dos mesmos grupos.

    Dentro deste paradoxo, opera-se a juno das tcnicas de Sistema de Informaes Geogrficas Participativo, conhecido como sIG Participativo, dos mtodos de diagnstico participativo, e de um cuidadoso arranjo pluri-institucional que garanta a utili-dade do processo para fins de planejamento. Este arranjo permite a participao com controle das relaes de poder envolvidas no processo de construo da poltica pblica, limitando a capaci-dade (ou o poder) dos grupos no hegemnicos.

    Estes paradoxos vm aparecendo tambm em processos de reconhecimento territorial baseado em pertencimento tnico e cultural, como com populaes indgenas e quilombolas no Bra-sil e em outros pases da Amrica Latina. Correia (2007) ana-lisa estes dilemas, realados enquanto ainda se desenrolam, num quadro de dilogo/conflito intercultural, em casos de reconheci-mento de terras indgenas no Acre. Ele mostra em casos empri-cos aquilo que analisa Hale (2002), que associa as prticas parti-cipativas de mapeamento emergncia de polticas baseadas no multiculturalismo, afirmando a existncia de um multicultura-lismo neoliberal, um paradigma de polticas estatais inserido na onda neoliberal que opera direitos culturais e diferena, mas de carter essencialmente conservador. Acselrad vai apontar dife-rentes apropriaes das prticas de mapeamento com incluso de populaes locais, ora por desenvolvimentistas participacionis-tas, ora por ambientalistas ou por agentes das polticas da dife-rena cultural e territorial (2010, p. 23).

    jeto Mapear), uma parceria do Governo do Estado do Cear com a Universidade do Arizona, para a elaborao de diagnsticos participativos como ferramentas para o planejamento do desen-volvimento local. A previso era de realizao dos trabalhos em 14 municpios, mas, pelas informaes disponveis, podemos con-firmar sua execuo em 8. Os municpios foram escolhidos a par-tir da gravidade de seu quadro social, medido pelos ndices de desenvolvimento humano e condies da populao local.

    A abordagem do trabalho parte do entendimento de que o processo de planejamento local deve, obrigatoriamente, incluir a opinio das populaes que porventura sofrero a interveno de polticas pblicas. Foram escolhidas regies no interior do Cear que, dentre outros problemas, sofrem com a fome e a seca. Os idealizadores do projeto acreditam que os residentes das comu-nidades possuem um entendimento prprio sobre inmeros fato-res que oferecem desafios frente ao processo de desenvolvimento da sua regio.

    Alm disso, h um consenso geral sobre a necessidade de estimular uma prtica de planejamento local que tenha como base a participao ativa das comunidades em todo o processo. O nvel de participao almejado deveria abranger tanto a defi-nio e descrio da problemtica local, quanto a discusso em torno das metas prioritrias e a prpria elaborao dos planos. Enquanto tecnologia de gesto social, o diagnstico participativo serviria como instrumento para a descentralizao da execuo das polticas, e este projeto ofereceria ento uma ferramenta ino-vadora de diagnstico participativo que poderia subsidiar e esti-mular um processo de desenvolvimento local.

    neste sentido que os mapas so usados: para promover as discusses de grupo, para auxiliar a identificao de condicionan-tes e potencialidades nas comunidades do interior, e para discu-tir sobre as metas de desenvolvimento das populaes. Ressalta-se que todas as informaes contidas nos mapas so fornecidas pelos prprios residentes. Os mapeamentos so, portanto, instn-cias de construo coletiva e participao aberta, que permitem conhecer a realidade por meio das memrias cotidianas de indiv-duos que convergem para um mesmo espao horizontal.

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    vm emergindo como instrumentos de luta de grupos historica-mente excludos de processos de representao e tomada de deci-so, mas, ao mesmo tempo, aparecem como tecnologia de gesto em diferentes processos de planejamento estatal, e nem sempre beneficiando a real democratizao do acesso a recursos.

    A relao entre cartografias e lutas sociais est profunda-mente mergulhada nesta bifurcao instrumento de dominao versus instrumento de luta de grupos desfavorecidos. Ela trans-forma o prprio processo de desenvolvimento das tcnicas e tec-nologias cartogrficas em objeto de disputa. Outra forma de ati-vismo cartogrfico que tem sido desenvolvida exatamente a disputa na criao, difuso e hegemonia sobre os meios, formas e instrumentos de produo cartogrfica. J comentamos este ati-vismo como algo inerente ao trabalho do projeto Nova Cartogra-fia Social da Amaznia. Entretanto, h muitos outros atores que disputam a construo de instrumentos tecnolgicos (como sof-twares, programas, ambientes, instrumentos como Gps etc.) e tambm de procedimentos (criando, por exemplo, manuais para mapeamentos participativos) para as cartografias participativas. Vejamos alguns exemplos.

    Uma das maiores articulaes de fazedores de mapas parti-cipativos do mundo aquela centrada em torno do IapaD / ppGIs / Mapping for Change. IapaD Participatory Avenues (Integrated Approaches to Participatory Development, ),3 que uma pgina na internet, criada em 2000, para com-partilhamento de conhecimento sobre mapeamento comuni-trio (community mapping). ppGIs (Open Forum for Participa-tory Geographic Information Management and Communication, ) outra pgina, um frum de executo-res de mapeamento participativo baseado em GIs, que rene tc-nicos de todos os continentes.

    Ambas as iniciativas foram criadas pelo mesmo tcnico, o

    3 Merece destaque, nesta pgina, uma extensa bibliografia disponibilizada, organizada por ano de publicao, com mais de mil textos entre artigos, teses, livros, trabalhos de congressos etc., sobre mapeamento participativo (experincias, problematizaes, polticas pblicas etc.) em todos os conti-nentes e, nas lnguas originais de escrita dos textos.

    Em meio a estas disputas de paradigmas (e, evidentemente, envolvidas nelas) esto os grupos desfavorecidos, diante de novos processos de modernizao e neocolonizao chamados de participativos.

    A participao um procedimento que est se consolidando como um princpio na execuo de polticas pblicas, e isso se d de maneira essencialmente paradoxal. Nas ltimas dcadas, dife-rentes ncleos sociais de enunciao tm problematizado, reivin-dicado, difundido e criado canais e mecanismos de participao de diferentes matizes ideolgicos. Esses canais e mecanismos so criados pela tenso entre limites estabelecidos pelo formatos representativo e participativo institudos pela democracia.

    Avritzer e Santos (2003), discutindo a ideia e experincias democrticas em alguns pases selecionados, dialogam com o conceito de que a chamada democracia representativa, historica-mente, alm dos representantes delegados com mandatos, gerou tambm uma poderosa burocracia, ou, tecnoburocracia, respon-svel por definir prioridades e tomar decises, que iam ento se afastando do prprio povo.

    Para nossa discusso, podemos inserir tambm os tcni-cos mapeadores dentro desta burocracia: so aqueles que tm o poder de definir critrios de verdade (o que plotado no mapa, e o que no ) que servem de base para tomadas de deciso. Este afastamento do anseio de grupos no representados no Estado fortalece a crtica e a proposio de canais orientados para o incremento da participao direta.

    nesta seara que emergem prticas e formatos institucio-nais voltados para uma concepo participativa de democracia, o que ser marcado