Simon RepensandoProducaoDistribuicaoAlimentosBrasil Perspectivas 9-10-1987

15
Perspectivas, São Paulo, 9/10: 21-35, 1986/87. REPENSANDO A PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS NO BRASIL Elias José SIMON* RESUMO: Neste estudo são analisadas algumas questões relacionadas à produção e distribuição dos alimentos no Brasil. A partir desta análise evidencia-se a existência de relações complexas entre os vários momentos do processo econômico, bem como a dominação exercida pelo capital industrial e/ou comercial sobre os pequenos agricultores. Os instrumentos de política agrícola exercem, principalmente através dos mecanismos de crédito, um papel relevante nessa condição de dominação. UNITERMOS: Produção e distribuição de alimentos; instrumentos de política agrícola. INTRODUÇÃO O "caminho" percorrido pelos alimentos desde sua produção até o consumo tem sido objeto de grande número de estudos e debates, no sentido de se procurar desvendar os principais fatores intervenientes nesse processo. Cada fase do processo é, por si só, um tema amplo e complexo, o que tem levado a inúmeras pesquisas que de uma maneira ou de outra procuram dar conta da problemática. Os alimentos, quando analisados pelo lado da produção, permitem captar a importância do trabalho familiar, a presença da pequena produção subordinada ou outras formas de organização da produção de alimentos dadas por um maior ou menor grau de penetração do capitalismo no campo. Pelo lado do consumo, torna-se relevante a discussão em torno da questão da distribuição da renda como determinante do grau de nutrição da população, bem como principal elemento de estímulo à expansão do mercado de produtos alimentares. * Departamento de Economia Rural - Faculdade de Ciências Agronômicas - UNESP - 18.600 - Bolucatu - SP.

description

Producao Distribuicao Alimentos Brasil

Transcript of Simon RepensandoProducaoDistribuicaoAlimentosBrasil Perspectivas 9-10-1987

  • Perspectivas, So Paulo, 9/10: 21-35, 1986/87.

    REPENSANDO A PRODUO E DISTRIBUIO DE ALIMENTOS NO BRASIL

    Elias Jos SIMON*

    RESUMO: Neste estudo so analisadas algumas questes relacionadas produo e distribuio dos alimentos no Brasil. A partir desta anlise evidencia-se a existncia de relaes complexas entre os vrios momentos do processo econmico, bem como a dominao exercida pelo capital industrial e/ou comercial sobre os pequenos agricultores. Os instrumentos de poltica agrcola exercem, principalmente atravs dos mecanismos de crdito, um papel relevante nessa condio de dominao.

    UNITERMOS: Produo e distribuio de alimentos; instrumentos de poltica agrcola.

    INTRODUO

    O "caminho" percorrido pelos alimentos desde sua produo at o consumo tem sido objeto de grande nmero de estudos e debates, no sentido de se procurar desvendar os principais fatores intervenientes nesse processo. Cada fase do processo , por si s, um tema amplo e complexo, o que tem levado a inmeras pesquisas que de uma maneira ou de outra procuram dar conta da problemtica.

    Os alimentos, quando analisados pelo lado da produo, permitem captar a importncia do trabalho familiar, a presena da pequena produo subordinada ou outras formas de organizao da produo de alimentos dadas por um maior ou menor grau de penetrao do capitalismo no campo. Pelo lado do consumo, torna-se relevante a discusso em torno da questo da distribuio da renda como determinante do grau de nutrio da populao, bem como principal elemento de estmulo expanso do mercado de produtos alimentares.

    * Departamento de Economia Rural - Faculdade de Cincias Agronmicas - UNESP - 18.600 - Bolucatu -SP.

  • Alm disso, preciso tambm ter presente os outros componentes do processo que se interpem entre a produo e o consumo, e que de certa forma so responsveis pela realizao do valor gerado na produo, atravs do mercado.

    Segundo MARX (13), nesse processo, a produo o verdadeiro ponto de partida e portanto o fator que prevalece, e entre a produo e o consumo interpe-se a distribuio. Quanto s relaes entre produo e distribuio, assinala que esta, antes de ser distribuio de produtos, distribuio dos meios de produo e dos membros da sociedade pelos diferentes gneros de produo. Assim: "A distribuio dos produtos manifestamente o resultado desta distribuio que, includa no prprio processo de produo, lhe determina a estrutura" (MARX, 13: 214). Em relao troca, entre outras coisas, afirma que a mesma tambm manifestamente um momento da produo, ou seja, aparece diretamente compreendida na produo ou por ela determinada. O consumo, por outro lado, que d ao produto o motivo que o justifica como produto, e sem produo no h consumo, mas sem consumo no haveria produo. No h dvida portanto de que h uma unidade entre esses momentos (produo, distribuio, troca e consumo) do processo econmico, e uma srie de relaes complexas entre eles.

    Este trabalho tem por objetivo discutir os fatores envolvidos na produo e distribuio de alimentos no Brasil, procurando apresentar um quadro que vai desde a presena da pequena produo de alimentos, passando pelas vrias formas de comercializao, pela importncia da agroindstria nesse processo, at a discusso de alguns instrumentos de poltica agrcola que tm sido utilizados. Trata-se de um estudo que no pretende dar conta de todos os aspectos que interferem nesse processo, mas faz uma tentativa de equacion-los, embora s vezes de maneira superficial.

    A PRODUO E DISTRIBUIO DOS ALIMENTOS

    Quanto produo dc alimentos, os estudos procuram situ-la conforme suas relaes com o desenvolvimento capitalista e o processo de acumulao no conjunto da economia.

    Um dos trabalhos que aponta para a colocao do problema nessa perspectiva o desenvolvimento por GRAZIANO DA SILVA et alii (7). Trabalhando com dados do INCRA, os autores ressaltam o elevado padro de concentrao da propriedade da terra no Brasil bem como a persistncia desse padro tanto no tempo como no espao. Para o ano de 1972 os dados mostram que 85% dos imveis rurais tinham reas inferiores a 100 ha e possuam pouco mais de 15% da rea cadastrada. De outro lado, os imveis maiores de 100 ha representavam menos de 15% do total de imveis e se apropriavam de quase 85% da rea total. Os imveis acima de 1.000 ha, que perfaziam apenas 1,5% dos imveis no pas, detinham mais da metade (51,5%) da rea total cadastrada. Dado esse quadro da distribuio da propriedade da terra, os autores mostram que a responsvel pela maior parte do abastecimento alimentar das cidades e do prprio meio rural a pequena

  • produo, enquanto a produo capitalista se mantm voltada para as atividades mais rentveis. Assim, os imveis com rea menor que 100 ha so responsveis por mais da metade da rea colhida de produtos bsicos de alimentao, dos produtos de transformao industrial e dos hortifrutcolas. Por outro lado, as propriedades com mais de 2.000 ha, embora possuam 40% da rea cadastrada, tm reduzida participao (menos de 7%) na rea colhida desses produtos. Deve-se ainda acrescentar que a produo de alimentos provm de pequenas unidades no s em tamanho mas tambm em termos de valor da produo, predominando os imveis que utilizam fundamentalmente a mo-de-obra familiar. Cabe frisar que no se trata apenas da pequena propriedade familiar, mas tambm de produo de pequenos arrendatrios, parceiros e posseiros.

    importante ainda destacar como a pequena produo situada pelos autores em relao economia como um todo: "Na verdade, a produo de alimentos no Brasil, exceto alguns casos particulares, no tem sido atrativa para o capital na medida em que o mecanismo de fixao de preos a torna pouco ou nada rentvel. A ela se dedicam pequenos produtores em geral, que como se viu so responsveis pela maior parcela da produo...

    Finalmente, convm lembrar que o desenvolvimento do capitalismo se d no conjunto da economia e no na agricultura como setor particular e independente. Isso significa que uma determinada estrutura de preos agrcolas pode afetar a acumulao em outros setores da economia. Disso resulta que, muitas vezes, as formas capitalistas de produo no conseguem concorrer com a pequena produo, uma vez que a acumulao de capital no conjunto da economia favorecida pela manuteno dos preos dos produtos agrcolas em nveis relativamente baixos. Da a expanso da pequena produo que, embora articulada subordinadamente ao modo de produo capitalista, apia-se em relaes de produo no-capitalistas, como o caso, em grande parte das pequenas propriedades, da parceria e do arrendamento no Brasil" (GRAZIANO DA SILVA et alii, 7: 256).

    Ainda relativamente produo de alimentos, interessante a referncia ao trabalho de QUEDA et alii (16) que trata especificamente das culturas de arroz e feijo no Brasil. Os autores mostram que para essas culturas est havendo uma mudana na produo especialmente para as regies de fronteira, diminuindo portanto nos estados de So Paulo e Rio de Janeiro. Os dados revelam para o perodo de 1955 a 1973 que, de fato, tanto a rea colhida quanto a quantidade produzida tem diminudo nesses dois estados e aumentado em quase todos os outros. Paralelamente, os autores constatam uma forte diminuio tambm da populao rural em So Paulo e Rio de Janeiro, que pode ser talvez um dos aspectos relacionados com a queda da produo de arroz e feijo nestes estados. Apresentando ainda outros dados relativos produo de alimentos, os autores afirmam: "Em sntese, esses resultados permitem apoiar a hiptese de que nos estados onde a agricultura j assumiu, em grande parte, o carter capitalista (Rio de Janeiro e So Paulo), as culturas de baixo valor por unidade de rea (alimentos bsicos, principalmente) tendem a ser substitudas. As culturas substitutivas so aquelas para as quais existe um

  • mnimo de rentabilidade econmica que possibilite ao empresrio remunerar os fatores empregados e auferir ainda um certo lucro" (QUEDA et alii, 16: 50).

    Essa condio da pequena produo de alimentos tambm est relacionada ao mercado dos centros urbanos no que se refere distribuio da renda da populao. Nesse sentido, GRAZIANO DA SILVA & QUEDA(6) assinalam que, dado um padro de distribuio da renda altamente concentrado no setor urbano, o estmulo que o desenvolvimento urbano-industrial deveria proporcionar s reas rurais atravs dos mecanismos de preos no consegue dinamizar as reas produtoras de alimentos bsicos. Assim, apenas os pequenos produtores, que esto impossibilitados de assumir o comportamento empresarial, dedicam-se produo de alimentos bsicos, produzindo para a sobrevivncia e gerando certo excedente para o mercado.

    Ou seja, o carter da pequena produo de alimentos, como apontado anteriormente, est vinculado e determinado pelos mecanismos que os capitais industrial, comercial e financeiro utilizam para se apropriarem do excedente l produzido. E, como afirma SOUZA (19: 119): " A penetrao do capitalismo no campo, no tem significado historicamente a destruio da pequena produo, mas a redefinio de seu papel no movimento mais geral de acumulao".

    Convm alertar que a produo de alimentos no apresenta o carter de homogeneidade que muitas vezes lhe atribudo. A produo de alimentos bsicos ocorre tambm sob diferentes formas de organizao da produo, refletindo as diferentes formas de penetrao do capital no campo. LEMOS & SERVILHA (11), discutindo as formas de organizao da produo de arroz e feijo no Brasil, afirmam que: "Na organizao da produo de feijo, predominam as formas pr-capitalistas, sujeitas a todas as vicissitudes da chamada agricultura de baixa renda, no contemplada pelo tipo de desenvolvimento econmico existente no Brasil. De outro lado, na organizao da produo de arroz, tende a predominar, em termos crescentes, a produo capitalista, apta a absorver os vnos'estrnulos' do mercado capitalista" (LEMOS & SERVILHA, 11: 60).

    Com relao ao comportamento da produo de alimentos, HOMEM DE MELO(8) constata que da dcada dos 60 para a dos 70, houve uma profunda alterao na agricultura brasileira: "De uma situao de desempenho relativamente equilibrado, entre produtos, quanto s taxas de crescimento de produo interna nos anos 60, o pas passou a uma situao, nos anos 70, de acentuada deteriorao de sua produo de culturas alimentares de mercado interno e de ntida expanso de certas culturas de exportao, processo, sem dvida, liderado pela soja na regio Centro-Sul do Brasil. O feijo e a mandioca experimentaram quedas absolutas de produo, enquanto arroz e milho tiveram suas produes estagnadas nos anos 70" (HOMEM DE MELO, 8: 5-6).

    Tal fato comprovado atravs de dados que mostram uma drstica diminuio das disponibilidades de calorias e protenas provenientes de cinco produtos analisados (arroz, feijo, milho, mandioca e batata)., no perodo de 1965 a 1969. De outro lado, o trigo produzido domesticamente apresentou altas taxas de crescimento no perodo de 67/76, em virtude do programa nacional de substituio de importaes. No perodo 70/79 a

  • importao desse produto teve um papel importante, aumentando a disponibilidade interna de calorias e protenas, aliviando a queda observada na produo e disponibilidade dos alimentos bsicos mencionados anteriormente.

    O autor aponta como um dos responsveis por esta drstica alterao na composio da produo agrcola brasileira (expanso de vrios produtos exportveis e mau desempenho dos domsticos alimentares) o comportamento favorvel dos preos dos produtos de exportao, durante boa parte da dcada dos 60. Alm disso outros fatores contriburam para essa situao: a poltica de minidesvalorizaes cambiais a partir de 1968 e a heterognea gerao de inovaes tecnolgicas aplicveis a certas culturas.

    Nessa mesma perspectiva, MULLER(14) se refere produo de alimentos tradicionais como proveniente, no perodo de 1910 a 1970, das vrias formas de pequena produo existentes no pas, as quais sofreram drsticas alteraes no padro produtivo, especialmente a partir dos anos 70. Assim, a produo tradicional de alimentos entrou em crise na dcada de 60, fato que se acentuou na dcada seguinte. Alm disso, o autor associa o fraco desempenho da produo agrcola de alimentos expanso dos produtos exportveis que foram beneficiados pelos estmulos do mercado internacional e por polticas internas favorveis. medida que os exportveis se apresentavam com preos e rentabilidades superiores aos domsticos, passaram a incorporar as melhores terras deslocando dessa maneira a produo de alimentos. Em outras palavras, um conjunto de fatores inibitrios contriburam para a queda da oferta de produtos alimentares. So eles: o controle dos preos descompassados dos custos, o no desenvolvimento de tecnologias apropriadas, rentabilidade menor que os exportveis, poltica de estoques reguladores de baixssima eficcia e inexistncia de polticas de estmulo produo de alimentos. Assim "a dinmica agrria vista como que puxada pelos exportveis, o que prejudicou a produo dos domsticos, que, por sua vez, redundou na elevao dos preos e em importao de alimentos" (MULLER, 14: 20).

    Uma outra maneira de abordar a questo da produo agrcola a desenvolvida por KAGEYAMA et alii (10), que analisa a evoluo dos produtos agrcolas no estado de So Paulo de 1948 a 1977, em termos de rea cultivada, de acordo com a classificao do Instituto de Economia Agrcola, em: a) produtos modernos: batata, laranja, tomate, cana, soja e algodo; b) produtos de transio: banana, cebola, milho, amendoim, mandioca, caf e ch; c) produtos tradicionais: arroz, feijo e mamona. Os autores mostram que a rea cultivada dos trs grupos de produtos, cresce at meados da dcada de 60 e praticamente se estabiliza a partir da, o que pode ser explicado pela expanso, num primeiro momento, e pelo esgotamento da fronteira agrcola do estado no perodo seguinte. A partir de 1967 delineia-se um crescimento bastante acentuado dos produtos modernos e um recuo da rea cultivada com produtos tradicionais e em transio. Ou seja, as variaes na rea ocupada com produtos agrcolas no estado de So Paulo, se fazem por substituio entre culturas:"... este processo de substituio de culturas d-se no sentido de substituir as culturas tradicionais por outras cuja produo mais tecnificada (pelo uso dos chamados 'insumos modernos'). Na verdade, no apenas uma mudana de culturas,

  • seno o que est sendo substitudo so os prprios produtores; ou seja, so as pequenas unidades familiares de baixo nvel tecnolgico que vo sendo expulsas pela grande produo mecanizada e empresarial" (KAGEYAMA et alii, 10: 68).

    Em relao a essas constataes, GRAZIANO DA SILVA(5) procura indagar sobre o porqu de algumas culturas se modernizarem e outras permanecerem utilizando uma tecnologia tradicional. A explicao mais comum a essa questo tem sido o apoio institucional (em particular da pesquisa e extenso rural) voltado aos produtos de exportao em detrimento dos produtos de mercado interno. O autor afirma que isso inegvel do ponto de vista histrico, mas parece um argumento insuficiente. Para GRAZIANO DA SILVA(5:90): "As transformaes recentes na base tecnolgica da produo agropecuria parecem estar hoje em dia muito mais associadas sua articulao com a indstria do que com a sua destinao ao mercado interno ou externo. Assim , por exemplo, que o fato de um produto estar articulado agroindstria (por exemplo, a indstria de alimentos, de raes, de leos vegetais, as usinas de acar e lcool etc, cujo destino da produo basicamente o mercado interno) representa um fator muito mais dinmico do que a evoluo dos preos nos mercados internacionais.

    Independentemente do tipo de enfoque que se utilize para a anlise da produo agrcola, a questo da produo de alimentos um problema grave e sem perspectivas de soluo a curto prazo.

    HOMEM DE MELO(9), atravs de ndices de produo por habitante no perodo 1977/84, analisa a evoluo dos alimentos (arroz, feijo, milho, mandioca e batata), dos exportveis (algodo, amendoim, fumo, soja, laranja e cacau), da cana-de-acar e de carnes (bovina, suna e frangos). Constata um excepcional desempenho da produo de cana-de-acar (passando do ndice 100 em 1977 para 174,8 em 1984), um comportamento modesto dos produtos exportveis (ndice 100 em 1977 e 113,3 em 1984) e um pssimo comportamento dos alimentos de mercado interno (que passou do ndice 100 em 1977 para 84,9 em 1984). O autor acrescenta que mesmo havendo alguma recuperao da produo de alimentos em 1980/82, em relao aos anos climaticamente adversos de 1978 e 1979, a quantidade produzida nunca chegou a retornar ao nvel de 1977. Os produtos domsticos tiveram um declnio anual mdio de -1,94%, enquanto os produtos exportveis e a cana-de-acar apresentaram crescimentos mdios anuais de 2,56% e de 7,84%, respectivamente. Desta forma, com uma produo de alimentos em 1984 cerca de 15,1% menor que a de 1977 (em 1983 essa queda foi da ordem de 26,4% em relao a 1977), fica difcil evitar uma elevao significativa do preo relativo dos alimentos, agravando ainda mais as condies de nutrio da populao.

    Para HOMEM DE MELO(9), o pas ter de recorrer novamente importao de alimentos, especialmente de milho e arroz. Finalmente o autor afirma: " possvel, entretanto, fazer dessa operao um primeiro passo para a montagem de um efetivo programa de estoques reguladores para os alimentos domsticos, o qual teria por objetivo bsico estabilizar o abastecimento interno de alimentos e chegar a uma maior estabilidade

  • dos preos recebidos pelos produtores, da renda auferida, assim como dos preos pagos pelos consumidores" (HOMEM DE MELO, 9: 9).

    O sistema de comercializao, um dos elos fundamentais na relao cidade/campo, entendido como "um conjunto de instituies e relaes com a funo de canalizar as mercadorias agrcolas das unidades produtoras para as consumidoras" (CASTRO et alii, 3:207). Um mesmo produto pode ter canais de comercializao diferentes conforme a condio do produtor e do consumidor final: "Se provm de um pequeno produtor, o produto final chega s feiras-livres, mercados e quitandas a granel e sem maiores transformaes. Se de um mdio e/ou grande produtor, o produto final chega aos supermercados de forma pelo menos embalada" (GRAZIANO DA SILVA & QUEDA, 6: 141).

    Deve-se relembrar que a pequena produo de alimentos, que gera um excedente para o mercado, uma produo dispersa, sendo necessrio grande nmero de pequenos produtores para atingir certo volume de determinado produto. Assim, tambm necessrio um grande nmero de intermedirios para "reunir" essa produo, como os caminhoneiros, os proprietrios de armazns de beira de estrada, etc. No entanto, essa forma de produo possui um carter aleatrio no sentido de no proporcionar uma oferta estvel e contnua dos gneros alimentcios, o que leva muitas vezes a que os canais de comercializao que atingem os consumidores de maiores rendas tendam a partir de mdios e grandes produtores. Os estmulos de preos que os consumidores de maiores rendas poderiam proporcionar aos pequenos produtores ficam portanto fora do alcance dos mesmos. Alm disso, como afirma GRAZIANO DA SILVA & QUEDA(6), importante destacar que as grandes cadeias de supermercados tm estendido de vrias maneiras sua integrao vertical at atingir a produo, para com isso evitar seu carter aleatrio, facilitar a padronizao dos produtos e eliminar o grande nmero de intermedirios.

    Ainda, o capital comercial, na figura dos intermedirios, utiliza outros mecanismos para atingir o objetivo fundamental de apropriar-se do excedente agrcola. Muitas vezes chegam a ter funes como, por exemplo, substituir o papel do crdito rural oficial, aproveitando as vantagens institucionais e repassando recursos a custos mais elevados.

    interessante reportar ao trabalho desenvolvido port MALUF(12), que se refere a um esquema dominante de comercializao de arroz no estado do Maranho. O autor aponta o capital comercial como um dos que mais se aproveita da vulnerabilidade dos pequenos produtores no proprietrios em termos de extrao de excedente gerado na produo de arroz.

    Nesse processo, o acesso que os comerciantes tm ao crdito bancrio fundamental para realizar suas operaes. Os "usineiros" (maquinistas, beneficiadores), por sua vez, possuem ainda uma vantagem adicional, pois suas atividades adquirem um carter industrial, pelo menos em termos institucionais. Isso lhes confere a possibilidade de utilizar o Crdito Industrial de Custeio do Banco do Brasil, modalidade cujos juros so mais baixos e cujo montante absorve boa parte do total disponvel. Alm disso, os vrios

  • agentes que participam da comercializao se diferenciam entre os pequenos intermedirios e os usineiros e grandes comerciantes. Em relao a esse aspecto, o autor afirma: "... tomando por base os preos fixados nos principais mercados para o arroz maranhense, e lembrando o fato de que as condies objetivas do produtor direto no lhes permitem a obteno de preos que excedam as suas necessidades imediatas de reproduo, pode-se afirmar desde j que a fixao dos preos nas vrias fases de comercializao do arroz do Maranho tende a se dar de forma a obedecer aos interesses hegemnicos dos usineiros e dos grandes comerciantes, restando aos demais apenas pequenas margens de comercializao" (MALUF, 12: 92). Fica claro assim uma certa tendncia das empresas maiores em exercer um domnio tanto sobre o produtor direto como sobre os prprios pequenos comerciantes, procurando desta forma garantir seus lucros e deixar o risco por conta dos produtores e pequenos comerciantes.

    Portanto, os mecanismos descritos de subordinao dos pequenos produtores permitem a sua superexplorao via diminuio dos preos dos produtos que vendem e a elevao dos preos dos produtos que compram. Para o caso do arroz do Maranho, "essa intensa explorao comercial, realizada por toda uma 'rede' de intermediao, representa a acumulao de capitais que se verifica nas atividades ligadas ao arroz maranhense, a qual se d exclusivamente na esfera da circulao" (MALUF, 12: 115-116). O mesmo autor, quando se refere hegemonia do capital comercial no Maranho, qualifica melhor a situao encontrada, apontando para uma "hegemonia relativa" do capital comercial, que assim caracterizada:

    " A hegemonia relativa diz respeito ao fato de que, por um lado, o capital comercial subordina a produo agrcola da regio aos seus interesses, conforme foi mostrado. Mas, por outro lado, este capital est subordinado ao capital industrial que constitui a forma hegemnica ao nvel da economia nacional, e este que impe os limites s suas possibilidades de acumulao. Em outras palavras, esse capital comercial que o responsvel pelas ligaes cidade-campo nas circunstncias aqui referidas, tem como limites, num extremo, a sobrevivncia do produtor e de sua famlia, a qual determina um patamar mnimo para o rebaixamento dos preos pagos a esse produtor. No outro extremo, a intermediao comercial se defronta com os preos dos produtos agrcolas nas cidades, os quais, em geral, obedecem aos interesses do capital industrial em manter baixos os salrios e o custo das matrias-primas, o que por vezes chega a envolver o tabelamento desses produtos pelo governo. E em outros casos ela se defronta diretamente com a ao monopsnica das grandes indstrias" (MALUF, 12: 118-119).

    Deve-se acrescentar que cada produto tem especificidades prprias tanto em funo da forma de organizao da produo agrcola como das regies onde so produzidos e do grau de desenvolvimento dos centros de consumo urbano-industrial*

    Em termos de evoluo do comrcio agrcola voltado ao abastecimento interno, CASTRO et alii (3) apresentam historicamente trs fases desse processo. A ltima fase caracterizada pelos autores descrita da seguinte maneira: "Uma terceira fase comea a se definir quando o processo de acumulao de capital se firma como estrutura industrial

  • oligopolista e o potencial de acumulao urbano-industrial passa a se realizar com a assimilao da agricultura ao seu circuito de acumulao. evidente que esse processo se manifesta de diferentes formas e se d a ritmos diferentes em cada regio, mas foram comuns aos centros urbano-industriais o contnuo crescimento e a conseqente expanso e transformao do sistema varejista de gneros bsicos. O varejo dos grandes centros urbanos, anteriormente constitudo pelas pequenas unidades de tipo armazns, quitandas, mercearias e feiras, foi sendo gradativamente substitudo pelas cadeias de supermercados. Dotados de giande poder econmico e financeiro, essas redes puderam estabelecer contatos diretos com as fontes produtoras, crescendo com a classe mdia urbana, cujo poder aquisitivo era suficiente para estimular a diversificao no consumo de alimentos e, inclusive, ampliar a demanda de produtos industrializados" (CASTRO eialii, 3:222).

    Na mesma direo do capital comercial, destaca-se tambm a atuao do capital industrial no sentido de subordinar a pequena produo4' para tambm se apropriar de parte do excedente gerado na produo.

    Da mesma forma que os comerciantes, os industriais vem-se frente ao mesmo tipo de produo agrcola, principalmente de alimentos, produo esta que se apresenta, como referido anteriormente, atomizada e de carter aleatrio. Tal fato no propicia condies de oferta de produtos agrcolas de forma estvel e contnua, nem com a padronizao necessria. Em razo disso, o capital industrial muitas vezes acaba por penetrar e controlar diretamente a produo agrcola, atravs dos complexos agroindustriais.

    Para MULLER(14), o complexo agroindustrial brasileiro, "definido como o conjunto dos processos tecno-econmicos e scio-polticos que envolvem a produo agrcola, seu beneficiamento e sua transformao, a produo de bens industriais para a agricultura e os servios financeiros, de transporte e armazenagem correspondentes" (MULLER, 14: 14), no existia por volta de 1970. No entanto vrias razes contriburam para transformar a agricultura na medida em que os interesses sociais, centrados no capital comercial e assentados na propriedade territorial e generosidade da natureza, foram deslocados pelos interesses nucleados nos capitais industrial e financeiro. Assim, para se produzir na agricultura no basta mais ser apenas proprietrio de terras, mas tambm possuir um certo montante de bens de capital sem o qual a produo agrcola pode ser posta em xeque. O autor mostra tambm que o produto real agrcola apresentou taxas elevadas de crescimento nos perodos 1960/65, 1970/75 e 1975/80, enquanto que no qinqnio 1965/70 esse crescimento esteve prximo de zero. Assim, essa interrupo estatstica "parece indicar a separao entre o predomnio do padro tradicional de dinmica agrria e o predomnio do padro industrializado. De fato, esta mudana de predomnio de padro nada mais parece ser do que a expresso das alteraes na agricultura de abastecimento alimentar para mercado interno, na de matrias-primas e na de bens exportveis" (MULLER, 14:19).

    * Uma anlise detalhada sobre a subordinao do trabalho campons ao capital pode ser encontrada em SANTOS(17).

  • importante destacar um dos mecanismos utilizados pelos industriais com o objetivo de assegurar e ampliar o lucro no seu ramo de atividade. Esse mecanismo se configura na crescente diversificao, atravs da penetrao em novos setores e principalmente atravs de modificaes nos sabores e embalagens dos produtos tradicionais. Esse processo atinge tanto novas empresas que entram no mercado com novos produtos alimentcios, quanto as antigas empresas do setor. SORJ(18) apresenta pelo menos dois exemplos que ilustram esse fato. Um deles o caso da Anderson Clayton (uma das primeiras grandes empresas agroindustriais estrangeiras instalada no Brasil), que diversificou suas atividades especialmente no setor alimentcio, abandonando sua tradicional atividade na comercializao do algodo. Outro exemplo se refere Nestl, a maior empresa no setor de alimentos, que ao adquirir a produo de sorvetes da cadeia de lojas Bob's, passou a ter um grau mais elevado de integrao vertical, ao mesmo tempo em que se esquiva dos limites impostos pela regulao de preos no setor de laticnios.

    De forma geral, as relaes entre a indstria e comrcio com a agricultura so apresentadas por SORJ (18: 45) da seguinte maneira: " A indstria de processamento alimentar apoia a modernizao da agricultura pela necessidade de assegurar uma oferta estvel e crescente de produtos com qualidade homognea. Quando essa oferta no pode ser conseguida, as prprias indstrias passam a apoiar diretamente a modernizao da agricultura atravs de apoio tcnico e financiamentos, que por sua vez se transformam num mecanismo de dependncia do produtor em face da indstria que ele abastece.

    Esse relacionamento com a produo agrcola tambm se apresenta com as grandes empresas comercializadoras e os grandes supermercados. Juntamente com os processos de formao de um mercado oligoplico na indstria de processamento de alimentos, tem ocorrido um processo paralelo na comercializao dos mesmos. A importncia dos supermercados na ltima dcada aumentou de forma tal que anualmente chegam a comercializar 50% dos alimentos nas grandes cidades do pas (Folha de S.Paulo, 23 de maro de 1977)".

    Quanto importncia dos supermercados na comercializao, interessante apresentar os resultados de pesquisa realizada por BARROS et alii (2), que analisa a participao dos vrios tipos de equipamentos fixos varejistas distribuidores de alimentos (auto-servio, mercearia e emprio, bar etc) em quatro zonas geogrficas da Grande So Paulo: zona central, intermediria, perifrica e envolvente. Utilizando dados de 1974, os autores mostram que a importncia dos equipamentos de auto-servio decresce medida que se passa da zona central para a envolvente. Constataram que os equipamentos de auto-servio representam 55,2% do total do faturamento da zona central, 49,9% do faturamento da zona intermediria, 33,3% do faturamento da zona perifrica e apenas 27,7% do faturamento da zona envolvente. Em sentido contrrio, a participao de mercearias e emprios cresce medida que se passa da zona central para a envolvente, representando 10,9% do total de faturamento da primeira e 45,6% do faturamento da ltima zona geogrfica. Como concluso, os autores assinalam que esto ocorrendo mudanas na estrutura do mercado varejista com o aumento, em nmero dos equipamentos de auto-

  • servio, e com uma estabilizao do nmero dos demais equipamentos fixos. Acrescentam ainda que, em 1974, os equipamentos de auto-servio, que representavam apenas 1,8% do nmero total de equipamentos fixos, participavam em 48,8% do total do faturamento dos equipamentos distribuidores de alimentos da regio metropolitana da Grande So Paulo.

    SORJ(18) enfatiza ainda as conseqncias, tanto sobre os produtores como sobre os consumidores, do crescente monoplio dos supermercados. Estas empresas tm possibilidade de impor seus preos aos produtos agropecurios e aos pequenos fabricantes de alimentos, participam do incentivo ao consumo suprfluo, entrosando-se tambm com a poltica das grandes indstrias de alimentos e, quando possvel, se lanam produo de mercadorias no setor agropecurio e/ou no seu processamento industrial. O autor acrescenta ainda:

    " A relao entre os produtores agrcolas, as indstrias de processamento e as firmas comercializadoras apresenta uma tenso bsica. Quanto menor for o preo pago ao produtor maiores sero os seus lucros e a competitividade no mercado. O mecanismo fundamental de transferncias dos excedentes do setor agrcola para o capital industrial e comercial se d atravs de esquemas de controle de produo agrcola pelas empresas industriais e de comercializao. Esse tipo atual de transferncia diferencia-se qualitativamente das formas antigas que eram feitas atravs do controle da produo pelo capital comercial tradicional. Este baseava-se no atraso do pequeno produtor, sua atomizao e isolamento do circuito capitalista. Nas formas atuais h um real controle monopsnico do mercado por intermdio da indstria de processamento (ou venda direta ao pblico no caso dos supermercados). Dentro desse processo o pequeno produtor pode modernizar-se mas nem por isso se torna mais independente" (SORJ, 18: 46).

    De forma resumida, pode-se dizer que as indstrias e os agentes comerciais objetivam, de uma forma ou de outra, manter a produo agrcola sob controle, atravs de vrios mecanismos j comentados. Ora procurando obter dos pequenos produtores as mercadorias a preos baixos, ora chegando at a interferir diretamente no processo produtivo. Alm disso o prprio crescimento dessas empresas tem levado tambm a uma dominao tanto sobre as menores indstrias de processamento como sobre os pequenos comerciantes. As possibilidades de sobrevivncia das pequenas empresas, num mercado oligoplico, tornam-se cada vez menores, pois geralmente no possuem capacidade financeira para enfrentar a transformao dos processos produtivos, de apresentao do produto e de propaganda. Essas mesmas empresas passam muitas vezes a determinar os produtos a serem produzidos pela agricultura, procurando tambm, de outro lado, influenciar no prprio consumo dos alimentos, na medida em que passam a ofertar produtos que lhes garantam o lucro.

    Ou seja, as transformaes por que passa a indstria alimentar "tm implicado igualmente em importantes modificaes na estrutura de consumo alimentar, seja pela substituio de antigos produtos por outros (por exemplo, manteiga pela margarina), seja pelo surgimento de novos produtos. Essas modificaes na cesta de consumo por sua vez

  • afetaro a prpria produo agrcola, no sentido de se adequar ao novo tipo de demanda gerada pela indstria de transformao agroalimentar" (SORJ, 18: 43). Relativamente s modificaes na cesta de cosumo, interessante apresentar os resultados de pesquisa realizada em So Paulo, pela Santos Diniz Consultoria de Marketing (apresentada no jornal Folha de S.Paulo, 1), que fez um amplo levantamento de compras e vendas da rede de supermercados PEG-PAG e dos seus principais concorrentes. As principais concluses para o perodo de junho de 1979 a junho de 1980 foram que: a) o consumo de cereais subiu 50% em valor, com destaque para o aumento do consumo de arroz; b) houve um aumento tambm do consumo de massas: o macarro teve um aumento de vendas de 10 a 15% em valor. Considerando que, segundo essa pesquisa, os preos do macarro foram reajustados em nveis abaixo dos da inflao, pode se deduzir que, em quantidade, o aumento do consumo foi surpreendente; c) as vendas de carnes caram em 25%, havendo, no entanto, uma tendncia ao aumento do consumo das chamadas carnes preparadas (hambrguer e quibe, por exemplo), cujos preos tendem a ser comparativamente menores do que os da carne de segunda.

    Esses resultados vm reafirmar a importncia que tem assumido o consumo de cereais e massas, em detrimento de outros produtos de preos relativamente mais elevados.

    Cabe ainda acrescentar que por trs de todo o processo descrito, est uma determinada poltica oficial que, de uma forma ou de outra, atua favorecendo alguns setores apenas. Um dos mecanismos fundamentais de poltica o crdito, pois, dado o comportamento tradicionalmente verificado nos preos agrcolas, a rentabilidade da produo est, entre outros fatores, na maior ou menor capacidade de esperar a entressafra para vender a produo. No que se refere aos comerciantes, uma diferenciao bsica entre grandes e pequenos o maior ou menor acesso ao crdito, o que refora o maior ou menor montante de capital por eles movimentado. Em relao aos produtores, a explorao comercial a que esto submetidos tem a sua principal razo de ser na impossibilidade de obteno desse crdito pelos produtores, o que normalmente, os obriga a recorrer ao chamado crdito no institucional j referido anteriormente.

    Tal fato pode ser ilustrado pelo trabalho desenvolvido por PINTO(15). O autor mostra que apenas 20%, ou menos dos beneficirios potenciais do crdito rural, so atendidos pelos financiamentos agricultura. Alm disso, o crdito rural est altamente concentrado entre aqueles que o recebem. Para 1976, os dados revelam que enquanto 90,8% dos contratos captam 28,7% do valor do crdito, de outro lado apenas 0,3% dos contratos recebem 29% do montante do crdito rural. Tambm, o crdito rural tem sido dirigido a um pequeno nmero de produtos que recebem a maior parte dos recursos. Produtos como caf, soja, cana, algodo e trigo, tm recebido em torno de 60% do crdito e participam em 33% da produo. De outro lado, produtos como feijo, mandioca e milho contribuem com 25 a 35% do produto agrcola e recebem apenas 12% do crdito rural. Infere-se da que a concentrao do crdito, tanto em relao aos beneficirios como em relao aos produtos, leva tambm concentrao dos subsdios proporcionados pelo

  • governo agricultura. Ou seja, os produtores e produtos que recebem menos crdito tambm recebem menos subsdios.

    Outro fato que chama a ateno, relativamente poltica agrcola, o caso das grandes companhias que se aproveitam de incentivos fiscais para a expanso de suas atividades. Entre outros podem ser apontados pelo menos dois casos: "A Nestl apresentou um projeto SUDENE para a produo integrada de leite e cacau a ser instalado no sul da Bahia, ao mesmo tempo em que uma sua subsidiria se implantava no Par para produzir leite em p. A Sadia instala-se na Amaznia para produzir e processar carne bovina com benefcios fiscais da SUDAM, e vrias empresas se utilizam dos benefcios fiscais e projetos de irrigao no Nordeste para produzir hortalias" (SORJ, 18: 44).

    CONSIDERAES FINAIS

    A partir da discusso desenvolvida anteriormente, alguns pontos importantes devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, h uma srie de relaes complexas entre a produo agrcola, a indstria alimentar, a comercializao e o consumo de alimentos, que mesmo a partir de uma anlise superficial transparecem de forma ntida. Cada fase do processo determina e determinada por outra, sem que isso ocorra necessariamente, na ordem em que aparecem, e constituem-se antes de mais nada em "momentos" do processo econmico com uma unidade indissolvel. No entanto, deve ser acrescentado que essas fases no mantm necessariamente uma relao de equilbrio umas com as outras. Dependendo das condies econmicas, das condies polticas e de poder, uma das fases pode preponderar sobre as outras, mantendo assim um certo grau de dominao. Como foi exposto, fica evidente a dominao exercida pelo capital industrial e/ou comercial sobre a pequena produo de alimentos. medida que as empresas se expandem, o controle sobre o processo produtivo agrcola passa a ser maior, alm de aumentar o domnio das grandes empresas tambm sobre as menores, no mesmo ramo de atividades. Os instrumentos de poltica mencionados anteriormente exercem, principalmente atravs dos mecanismos de crdito, um papel relevante nessa condio de dominao.

    A realizao do valor da mercadoria produzida se constitui no objetivo fundamental do capital comercial e industrial, procurando sempre atingir lucros maiores. Quanto maior a demanda e quanto maior a sua velocidade de expanso, mais interessante para o capital que no mede esforos no sentido de utilizar todos os mecanismos que contribuem para essa expanso de demanda. Nesse sentido se coloca a utilizao macia de propaganda (atravs dos vrios meios de comunicao), a modificao de embalagens visando a imposio de "marcas", a prpria disposio dos produtos nas prateleiras dos supermercados etc., numa tentativa de criar tambm atravs da oferta, uma "necessidade de consumo" de determinados produtos. Enfim, so utilizados todos os mecanismos que constituem a chamada "ideologia de consumo" assim caracterizada por GIOVANNl(4:

  • 46). "Atua, em primeiro lugar, como um dos mecanismos necessrios realizao do valor na produo capitalista, operando no sentido de minimizar a contradio entre a capacidade ilimitada de produzir e a capacidade limitada de consumir, pela intensificao dos atos de consumo. E atua, em segundo lugar, internalizando nos agentes sociais (individuais ou coletivos), como sendo necessidades individuais ou coletivas, subjetivas, ou imperativos da ordem de produo".

    preciso ainda esclarecer que o lucro dessas empresas capitalistas apropriado atravs dos mecanismos descritos, mas origina-se na explorao a que esto submetidos os trabalhadores ligados diretamente ao processo produtivo.

    SIMON, E.J. - Characteristics of food production and distribution in Brazil. Perspectivas, So Paulo, 9/70/ 21-35 1986/87. ABSTRACT: Some matters associated with food production and distribution in Brazil, are analysed.

    The exislence of complex relationships in the moments of the economic process in evidenced from this analysis. The industrial and or commercial capital domination exercised on the small farmers is also evidenced. Among lhe agricultural polilical instruments the credit mechanisms have an important role in this domination condition.

    KEY-WORDS: Food production and distribution; agricultural polilical instruments.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    1. AUMENTA o consumo de massas: famlias mudam o oramento para manter dieta alimentar. Folha de So Paulo, 24 ago. 1980.

    2. BARROS, M.S. et alii - Mercado varejista de gneros alimentcios da Grande So Paulo: uma abordagem estrutural. Agricultura em So Paulo, 25 (1/2): 219-68, 1978.

    3. CASTRO, A.C. et alii - Evoluo recente e situao atual da agricultura brasileira. Braslia, BINAGRI, 1979.

    4. GIOVANNI, G.-A questo dos remdios no Brasil. So Paulo, Ed. Polis, 1980. 5. GRAZIANO DA SILVA, J. - Progresso tcnico e relaes de trabalho na

    agricultura. So Paulo, HUCITEC, 1981. 6. GRAZIANO DA SILVA, J. & QUEDA, O. - Distribuio da renda e da posse da

    terra na produo e consumo de alimentos. In: PINSKI, L , org. - Capital e trabalho no campo. So Paulo, HUCITEC, 1981.

    7. GRAZIANO DA SILVA, J. et alii - Estrutura agrria e produo de substncia na agricultura brasileira. So Paulo, HUCITEC, 1978.

    8. HOMEM DE MELO, F.B. - Disponibilidade de alimentos no Brasil e impactos distributivos. So Paulo, IPE/USP, 1982. (Trabalho para discusso, 44).

  • 9. HOMEM DE MELO, F.B. - A procura de um equilbrio. Informaes FIPE, (57), jan. 1985.

    10. K A G E Y A M A , A. et alii-As transformaes na estrutura agrria paulista: 1818-1976. Campinas, UNICAMP/ FINEP, 1981.

    11. LEMOS, M.B.& SERVILHA, V. - Formas de organizao da produo arroz e feijo no Brasil. Braslia, BINAGRI, 1979.

    12. MALUF, R.S. - A expanso do capitalismo no campo: o arroz no Maranho. Campinas, UNICAMP, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, 1977. (Dissertao-Mestrado).

    13. M A R X , K. - Contribuio crtica da economia poltica. So Paulo, Martins Fontes, 1977.

    14. MULLER, G. - Nutrio e desenvolvimento econmico. In: CAMPINO, A.C.C., org. -Nutrio e desenvolvimento econmico. So Paulo, IPE/USP, 1983.

    15. PINTO, L.C.G. - A poltica agrcola concentra renda e riqueza. / . Engenheiro Agrnomo, (94), fev. 1979.

    16. QUEDA, O. et alii - Evoluo recente das culturas de arroz e feijo no Brasil. Braslia, BINAGRI, 1979.

    17. SANTOS, J.V.T. - Colonos do vinho. So Paulo, HUCITEC, 1978. 18. SORJ, B. - Estado e classes sociais na agricultura brasileira. Rio de Janeiro, Zahar,

    1980. 19. SOUZA, P.R.C. - A determinao dos salrios e de emprego nas economias

    atrasadas. Campinas, UNICAMP, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, 1980. (Tese - Doutoramento).