Tecnologia pra quê?

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Capítulo de Game e Comunicação

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Tecnologia, pra quê?Os dispositivos tecnológicos de comunicação e

SEU IMPACTO no cotidiano.

César Steffen e Mônica Ponsorganizadores

Tecnologia, pra quê?Os dispositivos tecnológicos de comunicação e

SEU IMPACTO No cotidiano.

© dos autores

Concepção de capa- César Steffen Capa: Diego AntunesProjeto gráfico e editoração: Carmen Fonseca

Armazém Digital Comunicação Ltda.Av. Borges de Medeiros, 915, conj 201 - Centro Histórico 90020-025 - Porto Alegre -RSTelefone: (51) 3093 3007e-mail: [email protected]

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1ª edição/2011

Impresso no Brasil

Sumário

Prefácio 15Nelia R. Del Bianco

Capítulo I – Internet

Mídias Digitais Interativas – entre a indústria e a inclusão social 21Cosette Castro

Relações Públicas e Comunicação Organizacional: uma análise de práticas acadêmicas de um Grupo de Pesquisa focado em tecnologia 41Claudia Peixoto de Moura

Problematizando redes sociais e democracia 69César Steffen

Capítulo II – Dispositivos móveis

Comunicação móvel pra quê, onde e quem? 95Eduardo Pellanda

Tecnologias digitais e seres humanos: para muito além da simples interação 109Mônica Pons e Nize Pellanda

Mobilidade ampliada: tecnologias móveis 127digitais no jornalismoFernando Firmino

Capítulo III – TV Digital

A TV digital na web: modelos, estruturas e acessibilidade 147Valério Cruz Brittos e Maíra Carneiro Bittencourt

Na trilha da cidadania, a tecnologia 175Alvaro Benevenutto Jr.

A Televisão no Rio Grande do Sul: o início do analógico e as perspectivas digitais 213Flavi Ferreira Lisbôa Filho

Capítulo IV – Games

Games studies: mapeando as pesquisas na área de games no Brasil 227Lynn Alves

Os Games Como Linguagem. Conceitos Para Contar Coisas nos Jogos. 249Marsal Blanco

VIDEOGAMES - Do entretenimento à comunicação 279Cristiano Max

Currículo dos Autores 295

Agradecimentos

Aos familiares, amigos e colegas que estimularam e auxiliaram no desenvolvimento deste livro;

A todos os autores envolvidos, um agradecimento especial pelo apoio, partici-

pação e confiança que fizeram deste projeto uma realidade.

Prof. Dr. César Steffen Profa. Dra. Mônica Pons

Organizadores

Apresentação

Esta publicação é fruto de um debate sobre o papel e as funções que as tecnologias assumem frente aos fazeres di-ários nas mais diversas áreas, e que novidades e novos cenários podem ser desenhados a partir destas novidades. Objetiva, de forma ampla, observar e debater as incidências e os impactos que as novas tecnologias de informação e comunicação adqui-rem ao integrar o cotidiano da sociedade, tendo em vista e foco o campo da comunicação social, e analisar os movimentos de convergência que tem ocorrido nas mídias através da utiliza-ção de novos dispositivos eletrônicos e a repercussão e desdo-bramentos desses processos na sociedade informacional.

As tecnologias de informação e comunicação estão se tornando onipresentes na sociedade, mudando hábitos, agilizan-do ou reorganizando processos. Isso impacta em todos os campos e profissões, em todos os setores e fazeres da sociedade, que veem seu cotidiano e suas atividades serem redesenhadas por objetos técnicos e funções tecnológicas antes inexistentes, ou até então acessíveis somente a pequenos e abastados grupos econômicos.

Olhar a tecnologia é sedutor, pois ela nos oferta, em suas várias variações, características e quase infinitas aplicações, uma ampla gama de ações e recursos. As máquinas, os dispositi-vos seduzem, se colocam no centro dos processos, atraem a aten-ção por aquilo que oferecem. Mas lembramos, como nos alerta Heidegger e vários outros autores e pensadores, que a técnica, a tecnologia é neutra, são os usos e apropriações que as pessoas fazem destes recursos que se determina seu impacto. E nesse viés construímos a visão que baliza esta publicação.

Em que ponto de evolução da tecnologia estamos? Até que ponto a tecnologia muda ou é modificada pelos pro-cessos? Que promessas e recursos as novas tecnologias em sur-

gimento e desenvolvimento ofertam? Como a sociedade utiliza desses recursos? Como a comunicação social e seus diversos players se apropriam e são impactados por estas tecnologias?

Para dar conta destas desafiadoras perguntas e construir respostas possíveis dentro do atual momento de aná-lise, convidamos pesquisadores e professores do campo da Co-municação Social de diversas instituições e com variados focos de atuação, cujos textos estão organizados em quatro blocos temáticos específicos.

O primeiro bloco, sobre a Internet, abre com texto da professora e pesquisadora da Universidade Católica de Bra-sília, Cosette Castro, que observa as mídias digitais interativas tendo por foco a inclusão social e digital. Ao longo do texto, Cosette discute vários conceitos, como o aparecimento de uma nova ordem tecnológica, a diferença entre indústria cultural, indústria criativa e indústria de conteúdos digitais e a própria noção de conteúdos digitais argumentando que estamos no que chama de estágio da ponte, ou seja, na passagem do mundo analógico para o digital.

A seguir, a professora do PPG em Comunicação da PUCRS, Cláudia Peixoto de Moura, apresenta uma análise de práticas acadêmicas de um grupo de pesquisa com o foco em tecnologia. O trabalho está baseado em proposta metodológica construída para a investigação em grupos de pesquisa certifi-cados por instituições de ensino superior. Trata-se de uma in-vestigação qualitativa e faz parte de um estudo que se encontra em andamento. Os procedimentos metodológicos adotados para o trabalho envolveram uma pesquisa bibliográfica e uma pesquisa documental realizada no portal do CNPq, que con-tém informações em uma base de dados, onde há o registro das práticas acadêmicas desenvolvidas nos referidos grupos de pesquisa, situando-os no espaço brasileiro.

Fecha o bloco pesquisa do co-organizador deste li-vro, Dr. César Steffen, que problematiza o papel e a influência das novas tecnologias,especialmente as redes sociais que estas oportunam e promovem, no sistema político. Inserindo a In-ternet, maior expoente das novas tecnologias de informação e comunicação, no contexto das mediações sociais da contempo-raneidade, observa os impactos que a circulação de discursos e a abertura de canais de interação pode gerar na democracia.

No bloco 2 abrimos espaço para os dispositivos móveis de comunicação, principalmente aqueles que estão co-locando a tecnologia nas bolsas e nos bolsos das pessoas. O primeiro artigo, do professor do PPG em Comunicação da FAMECOS-PUCRS, Eduardo Pellanda, busca compreender o impacto que a mobilidade proporciona nas dinâmicas comuni-cacionais através da evolução da comunicação móvel e o con-texto de informações ubíquas, vistas como um fluxo de evolu-ção midiática. Surgem, assim, questões como novos formatos, derivados de dispositivos móveis, redes sociais nativamente móveis ou ainda pesquisas com a plataforma Locast, que aju-dam a entender o impacto que a mobilidade proporciona nas dinâmicas comunicacionais.

O bloco segue com artigo da professora do mestra-do em letras da UNISC, Nize Maria Campos Pellanda, em par-ceria com professora e chefe de departamento de Comunica-ção Social da mesma universidade, Mônica Pons, que colocam a questão do acoplamento das mídias digitais e seres humanos à luz da complexidade, tentando mostrar que estas interações são potencializadoras do humano para muito além do simples viver, mas em direção a uma resignificação de nossas vidas.

Fernando Firmino da Silva, da Universidade Es-tadual da Paraíba, em Campina Grande, fecha este bloco, sis-tematizando discussões sobre a exploração das tecnologias móveis digitais como plataformas de produção e de consumo

de notícias no jornalismo contemporâneo. Com a natureza da expansão da mobilidade, observa-se uma realidade sociotécni-ca em desdobramento e em complexificação das práticas ine-rentes ao jornalismo materializando um novo espaço para as reportagens de campo em “redações móveis” com o envio da produção do local de apuração por redes sem fio. Ao mesmo tempo, novas estruturas de consumo de notícias em múltiplos formatos emergem por meio de dispositivos móveis como ce-lulares, smatphones e tablets. O chamado jornalismo móvel está no centro das discussões como um conceito central para com-preensão desse fenômeno comunicacional.

O terceiro bloco, focado em TV Digital, abre com o trabalho do professor do PPG em Comunicação da UNISI-NOS, Valério Brittos em parceria com a Jornalista e Mestre em Ciências da Comunicação Maíra Carneiro Bittencourt. Os auto-res problematizam a TV na web, apresentando os seis modelos de disposição de audiovisual na internet, elaborados de acordo com observação e análise de características comuns e divergen-tes entre sites, com intuito de agrupar conceitos existentes na TV online, levando em consideração que não existe um único modelo seguido na web, proliferando diversas experimentações para o audiovisual. Os modelos são analisados separadamente, utilizando-se de um exemplo de site para cada um, perante suas características de funcionamento, estrutura de layout, acessibili-dade, estrutura de links e qualidade de imagem.

Seguimos com Álvaro Benevenutto Jr., doutor em Comunicação e professor dos cursos de Comunicação Social da UCS, que reflete sobre o uso e aplicações dos dispositivos de realização de conteúdos audiovisuais digitais – interativos ou não – possíveis, a partir das múltiplas plataformas de captura de dados dispostas no mercado do entretenimento e da comu-nicação interpessoal e privada, em franco desenvolvimento ob-servado nas duas primeiras décadas do século XXI. Efetuando um debate sobre o papel da tecnologia na contemporaneidade,

Álvaro traz um importante relato de experiência de aplicação e uso de dispositivos móveis de telefonia celular no desenvolvi-mento e criação de conteúdos por camadas sociais econômica e socialmente vulneráveis.

Traçando um breve panorama histórico para en-tender o surgimento da tevê no estado do RS, mas, principal-mente, seu desenvolvimento e a influência dos programadores locais, e refletindo sobre as perspectivas propostas pelo forma-to digital e a principal dificuldade para sua implantação, o pro-fessor da UFSM Flavi Ferreira Lisboa Filho fecha este bloco.

No último bloco abrimos espaço para os Games, ou jogos eletrônicos se preferirem. Lyyn Alves, da Bahia, nas traz uma recuperação das pesquisas sobre Games no Brasil, mostrando que não se trata de fenômeno novo, mas acelerado recentemente pelo rápido crescimento dessa área de desenvol-vimento, além dos esforços para a construção e efetivação des-ta indústria no Brasil.

Na sequencia, Marsal Branco, coordenador do cur-so de Jogos Digitais da FEEVALE, trabalha alguns conceitos que explicam de que forma os games montam seu discurso, estruturando o chama linguagem dos games. A partir disso, caracteriza os diferentes tipos de games. Finalmente, mas não menos importante, Cristiano Max apresenta, em seu artigo, a dinâmica do videogame, sob uma perspectiva comunicacional, relacionando sua construção epistemológica com os fenôme-nos gerados por este elemento da cibercultura.

Assim, observamos, através das diversas e diferen-ciadas visões que os autores aqui ofertam várias facetas deste complexo e dinâmico processo que nos encontra e afeta todos os dias como profissionais e cidadãos.

A todos os autores envolvidos, nosso agradecimen-to pelo apoio, participação e confiança que fizeram deste pro-jeto uma realidade.

À todos, boa leitura! E aguardem para 2012 a se-gunda edição do livro/e-book “Tecnologia pra quê?”, com foco no impacto das tecnologias sobre os fazeres das diversas profis-sões e áreas da comunicação.

Prof. Dr. César SteffenProfa. Dra. Mônica Pons

Organizadores

Prefácio

Em 2001 - Uma odisséia no espaço, Arthur Clarke soube traduzir o medo do homem de ser dominado pela má-quina. Não uma máquina qualquer, mas um diabólico compu-tador de fala macia, conhecido como Hal 9000. Uma máquina inteligente o suficiente para imitar o homem em suas qualida-des e defeitos – a capacidade de dissimular, mentir, enganar. Na história, Hal decide que, para cumprir a missão da nave, preci-sava impedir sua própria morte. Assim, calmamente, provoca a morte de um a um dos astronautas quando descobre que eles pretendiam desligá-lo.

Um computador como Hal, agindo consciente-mente sem controle humano, assusta mortais de hoje e de on-tem pela sua aparente invencibilidade. De certo modo, o futuro assustador anunciado por Clarke está incorporado ao cotidia-no. Há um sentimento generalizado de que a inteligência dos computadores excederá a dos seres humanos dentro de alguns anos. Imagina-se que, em breve, irá surgir o primeiro compu-tador consciente dizendo “penso, logo existo.”

Fonte e condição do domínio da natureza pelo ho-mem, técnica e tecnologia são, cada vez mais, objetos de críti-cas. Suas conseqüências sobre a vida e a natureza inquietam. Teme-se que seu poder possa ser exercido de forma autônoma em detrimento do homem e do pensamento, e de tal forma que a irreversibilidade dos seus progressos ameaçaria os próprios responsáveis pela sua concepção.

Na filosofia tem sido freqüente uma interpretação crítica sobre a técnica, fazendo dela o demiurgo onipotente que tudo pode em qualquer situação, a exemplo do computa-dor Hal da obra de Clarke. A técnica foi personificada como a responsável ou cúmplice pelos totalitarismos, pelas socieda-

des opressivas, pela massificação e alienação do homem. No bojo deste tipo de análise está uma imagem mítica e idealizada, segundo a qual, o homem seria uma presa frágil e impotente diante dessa influência.

Na verdade, técnica e tecnologia são duas dimen-sões fundamentais em que se desenrola a transformação do mundo humano por si mesmo. Incidem sob todos os aspectos da vida social, incluindo as subtis transformações que se ope-ram na esfera intelectual.

A presença quase onipresente da tecnologia no co-tidiano parece naturalizá-la como extensão do homem. Prova disso está no Relatório Mundial de Tecnologia Conectada da Cisco (2011): a Internet é tão importante na vida das pessoas como o ar, o alimento e a água. A pesquisa realizada com qua-se cinco mil pessoas em 14 países, incluindo o Brasil, aponta que mais da metade dos entrevistados não conseguiria viver sem estar na Web diariamente. Essa perspectiva de dependên-cia está acima da média mundial entre os jovens e estudantes brasileiros (65%). Na maior parte do mundo dois entre quatro jovens escolheriam uma conexão com a Internet, em vez de um carro.

A situação não é muito diferente em relação aos dispositivos móveis utilizados para acessar informação. Na pesquisa da Cisco, dois terços dos universitários (66%) e mais da metade dos jovens trabalhadores (58%) mencionaram o laptop, o smartphone ou tablet como uma tecnologia impor-tante nas suas vidas. Há uma tendencia crescente de uso de smartphones em detrimento do desktops na corrida para ser a ferramenta mais prevalente em uma perspectiva global. A mobilidade define qual tecnologia terá vida longa seja para ob-ter informação, interagir, relacionar-se, ouvir música, falar ou mesmo ver um filme.

Sem sombra de dúvida, o mundo está se tornando um local onde a Internet é cada vez mais importante, especial-mente se estiver associada a dispositivos moveis. A sociedade caminha para estar, progressivamente, mais dependente de dis-positivos tecnológicos que carregam informação. Estaria a tec-nologia determinando a sociedade? Em sua trilogia Sociedade em Rede, publicada no Brasil em 1999, Manuel Castells recusa esse pensamento: a tecnologia não determina a sociedade, nem a sociedade escreve o curso da transformação tecnológica uma vez que muitos fatores intervêm no processo, desde a desco-berta e a aplicação de uma técnica. O resultado depende de um complexo padrão interativo. Por tal condição, acredita que a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas.

Na perspectiva multidimensional de Castells, a tecnologia não tem caráter mágico ou sobrenatural, nem a so-ciedade é uma extensão da tecnologia. Há uma relação dialé-tica entre tecnologia e civilização. O aparato tecnológico não é causa da mudança social, mas fonte potencializadora. Uma inovação tecnológica programa, sem dúvida, certos usos, mas estes por sua vez desviam, modificam ou adaptam a ferramenta aos mundos próprios dos utilizadores a considerar o contexto de relações sociais.

Este livro tem o mérito de abordar como as tecno-logias da informação e da comunicação, ferramentas do capi-tal e forças de produção, se inscrevem no âmbito da industria criativa, nos processos de produção de conteúdo informativo e de entretenimento. Para além da mídia traz reflexões sobre a interface dessas tecnologias nas relações sociais e na política. Trata-se de uma obra que colabora com a compreensão sobre a tecnologia e seus nexos fundamentais com a economia, o tra-balho, a construção da identidade, a cultura, os movimentos sociais, o processo político e a produção de bens simbólicos.

Ao adotar uma perspectiva análise plural para compreender afasta as posições dicotômicas sobre o impacto da tecnologia na sociedade. O fenômeno tecnológico contem-porâneo é encarado como um processo histórico-social que pode ser explicado pelos seus nexos e relações. Nessa perspec-tiva, este livro põe de lado a hipótese do determinismo me-canicista, assim como o temor quanto ao poder diabólico dos computadores fica reservado à literatura. Caminha na trilha da compreensão para além de distinções tão familiares e óbvias que, até pouco tempo, eram consideradas insubstituíveis como natureza-cultura, natural-artificial, vivo-inanimado, objetivo-subjetivo. Admitindo-se que o real é complexo, o conjunto de textos apresentados permite pensar a unidade na diversidade e a diversidade na unidade, ou seja, o conhecimento tem como horizonte a totalidade.

Nelia R. Del Bianco Professora da Faculdade de Comunicação da UnB

Doutora em Comunicação pela USP

Capítulo I

Internet

Mídias Digitais Interativas – entre a

indústria e a inclusão social

Cosette CastroUCB - DF

Introdução

Este artigo se propõe refletir sobre as mídias digi-tais interativas no Brasil e na América Latina desde o ponto de vista da inclusão social e digital. Para tanto, diferentes concei-tos são discutidos ao longo do texto, já que nos encontramos no estágio da ponte, ou seja, na passagem do mundo analógico para o digital. Entre os conceitos, está o do aparecimento de uma nova ordem tecnológica; a diferença entre indústria cultu-ral, indústria criativa e indústria de conteúdos digitais e a pró-pria noção de conteúdos digitais, assim como as possibilidades interativas das novas mídias, que buscam sua identidade, em meio a um mar de ofertas informativas e de entretenimento.

Vou começar pela de Nova Ordem Tecnológica. Para tratar desse tema, vale a pena recordar Heidegger quan-do diz que a essência do tecnológico não é algo técnico, mas a maneira que o homem produz a si mesmo e a relação com a tecnologia1. E em sendo a maneira como o homem produz a si mesmo e a relação com a tecnologia, concordo com Eduardo Vizer (2004), quando diz que as tecnologias são uma constru-ção social, uma manifestação cultural. Ou seja, seu valor e legi-timação são determinados por seus usos, pelo contexto social e pelas consequências desse acesso, usos e aplicações, assim como pela apropriação que os sujeitos sociais fazem dela.

1Aqui vista como a aplicação de um conhecimento científico para alcançar um resultado prático.

22 Tecnologia, pra quê?

A Nova Ordem Tecnológica2 aponta que o conjunto de transformações que estamos passando não conseguem ser explicadas por um único paradigma ou ciência, pois em se-parado uma ou outra teoria já não dá conta de explicar algo tão radical como a passagem do mundo analógico para o di-gital. Essas transformações, embora sejam atravessadas pelas tecnologias, exigem um olhar abrangente e transdisciplinar3. Levando em consideração a complexidade4 do tema, busquei apoio em diferentes autores e teorias, mas particularmente em Edgar Morin e Jesus Martín-Barbero, que estimulam o diálogo entre as ciências, e também no paradigma emergente, proposto por Boaventura Santos para pensar a noção de Nova Ordem Tecnológica.

Como comentei anteriormente, a tecnologia per-passa todas as esferas da vida social – econômica, política, cul-tural, ambiental, tecnológica, educativa e dos comportamentos –, mas é o uso que se faz dela que vai definir o tipo de sociedade que desejamos viver: no meu caso, como pesquisadora brasilei-ra, com equidade e inclusão social. E é essa premissa que vem norteando as pesquisas que tenho desenvolvido e participado dentro e fora do Brasil.

4Edgar Morin, que vê o mundo como um todo indissociável e propõe uma abordagem multidis-ciplinar e multirreferenciada para a construção do conhecimento. Segundo Edgar Morin (Intro-dução ao Pensamento Complexo, 1991:17/19): “À primeira vista, a complexidade (complexus: o que é tecido em conjunto) é um tecido de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal”. A proposta da complexidade é a abordagem transdisciplinar dos fenômenos, e a mudança de paradigma, abandonando o reducionismo que tem pautado a inves-tigação científica em todos os campos. Aqui visto do ponto de vista integral (político, econômico, social, tecnológico, sustentável, inclusivo, cultural, etc) levado a termo pela iniciativa do governo e do mercado. A idéia de desenvolvimento surge no Brasil após a 2ª. Guerra Mundial quando o país desenvolveu a corrente político-ideológica do nacional-desenvolvimento. Após o golpe militar, em vários países a idéia de desenvolvimento estava diretamente relacionada ao grau de industria-lização de um país e os principais indicadores eram de natureza econômica. Mais detalhes em Heldmann e Salm (2009).

3 A transdisciplinaridade, como bem lembra Jesus Martín-Barbero (2002), é aqui vista como a construção de articulações, de diferentes pontos de vista sobre o mundo em uma rede discursiva que se aproxima, dialoga e se transforma.

2 Sobre o tema, ler Mídias Digitais (2005) e Comunicação Digital (2008), a partir das reflexões que André Barbosa Filho e eu fizemos naqueles livros.

23Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Diferente do que se poderia supor em um primei-ro momento, a Nova Ordem Tecnológica não significa a pre-ponderância da tecnologia frente às demais Ciências, mas o reconhecimento que essas mudanças tecnológicas perpassam a vida social influenciando o cotidiano das pessoas, as relações sociais e a subjetividade, a cultura e a educação, os projetos e políticas públicas de governo, as ações das empresas, institui-ções e academia. Também influenciam o mercado de trabalho, gerando novos ofícios e terminando com outros, cujas conse-quências serão vistas diretamente na vida social, na universi-dade e no próprio mercado. Além disso, influenciam a própria noção de desenvolvimento5.

A Nova Ordem Tecnológica exige uma transforma-ção estrutural em vários níveis:

1- no governo, através de políticas públicas de inovação6 e do trabalho integrado entre os diferentes ministérios; do estímulo a pesquisa e da formação de pólos de produ-ção de conteúdos digitais7 interativos e convergentes;

2- na academia através da reformulação e atualização de seus programas curriculares tanto na graduação, quanto na pós-graduação e no incentivo à pesquisa transdisci-plinar para dar conta da complexidade do tema;

5 Aqui visto do ponto de vista integral (político, econômico, social, tecnológico, sustentável, inclusivo, cultural, etc) levado a termo pela iniciativa do governo e do mercado. A idéia de desenvolvimento surge no Brasil após a 2ª. Guerra Mundial quando o país desenvolveu a corrente político-ideológica do nacional-desenvolvimento. Após o golpe militar, em vários países a idéia de desenvolvimento estava diretamente relacionada ao grau de industrialização de um país e os principais indicadores eram de natureza econômica. Mais detalhes em Heldmann e Salm (2009).

6 Aqui compreendida como “a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou signifi-cativamente melhorado ou um processo ou um novo método de marketing ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações ex-ternas Manual de Oslo/OECD (2005:46)”. Para a pesquisadora Marly Carvalho, a inovação é um processo que se inicia pela percepção de um novo mercado e/ou oportunidades de novos serviços para uma invenção de base tecnológica que conduz ao desenvolvimento, produção e marketing em busca do sucesso comercial da inovação.

7 Conteúdos digitais são aqui compreendidos como todo material de áudio, imagem, texto ou dados oferecidos às audiências pelas diferentes plataformas tecnológicas.

24 Tecnologia, pra quê?

3- no mercado, ao exigir a atualização profissional para as constantes mudanças e novidades do mundo digital, seja nas empresas ou nas associações e sindicatos das di-ferentes categorias profissionais;

4- e de forma cognitiva, pois significa a passagem de um mundo linear, reconhecível para a maioria do mundo adulto, para um mundo sem linearidade, que poderia ser confundido como caótico pela abundancia de informa-ções e tecnologias e exige novos saberes e percepções.

A passagem do mundo analógico para o digital não é um processo rápido ou fácil, particularmente porque extrapola a raciona-lidade científica, entra no âmbito da subjetividade e da compreensão dos novos tempos e encontra pela frente vários paradoxos. Entre esses paradoxos, um dos mais visíveis é o geracional e o da apropriação de saberes, pois hoje pessoas na faixa dos 35, 40 anos que foram criados em uma sociedade analógica, com pensamento linear e desenvolven-do uma atividade de cada vez, precisam se adaptar a um mundo di-gital em constante transformação e conviver com jovens que realizam múltiplas tarefas ao mesmo tempo, que têm facilidade em comunicar-se rapidamente utilizando as diferentes plataformas tecnológicas e, como se não fosse o suficiente, dominam esse novo saber.

Passagem do mundo analógico para o digital

25Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Tenho defendido que nos encontramos no estágio da ponte, no meio do caminho entre o mundo analógico, cami-nhando em direção ao mundo digital e considero importante uti-lizar uma imagem que reflita essa situação. Como já disse Mark Prensky (2001), com a incorporação das tecnologias da informa-ção e da comunicação (TICs)8 na vida cotidiana, o mundo pas-sa a ser dividido entre nativos e imigrantes digitais. Nativos são as crianças, adolescentes e jovens que nasceram sob o signo das novas tecnologias, e imigrantes, são aqueles que, como eu, foram criados no mundo analógico e tentam (em maior ou menor grau) adaptar-se às mudanças digitais.

Entre a reformulação necessária da vida acadêmica para refletir (sobre) e desenvolver projetos de conteúdos audiovisu-ais voltados para as mídias digitais para micro, pequenas e médias empresas, ou para a criação de futuros centros/polos de produção de conteúdos digitais para o campo público, está a necessária per-cepção de que os conteúdos podem ser usados em várias platafor-mas tecnológicas e também para a convergência das mídias digitais. Aqui é necessário explicar o que compreendo por conteúdos digi-tais (interativos ou não).

8 As tecnologias são aqui consideradas como o conjunto heterogêneo de técnicas, sistemas e aparelhos e/ou plataformas eletrônicas, máquinas inteligentes e redes informáticas que permeiam a vida social. Estão em constante crescimento e podem ser fixas ou móveis, gratuitas ou pagas.

Conteúdos audiovisuais digitais

26 Tecnologia, pra quê?

Diferente do mundo analógico onde os conteúdos audiovisuais estavam restritos ao áudio e ao vídeo, no mundo digital, os conteúdos audiovisuais digitais são todos os mate-riais de áudio, vídeo, texto e dados que circulam e uma ou mais plataformas tecnológicas.

Essas plataformas incluem os videojogos em rede, os celulares, a TV, o rádio e o cinema digital, os livros, jornais e revistas digitais e, acima de tudo, a possibilidade de desenvolver materiais audiovisuais digitais que possam ser usados em vários aparelhos tecnológicos ao mesmo tempo – convergência de mídias - desde que sejam respeitadas as características de cada mídia digital.

Neste artigo, trato também de plataforma material (ou tangível) e plataforma imaterial (ou intangível). Considero plataformas materiais todos os aparelhos onde são disponibi-lizados conteúdos digitais, sejam eles interativos ou não. Essas plataformas incluem os videojogos em rede, os celulares, a TV, o rádio e o cinema digital, os computadores, os livros, jornais e revistas digitais. E existe uma plataforma imaterial (que não tem corporeidade, nem se pode tocar) que permite a circulação desses conteúdos digitais e também a interatividade: internet,

Plataforma Material e Imaterial

27Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

onde circulam e se multiplicam os conteúdos digitais sem os limites da matéria e da noção de linearidade.

Discordo de autores, como Manuel Castells (2003) e mesmo Pierre Lévy (2007)9, que consideram a internet um meio de comunicação, pois a rede em si mesma não possui materialidade. Ela precisa de uma plataforma tecnológica, de um aparelho, para ser viabilizada, como os computadores, os celulares de 3ª geração (3G), os videojogos em rede, o rádio ou a TV digital interativa (TVDi). É através da internet que a interatividade se concretiza de forma diferente nos aparelhos, sejam gratuitos, como o rádio digital ou a TVD terrestre, ou pagos, como computadores, celulares10 ou IPads.

A internet muda a relação do processo comunica-tivo que no mundo analógico era unidirecional – do campo da produção para o campo da recepção - passando a possibilitar uma relação bidirecional, dialógica e interativa, onde as audi-ências podem responder e comunicar-se com as empresas de comunicação (campo da produção). Nesse sentido, a digitali-zação permite recuperar o sentido latino da palavra comunica-ção, no sentido de comunhão e compartilhamento.

No mundo digital, o campo da produção envia a men-sagem, que é recebida pelos sujeitos sociais e eles têm a possibilida-de de responder e interagir com o campo da produção, muitas vezes em tempo real, transformando radicalmente a relação entre os dois âmbitos. Isso ocorre a partir de diferentes plataformas tecnológicas, como celulares, computadores, videojogos em rede, rádio ou televi-são digital, assim como livros, jornais e revistas digitais.

Neste artigo, selecionei quatro plataformas – me-diadas por internet – para mostrar as características narrativas e diferenças tecnológicas quando se pensa os conteúdos digi-tais interativos. O quadro a seguir ajuda a compreender melhor as características dos computadores, dos celulares, da TV digi-tal e dos videojogos:

9 De acordo com o autor francês, o ciberespaço é o novo meio de comunicação que emerge da interconexão mundial dos computadores.10 No caso da TV digital aberta, ela pode ser assistida nos celulares através da plataforma one seg de forma gratuita, pois a transmissão é feita pelo ar.

28 Tecnologia, pra quê?

TVCOMPUTADORES MEDIADOS POR

INTERNETCELULARES VIDEOJOGOS

EM REDE

Meio coletivo Meio individual Meio individualMeio individual e também coletivo (ex: Wii)

Audiência coletiva Audiência individualizada

Audiência individualizada

Pode ser jogado de forma individual ou de forma coletiva (em rede)

Fluxo contínuo, broadcast. Programação simultânea em rede.

Conteúdos streaming ou sob demanda (pago)

Conteúdos streaming ou das operadoras (pago). No caso nipo-brasileiro de TVD terrestre, os sujeitos podem assistir TV gratuitamente via celular

Conteúdos pagos ou baixados gratuitamente de forma ilegal

Interação limitada pelo canal de retorno

Interatividade plena, mas paga

Interação em tempo real ilimitada paga ou gratuita quando usada como TV digital

Interatividade plena, mas paga

Interatividade durante a exibição do programa. O acesso a esta desvia a atenção ou inibe o programa principal

Audiência assiste ao conteúdo como e quando quiser de forma paga, sem simultaneidade

É possível acessar internet ou telefone, mas interrompe exibição de TV

Interatividade durante a exibição do programa

Tela grande, tela média e tela pequena

Tela média ou pequena Tela pequena

Tela grande (se visto pela TV ), tela média (computadores) e tela pequena (celulares) e consoles

Alta definição Baixa resolução de vídeo quando ampliado Baixa resolução

Alta definição se visto pela TV, mas a tela é pequena

Proximidades e Diferenças entre

as Plataformas Tecnológicas

29Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Distância da tela ou tela na mão no caso de mini TV digital

Proximidade com a tela, a partir dos computadores de mesa ou tela na mão, com laptops ou Ipads

Tela na mão

Distância da tela ou tela na mão no caso de mini-TV digital

Limite de texto, infinito acesso a imagens, sons e dados

Infinito acesso a textos, imagens e dados. Mas apresenta problemas de resolução de imagem e demora para baixar vídeos

Limite de texto Acesso a imagens, sons, e dados

Um para um, um para muitos ao mesmo tempo. É bidirecional na TV digital interativa

Um para um, Um para muitos, mas sem simultaneidade. Estimula a colaboração

Um para um e um para muitos. Os torpedos (MSN) ajudam a simultaneidade

Um para um, um para muitos ao mesmo tempo. É bidirecional na TV digital interativa

Portabilidade Portabilidade Portabilidade PortabilidadeMobilidade Mobilidade Mobilidade MobilidadeAcessibilidade Acessibilidade Acessibilidade AcessibilidadeUsabilidade Usabilidade Usabilidade Usabilidade

Energia elétrica e bateria, no caso da mini TVD

Energia elétrica e bateria

Uso de bateria. O consumo de energia gerado pelo aplicativo de conteúdos precisa ser baixo

Energia elétrica e bateria, no caso da mini TVD

Armazenamento limitado no conversor digital. Depende da quantidade de memória

Armazenamento depende da quantidade de memória

Limite de armazenamento de vídeo e dados

Armazenamento limitado no conversor digital. Depende da quantidade de memória

Exibição do conteúdo streaming é a função principal. Qualquer outra atividade é secundária, pontual e temporária, mas modifica a noção de TV como conhecemos no mundo analógico

Acesso a multidados e telas simultâneas, mas a falta de banda larga faz com que demorem a baixar ou que a rede caia, se há muitos acessos

Conversa telefônica como funcionalidade principal. Qualquer outra atividade fica em segundo plano e pode ser interrompida.

Exibição do conteúdo streaming é a função principal. Qualquer outra atividade é secundária, pontual e temporária, mas modifica a noção de TV como conhecemos no mundo analógico

TVCOMPUTADORES MEDIADOS POR

INTERNETCELULARES VIDEOJOGOS

EM REDE

30 Tecnologia, pra quê?

Teclado limitado pelo uso do controle remoto, com possibilidade de conectar a dispositivos móveis, como celulares de forma gratuita

Teclado ilimitado, associado ao mouse Teclado limitado

Teclado limitado pelo uso do controle remoto, com possibilidade de conectar a dispositivos móveis, como celulares de forma gratuita

A assistência é simultânea e vem um mesmo programa milhões de pessoas (ao mesmo tempo)

O uso é individual e nem todo mundo assiste a um programa ao mesmo tempo

O uso é individual e nem todo mundo utiliza e acessa os conteúdos ao mesmo tempo

A assistência é simultânea e vem um mesmo programa milhões de pessoas (ao mesmo tempo)

Permite a produção de conteúdos digitais interativos e convergência de mídias

Permite a produção de conteúdos digitais interativos e convergência de mídias

Permite a produção de conteúdos digitais interativos e convergência de mídias

Permite a produção de conteúdos digitais interativos e convergência de mídias

Fonte: Cristiana Freitas, com acréscimos da autora deste artigo.

TVCOMPUTADORES MEDIADOS POR

INTERNETCELULARES VIDEOJOGOS

EM REDE

Indústrias Criativas e de Conteúdos Digitais

Em termos de indústria, aonde se inserem os con-

teúdos digitais?

Como escrevi na pesquisa sobre Indústrias de Con-tenidos para América Latina11 (2008), tenho usado o conceito das indústrias de conteúdos digitais em contraposição aos ter-mos indústria cultural e indústria criativa. Isso porque esta-mos frente a uma mudança de paradigmas, no sentido mesmo de ruptura, já que os paradigmas existentes ou não dão conta nem conseguem explicar os fenômenos atuais (indústria cul-tural) ou são desenvolvidos desde o ponto de vista dos países 11 Disponível em internet.

31Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

centrais (indústria criativa), não levando em consideração as necessidades e realidade dos países periféricos, como o Brasil e os países latino-americanos no que diz respeito a oferta de conteúdos, serviços e aplicativos digitais gratuitos.

A indústria cultural não é suficiente para explicar e analisar o mundo digital, pois é preciso levar em consideração as mudanças políticas, econômicas, históricas, culturais, compor-tamentais, educativas, ambientais e tecnológicas que as socieda-des ocidentais passaram desde então. Isso porque toda proposta teórica necessita de uma análise histórica para que seja possível compreender em que contexto foi elaborada, como é o caso da Teoria Crítica que foi desenvolvida na Europa do entre guerras.

Atualmente as indústrias culturais não conseguem dar conta de compreender e alcançar os novos meios que surgi-ram a partir das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) e da internet. Isso ocorre porque no momento histórico, político, econômico, social e cultural em que o conceito de in-dústrias culturais foi elaborado o mundo era muito diferente e a cultura digital apenas começava a dar seus primeiros passos. Entre os anos 20 e 80 do século XX não havia o tipo de tec-nologia que conhecemos agora nem as amplas possibilidades de interatividade, deslocamento, virtualidade, inclusão social, assim como conexão em tempo real que as tecnologias da In-formação e da Comunicação estão permitindo. Além disso, as indústrias culturais não acreditam no potencial das audiências, tratando-os como públicos passivos e manobráveis.

Tampouco o conceito de Indústrias Criativas é su-ficiente para analisar o fenômeno na América Latina. Os países vizinhos, junto com o Brasil buscam o desenvolvimento de uma indústria, mas também necessitam estimular o acesso, uso e apro-priação digital, através da alfabetização digital, dos serviços eletrô-nicos gratuitos e da produção e circulação de conteúdos digitais interativos gratuitos. Ou seja, para a realidade desses países não é suficiente oferecer plataformas tecnológicas pagas para uma po-pulação de mais de 500 milhões de habitantes, cuja maioria possui celulares pré-pagos, 75% tem acesso a CDs, DVDs e textos acadê-

32 Tecnologia, pra quê?

micos através de copias piratas e outros 35% 12 assistem a televisão por assinatura através de contratos terceirizados ilegais13.

Indústrias criativas são um termo amplo que cresceu entre os teóricos da Economia da Cultura de língua britânica e inclui muito mais do que a produção de conteúdos para meios tradicionais (jornais, revistas, televisão aberta ou paga, cinema, rádio ou publicida-de) ou para os meios digitais, como jornais e revistas on-line, televisão e rádio digital, celulares, computadores, livros digitais ou videojogos em rede ou a publicidade digital. Essa é somente uma parte das indús-trias criativas que atualmente fazem parte da Economia da Cultura. Esse setor da Economia se dedica a definir políticas e estratégias (pa-gas) para produtos que tem, ao mesmo tempo, potencial econômico e valor simbólico (mensagens, identidade, valores)

Essa indústria inclui todas as formas artísticas que vão da alta cultura à cultura popular, como o artesanato e a alta costura, o design e as antiguidades, a moda, as editoras, o vídeo, os softwares, o design gráfico e de mobília, o patrimônio cultural e o turismo cultural, as equipes culturais (teatros, cine-mas), assim como o trabalho conjunto da cultura, o turismo, os museus, a arquitetura. Particularmente, a Economia da Cultu-ra inclui a geração de propriedade intelectual, como os direitos do autor, segundo Fonseca (2007). Os teóricos da Economia da Cultura incluem acrescentam os meios de comunicação analó-gicos e digitais no interior da indústria criativa, como se fosse tudo igual e não existissem diferenças epistemológicas, tecno-lógicas, de formatos, conteúdos, estéticas e de linguagem en-tre os meios analógicos e digitais14.

12 Esses dados representam apenas a média dos três países da Região que estudam a atividade ilegal de ampliar a TV por assinatura em várias casas usando o mesmo contrato.

13No Brasil chamado de “gatos”.

14 No Brasil, o estado do Rio de Janeiro adotou o termo indústrias criativas usado no modelo britânico e o adaptou ao país. De acordo com a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Ja-neiro (Firjan), a cadeia produtiva brasileira (leia-se Rio de Janeiro) engloba cultura, publicidade, moda, arquitetura, design, mercado de artes e antiguidades, filmagem, softwares interativos de lazer, artes performáticas, artes, editoração, serviços de computação, rádio e televisão. Segundo o estudo da Firjan realizado em 2010, no Estado do Rio a indústria cultural representa 17,8% do PIB estadual, ou seja, algo em torno de R$ 54 bilhões.

33Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Abrangência das Indústrias Criativas

Fonte: Pesquisa sobre Industrias de Contenidos em Latinoamérica (2008)

Origem das Indústrias Criativas

Pensando nas possibilidades de mercado, em 1998 o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair investiu nas indústrias criativas e na inovação tecnológica – lançadas pouco depois para os demais países da União Européia15, como fatores de desenvol-vimento da Grã-Bretanha e demais países da Região para o século XXI. Só que o modelo europeu de indústrias criativas – onde as empresas de radiodifusão trabalham em conjunto com as empre-sas de telefonia móvel e a maior parte dos serviços são pagos – é diferente do modelo latino-americano, onde, pelo menos no que diz respeito à oferta televisiva é, majoritariamente, gratuita.

Mesmo o exemplar serviço público da BBC - com seus vários canais de televisão - é diferente da oferta de televisão pública dos países latino-americanos. A diferença vai além da qualidade ou quantidade dos conteúdos – que não é tema deste artigo - mas na própria noção de público, pois nos países da Região a televisão pú-blica é sinônimo de televisão gratuita. As pessoas não pagam (e em sua maioria nem teriam orçamento para isso) para assistir televisão aberta, enquanto os britânicos pagam para assistir televisão a BBC.

15Sobre o tema, ver o Plano Dott, de 2000.

34 Tecnologia, pra quê?

No caso da América Latina e Caribe, qualquer pro-jeto de conteúdos digitais interativos voltados para televisão aberta e para o uso da TVD através de celulares (one seg), para celulares, games e outras plataformas tecnológicas deve con-templar também a inclusão social para reduzir a brecha digital. Além disso, existe uma diferença importante quanto ao trata-mento da propriedade intelectual, fortemente defendida nos países centrais, enquanto os 12 países que adotaram o modelo nipo-brasileiro de televisão digital dão ênfase ao uso do código aberto e ao uso da licença creative commons16, fomentando a construção e ampliação do middleware Ginga – que permite o uso de conteúdos interativos na TV digital via controle remoto. Atualmente, existem mais de 12 mil desenvolvedores, sendo 10 mil no Brasil e outros 2 mil na América Latina que, conjunta-mente, desenvolvem soluções para TV digital interativa.

Para Finalizar

Desde 2005 defendo o estímulo a emergente in-dústria de conteúdos digitais interativos e a convergência de mídias no Brasil e na Região. Embora apoie novos modelos de negócios para a TVD, já que se trata de uma indústria com diferentes etapas na cadeia produtiva, dou ênfase à televisão digital interativa terrestre e a convergência de mídias, ressal-tando a necessidade de que os conteúdos sejam disponibiliza-dos de forma gratuita para a população através da TV digital terrestre aberta e dos celulares, ampliando a participação das televisões públicas com o uso da multiprogramação e seus sub-canais, que vão aumentar sensivelmente a oferta de conteúdos digitais na televisão aberta. Também tenho defendido a exis-tência de polos de produção de pesquisa, ensino e produção de conteúdos digitais voltados para diferentes plataformas, como videojogos em rede e para convergência de mídias.

16 Sobre o tema ver o trabalho desenvolvido pelo pesquisador Ronaldo Lemos e sua equipe na FGV, no Rio de Janeiro. O uso do creative commons vem sendo questionado no governo Dilma Rousseff desde a chegada da Ministra da Cultura, Ana de Holanda, no começo de 2011.

35Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Elas (as indústrias de conteúdos digitais) fazem parte do que o pesquisador argentino Eduardo Vizer (2004) denomi-nou como segunda comunicação, que começa com a chegada das novas tecnologias de informação e comunicação no final do sécu-lo XX, e operam uma lógica contrária ao sistema analógico. Nela, o espaço real é eliminado assim como se anulam as limitações de tempo e distância. O tempo já não é um tempo congelado. Trata-se de um tempo presente, onde tudo acontece no momento.

Como diz Vizer (2010), o mundo digital pode sub-verter o esquema tradicional da economia, pois a circulação de dados, informações, conteúdos, etc, pode promover a criação de valor que será recebida e processada pelos sujeitos sociais. Acre-dito que esse valor (simbólico) agregado, particularmente a partir do uso de recursos interativos, possibilitaria um novo conteúdo-mensagem-sentido-valor, que por sua vez, possibilitaria uma nova produção de conteúdos e valores pelos próprios sujeitos sociais, não mais considerados passivos ou usuários, mas produtores de conteúdos, serviços ou aplicativos digitais interativos.

As TICS geram lógicas próprias de funcionamen-to e reorganização do mundo, embora no momento em que este texto está sendo escrito ainda vivamos em um momento de transição; de convivência e passagem dos meios de comu-nicação tradicionais para os digitais. A mídia ainda responde as lógicas do começo do século XX, inclusive as econômicas, correspondente ao período em que surgiram. Mas empresas, públicas ou privadas da área da comunicação, buscam urgen-temente reorganizar suas estruturas e lógicas para adaptar-se aos novos tempos tecnológicos e a nova economia digital. Isso significa que ainda haverá um tempo17 de convivência entre o sistema analógico e as novas plataformas digitais até que um substitua o outro a partir do apagão analógico18.

17 Esse tempo pode durar várias gerações, na transição entre os imigrantes e os nativos digitais. São considerados nativos digitais, as crianças e jovens com menos de 30 anos que já nasceram sob o signo das tecnologias digitais.

18 Data em as televisões devem parar de oferecer serviços analógicos, como já aconteceu nos EUA, Inglaterra, Japão e Espanha, por exemplo.

36 Tecnologia, pra quê?

O período de transição do mundo analógico para o digital deverá durar pelo menos 10 anos19, pois diferente do período da revolução industrial, hoje não é necessário ser pro-prietário de uma empresa para produzir conteúdos. Os jovens e adultos com acesso as tecnologias de informação e as plata-formas digitais e em condições de usá-los poderão produzir conteúdos, como já estão fazendo as gerações mais jovens. Ou seja, no tempo das indústrias culturais era preciso ser proprie-tário dos meios de comunicação; hoje as tecnologias de infor-mação e comunicação e a emergente indústria de conteúdos digitais possibilitam a produção, acesso, circulação e divulga-ção de conteúdos audiovisuais digitais de entretenimento, de serviços, educativos ou culturais a partir do aparelho em si: telefones celulares, rádio digital, TV digital, livros digitais, vi-deojogos em rede, computadores com acesso a internet ou da convergência entre as diferentes mídias digitais.

19 Desde a perspectiva da propriedade dos meios e da possibilidade de apropriação das tecnolo-gias e produção de conteúdos ditais entre as gerações mais jovens, mas poderá demorar mais entre as gerações de adultos na faixa dos 40, 45 anos, que ainda estão fazendo a migração para o mundo digital.

37Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

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41Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Relações Públicas e Comunicação

Organizacional:uma análise de

práticas acadêmicas de um Grupo de Pesquisa

focado em tecnologia

Cláudia Peixoto de MouraFAMECOS – PUCRS

Considerações sobre o estudo:

O binômio Relações Públicas e Comunicação Or-ganizacional permite abordagens que envolvem saberes com-plementares. As duas áreas sofrem tensões e vivem suas lutas internas e externas, no sentido adotado pelo sociólogo Pier-re Bourdieu. Pressupõem um capital cultural para a atuação profissional na realidade. Isto se revela nas práticas acadêmicas dos grupos de pesquisa registrados no CNPq - Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, em ambas as áreas, nas quais o capital cultural é produzido nas relações existentes entre os cursos de graduação, de pós-graduação, em instituições de ensino superior.

O presente artigo objetiva apresentar uma análise de práticas acadêmicas de um grupo de pesquisa com o foco em tecnologia, registrado no CNPq, nas áreas de Relações Pú-blicas e de Comunicação Organizacional. Para o trabalho, será adotada a proposta metodológica construída como estratégia ao estudo de grupos de pesquisa certificados por instituições

42 Tecnologia, pra quê?

de ensino superior, cujas práticas acadêmicas podem ser ob-servadas em processos investigativos e no capital cultural re-sultante. A proposta metodológica foi apresentada em dois eventos científicos de Comunicação1, no sentido de discutir sua aplicação e validade.

Os grupos de pesquisa existentes no CNPq, em ambas as áreas, já foram mapeados anteriormente, possibili-tando diversas análises futuras da produção divulgada median-te o portal institucional. O trabalho faz parte de um projeto de pesquisa que se encontra em andamento, intitulado “A Pesqui-sa em Relações Públicas: práticas acadêmicas e capital cultural”2, para o qual foi realizada uma pesquisa bibliográfica que possi-bilitou o estabelecimento dos pressupostos teóricos ao estudo, sendo estes considerados como referência na construção de uma proposta metodológica direcionada a análises de grupos selecionados.

A seguinte questão norteadora é decorrente do ob-jetivo do presente artigo: que práticas acadêmicas são exerci-das em um grupo de pesquisa focado em tecnologia, registrado no CNPq, nas áreas de Relações Públicas e de Comunicação Organizacional, em termos de capital cultural resultante? Esta questão pressupõe uma coleta de dados em documentos dispo-nibilizados de forma digital, no portal do CNPq, no qual há o registro das práticas acadêmicas desenvolvidas nos grupos de pesquisa, identificados nas duas áreas, incluindo a produção científica gerada. Um grupo de pesquisa que enfoca as ques-tões de tecnologia foi selecionado para o trabalho.

1I Congresso Mundial de Comunicação Iberoamericano, da Confederación Iberoamericana de Asociaciones Científicas y Académicas de la Comunicación – Confibercom, em São Paulo/SP, de 1 a 6 de agosto de 2011; e XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, da Socie-dade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom, em Recife/PE, de 2 a 6 de setembro de 2011.

2Projeto aprovado no edital para Produtividade em Pesquisa - PQ – nível 2, do Conselho Nacio-nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

43Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Pressupostos teóricos e estratégia

metodológica para o estudo:

Os pressupostos teóricos para o projeto em desen-volvimento foram traçados com base em fontes bibliográficas, sendo fundamentais para uma análise de práticas acadêmicas de um grupo pesquisa selecionado. O embasamento apresenta noções do campo de relações ou interações, do capital cultural para o cultivo de práticas acadêmicas, da rede de relações iden-tificadas com o capital social, e das práticas acadêmicas para a formação superior.

Campos de Relações:

A questão discutida envolve um campo científico e hábitos institucionais. “O campo científico é, de fato, um cam-po de lutas como outro qualquer” (BOURDIEU, 1994, p. 24), cuja participação na luta está relacionada ao capital científico em um espaço social estruturado. Há uma relação entre as ins-tituições e os hábitos como uma forma de incorporação do so-cial, realizada pela aprendizagem, fundamentada em ações que garantem a sua presença na sociedade. Isto porque “o corpo está dentro do mundo social, mas o mundo social está dentro do corpo” (Idem, 1994, p. 41). As relações podem ser “enten-didas como interações, ou seja, como relações intersubjetivas realmente efetuadas” (Idem, 1994, p. 45 – grifo do autor). A estrutura das relações constitui o espaço do campo, ocorrendo a produção no espaço institucional.

No campo “há dominantes e dominados, há rela-ções constantes, permanentes, de desigualdade” e “cada um, no interior desse universo, empenha em sua concorrência com os outros a força (relativa) que detém e que define sua posição no campo e, em conseqüência, suas estratégias” (BOURDIEU, 1997, p. 57). Os hábitos praticados mediante atividades pro-fissionais estão relacionados ao campo de lutas identificado em instâncias: a área de Comunicação Social, da qual Relações

44 Tecnologia, pra quê?

Públicas e Comunicação Organizacional fazem parte; as insti-tuições de ensino superior que formam profissionais para uma atuação nas duas áreas; as organizações que contratam os res-pectivos profissionais egressos dos cursos superiores, a socie-dade que recebe a produção originada do exercício profissional em ambas as áreas, que envolve práticas investigativas.

A delimitação do conteúdo e o modo a ser inculca-do, assim como o tempo de formação, definem o ‘habitus’, que é “o grau de realização cultural (grau de competência legítima) pelo qual um grupo ou uma classe reconhece o homem reali-zado” (BOURDIEU; PASSERON, 2008, p. 56). A competência está associada à cultura reconhecida em um ‘homem cultivado’, pela inculcação implícita e explícita (formal e formalizada em processos educativos). As rotinas se estabelecem mediante prá-ticas pedagógicas, que podem envolver atividades de pesquisa, participando mais dos campos científico e intelectual.

Capital Cultural para Cultivo Acadêmico:

O diploma, o status profissional e a capacidade re-conhecida pelo título acadêmico estão relacionados a uma certi-ficação e uma legitimação das hierarquias sociais, além de uma qualificação técnica e rentabilidade social ao ‘homem cultivado’, que possui vantagens acadêmicas e sociais devido a sua passa-gem pelo ensino superior. Com o apoio dos escritos de Bourdieu é possível fazer as seguintes considerações a respeito de Relações Públicas e de Comunicação Organizacional, que possuem:

- um capital cultural incorporado, com saberes para desenvolver suas práticas de forma abrangente e reflexiva. O capital cultural incorporado exige uma incorporação, uma aquisição realizada pessoalmente pelo sujeito, que investe seu tempo para ‘cultivar-se’. “O capital cultural é um ter que se tor-nou ser, uma propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da ‘pessoa’, um habitus” (BOURDIEU, 1998, p. 74-75 – grifo do autor), a partir de sua formação e da apropriação

45Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

do conhecimento, de saberes, adotados nas práticas acadêmi-cas realizadas nas instituições de ensino superior mediante atividades desenvolvidas tanto em nível de graduação como de pós-graduação, que se revelam nos registros dos grupos de pesquisa do CNPq.

- um capital objetivado, na medida em que a pro-dução resultante dos saberes cultivados é reconhecida como uma prática direcionada aos interesses institucionais e acadê-micos. O capital cultural objetivado diz respeito aos bens cul-turais, somente existindo se for apropriado e utilizado no cam-po da produção cultural e das classes sociais que se beneficiam com o domínio desse capital. Isto pode ser entendido como uma produção baseada nos princípios teóricos das áreas para o benefício de instituições, no sentido de atuar na sociedade através de projetos de comunicação e de investigação, direcio-nados a objetivos distintos, conforme os interesses públicos e privados, observados nas referidas práticas acadêmicas desen-volvidas tanto em nível de graduação como de pós-graduação, envolvendo grupos de pesquisa do CNPq.

- um capital cultural institucionalizado, com uma certificação que garante uma legitimidade para o exercício aca-dêmico, a exemplo dos grupos de pesquisa certificados e re-gistrados no CNPq. A certificação não é garantia dos saberes vinculados ao capital incorporado e objetivado, mas sim de um reconhecimento em um espaço social. O capital cultural ins-titucionalizado é conferido pelo reconhecimento institucional atribuído à certificação, como uma garantia de competência cultural, de valor convencional para as práticas acadêmicas re-alizadas nas instituições de ensino superior, tanto em nível de graduação como de pós-graduação, registradas nos grupos de pesquisa do CNPq.

A adoção de práticas acadêmicas reveladas na pro-dução científica gerada pelos líderes dos grupos de pesquisa, certificados e registrados no CNPq, constituída de escolhas te-

óricas e metodológicas para o desenvolvimento de atividades investigativas, caracterizam o capital cultural incorporado, ob-jetivado e institucionalizado a ser analisado.

Rede de Relações:

Outra discussão foi pautada por questões que tratam dos saberes para a fundamentação das áreas. A formação supe-rior capacita os profissionais, egressos dos cursos, a partir de co-nhecimentos gerais e específicos para ampliar o capital cultural incorporado, cultivado nos bancos universitários, refletindo em um capital cultural objetivado, mediante uma produção de pro-jetos qualificados, com a vantagem assegurada pelo certificado de conclusão da graduação e da pós-graduação. É a existência de uma certificação que legitima a autoridade dos acadêmicos, con-siderando uma sociedade de títulos. Porém, são os saberes que fundamentam ambas as áreas, implicando em estratégias para a apropriação dos conhecimentos de referência.

Os conhecimentos gerais fornecem uma bagagem cultural necessária para o entendimento da realidade, para uma reflexão sobre a sociedade, a partir das práticas de comunicação, e os conhecimentos específicos envolvem teorias e técnicas que fundamentam as áreas de Relações Públicas e de Comunicação Organizacional. Refletir sobre as práticas acadêmicas significa uma necessidade, em uma sociedade cada vez mais caracteri-zada pelo conhecimento e pela informação. Assim, os saberes possibilitam traçar caminhos nos diversos espaços sociais.

O capital social e o capital cultural são aspectos fundamentais das relações existentes no espaço social.

O capital social é o conjunto de recursos atuais ou po-tenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de inter-conhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador,

47Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

pelos outros ou por eles mesmos), mas também são uni-dos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998, p. 67 – grifo do autor).

As relações contingentes podem ser transformadas em relações necessárias quando “a rede de ligações é o produto de estratégias de investimento social consciente ou inconscien-temente orientadas para a instituição ou a reprodução de rela-ções sociais diretamente utilizáveis, a curto ou longo prazo,...” (Idem, 1998, p. 68), com competência e disposição em termos de tempo e esforços, muitas vezes econômicos. Os grupos de pesquisa do CNPq constituem uma rede de relações institucio-nalizadas, cuja vinculação caracteriza a posse de conhecimento por parte dos líderes e certifica o reconhecimento do potencial de produção científica.

Portanto, a relação entre o capital social – rede de relações - e o capital cultural – incorporado, objetivado e insti-tucionalizado – permitirá um aprofundamento dos processos de relacionamentos, entre públicos e organizações, pelas ações de comunicação. A rede de relações possibilita uma mobili-zação, uma multiplicação do capital possuído, além de trocas contínuas, que são ações estratégicas para um investimento so-cial e para um investimento cultural, no qual o indivíduo é ‘cul-tivado’ (possuidor de um ‘habitus’) e certificado (com garantia de competências) e qualificado (com vantagens sociais).

Práticas Acadêmicas para a Formação Superior:

A formação superior no campo da Comunicação ocorre a partir das práticas institucionais, representada por um ‘habitus’ que envolve um capital social e cultural. As instituições de ensino, os professores e os alunos participam deste espaço social, político e econômico, mas principalmente cultural. As relações com as culturas do quotidiano, as concepções de Co-municação e de formação na área, e os elementos de diversos estudos disciplinares podem multiplicar o capital cultural.

Partindo da idéia de que “tudo é cultura e tudo é

48 Tecnologia, pra quê?

comunicação” (FERIN, 2002, p. 10), em uma sociedade global, a multiplicidade das relações permite pensar em uma comuni-cação global e uma cultura global. “O conceito de Comunica-ção é hoje uma noção alargada à reflexão em várias disciplinas, envolvendo simultaneamente diferentes domínios especializa-dos, metodologias e técnicas disponíveis” (FERIN, 2002, p. 21). Compreende fenômenos de interação, propiciados pela comu-nicação interpessoal, mediada e mediatizada.

A comunicação interpessoal ocorre por “mecanis-mos não verbais e verbais, determinados pelos contextos cul-turais e de socialização, vividos pelos indivíduos desde o mo-mento do seu nascimento” (FERIN, 2002, p. 26), envolvendo as relações entre os interlocutores, a informação e o contexto social. A comunicação mediada é realizada pelos media (jor-nal, cinema, televisão, rádio, computador, entre outros) como “um fenómeno contextualizado em determinada cultura” (FE-RIN, 2002, p. 27 – grifo da autora), construindo uma realidade. A comunicação mediatizada acontece através dos media, no sentido amplo de ser produzida pelas instituições de mediação, como os “fenómenos de produção e transmissão, as formas e os conteúdos simbólicos, bem como as configurações individuais e colectivas desta recepção e respectivos feedbacks culturais e sociais” (FERIN, 2002, p. 28).

O conceito tridimensional necessita do aporte teó-rico e metodológico de estudos multidisciplinares das Ciências da Comunicação, constituídas pela Lingüística, Filosofia, So-ciologia, Antropologia, Psicologia Social. Tanto o conceito de comunicação como o de cultura têm como referência as Ciên-cias Sociais e Humanas, sendo os dois campos interdependen-tes, hierarquizados, estruturantes. As práticas quotidianas são identificadas como ‘habitus’ de um ser social, interiorizadas pela educação. O ensino da comunicação, com suas práticas pedagógicas, possibilita a interiorização de seu ‘habitus’ e a di-versificação de formas de cultura.

Segundo Simões (1995), uma definição operacio-nal para a atividade de Relações Públicas explica sua prática em

49Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

quatro etapas: a) diagnóstico – da situação presente, em termos de filosofia, objetivos e ações de comunicação; b) prognóstico - visão de futuro, com base no diagnóstico; c) elaboração de pareceres - aos procedimentos organizacionais, assessorando e implementando ações para resolver problemas; d) avaliação de ações – controle dos resultados das ações de comunicação para retroalimentar o sistema com informações. O termo co-municação engloba ações estratégicas, dirigidas e integradas, que são trabalhadas considerando também o entendimento de Comunicação Organizacional, além dos interesses voltados à Comunicação Institucional, Corporativa, Pública ou Cívica. São as trajetórias, os percursos possíveis na rede de relações que o profissional ‘cultivado’ poderá vislumbrar.

De acordo com Lopes (2003, p. 289), a reflexão teórica sobre o ‘fazer’ comunicação é destacada com base em dois eixos: a) a conexão entre teoria, pesquisa e ensino – iden-tificada com a relação entre graduação e pós-graduação na me-dida em que a pesquisa acadêmica pode articular os conteúdos das disciplinas, teorizando as práticas profissionais. b) a cone-xão entre teoria, pesquisa e produção – que “envolve a rela-ção entre pesquisa e produção nas escolas de Comunicação e como ela pode se refletir numa renovação das profissões de Comunicação” (grifo da autora). O tipo de pesquisa definido para a formação acadêmica pode dar condições ao estudante de conceber o processo de produção e projetos que necessitem da integração dos conteúdos das disciplinas.

Uma estratégia metodológica para análise

das Práticas Acadêmicas:

Os aspectos teóricos abordados anteriormente possibilitaram o estabelecimento de pressupostos que estão fundamentados em Bourdieu. O capital cultural e as relações existentes entre os grupos de pesquisa registrados no CNPq, em instituições de ensino superior com cursos de graduação e de pós-graduação, foram os tópicos considerados para a aná-

50 Tecnologia, pra quê?

lise. As relações ocorrem no campo identificado pela área de Comunicação Social, da qual participam Relações Públicas e Comunicação Organizacional. E o capital cultural está relacio-nado ao cultivo do homem que foi obtido mediante formação em instituições de no ensino superior.

As atividades desenvolvidas nos grupos de pesqui-sa caracterizam o capital cultural incorporado, objetivado e institucionalizado. A pesquisa foi realizada no Portal do CNPq, que contém as descrições anotadas pelos líderes de cada gru-po, assim como a produção científica da equipe envolvida. A estratégia metodológica está baseada na técnica de análise de conteúdo para categorizar as informações referentes às práticas acadêmicas observadas nos grupos de pesquisa, considerando os aspectos teóricos já abordados e os aspectos empíricos le-vantados no portal do CNPq. As categorias estabelecidas para o estudo são:

- o capital cultural incorporado – quando os sa-beres forem indicados para fundamentar as práticas do grupo de pesquisa, propiciando uma apropriação do conhecimento pelos sujeitos envolvidos, tanto em nível de graduação como de pós-graduação. Os saberes estão vinculados aos conhecimen-tos gerais (reflexão sobre a sociedade e a Comunicação) e aos conhecimentos específicos (reflexão sobre as áreas de Relações Públicas e de Comunicação Organizacional), sendo identifica-dos nos registros de cada grupo.

- o capital cultural objetivado – quando a produção resultante dos saberes cultivados é divulgada como uma prática do grupo de pesquisa, caracterizada como bens culturais. Há um vínculo dos bens culturais com a sociedade, conforme interesses existentes, que podem ser institucionais e acadêmicos, públicos e privados, sendo identificados nos registros de cada grupo. Há interfaces com diversas áreas que envolvem domínios especiali-zados, oriundos dos estudos multidisciplinares das Ciências da Comunicação e das Ciências Sociais e Humanas.

51Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

- o capital cultural institucionalizado – quando a certificação do grupo de pesquisa na área de Comunicação está registrada em termos institucionais, envolvendo os cursos em nível de graduação e de pós-graduação. A institucionalização é o reconhecimento da competência no espaço comunicacional, sendo identificada pelos registros de cada grupo. As represen-tações acadêmicas do líder da equipe garantem a legitimidade do grupo de pesquisa.

- a rede de relações – quando as relações são durá-veis e institucionalizadas pois estão vinculadas a um grupo de pesquisa que envolve cursos de graduação e de pós-graduação. A rede de relações caracteriza-se como um investimento orien-tado e necessário para contribuir com a formação acadêmica em instituições de ensino superior, sendo identificada através do tipo de articulação que pode ocorrer, como projetos de pesquisa de Iniciação Científica, orientações de Trabalhos de Conclusão de Curso e projetos de monografias na Graduação, projetos conjuntos realizados entre Pós-Graduação e Gradua-ção, e eventos promovidos pelo Pós-Graduação e Graduação, envolvendo palestras, debates, oficinas, jornadas científicas com exposição de pesquisas3.

Quando não há informações suficientes nos regis-tros dos grupos, é consultado o currículo Lattes do líder4 da equipe participante da pesquisa. Os tópicos selecionados do Currículo Lattes para a consulta são:

3As atividades científicas indicadas foram registradas em um artigo denominado A pesquisa em Comunicação: o elo entre Graduação e Pós-Graduação, publicado em 2008. As experiências relatadas no referido texto são formas de estabelecer a integração, valorizando a pesquisa em Comunicação, tanto em atividades científicas quanto no ensino das profissões midiáticas, inse-rida na estrutura curricular da Graduação. As ações foram adotadas nos Cursos de Graduação em Comunicação Social, por docentes de Programas de Pós-Graduação na área, aprimorando o ensino e a pesquisa.

4A consulta é feita pelo nome do líder da equipe no Link para Currículo Lattes existente dentro do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, ou no endereço eletrônico da página do CNPq –http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do?metodo=apresentar

52 Tecnologia, pra quê?

Texto Inicial do Currículo

Dados Gerais – Atuação Profissional (atividades); Áreas de Atuação

Projetos – Concluídos e em Andamento; Equipe (professores e alunos envolvidos)

Produção Bibliográfica – Artigos em Periódicos; Capítulos e Livros; Trabalhos em Anais de Eventos

Orientações – Concluídas e em Andamento

Organização de Eventos

Igualmente, as palavras-chave encontradas nos re-gistros dos grupos de pesquisa serão consideradas como temá-ticas que indicam o foco de cada estudo envolvendo Relações Públicas e Comunicação Organizacional. As práticas acadêmi-cas podem abordar questões de: diagnóstico; prognóstico; ela-boração de pareceres; avaliação de ações; assim como tópicos de Comunicação Institucional, Corporativa, Pública ou Cívica, que são inerentes às reflexões da área.

Grupo de Pesquisa focado em Tecnologia:

O presente artigo se ocupa de um grupo de um Grupo de Pesquisa que enfoca as questões relacionadas à tec-nologia. O grupo foi selecionado entre aqueles certificados e registrados no CNPq, conforme o mapeamento finalizado em junho de 2011. O corpus do projeto é identificado pelos gru-pos de pesquisa registrados no CNPq, nas áreas de Relações Públicas e de Comunicação Organizacional, em instituições de ensino superior, que possuem cursos de graduação e de pós-graduação. Portanto, os grupos de pesquisa, as respectivas instituições de ensino superior e o líder do grupo foram regis-

53Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

trados em um mapeamento realizado em 2009 e revisado em 2011, sendo elaborado um banco de dados.

A técnica de pesquisa documental foi utilizada para coletar as informações em uma base de dados no portal do CNPq, que possui os registros dos grupos de pesquisa brasilei-ros. O Diretório dos Grupos de Pesquisa foi adotado para a co-leta de dados da presente investigação5. A escolha se deve ao fato do referido Diretório manter uma Base corrente com informa-ções atualizadas continuamente, pelos segmentos de público en-volvidos em processos investigativos vinculados principalmente a instituições de ensino superior no país. Desde 1992, o CNPq mantém os registros dos grupos de pesquisa em atividade, com informações sobre as linhas de pesquisa, a sua localização no es-paço (região, estado e instituição) e no tempo.

Um inventário resultou de informações textuais (Busca Textual), que recuperaram dados relevantes para a pre-sente etapa do trabalho, sendo realizado mediante os termos “Relações Públicas” e “Comunicação Organizacional” no tópi-co ‘consultar’, além do filtro para a busca na grande área de Ciências Sociais Aplicadas e na área de Comunicação. Entre as finalidades do Diretório dos Grupos de Pesquisa, destaca-se o fato de ser uma fonte de informação na qual constam os censos ocorridos, possibilitando um aprofundamento de questões.

O levantamento permitiu estabelecer o número de grupos existentes, para posteriormente identificar as atividades investigativas desenvolvidas. Cada grupo de pesquisa indica-do foi considerado uma unidade de análise para o inventário, apresentando sua denominação, instituição de ensino superior participante, estado, região, vínculo com linhas de pesquisa, palavras-chave e objetivos, conforme o cadastramento realiza-do pelos respectivos líderes dos grupos e certificado pela insti-tuição a qual pertencem.

5As informações foram obtidas no portal do CNPq - http://www.cnpq.br/ - no link - Diretório dos Grupos de Pesquisa.

54 Tecnologia, pra quê?

A busca realizada no portal do CNPq revelou dez (10) grupos de pesquisa que abordam temáticas referentes à tec-nologia (tecnologia(s); internet; digital(is); virtual(is); web) indi-cada em palavras-chave ou em linhas de pesquisa, quando foram adotados os termos Relações Públicas e Comunicação Organi-zacional para a consulta. Atualmente, há 40 grupos identificados e vinculados a instituições de ensino superior. As informações obtidas possibilitaram a seguinte representação regional:

- com a adoção dos termos Relações Públicas e Comunicação Organizacional, em uma busca cruzada, há dez (10) grupos de pesquisa, sendo que todos estão em instituições de ensino superior com curso de graduação em Relações Pú-blicas. A distribuição geográfica dos dez grupos de pesquisa é a seguinte: Norte – 1; Nordeste – 1; Centro-Oeste – 0; Sudeste – 0; Sul – 8. Entre estes grupos, um se destaca por apresentar em suas palavras-chave o termo tecnologia:

Grupo de Estudos Avançados em Comunicação Organizacional – PUCRS

Vinculado a uma linha de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (stricto sensu)

Palavras-chave: Comunicação organizacional; Estratégias comunicacionais; Novas tecnologias; Organizações;

- com a adoção somente do termo Comunicação Organizacional, há 22 grupos de pesquisa. Porém, três (3) gru-pos não estão em instituições de ensino superior com curso de graduação em Relações Públicas. A distribuição geográfica dos 22 grupos de pesquisa é a seguinte: Norte – 0; Nordeste – 3; Centro-Oeste – 3; Sudeste – 9; Sul – 7. Destes 22 grupos de pes-quisa, seis contêm o termo tecnologia em suas palavras-chave ou linha de pesquisa:

55Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia - PUC/SP

Vinculado a três linhas de pesquisa do Pós Graduação em Comunicação e Semiótica (stricto sensu), cujas denominações são diferentes daquelas indicadas no Programa.

Palavras-chave: Comunicação e Cultura; Filogênese da comunicação humana; Linguagens da Cultura; Ontogênese da comunicação humana; Processos de Codificação Cultural;

Palavras-chave: Crise da Visibilidade; Iconofagia; Imagem e representação; Imagens públicas e imagens institucionais; Tecno-imagens; Teorias da imagem;

Palavras-chave: Mídia e sincronização social; Mídia e sistemas simbólicos; Mídia e tecnologia; Mídia primária, secundária e terciária;

Estudos sobre Comunicação Organizacional: estratégias e processos – UFPR

Vinculado a três linhas de pesquisa do Depto. de Comunicação Social.O Programa de Pós-Graduação em Comunicação iniciou recentemente, em 2011.

Palavras-chave: Análise Organizacional; Comunicação Organizacional;

Palavras-chave: Comunicação; Informação; Novas tecnologias;

Palavras-chave: Comunicação; Estratégias; Processos;

56 Tecnologia, pra quê?

Gr: Inteligência Organizacional – UFRGS

Vinculado a quatro linhas de pesquisa do Depto. de Comunicação, que não pertencem ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação.

Palavras-chave: comunicação; epistemologia; tecnologias da informação e da comunicação;Palavras-chave: estratégias de comunicação; gestão da informação; gestão do conhecimento; tomada de decisão;Palavras-chave: aprendizagem; conhecimento; gestão; informação; organização; tomada de decisão;Palavras-chave: memória organizacional;

Mídia e Processos Sócio-Culturais - UNIFRA

Vinculado a duas linhas de pesquisa do Curso de Comunicação Social

Palavras-chave: Campos sociais; Discurso; Identidade; Intervenções sociais; Mídia; Midiatização;Palavras-chave: Comportamento do consumidor; Comunicação; Criatividade; Cultura; Estratégia; Tecnologia;

Sociedade Mediatizada: Processos, Tecnologia e Linguagem - PUC Campinas

Vinculado a uma linha de pesquisa do Núcleo de Pesquisa e Extensão, do Centro de Linguagem e Comunicação

Palavras-chave: Cibercultura; Comunicação Digital; Comunicação regional; Sociedade da Informação; Sociedade do Conhecimento; Tecnologias de informação e comunicação;

Sociedade Midiatizada e Práticas Comunicacionais Contemporâneas – UFES

Vinculado a três linhas de pesquisa do Departamento de Comunicação Social

Palavras-chave: indústria de mídia, midiatização, comunicação;Palavras-chave: comunicação organizacional;Palavras-chave: internet, mídias digitais, TICs;

57Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Também foram considerados os termos “internet” e “virtual(is)”, que podem ser encontrados no grupo:

Gr: Comunicação, Cultura, Gestão e Sociedade – FTC

Vinculado a seis linhas de pesquisa indicadas como da Vice-Presidência de Inovação e Expansão, além do Mestrado Profissional em Bioenergia (as referidas linhas não pertencem ao curso).

Palavras-chave: Ciência; Cultura; Internet; Produção científica;Palavras-chave: Cultura; política;Palavras-chave: Difusão e divulgação de ciência; Educação Ambiental; Meio Ambiente;Palavras-chave: Comunidades virtuais; Educação e cultura; Internet;Palavras-chave: Educação; Sustentabilidade;Palavras-chave: aprendizagem organizacional; cultura organizacional; jogo de empresas; jogo de treinamento;

- com a adoção do termo Relações Públicas, foram en-contrados oito (8) grupos de pesquisa, sendo que somente um (1) não está em instituição de ensino superior com curso de graduação em Relações Públicas. A distribuição geográfica dos oito grupos de pesquisa é a seguinte: Norte – 1; Nordeste – 0; Centro-Oeste – 0; Sudeste – 3; Sul – 4. Entre os oito grupos de pesquisa, há dois que possuem o termo tecnologia em suas palavras-chave ou linha de pesquisa. No entanto, um grupo de pesquisa de uma instituição do Rio de Janeiro que não é atualizado há mais de 12 meses, sendo as-sim desconsiderado para o estudo. No caso da UNESP, o termo tec-nologia é indicado em uma linha de pesquisa a que está vinculado:

Opinião Pública e Comunicação – UNESP

Vinculado a três linhas de pesquisa do Departamento de Comunicação Social

Palavras-chave: Eleições; Imagem; Marca; Marketing; Opinião Pública; Política;Palavras-chave: Opinião Pública; Pesquisa de Opinião; Pesquisa Eleitoral; Relações Públicas;Palavras-chave: Comunicação; Imagem; Mídia; Opinião Pública; Pesquisa de Opinião; Relações Públicas;

58 Tecnologia, pra quê?

Igualmente foi considerado o termo “web”, que pode ser encontrado na linha de pesquisa e no título do grupo:

Gr: WebRP – Práticas de Relações Públicas em suportes midiáticos digitais – UFSM

Vinculado a uma linha de pesquisa do Departamento de Ciências da Comunicação, que não pertence ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação (stricto sensu)

Palavras-chave: estratégias de comunicação; midiatização; relações públicas; WebRP;

O mapeamento dos grupos de pesquisa do CNPq revelou que há 40 grupos de pesquisa que podem ser anali-sados, localizados nas seguintes regiões: Norte – dois (2); Nordeste – quatro (4); Centro-Oeste – três (3); Sudeste – 12; Sul – 19. Com o termo tecnologia e abordagens relacionadas (tecnologia(s); internet; digital(is); virtual(is); web), obser-vados nas palavras-chave e nas linhas de pesquisa, foram regis-trados dez grupos sendo cinco da região sul, quatro da região sudeste e um da região nordeste. Quando a busca textual, com os termos Relações Públicas e Comunicação Organizacional, é realizada no Portal do CNPq sem a indicação da área da Co-municação como filtro, mais grupos de pesquisa são apresen-tados, pois foram registrados pelos seus líderes em outras áreas do conhecimento.

Dos dez grupos indicados, apenas um possui o ter-mo web em sua denominação e por isso foi selecionado para a análise. O grupo de pesquisa é WebRP – Práticas de Relações Públicas em suportes midiáticos digitais, da Universidade de Santa Maria – UFSM. As informações obtidas, de acordo com o encaminhamento, estão representadas com imagens do por-tal do CNPq. Após a busca textual no Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, os registros do grupo selecionado foram observados. As três telas a seguir apresentam os registros refe-rentes ao ano de 2011.

59Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

60 Tecnologia, pra quê?

O grupo de pesquisa foi formado em 2010, com dois líderes:

- Eugenia Maria Mariano da Rocha Barichello - é professo-ra associada II e coordena o Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista em Produtividade em Pesquisa do Conse-lho Nacional de Pesquisa (PQ2 - CNPq). Possui Doutorado em Comunicação, pela Universidade Federal do Rio de Ja-neiro (UFRJ).

- Daiana Stasiak - é professora assistente do Curso de Re-lações Públicas, da Universidade Federal de Goiás (UFG). Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Comu-nicação, da Universidade de Brasília (UNB). Mestre em Comunicação, pelo Programa de Pós-Graduação em Co-municação Midiática, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), bolsista da Coordenação de Aperfeiçoa-mento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

(continuação)

61Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

A origem do grupo de pesquisa está em trabalhos desenvolvidos pelas duas líderes, cabendo à Eugênia Barichello a orientação da dissertação de mestrado de Daiana Stasiak, in-titulada “Estratégias comunicacionais e práticas de WebRP: o processo de legitimação na sociedade midiatizada”, defendida em 2008, na Universidade Federal de Santa Maria. A parceria gerou artigos que foram apresentados em eventos da área. Os currículos Lattes de Barichello e Stasiak foram considerados para o levantamento das referências.

BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. As três fases da We-bRP: análise das estratégias comunicacionais dos portais ins-titucionais ao longo do advento da internet no Brasil (1995-2009). In: IIII ABRAPCORP - Congresso Brasileiro de Relações Públicas e Comunicação Organizacional, 2009. São Paulo. V. 3. p. 1-15. BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. Práticas de Relações Públicas na Web: as três fases da WebRP. In: 8º LUSOCOM - Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, 2009. Lis-boa. V. 8. p. 1-15.BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. Internet, Rela-ções Públicas e estratégias de legitimação institucional. In: II ABRAPCORP - Congresso Brasileiro Científico de Comunica-ção Organizacional e Relações Públicas, 2008. Belo Horizonte. V. 1. p. 1-15. BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. WebRP: as estraté-gias de comunicação de cada tempo. In: XXXI INTERCOM - Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2008. Natal. V. 31. p. 1-15. BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. Estratégias de Rela-ções Públicas na web: a comunicação no cenário da sociedade midiatizada. In: IX ALAIC - CONGRESO LATINOAMERICA-NO DE INVESTIGACIÓN DE LA COMUNICACIÓN, 2008. México. V. 9. p. 1-15.

62 Tecnologia, pra quê?

O capital cultural incorporado está vinculado aos sabe-res indicados para fundamentar a reflexão do grupo de pesquisa, que envolvem conhecimentos gerais e específicos sobre Relações Públi-cas, abordando tópicos de estudo como comunicação midiática, es-tratégias de comunicação, comunicação institucional, legitimidade institucional, midiatização das práticas sociais, campo dos media, Relações Públicas na internet (WebRP). No aspecto teórico, foram indicadas noções de legitimação e de visibilidade, de ambiência e de midiatização da sociedade, assim como de interações sociais.

O capital cultural objetivado está na produção biblio-gráfica dos líderes do grupo de pesquisa, desde a sua criação, vin-culada a interesses institucionais – cinco artigos em periódicos; dois capítulos de livros; trabalhos em anais de eventos (quatro trabalhos completos e três resumos) – na medida em que divulgam duas instituições de ensino superior - a UFSM e a UFG, e a interesses acadêmicos – orientações em andamento sobre questões tecnoló-gicas – de duas dissertações de mestrado que beneficiam a forma-ção em Relações Públicas. A produção está baseada em estudos das Ciências da Comunicação e das Ciências Sociais e Humanas, havendo diversidade de enfoques no desenvolvimento das investi-gações pelos integrantes do grupo. Os trabalhos resultantes são:

Artigos completos publicados em periódicos:MACHADO, J.; BARICHELLO, E. M. M. R.; MULLER, F. O. Estratégias de Relações Públicas na Ambiência da Internet. Re-vista Rastros (Joinville). V. 14, p. 1-15, 2011. BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. Apontamentos so-bre a práxis de Relações Públicas na web. Revista Organicom (USP). V. 10-11, p. 168-173, 2010. MACHADO, J.; MULLER, F. O.; BARICHELLO, E. M. M. R. Estratégias contemporâneas de Relações Públicas em mídias digitais. Revista Anagrama (USP). V. 4, p. 1-17, 2010. BARICHELLO, E. M. M. R.; LASTA, E. Comunicação organi-zacional digital: a cauda longa da informação gerada pelo blog corporativo Fatos & Dados da Petrobrás. Revista Lumina (Juiz de Fora) (Online). V. 4, p. 1-12, 2010. BARICHELLO, E. M. M. R.; LASTA, E. Desintermediação na so-ciedade midiatizada: Petrobrás e suas práticas comunicacionais no blog corporativo Fatos e Dados. Chasqui. V. 112, p. 1-11, 2010.

63Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Capítulos de livros publicados:STASIAK, D.; BARICHELLO, E. M. M. R. Estratégias comu-nicacionais em portais institucionais: apontamentos sobre as práticas de Relações Públicas na internet brasileira. In: Daiana Stasiak; Vilso Santi Junior (Org.). Estratégias e Identidades mi-diáticas: matizes da comunicação contemporânea. 1 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011. V. 1, p. 15-36. STASIAK, D. WebRP: Estratégias de Relações Públicas em Por-tais Organizacionais. In: Marcello Chamusca; Márcia Carvalhal (Org.). Relações Públicas Digitais. 1 ed. Salvador-BA: Edições VNI, 2010, p. 20-50.

Trabalhos completos publicados em anais de congressos:LASTA, E.; BARICHELLO, E. M. M. R. Estratégias de Relações Públicas em nível discursivo utilizadas pela Petrobrás no blog corporativo Fatos & Dados. In: XXXIV INTERCOM - Con-gresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2011. Recife.STASIAK, D. WebRP: uma análise comparativa. In: XXXIV IN-TERCOM - Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2011. Recife. LASTA, E.; BARICHELLO, E. M. M. R. Comunicação Organi-zacional na Mídia Digital: A Cauda Longa de Informação Ge-rada após o Lançamento do Blog Corporativo Fatos e Dados da Petrobrás. In: XXXIII INTERCOM - Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2010. Caxias do Sul.MACHADO, J.; MULLER, F. O.; BARICHELLO, E. M. M. R. Estratégias Contemporâneas de Relações Públicas em Mídias Digitais. In: XXXIII INTERCOM - Congresso Brasileiro de Ci-ências da Comunicação, 2010. Caxias do Sul.

Resumos publicados em anais de congressos:MACHADO, J.; BARICHELLO, E. M. M. R. Relações Públicas na Ambiência da Internet: Estratégias de Comunicação Em-preendidas pela Petrobrás em seu Portal Institucional. In: V ABRAPCORP - Congresso Brasileiro Científico de Comunica-ção Organizacional e Relações Públicas, 2011. São Paulo. BARICHELLO, E. M. M. R.; STASIAK, D. Presença estratégica: Relações Públicas em portais institucionais. In: ALCAR - RS. 3º Encontro do Núcleo Gaúcho de História da Mídia, 2010. Porto Alegre. PUCRS.

64 Tecnologia, pra quê?

BARICHELLO, E. M. M. R. O processo de legitimação das or-ganizações na cultura da convergência. In: IV ABRAPCORP - Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organiza-cional e Relações Públicas, 2010. Porto Alegre. EDIPUCRS.

Artigos aceitos para publicação:BARICHELLO, E. M. M. R.; LASTA, E. A práxis de Relações Pú-blicas na ambiência da web 2.0: uma análise de blogs corporati-vos a partir de duas perspectivas teóricas. Comunicarte, 2011.

Algumas produções ocorreram com mestrandos que estão elaborando as seguintes dissertações:

- Elisangela Lasta. Processos comunicacionais nas mídias digitais: estratégias de visibilidade e legitimidade nos blo-gs corporativos. Início: 2011. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Federal de Santa Maria.

- Jones Machado. Comunicação organizacional no con-texto de convergência midiática digital: a reconfiguração das práticas comunicacionais no site institucional da Pe-trobrás. Início: 2011. Dissertação (Mestrado em Comu-nicação) - Universidade Federal de Santa Maria.

O capital cultural institucionalizado é demonstra-do pela certificação institucional do grupo de pesquisa na área de Comunicação, desde 2010. O reconhecimento no espaço comunicacional ocorre com as representações acadêmicas dos líderes da equipe, que participam como:

- Eugenia Barichello - Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Fede-ral de Santa Maria (UFSM); Bolsista em Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Pesquisa (PQ2 - CNPq); Consultoria Ad hoc – CAPES; Consultoria Ad hoc – CNPq; Consultor Ad hoc – FAPERGS; Parece-

65Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

rista Ad Hoc de Periódicos como a Revista INTEXTO da UFRGS; Comunicação, Mídia e Consumo da ESPM; ANIMUS; Revista Brasileira de Pós-Graduação – RBPG; Revista Científica da UNOPAR; no processo de Seleção de Periódicos da Coleção SciELO Brasil; Revista Três Pontos, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Também foi parecerista para o Guia do Es-tudante -Melhores Universidades – 2011, além de Vice-Coordenadora do GT Comunicação em Contextos Or-ganizacionais da COMPÓS.

- Daiana Stasiak - Coordenadora do Laboratório de Comunicação Social - Relações Públicas da FACOMB – UFG. Parecerista do Intercom Júnior e das Divisões Temáticas DT03 – Intercom.

A rede de relações é durável e institucionalizada envolvendo os cursos de graduação e de pós-graduação, na medida em que ocorre uma articulação do grupo de pesquisa entre duas instituições de ensino superior (Pós-Graduação na UFSM e Graduação na UFG). O grupo tem como líderes duas docentes, que estão envolvidas com os cursos de pós-graduação e de graduação, e uma equipe formada por dois mestrandos da UFSM, identificados no site do grupo. Finalizando, a questão norteadora do presente artigo foi respondida, na medida em que há um capital cultural resultante das práticas acadêmicas exercidas em um grupo de pesquisa focado em tecnologia, re-gistrado no CNPq, nas áreas de Relações Públicas e de Comu-nicação Organizacional.

66 Tecnologia, pra quê?

Referências

BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação. Petrópolis, RJ: Vo-zes, 1998.

BOURDIEU, Pierre. Lições de Aula. 2.ed. São Paulo: Ática., 1994.

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

FERIN, Isabel. Comunicação e Culturas do Quotidiano. Lisboa: Quimera, 2002.

LOPES, Maria Immacolata Vassallo. A Pesquisa e o Ensino nas Escolas de Comunicação. In: PERUZZO, Cicília Maria Krohling e SILVA, Robson Bastos da (orgs.) Retrato do Ensino em Comunicação no Brasil. São Paulo: INTERCOM, Taubaté: UNITAU, 2003.

MOURA, Cláudia Peixoto de. A pesquisa em Comunicação: o elo entre Graduação e Pós-Graduação. In: MOREIRA, Sonia Virgínia e VIEIRA, João Pedro Dias (orgs.) Comunicação: ensi-no e pesquisa. Rio de Janeiro: UERJ, 2008, p. 95-123.

MOURA, Cláudia Peixoto de. O profissional cultivado para os campos de relações públicas e comunicação organizacional. In: Organicom - Revista Brasileira de Comunicação Organizacio-nal e Relações Públicas. São Paulo: ECA/USP, v.10/11, p.95-101, 2009.

67Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

SIMÕES, Roberto Porto. Relações Públicas: função política. 3. ed.rev. e ampl. São Paulo: Summus, 1995. (Novas buscas em comunicação; v. 46)

Site: http://www.cnpq.br/

69Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Problematizando redes sociais e democracia

César SteffenUNISC – RS

Introdução

Brasília, capital federal do Brasil, une no entorno de uma praça, os poderes executivo, legislativo e judiciário, e segue no chamado eixo monumental, com a esplanada dos mi-nistérios, onde se concentram e operam a maioria dos órgãos e funções de execução e controle do poder federativo no Brasil.

Ao final do eixo monumental, em posição frontal e com visão privilegiada para o Congresso Nacional e a Praça dos Três Poderes (figura 1), encontra-se a Torre de TV de Bra-sília, ponto turístico que, do alto de seus 224 metros, lembra que há alguém sempre observando o que acontece no centro do poder.

Figura 1 – vista do mirante da Antena de TV – Bra-sília – DF. Fonte: arquivo pessoal.

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Esta alegoria que aqui apresentamos provoca e apresenta uma relação que se mostra a cada dia nos meios de comunicação do país – e de todas as democracias modernas: a crescente e central importância dos meios de comunicação como agentes democráticos. Basta lembrar o já cinquentená-rio episódio da campanha da legalidade, promovida pelo então governador do estado do Rio Grane do Sul Leonel Brizola, que pelo microfone da Rádio Guaíba de Porto Alegre comandou a Campanha da Legalidade, conseguindo garantir a posse de Jango na presidência da República, e da forte censura aos meios que seguiu ao golpe militar de 1964, que temos uma pequena, mas ilustrativa, amostra da importância e do papel do sistema de mídia na democracia.

O sistema de mídia se mostra, se coloca e opera ações fundamentais para a manutenção e sustentação da de-mocracia. Ao tornar público atos e ações, os mostrar ou não fa-tos e versões, ao ofertar a população informações e conteúdos, publiciza o que acontece, pauta os temas e ações e é agente de formação da opinião pública.

Mas as relações do sistema de mídia com as esferas de poder oscila, muda, se restaura, opera e constrói, mas está longe de poder se considerada uma relação tranquila. Se, nos anos de governos militares que seguiram ao golpe de 1964 no Brasil - bem como nos regimes não democráticos nos vários recantos do mundo - a censura aos meios foi a tônica, com a abertura política e a redemocratização, a mídia e seus agentes se viram livres do medo e do cerceamento da liberdade, exer-cendo seu papel de informar livremente sobre o que acontece na sociedade, assumindo mais e mais – se não primordialmen-te – o papel de negociadora e mediadora dos processos sociais nas democracias modernas.

Ora, ao atingir uma ampla cobertura geográfica, os espaços da mídia, especialmente os eletrônicos, instalam um processo de integração entre atores e campos sociais distantes, levando, expondo e até mesmo negociando demandas. A socie-dade passa a dividir uma relação temporalmente homogenei-

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zada pelos conteúdos, processos e agendamentos midiáticos, mas fragmentada na medida em que não conta com unidade de espaço ou local, como comenta Virilio (1989: s.p.):

“(...) a imagem televisiva do jornal das oito está se trans-formando num espaço público. (Antes), o espaço público era a praça, era a esquina onde os homens se encontra-vam para dialogar, para se manifestar publicamente, para lutar ou para festejar. Hoje em dia, é visível que o cru-zamento, o espaço em que os homens se encontram é o jornal das oito. (...). Hoje em dia, é a imagem que se torna pública. No caso da televisão, há unidade de tempo, no jornal das oito, mas não há unidade de lugar. Estamos, pois, juntos diante de uma imagem pública, que substitui a praça pública, mas separados, cada qual em sua casa.”

A mídia e seus diversos canais, então, se colocam e se mostram como espaço de identificação, aglutinamento e cir-culação dos processos sociais, operando uma mediação entre atores, agentes e setores deslocados, física ou geograficamen-te afastados, mas que dividem algum interesse ou elemento de identidade comum. Esta mediação midiatizada resignifi-ca e tensiona todos os processos dos diversos campos sociais (BOURDIEU, 2000), que passa a depender das redes e lingua-gens midiáticas como interface para ser reconhecido e efetuar suas operações junto à sociedade.

E não estamos, claro, nos referindo a um processo novo. Longe disso. As pesquisas sobre os processos e fenôme-nos da comunicação e seus efeitos junto à sociedade remon-tam a Gabriel Tarde, que pela primeira vez observou os jornais, criando o conceito de opinião pública (ALMEIDA, 2002). Po-deríamos citar várias correntes estudos e paradigmas com essa visão, que iriam dos mais integrados aos mais pessimistas, dos mais teóricos aos empíricos, mas cremos estar fora do foco, do centro deste trabalho. Mas observamos que todas concordam que as comunicações são elementos fundantes das sociedades

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contemporâneas, desempenhando diferentes funções e proces-sos junto ao tecido social e trazendo novos processos e fenô-menos a cada dia.

Por mais que os pesquisadores divirjam em vários pontos, coincidem na medida quem que notam – e de certa forma comprovam – que a comunicação midiática trás fortes e perceptíveis impactos nas sociedades, influindo na forma como as pessoas percebem fatos e fenômenos e mesmo mudando os rumos e lógicas dos fenômenos que a antecedem. Os diferentes e diferenciados atores e campos sociais passam, através da mídia, a desenvolver relações com os meios de comunicação na busca de obter visibilidade e negociar suas demandas no tecido social, num fenômeno que muitos autores chamam de midiatização.

Os meios de comunicação operam e articulam tecno-logias de transmissão e modalidades de produção e de recepção de mensagens, operando linguagens e técnicas que servem de supor-te à exposição, circulação e negociação das demandas e processos dos vários campos. É função, processo e mesmo razão de ser do campo midiático operar e tornar visíveis os fazeres e demandas dos demais campos, publicizando-os em larga escala e, assim, mo-bilizando e posicionando os demais campos frente a estes.

Para Esteves (1998) as interações e circulações de discursos fazem e geram a competência do campo dos mídias. O autor afirma que as trocas discursivas que se realizam em torno de questões de interesse comum formam um compromisso entre os integrantes de um campo e mesmo entre os campos envolvi-dos nesta mediação. Assim, através da comunicação e da circu-lação de discursos formam-se os processos de negociação. Ora, se é função e natureza operativa do campo midiático circular discursos dos diversos campos há de se considerar que forma-se assim sua competência como instância de mediação social.

Claro que os campos e instituições mantêm rela-ções diretas e autônomas entre si, negociando suas demandas e resolvendo seus conflitos. Entretanto, nas sociedades mo-dernas e contemporâneas, com o crescimento populacional, a concentração urbana e a assincronia das dinâmicas individuais,

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e devido a sua natureza simbólica e consequente atividade de circular os processos, demandas e fazeres dos campos na esfera pública, o campo midiático ascende como instância maior - e até mesmo central - do processo de mediação, interação e visi-bilidade dos diversos campos.

Assim, a mídia e seus canais torna-se importante elemento de organização da esfera pública, exercendo um papel de forte influência ou mesmo de preponderância nos processos políticos. A mídia deve ser encarada como sujeito, como elemen-to que dá a ação e faz a ação, que expõe e faz exposto, que media e se faz mediador e opera a visibilidade do processo dos campos nas sociedades contemporâneas. Os campos assim se acoplam ao campo midiático, ou seja, se unem por um fazer, uma estra-tégia ou um elemento comum aos seus interesses (LUHMANN, 2000:93) para se fazer visíveis na esfera pública e cumprirem suas agendas e intenções junto aos demais campos.

Esta ascendência do campo midiático como ele-mento integrador e mesmo estruturador das relações dos campos sociais faz emergir o fenômeno da midiatização da sociedade, ou seja, da colocação da mídia, seus canais, suas linguagens e estratégias como operadora das instâncias e pro-cessos de mediação, interação e visibilidade dos diversos cam-pos. A midiatização não trata de uma mediação ou negociação pura, ou mesmo de um processo meramente instrumental e técnico, mas sim de um processo de troca e convergência, um acoplamento (LUHMANN, 2000:93) entre os diversos campos e o campo midiático a partir de interesses comuns.

Com isso, falar em midiatização das relações e pro-cessos dos campos sociais é referir a um processo de interação e negociação que se dá pelas relações com e através da mídia, é se referir a uma mediação midiatizada entre atores e instituições sociais que se dá pela predominância das técnicas e linguagens do campo midiático na esfera pública. Eventos são produzidos para se atingir e ocupar espaço na mídia; reuniões públicas são dirigidas, direcionadas para gerar boas imagens para a mídia; agendas são definidas em função da agenda da mídia, e todos

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os canais e tecnologias são usados e absorvidos na busca de conquistar e reter a atenção da população. E no apagar das lu-zes do século passado, um novo meio de comunicação vem se somar a este processo: a Internet.

A rede no contexto das midiatizações

Sabe-se que o desenvolvimento da Internet nasceu da necessidade de um sistema de comunicação militar durante o período da guerra fria, levando a uma tecnologia que permitisse as mensagens circular por caminhos diferenciados, chamados “nós”, sendo então os pedaços remontados no ponto de destino, processo que só cessaria com a destruição total da rede.

A Internet desenvolveu-se sobre uma tecnologia então restrita, os computadores, grandes máquinas que ocupa-vam salas especiais e realizavam as mais complexas operações de cálculo e armazenamento de dados. Nesta época tais máqui-nas eram manipuladas apenas por especialistas em seus pro-cessos e procedimentos nas poucas instituições que possuíam a capacidade financeira, técnica e de pessoal para mantê-las.

A tecnologia evolui e estas máquinas ficaram gra-dativamente menores, mais baratas e de uso mais intuitivo, per-mitindo a manipulação por não especialistas, onde o “Machin-tosh”, lançado na primeira metade da década de 80, é o grande emblema, pois permitia a manipulação da máquina através de interfaces gráficas e ícones interativos. (FRAGOSO, 2002:s p.). Este sistema e outros, como o Microsoft Windows, evoluem adicionando recursos de som e imagem em movimento, apro-ximando o computador da experiência midiática-sensorial de meios como o rádio, a televisão e o cinema proporcionam. As-sim o computador torna-se uma peça atraente aos olhos dos cidadãos em geral, inserindo-se nos lares e acelerando a evolu-ção da tecnologia para contemplar os usos e necessidades des-tes novos usuários.

A chegada da Internet em si não chega a ser um elemento de interesse imediato para a indústria de computa-

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dores e softwares nem mesmo para os usuários. Desenvolvida dentro dos laboratórios de pesquisa e dos centros acadêmicos, essa tecnologia evoluiu conforme as demandas, exigências e desejos dos usuários do sistema, mas segue restrita.

Com o surgimento das interfaces gráficas e da “WWW”, criada por Tim Berners-Lee na primeira metade da década de 1990, a rede torna-se comercialmente atraente e ganha espaço na mídia. Neste momento, da mesma maneira que os sistemas gráficos dos computadores, a “WWW” e o seu protocolo de suporte, “http”, torna a Internet uma experiência acessível aos usuários domésticos. Basta digitar um endereço, apontar o “mouse” e clicar numa figura ou “link” para que os processos de contato e navegação desejados se produzam, per-mitindo acesso a conteúdos, imagens, gráficos e animações que tornam a rede um “produto” atraente.

Neste ponto é importante citar Jacques Perriault (1991), que levanta a hipótese de que as pessoas que utilizam as “máquinas de comunicação” fazem-no por e a partir de uma estratégia própria. Focando-se no conjunto de práticas de co-municação que condicionam os usos e valores dos meios, o au-tor busca entender o modo pelo qual se fazem as apropriações dos objetos técnicos como elementos comunicacionais.

Para o autor as máquinas de comunicar - que aqui entendemos como os meios, as mídias e suas técnicas, apesar de o autor tratar das máquinas num sentido muito mais amplo - têm marcado seus usos por um desejo ou necessidade de si-mulação do real por parte do ser humano, pela necessidade de recordação e projeção das suas subjetividades intrínsecas para outro(s) ser(es) humano(s).

Estas máquinas adquirem sentido e valor a partir destes usos sociais. Assim, Perriault afirma que a apropriação das máquinas tem duas dimensões, sendo estas a técnica, a ca-pacidade de manipular o objeto, e a simbólica, a subjetividade que se projeta sobre esta máquina, de onde percebemos que se fazem os processos e desvios que geram novos usos ou recur-sos às máquinas.

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Podemos dizer então que uma tecnologia só irá se desenvolver como meio de comunicação se a ela for dado valor e sentido pelos usuários. Assim, a própria utilização de uma determinada tecnologia já indicia um processo de envolvimen-to que vai do contato inicial ao treinamento completo no uso e manipulação desta tecnologia.

Já Winkin (1998) fala numa orquestração, numa rede de relações e apropriações que se forma em torno dos meios de comunicação. Para o autor, pensar a comunicação midiática é olhá-la sob a ótica dos contextos e das relações que se formam pelas apropriações das técnicas e pelas várias e dife-renciadas estratégias de uso e manipulação dos meios. Isso re-força a pista de que a técnica, a tecnologia é elemento fundador dos processos de persuasão no meio digital.

Porém, a caracterização dos meios não pode deixar de levar em conta as lógicas e protocolos de uso e os elementos de linguagem que surgem ou são criados para este meio, mar-cando as suas especificidades, benefícios e limitações. Lembre-mos de Gomes (2001:s.p.):, que nos coloca que:

“a) qualquer sujeito pode tornar-se emissor; b) qualquer receptor possa tornar-se emissor e vice-versa; c) qualquer receptor possa transformar-se em provedor de informação, produzindo informação e distribuindo-a pela rede, ou sim-plesmente repassando informações produzidas por outros”.

Ou seja, ao contrário dos meios anteriores, basica-mente difusionistas, na Internet o receptor passa a ter um papel mais ativo e ganha maior liberdade de manifestação, tornado-se um – potencial – emissor de informações, podendo se mani-festar e trocar com pessoas de todas as partes com que partilhe de valores e ideias em comum. E este potencial é percebido pelos agentes e atores do campo político.

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A rede e a política

Já no ano de 1997 os candidatos Brasileiros usar a rede como elemento estratégico, frontal de suas campanhas em busca do voto. (STEFFEN, 2004, 2010, 2011). A campanha de Barack Obama no EUA em 2008 talvez seja, até o presente mo-mento, o maior e mais amplo exemplo, pois o então candidato obteve mais de cinco milhes de seguidores no Twitter, mais de doze milhões de membros em sua comunidade no Facebook, dezoito milhões de acesso aos vídeos no YouTube e captou mais de seiscentos milhões de dólares (US$600 milhões).

Em termos de Brasil, se observamos o uso do Twit-ter1 e das redes sociais pelos candidatos nas eleições presidenciais de 2010 brasileiras vemos que os meios digitais de circulação e interação estão se fazendo cada vez mais presente e são elemen-tos estratégicos nas campanhas2, buscando a atenção, o apoio e, logicamente, o voto dos eleitores. Entretanto, o maior número e potencial de usuários a serem atingidos através dos meios di-gitais, os jovens, especialmente as redes sociais, mostram uma descrença, como aponta a pesquisa “O Sonho Brasileiro3”:

“Jovens-ponte se sentem cada vez menos representados pelo sistema político institucional, que acreditam ter se afastado da sua função original de olhar para o bem comum de todos. Por isso, redefinem o que entendem por política, assim como as suas possíveis formas de participação.” (http://osonhobrasileiro.com.br/indexi2.php?id=314)

1Sobre esse assunto ver o artigo “Política a 140”, apresentado no DT de Publicidade e Propaganda no XXIV Congresso Nacional da Intercom em Recife, 2011.

2Um exemplo pode ser observado no estudo “O advergame na campanha de Marina Silva, apre-sentado por Douglas Studzsnki no DT de Publicidade e Propaganda no XXIV Congresso Nacio-nal da Intercom em Recife, 2011.

3http://osonhobrasileiro.com.br/indexi2.php?id=314

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Conforme esta mesma pesquisa, dos jovens entre-vistados, 59% demonstraram não ter preferência por nenhum partido político, sendo que 83% acreditam que o poder con-centrado nas mãos de poucos é o grande problema brasileiro; 71% concordam que usar a Internet é uma maneira válida de mobilizar as pessoas. Já 44% ou seja, quase a metade da amos-tra concorda plenamente no uso da Internet (figura 2) como promotora da política e das eleições.

Vivemos a era das redes sociais na Internet. Orkut, Facebook, LinkedIn e, mais recentemente, Google+, onde as pessoas conectadas estabelecem relações, trocam experiências, e condenam recursos como e-mail ao desuso e formatos como website à crise e ao quase ostracismo, e estudos mostram que estas redes se comportam, muitas vezes, como uma barreira a navegação e informação dos usuários da rede, que investem mais tempo em contatos com seus círculo(s) social(ais) do que buscando informações fora, limitando assim a quantidade de temas e o aprofundamento do conhecimento sobre assuntos em pauta.

Figura 2 – tela da pesquisa “O sonho Brasileiro”, capturada em 07/2011.

79Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Devemos lembrar que os espaços de interação na Internet se manifestam em pontos de comunicação, troca e vi-sibilidade que se formam sob uma camada de tecnologia onde as funções, tarefas e processos de cada pessoa conectada são construídos conforme suas estratégias, desejos e necessidades e as expectativas do outro que acessa e interage com o espaço, porém sem necessariamente desvincular com os papéis exerci-dos e manifestos fora da rede.

O espaço de interação e troca na Internet ajusta-se, é formado, assim, pelas culturas e objetivos que nele adentram, formando seus caminhos, sua topografia. Torna-se assim mais um elemento para formação de imagem, circulação, negocia-ção e visibilidade dos processos de funcionamento, interação e negociação dos campos em sua relação com os demais atores e campos caracterizando-se, então, como mais uma instância dos processos de midiatização das relações sociais.

“In the grand narrative of modernity, the Internet is an efficient tool of communication, advancing the goals of its users who are understood as preconstituted instru-mental identities.4” (POSTER, 2003:s.p.)

Disto até agora posto temos um novo espaço de troca e competição entre os diversos e diferenciados campos sociais, onde suas identidades, valores e estratégias serão os elementos de demar-cação e construção dos processos de interação e visibilidade.

Argumenta-se que a conexão aos sistemas da In-ternet, o potencial para a livre emissão e recepção, somados à facilidade de acesso à maior variedade de fontes de informa-ção, poderiam aprofundar o conhecimento dos fatos e fatores, qualificando as opiniões, a formação política dos cidadãos e a relação destes com as estruturas de regulação e poder da so-ciedade. Celso Cândido (1999) menciona a possibilidade da

4Na grande narrativa da modernidade a Internet é uma eficiente ferramenta da comunicação, avançando nos ou os objetivos dos usuários, entendidos como identidades pré-existentes

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criação de uma “Ágora Virtual”, semelhante às Ágoras Gregas, onde através dos sistemas digitais os cidadãos poderiam se reu-nir para resolver debater e decidir as demandas sociais.

“Em sociedades de massas, obviamente, uma cidade ou Estado não pode reunir todos os seus três, quatro ou dez milhões de cidadãos em praça pública para ouvirem os oradores e, então, deliberarem revelando os seus votos. Isto é, claro, materialmente impossível. No entanto, pa-rece não menos evidente que os meios de comunicação digitais multimídia interativos, os computadores, pode-riam simplesmente ocupar (e com infinitas vantagens “cibernéticas”) desterritorializadamente o lugar do Ágora antiga. (...). Quer dizer, poderíamos ter, a qualquer mo-mento em que houvesse necessidade uma verdadeira as-sembleia geral virtual, desterritorializada, na qual a par-ticipação de todos os cidadãos, por estes meios, estaria assegurada. Os cidadãos poderiam, trocar intensamente suas opiniões através destes meios de comunicação, os computadores, ligados em rede; poderiam se articular, negociar posições, refletir. A antiga praça pública grega se transformaria, se desterritorilizaria e penetraria na casa de cada pessoa. (CANDIDO, 1999:s.p.)”

Lévy (1999), comentando o potencial democrático da Internet, fala em “e-democracia”, que trataria da organiza-ção, do debate e resolução das questões macro-sociais a partir e pelos próprios cidadãos. Outros autores, como Clift (2002) e Grönlund (2001) também citam a “e-democracia” como uma democracia promovida e patrocinada pelo espaço digital com um novo elemento de integração e participação política, mas advertem para que os conceitos e esforços não se foquem ex-cessivamente no “e”, na construção e promoção da Internet, e relevem ou coloquem em segundo plano a democracia.

Para Clift, a “e-democracia” trata de um processo participativo cujo desafio reside justamente na participação, ou

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seja, na construção de uma relação mais direta e recíproca entre instâncias de poder da sociedade e os cidadãos através da cone-xão, integração, interação e participação em debates e delibera-ções sobre as questões em pauta através do espaço digital. Em sua argumentação, o autor (CLIFT, 2002:s.p.) cita que a e-demo-cracia envolve ou envolveria os cidadãos como indivíduos, que poderiam se conectar e se associar criando novas instâncias e processos de participação política, ressaltando a importância da convergência entre Internet e as instituições da sociedade física, “real”, como elementos mobilizadores desta participação.

Logo, se falamos em “e-democracia” nos referimos a um processo de troca, mediação e interação onde, a partir do contato através dos espaços de interação os diversos processos, elementos e fenômenos da democracia ganham novas caracte-rísticas, velocidade e roupagem. Assim vemos a “e-democracia” inserida enquanto um elemento e processo das democracias mo-dernas, de um processo maior, geral, que trata, conduz e mesmo regula os processos das sociedades modernas. Por isso, citar um processo como elemento vindo ou advindo de uma camada da população em nossa visão é ignorar a complexidade dos fatores de formação e tensão que se fazem presentes a conformam as de-mocracias modernas, além de supervalorizar a capacidade mo-bilizadora desta população frente às questões e debates sociais.

Cabe referir também, como nos diz Maia (2002), que a tecnologia não determina a interação nem garante a crítica ou a reflexão, ou seja, a simples promoção de espaços tecnológicos de interação não garante a necessária negociação entre os atores ou a reflexão por parte dos receptores. A autora (MAIA, 2002:56) cita uma série de estudos empíricos que de-monstram que as pessoas conectadas através do espaço digital expressam as próprias opiniões, buscam e disponibilizam in-formação sem que se vincule a um debate propriamente dito. Assim temos que a participação nos espaços de interação se dá e se faz mais na ordem da inserção e disponibilização de visões e opiniões do que na configuração de uma troca e deliberação, características e constituintes de um debate democrático.

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Tomando esta posição como eixo argumentativo podemos considerar que, se não há debate ou negociação, mas sim difusão e busca de visibilidade, onde cada um insere seus processos e visões sobre um tema em pauta sem trocar com os demais, há na verdade uma busca de influência sobre o proces-so que parte de uma individualidade que se projeta sobre um todo, podendo gerar maiores ou menos efeitos.

Assim, devemos levar em conta que, como já foi dito, os espaços de interação se insere na sociedade e reflete os seus processos culturais. Neste aspecto referimos o exemplo da cidade de Bolonha, citado por Rousiley Maia (2002:53), onde foi implantado um sistema que garantia a universalidade de acesso a Internet e a espaços de interação e troca, mas estes se mostraram mais utilizados para assuntos gerais, como espor-tes, televisão, novelas, etc., do que para questões políticas.

Analisando o mesmo caso Guidi (2002), adotando uma perspectiva aparentemente mais quantitativa, considera a experiência de Bolonha como positiva pela constituição de um espaço e de ofertas de tecnologia – salas com computadores conectados, liberdade de uso e acesso, treinamento, etc. - que facilitaram o acesso às mais variadas camadas da população o que, somado ao retorno obtido através do cadastramento e pro-cura tornaria a experiência de Bolonha positiva. A pesquisado-ra adverte para os perigos de iniciativas como estas gerarem novas estratificações sociais, mostrando uma visão bastante di-ferenciada da de Maia que, focada nos usos e apropriações do espaço por parte dos usuários, avalia a experiência de Bolonha como exemplo e emblema de um fazer político desgastado e cada vez mais afastado dos cidadãos.

Interessante observar neste caso a forte vinculação que o uso e a manipulação dos espaços de interação possui, como já afirmamos, com as individualidades, subjetividades, an-seios e expectativas daqueles que dele se utilizam, sendo estas os condutores, balizadores e formatadores do processo de conexão e interação. Assim, a “e-democracia” trata do estabelecimento de novas formas de relação entre cidadãos, instâncias políticas e

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mesmo o poder público através dos recursos da tecnologia digital e interativa, apresentando-se como um novo elemento de tensão e reordenamento das democracias contemporâneas. O desafio da e-democracia, segundo Clift (2002:s.p.), reside em mobilizar os cidadãos para participar, e que não deve excluir ou estratificar seus cidadãos – posição com a qual temos total concordância.

Estes, somando seu potencial de integração, ex-posição, debate, visibilização e, principalmente, mobilização, tornam-se elementos de promoção da democracia e integração dos cidadãos aos processos políticos, onde os espaços digitais de interação trazem como novidade a maior possibilidade de interação e aproximação entre cidadãos, atores e campos e um suporte atemporal de conteúdos, discursos e processos.

Entretanto, devemos recordar que a Internet não é uma mídia isolada, mas que existe, ganha sentido a partir dos usos sociais que dela é feito. Logo, os processos dos usuários na Internet, tensionados e influenciados pelos diversos processos e instâncias sociais, irão se projetar e se fazer presentes neste espa-ço, refletindo a cultura e os fazeres destes usuários e campos.

Compreender, assim, o impacto político da rede é compreender a complexidade dos processos, fenômenos e intera-ções que esta promove e insere no espaço público, sendo o espaço digital um elemento de visibilidade e manipulação de seus proces-sos, discursos, fazeres e estratégias frente aos demais campos.

Redes sociais e democracia

Retomando, então, brevemente a questão da “e-de-mocracia” antes discutida, vemos que não se trata de uma nova forma de organização social via Internet, mas sim de processos políticos e sociais de interação que se fazem dentro e a partir de uma cultura ou sociedade e, que se projeta na Internet por este ser um elemento de contato, de aumento de velocidade, que-bra de fronteiras e marcas temporais e ampliação de relações físicas, acelerando e radicalizando as possibilidades de contato entre os diversos integrantes da sociedade.

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Neste aspecto vemos que a Internet promove a for-mação das mais variadas relações e processos. As comunidades virtuais nasceram com a própria Internet, e já no final do século passado Howard Rheingold (1999) identificou e analisou este fe-nômeno de interconexão entre pessoas e grupos com interesses semelhantes, numa prática de comunicação que Lévy (1999) de-fine como interativa, recíproca, comunitária e intercomunitária. Para Rheingold5 as comunidades virtuais são agregações de in-divíduos que surgem na Internet quando estes se dedicam a dis-cutir, debater e trocar experiências por um tempo relativamente longo, formando e estabelecendo relações diretas e recíprocas.

O termo comunidade virtual pode sugerir agrega-ções que surgem ou se formam somente na Internet, mas aplica-se também a relações físicas ou locais que têm neste um novo elemento de contato e aproximação, expandindo assim o próprio conceito de comunidade. Os contatos através destes espaços irão - ou poderão - se refletir na identidade do integrante, explorando e dando nova forma e sentido aos processos e práticas sociais do mesmo, explorando e ofertando novas estratégias de associação e formação de opinião. Segundo Stockinger (2001:113):

“ambientes virtuais de informação, quando conectados com sistemas sociais, influem nestes no sentido de refor-çar e aumentar instabilidades em comportamento e pen-samentos, que estão permanentemente sujeitos a serem selecionados de maneira auto-organizada.”

Estas relações vão das mais simples às mais com-plexas. De um usuário doméstico conectado numa sala de chat, que aproveita o anonimato da tela para criar um personagem e brincar com os outros usuários a um alto executivo de uma multinacional, que gerencia uma reunião por tele presença com executivos nos mais variados lugares do mundo, passan-

5Ressaltamos que os estudos de Rheingold ocorrem na primeira metade da década de 90, num período em que os players de mídia começavam a entrar na rede.

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do por um grupo de discussão e troca de informações sobre botânica no ORKUT ou Facebook ou comunidades de troca profissional, como LinkedIn e BranchOut6, os espaços de tro-ca na Internet apresentam-se como uma nova possibilidade de troca e interação entre os vários atores de uma sociedade.

Assim, vemos formação de uma comunidade virtual ou de associação em redes sociais irá se construir a partir das iden-tidades, processos e subjetividades daqueles que nela se conectam e dela participam ou para ela contribuem. Ou seja, são os interesses convergentes e as concordâncias de identidades que irão facilitar e promover a criação e manutenção de uma comunidade virtual.

Entretanto, é importante lembrar que várias pes-quisas (ver MAIA, 2002) indicam que as pessoas que se fazem presentes e utilizam a Internet como forma de intervenção e atuação política ou mesmo social apenas expressam as próprias opiniões ou buscam elementos, espaços e enunciados que re-forcem e validem estas. Isto não só reforça a forte vinculação do meio com a identidade dos usuários e com os processos sociais em que se insere, mas também permite supor que a formação de comunidades virtuais de cunho político se dará ao redor ou através de elementos de tensão e formação de identidade polí-tica que se projetarão sobre o espaço digital.

Fazendo um breve contraponto, é interessante mencio-nar estudo realizado pelo antropólogo Julian Orr, (AGRE, 1999), em que observou que os empregados de uma empresa de manutenção de copiadoras desenvolviam suas capacidades técnicas menos nos treinamentos e muito mais nos horários após expediente quando, reunidos com os colegas, bebiam e trocavam “histórias de guerra”. Neste ambiente foi introduzida, para uso dos técnicos, uma central de telefonia móvel totalmente livre e sem controle, de forma que os técnicos pudessem falar entre si a qualquer momento.

Por outro lado, Agre (idem) cita o caso de uma empresa de contabilidade global em que foi feito um enorme investimento em tecnologia informática, colocando compu-6LinkedIn é uma rede social com foco em trocas e associações profissionais. BranchOut é um recurso do que oferta recurso de troca e associação assemelhados ao LinkedIn, porém exclusivo para usuários cadastrados no Facebook.

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tadores, servidores, softwares e tudo o necessário para que os funcionários pudessem trocar informações instantaneamente. Entretanto tal sistema não era utilizado devido a forte concor-rência entre estes, onde qualquer pequena informação era uti-lizada para superar a pessoa ao lado e subir de posto.

A conclusão do pesquisador é que a tecnologia não é substituta de uma boa relação física, no mundo real, mas sim um meio complementar de troca entre as pessoas de uma rede ou grupo já bem organizado e estruturado, onde notamos o que Per-riault (2000) chama de lógicas dos usos, ou seja, as apropriações e manipulações que se fazem dentro das estratégias específicas, em-basadas e construídas por fenômenos e processos culturais.

Leda Guidi (2002:166) critica o uso político da In-ternet por notar que a maioria das experiências com que teve contato baseava-se num modelo de difusão, onde os atores adentram o espaço digital inserindo e disponibilizando infor-mação para muitos usuários acessarem e interagirem – ler, ver ou ouvir, e nossas pesquisas (ver STEFFEN 2004, 2010, 2011).

Ora, a pesquisa “o sonho brasileiro”, já citada, deixa claro que a relações dos atores do campo político com a socie-dade, especialmente os jovens, está desgastada, saturada. Mas estes veem no meio digital e nas redes sociais que este promove e sustenta uma possibilidade de, através da associação e cons-trução, com seus semelhantes, de novas realidades.

Para fins de conclusão

“The question that needs to be asked about the relation of the Internet to democracy is this: are there new kinds of relations occuring within it which suggest new forms of power configurations between communicating indi-viduals? In other words, is there a new politics on the Internet?7” (POSTER, 2003: s.p.)

7A questão que precisa ser respondida sobre a relação da Internet com a democracia é: há novas formas de relação ocorrendo que sugiram novas formas de configuração de poder entre os indiví-duos que se comunicam? Em outras palavras, há novas formas de política na Internet?

87Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Mas, claro, como já referimos, a Internet não é um sistema fechado ou uma mídia isolada, pelo contrário, existe, opera e gera impactos num complexo sistema social onde a política é um dos elementos em foco e questão, em sua perma-nente luta pela simpatia, pelo apoio, e, em momentos eleitorais, pelo voto dos cidadãos.

Assim, a questão das redes sociais e sua função po-lítica ou o impacto que gerará nos processos e sistemas políticos da sociedade não se trata, claro, de um processo puramente tec-nológico ou – se assim podemos dizer - “internético”, uma entra-da pura no meio, mas sim um somatório de estratégias, tensões e agendamentos que ocorrem na sociedade, e da qualidade das associações que está rede gerará.

As redes sociais são o fenômeno de ponta da tecno-logia dos meios digitais, elemento de atração e geração de tráfego na rede e elemento de absorção de tempo dos usuários do meio. Já vimos experiências de debate e construção de uma constituição federativa através das redes sociais, na Islândia8, ou de movimen-tos de apoio eleitorais, caso do twitaços – ou twitassos - de Mari-na Silva em 20109, e as possibilidades ao quase infinitas sem bem exploradas. Elas promovem, naturalmente, como já identificava Reingold em 1999, a aproximação e associação de pessoas que partilham de uma identidade, de interesses ou foco em comum. Ou seja, um modelo amplamente ativo, participativo, que atrai e seduz os usuários, com alto potencial de geração de impactos sociais políticos. Entretanto, se a política for vista como algo de posse, do fazer, apenas dos políticos, daqueles que circulam nos corredores do poder, o impacto será nulo. Mas se a política for percebida enquanto algo do foco de todos os cidadãos, o potencial será amplo, com muitas possibilidades de mudança.

8http://colunas.epoca.globo.com/ofiltro/2011/06/09/na-islandia-a-constituicao-e-feita-pela-internet/

9Sobre isso, ver o artigo “Política a 140”, deste autor, apresentando no XXIV Congresso nacional da Intercom em Recife, 2011.

88 Tecnologia, pra quê?

Uma conclusão nos é possível neste momento: o impacto das internet e das redes sociais sobre a política e o sistema democrático vai muito além de páginas de candidatos em websites e comunidades virtuais, dos vídeos no YouTube, dos twitaços – ou twitassos - e dos advergames. Será a asso-ciação de pessoas debatendo ou se unindo no entorno de algo em comum que trará mudanças, e os sinais desse fenômeno que devem ser buscados, obsevados e analisados em profundi-dade. A alegoria da antena de TV vigiando o poder começa a perder força, pois é da associação das pessoas em redes, poten-cializada pelos recursos da tecnologia digital, que as mudanças irão operar. Os movimentos contrários aos regimes totalitários do oriente médio são o primeiro e, até então, mais forte maior exemplo de um processo cujos impactos veremos mais cedo do que esperavam os teóricos e filósofos do final do milênio.

89Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

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Capítulo II

Dispositivos Móveis

Comunicação móvel pra quê, onde e quem?

Eduardo Campos Pellanda FAMECOS - PUCRS

Introdução

Quando na década de 50 o transistor possibilitou que aparelhos de rádio pudessem se tornar portáteis houve não só uma mudança no hábito de consumo do meio como tam-bém um impacto na formatação do conteúdo. Já no presente momento, nos deparamos com uma miniaturização de equi-pamentos computacionais e a sua autonomia dos fios para a conexão online. É um tempo semelhante portado para as pecu-liaridades da contemporaneidade com vultosos investimentos das empresas neste novo segmento de comunicação. Os smar-tphones inauguraram uma diversidade de conexões ubíquas e os tablets estão se mostrando suportes para conteúdos conver-gentes e uma substituição viável para o papel. Talvez a revolu-ção inacabada de Dertouzos (2001) esteja abrindo espaço para novos aparatos que representam uma era pós-PC. Um cenário em que a conexão always-on (PELLANDA 2005) amplifica o uso de redes sociais, conexões e suportes de conteúdos conver-gentes. A ubiquidade proporcionada pelas redes wireless que cobrem deste alguns centímetros de raio até o planeta passan-do, principalmente, pelas cidades foi também propiciada pelo desenvolvimento e adoção em larga escala. Neste contexto, os lugares nas cidades começam a ser pontos informacionais que se conectam em uma nova camada da rede (MITTCHELL, 2003). Trata-se de uma Cibercidade (LEMOS, 2004) em que além do fluxo normal de átomos há uma nova categoria de bits que estão intimamente interligados. Esta relação é nova na his-tória das mídias, que na perspectiva analógica e massiva nunca

96 Tecnologia, pra quê?

tiveram uma conexão precisa com o espaço geográfico. Em-bora, sempre existiram exemplos como rádios comunitárias ou jornais de bairro a abrangência era focada em indivíduos em uma região e não um único indivíduo em um ponto físico preciso. A essência das trocas de informações entre as diver-sas mídias e o público começa a ter uma outra dinâmica neste ambiente de mobilidade como será discutido nestas categorias apresentadas neste texto.

Mobilidade e formatos de leitura de informações

Entre as possibilidades que o contexto da mobili-dade introduz talvez a mais impactante é o ambiente always on (PELLANDA 2005) de acesso aos diversos tipos de conteú-dos. Aqui se usa o conceito de leitor (CHARTIER 1998) como uma visão mais ampla, ou seja, um indivíduo que é uma parte integrante de um sistema de informações que podem conter não só textos, mas outras linguagens que se complementam também com a interatividade do conteúdo. Este leitor está agora rodeado por diversas redes wireless que proporcionam uma comunicação bi-direcional de forma ubíquo. Assim como o rádio teve um impacto significativo quando, através do transistor, o aparelho foi diminuído de tamanho e pôde ser consumido nas ruas a internet como mídia se transforma em ainda mais direções. Não só o consumo de sites mas uma sé-rie de outros conteúdos tem sido explorado pelas plataformas móveis. Ao invés de uma simples transposição, ou adaptação, de conteúdos concebidos para ambientes desktop a internet móvel tem sido berço de novos formatos, assim como foi ou-trora o rádio. Mas na internet móvel os dados não só trafegam pela rede como os próprios “nós” também se alteram até em função dos tipos de informação. William Mitchell, que vem da arquitetura, já especulava, em 1995, sobre a questão da ge-ometria da rede e como, mesmo ainda longe de ser móvel, a Internet pode ser percebida como ambiente:

97Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

A Internet nega as geometrias. Ao mesmo tempo em que ela tem uma topologia definida dos nós computa-cionais e irradia ruas de bits, e ao mesmo tempo a loca-lidades dos nós e links podem ser registrados em mapas para produzir surpreendentes tipos de diagramas de Haussmann, ela é profundamente e fundamentalmente antiespacial. Nada parecida com a Piazza Navona ou a Coperly Square. Você não pode dizer ou falar para um estranho como chegar lá. A Internet é ambiente... (MI-TCHELL, 2003, p.8).

O segundo momento de desenvolvimento da inter-net desktop, chamado por Tim O’Reilly de Web 2.01, foi base-ado nas questões de uso colaborativo e conteúdos dentro dos browsers, características primitivas do ambiente de rede. As categorias de aparatos móveis tablets e smartphones, por sua vez, mostraram-se mais adequadas para conteúdos formata-dos para aplicativos nativos, ou Apps. Este modo de consumo de conteúdos contrapõe então o movimento dos desktops de usar o browser como suporte de informações. As Apps pos-suem interfaces desenhadas para cada função e podem acessar funções nativas dos aparelhos como sensores GPS2 ou sensores de gravidade que indicam a posição que o usuário está segu-rando o aparelho. Nos tablets, as Apps estão proporcionando um ambiente para novas formatações de conteúdos como, por exemplo, o jornal The Daily (Fig. 1).

1http://oreilly.com/web2/archive/what-is-web-20.html

2Global Positioning System

98 Tecnologia, pra quê?

Este projeto torna-se interessante analisar por se tratar de uma tentativa de criar um novo veículo concebido para tablets desde o princípio. Em sua base, os conteúdos con-vergentes (JENKINS, 2009) são nativos na publicação por ela

Figura 1 – Interface principal do jornal The Daily - Fonte – Reprodução de tela

99Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

não ter sido derivada de uma plataforma existente. É natural que um jornal ao ser transposto para a Web ou para tablets o texto seja a matriz principal e conteúdos com outras lingua-gens sejam incorporados posteriormente.

Ambientes ubíquos de produção pelo leitor

Ainda na tentativa de estabelecer um paralelo com o processo de mobilidade do rádio, a internet ao se desprender dos fios não só propiciou ao leitor um consumo de informação ubíqua como também alavancou a possibilidade da produção de conteúdos de maneira instantânea a distribuída. Este foi um dos fatores de analise de Gillmor (2004) quando ele trabalhou em torno do conceito de “cidadão jornalista”. A distribuição massiva de aparatos celulares com câmeras conectas à redes sociais viabilizaram a captura e o compartilhamento em tempo real de fatos relevantes que o indivíduo percebe em sua volta. A expansão deste cenário propiciou a adição de diversos novos ângulos de percepção dos acontecimentos como no caso das bombas na cidade de Londres, em 7 de julho de 2005, em que os celulares desempenharam um papel fundamental no escla-recimento e investigação dos incidentes. Pessoas que estavam nas linhas de metrô e nas ruas perto do ônibus onde foi colo-cada uma das bombas, usaram a possibilidade de criar filmes digitais para registrar os acontecimentos.

Os quadros foram reproduzidos do vídeo que a BBC montou a partir de algumas mensagens recebidas pela empresa. A BBC manteve um número de acesso telefônico para que as pessoas que captaram imagens pudessem mandar seus vídeos. Cerca de 1.000 fotos e 20 vídeos chegaram à reda-ção da BBC minutos após os acidentes. Uma das fotos enviadas pelo público foi o principal destaque da capa do site durante a maior parte do dia.

Os registros foram os únicos realizados nos locais dos acidentes minutos depois das explosões. Tanto do ponto de vista de material jornalístico como para investigações po-

100 Tecnologia, pra quê?

liciais, o material foi fundamental. A qualidade das imagens já é capaz de proporcionar detalhes importantes. As câmaras em celulares estão chegando neste ano a vários megapixels e o aumento de qualidade tende em alguns anos a se aproximar da qualidade de transmissão broadcast. Além disso, o número de vendas de celulares com câmera ultrapassou os aparelhos sem o recurso de captar imagens. Isso ampliará o poder que cada cidadão terá para registrar momentos como este. Mas, no caso de Londres, a qualidade ficou em segundo plano. O conteú-do inédito e precioso foi o principal foco de ineditismo para o acontecimento.

A previsão de Gillmor (2004, p.35) estava correta com relação ao uso das câmeras conectadas: “Amanhã telefones móveis vão ser capazes de enviar informações para indivíduos e grupos, e publicar em páginas da Web perto do tempo real”.

Sites que hospedam fotos enviadas por celulares gratuitamente, como o Flicker , foram também o destino final do material. Empresas como a BBC serviram como grande re-ferência para as notícias, mas os usuários também tiveram a independência de publicar em seus próprios sites e Blogs.

Em relação ao tráfego de usuários da BBC, este ba-teu o recorde de acessos durante as 24 horas posteriores ao inci-dente: foram 115 milhões de page views. Este número represen-tou 28,6% de todo os acessos do Reino Unido. Foi montado um esquema especial com a rede de distribuição de banda Akamai3 para que se pudesse dar conta de todo o fluxo de acesso.

A Internet foi responsável por grande parte do foco de atenções depois dos acidentes. O site Technorati, responsá-vel por averiguar o movimento dos Blogs, detectou 1.300 posts sobre o incidente por volta das 10h:15min GMT. Além disso, um site islâmico colocou minutos depois que o Al-Qaeda esta-va reivindicando o atentado. Estes acontecimentos foram tam-bém responsáveis pelos números de acessos ao site da BBC. As pessoas acompanhavam o desenrolar dos acontecimentos acessando várias vezes o site da empresa pública britânica.

3Empresa de infra-estrutura de redes http://www.akamai.com/

101Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Pode-se perceber neste caso que a Internet e os meios móveis estão desempenhando um novo papel neste mu-tante ambiente midiático. Em nenhum meio anterior era pos-sível ter a versão dos dois lados de um conflito com relatórios oficiais e depoimentos de cidadãos que vivenciaram o fato ou que querem se manifestar sobre o assunto.

O cidadão repórter agora capta e publica tudo o que vê. O jornal londrino The Guardian proclamou este acon-tecimento como “o verdadeiro nascimento do cidadão repór-ter”. A câmera no celular não é mais simplesmente a possi-bilidade de tirar fotos, mas sim uma máquina de publicação instantânea. Fotos e vídeos de amadores não são novidades, mas a coincidência de ter algum cidadão com uma câmera em um dado acontecimento tornou estes eventos raros no passado. As câmaras nos celulares estão se popularizando de modo a ser cada vez mais provável que quando aconteça algum incidente alguém possuir alguma forma de registrá-lo.

Com os Blogs sendo produzidos no mundo a uma taxa de criação de um a cada dois segundos, uma outra ten-dência desponta neste momento, na Internet: o de colocar o usuário no papel antes dedicado às empresas de mídia. Como afirmou Gillmor (2004), o movimento dos Blogs, Podcastings e outros meios de publicação de conteúdo está invertendo o papel tradicional dos mercados de comunicação. Os exemplos de Londres e do tsunami foram evidentes manifestações da publicação instantânea potencializadas por aparelhos celula-res. O ambiente móvel tem amplificado esta tendência de usu-ários editores colocando a possibilidade de narração dos fatos vividos no ambiente real. Se os Blogs já potencializam diversos tipos de diálogos, os Blogs móveis, ou Moblogs, são narrações instantâneas de fatos com publicações instantâneas. O exemplo do caso de Londres mostra que grandes empresas de mídia, como a BBC, começam a possuir um outro papel em cobertu-ras como essa. Antes detentoras de todos os aspectos relativos ao conteúdo e agora com a função de reunir “olhares” captados pelas pessoas que viveram o fato em questão.

102 Tecnologia, pra quê?

Não somente os conteúdos dos Blogs passam a ser alterados pela situação de acesso à internet em ambiente móvel mas toda a relação de conversação geradas pelos posts e comentários. A questão espaço/tempo muda quando há a pos-sibilidade de inserção no ciberespaço com o internauta presen-ciando o fato e não somente fazendo uma narração posterior.

Um outro exemplo que explora a produção por par-te dos usuários foi a pesquisa realizada pelo Mobile Experien-ce Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT MEL) e pela PUCRS denominado Locast Civic Media4. A pesquisa teve como objetivo explorar a mídia cidadã aplicada ao contexto do local como ferramenta de divulgação e estimular as dinâmicas sociais realizadas nos bairros. Outra finalidade, foi compreender como as redes sociais móveis impactam na cidade e na repre-sentação do espaço urbano. Ainda neste sentido, observar como esta ferramenta ajuda as pessoas a se manterem informadas, en-gajadas socialmente e com participação ativa nos processos de criação das mídias, sobretudo nas relacionadas com as suas co-munidades. Depois do experimento, que durou dez dias, houve uma série de entrevistas individuais e grupo de discussão com os participantes. A plataforma é composta por um site que con-tém as notícias que foram atualizadas por celular ou na própria página. Neste último caso, a atualização da posição geográfica é feita manualmente. Vinculada com cada notícia está um ponto onde ela foi capturada no mapa, estes fatos podem ser visualiza-dos somente deste modo gráfico. Deste modo, o indivíduo pode se situar dos acontecimentos ao seu redor, o que representa um modo alternativo de visualização de fatos, já que usualmente os sites e blogs mostram as notícias em modo de destaque pela re-levância do fato ou de maneira cronológica. O site teve também a função de cadastrar e gerenciar os usuários do sistema. Além do site, o centro da plataforma é baseado na aplicação móvel, que neste caso foi desenvolvida no sistema operacional Android. O software permitiu que os participantes do projeto pudessem

4http://locast.mit.edu/civic/

103Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

capturar vídeos e enviá-los para o site com uma descrição de texto e a informação da posição geográfica capturada pelo GPS5 do aparelho em forma de metadado6. Estas notícias puderam ser comentadas e também serem compartilhadas na rede Facebook. Um perfil no Twitter também foi criado separadamente e man-tido pelos bolsistas do projeto.

Depois dos dez dias de trabalho se observou diver-sos tipos de pautas registradas pelos participantes, desde as mais cotidianas como buracos nas ruas e narrações de engarrafamen-tos até coberturas de eventos passando por outras mais atem-porais que buscavam narrações da vida cotidiana. A plataforma Locast teve como base a linguagem audiovisual com os vídeos gerados pelos participantes. Os textos eram basicamente descri-ções resumidas dos acontecimentos. Especificamente sobre este ponto foram feitas várias observações nas entrevistas individuais e nos grupos. Os vídeos foram todos captados e publicados sem cortes, em plano sequência, e sem edição. Esta característica foi percebida pelos participantes como um ponto positivo no sen-tido de relatar fatos. A impressão foi de realismo, uma imagem mais próxima da cena do que matérias de TV. A edição foi com-parada nas entrevistas como “supressão de realidade”.

O ponto principal o experimento era vincular o fa-tos, imagens e conversações aos lugares onde elas ocorreram. Toda a estrutura de reconhecimento geográfico que os aparatos móveis proporcionam neste momento histórico permite que se ligue espaços ao seu histórico de acontecimentos, tornando as-sim um ambiente propício para uma memória cotidiana (CA-SALEGNO, 2006). Esse mesmo autor, foi o responsável pela coordenação do projeto no MIT, ele sustenta o seu trabalho nesta tese de expansão da cidadania com redes de armazena-mento e conversação urbana.

5Global Positioning System – Sistema de localização da posição geográfica usando satélites e um chip que captura os sinais nos aparelhos celulares. 6A informação de latitude e longitude é inserida jundo com o arquivo de video, mas só é visuali-zada pelo sistema do site que traduz a informação para a visualização no mapa.

104 Tecnologia, pra quê?

O mapa de acontecimentos no site permite uma nova visualização dos acontecimentos de maneira que o pró-prio indivíduo possa fazer suas próprias conexões entre os fa-tos que são pertinentes ao seu cotidiano. Em uma futura versão devem ser implantados filtros de assuntos, lugares e pessoas para que a observação deste eventos seja mais precisa.

Esta gama de diferentes possibilidades demonstra-ram que o contexto de uma câmera conectada, que a base dos smartphones, pode ser uma interface entre os lugares físicos, ou átomos, e o fluxo de informação baseada em bits, que for-mam a base da internet. Se “...lugares não podem ser separados de seu contexto de experiência” (SANTAELLA, 2007, p. 161) tem-se agora mais potenciais relações contextuais com infor-mações e trocas sociais em redes de comunidades. A medida que se faz uma foto com tag geográfico de um local e se com-partilha em uma rede social o encadeamento de ações com este espaço físico tende a aumentar.

Em um outro cenário, que pode ajudar no entendi-mento para a compreensão de alguns aspectos das transforma-ções do jornalismo pelas tecnologias móveis, é o surgimento de redes sociais móveis como o sistema Foursquare. A rede nasceu em Nova Iorque com a concepção de Dennis Crowley e Nave-en Selvadurai em 2008, com a versão final pública em março de 2009. Em agosto de 2010 a empresa já possuía 3 milhões de pessoas cadastradas7 e ativas na plataforma. Embora exista um site com capacidade de editar conexões e visualizar lugares cadastrados as principais inteirações da rede são realizadas em aplicativos para dispositivos móveis como iPhone , Android e Blackberry. Nestes aparelhos, o membro realiza check-in, ou seja, se cadastra a um determinado lugar que está no banco de dados do sistema que corresponde a localização geográfica que o indivíduo se encontra. Desta forma, os outros componentes da rede podem visualizar onde seus contatos estão ou podem visualizar recomendações destes espaços. Quando alguns cri-térios de frequência deste determinado lugar são preenchidos

7 Números oficiais da empresa: http://foursquare.com/about

105Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

o indivíduo se torna “prefeito” da área e pode ainda ganhar se-los pelas conquistas e somar pontos. Este elementos são novos em redes, pois consistem na adição de características de games dentro da rede social. Este tem sido um dos pontos de suces-so da expansão da rede, pois os membros tem comparado as suas performances com as de seus contatos. Este desempenho é basicamente referente a locomoção do individuo pela cidade; quanto mais ele se move, mais terá pontos.

Um exemplo de uso jornalístico entre as informa-ções (Fig 2) e lugares é o perfil do canal de TV History Chan-nel8, que adiciona informações históricas aos lugares cadastra-dos no Foursquare.

Figura 2 - Fonte: reprodução de tela

8 http://foursquare.com/historychannel

106 Tecnologia, pra quê?

Com isso, eles possibilitam que informações des-contextualizas do espaço físico ganhem outra formatação. Os in-divíduos que estão fisicamente nestes espaços tem como poten-cialmente perceber o ambiente com outra significação. O jornal New York Times também está fazendo um trabalho semelhante vinculando informações aos espaços da cidade. Neste caso, os alvos principais são galerias de arte, museus e restaurantes.

O exemplo do Foursquare é uma evidência das po-tencialidades de conexões entre espaços virtuais e atuais. Ele compõe uma possibilidade de transformação da percepção do ciberespaço e do próprio entendimento de ambientes urbanos. Os lugares só são entendidos como espaços quando há uma sig-nificação social humana nestas atmosferas (DE CERTEAU 1994) em que o sujeito transforma o seu entorno. A medida em que os lugares são preenchidos e vinculados por informações, que ser-vem como alimento para novos laços sociais (RECUERO 2009), eles são transformados constantemente em novos espaços.

Considerações finais

Estes cenários apresentados são evidências em três direções distintas de aspectos de transformação da comunica-ção online pela mobilidade. As categorias de análise fundamen-tais dizem respeito com a mobilidade urbana, a conexão entre espaço físico e informações na internet e ainda a intensidade de comunicação em um ambiente always on.

A permanente conexão com as fontes e a possibili-dade de captar informações em sua volta colocam o leitor em uma outra posição. Claro, jornalistas também se beneficiam deste cenário para aumentar as suas comunicações com fontes, redações e leitores, mas parece que o ineditismo está nesta mu-dança de papel do leitor que passa a explorar mais a experiên-cia da produção e do compartilhamento. Esta é uma expansão de um panorama já iniciado com a Web 2.0, mas que no con-texto da mobilidade é algo mais sinérgico e direto. O cidadão está com os meios de captura, produção e compartilhamento

107Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

justamente no local onde ocorre o fato. Isso não necessaria-mente infere sobre o trabalho do jornalista, mas o modifica. Grandes fatos começam a ser cobertos de vários ângulos, com olhares profissionais ou amadores, de espectadores ativos. Já pequenas questões urbanas que não eram reportadas começam a ser registradas. Neste último caso, elas podem ser filtradas e conferidas por jornalistas que mudam de função por não só produzir, mas avaliar, classificar e também apurar.

Outro ponto analisado, a questão de Apps e novos formatos, podem significar realmente uma ponte entre o pa-pel e o digital. Algo que o PC não conseguiu ser completamente (DERTOUZOS 2001) por uma série de características. Os tablets e smartphones não só estão conectados de forma ubíqua como também são suportes nativos para a convergência de conteúdos.

Enfim, em diversos aspectos de produção e con-sumo de conteúdos jornalísticos podemos perceber mutações derivadas do cruzamentos das tecnologias móveis. Está claro que não se trata somente de uma expansão evolutiva da inter-net como meio de comunicação, mas percebe-se a inauguração de novas dinâmicas para a atividade do jornalismo que podem ter implicações profundas nos conceitos historicamente esta-belecidos. A extensão natural desta discussão é a intensificação da realização de pesquisas que identifiquem e gerem propos-tas sobre o uso e apropriações da internet móvel para que este novo cenário possa ser melhor explorado.

108 Tecnologia, pra quê?

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Tecnologias digitais e seres humanos:

para muito além da simples interação

Mônica Elisa Dias PonsUNISC-RS

Nize Maria Campos PellandaUNISC-RS

“Quando o arqueiro zen dispara a flecha ele atinge a si mesmo.”Prefácio do livro A arte cavalheiresca do arqueiro zen de E. Herrigel

Introdução

Na perspectiva da complexidade não podemos se-parar nenhuma dimensão da realidade. Partimos então para aquela tarefa sobre a qual nos alerta Edgar Morin (1991) com a maior gravidade – é preciso juntar o que foi desconjuntado. Es-tas providências se tornam cada vez mais urgentes para dar con-ta de uma patologia na cultura ocidental, a fragmentação, que não cessa de desdobrar-se causando tantos estragos. O projeto de purificação da modernidade (LATOUR, 2000) que pretendia estatutos diferentes para seres vivos, máquinas e natureza cons-tituiu-se numa violência epistêmica e ontológica no sentido do comprometimento da cognição e da subjetivação humanas.

A modernidade somente pôde efetivar-se às custas do sujeito. Foi preciso matá-lo para que ela pudesse concretizar seu projeto. O que vai nos ocupar daqui por diante está profun-damente relacionado com a denúncia de Nietzsche na A Gaia

110 Tecnologia, pra quê?

Ciência: a filosofia, a cultura e a ciência ocidental se esvazia-ram da vida. Elas são tristes porque perderam a alegria de viver porque deixaram escapar o sopro da vida nas malhas das for-malizações, conceitualizações e categorizações (NIETZSCHE, 2007). Ora isso nos enrijeceu e perdemos então a leveza para fluir na vida. Para o filósofo alemão, é preciso “dançar com os pés, com os conceitos, com as palavras” (NIETZSCHE, 1996, p. 137). É preciso que cada um de nós se torne um dançarino.

Esther Diaz aborda esta questão com seu olhar de epistemóloga usando como instrumento os pressupostos niet-zschianos:

A ciência decadente seria o oposto da ciência alegre que se assume com uma perspectiva humana, histórica opondo-se à ciência moderna auto-proclamada universal e verdadeira. O saber, então, seria decadente, pois priva de sentido a quem não se rege pelos estreitos parâmetros lógico-racionais exigidos pela tradição ilustrada. A ciên-cia jovial, pelo contrário, seria propulsora de pluralidade de sentidos, afirmativa de existência e promotora de li-berdade. (DIAZ, 2007, p. 25)

Nesta avalanche moderna de ataque violento à vida, perdeu-se também a dimensão ontológica da técnica, pois a techné e a poiesis dos gregos perderam seus sentidos originais de constituição do humano, perderam sua proximidade e seus vínculos configurando a cultura esvaziada de vida denunciada por Nietzsche. Nas origens da cultura grega, techné significava tanto técnica como arte. No entanto, a complexificação da téc-nica com o advento da era digital subverte este quadro e nos coloca novamente a questão da técnica como inseparável do humano, como poiesis, ou seja, como invenção de realidade e de subjetividade superando o mecanicismo rumo a um hibri-dismo revitalizador.

Este é o tom deste artigo: aqui pretendemos colocar a questão do acoplamento das mídias digitais e seres humanos

111Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

à luz da complexidade tentando mostrar que estas interações são potencializadoras do humano para muito além do simples viver, mas em direção a uma resignificação de nossas vidas. Diríamos então, à maneira de Nietzsche, que é preciso dan-çar com as tecnologias digitais para nos subjetivarmos e nos expandirmos com elas. Neste sentido, vamos nos valer de um quadro teórico constituído no bojo do paradigma da comple-xidade articulando, à maneira complexa, estudos de diferentes campos do conhecimento numa abordagem transdisciplinar para responder nossa questão: não seriam as tecnologias di-gitais acoplamentos complexos capazes de nos levar a novos patamares de complexificação?

Revolução paradigmática e a emergência

do mundo digital

A modernidade nasceu marcada pela fragmentação. A cisão básica já aparece na sistematização matricial da ciência moderna realizada por René Descartes – a separação mente e corpo. A partir dela surgem todas as outras separações o que faz surgir um paradigma científico estruturado pelo esfacelamento da realidade. A partir daí, se configura uma cultura da fragmen-tação que passa a orientar a vida dos seres humanos. Carregamos hoje em nossas subjetividades a marca destes padrões separado-res. E assim chegamos então à contemporaneidade arrastando esta pesada herança. O fato de nossa sociedade atual estar atra-vessada pela violência, pelo desespero existencial, pela destrui-ção dos jovens pela droga, corrupção, etc. não é, absolutamente, por acaso. Temos a maior dificuldade de juntar os pedaços de nós mesmos para viver de maneira integrada, pois não nos sen-timos pertencentes ao cosmos, como se estivéssemos soltos no mundo o que dificulta nossa capacidade de produzir sentido.

Esta cultura do esfacelamento atravessou séculos praticamente incontestada. Na ciência ela reinou quase abso-luta só questionada por alguns visionários e artistas como é

112 Tecnologia, pra quê?

o caso de Goethe e W. Blake. O século XIX, com o positivis-mo, aprofundou ainda mais o paradigma racionalista com a negação mais radical ainda das questões sutis e latentes enfa-tizando o aparente, o determinístico, a linearidade numa ati-tude profundamente reducionista. No entanto, ainda ao final deste mesmo século, começam a emergir objetos complexos na ciência que desafiavam a abordagem tradicional por conside-rar devires e transformações ao longo do tempo. É o caso, por exemplo, da evolução da vida e da termodinâmica. Na Mate-mática, surgem então, as primeiras equações não-lineares para enfrentar um novo contexto científico. Estava instalada a sub-versão na ciência.

O século XX viu nascer já nos primeiros anos, a grande revolução paradigmática com a Psicanálise (A inter-pretação dos sonhos de Freud surgiu em 1900) e com a Física Quântica que exigia uma lógica estranha à lógica formal e à linearidade. No mundo dos sonhos e do inconsciente, por um lado, e, por outro, no mundo do infinitamente pequeno, a lógi-ca linear não tem vez, a pura racionalidade é inócua e a própria matéria se vê contestada pela força da relação.

Seguiu-se outra etapa de revolução com a emer-gência de uma lógica complexa na Matemática nos anos 30, ocasião em que se prepararam as condições para o mais revo-lucionários dos movimentos científicos: a Cibernética.

A Cibernética é a primeira ciência complexa, pois implica na abordagem operatória dos fenômenos com uma articulação entre vários campos do conhecimento tais como: Matemática, Epistemologia, Lingüística, Inteligência Artificial, Antropologia, etc.

A primeira fase do movimento, conhecida como a Primeira Cibernética, ainda está muito próxima às atitudes tra-dicionais da ciência porque marcada por um certo determinis-mo mas há, ao mesmo tempo, um rompimento evidente aí pois passa a lidar com a idéia de um trabalho interno do sistema que se auto-alimenta e se auto-organiza. Com isso, surge o conceito fundamental de feedback e o principio operatório da auto-orga-

113Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

nização que estaria destinado a ser o princípio fundante da com-plexidade. Com Heinz von Foerster, chegado da Europa, já para a metade das Macy`s Conference, que é como se convencionou chamar as dez conferências cibernéticas, mais uma revolução – o desdobramento do movimento na Segunda Cibernética.1 O trabalho deste cientista complexifica ao trazer para os estudos cibernéticos os problemas da vida e ao incluir o observador no sistema observado. Com isso, passa-se a trabalhar com os concei-tos de segunda ordem para dar conta das operações do próprio observador. Como sugere Dupuy (1996): passamos dos sistemas observados para os sistemas observantes. E mais, von Foerster descobriu que os sistemas aprendem ao operar o que impulsio-nou de forma profunda a Informática e as Ciências Cognitivas, as duas principais filhas da Cibernética.

Von Foerster foi um dos cientistas mais brilhantes do século XX não somente por esta atitude da inclusão do ob-servador, mas pelo conjunto de sua obra que vai ser decisiva para entendermos o funcionamento de um sistema complexo. E, ao nos mostrar que os sistemas aprendem ao operar como referido, nos chama a atenção para o devir e para o papel das emergências. Trata-se agora de entendermos a realidade e o co-nhecimento como aquilo que emerge na ação. O que interessa, por exemplo, num sistema, seja vivo ou não-vivo, é o efetivo desempenho e não algo que poderá acontecer ou não.

Esta complexificação no movimento vai ficando cada vez mais profunda nos mostrando a necessidade de uma abordagem integrada da ciência, da filosofia e da técnica e a necessidade da constituição de uma nova epistemologia. Esta situação vai levar a desdobramentos que vão permitir incríveis

1A série de conferências conhecidas como The Macy Conferences, reuniram pesquisadores prove-nientes de áreas diversas como a matemática, medicina, psicologia, filosofia, antropologia e so-ciologia, foram propostas por Rosenblueth em maio de 1942 a um grupo de pesquisadores em um encontro sob os auspícios da Josiah Macy Foundation. A primeira conferência aconteceu apenas em 1946 sob o título Feedback Mechanisms and Circular Causal Systems in Biological and Social Systems. O nome da conferência sofreu pequenas alterações em várias edições até que em março de 1950, na sua sétima edição, passou a se chamar Cybernetics: Circular Causal and Feedback Mechanisms in Biological and Social Systems, nome que preservou até a décima e última edição, em abril de 1953. Ver mais em AMERICAN SOCIETY FOR CYBERNETICS. Sumary: the Macy conferences, 2010.

114 Tecnologia, pra quê?

avanços da ciência que vão das engenharias às neurociências. Varela percebe esta necessidade e a expressa de uma maneira muito nítida:

[...] o conhecimento tornou-se pela primeira vez tangi-velmente ligado a uma tecnologia que transforma as prá-ticas sociais sobre as quais assenta – sendo a Inteligência Artificial o exemplo mais flagrante. A tecnologia, entre outras coisas, age como amplificador. Não se pode sepa-rar as ciências cognitivas sem amputar esta ou aquelas de um elemento complementar vital. Por outras palavras, através da tecnologia, a exploração científica do espírito estende à sociedade um espelho que ela própria não vê, muito para além do círculo do filósofo, do psicólogo ou do pensador. (VARELA, 1996, p. 10).

Os estudos de von Foerster vão pavimentar o ca-minho para as teorias biológicas complexas como a “Biologia da Cognição” de H. Maturana e F. Varela e a “Teoria da com-plexificação pelo ruído” de H. Atlan2. Estas teorias são consi-deradas complexas porque não separaram o conhecer do viver. Elas partiram de princípios da Segunda Cibernética formula-dos por von Foerster: “a ordem pelo ruído” e “os sistemas vivos são fechados para a informação e abertos para a energia”. ( von FOERSTER, 2003,pp. 225-226)

Atlan se apropriou do primeiro princípio e transfor-mou-o na teoria da complexificação pelo ruído, como já referi-do e Maturana/Varela desenvolveram o conceito de Autopoiesis como princípio organizador de sua teoria. Estas duas teorias vão nos servir de base para responder nossa questão inicial desta-cando nelas dois conceitos fundamentais destes estudos:

a complexificação – que leva os sujeitos a se organizarem a partir de ruídos iniciais com reconfigurações sucessivas

2O nome do livro de Henri Atlan no qual publica a referida teoria é Organisation biologique et theórie de l´information. Foi publicado em 1971. A teoria de Maturana e Varela foi publicado em 1971 com o titulo de De máquinas y seres vivos.

115Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

atingindo patamares cada vez mais complexos em seu processo de viver;o acoplamento estrutural – que expressa o funcionamento autônomo (autopoiesis) os seres vivos a partir de uma rela-ção sujeito/mundo de tal forma que há uma co-emergên-cia de cognição/sujeito e de mundo. O sujeito que emerge, de maneira complexa é inseparável do conhecer.

Tecnologias digitais como novos acoplamentos:

potencializando o humano

Uma das mutilações mais graves da modernidade foi a separação ser humano/técnica negando aquela dimensão do ser humano em seu devir com sua técnica. Esta separação está profundamente relacionada com a separação básica mente-corpo. A modernidade esqueceu o corpo e a técnica acompanha esta negação. Tudo se passa mais uma vez de forma esquizofrê-nica: sujeito, mundo e conhecimento são considerados de forma separada assim como se a técnica não fizesse parte do humano.

Como dizia Ortega y Gasset (1963, p. 45) um pen-sador complexo da técnica: “O homem começa quando começa a técnica”. O que este filósofo intuiu foi a dimensão da técnica como aquilo que Maturana e Varela chamam de acoplamen-to estrutural. Na perspectiva autopoiética e, mais tarde, com a teoria da Enação de Varela percebemos uma unidade mente/corpo e uma unidade do fazer/conhecer/subjetivar-se que nos levam aos pressupostos de uma mente/corpo onde a cognição/ação formam um todo com as tecnologias no fluir do viver.

A partir, portanto, desta visão integradora das di-mensões do humano coloca-se a necessidade de esclarecer o que entendemos por tecnologias. Trata-se de um conceito am-pliado do termo que abrange as mais diversas formas de um complexo agenciamento dos fazeres humanos que vão das tec-nologias pessoais de auto-transformação até as tecnologias di-gitais de última geração.

116 Tecnologia, pra quê?

O ser humano vai então se constituindo pela téc-nica porque ele não foi jogado neste mundo vindo do além. Ele emerge no seu movimento cósmico num processo de auto-constituição. O artifício, a técnica, a arte, a cultura em geral e o trabalho sobre si mesmo fazem parte deste processo de emer-gência. Como diz Ortega y Gasset (1963, p. 44): “O homem, queira ou não, tem que fazer-se a si mesmo, autofabricar-se”.

Há um acoplamento estrutural constante onde a técnica, seja ela qual for, é sempre um elemento importante. Existem tecnologias pouco interativas que implicam em aco-plamentos mais fracos ou mais fortes, mas elas sempre impli-cam na relação sujeito/meio o que é constituinte do humano em termos anatômicos ou mentais. Von Foerster (1996) fazia uma distinção em máquinas triviais e não-triviais. Podería-mos pensar então a partir desta classificação que as primeiras pouco interagem com os seres que as construiu limitando-se a comandos simples e as segundas, à maneira de uma máquina digital, por exemplo, são máquinas de interação tão íntima que implicam em agenciamentos subjetivos e, portanto, comple-xas. Nas tecnologias digitais há uma maior interação sujeito/máquina porque esta última passa ser um objeto com o qual pensamos como também nos subjetivamos em grau mais in-tenso. No entanto, Sherry Turkle (1997), pesquisadora do MIT (Massachussets Institute of Tecnology), nos fala de duas estéti-cas conflitantes em nossos dias em relação à abordagem do uso dos computadores. A primeira seria a estética computacional moderna segundo a qual nos relacionamos com o computador em termos de que este é uma máquina que segue regras estritas e claras. Por essa estética, poderíamos analisar coisas compli-cadas simplesmente fragmentando tudo em pequenas partes. A segunda estética está relacionada com computadores mais recentes onde se trabalha com simulação, navegação e intera-ção. Os sujeitos imersos nestas atividades potencializam sua subjetividade/cognição, pois inventam realidades ao inventar a si mesmos nas inúmeras situações de navegação nas quais enfrentam-se com bifurcações de caminhos onde precisam to-

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mar decisões rápidas articulando várias situações virtuais si-multaneamente. (PELLANDA, 2005).

Para a autora citada, nós estamos entrando cada vez mais nesse segundo modelo que é o modelo da complexi-dade porque não simplifica a realidade e mostra os fenômenos tecendo-se de forma inseparável com o processo de subjetiva-ção dos sujeitos. A primeira estética está ficando obsoleta com a sofisticação dos atuais computadores que vão sendo constru-ídos de forma a acoplar de maneira cada vez mais fluida, plás-tica e envolvente os sujeitos usuários.

Acreditamos que hoje poderíamos acrescentar às estéticas mencionadas uma terceira e quarta estéticas. Uma terceira seria aquela da realidade virtual onde mergulhamos num meio no qual o self e o não-self têm fronteiras cada vez mais tênues. Prado comentando Phillipe Quéau diz que a lin-guagem do virtual:

[...] não é simplesmente uma técnica a mais na história das representações, é, literalmente, o surgimento de uma nova escrita comparável à invenção da imprensa ou ao surgimento do alfabeto. Uma escrita interativa e imersi-va que emerge nas comunidades virtuais, nas cidades e mundos virtuais, na realidade virtual onde se apresenta necessário penetrar nessa escrita, dominar sua gramática e seu estilo. (PRADO, 2003, p. 207)

É preciso recusar o modelo essencialista do ser, ou seja, aquela idéia de um ser já dado para sempre e pensar um processo de subjetivação que é uma emergência de acoplamen-tos complexos incluídos aí os objetos técnicos. O não-self pode ser definido, ao mesmo tempo, como um processo de tornar-se bojo de um acoplamento na rede como também a ação de cada sujeito na interação com o todo desta mesma rede.

Uma quarta estética seria o das tecnologias “touch” como o iPad, por exemplo, que estabelece novas configurações por haver um acoplamento muito fino. Através do toque e dos

118 Tecnologia, pra quê?

ícones os usuários parecem se integrar à máquina de maneira muito íntima. Tudo indica que esta tecnologia mobiliza o su-jeito por inteiro de forma intensa levando a um trabalho de conectividade densa do sistema nervoso. Como é uma tecno-logia muito recente ainda temos poucos e não conclusivos es-tudos sobre isto. Mas já existem evidências de crianças muito pequenas que se desenvolvem de maneira muito significativa com o iPad inclusive com a emergência de uma linguagem consistente com a presença de frases estruturadas. Na Internet acessamos a notícia de uma pesquisa com iPad com crianças autistas ou com patologias cerebrais apontando para significa-tivas mudanças de comportamento (VALENTINO-DEVRIES, 2010). Tudo isto se constitui em acoplamentos cada vez mais refinados e complexos que potencializam os sujeitos porque disparam ressonâncias em um tipo de sistema nervoso onde a mente e a cognição são emergências de um trabalho de cone-xão neural impulsionado cada vez mais por tecnologias inte-gradoras corpo/mente. Santaella coloca que,

[...] as condições limítrofes – já insinuadas antes mesmo da emergência dos espaços móveis interconectados pelo uso de interfaces portáteis – progressivamente vieram se tornando pervasivas, tomando conta de todas as si-tuações vividas e provocando significativas mutações no estatuto do corpo e de suas condições de existência em um espaço digital agora metamorfoseado na medida em que se cruza com o espaço físico no ato mesmo em que se dão as conexões. O corpo, cuja perda iminente foi tão lastimada, está na realidade se transformando rapida-mente em um conjunto de extensões ligadas a um mun-do multidimensional pautado pela interconexão de redes e sistemas on e off line. (SANTAELLA, 2009, p. 134)

No caso do iPad, enquanto tecnologia móvel, per-cebe-se que embora permaneçamos com um corpo físico, que ocupa um espaço físico, a multiplicidade de interação com a

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máquina multiplica as possibilidades que permitirão aos usu-ários adaptarem forma e conteúdo às suas capacidades cogni-tivas. As tecnologias “touch” estão reconfigurando nosso olhar sobre o ver e entender o mundo que nos cerca, como apontou Merleau-Ponty (1994, p. 27) “precisamos reconhecer o inde-terminado como um fenômeno positivo”, experiências mul-tissensoriais na utilização de dispositivos tecnológicos podem representar uma exemplificação desse contexto. O elemento surpresa, o desconhecido, o diferente, o não-material pode se tornar revelador para o usuário desse universo tecnológico.

Pensando na sociedade contemporânea, a concep-ção de espaço-tempo foi completamente modificada a partir da revolução digital, percebe-se essa mudança de forma pontual na comunicação, e principalmente no campo da comunicação digital que segundo Massimo Di Felice:

[. . .] apresenta-se como um processo comunicativo em rede e interativo. Neste, a distinção entre emissor e re-ceptor é substituída por uma interação de fluxos infor-mativos entre o internauta e as redes, resultante de uma navegação única e individual que cria um rizomático processo comunicativo entre arquiteturas informativas (site, blog, comunidades virtuais, etc.), conteúdos e pes-soas (DI FELICE, 2008, p. 44).

Essa mudança ofereceu um novo modo interativo de comunicação, para muito além das tecnologias analógicas, que apresentavam limitações de interação para o receptor, a comuni-cação digital possibilita a criação de um ambiente onde o usuário/receptor participa, intervém, articula, toma decisões; produzindo através do hipertexto narrativas e auto-narrativas; dando signifi-cados as mesmas através de suas experiências on line.

Vivemos um momento em que o nível de intera-tividade do usuário com o computador tem se apresentado de forma cada vez mais complexa. Diz Ascott (2003, p. 274) que “assim como a globalização significa que nós não apenas es-

120 Tecnologia, pra quê?

tamos todos conectados, mas que nossas ideias, instituições e mesmo nossas próprias identidades estão em fluxo constante”. Um dos aspectos mais interessantes desse cenário informacio-nal e comunicacional é a questão do processo de hibridização que ocorre entre sujeitos na rede, a troca de papéis emissor/re-ceptor que possibilita uma produção conjunta entre dois pon-tos distintos. Essa produção se materializa através dos signos e significados dispostos na rede, no ambiente virtual “o mais fascinante está nesse novo roteiro de relações em que cada um se torna um virtuose dos mídia” (TURKLE, 1999, p. 120)

Há muito tempo a relação homem-máquina ultra-passou os limites de uma relação mecanicista, percebe-se que quanto maior a evolução tecnológica se apresenta, maiores são as perturbações e, portanto, maior o quadro de complexifica-ção dos sujeitos.

O aspecto subjetivo da tecnologia não está no que a infor-mática faz por nós, mas no que ela faz conosco. Tento in-terpretar a questão de maneira a abrir espaço, na discussão sobre o virtual e seus descontentamentos (ou satisfação), para a importância do sonho contido na comunicação quase instantânea. Isso também pode ser um cimento que dá às pessoas o sentimento de “pertencimento”. Falo da sensação de que, num grupo de discussão on-line, escrevo e depois, imediatamente, alguém pode retomar a minha idéia, desenvolvê-la e remeter-me alguma coisa. Tais gra-tificações são estimulantes e produzem um sentimento de filiação.” (TURKLE, 1999, p. 121)

O indivíduo, na atualidade, através dos meios de comunicação e dos dispositivos tecnológicos disponibilizados busca permanentemente adaptar-se a essa situação, nos depa-ramos com um cenário que influencia todos os campos da vida humana: social, político, econômico, cultural, entre outros. Po-tencialmente a tecnologia apresenta uma ferramenta poderosa de manifestação da individualidade no coletivo, numa intera-

121Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

ção de auto-experimentação em um ambiente que vivencia ve-locidade e instantaneidade. A comunicação estaria elevada a uma potência jamais conhecida, a um horizonte quase infinito de experimentação da liberdade criativa.

Perspectivas...

Ao rompermos com um paradigma fragmentador e ao mergulharmos em situações de complexidade começamos a experimentar novas possibilidades de ser. E experimentação é uma palavra de ordem para Nietzsche ao denunciar a hege-monia do racionalismo e das intelectualizações. “Experimenta-te” (NIETZSCHE, 2007), dizia ele num claro apelo ao sujeito integrado em todas as suas dimensões. Esta experimentação no mundo da navegação digital nos pega por inteiro num pro-cesso que nos complexifica pelo desenvolvimento de nossa ca-pacidade de fazer conexões em diferentes níveis do existir. Roy Ascott expressa isso de maneira muito sensível e complexa:

Cada fibra, cada nó, cada servidor na Net é parte de mim. À medida em que interajo com a rede, reconfigu-ro a mim mesmo. Minha extensão rede me define exa-tamente como meu corpo material me definiu na velha cultura biológica. Não tenho nem peso nem dimensão em qualquer sentido exato. Sou medido pela minha co-nectividade. Minha paixão é plantar sementes conceitu-ais no substrato da NET e vê-las crescer; olhar a NET atentamente numa atitude Zen à medida em que novas formas emergem, à medida que energia criativa da co-nectividade gera novas idéias, novas imagens, uma nova vida. Emergência é o comportamento-chave na NET. (ASCOTT, 1997, p. 336).

É importante lembrar aqui também ao tratarmos das questões da potencialização que a vida digital nos oferece aquelas oportunidades de II ordem da qual falava von Foerster

122 Tecnologia, pra quê?

(2003) e já referido aqui. Trata-se das atitudes metacognitivas de podermos pensar a todo o momento nos rastros que deixa-mos na rede, na possibilidade de pensar sobre nosso pensar, aprender a aprender e conhecer como conhecemos. Trata-se da passagem da topografia com seus terrenos já mapeados para a topologia com o caminho fazendo-se ao andar, na qual nos-sos passos vão criando as próprias cartografias. E, acrescenta-ríamos ainda, a capacidade de observarmos o observador que somos e, com isto aumentar o poder sobre nós mesmos numa tecnologia autopoiética que potencializa nossa autonomia che-gando a sermos os “mestres de nós mesmos” como pregam os yogues em sua sabedoria perene.

E, para finalizar, voltando ao início, circularmente, trazemos novamente a questão proposta: não seriam as tecno-logias digitais acoplamentos complexos capazes de nos levar a novos patamares de complexificação? Na verdade não pretende-mos responder à questão, mas, à maneira complexa, trazer novas problematizações rizomaticamente. Ao sugerirmos as virtuali-dades que emergem nos ambientes digitais, e usamos aqui vir-tual em sua acepção latina, virtualis (o que existe em potencia), apenas levantamos alguns dados para ilustrar uma reflexão que é crucial no mundo de hoje: como estamos nos subjetivando e construindo conhecimento ao devir nas tecnologias digitais?

123Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Referências

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Mobilidade ampliada: tecnologias móveis

digitais no jornalismo

Fernando Firmino da SilvaUEPB-PB

Jornalismo móvel

Durante a Guerra do Iraque e do Afeganistão jorna-

listas no campo de batalha se utilizaram do videofone1 para entra-das ao vivo do front. No contexto dessas situações identificamos as chamadas “gambiarras” para a montagem de equipamentos como este para transmissão em condições extremas principalmente para emissoras de televisão. TV Globo e CNN (pioneira no uso de videofone) foram algumas das emissoras que muniram seus re-pórteres correspondentes com esse equipamento portátil a partir de 2001 para a cobertura jornalística no pós 11 de Setembro no oriente médio (figura 1). A qualidade das imagens não se com-parava à gerada pelas câmeras e transmissões convencionais, mas realçava uma “nova narrativa de guerra” (PEDRO, 2009, 2004) e apresentava o cenário dos acontecimentos por dentro.

A cobertura de TV, com a presença do repórter e da tec-nologia móvel, não deixa dúvidas de quando a guerra está acontecendo nem onde. São utilizadas as imagens

1 O videofone utilizado pelos correspondentes de emissoras de televisão como Rede Globo e CNN durante a invasão americana ao Iraque em 2003 se constituía de um kit composto por laptop, câmera, antenas especiais e telefone via satélite. Com este equipamento os repórteres faziam as entradas ao vivo superando as dificuldades operacionais da região. Portanto, era um antecedente para o jornalismo móvel que foi adotado posteriormente pela Agência Reuters em 2007 com seu kit do jornalista móvel com um celular Nokia N95 com 3G, microfone externo unidirecional e teclado sem fio bluetooth.

128 Tecnologia, pra quê?

ao vivo do “teatro de operações”, via satélite através do videofone, de onde quer que o repórter queira estar, para os telespectadores nos seus respectivos sofás (PEDRO, 2009, p.1).

FIGURA 1 - Repórter da CNN no Afeganistão, em 2001, utilizando o videofone na transmissão ao vivo2

Esse contexto pertence ao chamado jornalismo mó-vel (SILVA, 2008, 2009a, 2009b; QUINN, 2002; PAVLIK, 2001), um novo conceito relacionado às rotinas de produção de cam-po dos repórteres equipados com um “simples” celular com 3G ou com uma parafernália portátil constituída por câmeras HD estilo Flip, smartphones, tablets, entre outros equipamentos e acessórios que transformam o local de apuração em uma reda-ção remota. No decorrer da década passada visualizamos essa expansão rápida do conjunto de tecnologias móveis digitais e

2Disponível em http://www.seattlepi.com/news/article/CNN-goes-with-videophones-1068135.php acesso em 10 ago. 2011

129Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

das redes sem fio (Wi-Fi, 3G, 4G, WiMax, Blutooth3) que logo foi absorvido pelo jornalismo e incorporado nas rotinas dos repórteres no dia-a-dia das redações.

O jornalismo móvel, definido como o uso de tecno-logias móveis conectadas pelos repórteres para o processo de apu-ração, edição e distribuição de conteúdos dos locais dos eventos, redefine aspectos importantes das coberturas jornalísticas do bre-aking news e do papel do jornalista. O conceito se entrelaça com a questão da mobilidade (URRY, 2007; SANTAELLA, 2007; LEMOS, 2007) e do processo de convergência jornalística (SALAVERRIA; NEGREDO, 2008; AVILÉS e al, 2007) incorporada nos modelos de negócios contemporâneos das empresas de comunicação para lidar com a produção multiplataforma. Portanto, estamos nos con-frontando com uma mobilidade ampliada (LEMOS, 2009) que traz novas implicações para: a) rotinas dos repórteres; b) para a narrativa jornalística em campo; c) para o consumo de notícias.

Destrinchando a conjuntura, temos os repórteres com novas funções e demandas forçando a redefinição do perfil e da aquisição de outras habilidades para lidar com novos instru-mentos na sua prática como os celulares com recursos embutidos de edição multimídia, aplicações para transmissão ao vivo e con-dições sempre online. Por sua vez, esses recursos alteram aspectos da narrativa4 e da estética pela geração de imagens de baixa resolu-ção (ou não) produzindo uma sensação mais apurada do in loco. Em relação ao consumo de notícias pela audiência esta também se

3As conexões sem fio são constituídas pela característica de velocidade e de alcance, entre outras es-pecificidades e diferenciações entre elas. O bluetooth, por exemplo, permite a troca de arquivos entre aparelhos emparelhados de curta distância. As tecnologias 3G e 4G (terceira e quarta gerações) se utilizam das redes das operadoras de celular e funcionam como banda larga oferecendo uma maior cobertura que o Wi-Fi e, portanto, mais adequadas ao objetivo do jornalismo em mobilidade

4 “Nesta guerra [em 2003, no Iraque], a partir da declaração de guerra, a presença do repórter e a transmissão da guerra ao vivo se acentuaram e tornaram-se o carro-chefe das representações do conflito. Mas do que a guerra ao vivo, o elemento de portabilidade conferiu um novo caráter à cobertura. O uso do videofone é definidor da forma de narrar, principalmente no início do conflito, na declaração de guerra e nas primeiras semanas de ocupação, oferecendo a sensação buscada pelos meios de comunicação há tempos: a presença do repórter ao vivo, em “ tempo real” nas cena da batalha, só que agora possibilitando ao jornalista estar virtualmente onde ele quises-se ou pudesse estar para reportar o que se vê, já que se tratava de um equipamento portátil que poderia ser transportado em uma valise e transmitir imagens e som de onde quer que se estivesse” (PEDRO, 2009, p.4-5).

130 Tecnologia, pra quê?

reconfigura com o acesso de informações através de smartphones e tablets permitindo a mobilidade do consumo e, consequente-mente, a exigência da atualização contínua, além de novos forma-tos adaptados aos dispositivos móveis (DRAKE, 2011; NATAN-SOHN; CUNHA, 2010; FIDALGO; CANAVILHAS, 2009).

Para Castells et al. (2006) é a atualização da “socieda-de em rede” para a “sociedade em rede móvel” disponível de forma ubíqua e pervasiva através dos dispositivos conectados. “Hoje, a cidade informacional do século XXI encontra na cultura da mobi-lidade o seu princípio fundamental: a mobilidade de pessoas, ob-jetos, tecnologias e informação sem precedente” (LEMOS, 2009, p.28). Uma questão fundamental emerge como problematização desse cenário para o jornalismo através e/ou para dispositivos mó-veis: quais as implicações que esta nova prática enseja em relação aos produtos jornalísticos desenvolvidos e quanto às dinâmicas de produção estabelecidas em condições de mobilidade?

Temos, portanto, duas abordagens principais sobre o jornalismo móvel: produção e consumo/acesso. No primeiro aspec-to, podemos constatar que essa estrutura de “guerra” descrita acima para reportar acerca dos conflitos bélicos no oriente médio foi trans-posta para outros conflitos de características urbanas como a co-bertura do hardnews e acontecimentos de repercussão local como a ocupação do Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, em novembro de 2010. Na ocasião, repórteres do Extra Online realizaram a cobertura direto do local (figura 2) através de transmissão em streaming via aplicações como o twitcam e o uso de notebooks, celulares e tecno-logia 3G. Um aspecto a considerar é a própria interação do público participando da narrativa do repórter de forma colaborativa, intera-tiva e conversacional. Ou seja: uma potencialização da relação entre jornalistas e audiência no processo em andamento e impulsionado pelas tecnologias digitais além da possibilidade real de contribui-ções diretas do público no sentido produser (BRUNS, 2005).

Com a disponibilização de tecnologias móveis também para o público, dispositivos como smartphones com câmera fotográfica e de filmagem embarcadas, as pessoas se utilizam cada vez mais do recurso para registro de situações

131Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

com característica de noticiabilidade. Estudos5 demonstram que os celulares se tornaram ferramentas essenciais do dia-a-dia para atividades multimídia, acesso à Internet, escuta de rádio ou recepção de canais de TV, entre outros usos. No Bra-sil, segundo dados da ANATEL (2011), o número de aparelhos habilitados já supera o da população e, no primeiro semestre de 2011, já ultrapassou os 220 milhões6, sendo que mais de 27 milhões são de tecnologia 3G7 considerando uma população de aproximadamente 192 milhões de habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010). Em escala global, em 2010 foram mais de 5 bilhões de assina-turas de celulares globalmente (ITU, 2010a, 2010b)8.

Figura 2 - Repórter do Extra Online ao vivo do Mor-ro do Alemão via Twitcam

Para o jornalismo esta é uma dinâmica e complexa infra-estrutura de uma mobilidade ampliada com diferentes capacidades e apropriações em jogo que restaura a noção de 5Disponível em http://www.cbc.ca/news/technology/story/2011/08/15/technology-cellphone-pew.html acesso em 15 ago. 20116Disponível em http://www.teleco.com.br/ncel.asp acesso em 15 ago. 20117Disponível em http://www.teleco.com.br/3g_brasil.asp acesso em 15 ago. 20118Disponível em http://www.itu.int/ITU-D/ict/statistics/at_glance/KeyTelecom.html acesso em 23 out. 2010

132 Tecnologia, pra quê?

computação ubíqua e pervasiva apresentada por Weiser (1991) no início da década de 90 dentro da sua previsão de que a tec-nologia estaria embutida nos mais diversos dispositivos ele-trônicos. Para Weiser a computação ubíqua significa as tecno-logias desaparecendo nas coisas, se tornando invisível devido ao grau de penetrabilidade. “These machines and more will be interconnected in a ubiquitous network” (WEISER, 1991, p.2). Os estudos da mobilidade apontam as consequências e possi-bilidades abertas com essa realidade na combinação crescente entre tecnologias móveis digitais e conexões sem fio.

Mimi Sheller (2011) aponta com ênfase o entrela-çamento entre convergência e mobilidade com as transforma-ções sócio-técnicas que, por conseguinte, exigem novos méto-dos e base teórica para apreensão dos fenômenos do entorno.

As mobile connectivity begins to occur in new ways across a wide range of mobile devices and ‘smart’ environments, there is a new convergence between physical movement of people, vehicles and things; information production, stora-ge and retrieval; wireless distributed computing and com-munications; and surveillance and tracking technologies. These sociotechnical transformations raise new substantive issues for the social sciences, while also being suggestive of new theoretical and methodological approaches.

As pesquisas empíricas e teóricas em torno do jornalismo móvel devem exploram essas condições de conec-tividade e suas implicações para o campo da comunicação procurando compreender a relação que se estabelece entre a mobilidade que se apresenta no século XXI e a convergência jornalística. Portanto, as tecnologias móveis introduzidas na prática jornalística exigem novas reflexões sobre os processos desencadeados através da modalidade do jornalismo móvel.

133Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Mobilidade e convergência na rotina jornalística

O conceito de convergência, antes de sua aplicação mais recente ao jornalismo, aparecia na biologia, na economia, na tecnologia e na matemática. Com a digitalização, a trans-formação da informação em bits, emergiram as discussões em torno da convergência tecnológica e dos meios de comunica-ção (NEGROPONTE, 1995) relacionando o fato à fusão das telecomunicações com a informática (redes telemáticas) na dé-cada de 1970 com o desenvolvimento das tecnologias da infor-mação (CASTELLS, 1999). Na década de 1980, a imbricação entre tecnologias digitais e meios de comunicação recebeu a denominação de convergência midiática, ou seja, da interação de dois ou mais meios. Não obstante, nos últimos anos alguns autores passaram a construir um recorte mais específico com a definição de convergência jornalística. Esse entendimento pro-cura avançar além do aspecto tecnológico, mesmo contextuali-zando que o mesmo atravessa todo o processo.

Com a convergência de redações é pertinente ob-servar as práticas nas redações e essas alterações indicadas. Al-gumas pesquisas indicam as mudanças ocorridas nas redações convergentes em termos de reestruturação organizacional e de novas práticas (ERDAL, 2007; MICÓ; MASIP; BARBOSA, 2009; SALTIZIS; DICKINSON, 2008). A digitalização das mídias e o surgimento da Internet, colocou o jornalismo digital imerso na produção multiplataforma e nas redações integradas.

Digitization of news production systems facilitates the erosion of borders that have traditionally separated the creation of content for print, the internet, radio and te-levision, thus allowing so-called ‘media convergence’. Digital systems allow journalists to share data files (au-dio, video and text) with increasing versatility, in order to elaborate content for the various platforms. (GARCÍA AVILÉS; CARVAJAL, 2008, p.221).

134 Tecnologia, pra quê?

A convergência ocorre em meio à busca por mode-los de negócios das empresas de comunicação com a crise do impresso e do jornalismo em si (SANT´ANNA, 2008; CHA-PARRO, 2004; MEYER, 2007) com implicações para as práticas e novas questões sobre a qualidade da notícia produzida pelos repórteres com as tecnologias digitais, entre as quais as móveis.

No campo mais específico do ofício de jornalista, a possível combinação de ferramentas de apuração também produz um inquietante desafio. Os novos meios convergentes demandam notícias em forma de texto, fotografia, vídeo e áudio. A digita-lização de gravadores e câmeras permite a mescla dessas lin-guagens no ato da apuração pelo repórter. A prática de alguns meios digitais de encarregar seus repórteres de voltar para a redação com conteúdos em mais de uma linguagem deu ori-gem à expressão “jornalista de mochila”, e a questionamentos sobre a possível queda de qualidade na apuração jornalística, dada a sobrecarga de tarefas e de preocupação com aspectos técnicos, por mais simplificadas que sejam as operações dos novos aparelhos digitais. (SANT´ANNA, 2008, p.23).

O que parece factível é a necessidade de estabele-cimento de um equilíbrio no uso das tecnologias móveis digi-tais no ambiente de convergência das redações. Erdal (2009), em análise do impacto da convergência nas redações do grupo NRK9 da Noruega, na Europa, chama a atenção para o que define de culturas da (re)produção cross-media, ou seja, da produção que atravessa as múltiplas plataformas de redações integradas.

The term cross-media journalism, emphasizing the re-lationship between different media platforms. This con-cept describes communication or production where two or more media platforms are involved in an integrated way. The essence is whether the different media platfor-

9Disponível em http://www.nrk.no/ acesso em 22 abril 2010

135Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

ms ‘talk to each other’. Of particular interest is the deve-lopment towards increased reproduction of news, and its implications for the daily work routines of reporters in a converged newsroom. (ERDAL, 2009, p.216).

O autor está preocupado com as implicações do processo cross-media em relação às rotinas dos jornalistas e sua pesquisa indica conflitos entre os profissionais em vez de coo-peração e problemas vinculados a reproduções do material por plataformas devido ao trabalho sob a pressão da distribuição, negligenciando-se um trabalho mais apurado para cada veícu-lo. No processo de convergência nas redações e da mobilidade as implicações à cultura jornalística fazem do mesmo processo de reestruturação das redações integradas tendo em vista que as tecnologias móveis digitais atravessam as diversas platafor-mas e é importante observar como os repórteres conduzem o trabalho sem comprometer a notícia.

Estas mudanças da introdução de tecnologias no jornalismo e da convergência podem ser percebidas em estudo também no mesmo grupo de comunicação (NRK) conduzido por Puijk (2008), que compara duas pesquisas realizadas por ele mesmo: uma em 1980 e outra em 2003 podendo contex-tualizar as mudanças temporais. O estudo captura, portanto, a produção na redação tradicional (1980) e depois na redação digital (2003) com a introdução dos computadores, da internet e do processo de convergência. Como resultado comparativo, Puijk conclui que a competição e a pressão por produtividade aumentou. “Increased competition, combined with changes in (media) technology, has resulted in, amongst others, increased pressure on productivity, changes in divisions of labor and fre-quent reorganizations” (PUIJK, 2008, p.31). Ele exemplifica que a NRK adotou novas técnicas e plataformas como podcast, vídeos em streaming, celulares e PDA’s, sendo que a produção em multiplataformas e a convergência foram os mais impac-tantes na reorganização da empresa.

136 Tecnologia, pra quê?

The entrance of computer in media organizations is not only confined to new production outlets, but has also changed production processes, communication patterns and labor routines. In media research, more focus has been on the consequences of digitization of production chain for the division of labor and the resulting convergence and divergence processes” (PUIJK, 2008, p.31-32).

Puijk salienta que neste ambiente também as im-plicações são para os pesquisadores com as dificuldades para lidar com o contexto de multiplataformas permitidas pela in-ternet. Em 1980 a saída da produção era mais fácil de arquivar e controlar. Mas com a internet utilize-se diversas saidas.

This implies that what was clearly delimitated and fixed output before, now has become variable, a flux. For a re-searcher it poses several problems. One of these is that a vast amount of material is produced and should be over-looked and archived. When doing fieldwork it is often unclear which parts of the published material will be-come important for the analysis. An additional problem is that with cross media production different platforms are used in relation to the other. (PUIJK, 2008, p.38-39).

Neste sentido, as implicações não se referem ape-nas aos jornalistas. Os pesquisadores também estão diante de modificações que afetam seus métodos e forma de encarar a pesquisa de campo, como colocado anteriormente, com no-vas oportunidades de estudo dentro das redações. “Newsroom convergence offers a case study for the value of the case study: It is an ideal subject to explore through ethnographic methods that can confortably mix and match participant observation, in-depth interviews, documents analysis, and subject surveys” (SINGER, 2008, p.157).

O paradigma da mobilidade (URRY, 2007) representa novos desafios para os estudos da comunicação e sua abordagem

137Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

perpassa uma exploração interdisciplinar para compreensão do fenômeno em suas dimensões contemporâneas com as especifici-dades relacionadas ao movimento de informações por redes mó-veis caracterizadas pela portabilidade dos dispositivos conectados como ocorreu na cobertura do The Guardian na plataforma onli-ne dos conflitos em Londres em agosto de 2011 (figura 3) onde as estratégias de narrativa dos fatos hardnews foi construída a par-tir de recursos técnicos disponíveis com os repórteres em campo com seu kit formatado por celulares, computadores portáteis e tecnologia 3G para transmissão instantânea dos dados coletados e registrados. Dentro da cultura da produção da notícia, em face da relação jornalismo e tecnologia, ocorrem mudanças significativas na prática e nas rotinas que exponencializam as condições vincu-ladas ao processo de produção jornalística.

Figura 3 - The Guardian usa recursos de mobilidade para cobertura de tumulto e conflito em Londres como geolocalização, áudio e video do campo além da narrativa minuto a minuto.10

10Disponível em http://www.guardian.co.uk/uk/blog/2011/aug/08/london-riots-third-night-live acesso em 8 ago. 2011

138 Tecnologia, pra quê?

O jornalismo contemporâneo, portanto, se reconfi-gura com a digitalização e as tecnologias móveis digitais imer-sas na prática, essencialmente nas reportagens de campo que incorporam uma estrutura móvel de produção.

Consideraçoes finais

Os estudos em torno do jornalismo para e em dis-positivos móveis, ou seja, com o uso de plataformas emergentes como tablets e smartphones endereçam questões novas para os pesquisadores e para a própria tradição das teorias da comuni-cação. A partir dos conceitos de mobilidade, convergência jor-nalística e jornalismo móvel mapeamos alguns aspectos nesta artigo para o que consideramos uma etapa avançada do jorna-lismo digital e das organizações midiáticas e seus suportes.

É necessário refletir sobre os desdobramentos que as novas funções jornalísticas e as emergentes narrativas calcadas nas plataformas flexíveis e líquidas possibilitam enquanto atividades do processo de produção na atualidade. Ao mesmo tempo que se avista características de inovação, de experimentações, de interati-vidade, de espaço compartilhado de diálogo com o público, temos também problemas que afetam a construção da notícia em condi-ções de mobilidade e ampliação da velocidade inerente.

Ao retomarmos a argumentação central do jor-nalismo móvel como uma vertente cada vez mais presente no dia-a-dia do mundo dos jornalistas e do público via tecnolo-gias móveis com recursos abundantes e capacidade crescente de processamento de dados multimídia, presenciamos uma “quase revolução” no interior do jornalismo. Novos desafios, portanto, para pesquisadores e produtores da notícia diante de uma mobi-lidade convergente apontando para um futuro imediato.

139Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

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Capítulo III

TV Digital

A TV digital na web: modelos, estruturas

e acessibilidade

Valério Cruz BrittosMaíra Carneiro Bittencourt

UNISINOS - RS

Introdução

Cabe pensar a TV na web como espaço de inte-ração e mediação entre os vários campos que coexistem nas sociedades. Trata-se de uma plataforma que integra vídeo e áudio, disponibilizados através de uma conexão via internet. Esses produtos audiovisuais podem ser assistidos através do monitor de um computador, da tela de um televisor convencio-nal (através de um decodificador) ou por dispositivos móveis, como celulares e iPods. Um dos diferenciais é a possibilidade de acesso a uma gama muito ampla de conteúdos, com toda sorte de especificidade.

Nos sites, o modo de disponibilização dos conteú-dos, geralmente, é sob demanda, quando o telespectador pode montar sua programação ou até mesmo assisti-los em fluxo. Este artigo detém-se especificamente na questão do audiovisu-al na internet, concebendo a web como um espaço de televisão digital alternativo, que engloba produtos de veículos hegemôni-cos e também abarca outras experiências em produções comu-nicacionais. “O aparato tecnológico contemporâneo, emble-maticamente simbolizado em redes integradas por fibras óticas e satélite, deve ser dimensionado considerando-se o conjunto do contexto econômico, político e cultural”. (BOLAÑO; BRIT-TOS, 2007. p. 59)

A internet é por excelência um local de convergên-cia, onde coexistem texto, áudio, infográficos e imagens em movimento, recursos passíveis de uso em um mesmo produto; também há possibilidades de interatividade entre transmissor

148 Tecnologia, pra quê?

e receptor, escolha de programas para download e visualização de conteúdos com qualidade e formato digital. São recursos já disponíveis através da televisão na web e que na TV digital terrestre ainda é promessa.

Os canais utilizam-se das tecnologias de webcasting,1 que tanto proporcionam a possibilidade de vídeos em tempo real quanto a adaptação ao tempo do espectador. Assim, existem aqueles portais que exibem seus produtos em fluxo2 e também os que utilizam de menus, onde o usuário pode clicar e encontrar o material à disposição. Já em outros, esses dois sistemas – o fluxo e os de menus – coexistem. Outra possibilidade é a opção de download de vídeos, nesse caso a apropriação do material pode ser maior, por ser possível a pausa, interrupção, associação e vi-sualização do material quantas vezes forem convenientes e dos mais diversos locais, até mesmo sem o acesso à rede.

Nesse contexto, a internet permite que hajam produtos diferenciados, ou seja, com um padrão tecno-estético alternativo,3 contrapondo-se aos modelos hegemônicos de planejamento e apresentação audiovisual. Nela podem existir formatos, formas, características completamente inovadoras, onde o audiovisual pode ser repensado e modelado de acordo com o pensamento de seus autores, isso porque se trata de um meio onde também há es-paço para quem quer participar da comunicação sem gastar altos valores nem ter imposições a seus produtos, ainda que tendencial-mente a internet formate-se com a lógica comercial.

1Por webcasting entende-se a transmissão de arquivos de dados através da internet com a tecnologia do streaming, capaz de enviar áudio e vídeo de maneira contínua. Além disso, pode-se optar pela exibição de um conteúdo ao vivo ou gravado. Mesmo no ao vivo, durante a realização da transmissão, os arquivos são salvos no computador, o que possibilita novos tipos de acesso, como a possibilidade de pausa e ainda a exibição de conteúdos por demanda, como acontece, por exemplo, no You Tube.

2No modelo de fluxo, à medida que o telespectador liga o televisor, encontra sempre algum conteúdo sendo exibido. Esse não pode ser modificado ou parado, nem alterada a ordem de exibição ou tempo, ao menos no que se refere à televisão analógica.

3Considera-se aqui como padrão tecno-estético alternativo aquele que inova nas questões referentes a formato, tempo, conteúdo, produção de imagens e áudio, tecnologias utilizadas, captação, edição e produção. Acredita-se que ser alternativo é buscar uma diferenciação do padrão convencional, no que se refere a essas características, com uma componente de dimensão social do conteúdo elevada, visando à democratização da comunicação.

149Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

A partir da observação, pode-se dizer que existem seis grandes divisões de modelos de disposição de audiovisual na internet, a seguir apresentados a partir de uma ordem alea-tória. Os modelos não obedecem a uma organização por com-plexidade ou evoluções tecnológicas. Eles foram elaborados de acordo com observação e análise de características comuns e divergentes entre sites, com intuito de agrupar conceitos exis-tentes na TV online, levando em consideração que não existe um único modelo seguido na web, proliferando diversas ex-perimentações para o audiovisual. Os modelos são analisados separadamente, utilizando-se de um exemplo de site para cada um. Os portais são analisados perante suas características de funcionamento, estrutura de layout, acessibilidade, estrutura de links e qualidade de imagem.

Modelo 1: “Super Canais”

Como primeiro modelo, traz-se os portais elabora-dos para serem armazenadores de links para canais televisivos de diversas localidades e programações. Nesse tipo de portal encontram-se disponíveis listagens de canais, as quais podem ser acessadas pelo idioma ou pelo estilo de programação dese-jada, sendo dessa maneira um local de mediação entre os es-pectadores e os elaboradores dos conteúdos digitais.

O usuário que chega a esse canal depara-se com um local de busca para televisões digitais na web. Pode-se, in-clusive, comparar com buscadores, onde, através deles, os usu-ários pesquisam o que desejam e encaminha-se para as páginas mais adequadas àquilo que procuram com o diferencial que o produto desejado, por exemplo, um canal sobre futebol, não é exibido em outra página e sim no próprio portal.

O portal escolhido para análise no modelo 1 é o Super Canais – www.supercanais.com.br – um espaço com as características descritas. O Super Canais está sob a aba do tetoplex, registrado no domínio http://www.tetoplex.com/. O Tetoplex é um portal mais abrangente, que abriga jogos online,

150 Tecnologia, pra quê?

guia de mídia, fóruns, e a televisão online – chamada de Super Canais - a qual é o objeto de análise desta pesquisa.

No modelo 1, os patrocínios aparecem em forma de banners, patrocínios e mecanismos de buscas. Nele, pode-se viabili-zar os três tipos de financiamentos, como mostra a figura a seguir. 4

4Investimentos financeiros no portal identificado por marcações circulares de cor vermelha.

Ilustração 1.Layout do portal Super Canais – Página de entrada, com visualização dos patrocínios

Todo conteúdo audiovisual do Super Canais é forne-cido por terceiros, o portal não possui produção própria. Apenas organiza os canais juntando produtos de rádio e televisão con-vencionais (analógica, digital, cabo, satélite...) e via internet. Para agrupar esses links, ele recorre a conteúdos já disponibilizados gratuitamente via internet e, também, materiais oferecidos ao por-tal exclusivawmente ou não exclusivo. São dezenas de canais bra-sileiros, incluindo todos os canais acessíveis por antena parabólica e outras dúzias transmitidos localmente, permitindo “ver os noti-ciários de várias localidades do país”. (SUPER CANAIS, 2010).

Fonte: SUPER CANAIS. Bem vindo! Disponível em: <http://www.supercanais.com/>. Acesso em: 17 out. 2010.

151Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

No layout de abertura do Super Canais, o usuário depara-se no canto esquerdo da tela com uma listagem de canais tidos como os mais populares; nesse espaço, encontram-se 13 links das televisões mais acessadas. Se for feito um clique em um desses links, imediatamente abrirá uma tela, parecida com um televisor, bem ao centro do portal, onde começa a ser transmiti-da a programação daquela TV. O telespectador pode optar pela exibição do conteúdo em tela cheia, o qual se assemelha mais a um televisor convencional. Nessa opção, as demais imagens do portal deixam de interferir no programa assistido. A atenção do usuário fica voltada somente ao conteúdo televisivo.

O portal conta com informações sobre a qualidade de transmissão de seus canais. Ao lado de cada link existem bolinhas indicativas. As verdes indicam que o canal encontra-se online, a amarela instável, vermelha off-line e branca, indefinido.

Passando a barra de rolagem, percebe-se que na parte mais abaixo do portal existe um fórum, onde os usuários podem interagir entre si e com o canal. Em forma de tópicos, assim como blogs, é possível deixar seu comentário sobre os conteúdos exibidos. É comum os usuários deixam suas dúvi-das, sugestões e questionamentos diversos; outros usuários co-mentam e os proprietários do portal respondem.

Além das televisões convencionais, esse portal dedica atenção também às emissoras alternativas, geralmente de produção exclusivamente online. Através do link Canais Flash, pode-se encontrar diretamente esses canais. Pode-se também ter acesso a rádios e a possibilidade de se fazer download.

No que se refere à qualidade de imagens, percebe-se que há uma distinção dependendo do conteúdo transmitido, isso se justifica pelo fato de que:

A qualidade da resolução das imagens dependerá da quali-dade do sinal enviado pela emissora (quanto maior o tama-nho da transmissão melhor será a resolução) o que coloca a questão seguinte: se sua conexão da internet for baixa você não conseguirá assistir aos canais com as melhores trans-

152 Tecnologia, pra quê?

missões, pois eles exigem conexões rápidas de internet (com 500k ou superior). (SUPER CANAIS, op. Cit.)

Resumindo as possibilidades, pode-se afirmar que o usuário pode acessar e acompanhar os canais, vídeos, pod-casts e qualquer outro tipo de conteúdo divulgado no portal, pode ainda divulgar os links a terceiros e interagir com outros internautas no fórum, enviando e recebendo mensagens. Ainda há disponível uma página pessoal, onde é possível armazenar informações pessoais, criar listas de canais e outros conteúdos de interesse particular, o que dá maior agilidade no processo de navegação e visualização do material que deseja assistir. Pode-se ainda elencar essas características através da tabela a seguir.

Tabela 1. Resumo das possibilidades ofertadas

pelo portal Super Canais

Fornecimento do conteúdo Terceirizados

Origem dos conteúdos Hegemônicos, profissionais e alternativos

Estilo de programação Em catálogo

Possibilidade de download Sim

Possibilidade de interatividade Sim

Qualidade de imagem Média e baixa

Fonte: autores.

Portanto, esse modelo, em geral, traz como fun-ção a possibilidade de ser um buscador e armazenador de links para outros canais, com os conteúdos totalmente terceirizados, mas com o layout e estrutura de um portal, pois, tem por preo-cupação o foco no consumidor e a abertura à interatividade, com participações dos usuários.

153Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Modelo 2: “allTV”

O segundo modelo aqui apontado se distingue bas-tante do anterior: é o padrão de portal que possui programação própria. Nesse caso, a programação é elaborada essencialmen-te para a internet podendo depois ser transmitida para outros suportes, mas planejada primordialmente para a web. Como exemplo desse modelo tem-se a allTV, que elabora conteúdo exclusivamente online, estando hospedado sob domínio http://www.alltv.com.br.

A allTV nasceu como uma possibilidade de inte-ração entre usuários e grupo midiático: “o receptor não seria mais nem leitor nem telespectador, mas sim um telenauta”. (LUCHETTI, 1999. p. 22.) Em 2001 surge a ideia de fazer uma televisão 24 horas ao vivo na internet. Ao longo dos anos a programação ampliou significativamente. Atualmente a allTV conta com quase 120 apresentadores e 64 programas, todos produzidos e criados pela emissora. “A emissora privilegia o jornalismo, que ocupa 9 horas diárias de sua grade. As demais 15 horas são dedicadas a programas de entretenimento e pres-tação de serviço”. (LUCHETTI, op. cit. p. 23). A montagem da grade de programação envolvendo programas próprios e pro-jetos terceirizados.

A interatividade na allTV acontece da seguinte maneira: o internauta pode interagir diretamente com os apre-sentadores dos programas através do chat do portal, sendo o filtro das mensagens feito pelos apresentadores. Há interação dos usuários nos debates com entrevistados e em tempo real. Nos primeiros anos de existência os “telenautas” trocavam in-formações diretas com os apresentadores ao vivo através de chat e tudo que era enviado pela web era lido no ar.

Ainda segundo relatos, espectadores que já tinham uma postura ativa através dos canais de interatividade passa-ram a ocupar inclusive funções dentro da allTV “depois de enfrentar um período de estágio um deles tranformou-se em ombudsman, outros em locutores, produtores, técnicos e até

154 Tecnologia, pra quê?

atores”. (Ibid, p. 24) O método de análise de audiência utilizado pelo portal é o oferecido pelo Google Analytics.5

O usuário que a acessa depara-se diretamente com uma tela parecida com um televisor convencional em tamanho reduzido, localizado no centro do portal. Nas laterais, come-çando pela esquerda, existe uma listagem de navegação.

“Ao adicionar a internet nessa receita, contei tam-bém com a multimidialidade. Ou seja, a gama de possibilida-des que a internet oferece. Nela estão disponíveis recursos fo-tográficos, de texto, de hipertexto, de arquivos de áudio e de arquivos de imagens”. (Ibid, p. 22)

O portal allTV também dispõe de informações so-bre o programa exibido, como tempo, apresentação e conteúdo, com possibilidade de acesso através de uma coluna de ícones dispostos ao lado do televisor virtual. Esses ícones informam a programação, com horários e dias dos programas, havendo espaço para anúncios e abrindo possibilidade de deixar mensa-gens, saber mais sobre os apresentadores e encaminhar e-mail para amigos, indicando a allTV. O portal ainda conta com a possibilidade de envio de reportagens pelo usuário.

O usuário que a acessa depara-se diretamente com uma tela parecida com um televisor convencional em tamanho reduzido, localizado no centro do portal. Nas laterais, come-çando pela esquerda, existe uma listagem de navegação.

“Ao adicionar a internet nessa receita, contei também com a multimidialidade. Ou seja, a gama de possibilida-des que a internet oferece. Nela estão disponíveis recur-sos fotográficos, de texto, de hipertexto, de arquivos de áudio e de arquivos de imagens”. (Ibid, p. 22)

5Google Analytics: ferramenta que oferece às empresas visibilidade do tráfego e da eficiência do marke-ting do website. Com o Google Analytics é possível se preparar para anúncios segmentados, fortalecer as iniciativas de marketing e criar portais que geram mais conversões. Com ele pode-se monitorar o fluxo de visitantes e ver a fonte de referências. Ainda é possível controlar campanhas do AdWords não-publicidade, como campanhas em banner ou outros programas de pagamento por clique.

155Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

O portal allTV também dispõe de informações so-bre o programa exibido, como tempo, apresentação e conteúdo, com possibilidade de acesso através de uma coluna de ícones dispostos ao lado do televisor virtual. Esses ícones informam a programação, com horários e dias dos programas, havendo espaço para anúncios e abrindo possibilidade de deixar mensa-gens, saber mais sobre os apresentadores e encaminhar e-mail para amigos, indicando a allTV. O portal ainda conta com a possibilidade de envio de reportagens pelo usuário.

Ilustração 2. Layout do portal allTV – Página de entrada Fonte: ALL TV.COM.BR. allTV. Disponível em: <http://www.alltv.com.br/>. Acesso em: 17 out.

2009.

Já em relação ao financiamento, a allTV passou por diversas etapas de existência: no início, os públicos de in-vestidores, em mídia brasileira, não estavam habituados a pu-blicidade no ambiente de TV online; então foram buscados públicos estrangeiros já acostumados com os programas de interatividade na rede. Logo no primeiro ano, houve um patro-cínio da Nobel.com, empresa norte-americana, que, através da MDV Consulting LLC, da Flórida, promoveu uma promoção

156 Tecnologia, pra quê?

de tarifas para os brasileiros que moravam nos EUA. “A ação englobava banners e merchandising com os apresentadores do canal estimulando a venda de cartões telefônicos”. (Ibid, p. 25) Nesse período, 38% da audiência era de brasileiros que mora-vam em outros países com maiores índices nos EUA, Japão e Europa, atualmente esse público já representa uma fatia bem menor, ficando nos 30%.

Referente à visualização de publicidade, existe um banner rotativo na parte superior. Além disso, entre os pro-gramas são mostrados pequenos comerciais no formato pa-trocínios. Também são exibidos comerciais educativos, tra-zendo temáticas como juventude, educação, drogas e cultura. As possibilidades desse tipo de portal são resumidas na tabela a seguir.

Tabela 2. Resumo das possibilidades ofertadas

pelo portal allTV

Fornecimento do conteúdo PróprioOrigem dos conteúdos Profissionais e alternativosEstilo de programação Em fluxo e em catálogoPossibilidade de download SimPossibilidade de interatividade Sim

Qualidade de imagem Média e baixaFonte: autores.

Desse modo, nesse estilo de TV pode-se perceber a semelhança com a televisão digital terrestre, pois, além de tudo que já possui de familiar com o modelo convencional, ainda dispõe da questão da interatividade e possibilidade de download, bem como a programação disponível para diversos horários, ou seja, pode-se assistir os programas quando desejar e não somente no momento em que eles estão sendo transmi-tidos pelo fluxo do portal.

157Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Modelo 3: “Terra TV”

Um terceiro padrão refere-se aos portais que arma-zenam links para programação de outras emissoras e também produzem seus próprios vídeos. Nele, também existem dois sub-modelos: os que disponibilizam apenas programas em arquivo para serem acessados a qualquer momento, e aqueles que possuem também programação em fluxo, ou seja, progra-mação do mesmo modelo das televisões convencionais. O por-tal escolhido para análise é o Terra TV, um dos maiores e mais abrangentes portais de televisão na internet.

Com produção de programação própria, o Terra TV também conta com programação de outras emissoras. Os audiovisuais são encontrados em uma parte específica do por-tal, chamado de Terra TV. A empresa Terra detém a liderança no segmento, contando com 50% do mercado. Oferece, além do serviço de televisão, banda larga: via cabo; telefone; satélite; celular; wi-fi; e EVDO. Como provedor, está em mais de duas mil cidades e conta com 1,7 milhão de assinantes.

Ele possui uma média de oito horas diárias de pro-gramação ao vivo e mais de 100 mil vídeos em seu acervo. Logo na abertura do Terra TV encontra-se uma tela com formato lembrando um aparelho televisor, em que é exibido o conteúdo escolhido pelo usuário ou o sugerido pela emissora.

Ilustração 3. Layout do portal Terra TV – Página de entradaFonte: TERRA TV. Terra TV Notícias. Disponível em: <http://terratv.terra.com.br/>. Acesso em: 17 out. 2009

158 Tecnologia, pra quê?

No portal existem classificações para os audiovisu-ais, sendo as categorias as seguintes: diversão, séries, músicas, filmes e documentários, especiais, vídeos mais recentes, mais vistos e mais votados. Existem ainda outras categorias de con-teúdos disponíveis, sendo elas: esportes, top vídeos e notícias. Além disso, em uma barra separada encontram-se programas e emissoras parceiras do Terra TV; quando efetuado clique nes-ses espaços, pode-se assistir à programação do canal desejado. Como exemplos, têm-se Discovery Home and Health, TV Fu-xico, Capital Gourmet, entre outros.

Os vídeos são exibidos em cascata, ou seja, quando o telespectador clica no vídeo da sessão escolhida, esse é exibido, logo quando ele acaba, há um espaço de tempo – cerca de cinco segun-dos – em que aparece a possibilidade de escolha de outro vídeo, caso não realizada essa opção, o portal sugere outro audiovisual na mes-ma linha escolhida anteriormente e exibe seqüencialmente.

O formato dos conteúdos, principalmente os de origem própria do Terra, tende a ser um misto de mídias. Uti-lizando sempre a narrativa de áudio, as reportagens são com-postas muitas vezes somente por fotos, outras por imagens de portais; aparece também à utilização de webcams e imagens amadoras. É um exemplo típico de convergência de mídias.

Nos programas ao vivo é possível assistir e interagir com os apresentadores através do chat, podendo-se enviar comen-tários e perguntas. Para efetuar download faz-se necessário baixar algum desses players: Flash Media Player, Windows Media Player ou Silverlight. Caso seja necessário outro software esse será infor-mado durante a exibição. O Terra TV está disponível via seu por-tal próprio na internet e também em algumas outras plataformas.

Quanto ao modelo de financiamento, os comerciais são exibidos, assim como na televisão convencional, em forma de pequenas vinhetas entre programas ou vídeos. Esses não po-dem ser pulados ou pausados pelo usuário, sendo exibidos antes de iniciar a programação, com tempo médio de 20 segundos.

“O anúncio nas páginas do Portal Terra caracteriza-se

159Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

pelo alto volume de exibições que irá variar de acordo com a modalidade de plano contratado, com a possibili-dade de aparecer para públicos diversificados nos diver-sos canais do Portal Terra”. (TERRA, 2010)

A publicidade segue os padrões de quatro linhas de texto com os seguintes formatos: uma linha para título, com 35 caracteres; uma linha para descrição, com 80 caracteres; uma linha para URL com 256 caracteres, sendo que somente 35 são exibíveis. Além disso, há comercias em áudio e vídeo.

No portal Terra TV, percebe-se o esforço da cober-tura jornalística para que a todo instante haja uma atualização de conteúdos. A preocupação e o acompanhamento de hora a hora de todas as novidades que estão acontecendo é fator crucial nas reportagens. Contudo, por muitas vezes não satisfaz quanto à es-trutura e no padrão tecno-estético de seus produtos, pois, focal-izado na produção em curto espaço de tempo, acaba por produzir reportagens muitas vezes sem qualidade de imagem, conteúdo su-perficial e ausência de entrevistas. Os conteúdos não jornalísticos, geralmente produções externas, são os de melhor qualidade.

Percebe-se ainda que há preocupação com o usuário através da abertura de espaços para interatividade; no entanto, esses não são controlados nem respondidos pela equipe do Terra. Qualquer usuário pode deixar um comentário nos vídeos, com palavras ofensivas ou conteúdo impróprio, sem que haja nenhum tipo sanção ou exclusão. Em resumo ele reúne as características evidenciadas na próxima tabela.

Tabela 3. Resumo das possibilidades ofertadas

pelo portal Terra TV

Fornecimento do conteúdo Próprio e terceirizadoOrigem do conteúdo ProfissionaisEstilo de programação Em catálogo com possibilidade

para fluxoPossibilidade de download SimPossibilidade de interatividade SimQualidade de imagem Alta, média e baixa

Fonte: autores.

160 Tecnologia, pra quê?

Desse modo, pode-se afirmar que esses portais pri-mam pela cobertura instantânea da notícia, mostrando infor-mações jornalísticas de primeira mão. Portanto, também são meios de exibição de conteúdos de entretenimento. Primam pela parceria e coprodução, onde os conteúdos próprios e terceirizados coexistem. O financiamento é um misto da TV convencional, com os modelos já específicos da internet, e a interatividade uma tentativa de inclusão das pessoas na vida do portal, bem como do portal na vida dos usuários.

Modelo 4: “Mega Cubo”

O quarto modelo é composto pelos programas que po-dem ser baixados para o computador do usuário. Após download permitem acesso a diversas programações, dentre essas programas televisivos completos, documentários, reportagens e acesso à pro-gramação em tempo real de emissoras de TV. O programa escolhi-do para análise é o Mega Cubo, software que, após a execução do do-wnload, possibilita acesso aos canais televisivos. Ele e sua tecnologia surgiram paralelamente ao lançamento do Windows XP. Trata-se de um sistema gratuito e conta com tecnologia colaborativa.

O tamanho que o programa ocupa no computador é de 13,63 Mb. “O Megacubo é um catálogo de links de trans-missões via internet. Seu único papel é reunir links de transmis-sões para o fácil acesso do usuário”. (MEGA CUBO, 2010) Logo em seu layout de abertura, disponibiliza 21 ícones de acesso a emissoras exclusivamente online e também convencionais que estão na internet;6 quando se passa o mouse pelos ícones, apa-recem informações complementares referentes ao conteúdo daquele canal. É possível fazer busca por emissora,7através do menu “pesquisar”; quando efetuado um clique sobre o botão, abre-se um espaço para digitação do nome do canal a escolher. Ao colocar a inicial do veículo procurado, imediatamente apa-

6Links com marcação circular de cor vermelha na figura do software.

7No botão apontado pela seta de cor vermelha, na figura do sotware.

161Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

recem elencados outros que possuem a mesma inicial, dando a possibilidade de conhecer mais canais.

Ilustração 4. Layout do software Mega Cubo – Pá-gina de entrada Fonte: MEGA CUBO. Megacubo. Di-sponível em: <http://megacubo.net/>. Acesso em: 19 out. 2009.

O Megacubo é um programa que possibilita aos usuários, obter no computador, uma coletânea de links de TVs que estão na internet. Os links ou canais acessados através dele, estão na internet porque a empresa que possui a programação e seus direitos de exibição, ou ainda, internautas colocaram na rede, disponibilizando seus conteúdos. O software só faz a or-ganização deles e não possui acordo ou contrato com os canais, ou seja, não há uma combinação direta com as empresas ou fornecedores dos programas.

“As transmissões exibidas no Megacubo são geradas por terceiros, sendo estes, os únicos responsáveis por seu conteúdo. O Megacubo tem o papel de simplesmente catalogar links de transmissões e não possui qualquer relação com o conteúdo apresentado nos canais e rádios catalogados”. (MEGACUBO, op. cit.)

162 Tecnologia, pra quê?

O Mega Cubo possibilita ainda a opção de acesso aos canais que estão sendo assistidos por outros usuários onli-ne, esses aparecem elencados por ordem de maior número de acessos, trazendo, ao lado do nome, a quantidade de internau-tas conectados no momento, bem como o total de usuários que estão utilizando o software nos mais diversos canais.

A qualidade dos vídeos pode variar muito; exis-tem canais com boa qualidade, outros não, sendo a vantagem do Megacubo o fato de num só espaço concentrar centenas de canais, de diversas nacionalidades. Para utilização do software sem problemas de travamentos, faz-se necessária uma cone-xão de internet de no mínimo 1Mb. Ao acessar um canal, há a informação da velocidade com que está sendo gerado e o que precisa para rodar no seu computador. Ele avisa ainda quando a conexão está muito lenta para exibição do produto desejado.

É necessário ainda verificar se os canais encon-tram-se online ou off-line, isso é possível através de identifica-ção no canto superior direito. Faz-se preciso também que se verifique a disponibilidade do canal, bem como as condições de sobrecarga, mais intensa nos principais (Globo, SBT, Record e Cartoon Network) e nos fins de semana.

O sistema de atualização do Megacubo é baseado em arquivos com o formato MEP, esses são leves e atualizam qualquer versão do programa. Quanto à audiência, o Megacu-bo calcula o número de pessoas que estão assistindo cada ca-nal. Segundo os próprios administradores do Megacubo, o que mais rende audiência são os jogos que não são transmitidos pelas TVs abertas e podem ser vistos através do software. Já os temas que competem com o futebol são os desenhos animados e os filmes.

Não há espaço de interatividade com o programa, mas os usuários podem contar com apoio técnico. Havendo qualquer problema podem interagir com os auxiliares técnicos através do em http://suporte.megacubo.net.

É possível ainda instalar pacotes no Mega Cubo através do repositório de canais disponível em: http://www.

163Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

megacubo.net/repositorio/. “Para instalar um pacote basta cli-car para baixá-lo e dar um clique duplo para instalá-lo. É ne-cessário ter o programa Megacubo instalado para poder insta-lar pacotes”. (MEGACUBO, 2010) As atribuições desse modelo podem ser resumidas na tabela 4.

Tabela 4. Resumo das possibilidades ofertadas

pelo software Mega Cubo

Fornecimento do conteúdo TerceirizadoOrigem do conteúdo ProfissionaisEstilo de programação Em catálogoPossibilidade de download SimPossibilidade de interatividade NãoQualidade de imagem Média e baixa

Fonte: autores.

Esse modelo difere-se bastante dos outros, por se tratar de um software e não de um portal. Mas é o que mais se assemelha a televisão, pois conta somente com uma tela onde podem ser visualizados os conteúdos do veículo de comuni-cação escolhido pelo usuário. É como se literalmente a TV estivesse no computador, pois o espectador escolhe com um clique o canal (assim como um controle remoto) e fica diante desse assistindo o que lhe é oferecido.

Modelo 5: “YouTube”

No quinto modelo, encontram-se aqueles portais cujos conteúdos são hospedados por amadores e profissionais em formato de vídeos. Contudo, esses não seguem uma se-qüência ou roteiro de programação. Para exemplificação des-se caso, é utilizado o YouTube, hospedado em www.youtube.com. O portal é campeão de acesso, visualizações e postagens: “quer você o ame, quer você o odeie, o YouTube agora faz parte do cenário da mídia de massa e é uma força a ser levada em consideração no contexto da cultura popular contemporânea”.

164 Tecnologia, pra quê?

(BURGESS, GREEN, 2009. p. 13) Embora não sendo o único, e sabendo-se que exis-

tem diversos desse modelo, o YouTube, com sua rápida ascen-são e ampla variedade de conteúdos, é indispensável para a compreensão das relações entre as novas tecnologias de mídia, indústrias culturais e culturas populares. O portal conta com vídeos publicados por amadores e profissionais que utilizam esse canal como meio de divulgação.

Considerado como uma grande revolução de mer-cado, o YouTube é uma plataforma para agregar conteúdos, ela não produz materiais, mas disponibiliza, através de um suporte simples, em uma plataforma funcional, o compartilhamento de arquivos que oferece aos usuários um meio de ampla exposição.

A principal característica dele é a cultura partici-pativa, presente em diversos espaços da internet, onde os usuá-rios são convidados a participar, seja por meio de comentários ou pela própria produção de conteúdo audiovisual. “O You-Tube representa claramente uma ruptura com os modelos de negócios da mídia existentes e está surgindo como um novo ambiente de poder midiático”. (BURGESS, GREEN, op. cit., p. 35) Mesmo que ainda contrariando as grandes mídias conven-cionais, já há um espaço declarado de presença do YouTube, ele faz parte do cenário das mídias mundiais.

Logo na parte superior aparece uma barra para pesquisa de audiovisuais. Na seqüência, um espaço com os ví-deos que estão sendo assistidos no momento, ao lado um espa-ço de publicidade, vindo abaixo, seguindo a barra de rolagem, os vídeos em destaque e os mais populares.

Pode-se também realizar busca de acordo com o estilo pretendido, existindo 14 categorias de vídeos, sendo elas: animais, automóveis, ciência e tecnologia, educação, entreteni-mento, esportes, filmes e desenhos, guias e estilo, humor, jogos, música, notícias e política, pessoas, blogs, viagens e eventos.

Também existe o acesso por programas, nesse caso contando com os seguintes temas: ação e aventura, animação e desenhos, beleza e moda, casa e jardim, celebridades e entrete-

165Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

nimento, ciência e tecnologia, clássicos da TV, comida, docu-mentário e biografia, drama, esportes, ação e aventura, eventos especiais, ficção científica, humor, jogos e reality shows, natu-reza, notícias, originais da web, programas especiais, terror e turismo.

Pode-se buscar por filmes, divididos pelos seguin-tes itens: ação e aventura, animação e desenhos, sala de exibi-ção, clássicos, crime, curtas, documentário e biografia, drama, esportes, estrangeiros, família, ficção científica, humor, misté-rio e suspense, romance e terror.

Ainda pode-se procurar por concursos e por even-tos. Todos esses gêneros podem ser ordenados por ordem al-fabética, pelos mais recentes ou pelos mais populares. Outro modo que se encontra conteúdo no YouTube é através dos vídeos relacionados: quando se está assistido a um determi-nado produto, logo ao lado há uma janela, onde existem indi-cações para outros vídeos da mesma temática que o escolhido.

Ilustração 5. Layout do portal YouTube – Pá-gina de entradaFonte: YOUTUBE. COM. YouTube. Disponível em: <http://www.YouTube.com/>. Acesso em: 19 out. 2009.

166 Tecnologia, pra quê?

A grande diferença do YouTube é que permite que os usuários postem seus próprios vídeos sem que haja media-ção. Cada telespectador pode ter seu perfil, onde coloca seus próprios vídeos. Podem ser visualizados produtos dos mais variados locais, nacionalidades e modos de produção. A qua-lidade de imagem varia muito, isso porque são muitos lugares ofertantes. Podem-se visualizar vídeos de alta resolução, com qualidade digital e alta definição, como também produtos de baixa qualidade.

O YouTube divulgou em 2010 que, no seu quinto ano de existência, chegou à marca de dois bilhões de víde-os assistidos por dia. Os dados são contados somente após a compra do portal pela Google. No dia do aniversário a em-presa divulgou o dado com a intenção de mostrar que pode ter tanta audiência quanto à televisão convencional. (CRESPO, 2010) Com isso, levanta-se novamente a questão do lucro que a empresa pode render. Até 2009 afirmava-se que o YouTube não rendia lucros, porém a previsão é que em 2010 a receita chegue aos US$ 700 milhões. Essa média aumenta a partir de parcerias que a empresa vem estabelecendo com produtoras de conteúdos profissionais, já são mais de 1.000 parceiros.

Além dessa, outra alternativa para tornar o canal mais lucrativo é a cobrança por parte dos usuários. Atualmente somente aqueles que fazem sucesso no portal é que são convida-dos a ganhar patrocínios, entrando para o programa de parceiros da empresa do Google, o YouTube Partnership Program, onde é acrescentada publicidade à peça, gerando receita também ao pro-prietário do vídeo. Porém, a ideia é permitir a todos os usuários que possam cobrar pelo material postado, não há meio de publi-cidade e sim pela possibilidade de cobrança dos telespectadores, entretanto, ainda não há maiores detalhes sobre esse processo.

A cada minuto são colocados no site 24 horas de vídeos, mas cada usuário leva apenas cerca de 15 minutos por acesso. Então, o YouTube já implantou um novo modo de aces-so a vídeos, onde leva em conta os hábitos dos internautas so-bre a navegação no site. Através de registro de acesso a vídeos

167Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

anteriores, eles propõem sugestões de novos vídeos, sem que o usuário precise procurar. Com isso, reduz-se o tempo de busca e ampliam-se as possibilidades de ficar mais tempo navegando, pois, as sugestões aparecem logo ao abrir a página principal.

As novidades que ainda serão implantadas giram em torno dos conteúdos em 3D, principalmente para eventos esporti-vos, a expansão do uso de legendas automáticas e ferramentas de tradução, visando alcançar usuários de até 50 idiomas diferentes.

Tabela 5. Resumo das possibilidades ofertadas

pelo portal YouTube

Fornecimento do conteúdo Terceirizado

Origem do conteúdo Profissionais, amadores, hegemônicos e alternativos

Estilo de programação Em catálogoPossibilidade de download Sim

Possibilidade de interatividade Sim

Qualidade de imagem Alta, média e baixa

Fonte: autores.

Esse modelo talvez seja o que causa mais polêmica em relação à sua estrutura ser chamada de televisão online. Isso porque não conta com uma programação prévia, em que o usuário possa ser convidado a assistir, não dispondo de fluxo. Não obstante, nele são encontrados programas televisivos da mesma maneira que em outros portais. Pode-se, através do YouTube, assistir telejornal, programas de auditório, telenove-las, entre outros conteúdos audiovisuais. Não deixariam esses de ser televisão meramente por uma questão de suporte.

Ao mesmo passo que existem esses conteúdos profissionais, também há os amadores, que, por muitas vezes, não contam com conteúdo de qualidade e representatividade, sendo apenas vídeos caseiros, com informações aleatórias ou sobre temas específicos, geralmente contando com a presença do humor. Esses que parecem não conter nenhum aspecto tele-

168 Tecnologia, pra quê?

visivo também hoje podem ser assistidos na TV convencional, inseridos em programas também convencionais, que se uti-lizam da audiência desses vídeos para agregar público.

Modelo 6: Globo Vídeos

O sexto modelo são os portais das TVs analógi-cas ou digitais terrestres que hospedam virtualmente a mesma programação exibida na televisão convencional. Como exem-plo para esse modelo adota-se o Globo Vídeos, portal da Rede Globo de Comunicações e Participações S/A, que se encontra disponível através do domínio www.video.globo.com.

O Globo Vídeos é uma sessão do portal G1.com.br, nela os conteúdos estando dispostos da seguinte maneira: logo na abertura, há uma fotografia em tamanho maior com título e manchete chamando para aquela reportagem; ao clicar abre uma tela para exibição do vídeo, é possível saber em qual programa fora veiculado tal produto.

Pode-se acessar aos vídeos por programa, temas ou datas. Também é possível acessar através dos menus ao lado esquerdo do portal, onde existe a seguinte listagem: novelas e séries, jornalismo, futebol, entretenimento, esporte, entrevistas e auditório. Em cada subitem abrem diversas opções, de acordo com a grade de programação da emissora. Também existe a op-ção de acesso aos vídeos favoritos, mais vistos e mais recentes.

É possível fazer download de alguns produtos e a interatividade ainda não existe: o sítio não conta com espaço para opiniões, sugestões nem críticas, também não há chat nem espaço de postagens. O único diferencial é que o especta-dor pode dar notas para os vídeos.

169Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Ilustração 6. Layout do portal Globo Videos.com – Página de entradaFonte: VIDEO.GLOBO.COM. Vídeos. Disponível em: <http://viedo.globo.com/>. Acesso em: 17 out. 2009.

Algumas questões não atingem as expectativas no portal Globo Vídeos, uma delas é que os conteúdos comple-tos somente podem ser acessados por assinantes. Enquanto os outros portais buscam, cada vez mais, proporcionar maiores possibilidades aos usuários sem custos, nesse ainda há a neces-sidade de pagamento.

Outro tópico refere-se à exclusividade: não são ela-borados produtos para a web, e sim são aproveitados os ma-teriais veiculados na televisão convencional. O portal serve somente como possibilidade de assistir aquilo que já foi ao ar. Isso salvo algumas experiências que estão sendo feitas, como o Geral.com, que, após ir ao ar, continuava via internet, sem interferências no episódio seguinte, ou seja, uma continuação que não era obrigatória, quem assistisse somente pela televisão conseguiria acompanhar sem prejuízos.

Esses portais contam com o diferencial da força

170 Tecnologia, pra quê?

dos conteúdos hegemônicos. No caso do Globo Vídeos, inte-gra a hegemonia da Rede Globo. Dessa forma obtém vantagens perante os outros portais, pois seus conteúdos já são conhe-cidos dos telespectadores e carregam a tradição que se traduz em confiabilidade perante suas notícias. A Globo Vídeos traz para o mundo da internet sua reputação enquanto indústria cultural, tão presente no cotidiano dos brasileiros de todas as gerações. Suas características resumem-se na tabela seguinte.

Tabela 6. Resumo das possibilidades ofertadas

pelo portal Globo Vídeos.com

Fornecimento do conteúdo PróprioOrigem do conteúdo Profissional, hegemônicoEstilo de programação Em fluxo e em catálogoPossibilidade de download Em alguns produtos

Possibilidade de interatividade Não

Qualidade de imagem Alta e médiaFonte: autores.

Esses portais, como o Globo Vídeos.com, são espa-ços que a televisão convencional proporciona de interatividade e acesso diferenciado a seus conteúdos. As possibilidades que ainda não estão disponíveis através do televisor podem ser utilizadas na internet. Nos vídeos online são exibidos os mesmos conteúdos e programas que na televisão convencional, porém, na internet é possível que o telespectador deixe seu comentário, faça download, e escolha o horário que deseja assistir cada programação. São as possibilidades que as empresas de comunicação estudam para a televisão digital hertziana, que já se fazem à disposição da comu-nidade através desse canal de acesso que é a internet.

Considerações conclusivas

Ao analisar esses modelos de sites de TV digital na internet, buscou-se mapear o que existe de conteúdo audiovi-

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sual na web. Através dos exemplos travou-se essa aproximação com os objetos lançando um olhar sobre a produção e desen-volvimento do televisual online.

Percebe-se que a internet avançou nos últimos anos, e atualmente já atinge posição de destaque, visto que possui al-gumas características inovadoras. Uma delas, que vai de encon-tro principalmente a televisão por assinatura, é a variedade de canais online sem que seja preciso pagamento ou mensalidade. A grande oferta por diversos gêneros encontra-se à disposição, precisando apenas do pagamento pelo acesso à rede.

Uma das maiores barreiras para a difusão do tele-visual online é a baixa velocidade de conexão de internet que os usuários possuem. Os vídeos demandam de uma banda maior para que possam ser executados sem travamentos ou sem ne-cessitar de um tempo muito grande para serem carregados. Os telespectadores, acostumados à programação televisiva sem cortes e interrupções, própria da TV convencional, precisam receber o conteúdo da mesma maneira pela internet. A espera longa pelo carregamento ou os pulos de imagens e áudio são motivos fortes para não fidelizar a audiência. Porém, esse é um impasse que deve encontrar soluções brevemente, pois a cada dia há mais ofertas referentes à conexão e velocidade.

Outra questão é a democratização do acesso, o que passa por banda larga universalizada e computadores a custo baixo (este último item já vem tendo um considerável avan-ço, ao longo deste século). Por fim, outro elemento, que requer muita reflexão e investimento, é a expansão quanti-qualitativa da educação tradicional-digital, formando cidadãos cognitiva-mente aptos e motivados a buscar na internet conteúdos dife-renciados, com relação ao modelo das indústrias culturais.

A diferenciação, no quesito escolha, ainda não faz parte do cotidiano social. Os usuários ainda estão muito ligados ao modelo de fluxo e de poucas escolhas. Em um país onde a maior parte da população ainda utiliza somente tele-visão aberta, essa passagem para um formato onde a grade de programação pode depender do usuário ainda causa estranha-

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mento. É preciso que haja um processo de formação, para que os cidadãos sintam-se capacitados a optar.

Por fim, ainda há um último impasse; em época em que se busca uma qualidade elevada de imagem, os teles-pectadores, muito provavelmente, não trocariam a alta reso-lução do aparelho televisor por uma mais baixa na web. A TV na internet deve buscar uma aproximação maior nesse quesito, para poder competir com as televisões convencionais.

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Referências

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BURGESS, Jean; GREEN, Joshua. YouTube e a revolução digital: como o maior fenômeno da cultura participativa está transformando a mídia e a sociedade. São Paulo: Aleph, 2009.

CRESPO, Silvio Guedes. O Estado de S. Paulo, 17 de maio de 2010.

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YOUTUBE. Página inicial. Disponível em: <http://www.youtube.com/>. Acesso em: 19 out. 2009.

175Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Na trilha da cidadania,

a tecnologia.

Álvaro Benevenuto Jr.UCS-RS

A pergunta que sustenta esta publicação desafia, desde sempre, as investigações acerca da comunicação e de seus dispositivos midiáticos. Especialmente nas últimas quatro déca-das, quando a digitalização dos processos de difusão das infor-mações entraram nos ambientes virtuais oferecidos pelos labo-ratórios espalhados pelos quatro cantos do mundo capitalista. Neste capítulo, pretende-se refletir sobre o uso e aplicações dos dispositivos de realização de conteúdos audiovisuais digitais – interativos ou não – possíveis, a partir das múltiplas plataformas de captura de dados dispostas no mercado do entretenimento e da comunicação interpessoal e privada, em franco desenvolvi-mento observado nas duas primeiras décadas do século XXI.

Trilhar este caminho significa retomar, de alguma forma, o debate a respeito do acesso à informação e a democra-tização da comunicação (que se quer) social; analisar aspectos históricos acerca do crescimento do setor do audiovisual alter-nativo e refletir sobre o momento de apreensão das técnicas do fazer comunicação audiovisual, o qual tem sido chamado de “alfabetização audiovisual digital” (BENEVENUTO JR., 2008, 2009, 2010) ou o processo de apropriação do conhecimento empírico para a entrada neste lugar.

Informação: um debate sobre a liberdade de

acesso e de circulação

Desde que a sociedade percebeu a importância das

informações para qualificar os processos de desenvolvimento e as relações socioeconômicas, políticas e culturais, o debate acer-ca da liberdade de acessos a elas assume dimensões relevantes.

176 Tecnologia, pra quê?

Ele incentivou refletir sobre o espaço público (HABERMAS, 1984). Essa tese reconhece o debate e a apropriação da informa-ção pelos atores sociais, tendo como locus os espaços comuns de convivência nos conglomerados urbanos, visando ao embate de questões políticas, culturais e econômicas fundamentais à vida. Este movimento acaba por fomentar, especialmente na Améri-ca Latina dos anos de 1980-90, as lutas pela democratização da comunicação, encrustadas nas campanhas contra as ditaduras militares dominante nos governos centrais.

O momento histórico mereceu observações diver-sas entre os pesquisadores da comunicação contemporânea. E chama a atenção quando observa-se a comunicação dos tra-balhadores realizada no Brasil da segunda metade do século XX e encontram-se “elementos que permitem entender essas décadas como catalisadoras do amadurecimento dos movi-mentos sociais, comunitários e sindicais na América Latina” (BENEVENUTO JR; CASTRO, 2005, p. 337-338), apontando o crescimento do setor nos âmbitos político e social, com o apoio de instituições tradicionais, como as igrejas, as organiza-ções federativas e as profissionais, entre elas a Ordem dos Ad-vogados do Brasil (OAB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).

O modelo de comunicação em questão foi inspira-do nos movimentos de trabalhadores mineiros da Bolívia (com suas rádios comunitárias); na imprensa nanica brasileira dos anos 1960/70 e, mais tarde, recebeu a influência dos movimen-tos contra a carestia das associações de bairro de São Paulo, que tiveram a colaboração de religiosos ligados à Teologia da Libertação no começo dos anos 1980.

Nesse período, os integrantes da resistência política investiram na realização de processos alternativos de comunica-ção, construindo uma imprensa própria e independente das firmas tradicionais, com a intenção de desenvolver a consciência política e criar uma resistência social às propostas e à metodologia militar. É uma comunicação que se constituiu a partir das organizações so-

177Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

ciais e políticas da oposição, que enfrentaram os ataques da ditadura na clandestinidade e tinha um forte viés cultural, ao contar com a colaboração dos intelectuais do teatro, cinema e da própria televi-são, além dos especialistas das áreas social, econômica e política.

Essa imprensa crítica e rapidamente prescrita, mesmo sem periodicidade e longevidade definidas (KUCINSKI, 1991), colaborou com o surgimento de mobilizações populares contra a carestia e contra a falta de liberdade de expressão e política, ain-da na década de 1970. Também ajudou, ainda que indiretamente, na reestruturação dos sindicatos (chamado de Novo Sindicalismo nos anos 1980) e no aparecimento de organizações sociais basea-das no trabalho voluntário engajado com as causas oposicionistas e que contaram com a solidariedade internacional.

No âmbito da comunicação, trata-se de um impor-tante momento. As experiências da imprensa alternativa servi-ram de base para a organização de uma teia composta de ações e produtos midiáticos que colocaria nas ruas a possibilidade de um outro país, mais solidário e cidadão. No território latino-americano, as atitudes dessa mídia alternativa se consolidaram ao redor de 1970, de acordo com Regina Festa (1986). Elas ocor-reram no bojo das decisões do Concílio Vaticano II para dar maior atenção à parcela excluída da população e abrir os ritos eclesiásticos, permitindo aos leigos realizar celebração religiosa. Não foi uma decisão isolada do contexto político mundial, pois, anos antes, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) reconheceu a independência cultu-ral, econômica e política dos países em desenvolvimento1, con-denando as ações dominadoras (e controladoras) do chamado Primeiro Mundo, capitaneadas pelos norte-americanos. Neste sentido, diferentes pesquisadores na América Latina desenvol-veram projetos de comunicação apoiados pela Unesco, que valo-rizavam as Políticas Nacionais de Comunicação e a realidade lo-cal, como foi o caso de Luis Ramiro Beltrán e Antonio Pasquali,

1SOSA, Leonardo. “Hacia una economia política de la comunicación.” Revista eletrónica de Comunicación Cultura y Sociedad. [2003] Año I, 2, [oct.-nov., Argentina].p. 9

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e projetos de comunicação voltados para os trabalhadores, como foi o caso dos Mattelart2.

Isto é, os movimentos de trabalhadores se apropria-ram de ferramentas e de tecnologia para construir a sua própria comunicação, o seu próprio discurso, num outro espaço de pro-dução de mídias, implicando numa outra economia de comuni-cação e informação, embora muitas vezes tenham buscado como espelho os modelos da mídia tradicional. A tecnologia da comu-nicação, vista pelo ângulo da usabilidade, foi colocada na missão de agente da construção de uma outra arena social, política e eco-nômica de um continente subdesenvolvido.

Decorrente desta nova atitude de comunicação, as campanhas pela democratização da comunicação, observadas com frequência no Brasil das décadas de 1980-90, colocaram em relevância as demandas do acesso e circulação livre da informa-ção, incluindo neste bojo, a produção das mesmas. Nesta época, os movimentos sociais estavam envolvidos com os debates da nova Constituição (1986-88) e os frutos apareceram (apesar de ainda hoje faltar a regulamentação de muitos dos artigos) no que se re-fere à Comunicação Social, definida, em linhas gerais, como bem público e livre de censura. Este novo cenário trouxe desafios im-portantes aos produtores de conteúdos, especialmente instigados pelas transformações nos modos de realizar a sua distribuição no ambiente da convergência tecnológica que vivenciamos hoje.

Antecedentes tecnológicos

No momento em que começou a reestruturação da so-

ciedade democrática, a luta por sindicatos livres, associações de bairro e demais entidades civis nos anos 1980, os comunicadores - especial-

2Embora as primeiras experiências de comunicação alternativa datem de 1949, com as rádios mineiras da Bolívia, as ações mais efetivas acontecem a partir de 1970, com o recrudescimento da ditadura militar brasileira e as suas extensões pelos países vizinhos. No Chile, com o governo de Salvador Allende, nessa mesma década, as questões da comunicação e da cultura ganharam importância a partir da atenção dada pelas pesquisas desenvolvidas por intelectuais participan-tes do governo, como é o caso de Michelle e Armand Mattelart, que integraram a equipe do novo governo e desenvolveram estudos nessa área. (MATTELART, Armand. Comunicação, hegemo-nia e contra hegemonia. Porto Alegre: Fórum Social Mundial, 2002. Palestra.

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mente os jornalistas - que se aproximaram do movimento popular e sindical eram militantes de esquerda e/ou sindicalistas que não ape-nas ajudaram a elaborar boletins, panfletos, cartazes e faixas, como foram para as portas de fábrica distribuí-los e ajudar nos movimentos grevistas. É possível dizer que este é o período do jornalismo militante/engajado, onde muitas vezes era difícil distinguir até onde ia o papel do profissional e do político durante essa década.

Com a reconquista dos sindicatos pelos grupos de oposição e as entidades populares passaram a ser dirigidas por mi-litantes de esquerda, os jornalistas passam a ser contratados como assessores de imprensa ou de comunicação, inaugurando um novo período: o do jornalismo militante profissionalizado. Foi nesse pe-ríodo que tanto a Central Única dos Trabalhadores (CUT), como os sindicatos a ela filiados começaram a pensar e a discutir sobre a comunicação para os (e dos) trabalhadores. E no final dos anos 1980, os grandes sindicatos do país, como metalúrgicos, químicos, bancários, professores, entre outros, já possuíam uma estrutura de comunicação de fazer inveja a muitas cidades do interior.

Os bancários de São Paulo, por exemplo, possuíam um jornal diário com tiragem de duzentos mil exemplares, os quí-micos tinham uma revista semanal e a maior parte dos sindicatos nacionais publicavam algum veículo semanal, pelo menos. Além disso, foi aberto espaço para a ilustração sindical, que além do já ofertado, mesmo com as restrições impostas pela censura, pelas revistas e jornais da mídia tradicional, também contou com con-cursos nacionais de cartuns sindicais. No começo dos anos 1990, a tiragem desses materiais impressos chegaria a três milhões men-sais em todo país.

Na área eletrônica, os sindicatos começaram a pro-duzir programas de rádio para serem exibidos nas portas da fábrica em carros de som e/ou equipamentos volantes3. Estes programas, em geral, convidavam os empregados daquela em-presa a participar das atividades de reivindicações sindicais

3A criatividade sempre foi grande companheira da comunicação dos trabalhadores, dando pistas da demanda de compartilhar os conhecimentos e práticas para a difusão dos conteúdos. Como acontece hoje, com a convergência tecnológica.

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e trabalhar na conscientização dos direitos e deveres de cada ator social. E algumas organizações sindicais e/ou populares realizaram programas alternativos de TV, que eram mostrados em vilas e portas de fábrica, como foi o caso da “Margarida Eletrônica”, em São Paulo, ou do programa de cinco minutos que o Sindicato dos Bancários de Porto Alegre levou ao ar no começo dos 1990, abrindo espaço no circuito comercial para a TV Bancários (BENEVENUTO JR, 1998).

As lideranças sindicais, neste momento histórico, já reivindicavam o direito dos trabalhadores de ter a concessão de um canal de TV, uma luta que não teve grande repercussão no espectro radioelétrico do Brasil4, mas deu passos importan-tes com a operação da televisão por assinatura através do cabo. Apesar das dificuldades legais e operacionais da época, o vídeo portava uma preocupação constante em acompanhar os movi-mentos sindicais (urbano e rural) para desenvolver a memória e resgatar as atividades das entidades de trabalhadores. Aliada a essa produção, de Norte a Sul do país havia um movimento de formação de novas lideranças, através de diferentes cursos de educação sindical.

Toda essa produção não ficou apenas na prática. Ela se refletiu em discussões, seminários e congressos sobre o papel da comunicação dos trabalhadores, dentro e fora da CUT e de outras centrais sindicais mais ousadas, assim como na elaboração de textos, artigos em revistas sindicais e espe-cializadas até chegar a academia. O que havia começado como uma reunião de jornalistas que trabalhavam em entidades sin-dicais ou populares dentro dos Sindicatos dos Jornalistas esta-duais, cresceu para a formação de um Núcleo de Jornalistas em Assessoria de Comunicação da Federação Nacional dos Jorna-listas (Fenaj), que se mantém até hoje e em organizações sociais

4Espectro radioelétrico é o espaço de circulação das ondas eletromagnéticas. Em rápidas palavras, é um espaço que tem capacidade limitada e é administrado pelo Estado brasileiro, pois é consi-derado bem público. Somente em 2006, depois de mais de vinte anos de batalhas regimentais e debates políticos junto ao Ministério das Comunicações e a presidência da República, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista ganhou a concessão de um canal de televisão educativa, na cidade de Mogi das Cruzes.

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independentes que trabalham com comunicação em defesa de questões de gênero, ambientais, contra a vulnerabilidade, entre outros vários temas.

Os gaúchos e os primeiros movimentos em vídeo

Para alcançar o auge da comunicação voltada para os trabalhadores, foi preciso muitos esforços. No caso do movi-mento popular gaúcho, por exemplo, eles começam bem cedo. Em maio de 1983, ex-militantes políticos clandestinos, profis-sionais liberais e estudantes universitários fundaram o Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP) em Porto Alegre. A proposta da nova entidade era (e se mantém até hoje) a ajudar na construção da autonomia da classe trabalhadora oferecen-do uma reflexão qualificada sobre a conjuntura social, política e econômica; criando oportunidades de promover educação não-formal dos integrantes de diversos movimentos sociais, as-sim como a conscientização e o desenvolvimento cultural das comunidades excluídas. Além disso, pretendia tornar-se ser um polo de convergência dos movimentos sociais, comunitários e sindicais para debater as questões candentes da organização das lutas sociais como forma de prepará-los para encarar as ques-tões políticas que se apresentavam no cotidiano, possibilitando às classes populares o poder de governarem seu destino em um Estado democrático, com participação e controle popular.

Para alcançar esses objetivos, o CAMP estruturou-se em setores que se preocuparam especificamente com as questões urbanas, rurais, formativas e de comunicação. Convo-cou voluntários especialistas em cada área para desenvolver as tarefas intelectuais e montou uma equipe de assessores – remu-nerados - para executar as tarefas burocráticas e desenvolver as atividades junto aos grupos sociais assessorados e produzir as ferramentas e/ou instrumentos necessários para as ações. Esse trabalho encontrou a solidariedade internacional de movimen-tos religiosos e sindicais, através do financiamento de projetos para desenvolver ações sociais libertadoras, junto às organiza-

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ções assessoradas, sem perder de vista a política de promover a auto-sustentação da nova entidade. É nesse lugar que o setor de comunicação ganhou relevância nestes quase trinta anos de história do CAMP, uma das mais antigas entidades a aplicar e investir recursos na área da comunicação popular.

O primeiro audiovisual sobre a rearticulação do movimento social gaúcho chama-se Encruzilhada Natalino”5. Sobre ele, comentam os responsáveis pelo projeto:

(…) a gente tinha uma identidade ideológica, de projeto, [éramos] jornalistas, éramos rebeldes e então (…) vamos documentar e vamos fazer um documentário. Estava na época dos retornados [a volta dos anistiados]. Fizemos uma longa entrevista com o Brizola, ali na Mauá (…) fi-zemos horrores de horas de filme.” (CUNHA, 2003)

Essas imagens foram feitas em película (8mm), por-que ainda não havia acesso a equipamentos de vídeo com custos viáveis. O registro é importante porque poucos anos mais tarde, enquanto os movimentos sociais paulistas avançavam no uso do vídeo e se aglutinavam em torno da TV dos Trabalhadores6, no Rio Grande do Sul acontecia um movimento semelhante.

A primeira câmera de vídeo dos trabalhadores che-gou no Estado em 1984, através do recém fundado CAMP e do latente Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), cujo processo embrionário foi registrado no documentário “En-cruzilhada Natalino”. A partir da câmera PK VHS, em 1984, pode-se falar em um momento pré tecnológico contemporâneo

5O filme “Encruzilhada Natalino” venceu a categoria Documentário no Festival de Gramado em 1982, mesmo ano em que Nelson Nadotti ganhou o Kikito com “Deu pra ti anos 70”.6A primeira câmera de vídeo do movimento social brasileiro chegou ao Brasil através de Lula, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em 1982. Ela foi um presente que a Intersindical europeia ofereceu aos “novos” sindicalistas brasileiros., como forma de incentivar a reorganização das entidades, fortemente atreladas (e perseguidas) pelo governo militar. (BE-NEVENUTO Jr., Álvaro. Das ruas para a sala de jantar: a TV Bancários em Porto Alegre. Por-to Alegre: PUCRS, 1998. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social). PPG FAMECOS. p. 71. FESTA, Regina. TV dos Trabalhadores: a leveza do alternativo. São Paulo: ECA, 1992. Tese (Doutorado em Comunicação). ECA-USP. p. 60.).

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no movimento audiovisual dos trabalhadores gaúchos. Às lideranças políticas foi apresentado o que se

considera como o primeiro vídeo do movimento social gaú-cho. Sob o título “Construção”, o audiovisual feito por Laerte Meliga pretendia ensinar os operários a reivindicar direitos trabalhistas, cobrar a atuação mais efetiva do sindicato nas ne-gociações salariais e formar a consciência de cidadania entre os trabalhadores. Era um vídeo feito com mínimas condições técnicas (a instituição não tinha ilha de edição e isso obrigou a equipe a montá-lo manualmente, comprometendo a qualidade estética)7, mas que atendeu à demanda do trabalho de educa-ção informal proposto para a categoria (CUNHA, 2003).

Nos anos seguintes, outros equipamentos (das emergentes produtoras de vídeo e de instituições sociais, como a própria igreja católica) foram disponibilizados para registrar a história dos trabalhadores (STAROSTA, 1988). Surgiram grupos como o próprio setor de comunicação do Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP)8; o Núcleo de Vídeo Do-cumentação (NVD)9, formado principalmente por estudantes e pesquisadores da Sociologia, Comunicação e Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o Sin-dicato dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações (SINTTEL), entre outros.

O Brasil vivia um ciclo de greves em meados dos anos 1980. Foi quando a classe trabalhadora assumiu defini-

8Em 1985, o vídeo do CAMP acompanhou a ocupação da Fazenda Annoni, a maior mobilização de trabalhadores sem-terra da década. Em 1987 foi produzido o documentário “A Torquês”, re-tratando a vitória dos sindicalistas ligados à CUT nas eleições sindicais e a greve dos sapateiros de Campo Bom. Em 1990, voluntários da entidade propõem a formação de um núcleo de estudos e prática de imagem em movimento, com a intenção de assessorar os movimentos e, em 1992, o setor de comunicação se transforma na produtora CAMP Vídeo, com características de produtora comercial, transformando-se em projeto de autossustentação da organização.

7Essa edição foi feita através da cópia não sincronizada das imagens, chamada por edição no dedo, isto é, enquanto um gravador de vídeo permanece em pausa, o outro roda as imagens e, quando chega o ponto de edição, o operador dispara o equipamento de registro. Isso provocou vários problemas de corte e de estabilização dos sinais.

9Vinculado ao Grupo de Estudos Agrários (GEA), o NVD tinha seu trabalho voltado para a do-cumentação da história do que para o trabalho de educação popular, propriamente dito. O NVD funcionou até a fundação da ABVídeo.

184 Tecnologia, pra quê?

tivamente o papel de protagonista política no país. Havia um campo de documentação social muito extenso e nós nos joga-mos aí, criando uma entidade civil, sem fins lucrativos, cha-mada NVD - Núcleo de Vídeo e Documentação, que é mais ou menos na mesma época que surge uma associação brasileira de vídeo, a ABVP - Associação Brasileira de Vídeo Popular, que reúne grupos semelhantes ao nosso em todo o país; grupos e entidades e instituições, como o CAMP, a FASE, a TV Viva em Recife. (RODRIGUES, 2003)

O marco da organização daqueles que faziam uso do vídeo no movimento social gaúcho foi um encontro regio-nal para debater o tema, promovido pelo NVD, em 1985, que teve como palestrante Luís Fernando Santoro, professor da Es-cola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, que havia acompanhado a criação da TV dos Trabalha-dores. Isso serviu para incentivar outras iniciativas de vídeo e reforçar as já existentes no Sul. Logo depois houve um curso de capacitação em vídeo, promovido pela UFRGS, que foi fre-quentado por grande parte das pessoas envolvidas em vídeo popular naquele momento (RODRIGUES, 2003).

Em seguida ao curso, um grupo de videomakers com-prometidos com as lutas sociais e alguns dirigentes sindicais, entre eles Mauro Paulo Souza, do SINTTEL, iniciaram as reuniões vi-sando à instalação de uma representação regional da Associação Brasileira de Vídeo no Movimento Popular (ABVMP), criada em 1984 em São Paulo. Em maio de 1986 foi fundada a Associação Brasileira de Vídeo no Movimento Popular (ABVídeo - Regional Sul), tendo como sede o SINTTEL10. Participavam efetivamente da entidade três grupos de produtores: o próprio SINTTEL e os Núcleos de Vídeo e Documentação da UFRGS e da PUCRS. As outras instituições, como o CAMP, Cáritas e Centro Gaúcho de

10A Associação Brasileira de Vídeo no Movimento Popular, em 1990, mudou seu nome para Associação Brasileira de Vídeo Popular e, em 1995, passou a atuar através de grupos temáticos, não mais se caracterizando como associação de produtores de vídeos populares. Já a Regional Sul da ABVMP, ABVídeo, encerrou suas atividades em 1994, com a própria desarticulação dos produtores gaúchos.

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Audiovisuais, bem como os produtores independentes, estavam presentes em grandes eventos (seminários, cursos e palestras) e projetos especiais, como a cobertura da Greve Geral de 1986 e a procissão de Nossa Senhora dos Navegantes.

Os gaúchos continuavam nas ruas. Essa efervescên-cia social estava sendo registrada pelas câmeras de vídeo do mo-vimento. Mais tarde, essas imagens resultariam em montagens sobre a própria história das lutas sociais dos trabalhadores, que foram exibidas em lugares onde aconteciam reuniões de traba-lhadores, sem ter, até então, um espaço nas emissoras de TV. Na década de 1990, ao mesmo tempo em que se produziam e se exibiam os vídeos engajados com as lutas sociais, havia a pers-pectiva de construir uma nova forma de incentivar o desenvolvi-mento cultural dos trabalhadores, fornecendo-lhes informações e formas de olhar o mundo não mostradas mídia, através de ou-tros veículos de comunicação, como revistas culturais, espetácu-los de teatro experimental e montagens de textos proibidos pela censura, sessões de cinema de arte financiada por sindicatos, etc. Nesse período, o Centro Gaúcho de Audiovisuais (CGA), orga-nização ligada à congregação salesiana, oferecia infraestrutura a preços acessíveis para o movimento dos trabalhadores e para as entidades sociais realizarem seus audiovisuais.

Este foi contexto que provocou a inauguração, em 1990, da TV Bancários, do Sindicato dos Bancários de Porto Ale-gre, demarcando, no Estado, a primeira experiência de produção alternativa de televisão que vai para as telas das principais emis-soras do Estado, através da compra de espaços comerciais11.

O grupo de vídeo do CAMP e o SINTTEL haviam adquirido mais equipamentos de captação e edição para o mes-

11Era um projeto do Departamento de Imprensa e Divulgação do Sindicato dos Bancários, cujo propósito central era o de se constituir como polo da produção audiovisual em vídeo do movimen-to. Os programas da categoria foram exibidos em breaks comerciais de dois minutos, no Jornal do Almoço (um dos principais noticiários do meio-dia no Rio Grande do Sul), em 1991, indo para a TV Guaíba, com oito minutos, no ano seguinte. Porém, problemas financeiros e políticos tiraram a programação do ar, durante o ano de 1993. A TV Bancários voltou a ser exibida no se-gundo semestre de 1994, agora na grade do SBT gaúcho, com a duração de três minutos. (BENE-VENUTO JR., 1998) As inserções foram encerradas em 1993, depois da eleição da nova diretoria do Sindicato, que desenvolveu outra proposta de comunicação com a categoria.

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mo propósito. Porém, a oferta de prestação dos serviços não era frequente porque as instituições dependiam de trabalho dos voluntários para as tarefas. Outras pequenas produtoras surgiram no mercado audiovisual porto-alegrense, aproveitan-do a qualidade técnica dos novos equipamentos e a demanda que o próprio movimento social ajudara a construir. De um lado trabalhavam com o movimento popular e sindical, mas também pensavam na possibilidade de obter ganhos próprios.

Logo esse entusiasmo acabou e as instituições voltaram à cena em 1996, com a fundação da Associação das Entidades Usuárias do Canal Comunitário em Porto Alegre, a primeira ocupação desse espaço televisivo da TV a cabo no Brasil, cuja legislação é considerada uma das mais avançadas do mundo. Entretanto, o canal comunitário gaúcho, espaço das associações e sindicatos nas TVs a cabo, até hoje, não terminou de se concretizar no país pela incapacidade das entidades em lidar com as diferenças ideológicas e de construir um projeto comunicacional coletivo, ainda que seja para ser assistido ape-nas pelos 8% da população brasileira que tem acesso ao cabo.

Pode-se dizer que no Rio Grande do Sul dos anos 1990 havia mais de 30 jornalistas atuando em assessorias de comunicação sindical e popular, desenvolvendo projetos em jornais, revistas, rádios, vídeos, cartazes e TV. A maior redação era a do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre que, em seu auge, chegou a ter doze profissionais de comunicação, entre re-pórteres, editores, diagramadores, ilustrador, na área gráfica, mais um publicitário e equipe de TV com câmera, repórter, editor e editor de imagem.

Na mesma década, a Central Única dos Trabalha-dores elaborou congressos estaduais e nacionais para discutir a questão e a CUT/RS chegou a publicar cadernos sobre o tema e incorporou internet as suas rotinas. A chegada da temática da comunicação sindical e popular na academia demorou um pouco mais. Mas foi a experiência política daqueles jornalistas que ajudou a derrubar barreiras para criar um grupo de traba-lho sobre o tema em congressos como a Intercom e de editar

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livros e revistas que mostrassem a comunicação dos trabalha-dores, colaborando para uma nova proposta de sociedade e de comunicação horizontal, dialógica e democrática, modelo ins-pirado em propostas de como Mickail Bakhtin e Paulo Freire.

Um dos grandes desafios desses profissionais era pen-sar uma comunicação voltada para os trabalhadores que incluísse os trabalhadores (ou seja, para as audiências), sem repetir os equí-vocos da mídia comercial, vertical e (até então) monológica.

O fenômeno parece ser um paradoxo, sob a ótica histórica e econômica de Hobsbawm, que apontou o século XX como o século breve12. Mas se observá-lo num horizonte mais largo, onde se percebe a mobilização dos sistemas de teleco-municações mundiais operando em favor da acumulação do capital, verifica-se a convergência de mídias e de convergência de proprietários dos meios de comunicação com formação de conglomerados midiáticos.

No momento em que é possível estar conectado ao mundo13, onde as fronteiras de tempo e espaço se diluem ra-pidamente, a tecnologia está disponível para aqueles que pos-suem recursos para adquirir equipamentos e periféricos que habilitam o acesso à rede. Dentro dessa contradição, a resposta da sociedade civil já não é a mesma dos anos 1980/90, quando os sindicatos e movimentos populares tinham vida ativa e en-contravam eco na sociedade. Agora são os movimentos sociais representados através de entidades civis como as organizações não-governamentais (ONG’s) que buscam incluir esses cida-

12O historiador considera que o século XX começou com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914 e terminou com o colapso da União Soviética, seguido da amplitude global que tomou a economia, baseando suas atividades nas redes de telecomunicações, num movimento concluído nos anos 1997 e 1998. O autor chama a atenção de que essa periodização foi uma opção que ele fez para analisar o período, mas que pode ser lavada a termo: “a escolha de uma data específica não passa de uma convenção, e não é algo pelo qual os historiadores estejam dispostos a brigar. Há apenas um indício claro do término do Século Breve: sabemos que, desde 1973, a economia mundial entrou em nova fase. E para quem, como eu, ainda acredita na teoria dos ciclos longos de Kondratiev, essa fase estava destinada a terminar em algum ponto da década de 1990” (HOBSBAWM, Eric. O novo século. Entrevista a Antonio Polito. São Paulo: Cia das Letras, 2000: 9-16).13As formas de conexão podem ser através da rede mundial de computadores, telefones (móvel e fixo), pela televisão, rádio, entre outras. Hoje as possibilidades são múltiplas, tal a facilidades oferecidas pelas tecnologias de comunicação.

188 Tecnologia, pra quê?

dãos nas discussões que se referem à qualidade da vida, assim como no âmbito político e nos processos comunicacionais.

Conforme Downing (2002), esse movimento ve-rificado na arena das interações e das trocas simbólicas exige uma categorização específica, tal é a frequência dos fenômenos midiáticos que tentam produzir sentido na sociedade e entre as diferentes audiências. Embora ele esteja contido no bojo do fazer comunicativo que se desenvolveu durante o século XX, atualmente o fenômeno é visto como mídia radical e alterna-tiva, porque se o conteúdo “sugere que a estrutura econômica ou política necessita urgentemente de certas mudanças (…) o papel dessa mídia é manter viva a visão de como as coisas po-deriam ser, até um momento na história que são exequíveis”.

Mudança para o digital... mudança?

O anúncio das primeiras operações da televisão

digital terrestre (TVD-T) no Brasil, em dezembro de 2007 na cidade de São Paulo, marcou o final de uma etapa do proces-so de criação desse sistema de transmissão eletromagnética no maior país da América Latina. A repercussão do evento teve impacto importante na mídia especializada, pois a entrada bra-sileira no mercado da televisão digital terrestre, possível a par-tir do Decreto Presidencial 5820/2006, apresentou diferenças estruturais em sua composição, pesquisa e aplicação.

Foi uma longa caminhada, compartilhada por pes-quisadores de centros universitários, da indústria eletroeletrôni-ca, de emissores de televisão, dos operadores de telefonia móvel, dos trabalhadores de diversos setores da Comunicação Social, de políticos e de institutos reguladores que criou o Sistema Bra-sileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD), atendendo as de-mandas de acessibilidade, interatividade e portabilidade (BAS-BOSA FILHO; CASTRO, 2008), necessárias para a fruição da cidadania. É de destacar que essas características não receberam muita atenção nos territórios que implantaram – e exportaram – esse sistema de televisão, a exemplo dos Estados Unidos, Europa

189Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

e Japão, tendo em vista o pioneirismo na operação em múltiplas plataforma em ambiente pouco conhecido.

Se o atrasado ingresso do Brasil no ambiente da TV digital (em relação a nações latino-americanas) permite uma crítica sobre as barreiras que o país não superou para a implan-tar e usar as tecnologias da informação e da comunicação14, o fato provoca outro olhar: aquele que busca o aperfeiçoamento dos processos, na perspectiva de dar qualidade à cidadania e não, apenas, oferecer melhores condições para o desenvolvi-mento da indústria da televisão, que tem se destacado, espe-cialmente, a partir da metade do século XX. O elemento chave do debate é esse: a melhoria da qualidade e a fruição plena da cidadania a partir das possibilidades de entradas que este outro ambiente midiático apresenta ao público consumidor.

Propor esta discussão, entretanto, não significa querer esgotar o tema para chegar a conclusões imediatistas diante do quadro da implantação da TVD-T brasileira. Pela complexidade do assunto e envolvimento de vários setores da arena comunicacional, como a política e a economia (que não são suficientemente ágeis nas tomadas e execução de decisões, mesmo aquelas construídas através de consensos entre os pa-res), é relevante seu exame, pois se trata do uso social de um veículo que, em tempos de convergência digital, se apresenta como transmidiático tal a sua capacidade de processamento de dados que as bancadas dos laboratórios têm experimentado.

Iluminar os usos e costumes

As investigações sobre os usos da televisão no sé-culo XX demonstram a relevância deste meio na sociedade. Dos diversos ângulos dos estudos, dois oferecem elementos que subsidiam a discussão sobre as possíveis transformações

14Sobre os procedimentos sociopolíticos e implantação do SBTVD há literatura e relatórios es-pecializados disponíveis, centralmente no CENTRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO DA TELEBRAS. Disponível em: <http://www.cpqd.com.br/2/314+tv-digital-tv-digital-sistema-brasileiro-de-televisao-digital-sbtvd.html?PHPSESSID=d2238cdaaff6fafcdf3b89ec35b63319>. Acesso em 20 fev. 2009.

190 Tecnologia, pra quê?

que a televisão digital provocará na sociedade, que esse texto propõe desenvolver. O primeiro se refere ao relacionamento público/televisão (SILVERSTONE, 2002; PEREIRA JR, 2002; CASTRO, 2006). O outro observa a formatação de um mercado característico da televisão (BUSTAMANTE, 1999; BOLAÑO, 2004, LEAL F., 1997; CAPPARELLI, 1998, entre outros), deli-neando o perímetro da ação comunicativa dentro do modelo capitalista contemporâneo.

Ao jogar os holofotes sobre os usos que a socieda-de tem feito da televisão, é necessário observar o espaço que o eletrodoméstico tem ocupado nas habitações das distintas classes sociais15: o aparelho de TV está no centro dos ambien-tes de convivência coletiva das residências, independente da condição socioeconômica dos habitantes do lugar. Ele assume-se como o principal o ponto atenção da casa, ganhando, em alguns casos, adornos reservados às solenidades religiosas pri-vadas (LEAL, 1990).

Com o passar do tempo e com a melhoria das con-dições econômicas das famílias, os aparelhos de TV galgaram espaços em outros ambientes da casa, como cozinhas e dormi-tórios, concretizando, assim, sua condição próxima à onipre-sença na vida social contemporânea. O caso de um espectador nordestino portador de acentuada deficiência visual, que se confessa um “noveleiro”, corrobora esta observação a respeito do uso da televisão: “ele só vê sombras, contornos e cores à frente. Vítima de um glaucoma congênito que lhe permite só 1% da visão, Marcos André Leandro desde os nove anos inven-ta alternativas para “ver” a TV [...] Com uma luneta feita por ele com restos de papelão e lentes de lupa, o rapaz chega a des-crever olhos e sorrisos de atores”. (PENHALVER, 2002: p.29)

Concomitante às adaptações de uso, a indústria da televisão implantou a sua cultura de conteúdos, ao oferecer en-tretenimento e informação jornalística de fácil entendimento,

15A classificação, aqui, se baseia nos parâmetros definidos pelos institutos de pesquisa o mercado publicitário, a exemplo do Instituto Brasileiro de Opinião e Pesquisa Econômica (IBOPE). Crité-rios disponíveis em: <http://www.ibope.com.br>. Acesso em: 20 Fev. 2009.

191Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

orientados sobre dados coletados entre consumidores/cidadãos. Essa condição foi possível pois a decodificação das mensagens televisivas não requer protocolos individuais complexos. Eles estão disponíveis a qualquer pessoa, seja ela possuidora de gran-de conhecimento cultural, ou completamente analfabeta. Na mesma trilha, a televisão criou uma estética audiovisual própria, definida pela guerra da audiência, que se consolidou no imagi-nário do espectador como parâmetro e criou barreiras à outras manifestações audiovisuais oriundas, não necessariamente, dos ambientes televisivos. A televisão criou o costume de ver belas imagens acompanhadas de textos descomplicados, facilitando o entendimento e a apreensão das mensagens. A televisão, como só ela consegue fazer, acostumou as audiências – mesmo as mais críticas – a refletir rapidamente a respeito do que ela apresenta.

O desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) ancorado na rede mundial de compu-tadores (internet) como suporte das transações sociais e econô-micas, nas últimas décadas do século XX, provocou a televisão a migrar para este ambiente. Na rede, a TV ampliou as opções de acesso aos seus conteúdos e aumentou sua ubiquidade, apesar dos obstáculos que o espectador tem para usar a internet. Esse movimento deu mais força para a indústria televisiva se apre-sentar como a fonte de informação mais flexível da sociedade moderna, configurando-se como o locus privilegiado de publici-dade e fortalecimento dos negócios para o mercado. Não é mera coincidência que os investimentos de verbas de publicidade bra-sileiros nesse meio têm se mantido próximos dos 60% nas últi-mas quatro décadas (BENEVENUTO JR, 2005).

Como consequência da conquista desses espaços, a organização da indústria da televisão ganhou especialização relevante. Desvinculou-se do modelo precursor da indústria cinematográfica e criou seu próprio formato e programas, inserindo tempos diferenciados na apresentação dos conteú-dos – demanda apresentada pelo modelo de financiamento do meio, a publicidade. A estética televisiva do modelo industrial ganhou reforço importante e ampliou resistência das barreiras

192 Tecnologia, pra quê?

para entrada de outros conteúdos televisivos. Ao multiplicar a oferta de programação (BRIT-

TOS, 1999) em distintos modos operacionais, a televisão exi-giu a presença de profissionais especialistas tanto em relação ao trabalho artístico, como os estrategistas de mercado e de tecnologia (CPQD, 2004). O leque de atividades relacionadas à produção audiovisual eletrônica, antes de assumir-se na for-ma da convergência digital (BARBOSA F.; CASTRO, 2008), cresceu muito com os avanços tecnológicos que adicionaram à transmissão aberta (pelo sistema VHF, UHF e satélite não codificado) modalidades codificadas em UHF (a TV por assi-natura), a distribuição de sinais por rede física (TV a cabo) e através do satélite doméstico (DTH).

No mesmo tempo em que a indústria da TV se es-pecializou e diversificou as modalidades de oferta, em alguns países ela abriu oportunidades para experimentações autôno-mas de difusão de conteúdos realizados fora dos ambientes tra-dicionais de produção televisiva, como é o caso dos sete canais de uso público e gratuito que as operadores de TV a cabo do Brasil são obrigadas a disponibilizar em seu menu básico.

Já na internet, os ambientes como You Tube, My Space, IPTV e blogs, reforça a oportunidade de ação de outros operadores audiovisuais, que desafiam a estética televisiva con-solidada pelo mercado. Além de desafiar a audiência da televi-são, esses produtores são responsáveis pela criação de uma ou-tra estética audiovisual, adaptada à tela pequena e à velocidade de transmissão de dados na rede.

Com o lançamento da TVD-T e a real oportunida-de de operar o canal de retorno (o que tem se chamado de canal interativo que tem sido timidamente explorado), a produção televisiva está num momento de transição delicada, onde as mudanças estéticas ganham contornos mais definidos na dire-ção que implica em trabalho colaborativo, alterando profunda-mente as relações de autoria, de propriedade e de controle. É um período que representa um processo de produção audiovi-sual onde especialistas da atividade televisiva compartilham a

193Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

responsabilidade de elaborar os conteúdos com as audiências, o que também implica em investimentos relevantes em relação a equipamentos e em políticas das emissoras.

A composição dos conteúdos da televisão digital, rascunhados a partir da atividade colaborativa e em rede abre outras janelas para o ingresso de mensagens que passam ao lar-go do controle único dos proprietários dos meios, impactan-do fortemente nas relações de poder estabelecidas desde que a comunicação organizou-se em empresas capitalistas, proprie-tárias de poder simbólico sobre as questões da política, da eco-nomia e das relações sociais (SILVERSTONE, 2002: 263-283).

Outra estética da televisão?

Para questionar uma outra estética da televisão é

inevitável empreender uma rápida discussão acerca do papel dos meios. Não é o caso, nesse momento, de dar relevância ao emba-te das interpretações que proprietários dos meios e ativistas de movimentos sociais tem a esse respeito. Esse debate não tem fim e, embora seja fundamental para a sociedade contemporânea, é um problema social congênito e por esse motivo, é importan-te refletir sobre as diferentes opiniões, especialmente quando a tecnologia oferece oportunidades de executar a comunicação de forma mais horizontal, mais envolvente para a sociedade.

A reflexão sobre essa outra estética televisiva inclui a mirada sobre o negócio lucrativo que esse setor se transformou, especificamente no caso brasileiro. Quando a radiodifusão brasi-leira foi regulamentada, o espectro foi alocado como propriedade pública, enquanto sua exploração foi feita por conta de concessões a agentes privados. De forma bastante resumida, construiu-se, então, o formato do negócio televisão, misturando a propriedade pública e privada, viabilizando assim, a constituição da estética te-levisiva, na qual os conteúdos exibidos atendem, prioritariamente, os interesses dos financiadores do meio para, depois, cumprir com os requisitos sociais de fomento à cultura, educação e entreteni-mento da sociedade nacional.

194 Tecnologia, pra quê?

Esse modelo de negócio, resultado do consenso entre operadores e governo, manteve a audiência bem distante das esferas de decisão sobre o que colocar nas grades de pro-gramação das emissoras. Essa distância pode ser interpretada como a incapacidade da audiência em investir recursos finan-ceiros necessários para adquirir equipamentos e contratar pes-soal técnico-artístico especializado; como, também, o desco-nhecimento dos governantes sobre esta ação comunicacional. Ou ainda, permite ser interpretada como a opção política mais adequada para seu tempo. 16

Além da mirada acerca do negócio, percebe-se que a estética da TV sofreu forte influência da concorrência entre os operadores do setor. A guerra da audiência que subsidia a definição dos valores das inserções publicitárias, tanto em in-tervalos comerciais como para o merchandising, criou o padrão de qualidade da programação, cujo exemplo mais consistente é o da Rede Globo de Televisão, a líder do setor por décadas seguidas no Brasil e parte da América Latina.

Ao congregar critérios de qualidade técnica (equi-pamentos de captação, processamento e transmissão), artística (plástica, dramatúrgica e conteudista), econômico e político (custo das inserções e relações com governantes), estabelecem-se elementos que constroem a fidelidade dos espectadores e criam parâmetros subjetivos e específicos que influenciam na escolha da sintonia das estações. Esse conjunto de critérios cria a cultura de assistir a um pequeno número de canais, consti-tuindo, dessa forma, um padrão técnico-estético para a bar-reira à entrada (BRITTOS, 2004) de conteúdos diferenciados, como é o caso direto das produções experimentais.

Quando as inovações tecnológicas digitais oportu-nizam a entrada de outros atores na composição dos conteúdos

16A regulamentação da radiodifusão no Brasil foi promulgada em 1962, doze anos depois de inaugurada a primeira emissora de TV no país, a TV Tupi, de Assis Chateaubriand, e trinta anos depois da primeira emissora de rádio, fundada por Roquete Pinto. Mesmo desgastado e desatualizado, apesar das emendas e adaptações feitas no decorrer destes mais de quarenta anos, ele continua em vigor até que se encerre o debate da Lei da Comunicação Eletrônica de Massa. Antes do Código Brasileiro de Telecomunicações, as operações de rádio e televisão eram regidas por instrumentos legais provisórios, controlados diretamente pelo presidente da República.

195Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

audiovisuais e oferecem múltiplas plataformas para a distribui-ção destes produtos, a indústria da televisão é desafiada a re-pensar seu negócio consolidado há mais de meio século.

Além dos investimentos no parque industrial (equipamentos e pessoal), a migração para a TVD-T demanda mudanças no que se refere ao modus operandi da realização audiovisual. A digitalização do sinal da televisão não é apenas a oferta de imagem e som em alta definição/fidelidade. Ela é a exibição de conteúdos produzidos por muitos agentes – espe-cialistas ou não – distribuídos para diferentes plataformas de recepção. E como a TV está formatada hoje, ela está ameaçada de perder as audiências, até então cativas, na mesma velocida-de em que ocorrer a migração.

Essa reflexão sobre uma outra estética da televisão também abarca o âmbito das políticas de comunicação e de par-ticipação social na televisão. Participação esta que não se restrin-ge ao sim/não, concorda/discorda. Destaca-se aqui a participa-ção enquanto política de comunicação social, cobrando, dessa forma, o ingresso de ideias e discursos de interesse da coletivi-dade que as emissoras alcançam. É uma estética que ainda está carente de referenciais, tanto plásticos como de conteúdos, e as discussões demandam considerar as transformações que a so-ciedade tem vivido com as TICs e as constantes crises do capi-talismo contemporâneo. É um dos desafios a serem assumidos pelos movimentos sociais e operadores da televisão digital.

Oportunidades transmidiáticas

As múltiplas plataformas de recepção são o resul-

tado do desenvolvimento e convergência das TICs, a partir do compartilhamento das transmissões digitais. Embora seja um detalhe técnico pertinente às engenharias eletrônicas e às ci-ências da computação, o impacto deste compartilhamento na comunicação social é relevante, pois esta convergência provoca e promove a mobilidade e oferece oportunidades tangíveis à acessibilidade. (BARBOSA FILHO; CASTRO, 2008)

196 Tecnologia, pra quê?

A oportunidade da recepção múltipla das mensa-gens (no computador, no televisor, no telefone móvel, no pod-cast, no media player, tablets, entre outros) amplia o espaço de ação dos produtores de conteúdos da comunicação eletrônica, na mesma medida que cria problemas de adaptação da lingua-gem adequada para cada mídia.

As experiências sedimentadas dos meios audiovi-suais de comunicação tradicionais (o cinema, o rádio, a televi-são e recentemente a internet), apresentam modelos e formatos de linguagem “proprietária” para as suas demandas. Porém, os tempos de disputa pelas audiências provocou a migração destas linguagens: hoje se vê, com frequência, as estruturas narrativas características do debate radiofônico na televisão e a fragmen-tação dos conteúdos televisivos nas telas do cinema. O mesmo ocorreu quando a internet foi povoada pelas mensagens audio-visuais, que copiaram a formatação televisiva e radiofônica de apresentar notícias e comentários sobre o cotidiano.

O interessante deste movimento é a oportunidade que ele apresenta para aplicar a migração de linguagens e de tec-nologias em atividades voltadas para a educação, qualificação da cultura e prestação de serviços eletrônicos (e-governo, e-banco, e-saúde, etc.) a grupos sociais que carecem de condições para acessar um determinado meio. Por exemplo: o acesso à televisão digital terrestre em todo o território brasileiro será possível apenas a par-tir de 2017, conforme o cronograma de implantação do sistema. Enquanto a TVD não é acessível para maior parte da população, usuária da modalidade analógica, é representativa a quantidade de portadores e usuários de telefones móveis.17 São duas mídias distintas. Porém, elas operam com a transmissão de bits passí-veis de leitura compartilhada, condição suficiente para colocar as mensagens em circulação e a disposição para o acesso.

17Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 95% dos lares brasileiro têm aparelho de televisão. Em relação aos telefones móveis, em 2008 já eram mais de 125 milhões de aparelhos ativos, embora a maior parte deles operando pelo sistema de pagamento adiantado. O país tem cerca de 150 milhões de habitantes. Em relação ao rádio, as estatísticas que contabilizam a posse de rádios não são nada precisas, especialmente quando se trata o rádio digital, cuja im-plantação ainda não está na agenda do dia.

197Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Mas o processo não é tão simples assim. Há que se investir na investigação dirigida à produção desses conteúdos a serem compartilhados na ação transmídia, o que começou a ser feito a partir da criação do Centro de Excelência em Pro-dução de Conteúdos Digitais no Brasil, em dezembro de 2008, durante o Seminário Internacional de Inclusão e Produção de Conteúdos Digitais Interativos.

Esta ação compreende ainda a demanda da alfabeti-zação digital dos produtores audiovisuais em atividade e dos futu-ros atores do setor, sem perder de vista a possibilidade do acesso de especialistas e não especialistas do setor, proposta através do canal de retorno da TVD-T e das outras mídias já consolidadas.

Experimentando a oportunidade de acesso

Ao perceber as brechas que a convergência abre nos cerrados sistemas de comunicação eletrônica, descobre-se uma das trilhas para experimentar a ampliação dos conhecimentos do fazer audiovisual. Para tal, nada melhor que observar os recursos empregados para a realização de outros produtos desta categoria, difundidos em outras mídias e distintos ambientes, para provocar o aprendizado em direção aos conteúdos transmidiáticos.

A primeira brecha de comunicação transmidiática está consolidada na internet, a partir da difusão de conteúdos audiovisuais em ambientes como o You Tube e nos portais que mesclam jornalismo e entretenimento.

No primeiro, a postagem dos vídeos realizados em diversas condições, produz um tipo de consumo customizado. Se-melhante ato de assistir televisão, apesar de se tratar de condições técnicas muito diferentes, o usuário encontra imensa variedade de conteúdos audiovisuais a sua escolha e tem como montar a sua pró-pria grade de programas neste sítio. Essa grade (lista de exibição) pode ser enviada a outros usuários através do correio eletrônico, e os vídeos podem ser armazenados nas memórias dos podcast e de outros players, ou gravados em mídias fisicas (CDs e DVDs) para ser distribuída conforme a intensão do internauta.

198 Tecnologia, pra quê?

Os portais da internet, quando integraram os noti-ciários de TV na oferta de conteúdos, realizaram a ação transmi-diática, ao potencializar a difusão dos conteúdos de seus depar-tamentos de jornalismo. Essa distribuição das notícias, com a oportunidade de envio de mensagens para outras plataformas, a exemplo das notas para telefones móveis, ampliou a abrangência dos informativos para audiências que não eram mobilizadas.

Nesses exemplos, há características estéticas coin-cidentes, uma vez que as mensagens audiovisuais, cujas técni-cas de produção seguem os modelos broadcast, são vistas em plataformas de uso individualizado e em suportes que descar-tam a necessidade de alta qualidade em termos de definição, tanto pelo tamanho da tela, quanto pelas condições de recep-ção dos sinais. São parâmetros contraditórios com a exigência da televisão contemporânea, mas indicam uma forma diferente de uso da tecnologia. Esta contradição terá que ser enfrentada pela TV, especialmente quando ela entra no ambiente digital de transmissão, o que proporciona esta distribuição de conteúdos a diversas plataformas.

Ao perceber esta multiplicidade de usos, as organi-zações envolvidas na implantação da TVD-T reconheceram o grande desafio que têm: desenvolver um novo modelo de ne-gócio para permitir a disseminação dos conteúdos nessa trans-posição de mídias, implicando em resolver questões da exclu-sividade de operação e a segmentação das telecomunicações, como é o caso brasileiro. E para alcançar tal objetivo, o usuário não deve ficar fora do processo, pois é nesta ponta onde se en-contram soluções práticas para a aplicação das TIC´s. É a trilha da ação colaborativa como um outro processo da produção in-dustrial (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007: 125- 188).

Além da contradição apontada acima, existe a pró-pria questão papel social da TV, tema que esteve na agenda de discussões do meio, desde que ele galgou seu lugar de rele-vância na sociedade contemporânea. Aspectos relacionados à participação das comunidades e à liberdade de expressão (BE-NEVENUTOJR, 2005; PERUZZO, 1998; 2007, entre outros)

199Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

reassumem os lugares de destaque na pauta da implantação desta modalidade de TV.

Preparar-se para o uso

As oportunidades de produção de conteúdos digitais transmidiáticos implicam em preparar os usuários para o uso das TICs, para além das suas iniciativas individuais. Implica tam-bém em agir na extensão dos serviços já oferecidos por diversas instituições sociais, como banco eletrônico (e-banco), governo eletrônico (e-governo), atendimento à saúde (e-saúde), educação a distância (EaD), entre outros. (BARBOSA F.; CASTRO, 2008: 141-156). A preparação do usuário se rascunha como uma ati-vidade a ser desenvolvida pelas organizações de ensino e de pes-quisa, especialmente quando estas participaram ativamente da construção do projeto brasileiro da TV digital terrestre.18

Seguindo essa trilha metodológica, para apropriar-se das brechas da realização audiovisual, a partir do acesso facilitado aos dispositivos de tratamento de imagens e sons, é necessário incluir um outro elemento no processo de aprendi-zagem: a alfabetização audiovisual. Isso decorre da cultura da imagem que compõe o conjunto intelectual da sociedade con-temporânea, que vive com a televisão a mais de quatro décadas e migra para os sites de relacionamento da internet.

Esta alfabetização implica também em disseminar as possibilidades e a crítica em relação ao audiovisual nos am-bientes digitais (BENEVENUTO JR, 2009), mobilizando indi-víduos e comunidades para a fruição dos dispositivos técnicos de produção e de comunicação, que inclui também a interati-

18Para chegar ao Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD), que mistura tecno-logia do ISBD-T japonês com as descobertas brasileiras, a exemplo do middleware ginga. Este sistema envolveu 104 universidades que desenvolveram pesquisas em parceria - ou consorciadas - com outros centros de desenvolvimento tecnológico, criando uma metodologia que consagrou a inter regionalidade além de permitir a construção do conhecimento de forma homogênea e assim enfrentar as disparidades da concentração desequilibrada dos avanços tecnológicos, observada no Brasil. (BARBOSA FILHO., CASTRO, 2008: 50)

200 Tecnologia, pra quê?

vidade nas diversas modalidades de operacionalização19. Pro-cesso permeado pelas questões da moral, da ética e da estética das mídias contemporâneas.

Nessa direção, o trabalho desenvolvido por acadê-micos de Comunicação Social da Universidade de Caxias do Sul (UCS) junto à uma escola municipal do ensino fundamen-tal de Caxias do Sul em 2008/2009, experimentou esta alfabe-tização ao disponibilizar o conhecimento e os processos da re-alização audiovisual como parte integrante da aprendizagem curricular, aplicando a transdisciplinaridade como ferramenta metodológica do processo.

O programa desenvolvido na Escola Municipal de ensino Fundamental Ramiro Pigozzi, localizada numa região socioeconômica bem diversificada (envolvendo situação de delicada vulnerabilidade social a condições de relativo confor-to econômico) foi desenvolvido como um dispositivo para re-duzir o preconceito que permeia os estudantes. A demanda foi apresentada pelos programas das disciplinas de História e Geo-grafia e acabou envolveu a Língua Portuguesa e Informática.

A ação dos professores da escola se localizou no âmbito da orientação e da pesquisa sobre as condições socio-econômicas do entorno da escola, no debate sobre direitos e deveres da cidadania, o reconhecimento da cidade enquanto espaço público e de construção da cidadania, entre outros con-teúdos. O conteúdo passou pela construção de textos, exerci-tando a prática da redação e, posteriormente, foi adaptado para a linguagem audiovisual, em oficinas coordenadas pelos aca-dêmicos da Comunicação Social, como atividade do Projeto Experimental - Comunidade.

O processo de alfabetização audiovisual envolveu também a prática de captura e tratamento das imagens e sons, optando pelos instrumentos alternativos ao alcance dos parti-

19Interatividade é um conceito em adiantado estágio de construção no campo da Comunicação Social. Em linhas gerais, interatividade aqui é entendida como a possibilidade de intervenção/participação da audiência na programação oferecida pelas emissoras através do canal de retorno que a tecnologia oferece.

201Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

cipantes (câmeras fotográficas e telefones móveis). Os encon-tros de registro do material bruto seguiram as demandas dos roteiros, feitos nas oficinas de realização audiovisual. A edição, feita com recursos oferecidos nos sistemas operacionais dos computadores, resultou nos trabalhos finais dos projeto (ví-deos entre um e três minutos) desenvolvido pelas disciplinas, usando o suporte audiovisual digital.

Para além da novidade metodológica no ensino-aprendizagem de História, Geografia, Língua Portuguesa e Informática, a inclusão da alfabetização audiovisual importou em algumas revelações de uma outra estética visual, possível com a disseminação dos equipamentos e com a digitalização da comunicação.

Espaço para outros olhares

O conjunto dos pequenos vídeos resultantes do processo de alfabetização audiovisual se apresentaram como produtos carregados com outra proposta estética. As interpre-tações das técnicas de realização audiovisuais, comuns a todos os participantes das oficinas, resultaram em duas edições que incentivam o debate sobre a quebra do paradigma broadcasting da televisão. São vídeos compostos por fotografias e imagens em movimento, capturadas com máquinas fotográficas digitais e dispositivos de telefonia móvel, cujo conjunto demonstram estas outras leituras do momento social, especial de indivíduos conscientes de seu papel cidadão.

Um deles, fundamentado numa singela pesquisa20 so-bre o sistema carcerário de Caxias do Sul, colocou em discussão as revistas corriqueiras nas celas e a descoberta de armas e outros artefatos pontiagudos manufaturados, estranhos ao ambiente pri-sional. O que chamou a atenção foi a estética proposta e as solu-ções encontradas para mostrar os objetos estranhos ao ambiente

20Tem-se que considerar que a pesquisa foi realizada por estudantes da sétima série do ensino fundamental. Apesar do acompanhamento direto dos orientadores do processo, a complexidade dos dados coletados tem que ser relavada ao grau de conhecimento dos autores.

202 Tecnologia, pra quê?

escolhidas pelos autores. Também se destaca a crítica social pro-duzida pelos adolescentes, ao escolher a trilha sonora da banda de rap Pavilhão 9, combinado com os textos exibidos na tela.

Noutro, em composição ao estilo de videoclipes, a mensagem produzida pelo grupo de estudantes contém ima-gens em travelling representando o reconhecimento de espa-ços de urbanização precária, instalada na região da escola. Este passeio da câmera pela área da urbanização, mostrando a tur-ma em excursão e as condições das moradias sob o ritmo de “caminhando e cantando e seguindo a canção” arranjada em harmonia atualizada dos rappers, constitui uma estética pró-pria do comportamento adolescente urbano, de classe média operária, com acesso ao mundo da comunicação digital.

A edição teve como fundamento a pesquisa sobre as condições de saneamento e de moradia, desenvolvida como atividade curricular do projeto de História e Geografia. A de-cisão de apresentar as condições de vida daquela sob a poesia e arranjo contemporâneos do rap fixam elementos da reinven-ção de uma estética, mais borrada que as imagens broadcasting, com sonoridade mais exposta aos ruídos, ao contrário da as-sepsia dos estúdios de televisão.

Impressões sobre a oficina

Durante a apresentação dos trabalhos finais do projeto de História e Geografia, desenvolvidos em conjunto com as oficinas de audiovisual, comentários animados sobre a importância dessa alfabetização foram frequentes. Os estu-dantes realizadores, mesmo com sua curta experiência de vida, perceberam a extensão do processo de construção audiovisu-al, que pode ser aplicada nas ações de comunicação privada nos sites de relacionamento e através do correio eletrônico. Na mesma medida, perceberam as aplicações destas técnicas em atividades profissionais, possibilitando a geração de renda.

Da parte dos universitários, estimuladores das ofi-cinas, “considerando a revolução que está causando a tecnolo-

203Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

gia na comunicação, pensamos num projeto para a disciplina que pudesse fazer uma interface entre sociedade, jornalismo e a produção de conteúdo responsável” (DINI, FURLANETTO, MACHADO, PICOLOTTO, VEIGA, 2009, p. 12) e elaborou-se um programa de atividades que oportunizasse essa outra alfabetização, pensando nas oportunidades que a televisão di-gital oferece, em projeto, de interação com a audiência, pois num momento em que a troca de informações se torna cada vez mais instantânea, sobretudo através da rede de internet, que abre espaço para a postagem de imagens de fotos e vídeos, captados, por exemplo, por uma máquina fotográfica, além de textos, é preciso repensar/reorganizar/reforçar o papel do jor-nalista frente à sociedade (DINI, FURLANETTO, MACHA-DO, PICOLOTTO, VEIGA, 2009, p. 12).

Os níveis de satisfação observados durante o desenrolar das oficinas, bem como na apresentação final dos traba-lhos (feita em sala de cinema, com projeção em tela gran-de) contaminou os professores do ensino básico e aqueles que estiveram na coordenação dos trabalhos. Foram eles, também, que sustentaram a continuidade das ações para semestre seguinte, além de incentivar os universitários a realizar ações semelhantes junto à comunidade em geral, na perspectiva de qualificar a realização audiovisual diri-gidas aos canais comunitários da televisão a cabo.

Tecendo conclusões

As brechas para difundir conteúdo audiovisual no

ambiente digital de comunicação escancaram a demanda para o fomento à realização, destinado a diversos grupos, sem reservas. Ao mesmo tempo, acende a discussão a respeito da estética da convergência, tema que merece uma demorada discussão, tanto no âmbito teórico, como no prático, tendo em vista os significati-vos impactos provocados por ambientes como os sites de relacio-namento e os vídeos armazenados na internet.

204 Tecnologia, pra quê?

Percebe-se a premência desse debate tanto na re-sistência apresentada pelos operadores da televisão quando o assunto é a transmissão simultânea de diferentes conteúdos e, especificamente, sobre o canal de retorno, o qual permite a in-tervenção direta da audiência, como na procura acadêmica de elementos que subsidiem as explicações da comunicação con-temporânea. É apenas uma das inúmeras constatações que a caminhada da convergência vai provocar na sociedade.

Na mesma linha, cabe refletir sobre as possibili-dades de construção dos conteúdos a serem distribuídos para os vários modos de sintonização que o sinal digital permite. E neste ponto está um dos principais focos para a pesquisa da comunicação social dirigir suas luzes. Mais ainda quando se percebe a grande quantidade de brechas a serem ocupadas por produções (neste caso, audiovisuais) comprometidas com a construção de indivíduos investidos dos direitos e deveres da cidadania e com a capacidade de distribuir as informações importantes para alcançar essas credenciais.

A convergência digital oferece as entradas para esta outra condição cidadã, mas para isso, é necessária a alfa-betização para fruição dos meios de comunicação. Ela começa com a possibilidade de capacitar parte desse público a produzir seus próprios conteúdos comunicacionais e, ao mesmo tempo, difundindo o conhecimento no ambiente digital.

Outra constatação: a partir desse acesso fácil aos meios da realização audiovisual, percebe-se o recente movi-mento das próprias emissoras no sentido de incentivar a entra-da de outras imagens em sua grade, seja através de concursos informais (jogadas inusitadas em canchas esportivas espalha-das pelo país; escolha de conjuntos musicais para apresenta-ções em programas dominicais; mensagens e até mesmo re-portagens) ou em transmissões diretas de áreas de conflitos internacionais, garantindo a cobertura jornalística dos fatos. Essa quebra do paradigma de padrão de qualidade de imagem na televisão brasileira prenuncia a oportunidade de conteúdos mais abrangentes nas telas da televisão digital.

205Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

A prática da comunicação rápida é uma demanda característica do estágio contemporâneo do capitalismo. De um lado, a sustentação da economia e da produção pulveriza-das em territórios distintos e distantes impõe a presença de um sistema eficiente de contato entre os centros de decisão e de ou-tro, a implantação desses sistemas só é viável quando eles são usados em toda sua potencialidade. Nesse esquema, a abertura para o uso coletivo dos instrumentos de comunicação se apre-senta como uma fórmula para sustentar seu funcionamento, abrindo as brechas para o exercício de processos comunicacio-nais de construção da cidadania e de direitos sociais.

É possível enxergar uma contradição nesse qua-dro, quando se observa a função que demandou a existência de complexos e ágeis meios de comunicação: eles existem para dar suporte ao desenvolvimento do capital e, ao mesmo tempo, se apresentam como importantes operadores de mobilização distinta ao aporte para o avanço capitalista. É uma contradição que não vai encontrar solução. Principalmente em função do financiamento dos próprios sistemas.

Junto a essa condição, a oferta de equipamentos de captura de imagens e sons nas últimas décadas, especialmente a partir da convergência digital, está em diversas plataformas, como computadores, telefones, palm, tablets, entre outros. Com isso, a realização audiovisual ocupa o patamar de acesso simplificado.

As ofertas e brechas de comunicação a partir da con-vergência digital demandam a mobilização da pesquisa para in-vestigar estas novas linguagens e os usos oferecidos pelas TICs, a exemplo da interatividade na televisão digital.21 A busca da diver-sidade de conteúdos e de usos sociais, que ocorre empiricamen-te com o usufruto das TICs, carece ser investigada, pois entre as oportunidades se encontram, por exemplo, os acessos à educação

21Esse tema está na pauta dos debates dos protagonistas do SBTVD. De um lado, as autoridades governamentais querem que o operadores ofertem a interação emissores-audiência. De outro, os operadores resistem entrar nesse ambiente, alegando aumento dos custos operacionais e a falta de financiadores dessa opção. É uma discussão que perdurará para além dos prazos de implantação da TV digital terrestre no Brasil.

206 Tecnologia, pra quê?

e à cultura (EaD e e-cultura), elementos essenciais à cidadania. É importante recordar que a comunicação digitali-

zada abre a circulação dos conteúdos em múltiplas plataformas, com distintos tamanhos de telas, de modo e de tempos de uso. Se a preocupação com os conteúdos audiovisuais esteve na pauta das investigações que definiram as grades de programação da televisão analógica, com a migração para o ambiente digital, as pesquisas têm que considerar estas diferenças, bem como aportar as capacidades de interação produtores-operadores-usuários.

Conjuntamente ao processo de organização da nova pauta de atividades curriculares (movimento que é percebido em organismos executivos das políticas educacionais, mas ainda não está disponível aos estudantes), cabe às instituições da sociedade civil a tarefa de desenvolver programas que operem na capacitação de indivíduos comunicadores digitais, com o fim de evitar a exclu-são de grande parte da sociedade dos acessos às informações.

A dificuldade de integrar-se ao ambiente das TICs é resultado de uma série de fatores, que vão desde a cultura até a economia, além de depender das condições estruturais das redes de telecomunicações. No Brasil, a ausência de vários gru-pos sociais no ambiente das TICs tem relação com as condi-ções econômicas para adquirir nos protocolos necessários aos acessos a ele. O custo das máquinas e o financiamento do aces-so (assinaturas, uso da rede de telefonia, etc) são dois obstácu-los mais relevantes para a entrada no ambiente digital. Apesar das previsões de crescimento da indústria digital, ainda existe grande distância entre usuários e as TICs.

A inclusão desses atores ao ambiente digital se rascu-nha com maior definição a partir da televisão digital, pois a televisão cobre 98% do território e ao digitalizar seu sinal, se apresenta como a oportunidade de distribuir gratuitamente os acessos às TICs.

Refletir sobre as possibilidades da comunicação di-gital, a partir das mudanças no panorama da televisão brasileira – e por que não no âmbito da América Latina – permite per-ceber boas oportunidades para a construção de cidadãos mais conscientes de seus deveres e conhecedores de seus direitos. Mas

207Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

para tal, a intervenção das instituições de governo e da sociedade civil precisam ser eficazes, tanto no que se refere à regulamen-tação do novo panorama comunicacional, como no âmbito da disseminação do conhecimento para fruir o espaço digital.

Ações como mobilizações sociais em defesa dos direitos e da liberdade de expressão, ocorridas à época das mudanças na Constituição brasileira, há mais de 20 anos, são importantes e carecem de maior atenção da própria sociedade. Na mesma escala de valor, a realização de oficinas de produção audiovisual e a disseminação do conhecimento técnico para o uso das TICs configuram na pauta das organizações da socie-dade civil para os próximos anos.

208 Tecnologia, pra quê?

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213Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

A Televisão no Rio Grande do Sul:

o início do analógico e as perspectivas digitais

Flavi Ferreira Lisboa Filho UFSM-RS

Breve Panorama da Tevê no RS

A televisão chegou ao Brasil na década de 1950, por iniciativa da cadeia de rádios e jornais “Diários e Emissoras As-sociados”, de Assis Chateaubriand. Segundo Jacks e Capparelli (2006, p.78), “Porto Alegre obteve sua primeira emissora em 1959, quando a TV Piratini, do grupo Chateaubriand, instalou-se na Capital.” A tevê ainda seguia a regulamentação do rádio, proveniente da década de 1930. Apenas, na década de 1960 é que foi criado o Código Brasileiro de Telecomunicações.

De acordo com Jacks e Capparelli (2006), nos anos 1960, o número de emissoras aumentou na capital do estado, já que em 1962 foi inaugurada a TV Gaúcha, que cinco anos mais tarde se filiou à rede Globo. Em 1979, a emissora passou a se cha-mar RBS TV1, quando foi criada a Rede Brasil Sul de Comuni-cações, e desde 1º de agosto de 2007, Grupo RBS2. Esse atua nos segmentos televisivo, radiofônico, impresso e virtual. Na tevê são a RBS TV RS e SC, a TV COM e o Canal Rural. No rádio são a Rede Atlântida e Rede Itapema FM no RS e SC. Cidade 92.1 FM, Metrô, Rádio Gaúcha, Rádio Farroupilha, Rádio Rural e CBN

1“(...) a emissora se propõe a enfatizar a cultura regional e a história do estado, destacar a diver-sidade cultural dos gaúchos e, também, fazer uso da simbologia gauchesca em suas produções.” (HINERASKY, 2003, p.12)2Segundo Hinerasky (2003, p.15) o Grupo RBS “(...) é o terceiro maior conglomerado de comuni-cação do Brasil e caracteriza-se por atuar em vários segmentos de mídia.”

214 Tecnologia, pra quê?

1340 no RS; CBN Diário em SC. Os jornais impressos no RS são Zero Hora, Diário Gaúcho, Pioneiro e Diário de Santa Maria. Em SC são Diário Catarinense, Jornal de Santa Catarina, Hora e A Notícia. Além dos portais Clic RBS e Hagah.

Além da TV Gaúcha – RBS TV –, a TV Difusora fez sua primeira transmissão no ano de 1969, essa de propriedade dos Frades Capuchinhos de Santo Antonio. Em 1974 é a vez da TV Educativa – RS, pertencente ao governo do estado e no ano de 1978, da TV Guaíba, da Companhia Caldas Júnior. Na déca-da de 1980 foi inaugurada a TV Pampa, filiada à Rede Manchete de Televisão (atual Rede TV). Em 1981, a TV Piratini perdeu o controle para o SBT – Sistema Brasileiro de Telecomunicações – e, em 1982, a TV Difusora passou a ser controlada pela Rede Bandeirantes. Em 2007 a Record comprou a Guaíba, mas a mu-dança é válida, neste primeiro momento, apenas para a capital. No interior do estado, a Pampa segue retransmitindo o sinal da Record e na região metropolitana ela afiliou-se a Rede TV, re-transmitindo o seu sinal. Por fim, aspecto marcante quanto ao contexto televisivo do Rio Grande do Sul foi também a entrada no mercado das tevês por assinatura.

Em Porto Alegre, a televisão por assinatura chegou em 1992, através da Globosat e, em 1993, esta empresa tendo dois mil assinantes na Região Sul (RS e SC), reordenou-se e passou a responsabilizar-se apenas pela programa-ção. Em seu lugar surgiu a Net Sul, (subsidiária da Net Brasil) constituída pela associação entre a RBS e as Orga-nizações Globo (JACKS e CAPPARELLI, 2006, p. 85).

A RBS entrou no sistema de tevê por assinatura em 1993 e, em 1995, inaugurou a TV COM. No ano de 1998 a emissora adquiriu o canal Rural, da Rede Globo. De acordo com o quadro de canais oferecidos em Porto Alegre pela Net Sul, no ano de 1997, bem como suas respectivas programações e programadores, exposto por Jacks e Capparelli (2006), pode-mos verificar que seis dos canais oferecidos tinham programa-

215Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

dor local. No canal Guaíba o programador era Caldas Júnior e exibia ficção, noticiários, documentários e informativos; no TVE-POA, o programador era o Governo Estadual e exibia educativos, infantis, noticiários e informativos; no canal Rural o programador era RBS e exibia informativos rurais, educati-vos, musicais e noticiários; no Comunitário, o programador eram as Entidades Sociais e exibia noticiários e informativos; o canal 20, programado por Entidades Privadas exibia informa-tivos e publicidade; e a TV COM, também programada pela RBS exibia noticiários, informativos, entrevistas e debates.

Esse panorama ajuda a entender que a RBS TV não tem mais tanta hegemonia no estado e divide espaço com ou-tras emissoras que buscam consolidar sua programação local3. Contudo, a Rede Globo e suas afiliadas garantem um índice de audiência maior.

Com base em dados disponibilizados pelo IBOPE (2008, on-line), traçou-se uma projeção nacional da audiência dos cinco programas com maior pontuação nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro das emissoras: Bandeirantes, Globo, Re-cord e Rede TV. Para elaboração do cálculo desenvolveu-se o seguinte raciocínio: somar a audiência domiciliar, dada em por-centagem, dos cinco programas mais assistidos, de cada emisso-ra, em cada estado e dividir por igual número. Depois somar a média da audiência por emissora, obtida no cálculo anterior, em SP e RJ e dividir por dois. O resultado aponta em disparado para a Globo com 32,4%; seguida da Record com 13,7%; do SBT com 10,3%, da Bandeirantes com 5%; e da Rede TV com 4,1%.

As emissoras de tevê aberta RBS TV, TV COM, Re-cord RS, Pampa e SBT produzem e transmitem diariamente, com exceção de domingo e, em alguns casos, de sábado, os te-lejornais regionais.

3Talvez, em decorrência deste fato é que a RBS TV, especificamente a partir de 1999, mudou parte da programação. Segundo Hinerasky (2002, p.17), “Foram criados e produzidos novos progra-mas, de diferentes temáticas. Considerando a produção estadual, constata-se que, em geral, na década de 90, a representação do gaúcho da Campanha passou a ter menos destaque, apesar de manter em espaço diferenciado. Houve um aumento da valorização das questões jovens e urba-nas e a introdução da dramaturgia na programação.”

216 Tecnologia, pra quê?

Na TV COM4 são cinco telejornais, na RBS TV5 e na Record6 são três, um em cada turno. A Pampa7 e o SBT8 apresentam um programa de telejornalismo, sendo transmiti-dos ao meio dia. Além dos telejornais, são apresentados e pro-duzidos pelo grupo RBS programas regionais de variedades como: Campo e Lavoura, Vida e Saúde, Anonymus Gourmet, Patrola, Curtas Gaúchos, Histórias Extraordinárias, Especiais, Histórias, Gente da Noite, Conversas Cruzadas.

Em todos os programas existem elementos peculiares à cultura sul-rio-grandense, contudo não na sua forma mais tra-dicional. Encontramos, nesses programas, marcas presentes nas falas, no sotaque, bem como nos cenários do estado, nas pessoas representativas em comunidades locais, entre outros. Tudo isso re-flete nos conteúdos produzidos acerca da gauchidade televisual.

Os programas da TV COM e alguns do Canal Rural são produzidos regionalmente, mas, especificamente no caso do Canal Rural, transmitido em cadeia nacional. A TV COM é a úni-ca emissora do país com programação exclusivamente local.

Além das emissoras supracitadas, temos ainda no estado: Rede Pampa, TV Shoptour em Cachoeira do Sul, TV’s Universitárias, TV Nativa em Pelotas, ULBRA TV em Porto Alegre, MTV RS, TV Assembléia, entre outras.

Segundo Urbim9 (2006), a RBS faz o diferente que é igual, ou seja, falar de gaúcho para gaúcho. “Ela [refe-rindo-se a emissora] tem que ser regional e universal. É uma tevê feita para quem mora aqui. A gente quer que as pessoas

4Bom Dia Rio Grande; Jornal do Almoço, RBS Esporte, Jornal TV COM e Jornal da Meia Noite.5Bom Dia Rio Grande; Jornal do Almoço e RBS Notícias. Segundo Hinerasky (2003, p.5) “Desde os anos 1980, além dos telejornais, a emissora produz programas especiais que resgatam aspectos artísticos, culturais e históricos do Estado e são veiculados nos finais de semana.”6Rio Grande no Ar, Balanço Geral e Rio Grande Record.7Pampa Meio Dia.8SBT Rio Grande.9Alice Urbim, gerente de produção da RBS TV e da TV COM desde 1998. Os dados e informações descritos foram apresentados na palestra “Informação Televisiva: reportagem e documentário”, por ela proferida no curso de extensão em Televisão, na Unisinos, no dia 25 de setembro de 2006.

217Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

se reconheçam”. Perin (2006)10 diz que é necessário criar es-paços para dar vazão à produção regional. Por exemplo, de quatro curtas exibidos em 1999, na RBS TV, este número cres-ceu para 75 até 2006. Fora isso, o Núcleo de Especiais da RBS TV já produziu documentários com a parte histórica do RS, como: o “Continente de São Pedro” e “A Conquista do Oeste”. Produções essas que exploram o RS, mas que vão até o Pará, a Bolívia e a Guiana. O Grupo também veiculou as micro séries “40 Anos de Legalidade”; “50 Anos Sem Getúlio”; “Farrapos”, que são anuais. A emissora ainda apresenta as “Histórias Ex-traordinárias” contando fatos, lendas e mitos que existem na oralidade dos moradores do estado.

Outros documentários são, por exemplo, “Cinco Vezes Érico” e “Quintana: o anjo poeta”. Fazem parte da pro-gramação, também, musicais como “Teixeirinha Especial” e ainda: “Sete Pecados”; “Amor de Mãe”; “Fábulas Modernas” e os especiais de final de ano. Também a microminissérie “A Fer-ro e Fogo”, uma adaptação do livro Tempo de Solidão, de Josué Guimarães, que foi ao ar em três episódios e que teve como pano de fundo a imigração alemã no RS. Em setembro de 2007 começou a ser veiculada, depois do Teledomingo, a série “Es-critores Gaúchos”.

No ano de 2008, a RBS TV veiculou e produziu as minisséries “4 Destinos11” e “Pé na Porta12”. A série “Na Tri-lha dos Rios” que documentou os principais cursos de águas do Estado. A minissérie “Herança Farroupilha”, programa que trouxe depoimentos de descendentes de heróis de guerra e teve a participação especial dos atores Alexandre Cardoso e Vanise Carneiro. Teve a 8ª edição da série “Histórias Curtas” e o 1º concurso de “Mini-metragem”, do qual foram selecionados oito

10Gilberto Perin é jornalista e dirige o Núcleo de Especiais da RBS TV, dos programas que são vei-culados nos sábados às 12h20min e nos domingos às 00h20min. Dados provenientes de palestra proferida por ele sobre “Realização Televisual” no curso de extensão em Televisão, na Unisinos, no dia 09 de outubro de 2006.11A primeira minissérie em HD produzida em conjunto por dois estados do sul, RS e SC. Filmada nas cidades de Blumenau, Florianópolis, Caxias do Sul e Porto Alegre. 12Minissérie adolescente de cinco capítulos que se passa apenas em um apartamento.

218 Tecnologia, pra quê?

vt’s para produção e exibição. Os documentários “Mistério Far-roupilha” e outro sobre o ambientalista José Lutzemberger. O programa “Viagem à Terra do Papai Noel” e as séries “Primeira Geração” (ficção) e “Viajantes”, elaborada a partir de roteiros de estrangeiros que percorreram as fronteiras e os caminhos culturais e geográficos do Rio Grande do Sul.

Esses programas, sem dúvida, trazem marcas da gauchidade, como referimos anteriormente, pelo linguajar, pelo sotaque, pelas paisagens, pelos personagens ou pela temá-tica regional, contudo muitos deles são especiais ou séries, por-tanto, que não tem continuidade. De qualquer forma eles estão compondo, juntamente com outros programas, a gauchidade construída pelo Grupo RBS. Outros produtos midiáticos que tem periodicidade diária ou semanal se destacam por priorizar em sua pauta, por exemplo, a informação, focando-se no lo-cal e tangenciando aspectos da cultura regional, que propiciam processos de identificação com o regional.

Quanto à Tevê Digital

O conceito de televisão digital foi criado no Japão, quando iniciaram a conceituação de Alta Definição. Entretan-to, a nova tecnologia demandava um alto custo, motivo pelo qual as pesquisas ficaram paradas por quase duas décadas. Ao final desse tempo, grandes transformações no mundo da tec-nologia estavam ocorrendo, como o uso da internet amplifica-do, os avanços na decodificação multimídia e o surgimento de monitores de plasma.

Frente a essas transformações, o próprio conceito de TV Digital precisou ser repensado, pois não poderia ser simples-mente um novo tipo de televisão via monitor. A nova forma de estruturar a televisão deveria integrar-se às plataformas e estru-turas interativas da rede mundial dos computadores.

Além do Japão, Estados Unidos, Europa e China entraram na concorrência, devido ao mercado de tecnologias estar fortificado. Todos buscaram aperfeiçoar o seu conceito

219Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

de televisão digital, buscando patentes do negócio. Os Estados Unidos, em 1995, conseguiram a patente da TV Digital, mas ja-poneses, europeus e chineses seguiram em busca de aprimorar seus próprios métodos.

Os padrões da televisão digital englobam os mode-los norte-americano, japonês, chinês e europeu. Eles diferem devido ao contexto de aplicação e às tecnologias escolhidas. Mas, em geral, as inovações criadas por todos são a modulação digital de sinal, o que eleva a qualidade da imagem e do áudio, a mobilidade, a maior definição de imagem, o High Definition TeleVision – HDTV e a portabilidade, que permite a sintonia de sinais de TV em qualquer aparelho telefônico móvel. O mo-delo escolhido para o Brasil, em 2006, foi o modelo japonês.

Marcelo Zuffo, em documento enviado ao presiden-te da República13, aponta os benefícios da implantação da televi-são digital no Brasil. Segundo ele, ela possibilitaria a inclusão so-cial e digital, já que a ferramenta oferece isso, de novos serviços de aplicação de telecomunicações, baseados na interatividade, a possibilidade de uma operadora de televisão poder oferecer pro-gramas diversificados simultaneamente e, também, a definição de áudio e vídeo teria qualidade ampliada. Ainda,

Teoricamente, a televisão digital pode proporcionar, na re-lação dos usuários com as operadoras, e dos usuários entre si, um grau de interatividade similar ao oferecido por uma rede de computadores. Em geral, o que se entende por interatividade, nesses sistemas, é a faculdade de as opera-doras de televisão ofertarem recursos e opções para os es-pectadores selecionarem aspectos ou detalhes de progra-mação de seu interesse, associados a um cardápio maior de serviços opcionais, a escolher. (ZUFFO, 2011, p. 2)

13Documento em que o coordenador do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Po-litécnica da USP, Marcelo Knorick Zuffo, expõe os motivos para a implantação da TV Digital no Brasil ao Presidente da República. Disponível em: <http://www.lsi.usp.br/~mkzuffo/repositorio/politicaspublicas/tvdigital/DTV_motivos.pdf>.

220 Tecnologia, pra quê?

Em 2006 o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto presidencial nº 5.820, “que es-tabeleceu as diretrizes para a implantação da TV digital no Brasil, e que definiu a escolha pelo padrão tecnológico japonês como base desta nova modalidade de televisão” (SCHIEFLER, 2008). Já no decreto nº 4901, de 2003, o artigo primeiro versa sobre as finalidades da televisão digital no Brasil:

Art. 1º Fica instituído o Sistema Brasileiro de Televisão Digital SBTVD, que tem por finalidade alcançar, entre outros, os seguintes objetivos: I - promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação; II - propiciar a criação de rede universal de educação à distância; III- estimular a pesquisa e o desenvolvimento e propiciar a expansão de tecnologias brasileiras e da indústria na-cional relacionadas à tecnologia de informação e comu-nicação. (BRASIL, 2011)

No dia 2 de dezembro de 2007 foi outorgada a pri-meira concessão de TV Digital para a TV Unesp, da Universi-dade Estadual Paulista. Segundo Yvana Fechine (in: FREIRE, 2009, p. 140) O contexto da transmissão dos conteúdos muda e, com ele, a programação deve seguir no mesmo caminho.

A possibilidade de captação de produtos audiovisu-ais em telefones móveis ou em aparelhos portáteis (como o note-book), juntamente com a questão da interação, muda o panorama de recepção. Os usuários poderão acessar a conteúdos específi-cos e escolher a programação que desejam assistir. Grandes ex-pectativas recaem sobre o ponto chamado “canal de retorno”, pelo qual os usuários interagem com a programação, numa espécie de feedback que vai além, pois o envio de conteúdo também pode ser realizado. O canal de retorno possibilita a comunicação bi-direcional entre usuário-emissor e poderá aparecer integrado ao

221Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

próprio aparelho de televisão, dispensando o uso de celulares ou computadores com internet (FECHINE, 2009). No Brasil, a im-plantação da TV Digital interativa ainda não foi concretizada e, à medida que surgem discussões sobre o tema, pontos conflitantes são levantados tanto em relação às tecnologias a serem utilizadas quando à incerteza do futuro da televisão.

Após a criação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, SBTV, e o Decreto de 2006 sobre as diretrizes para a transição entre o modelo analógico e o modelo digital, iniciou-se um processo de modificação nas emissoras e posteriores concessões para transmissão do sinal digital. Hoje, o Brasil já possui 102 emissoras transmitindo digitalmente seu sinal. Elas cobrem 480 municípios, atingindo um total de 87,7 milhões de pessoas, segundo dados da ANATEL.

No Rio Grande do Sul, a transmissão em padrão digital teve início no dia cinco de novembro de 2008, pela emissora RBS TV. O sinal abarca a capital, Porto Alegre, e cida-des metropolitanas. Hoje, passados três anos, as outras cidades do estado ainda transmitem somente em sinal analógico, mas grande parte dos programas da rede Globo, emissora da qual a RBS é afiliada, e o programa Patrola, da RBS, já estão disponí-veis para serem assistidos em formato digital.

No dia dois de dezembro de 2009, a Record RS, da rede Record, começou a transmissão digital no Rio Grande do Sul e, no dia 11 de junho de 2010, Porto Alegre passa a receber sinal digital da Band RS, do Grupo Bandeirantes de Comunicação.

Desafios

Um dos pontos em que se coloca mais expectativa e otimismo é a questão da interatividade que a tevê digital pode oferecer. Uma emissora poderia dispor de uma multiplicidade de programas para que o espectador escolhesse. O espectador, nesse sentido, teria um canal de resposta imediato nos próprios aparelhos de televisão novos, que acoplariam, gradualmente, mecanismos que possibilitassem o feedback do seu público.

222 Tecnologia, pra quê?

Entretanto, passados cinco anos do início da implan-tação da tevê digital, o que se nota é, apenas, preocupação com as melhorias em som e imagem. As emissoras declaram as van-tagens do sinal digital em seus sítios mencionando tais aspectos. A interatividade, até então, não existe concretamente. O governo, por sua vez, coloca-se fora da questão, conforme disse o ministro das comunicações da época, em 2008, Hélio Costa: “quem tem que se ocupar da interatividade não é o governo”. Cabe, passados cinco anos do início de concessões para transmissão do sinal di-gital, explorar melhor os benefícios dessa ferramenta, articulando qualidade técnica com aperfeiçoamento interativo.

223Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Referências

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FECHINE, Yvana. A programação da TV no cenário de digi-talização dos meios: Configurações que emergem dos Realitys Shows. In: FILHO, João Freire. (org.) A TV em transição. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 139–170.

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JACKS, Nilda; CAPPARELLI, Sérgio (coords.). TV, família e identidade: Porto Alegre “fim de século”. Porto Alegre: EDI-PUCRS, 2006.

PERIN, Gilberto. Realização televisual. São Leopoldo, Exten-são Universitária, 09 out. 2006. Palestra.

224 Tecnologia, pra quê?

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SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Tv Digital: a nova ferramenta governamental para a inclusão social. Portal Jurí-dico Investidura, Florianópolis/SC, 08 Set. 2008. Disponível em: <www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direitoetecnologia/525>. Acesso: 24 Jun. 2011

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URBIM, Alice. Informação televisiva: reportagem e docu-mentário. São Leopoldo, Extensão Universitária, 25 set. 2006. Palestra.

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Capítulo IV

Games

Games studies: mapeando as pesquisas

na área de games no Brasil

Lynn AlvesUNEB / SENAI - CIMATEC

Breve contexto1

As primeiras tentativas de produzir videogames têm início em 1958 com a criação de um jogo de tênis desenvolvido por Wily Higinbothan. Contudo, o criador subestimou a poten-cialidade da sua invenção e não patenteou o seu invento.

Na década de sessenta, Ivan Sutherland defende sua tese de doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachu-sets - MIT, ao apresentar um desenho do que podemos consi-derar o primeiro sistema interativo em tempo real de criação de gráficos para computadores, dando origem ao precursor dos atuais geradores para produção de programas de multimeios e videogames.

Em 1962, Steve Rusell, outro estudante do MIT, criou o que seria considerado o primeiro videogame informático, o Space War, apresentado em uma tela de raios catódicos, o que foi um avanço significativo no conceito dos jogos eletrônicos. A concepção de console ou plataformas de videogames só surge em 1966, quando Ralph Baer desenha o primeiro protótipo para ser conectado a uma televisão doméstica, mas é a década de 1970 que marca o surgimento, nos EUA, de grupos de pesquisadores

1Um maior aprofundamento da história dos videogames, dentre outras fontes, pode ser visto em ALVES, Lynn. Game over: jogos eletrônicos e violência, Futura: São Paulo, 2005. No documentá-rio a Era do videogame, apresentado no Discovery Channel em 2007 e disponível no Youtube na URL: http://www.youtube.com/watch?v=P4Iq3ZR5TH8 Acesso em 26 de jul. 2010.

228 Tecnologia, pra quê?

oriundos das universidades californianas, que desenvolveram os computadores pessoais; isso ampliou e socializou o uso da infor-mática para além das grandes empresas (LEVIS, 1997)2.

Estes jovens passaram a utilizar o espaço de suas ga-ragens para criarem novos inventos na área, a exemplo de Steve Jobs, Steve Wozniak (colaboradores da Atari e posteriormente criadores da Apple), Bill Gates (Microsoft) e Nolan Bushnell (Atari), entre outros, o que favoreceu também a criação de uma nova concepção de games. Assim, inicia-se a história de um dos maiores segmentos da área de entretenimento, superando em nível de faturamento a indústria de cinema. Ao longo des-ses trinta anos os jogos eletrônicos, videogames, games, jogos digitais não importa o vocábulo utilizado para se referenciar a uma das mais atrativas mídias criadas no bojo da cultura da simulação, passaram por diferentes mudanças que vão desde questões da indústria, mercado, técnicas e pesquisas.

O século XXI vai marcar o delineamento do que po-demos denominar de sétima geração de consoles que inicia em novembro de 2005, com a criação do console Xbox 360, da Mi-crosoft, sendo seguido pelo PlayStation 3, desenvolvido pela Sony e o Wii da Nintendo em 2006. Esta geração de consoles é marcada pela capacidade de armazenamento, diversidade de acessórios que acompanham estas tecnologias, processamento gráficos, resolução, entre outros aspectos que favorecem a criação e desenvolvimento de jogos cada vez mais realísticos, com potenciais significativos de imersão, navegabilidade, jogabilidade, com narrativas cada vez mais complexas e graus diferenciados de interconetividade.

Todo esse cenário vem favorecendo a emergência de grandes empresas que atuam no desenvolvimento, publicação e distribuição destes aparatos tecnológicos. A indústria de games no mundo e no Brasil apresenta os seguintes players, segmentos:

desenvolvedores que envolvem os profissionais respon-sáveis pela programação, arte, design, roteiro e sonoplas-tia. Em jogos voltados para educação, especialistas com

2Tradução feita pela pesquisadora, como todas as demais tiradas dos livros em língua estrangeira.

229Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

formação nessa área. Assim, reúne uma equipe multire-ferencial que agrega distintas expertises, mas que encon-tra dificuldades para distribuir e comercializar os seus produtos, principalmente os jogos para celulares;

publicadora (publishers)3 onde estão os profissionais res-ponsáveis por viabilizar a venda/distribuição dos jogos pro-duzidos pelas empresas de pequeno porte que encontram dificuldade em tratar direto com os clientes, principalmente com as operadoras de telefonia celular que só tratam com os publishers. No Brasil, algumas destas operadoras também já vêm atuando como publishers, como a Oi, a Tim e a Claro;

distribuição – a distribuição dos jogos digitais para con-soles e computadores normalmente ocorrem em lojas es-pecializadas em informática e/ou jogos digitais, grandes livrarias, supermercados e pela Web (principalmente os jogos para celulares).

A dinamicidade desta cadeia de players disponibili-za diariamente no mercado nacional e internacional diferentes tipos de games, desde jogos casuais aos jogos Massively Multi-player Online Game (Jogos Online Massivos para Múltiplos Jo-gadores) - MMORPG, originando inclusive uma tipologia que cresce a cada dia, que são os jogos sociais que estão disponíveis nos ambientes dos sites de relacionamento como o FACEBOOK e ORKUT e que hoje atraem um público bem distinto dos joga-dores considerados hardcore (universo dos games significa jo-gador exímio, veterano e experiente). Os sujeitos que interagem com os jogos, principalmente o Farmville (FACEBOOK), são do gênero feminino, com faixa etária acima dos trinta e cinco anos, sem nenhuma experiência como jogadoras4.

3Uma lista das Publicadoras de videogames pode ser encontrada em http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_video_game_publishers. 4Este registro se fundamenta em observações empíricas ratificadas através de ZAGALO, Nelson. Novos Modelos de Comunicação Interactiva nos Jogos Sociais. In: O Seminário Jogos eletrônicos, Educação e Comunicação – construindo novas trilhas, UNEB, Salvador – Bahia, 06/05/2010 a 07/05/2010

230 Tecnologia, pra quê?

Mas por que os jogos atraem diferentes tipos de pessoas? Essa é um questionamento que vai delinear a emer-gência de outro player na área de jogos eletrônicos: os pesqui-sadores. Com uma preocupação muitas vezes voltada, para o game over, isto é, após o processo de desenvolvimento, de publicação e venda dos games: o que ocorre nos processos de interação do jogador com esta mídia?

Os pesquisadores das áreas de ciências humanas e ciências sociais aplicadas, principalmente tem se debruçado sobre as distintas matrizes que permeiam as relações que são estabelecidas pelos jogadores e os games.

Os games saem do ostracismo

e entram na Academia

As investigações em torno dos jogos eletrônicos têm início em meados da década de oitenta, quando a Empresa Atari estava no seu auge enquanto uma importante publica-dora e distribuidora de games no mundo e no Brasil. Um dos primeiros trabalhos nessa linha foi o de Greenfield (1988) que abordava o desenvolvimento do raciocínio na era da eletrôni-ca, destacando a TV, os computadores e os videogames. Outra importante investigadora dessa década foi Turkle que com os livros O segundo EU – os computadores e o espírito humano (1989) e posteriormente A vida no ecrã – a identidade na era da Internet (1997) marca um diferencial nas investigações.

A partir desse período, os investigadores da Europa e Estados Unidos começam a divulgar resultados de pesquisas em torno dos jogos eletrônicos, desde questões relacionadas com a ludologia, narrativas, aprendizagem, dentre outros as-pectos. No que se refere aos ludologos podemos destacar os trabalhos de Aarseth (2001, 2005), Frasca (1998, 2003), Jull (2005) que defendem a premissa de que o estudo dos videoga-mes devem se constituir em uma disciplina autônoma, a “ludo-logia”, distanciando-se de quaisquer discussão que enfatize as questões relacionadas com a narrativa.

231Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Em uma perspectiva contrária, encontramos Murray (1999), Ryan (2004) dentre outros, que enfatizam as questões re-lacionadas com a importância da narrativa presente nos games. Para os narratologistas, estas mídias apresentam uma forma pecu-liar de contar uma história, assim como o cinema, as Histórias em Quadrinhos - HQs, os romances, entre outras linguagens.

No que se referem às pesquisas relacionadas com aprendizagem mediada pelos games, podemos dividi-las em dois grupos. O primeiro grupo utilizou como espaço de inte-ração, jogos digitais que apresentavam ambientes em duas di-mensões, narrativas mais simples, a jogabilidade, a interativi-dade e o realismo das cenas os aproxima dos jogos eletrônicos de primeira e segunda geração. Aqui podemos referenciar o trabalho de Antonietti et all (2002) na Itália, dentre outros.

Os pesquisadores que pertencem ao segundo grupo utilizaram em suas investigações os jogos que apresentam narra-tivas mais complexas, com níveis de interatividade, jogabilidade, interconectividade e realismo das imagens mais significativo, ga-rantindo ao jogador maior imersão no ambiente do jogo. Outro ponto importante nesse grupo é a utilização de jogos que fazem parte do universo dos jogadores, a exemplo do Harry Porter, Lara Croft, Deux Ex, Counter Strike, Warcraft, entre outros.

As investigações de Gee (2004), Schaffer (2005) e Johnson (2005) nos Estados Unidos, Mendes e Lacasa (2007) na Espanha, Torres, Zagalo e Branco (2006) em Portugal den-tre outros merecem destaque por realizarem pesquisas com os gamers5 que estão interagindo com jogos que não trazem con-teúdos pedagógicos de forma explícita.

Estas investigações no cenário internacional vão in-fluenciar e delinear esse campo de pesquisa nas universidades bra-sileiras, possibilitando a construção de um olhar diferenciado para o fenômeno cultural dos jogos eletrônicos, retirando-os do limbo.

Nesse contexto o Portal de Periódicos e o Banco de Teses e dissertações da CAPES tem um valor significativo para

5Expressão utilizada para referi-se aos jogadores de videogame.

232 Tecnologia, pra quê?

os pesquisadores que cotidianamente imergem nesse universo em busca de subsídios teóricos e metodológicos para construir o Estado da Arte dos seus objetos de investigação, bem como socializar os resultados das suas investigações.

Assim, imergindo no universo do Banco de Teses e Dissertações da CAPES (utilizando as palavras-chave: games, jogos digitais, jogos eletrônicos e videogames) foi possível ma-pear o percurso que os investigadores brasileiros vêm trilhan-do para retirar os jogos eletrônicos do ostracismo acadêmico, delineando-o, como um objeto sério, relevante e que demanda a construção de distintos olhares, indo além de leituras redu-cionistas e maniqueístas que são muitas vezes estimuladas pela mídia influenciando pais e especialistas quando analisam em-piricamente e de forma ingênua a relação dos seus filhos e alu-nos com o universo dos games.

Embora o Banco de Teses e Dissertações tenha como marco o ano 1987, a primeira pesquisa realizada no Brasil nes-sa área foi na Universidade Federal de São Carlos – São Paulo, em 1994, no mestrado de Educação. A pesquisadora Martinez6 teve o objetivo de estudar a relação criança-mundo, no uso do videogame, tomando a brincadeira como a principal atividade humanizadora deste sujeito. Esta investigação se constitui em um marco importante para os pesquisadores da área de game e cultura. É interessante registrar que dez anos depois na Univer-sidade Federal da Bahia – Salvador, no doutorado em Educação foi defendida uma tese que tem a expressão Game over, tam-bém no seu título, mas com a intenção diferenciada. Para esta pesquisadora a referida expressão foi utilizada por dois motivos. O primeiro para parafrasear os autores Corsos e Corsos (1999) que a utilizaram para se referir a sensação dos pais a chegada da adolescência dos seus filhos, isto é, o sentimento de impotência frente as emoções e situações que as duas gerações irão vivenciar durante esse período. E o segundo por conta da relação do tema com uma dinâmica presente no universo dos gamers, isto é, a

6Viviana Carola Velasco Martinez. “Game over”: a criança no mundo do videogame. 01/02/1994. 1v. 137 p. mestrado. Universidade Federal de São Carlos – educação. Orientador (es): Paolo Nosella.

233Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

chegada ao game over em um jogo resulta para o jogador um momento também de impotência frente aos resultados. Nesta pesquisa o objeto de investigação foi a violência presente no uni-verso dos games e como os jogadores a ressignificam e se existia uma transposição dos conteúdos apresentados para tela para o cotidiano destes sujeitos.

A década de noventa marca então o início das in-vestigações dentro das universidades, abrindo a caixa de Pan-dora. Os jogos passam a se constitui em um novo objeto de investigação que sinalizam tanto leituras apocalípticas, inte-gradas e finalmente críticas, na medida em que não reduzem o objeto a apenas um ponto de vista.

No período de 1994 a 1998, foram defendidas qua-tro dissertações de mestrado em Educação, comunicação e computação; duas teses de doutorado nas áreas de lingüística e de sociologia. As Universidades que abrigaram estes trabalhos encontram-se nas regiões sudeste (UFSCAR, PUC-SP, UFMG, USP e Instituto Pesquisa do Rio de Janeiro) e sul (UFSC).

A entrada do século XXI vai marcar o crescimen-to exponencial e crescente das pesquisas em torno dos jogos eletrônicos, apresentando no período de 2000 a 2008, um total de oitenta e sete trabalhos distribuídos em setenta dissertações, sendo uma profissionalizante e dezessete teses de doutorados, destacando as áreas de Educação (13 dissertações, uma delas profissionalizante e quatro teses), Comunicação (16 dissertações e 05 teses) e Computação (11 dissertações) que apresentaram números significativos de investigações. Ainda vale ressaltar que foi possível encontrar trabalhos nas áreas de Geografia (uma dis-sertação), arte e educação (duas dissertações), Educação Física (uma tese e uma dissertação), Informática (uma dissertação) e Design (uma dissertação) que indicam relação com a área de Educação, assim, percebemos que este campo de conhecimento é o que atualmente apresenta um maior número de trabalhos sobre o tema, com distintos recortes. Podemos supor que a imer-são dos alunos no universo da cultura digital e especialmente dos games, podem ter contribuído para despertar o desejo dos

234 Tecnologia, pra quê?

investigadores dessa área de conhecimento. Contudo, ressalta-mos ainda que apenas uma dissertação nesse período tratou da formação dos professores (2006)7 e os jogos eletrônicos, mas em 2009 foi defendida outra dissertação com esta preocupação8.

Outro ponto importante a sinalizar em relação do período de 2000 a 2008 é a posição geográfico onde foram realizadas as investigações envolvendo os games, que embo-ra ainda apresente números significativos nas regiões sul (14 trabalhos) e especialmente sudeste (61 trabalhos), coloca em crescimento a região nordeste com 11 trabalhos e um na região centro-oeste, especificamente em Brasília (UNB).

Tais dados podem estar vinculados as questões do mercado e formação inicial de mão de obra, isto é, a região sudes-te concentra uma percentual significativo de empresas e cursos de graduação (bacharelado e tecnológicos) na área de games. O mes-mo pode ser dito para a região Sul que além de cursos nessa área, abriga hoje o maior Pólo de Games do Brasil em Santa Catarina. Já Pernambuco apresenta também um pólo de desenvolvimento, as demais cidades evidenciadas na pesquisa (Salvador, Fortaleza, Te-resinha e João Pessoa) indicam um tímido desenvolvimento tanto no mercado quanto na formação inicial.

Contudo, o Estado da Bahia vem promovendo ações que intencionam implementar uma cultura de games de forma mais ativa. Estas ações que envolvem o governo do estado que se efetivam através de três eixos governamentais. O primeiro é a Rede Audiovisual criada em 2008 pela Secretaria de Cultura do Estado que reúne representantes de todos segmentos que produzem audio-visuais, inclusive games pensando e articulando ações em nível de formação, fomento e infra-estrutura.

O Parque Tecnológico que será inaugurado no pri-meiro semestre de 2011 já apresenta uma demanda por profis-7Dissertação de mestrado Jogos eletrônicos sob o olhar de mediadores do conhecimento – a virtualização do brincar na perspectiva dos professores de 3ª. E 4ª. Série do Ensino Funda-mental I de uma escola confessional de Maringá-Pr, de autoria de Luciana Grandini Cabrei-ra. Universidade Estadual de Londrina - Mestrado em Educação, sob orientação da Dra. Olga Ribeiro de Aquino, 20068Dissertação de mestrado Jogos eletrônicos e professores: Mapeando possibilidades pedagó-gicas, de autoria de Juliana Moura. UNEB-Mestrado em Educação e Contemporaneidade, sob orientação da Dra. Lynn Alves, Junho de 2008

235Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

sionais e empresas que produzam conteúdos interativos.E por fim a Fundação de Apoio a Pesquisa do Es-

tado da Bahia – FAPESB criou em setembro de 2009, o Game Cluster que como a Rede Audiovisual tem a intenção de articu-lar pesquisa e indústria na área de games.

Tais ações exigem formação e qualificação profis-sional, a criação de novas empresas na área e a existência de laboratórios compartilhados com tecnologias que subsidiem projetos de qualidade. Encontra-se em andamento a elabora-ção do projeto de infra-estrutura destes laboratórios que serão utilizados pelos institutos de ciência e tecnologia e empresas.

Paralelo ao crescimento de pesquisas acadêmicas na área de games foi possível também diagnosticar o surgimento de Grupos de Pesquisa cadastrados no diretório do CNPQ que tem em seus objetivos a ênfase nos jogos. Os primeiros registros têm início em 2002 quando foram criados dois grupos Computação Gráfica e Entretenimento Digital – FURB – SC, na área de computação e outro na área de Comunicação, o Comunidades Virtuais (UNEB). Abaixo o registro dos grupos encontrados no diretório até o dia 05/07/2010.

Nome do Grupo de Pesquisa

Ano de criação Área Estado

Indigente - UFBA 2004 Computação UFBA

Visualização, Simulação e Jogos Digitais 2006 Computação UFMS

Jogos por Computador 2006 Computação UFPIEdutainment 2007 Educação UTFPR

Informática 2009 Computação IFGoiano

Laboratório de Pesquisa em Computação Gráfica e Jogos Digitais

2009 Computação FUMEC

Humor, Quadrinhos e Games - GP-HQG 2009 Comunicação UFPB

Laboratório de Realidade Aumentada, Jogos Digitais e TV Digital

2010 Computação IFBA

Tabela 01 - Grupos de Pesquisa cadastrados no CNPQ. Fonte: Diretórios dos Grupos de Pesquisa - CNPQ

236 Tecnologia, pra quê?

Os resultados da busca no diretório de grupos de pesquisa cadastrados no CNPQ (utilizando as palavras-chave: games, jogos digitais, jogos eletrônicos e videogames, as mes-mas utilizadas no Banco de Teses e Dissertações) não corres-pondem a realidade das pesquisas realizadas tanto em nível de mestrado e doutorado, já que foi possível constatar a existên-cia de grupos que pesquisam e até desenvolvem games, mas não constam nesse cadastro ou não atualizaram os objetivos e linhas dos grupos existentes. Um exemplo, são as teses e dis-sertações defendidas na PUC-SP com ênfase na semiótica que tem os jogos como objeto, mas estão vinculadas a grupos de pesquisa não cadastrados ou desvinculados da área de games.

Outro ponto importante no diagnóstico realizado refere-se aos outros espaços utilizados pelos pesquisadores para socializar os resultados preliminares e/ou finais com a comuni-dade acadêmica. Mais do que os periódicos, os investigadores participam e intercambiam saberes em dois grandes eventos nacionais da área de games. O primeiro deles é o Seminário de jogos eletrônicos, educação e Comunicação: construindo novas trilhas criado em 2005 na UNEB e que se constituiu em um marco, pois foi o primeiro encontro da área de games que possibilitou que as investigações nas áreas de ciências sociais aplicadas e ciências humanas tivessem voz.

Outro grande evento é o SBGAMES – Simpósio Brasileiro de Jogos de Computadores e Entretenimento Digi-tal que se constitui em o maior da América Latina, criado em 2002 como WJOGOS e que apresenta três track s acadêmicos (Computação, Arte e Design e Cultura), sendo que o de Cultu-ra teve início apenas em 2007, devido ao crescimento das pes-quisas nessa área.

Outro track presente nesse evento é o da Indústria com o objetivo de manter sempre o diálogo entre a academia e este segmento no Brasil, que conta anualmente com a partici-pação das grandes empresas que desenvolvem games no mun-do, a exemplo da Sony e Microsoft.

Os dois eventos referenciados retratam o cresci-

237Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

mento das pesquisas na área de games e se sintonizam com os dados identificados no Banco de Teses e Dissertações da CA-PES. Para ilustrar esta afirmação, registramos a seguir o quan-titativo dos artigos apresentados no Grupo de Trabalho Jogos e Educação, nos seguintes anos: 2005 (04), 2006 (13), 2007 (13), 2008 (18) e 2009 (13).

Este seminário tradicionalmente ocorre na re-gião nordeste, com três edições que ocorreram em Salvador e apresenta inicialmente um crescimento significativo entre o primeiro e o segundo ano de realização no que se refere a tra-balhos selecionados para apresentação no Grupo de Trabalho de Jogos e Educação, mantendo-se com baixa variação nos três últimos anos. As edições de 2007 e 2009 ocorreram nas cidades de Campina Grande (UEPB) e Maceió (UFAL) respectivamen-te. As edições de Salvador foram financiadas pela FAPESB, a Fundação que apóia de forma significativa o desenvolvimento e pesquisa na área de games, através de editais vinculados a Diretoria Científica e Diretoria de Inovação.

Em contraponto, o track de Cultura vinculado ao SBGAMES com apenas três anos de criação, apresenta um crescimento exponencial no que se refere ao encaminhamento de trabalhos. Estes papers são analisados e seleciona-se uma média de no máximo 20 para apresentação no track .

No ano de 2009, no Rio de Janeiro, o SBGames foi realizado na PUC e contou com a presença de mil pessoas, apresentando um crescimento em relação aos anos anteriores. Vale a pena destacar os seguintes pontos:

a) track s de Computação (86 papers) e Cultura (89 pa-pers) foram os que receberam mais trabalhos para serem avaliados e apresentados a comunidade;b) crescimento de 117% de papers enviados ao track Game e Cultura em relação ao ano de 2008.

Estes dados apontam para a necessidade constan-te da academia de socializar e intercambiar os conhecimentos

238 Tecnologia, pra quê?

construídos através das pesquisas com os seus pares e com a comunidade da indústria.

De que lugar falam os pesquisadores

A análise preliminar das pesquisas em nível de mestrado e doutorado identificadas no Banco da Capes, nas áreas de Comunicação e Educação, apresentam suas reflexões tomando como ponto de partida a concepção de jogo apresen-tada por Huizinga (2001) e ampliada por Caillois (1999).

Na perspectiva de Huizinga, o jogo se constitui em uma atividade universal anterior à própria cultura, dado que esta, “mesmo em suas definições menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana” (2001, p. 3) e que os próprios ani-mais já realizam atividades lúdicas. Já Caillois (1990) embora admita a existência de um grande número de jogos em nos-sa sociedade, registra que não trazem grandes conseqüências para a vida real dos seres humanos.

Partindo destes clássicos para contextualizar o fe-nômeno os pesquisadores adentram no universo dos games studies estabelecendo interlocução com os autores Espen Aar-seth (2003, 2005, 2009), Janet Murray (1999), Gonzalo Frasca (2009) e Jesper Juul (2005), resgatando o debate entre narra-tologistas e ludologistas. No período de 2000 a 2005 essa dis-cussão foi marcada por perspectivas reducionistas, mas pos-teriormente superadas pelos pesquisadores brasileiros que sintonizados com Frasca (2009) e Juul (2005), não adotam uma posição ou outra, mas compreendem que os dois pontos de vista se completam e estão presentes no universo dos games da sétima geração.

Ainda no que refere aos estudos na área de games, podemos verificar a construção de um estado da arte, pelo me-nos em nível quantitativo, tomando como referência o Banco de Teses e Dissertações para contextualizar o objeto de estudo e indicar a necessidade e relevância do trabalho desenvolvido pelos pós-graduandos brasileiros.

239Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Outro ponto comum nas duas áreas é a discussão em torno da cultura e suas distintas perspectivas, isto é, a cultu-ra de convergência de Jenkins (2008) e sua ênfase na narrativa transmidiática, a cultura das mídias de Santaella (1996), as co-munidades virtuais de Rheingold (1997), as relações com o cine-ma a partir de Machado (1997, 2002). Ainda são referenciados autores como Kerchkove (1997), Lemos (2005), dentre outros.

Partindo deste aporte que subsidia e fundamenta o percurso teórico dos investigadores, cada pesquisa seguirá trilhas diferenciadas e em interlocuções diversas.

Outro ponto interessante para destacar é que, en-quanto as pesquisas da área de educação tendem a realizar in-vestigações empíricas em diferentes espaços de aprendizagem, o percurso da comunicação apresenta uma tendência mais te-órica, delineando pesquisas bibliográficas.

No caso dos investigadores da área de educação encontramos uma preocupação com as questões relacionadas a aprendizagem mediada pelos jogos. Para tanto, estabelecem diálogos com os autores: Gee (2004), Schaffer (2005), Alves (2005), Moita (2007), Johnson (2003, 2005), Turkle (1989, 1997), Greenfield (1988), além dos clássicos Piaget (1978, 1983, 1990) e Vygotsky (1993, 1994, 2001). Rushkoff (1999), Tapscott (1999) e Prensky (2007) subsdiam as discussões acer-ca das características da geração screenagers, geração digital e/ou nativos digitais.

Aqui neste texto destacaremos os autores Gee (2004) e Schaffer (2005) que de certa forma delineiam o que discutem os demais teóricos referenciados nas questões de aprendizagem.

Para Schaffer [et al]. “os mundos virtuais dos ga-mes são poderosos porque fazem o possível para desenvolver a compreensão situada” (2005, p. 106). Assim, os sujeitos que interagem com diferentes mídias vivenciam experiências em múltiplos contextos, podendo compreender complexos con-textos sem perderem a conexão entre as idéias abstratas e os problemas reais que eles podem resolver. Em outras palavras, aprende-se dando sentido e significado as informações que

240 Tecnologia, pra quê?

emergem da narrativa dos jogos, construída em parceria jogo / jogador.

Para Gee (2004) que realiza investigações em par-ceria com Schaffer, nos jogos eletrônicos os significados são sempre de situações específicas, conjugados, caracterizando significados situados e não significados gerais e muitas vezes desconexos, como muitas vezes fazemos na escola ou ainda na escolha de um jogo que traz um conteúdo de matemática, por exemplo, fora de um contexto.

Assim, levar o jogo digital e/ou eletrônico para o cenário escolar não significa pensar nesses artefatos cultu-rais para desenvolver os conceitos de matemática, outro para a aprendizagem da língua, outro para os processos cognitivos e finalmente um para o entretenimento. Afinal, não podemos “cansar as crianças”! Esta compreensão das tecnologias, das mí-dias digitais e suas representações é reducionista, contrária as perspectivas teóricas que discutem a presença desses elemen-tos nos distintos ambientes de aprendizagem, principalmente os escolares. Contrapondo-se também com as clássicas teorias psicogenéticas (Piaget, Vygostsky, Wallon, entre outros) que já existem há mais de cinqüenta anos e são exaustivamente dis-cutidas nos cursos de formação de professores. Quanto ainda precisamos caminhar para compreender que o lúdico deve es-tar presente nas situações de aprendizagem? Que a escola deve se constituir um espaço de prazer? Que devemos nos aproxi-mar do universo semiótico dos nossos alunos?

Uma trilha ainda a ser seguida passa pela forma-ção dos nossos docentes e como vimos anteriormente ainda se apresenta de forma tímida nas investigações evidenciadas no Portal. Como crianças e adolescentes, os professores preci-sam imergir nos âmbitos semióticos que entrelaçam a presença das tecnologias na sociedade contemporânea. Levar os jogos digitais para a escola por que seduzem os nossos alunos, sem uma interação prévia, sem a construção de sentidos, buscando enquadrar esse ou aquele jogo no conteúdo escolar a ser traba-lhado, resultará em um grande fracasso e frustração por par-

241Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

te dos docentes e dos discentes. Além de repetir um percurso trilhado na década de noventa quando os softwares educativos entraram nas escolas, principalmente brasileiras, como livros eletrônicos animados e em alguns casos hipertextualizados que logo foram deixados de lado.

A intenção não é transformar as escolas em lan houses, até por que são espaços de aprendizagem diferenciados e com lógicas distintas, mas criar um espaço para os professo-res identificarem nos discursos interativos dos games, questões éticas, políticas, ideológicas, culturais, etc que podem ser ex-ploradas e discutidas com os discentes, ouvindo e compreen-dendo as relações que os jogadores, nossos alunos, estabelecem com estas mídias, questionando, intervindo, mediando à cons-trução de novos sentidos para as narrativas. Ou ainda, apren-der com estes sujeitos novas formas de ver e compreender esses artefatos culturais.

Uma aproximação entre os docentes e os desenvol-vedores dos games e/ou jogos digitais pode também se consti-tuir em um segundo caminho desse percurso que aponta para várias vias sem ser excludente. Professores e desenvolvedores falam línguas distintas, mas podem juntos aprender a construir um diálogo que contemple essas diferenças, abrindo novas perspectivas na área de produção de jogos eletrônicos e digitais para o cenário pedagógico.

E por fim, compreender os jogos eletrônicos como fenômenos culturais que exigem a construção de distintos olhares, indo além de perspectivas maniqueístas como se es-tes elementos culturais fossem sempre os bandidos nas histó-rias que envolvem comportamentos violentos, sedentarismo, longas horas de interação com os jogos, desmotivação escolar, reprovação e evasão da escola. Estas leituras acríticas, constru-ídas a partir de um ponto de vista, reducionista restringem as possibilidades de diálogo entre os professores, os gamers/alu-nos e o universo dos games.

Assim, o delineamento de percursos entre os jogos digitais e aprendizagem, exige que mais uma vez, atentemos

242 Tecnologia, pra quê?

para o convite que já fazia Babin e Kouloumdjian (1989) no fi-nal da década de oitenta ao discutir a cultura audiovisual: fren-te ao novo, devemos imergir, nos distanciar e nos apropriar.

Ratificamos esse convite, a todos aqueles que estão envolvidos nos prazerosos processos investigativos que contri-buem para a consolidação de um novo saber.

E concluímos este artigo enfatizando a importân-cia do Banco de Teses e Dissertações da Capes no sentido de possibilitar que pesquisadores de distintas partes do mundo, especialmente o Brasil possa construir novos conhecimentos, socializando-os com a comunidade e subsidiando novas inves-tigações nos distintos campos do conhecimento, especialmente no que se refere aos games.

Outro aspecto importante é que a visão panorâmica oferecida pelo Banco de Teses e Dissertações permite que novos pesquisadores, busquem investigar novas perspectivas sinaliza-das nos trabalhos e/ou aprofundar as que foram iniciadas.

243Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

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Os Games Como Linguagem. Conceitos Para Contar

Coisas nos Jogos.

Marsal BrancoFEEVALE - RS

Introdução

Os games são uma das mais proscênicas formas de expressão dentro da gaveta que por conveniência rotulamos mí-dias digitais. Sua ubiquidade e seus modos de operação chamam a atenção dentro do universo da comunicação seja pela força de sua indústria como pelo poder de atração que exerce sobre os jovens. Como fenômeno de comunicação, os games sinalizam maneiras interessantes de proporcionar experiência midiática e formas de criar e expressar conteúdo. Os games lidam com a interatividade - de forma obrigatória -, a quase meio século, tendo como suporte uma indústria que apesar de altos e baixos, reuniu talentos, pesqui-sa e demais recursos para desenvolver uma das mais sofisticadas formas de comunicação digital contemporâneas. Especialmente para aqueles que acompanham os games nas últimas décadas, fica bastante evidente o impacto que esta indústria causa no ecosiste-ma da comunicação, sendo emulada das mais diversas formas por outras mídias e até mesmo sendo a base de conceitos de caráter vago e pouco claro, é certo, mas nem por isso menos importantes em seu uso, como gameficação e teoria do prazer.

O objetivo deste artigo é trabalhar alguns conceitos que explicam de que forma os games montam seu discurso. Es-sas formas de estruturação - que chamo estruturas discursivas, apontam em uma direção que podemos chamar linguagem dos games, ou seja, as regras de forma e expressão que regulam e caracterizam os jogos digitais.

250 Tecnologia, pra quê?

As estruturas discursivas apresentadas aqui fazem parte de um trabalho teórico mais amplo e dizem respeito apenas ao que chamo dimensão estética dos games que, conjuntamente com as dimensões lógica e tecnológica, atravessam todos os aspec-tos dessa mídia do ponto de vista comunicacional.1 O recorte des-te texto em particular, no entanto, deve ser articulado com outros conceitos que juntos irão compor a complexidade da linguagem dos jogos, como os ludemas e o uso dos aparatos tecnológicos, que afetam radicalmente a qualidade da experiência do jogador.

As estruturas discursivas são as regras de composi-ção dos discursos dos games. Irão operar seja na conformação do storytelling (Final Fantasy, WoW, etc) como também em jo-gos que não possuem as características formais que costumamos atribuir às narrativas (Paciência, Tétris, Bejeweled, etc). São qua-tro: missões, sintetização, funcionalidade e vetorização.

Missões

As missões são desafios apresentados pelo game que têm objetivos, obstáculos e resoluções próprios dentro da estrutura do jogo. São blocos de informação reconhecíveis pelo jogador porque detém um caráter de fechamento ou resolução quando o objetivo é cumprido. Toda missão deve ter um fi-nal - que pode ser alcançado ou não -, e seus objetivos podem independer dos objetivos finais do game. As missões cumprem funções lógicas dentro do jogo, constituindo blocos que aju-dam a compor a estrutura lógica e definir as regras de acesso. O cumprimento de seus objetivos traduz-se na obtenção de mais poder, prêmios ou acesso a novos lugares para o personagem. Normalmente, as missões costumam se apresentar como pe-quenas unidades narrativas dentro do jogo, constituindo partes ou episódios fechados dentro do plot. Normalmente as missões se encadeiam de forma a compor uma visão geral do univer-so proposto: para fazer com que o jogador conheça e explore

1Esta proposta teórico-metodológica está sistematizada em Jogos digitais. Teoria para uma mídia indisciplinada, Unisinos, 2011.

251Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

um determinado espaço de jogo e domine os sistemas de jogo, o game apresenta várias missões diferentes que, tendo ou não relações umas com as outras, obrigam ou condicionam o joga-dor a um reconhecimento sistemático da área e um aperfeiçoa-mento de suas habilidades. Nos games, as missões representam as principais unidades narrativas a constituírem suas histórias. São partes operacionais - a maneira de capítulos em um livro -, que tendem a ter uma coerência interna e a responder por objetivos específicos dentro da construção da narrativa.

São diversas as formas como as missões afetam a estrutura lógica do jogo e compõem a narrativa. O modo como cada jogo irá encadeá-las afeta de maneira fundamental sua jogabilidade. Muitas vezes, essa forma de encadeamento é tão importante que um jogo passa a ser referenciado - para fins co-merciais -, em função disto, como é o caso dos jogos de univer-so aberto, onde o jogador pode a qualquer momento explorar diferentes ações e engajar-se em diferentes objetivos sem que siga - necessariamente - uma ordem pré-determinada, optando por esta ou aquela missão conforme melhor lhe convier.

Fig. 01 e 02. Grand Theft Auto IV (Rockstar North, 2008) é um exemplo de jogo que se define pela forma como as suas missões se encadeiam. Existe uma linha narrativa geral - Nico Bellic, um imigrante iuguslavo que chega em Liberty City atraído por promessas de uma vida melhor -, mas o jogador pode escolher que missões vai realizar dentro do mapa da cidade.Fontes: http://www.shockya.com/news/wp-content/uplo-ads/grand_theft_auto_cell.jpghttp://1.bp.blogspot.com/_JJSSQzMXqVE/S-mUA6WaY2I/

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252 Tecnologia, pra quê?

As missões apresentam uma grande variedade de características seja em relação ao tempo, as suas regras de aces-so ou as suas funções. Algumas não afetam o objetivo do jogo enquanto outras são determinantes para o desenrolar da trama; podem ser compulsórias ou de livre escolha; ter como objetivo o aumento de poder ou o avanço da narrativa. Apesar de todas as missões se caracterizarem por seu sentido de ‘fechamento’ (início, meio e fim) cumprem funções e se comportam de ma-neiras específicas dentro do plot.

Em jogos como God of War (SCE Studios, Santa Monica, 2005) as missões são lineares: são colocadas de forma a serem jogadas em uma ordem específica e sem sobreposição de objetivos. Para chegar ao Olimpo e executar sua vingança contra Zeus, o personagem Kratos deve passar por todos os de-safios propostos em uma ordem específica. Cada missão deve ser concluída para que outra se inicie. Neste caso a conclusão de cada missão aproxima o jogador cada vez mais do final do jogo. Nos adventure games esta é a estrutura mais comum de encadeamento de missões.

Em GTA IV, existem missões concomitantes, que ocorrem ao mesmo tempo e sem ordem pré-definida, cabendo ao jogador decidir seu caminho dentro do jogo. Pode ‘avançar’ ou não o jogo no sentido de seu término narrativo ou simples-mente escolhendo desafios indefinidamente sem que haja uma mudança do status do personagem ou da narrativa. De fato, é comum encontrar jogadores que não se preocupam em ‘virar o jogo’, enfrentando o boss final, mas protelam o embate indefi-nidamente para permanecerem explorando o universo de jogo e completando novas missões. Em jogos como os da série Final Fantasy (Square Enix), os jogadores avaliam seu conhecimento e desempenho do jogo não em função de o terem terminado, mas em função da quantidade de missões e achievments que conseguiram descobrir e executar durante ele. Quanto mais missões executadas, mais eficiente o jogador. O próprio sistema de jogo é pensado em termos das recompensas que marcam a conclusão bem sucedida de cada missão, proporcionando ao

253Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

jogador acumular durante o jogo centenas ou milhares de tro-féus, itens, dinheiro e poderes com os quais vai provar seu nível de conhecimento e envolvimento com o jogo.

É importante enfatizar o caráter de ‘pontuação’ nar-rativa exercido pelas missões. Elas não apenas marcam acon-tecimentos de relativa ou extrema relevância dentro do jogo, como também servem de marcadores de passagem de tempo. O fechamento das narrativas de uma missão marca um avanço dentro da experiência de jogo, quer esse avanço se dê na dire-ção do final do jogo ou apenas como mais uma conquista de poder (mais experiência, dinheiro, itens, etc). Para o jogador é mais coerente medir o tempo de jogo em termos de missões do que cronologicamente. Um jogador de rpg, por exemplo, ao ser perguntado sobre a quanto tempo está jogando determi-nado título, tende a responder não em número de horas, mas a partir do seu nível. Ser level 85 no WoW, comunica mais que indicar o número de horas jogadas. As missões se convertem em unidades de tempo do game. Em Final Fantasy X (Square Enix, 2001) deve-se atravessar a enorme região desértica que fica entre Guadosalam e Macalania Forest, chamada Thunder Plains. Para transmitir a sensação de distância e perigo, suce-dem muitos desafios sem que o jogador encontre um lugar em que possa ‘salvar o jogo’, assegurando seu progresso. A traves-sia proporciona muitos desafios, e quando finalmente encontra uma store para descansar e salvar o jogo, têm a sensação de que muito tempo decorreu desde que partiu em viagem.

No exemplo acima, é importante notar também a existência dos checkpoints dentro das missões. Os checkpoints são pontos específicos dentro do espaço ou da narrativa do game que disparam no sistema a gravação dos dados e o status dos personagens e do mundo, de forma que em caso de mor-te do personagem principal, o jogador possa reiniciar a parti-da a partir daquele ponto. Este mecanismo de gameplay influi diretamente na sessão do jogo, na narrativa em igual medida na sensação de jogo, uma vez que cada checkpoint equivale a conquista de um ‘território’ da narrativa que está garantido ao

254 Tecnologia, pra quê?

jogador, mesmo que seu personagem morra na sequência.A maneira como as missões são propostas dentro

do jogo (em sequência, concomitantes, de livre escolha ou ar-bitrárias) influenciam diretamente a jogabilidade e a narrativa, constituindo partes estruturais da história narrada pelo game.

Sintetização

Um dos traços mais comuns na narrativa dos ga-mes é o caráter sintético de personagens, cenários e aconteci-mentos. Ao assumir a interatividade como um dos principais traços de sua experiência, via de regra assumem estratégias para não sobrecarregar o jogador com a necessidade de buscar informações acerca do mundo e dos personagens que apresen-ta. Isso ocorre porque, ao contrário de um livro, uma gran-de oferta de informações nos games tende a desviar o foco da jogabilidade em direção ao texto, ‘puxando’ o jogador do co-mando da ação para o papel de espectador/leitor tradicional. Isso fica mais evidente nas cut-scenes, nos textos que precisam ser lidos durante o jogo, nas informações que precisam ser ab-sorvidas para atingir determinado objetivo, etc. Não há dúvi-das que as informações contidas nesses blocos de texto podem desempenhar um papel fundamental na experiência do jogo (para o bem e para o mal) sendo muito utilizados em todo o tipo de jogos. Como maior vantagem, ajudam a contextuali-zar o jogador dentro daquele universo e fazê-lo entender como funciona. Por outro lado, a oferta dessas informações deve ser bem dosada de forma a não aborrecer o jogador que pode ape-nas desejar entender o que vêm a seguir para poder ‘voltar ao jogo’ e tomar suas decisões. Ao assumir que dar ao jogador o comando das ações é a principal arma de sedução dos games, os times de produção procuram entregar as informações de maneira menos intrusiva possível, evitando ao máximo que o jogador tenha que interromper o controle de suas ações para ‘ler’ ou ‘assistir’ uma história. Essa peculiaridade da linguagem dos games levou a adoção de soluções de estilo e discurso que

255Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

chamamos sintetização.Sintetização é a capacidade de comunicar as infor-

mações com a máxima economia, permitindo ao gamer absor-vê-las sem que tenha que empreender grande tempo ou esforço para isso. Se manifesta de diversas formas.

Uma das maneiras mais comuns é o uso das regu-laridades de gênero. As discussões sobre gênero trazem uma luz interessante sobre os games, uma vez que o uso de estereó-tipos parece ser uma norma geral de suas narrativas.

Para Bakhtin, o uso do gênero é uma das formas como se dá a alternância dos sujeitos falantes2:

...utilizamo-nos sempre dos gêneros do discurso, em ou-tras palavras, todos os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de estrutura-ção de um todo... Na prática, usamo-los com segurança e destreza, mas podemos ignorar totalmente a sua existên-cia teórica (BAKHTIN, 2000)

Pode-se dizer que as discussões sobre os gêneros narrativos, oriundas da literatura e do cinema dividem-se em três posições: a primeira considera problemático o uso do con-ceito porque reclama o espaço da criatividade dentro da narra-tiva. Esta, a criatividade, seria ‘coagida’ dentro de padrões mui-to rígidos (os padrões de cada gênero) e perderia, portanto, sua força criadora. A ‘verdadeira obra’ não se preocupa com o gê-nero, porque se faz, justamente, no que tem de único, singular e inigualável. Sob esta ótica, o gênero representa um grilhão que prende os movimentos do criador, e uma de suas principais conseqüências é, então, a homogeneização das narrativas. Ou-tra posição, oposta à anterior, representada por autores como TODOROV, defende o uso do conceito, reafirmando sua im-

2Bahktin se refere a existência de outros sujeitos falantes mesmo no ato da criação solitária. Ou seja: um escritor, ou em nosso caso um lead design, ao criar uma obra está todo o tempo dia-logando com o leitor/jogador, de quem pressupõe argumentações, respostas e ações ao conteúdo que está criando.

256 Tecnologia, pra quê?

portância como elemento de configuração narrativa, diálogo e mediação entre os agentes envolvidos na narração – sejam autores, leitores ou produtores de maneira geral. TODOROV reconhece, entretanto, a necessidade de fugir às antigas concei-tuações de gênero tal como foram desenvolvidas na literatura clássica (derivadas das raízes épica, lírica e dramática). Para ele, essas conceituações não dariam conta da diversidade de pro-cessos, mistura de códigos e soluções narrativas que caracteri-zam a produção contemporânea. Devem-se substituir as velhas formas por novas, condizentes com uma maneira diferente de conviver e lidar com os textos.

...os gêneros configuram-se como espaço de permanente mobilidade e transformação e podem ser qualificados como dinâmicos, móveis, capazes de incorporar as transforma-ções que historicamente se impõem. (BORELLI, 1996)

Embora atento às modificações contemporâneas ocorridas nos textos, TODOROV (1992) tem em mente a apli-cação do conceito restrito ao texto literário. Uma ampliação do alcance do conceito de gênero, entretanto, estende sua área de atuação para outros tipos de textos que fogem à literatura ‘tradicional’. BORELLI (1996) diz que a noção de gênero, da maneira como é vista pela literatura, é eclodida concomitan-temente ao surgimento da imprensa e ao desenvolvimento dos meios de comunicação de massa. O gênero, escapando aos li-mites da literatura, aplica-se a qualquer produto midiático e, através destes, por causa de seus processos e limitações espe-cíficas, alargam, misturam e negociam constantemente regras, sentidos e características.

Assim, o gênero funciona como uma matriz de sentido cujo propósito é servir de interface entre o produtor e sua narrativa e entre o consumidor e o produto. A configura-ção de cada gênero serve para guiar tanto o produtor quanto o consumidor em meio a um universo de escolhas. O gênero ‘cataloga’ o produto midiático, dizendo, de maneira sintética,

257Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

o que se deve esperar de determinada narrativa. Por mais cri-ticado que seja, estabelece, a partir da noção de contrato, uma série de premissas que ajudam a guiar as decisões do criador e as percepções dos usuários, colocando em jogo – ao mesmo tempo – exigências e restrições à narrativa.

No caso dos games, essa visão de gênero estabele-ce um contrato e um “guia de leitura” que ajuda o jogador a entender que tipo de coisas esperar de um jogo é quase uma norma. Os games têm variados gêneros, que são determinados tanto pelo seu conteúdo, pelas estratégias de mercado ou pela jogabilidade3, e cada um deles trás embutido suas normas de leitura cujo domínio por parte do jogador é importante. Es-sas normas ou regularidades encontradas nos gêneros permite uma economia muito grande nos esforços de comunicação de um game. Vejamos como isso acontece.

Ao iniciar World of Warcraft o jogador cria um per-sonagem. Apesar do game da Blizzard disponibilizar todo o tipo de informações sobre as classes de personagens, é fácil verificar que as escolhas feitas nesse momento inicial do jogo não são novidade para uma pessoa que já teve um prévio contato com o gênero fantasia. Reconhecem-se as matrizes de Tolkien4 na construção dos personagens bem como as matrizes de D&D5 (e todos os seus derivados) em suas lógicas de comportamento. Nas imagens abaixo, vemos a tela de construção de persona-gens mostrando os dois grandes grupos antagônicos Alliance e Horde e dentro deles seis raças: humanos, anões, orcos, elfos, goblins, etc. Ainda que as raças tenham atributos específicos em WoW, suas características principais remetem à tradição da literatura fantástica pós-Tolkien, desobrigando o jogador de - familiarizado com este tipo de personagens -, dedicar tempo e esforço para guiar suas escolhas. O jogador sabe o que é um

3Em Uma tipologia de games abordamos a dificuldade de uma classificação de gêneros nos games.BRANCO, Marsal Ávila Alves ; MAX, Cristiano . Uma tipologia dos games. Sessões do Imaginá-rio, v. 1, p. 33-39, 2006.4J.R.R.Tolkien, escritor de O Senhor dos Anéis.5D&D - Dungeon and Dragons. O primeiro e mais famoso sistema de role-playing game de mesa.

258 Tecnologia, pra quê?

anão e como pensa; que orcos e humanos são inimigos; que mortos-vivos são ‘do mal’; que elfos são requintados, etc. Para escolher o tipo de personagem, as opções recaem sobre os es-tereótipos do gênero: guerreiro, paladino, hunter, necromancer, etc. Um gamer sabe o que significa ser guerreiro não apenas pelas suas normas de conduta, mas inclusive pelas maneiras como ser guerreiro irá influenciar o gameplay: sobrevalorização dos combates, busca de equipamentos relacionados a guerra, exigências mínimas de força, destreza e resistência, etc.

O uso das normas do gênero serve aqui como es-tratégia de comunicação, permitindo ao jogador apreender o universo do jogo com mais facilidade e - isso é importante para o game design - sem retirar sua atenção do gameplay ao arras-tá-lo para momentos de leitura ou contemplação de cut-scenes tradicionais. Os estereótipos de gênero como os mostrados acima tendem a perder em profundidade, mas a ganhar legi-

Fig. 03 e 04 . A tela de construção de personagens de WoW. No centro, o detalhe das raças de personagens. A escolha de personagens é facilitada pela referência ao gênero fantástico, poupando ao jogador a necessidade de dedicar muito tempo de pesquisa para saber quais são as características de cada raça e no que sua escolha implicará no gameplay.

Fonte: Capturado diretamente do jogo em 31_05_2011.

259Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

bilidade imediata. Um guerreiro como os de World of Warcraft deve, sobretudo, melhorar sua performance de luta e aparatos de guerra, sem ter nenhuma necessidade de ter uma história ou passado de conflitos morais que o expliquem.

Assim, o uso do gênero é um atalho para uma melhor compreensão dos discursos dos games: ao comunicar através de formas pré-concebidas, o faz com maior velocidade e eficiência. Outra forma pela qual a sintetização ocorre é na busca por um discurso sem ambiguidade, voltado aos objetivos que o jogador tem de cumprir. As informações que compõem o universo de jogo e ajudam a estruturar a narrativa são mos-tradas da forma mais econômica possível, com textos curtos e diretos6. Pode-se ver isto claramente nas missões de WoW:

.

Fig. 05 e 06. Telas de missão em Wow. Fonte: Capturado diretamente do jogo.

Acima, à esquerda, temos a descrição de uma das missões de WoW. No campo superior diz: Acima: Pássaro é a palavra - Ache o Skystrider en-ferrujado dentro da Caverna Ironwing.Abaixo: Eu estou quase acabando de construir minha máquina dos sonhos: the Skystrider! A primeira Me-chanostrider voadora do mundo! Mas... Quando eu es-tava finalizando o trabalho em minha caverna secre-ta, minha outra criação ficou, er..., com ciúmes. Para começar, foi provavelmente uma ideia ruim dar aos pássaros mecânicos uma personalidade, mas ...

6 Obviamente existem excessões, como adventures de puzzles, por exemplo

260 Tecnologia, pra quê?

No campo Description, o personagem com quem o jogador está conversando fala de sua invenção e do infortúnio que teve. O texto, apesar de sintético, transparece um pouco de sua personalidade seja no uso de algumas palavras seja na he-sitação ao falar do ocorrido. Acima, no campo Bird is the Word, está descrito o que, na prática, o jogador têm que fazer para completar a missão. Muitos dos jogadores simplesmente leem esta descrição mais curta e observam - à direita -, em qual lugar do mapa deve encontrar o que foi pedido, sem se preocupar em saber nada mais que isso. Nota-se aqui que o roteiro do jogo é pensado de forma a se desenrolar com o menor esforço possí-vel do jogador para entender o que se passa. O que importa é ele saber o que fazer a seguir. Evidentemente, muitos jogado-res gostam das descrições mais detalhadas, lendo-as com inte-resse. Mesmo assim, não se pode dizer que os dois parágrafos propostos ajudem a compor com profundidade a história ou a psique daquele personagem. Na prática, os encontros e acon-tecimentos tendem a valorizar seu caráter funcional dentro do jogo: não é preciso ‘perder’ tempo mostrando detalhadamente a construção da amizade entre um personagem e outro, mas apenas informar que, a partir daquele momento, o personagem irá ajudar o outro na perseguição dos objetivos de jogo.

Um bom exemplo disso está em Final Fantasy XII. O jovem Vaan decide invadir o palácio real para roubar alguns tesouros e devolvê-los as pessoas do reino de Dalmasca. Ao che-gar na câmara do tesouro, encontra Balthier e Fran, que tam-bém estão tentando roubar os cofres do reino, mas em benefício próprio. Quando os alarmes soam e todos fogem, encontram Amalia, chefe da resistência, que está nas imediações porque quer assassinar Vayne, o novo cônsul imperial. Por contingên-cia, se unem para escapar dos perigos do subterrâneo da cidade. A partir desse encontro improvável viram amigos e aliados. Na prática, em apenas algumas horas dentro do tempo diegético do jogo, estes completos estranhos, movidos por motivos distintos (e até mesmo antagônicos) iniciam um relacionamento tão forte que passam a arriscar a vida um pelo outro e lutar pelos mesmos

261Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

objetivos. Em poucas horas, os estranhos celebram um pacto de amizade que resultará em uma mudança nos destinos do reino. Visto como uma narrativa do cinema ou da literatura, os acon-tecimentos de Final Fantasy XII carecem de qualquer sentido de verossimilhança, sendo considerados - se vistos com boa vonta-de -, ‘primos pobres’ dos folhetins. Mas é de se pensar que dentro do orçamento de produções milionárias como Final Fantasy XII a escolha dos roteiristas do game não tenha se dado de maneira aleatória, com a contratação de escritores pouco qualificados. As opções narrativas do plot de FFXII não apontam para um staff de produção desqualificado, mas antes para o fato de que a sin-tetização narrativa faz parte das histórias dos games. De fato a intenção aqui não é defender ou atacar a qualidade da narrativa nos games 7. Mas evidenciar que têm características e demandas

Fig. 07 e 08. “Eu não te conheço, mas vou te contar todos os meus segredos e vamos juntos arriscar a vida para salvar o reino”. Em Final Fantasy XII, achar aliados é funcional e necessário. Verosimilhança é dispensável. Fonte: http://i3.ytimg.com/vi/ii8-t0XfsQg/0.jpghttp://images.wikia.com/finalfantasy/images/1/1e/

Balthier_and_fran.png

7Duas são as críticas principais as análises das narrativas nos games. A primeira é analisá-las em termos da comparação com outras mídias, tais como quadrinhos, TV, cinema ou literatura. Ao desconsiderar a influência da interatividade sobre a narrativa, não é possível de fato analisar as narrativas dos jogos sem uma perda de sentido fundamental. O que na literatura pode ser ridículo, colocado em termos de interatividade pode assumir outros significados. A segunda é a recorrência de uma ‘defesa’ das narrativas dos jogos que opera ao jogar para o futuro um mo-mento em que suas histórias - hoje consideradas juvenis para a maior parte dos críticos -, terão a envergadura narrativa das outras mídias, alcançando os picos artístico/expressivos de ‘grandes obras’ de outras mídias. De uma forma ou outra, a armadilha é a mesma: faz-se a comparação de expressões narrativas essencialmente diferentes entre si.

262 Tecnologia, pra quê?

diferentes das de outras mídias, sendo uma das principais o foco não direcionado para a verossimilhança, mas para a entrega de ‘pacotes de informações’ claros e com pouca ambiguidade, que permitam ao jogador entender o que têm de fazer e qual a fun-ção de cada personagem, missão ou acontecimento dentro do jogo em cada momento.

Essa necessidade de condensar da maneira mais rápida possível as informações apresentadas não se restrin-ge apenas aos personagens ou aos acontecimentos, mas tam-bém se estende aos cenários, que são pensados e projetados de forma a fazer o jogador entender rapidamente em que tipo de lugar se encontra e de que tipo de habilidades vai precisar para sobreviver ali. Nos Eastern Kingdons de WoW existe um território chamado Badlands. Um jogador novato deve evitar entrar ali em função da existência de inimigos mais poderosos que ele. Para um personagem nível 20, por exemplo, uma in-cursão em Badlands é morte certa. Muita informação pode ser encontrada sobre este lugar dentro do jogo: personagens que falam sobre seus perigos e tutoriais a disposição do jogador. O site da Blizzard proporciona muita informação detalhada sobre o tipo de inimigos que ali residem, seu nível, mapas, etc. Ainda assim, o jogo é pensado de forma a proporcionar ao jogador o maior número de indicações de que aquele é lugar perigoso sem que o jogador tenha que demandar tempo e energia para entender isso. Na prática essas indicações entregam ao jogador a quantidade de informações necessárias (embora não exausti-vas) para que possa tomar decisões dentro do jogo e saber que, ao entrar naquele território, está entrando uma área potencial-mente mortal para ele.

263Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Fig.09 e 10. Podemos ver na imagem a esquerda o mapa geral de Loch Modan, território que faz fronteira com Badlands. A fronteira (na parte inferior da imagem) é marcada por um desfiladeiro intransponível. À direi-ta, o oficial responsável por cuidar da única ponte de acesso à Badland adverte sobre o perigo de morte ao atravessá-la.Fontes: http://2.bp.blogspot.com/__FCCM-KJkI0/TKZtJ5FwZII/AAAAAAAAAwI/3nD-9JjvDN4/s400/wow-guide-11.jpgCapturado in-game;

Temos por exemplo o mapa geral de Eastern King-doms, representando cada território com uma cor diferente. Em Badlands - para além do nome que já dá indícios óbvios ao jo-gador -, a cor escolhida é vermelha. Nas fronteiras de Badlands e Loch Modan (fig. 11), diferente de boa parte das fronteiras em que os marcos divisórios podem ser transpostos em qualquer lu-gar, um precipício intransponível separa um território do outro. Os sinais apontam perigo, mas não ficam aí: um jogador incauto, ao chegar na fronteira do precipício, avista do outro lado uma terra vermelha, árida, com algumas ruínas assustadoras aqui e ali. Mas se ainda assim insistir em penetrar o território, têm que atravessar a única ponte existente na parte norte do território. Ao entrar na ponte, entretanto, um personagem o adverte que está terminantemente proibido de atravessar e que à morte do avatar se seguirão as mortes de seus amigos e familiares que porventura o vierem procurar quando este não der mais notícias. Apesar da proibição, no entanto, o jogador está livre para atravessar. Des-sa forma, a partir de indícios claros aos jogadores do gênero, é

264 Tecnologia, pra quê?

possível entender, do ponto de vista do gameplay, o que significa uma incursão nas terras em Badlands. Ao jogador pode escapar a história do lugar, seu povo e demais características, mas en-tende perfeitamente a função que o cenário ocupa dentro pro-gressão narrativa do jogo, bem como sabe que, em determinado momento, quando estiver poderoso o suficiente, as missões irão encaminhá-lo naturalmente até os perigos de Badlands. De ma-neira sintética e econômica, as informações necessárias ao bom desempenho do jogador dentro do jogo foram passadas.

Como apontado aqui, a sintetização pode e se mani-festa de diversas formas. Mas seja no uso de frases curtas, persona-gens estereotipados (visual, psicológica e auditivamente), cenários exagerados e acontecimentos ‘forçados’, têm como função narrati-va fazer o jogador compreender da maneira mais eficiente e rápida o que deve fazer e qual a função cada personagem, cenário e acon-tecimentos cumprem dentro da narrativa e do gameplay do jogo.

Funcionalidade

Por funcionalidade referimos a tendência que elemen-tos narrativos e elementos lógicos têm de se mesclar, aproximando as duas dimensões e constituindo um dos aspectos mais interessantes do discurso dos jogos digitais. Nos jogos, os elementos tradicionais da narrativa buscam referir e responder a aspectos funcionais da es-trutura lógica de jogo. Por exemplo, a necessidade de deslocamento espacial em World of Warcraft é uma função da dimensão lógica8. Mas essa característica lógica se reveste de caráter narrativo, uma vez que têm também de respeitar as regras do universo ficcional proposto pelo jogo. Em WoW, o deslocamento entre os diferentes lugares em Eastern Kingdoms é feito de diversas maneiras: a pé, em uma montaria própria, por metrô, avião, grifos9 ou teletransporte. Do ponto de vista da dimensão lógica, cada tipo de viagem equi-vale à eficiência com que os personagens se deslocam de um lugar

8Dimensão lógica, estética e tecnológica: as três dimensões que caracterizam os games. Jogos Di-gitais. Teoria para uma mídia indisciplinada. Unisinos, 2011. 9Grifo é um ser mitológico voador com corpo de leão e cabeça de águia.

265Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

para outro: mais ou menos rápido, mais ou menos acessos à áreas remotas, etc. Ao mesmo tempo, do ponto de vista narrativo, é pre-ciso adaptar estes deslocamentos para que façam sentido dentro do universo ficcional. Não basta que um personagem se desloque desta ou daquela maneira (gameplay), mas têm que fazê-lo de forma a fazer sentido naquele universo (narrativa). Em Warcraft, as soluções criadas para traduzir isto na narrativa são inúmeras: os deslocamen-tos instantâneos são ‘embrulhados’ narrativamente na forma de ma-gias, executadas por personagens específicos; determinados lugares têm estações de aluguel de grifos, onde o jogador contrata o uso do animal para se deslocar mais rapidamente; se não tem dinheiro ou montaria, deve se deslocar a pé; criam-se raças de inventores que permitem e justificam a existência de aviões em um mundo medie-val, etc. Ou seja, as características que compõem a dimensão lógica, como as regras de acesso e arquitetura lógica, são revestidas de ca-madas de narrativa, que traduzem a pura funcionalidade do sistema lógico em ações, histórias e personagens.

Fig. 11 e 12. Em WoW, o sistema de transporte necessário a execução do jogo é revestido de elementos narrativos que façam sentido dentro do jogo. Na primeira imagem, a primeira jornada de um jogador montando um grifo. Muitos jogadores descrevem essa experiência em blogs de forma apaixonada: não apenas estão se deslocando e descobrindo novos lugares, mas estão fazendo isso “cavalgando no ar”. O grifo, personagem, é veícu-lo narrativo e também lógico. Esse acoplamento das dimensões sobre um personagem ou item é o que chamamos funcionalidade e é um dos aspectos mais interessantes da narrativa dos games. À direita, um npc que ensina os jogadores a habilidade do tele-transporte. O sistema de transporte perfeito é justificado em narrativa com o uso de magia. Fontes: http://goddessmomo.files.wordpress.com/2010/02/worldof-warcraft.jpghttp://images.wikia.com/wowwiki/images/6/6c/Archmage_Celin-dra_with_Teleport_Crystal.jpg

266 Tecnologia, pra quê?

Essa necessidade de uma camada discursiva que co-bre os aspectos funcionais do jogo afetam de maneira decisiva a experiência narrativa dos games. A análise das estruturas de dis-curso de um game deve ser feita considerando esse acoplamen-to. Por exemplo, o item que permite ao jogador aumentar seus vetores de dano (sistema lógico) é transformado narrativamente em uma espada sagrada ofertada pelos deuses para combater o mal. Em Shadow of Colossus (Team Ico, 2005) o herói Wander deve encontrar e derrotar dezesseis criaturas chamadas Colos-sus. Para desempenhar sua tarefa, o jogador divide seu tempo de jogo em duas atividades principais: derrotar os colossus e desco-bri-los dentro do enorme cenário do jogo. Do ponto de vista do gameplay pode ser extremamente frustrante para o jogador que fique muito tempo ‘perdido’ até que encontre seu objetivo. Os criadores da Team Ico introduziram então um sistema de nave-gação para ajudar a encontrar os inimigos mais facilmente. Ao usar a função de navegação, o sistema aponta a direção, em linha reta, do lugar onde está o colosso mais próximo. Mesmo que não possa chegar até o inimigo diretamente (pois têm de desviar de montanhas, desfiladeiros e outros obstáculos geográficos) esse sistema simplifica bastante a tarefa do jogador. A necessidade da introdução desse sistema de navegação para ajudar na jogabili-dade, no entanto, precisa ser justificada na narrativa de forma coerente às regras do mundo ficcional. A solução encontrada em Shadow of Colossus, foi dar a Wander uma espada mágica, que ao ser levantada a luz do sol, aponta um faixo luminoso na direção do colosso mais próximo. A espada é então um elemento híbrido, ao cumprir uma função lógica - ajudando no gameplay -, e também na narrativa, através da construção de uma mitolo-gia e de um background do mundo de Colossus, ao mesmo tem-po que se configura um item valioso e importante na cultura daquele universo. Ou seja, a espada, bem como boa parte dos elementos discursivos nos games, passam a ter um caráter dual, cumprindo ao mesmo tempo uma função lógica e uma função discursivo/narrativa dentro do jogo. Esse acoplamento é o que caracteriza a funcionalidade.

267Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Fig. 13 e 14. Em Shadow of Colossus (Team Ico, 2005) a vastidão do cenário obriga a existência de um sis-tema de navegação para além do mapa tradicional. Para encontrar cada um dos dezesseis colossus do jogo, Wan-der, o personagem principal, deve erguer sua espada ao sol, pois os raios que ali incidem apontam na direção do colossus mais próximo. A espada acopla sistema de navegação e narrativa.Fontes: http://i159.photobucket.com/albums/t140/joa-quinmedrano/shadow_of_the_colossus_map1.jpghttp://4.bp.blogspot.com/_DPMut68FnPg/TL2mrmVbM0I/AA-AAAAAAAtc/pea5s_OpUh4/s1600/shadow-of-the-colossus_4.jpg

É interessante perceber que a inserção do sistema de navegação dentro do jogo não exige necessariamente este ‘reves-timento’ narrativo. Como em muitos outros jogos, a opção da de-senvolvedora poderia ter sido simplesmente acrescentar a localiza-ção dos colossus dentro do mapa, sem haver qualquer necessidade de justificativa narrativa para isso (de fato, a própria existência de uma mapa dinâmico no canto superior da tela é um descolamen-to natural do universo diegético). Mas a elegância da solução em SoC reside justamente de uma perfeita mescla entre os aspectos narrativos e as exigências de jogabilidade.

Uma expressão recorrente do uso da funcionalidade nos games pode ser encontrada na oferta de tipos diferentes de personagens a serem escolhidos ou customizados pelo jogador e que resultam em diferentes experiências de jogo. Voltando à es-colha de personagens em WoW, a decisão de jogar com um ou outro personagem pode afetar de forma radical o desenrolar da

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história do jogo: a escolha de um nigth elf neuromancer resulta em uma narrativa e uma jogabilidade totalmente diferente da escolha de um undead warrior. Isso acontece porque cada raça de perso-nagem é pensada justamente em termos de sua diferença com as outras. Cada raça de WoW, com suas histórias, culturas, costumes, tradições e acontecimentos traduzem uma funcionalidade dentro do gameplay do jogo. No ecossistema de 17 milhões de jogadores (pagantes) do jogo da Blizzard, vamos encontrar verdadeiros tra-tados produzidos tanto pela desenvolvedora como pelos fãs sobre quais as consequências de escolher um anão ou um humano, de escolher entre um guerreiro ou um hunter, de escolher como pro-fissão ser skinner ou cooker.

Vale a pena notar que a simples existência de opções na escolha dos personagens pelo jogador pressupõe que existam diferenças significativas10 entre eles. Um game que ofereça diversos personagens que na prática não trazem diferenças relevantes ao ga-meplay pode estar utilizando outras características importantes dos games, como os ludemas11, mas certamente não está usando plena-mente o caráter dual da funcionalidade.

O uso da funcionalidade serve frequentemente como forma de evitar que o jogador saia do espaço diegético do jogo, ao revestir de elementos narrativos seus sistemas. Muitos jogos ado-tam truques discursivos que ‘mascaram’ a existência dos aspectos puramente funcionais, como por exemplo, as formas pelas quais o sistema se comunica para avisar o jogador de determinada coi-sa, uma missão, por exemplo. Em Beyond Good and Evil (Ubisoft, 2003) a protagonista é avisada sobre as próximas missões sem que o tempo de jogo seja ‘interrompido’ por uma tela com a descrição do que têm de fazer a seguir. Isso acontece de diversas formas: através do diálogo com npcs12 que a informam de acontecimentos

10Murray refere essa necessidade de realizar e perceber diferenças significativas como resultado das escolhas do jogador como relevance. Para ela, um dos aspectos mais importantes da interati-vidade dentro dos games não é o conceito de alcance de Steuer (quantidade de possibilidades pelas quais o gamer pode afetar o sistema), mas a ‘importância’ da alteração provocada neste. 11O ludema é o menor ato de um jogo, sua parte fundamental. Quando um ludema ocorre, está acontecen-do um jogo. São eles: ludemas de exploração, de performance física, de performance cognitiva, de interface, de coleta, estéticos e sociais. Jogos Digitais. Teoria para uma mídia indisciplinada. Unisinos, 2011.12NPC: non player character. Personagem controlado pelo sistema.

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e procedimentos dentro do jogo, evitando que precise acessar um menu ou help. Muitos personagens dos jogos devem sua existência a este tipo de necessidade.

Outro exemplo, ainda em BGaE é o uso de um dis-positivo móvel/máquina fotográfica pela protagonista, que a car-rega a tiracolo. As fotos que tira do ambiente podem ser vendidas (ela é uma jornalista) para obter créditos ou para serem usadas como provas dos fatos que vai desvendando ao longo da trama. E é usada, ao mesmo tempo, para enviar e receber mensagens, sendo através dela que, frequentemente, recebe um mail/vídeo que instrui o jogador sobre quais os passos a seguir. O celular de BGaE é uma solução elegante encontrada pelos criadores da Ubisoft no sentido de ‘diluir’ as funcionalidades requeridas pelo sistema sob um disfarce narrativo. O jogador é informado de coisas todo o tempo sem que tenha necessariamente a sensação de sair do espaço diegético e do universo do jogo.

Fig. 15 e 16. Em Beyond Good and Evil (Ubisoft, 2003), Jade, a protagonista, é uma repórter que usa sua máquina fotográ-fica para diversas coisas dentro do game: conseguir créditos com a venda das fotos, receber mails que indicam o que fazer a seguir e registrar provas dos acontecimentos escusos que caracterizam a trama do jogo. A utilização da câmera enquadra com roupagem narrativa a necessidade do sistema de comunicar ao jogador algo importante para o desenrolar do jogo como também vira uma ‘arma’ que deve ser usada para completar o jogo, recolhendo evidências que provam a participação do go-verno em uma trama intergalática. Fontes: http://www.omelete.com.br/images/galerias/beyond-good-and-evil/beyond-good-and-evil-hd_f01.jpghttp://media1.gameinformer.com/imagefeed/screenshots/BeyondGoodampEvilHD/BeyondGoodampEvilHDMedia/bgaehd003.jpg

270 Tecnologia, pra quê?

Vetorização

Basta que se assista um hard-core gamer13 em uma sessão de criação de personagem para que se note a importância dada por estes aos valores numéricos que regulam os atributos dos personagens. A decisão de escolher entre o anão cozinheiro ou o elfo pescador pode demandar horas de pesquisa, consultas e cálculos. Muitas considerações devem ser feitas: qual a curva de progressão do personagem? Qual seu objetivo, missões ou pvp14? Qual a vantagem de ser pescador neste ou naquele território?

Frequentemente, entre os jogadores, estabelece-se uma negociação apaixonada sobre quais habilidades e estraté-gias são as mais interessantes e eficientes para tirar vantagens dos atributos de cada personagem. Ao jogador iniciante, a lin-guagem usada pode parecer quase incompreensível, decorren-te do uso de termos como ‘penalidade de ataque, de defesa, de recuo, classe de armadura, nível de personagem, skil, agro’ etc. O novato percebe que uma das habilidades indispensáveis para sua performance em determinados tipos de jogos é a capaci-dade de traduzir em números toda e qualquer característica de um personagem, itens e acontecimentos. A esta capacidade atribuímos o termo vetorização. A vetorização é a tradução de uma realidade ficcional em valores numéricos. É a forma como o time de desenvolvimento do game opta por reduzir a comple-xidade do mundo transformando-os em vetores. Na realidade prática de um jogo, ao prever a existência de um personagem dentro do sistema, é preciso definir para ele a velocidade com que se desloca na tela, a altura do pulo, da força de seu golpe, etc. Como em qualquer sistema digital, a maneira de fazer isso é prevendo quais ações precisam ser vetorizadas e estabelecen-do um valor para cada uma. Um personagem dentro do game deve ser definido não apenas em seus aspectos físico/psicológi-cos, mas também em relação aos valores de suas características vetoriais: força 18, inteligência 3, sorte 2. Estas características,

.13Hard-core gamer são jogadores que dedicam várias horas de seu dia aos jogos14PVP: Player versus player.

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por si só, trazem muita informação que vai se traduzir na for-ma como o jogador interage com o mundo (neste caso, alguém forte, burro e azarado). Um jogador experiente não vê seu per-sonagem apenas como um avatar, mas reconhece suas forças e fraquezas também em termos de valores absolutos. Em WoW, a ação de reconhecimento mais comum quando um avatar en-contra outros personagens no cenário não é procurar o nome do personagem, mas descobrir em que nível está. Quanto mais tempo de jogo têm, maior a tendência a um nível alto, e quanto mais alto, mais poderoso é o personagem. Nos games, tende-se a ‘nivelar’ tudo: por valores, por medidas, por comparação. Isso se expressa através de scores, rankings, níveis de personagem e valores de atributos que visam simplificar aspectos da vida, tornando possível sua gerência computacional. Em WoW, dizer que um personagem é ‘nível 85’ é no mínimo tão esclarecedor do que saber que se chama Volpato, o Demente.

Essa constituição numérica dos elementos dos jogos pode se aplicar a qualquer aspecto de sua realidade. Constituem os blocos de construção do poder dos personagens. Quando um personagem ‘passa’ de nível ganha alguns pontos em seus atributos, tornando-o ou mais forte, rápido ou resistente. Porém, quando um personagem tem um item seu roubado, perde poder. O conheci-mento - técnico ou intuitivo - desse aspecto dos games passa a ser uma das maneiras pelas quais personagens e acontecimentos são ‘decifrados’ pelos jogadores. Na literatura, a compreensão de um personagem passa essencialmente pela apreensão de sua psique, sua história e seu contexto. Nos games soma-se a isso o fato de que o jo-gador precisa mapear o personagem também em termos de poder: ele é fraco ou forte? Representa ameaça? Na narrativa dos games, o encontro com um personagem extremamente poderoso frequente-mente culmina em picos de stress e envolvimento do jogador com a narrativa. Esses encontros costumam marcar pontos de virada ou de avanço nas narrativas. Em jogos de progressão acentuada15 é co-mum uma constante ‘readequação’ do papel que cada personagem

15Jogos onde a conquista de mais poderes e capacidades ao longo do jogo é um dos principais elementos de gameplay.

272 Tecnologia, pra quê?

ocupa ao longo do jogo. Para Volpato, o demente, um beginer de WoW, qualquer aldeia de Murlocs pode representar um desafio pe-rigoso. Um descuido e o personagem pode ser atacado por três ou quatro criaturas ao mesmo tempo, matando-o. Mas ao progredir o nível do personagem, os Murlocs deixam de representar um perigo e é Volpato agora que representa um perigo para eles. Essa alteração de poder, sintetizada pela lógica da vetorização, altera a percepção que o jogador tem dos outros personagens.

A vetorização é usada com muita frequência para evidenciar situações dramáticas e pontos importantes dentro do jogo. É comum ao longo das narrativas que a construção do perfil de um vilão aconteça não apenas pelas ações ético-mo-rais equivocadas que faz durante o jogo, mas também porque representa ao herói um desafio de poder. No início do jogo, o vilão ‘deixa’ o herói viver porque quer usá-lo ou simplesmente porque não o considera uma ameaça. Ao longo do jogo, com os artefatos e poderes que vai conquistando, o herói vai melho-rando sua performance, e ao final, consegue bater o oponen-te antes muito mais forte. Todo o tempo, o jogador raciocina em termos de poder e de níveis, constituindo essa uma de suas principais estratégias para a construção do imaginário e da narrativa daquele mundo. Os vetores quantificam o game e em boa parte são os valores que demonstram, ao final, a habilidade com que o jogador conduziu aquela narrativa.

É importante dizer que, evidentemente, nem todas as decisões tomadas dentro dos jogos sejam de natureza ‘cínica’, visando apenas o aumento de poderes. A lógica da vetorização atravessa os games e constitui parte importante de seu discurso, mas não é a única. Muitos jogadores, em momentos diferentes, optam por personagens, itens ou linhas de ação que do pon-to de vista vetorial não os favorecem, reduzindo seus poderes e possibilidades, que são compensados por outros elementos de ordem não vetorial: um personagem mais cool, maior foco no role-play, empatia, auto-imposição de limites, estratégias de socialização, diversão, etc. Mas isto não muda o fato de que a vetorização ainda está lá, proporcionando sentidos aqueles jo-

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gadores e acontecimentos e que, sejam quais forem os motivos que levam um jogador a optar por este ou aquele personagem ou esta ou aquela linha de ação, a consciência desses números tende a estar presente e ser levada em consideração16.

Considerações finais

Sintetização, funcionalidade e vetorização são vistos aqui como diferentes estruturas de discurso que nos games encon-tram certa regularidade. Apesar das diferenças, no entanto, ope-ram com alto nível de acoplamento, dificilmente sendo encon-trados isoladamente. A sintetização é um dispositivo que busca comunicar com rapidez e eficiência o que está sendo apresenta-do; a funcionalidade é o fato de que personagens e itens tendem a mesclar funções narrativas com funções lógicas; a vetorização é a maneira pela qual o game transforma o mundo ficcional em valores numéricos, nivelando seus elementos. Todos aqui atuam juntos e afetam de maneira fundamental o discurso dos games, constituindo algumas de suas principais peculiaridades.

Obviamente, o uso sistemático desses dispositivos dentro da narrativa dos games não significa dizer que suas his-tórias estão fadadas, inevitavelmente, à lógica dos folhetins, das tramas excessivamente simplificadas, dos personagens construídos apenas pela sua funcionalidade e apenas pela bus-ca por mais poder. Como em qualquer mídia, é possível contar nos games qualquer tipo de história. Mas é importante notar que existe de fato esse caráter simplificador - de que se valem os times de produção -, para ajudar a guiar os passos do joga-dor e que são postulados como regras de um bom game design: o jogador não deve ficar perdido (salvo propositadamente); deve saber, a cada momento do jogo, qual é sua próxima meta mesmo que esteja ‘vagando a esmo no universo’; deve conse-

16Seria interessante verificar se a atitude do jogador em relação a maneira de jogar (mais cínico, na direção de resultados / mais role-player, buscando construção de personagem e objetivos me-nos pragmáticos) é consequência de um perfil ou de um processo de maturação ou, ainda, fruto de algum tipo de relacionamento específico entre um jogador e determinado jogo. O game interfe-re nesta atitude ou ela responde a critérios puramente individuais? Se interfere, como o faz?

274 Tecnologia, pra quê?

guir compreender que tipos de desafios seu personagem tem condições de enfrentar. Ao sintetizar - e retirar ambiguidade, redundância e outros excessos da narrativa -, pode ser que se extraia dela grande parte de seu poder de sedução; ao usar a funcionalidade, muitas das decisões narrativas podem ser con-dicionadas e mesmo determinadas menos pelas necessidade de se contar uma história de que pela necessidade de ‘embru-lhar’ narrativamente o gameplay; e ao transformar em vetores numéricos um universo, acontecimentos e personagens, existe fatalmente a redução de sua complexidade narrativa.

Disso decorre uma tendência à falta de ambiguida-de e ao pensamento linear no que diz respeito aos plots que a indústria normalmente apresenta. Mas antes de condená-la - e aos plots dos games -, cabem duas considerações aqui. A pri-meira é que muitas críticas (a meu ver justificadas) são dirigidas aos autores que veem no futuro dos games uma forma narrativa completa e estimulante, mas veem em seu presente uma mídia que engatinha no domínio do storytelling. A crítica procede no sentido de que esses autores olham um futuro ideal (que pode nunca chegar) para defender as narrativas dos jogos, quando se ignora o que de fato é feito. Os jogos não estão maduros, dizem, e como consequência, vamos ignorar o que fazem hoje para ce-lebrar o que será - provavelmente - um amanhã glorioso. Para quem acompanhou a história dos jogos desde seu primeiro Ata-ri, é de fato difícil não perceber que as narrativas dos games estão hoje mais maduras e complexas e que, logo - daqui a meio século -, teremos obras que rivalizem com as de Stendhal. O argumen-to faz sentido e talvez seja verdade, mas não ajuda a entender a narrativa dos games hoje. A outra consideração é que o caráter simplificador das características descritas aqui, não pode e não deve ser visto como um defeito ou impedimento para que se atinjam objetivos narrativos ambiciosos. Pelo contrário, talvez sejam justamente essas características que justifiquem a princi-pal contribuição dos jogos digitais à história das narrativas. Exis-te algo interessante acontecendo quando um leitor contumaz do que é considerada a ‘alta literatura’ dispõe de doze horas de seu

275Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

tempo para acompanhar as peripécias da Jade de Beyond Good and Evil (Ubisoft, 2003), cujo plot - a descoberta de uma cons-piração alienígena para o domínio do planeta -, já poderia ser considerado óbvio nos anos 50. A característica ‘simplificante’ da linguagem dos games não deve ser vista como um fator limitan-te, assim como o uso de formas básicas e soluções matemáticas nunca inviabilizou o reconhecimento e apreciação de certos pe-ríodos estilísticos e artísticos, como o renascimento ou variadas manifestações da arte moderna. Quando está presente, a narra-tiva dos games - e isso é a única coisa que não se pode perder de vista - não deve ser analisada sem que a compreendamos como resultado de forças de outra ordem. As dimensões estética, de in-terface e tecnológica não são, separadamente, as únicas donas da casa. Mas ao considerá-las como se fossem, Beyond Good and Evil perde seu encanto, transformando-se em mais do mesmo: alienígenas conquistando o planeta. Mas ao jogar, não se está assistindo TV, tampouco lendo-se um livro. Se está jogando. E ao jogar, Beyond Good and Evil transforma-se em uma narrati-va fascinante. Sintetização, funcionalidade e vetorização podem simplificá-la, mas tornam possível a integração entre as diferen-tes dimensões, entregando uma sensação narrativa extremamen-te rica e poderosa.

276 Tecnologia, pra quê?

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279Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

VIDEOGAMESDo entretenimento

à comunicação.

Cristiano Max Pereira PinheiroFEEVALE-RS

Introdução

Diversos são os estudos que ao longo dos anos vem aproximando o cenário dos jogos digitais dos vários campos do conhecimento. Apesar da aproximação natural com a informá-tica, parece ser essa, a que menos vem trabalhando o produto do videogame como objeto independente e gerador de significa-ções. Talvez seja natural a informática tratar o seu objeto como código, como um trecho de programa, e sendo assim cuidar das questões matemáticas de inteligência artificial ou de alocação de memória de vídeo como sendo computação gráfica.

Em outra direção estão estudos de psicologia, edu-cação física, pedagogia, sobre temas como a violência dos jo-gos, a vida sedentária do jogador ou como os jogos atrapalham os estudos. Essas pesquisas acabam de receber suas contra ar-gumentações, desde a década de 1990, mas, mais ativamente nos últimos anos grupos de pesquisa multidisciplinares vem se voltando para o estudo dos videogames como fenômeno social, não benéfico, mas ao menos com a cientificidade que necessita. Segundo Janet Murray (1997, p.41) “... seria um erro fazer uma comparação direta entre os primeiros frutos de um novo meio com os já costumeiros produtos dos meios mais antigos.”, isso nos faz refletir a cerca do caminho percorrido pelo videogame. Seria um novo meio com quase cinqüenta anos de história? São os produtos recentes dos videogames, uma evolução de uma nova forma de linguagem? Teríamos como comunicado-res ignorado durante todo este tempo uma nova linguagem?

280 Tecnologia, pra quê?

Desta organização acadêmica ocorrida surgem os Gamestudies, uma série de pesquisadores engajados com a te-mática dos games e sob o prisma de diversas áreas. Apesar da multiplicidade, o equilíbrio parece ter ficando entre os estudos das Teorias Narrativas aplicadas ao jogo e uma nova perspecti-va de estudo chamada ludologia1, recente e que parece restabe-lecer novos estudos na linha da Teoria dos Jogos. Mas porque razão seriam os videogames agora objetos de estudo sério?

While scholars identify a range social, cultural, economic, political and technological factors that suggest the need for a (re)consideration of videogames by students of me-dia, culture and technology, here, it is useful to briefly examine just three reasons why videogames demand to be treated seriously: the size of videogame industry; the popularity of videogames; videogames as an example of human-computer interaction. (NEWMAN, 2004, p. 3).

Todos os pontos de vista parecem dignos de pes-quisa, mas realmente a indústria, a popularidade e a interati-vidade parecem ter chamado muita atenção. Mas a perspectiva de estudo traz as dificuldades de circundar um objeto multi-diferente. O videogame é comparado em diversos estudos com a literatura, o cinema, os quadrinhos, a internet. Isso não quer dizer que ele não tenha se apropriado de outras gramáticas para se estabelecer, mas no seu estágio de desenvolvimento já aparecem sentenças próprias que podem ser reconhecidas.

O cinema, assim como os videogames, no início de século passou por sua transformação narrativa e gerou uma gra-mática própria, claro, que não sem antes passar por uma batalha comparativa de juízo de valor artístico com os meios de contar história anterior. “As principais convenções narrativas já estavam estabelecidas quando os primeiros filmes foram feitos, e o cine-ma, inevitavelmente, herdou-as. (GERBASE, 2003, p. 59)” Antes

1Este termo está sendo utilizado por grupos de pesquisadores como sendo estritamente relaciona-do ao estudo de videogames. Vide www.gamestudies.org

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de entender a caminhada dos videogames, é passível relembrar que outros meios já se desenvolveram sob olhares cientificamen-te duvidosos de sua capacidade aurática. Segundo McLuhan é um equivoco julgarmos novos meios através da comparação dos anteriores, dentro desta perspectiva tendemos a negar o novo.

Para esclarecer um pouco o objeto videogame como um elemento que busca uma independência científica, devemos acompanhar epistemologicamente seu desenvolvi-mento. Nesse acompanhamento iremos atualizar a significação da construção do objeto a partir da metáfora de seu nascimento, utilizando como progenitores a televisão e a microinformática. Além da sua criação, a mudança nos formatos de conteúdo e distribuição apresentam um caminho que começa a aparecer, da transformação de entretenimento em comunicação. Essa divisão nos games é válida, se considerarmos o grau de com-plexidade e os sistemas históricos de produção dessa mídia, é importante essa ressalva para não considerar a exclusão entre entretenimento e comunicação.

Um outro uso para televisão

O resgate da história dos games é extenso e já foi legitimado em obras específicas para essa temática2. Portanto usá-la-emos apenas como pontuação para o questionamento que foi traçado. Os jogos eletrônicos foram desde seu início, tratados de duas formas, ou coisa de criança, ou como jogos de azar (KENT, 2001). Esse signo inicial atribuído ao game3 forjou sua identidade cultural no início da década de 60. Num primei-ro momento, aos mais esclarecidos, parece paradoxal atribuir aos jogos eletrônicos um legado pertencente aos caça-níqueis e ao cenário das sinucas e mesas de pôquer, mas a indústria que desenvolveu os primeiros jogos eletrônicos foi a do pinball. A

2 Vide Ultimate History of Videogame de Steven Kent, ou The Illustrated history of eletronic games – High Score de Rusel Demaria e Johnny Wilson. O primeiro capítulo da tese que desen-volvo é apenas sobre este resgate histórico.

3Game será tratado nesse artigo como termo genérico para especificar a indústria.

282 Tecnologia, pra quê?

proximidade era inevitável, desde as rotas de distribuição até as empresas de manutenção, tudo era processualmente parecido. Isso, ainda, aliado ao fato das primeiras máquinas não possuí-rem formas de desenvolvimento de habilidade para o jogador ter chance de poder fazer uma partida pior ou melhor.

Esta foi uma etapa de transição entre os formatos de jogos estabelecidos e os formatos advindos da utilização da eletricidade. Durante a discussão sobre formas de propiciar interação e possibilidade de desenvolvimentos de habilidade é que vamos perceber o pensamento de um ludus eletrônico se desenvolver. Apesar das categorias de Callois já terem sido de-senvolvidos em um momento posterior, a aplicação delas aos jogos eletrônicos só pode ser pensada a partir da noção desse ludus eletrônico, que passaremos a chamar de gameplay. Em português a palavra próxima para esse termo é jogabilidade, porém, esse termo parece insuficiente para quando tratamos também das regras, das formas de interação, da fluência da tra-ma, das animações. Jogabilidade parece estar mais ligado real-mente a habilidade do jogador de fato, durante o jogo.

O videogame acabou herdando toda essa discus-são de gameplay e a taxação como jogos de azar. Caracteriza-do até então como um divertimento, um entretenimento sem utilidade. Vai existir uma clara divisão entre os jogos operados por moedas, que são colocados em ambientes que no Brasil conhecemos pela terminologia de “fliperamas” e os jogos ele-trônicos para jogar em televisões. O momento de criação desta tecnologia para casa é o início da metáfora, até então tínhamos a vertente dos jogos híbridos, vindos dos pinballs e fliperamas e misturando mecânica e eletrônica e os jogos de vídeo expe-rimentais, que são tidos comumente como o nascimento dos videogames, feitos para computadores.

Os jogos de computadores como o Tênis para Dois de 1958 ou o Spacewars de 1961 são os responsáveis pelas pri-meiras formas de entretenimento digital interativo da histó-ria. Em 1969 durante questionamentos sobre novos usos para televisão, Ralph Bauer inventa uma forma de transmitir para

283Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

televisão imagens digitais e controla-las. Esse é o momento da invenção do videogame. A metáfora começa a aparecer, o vi-deogame aparece como um híbrido, como um filho da união entre o computador e a televisão. O único problema é que até o momento, a informática e televisão eram de domínio tecnoló-gico de engenheiros. A televisão só deu ao videogame a possi-bilidade de visibilidade, de processamento de saída (output); a linguagem do videogame, sua forma de conteúdo, estava sendo desenvolvida dentro dos grupos de engenheiros e informatas.

Crescendo sem pai

Apesar de todo relato de história dos games apontar para os pais do videogame como sendo Ralph Bauer e Nolah Bushnell, cabe uma ressalva para entendermos a metáfora. O videogame cresce criado pela mãe, a informática. Os primeiros jogos tanto para arcades4 como para videogames são desenvolvi-dos e produzidos por engenheiros e informatas. Isso faz com que praticamente sejam todos variações de um mesmo padrão, claro que limitado pelos padrões de resolução da época, mas também pelo imaginário. A trama mais complexa parecia ser atire neles ou corra tudo que puder. “As the videogame’s use of space and time grew more complex and graphics grew more representational, the medium became increasingly narrative based. (WOLF, 2001, p. 93)”. Como afirma Wolf com o incremento tecnológico os jo-gos foram ampliando sua capacidade narrativa, mas durante esse desenvolvimento assistimos a uma lenta caminhada de constru-ção de linguagem. De fato a linguagem dos games e suas senten-ças parecem reconhecíveis em dois momentos da sua história, durante o processo de estética trash e no começo do paradigma foto-realístico pela tecnologia de 3 dimensões.

A estética trash dos games por impossibilidade téc-nica foi uma época vivida pelos primeiros desenvolvedores de jogos, durante a década de 70 e o início dos anos 80. É duran-

4Arcade é o termo utilizado para designar as máquinas de videogame operadas por moedas e os locais de parques de diversão eletrônica onde estas ficam.

284 Tecnologia, pra quê?

te este período que as estruturas de produção vão se articular para um formato parecido com o de produção de um objeto de comunicação, uma peça publicitária ou um filme. Crescer sem o pai não foi fácil para os games, na metáfora o pai é a comuni-cação (a televisão) é de onde o desenvolvimento de linguagem e formato irá ser provido com um atraso durante o final dos anos 80 e assim em diante.

A estética foto-realística acontece pelo desenvolvi-mento tecnológico, mas é também responsável pelo aumento de profissionais da comunicação no universo dos videogames. São diversos os fatores que se modificaram na indústria para que ti-véssemos uma diferença enorme entre o primeiro Pong (1971) e o Virtua Tennis (2005), esta complexidade ocorre pela reaproxi-mação dos jogos eletrônicos aos processos de produções comu-nicacionais. O caráter foto-realístico é apenas um dos fatores que é representativo neste tipo de produto, mas não só.

Now as signs are basically vehicles of meaning, a videog-ame will, for its own part in the conversation, need erect highly efficient, semiotic systems as it tries to present ever greater quantities of raw information to the player. That information can be broken up into different signs in different areas of the display. (POOLE, 2000, p. 196)

Poole fala sobre a interface no sentido semiótico, so-bre significação dos elementos apresentados e a grande quanti-dade de informação, isso demonstra parte de uma evolução que envolve gráficos e interfaces. Além disso, fazem parte também a narrativa, o espaço, o tempo (WOLF, 2001; MURRAY, 1997) e a construção do envolvimento interativo do jogador com essa obra. Durante este desenvolvimento os games e suas tipologias foram se estabelecendo, como dito anteriormente entre os arcades, os siste-mas de games para televisão e os jogos de computador.

Durante as mudanças de geração nos games e as novas experimentações, surge uma série de jogos que demons-tram o quão necessário se fazia a necessidade de pensar a co-

285Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

municação e as estratégias discursivas e os elementos de sedu-ção que ela poderia fornecer a esses produtos. De forma sutil a comunicação começa a entrar no processo de criação dos jogos de videogame. Mas de que maneira podemos perceber isso nos jogos? Qual a diferença entre um jogo nesse novo contexto e um outro, onde a comunicação até se dava, mas por uma cons-trução de profissionais de outros campos?

Os gráficos são inevitavelmente um fator que os pesquisadores apontam como diferença entre os antigos e os novos videogames. Certamente existe diferenças simbólicas ou de imaginário na percepção de imagens produzidas com quali-dades diferentes, porém, estas imagens são significadas através da sentenças narrativas visuais a partir de um pensamento de comunicação, entre diretor-autor e jogador.

Os primeiros jogos possuíam uma resolução ínfi-ma que não permitia a distinção dos blocos de pixeis acumula-dos para formar uma torre ou um totem. Um pixel somente re-presentava seu personagem em um jogo. Em Adventure (1978) seu personagem andava por labirintos e castelos lutando con-tra inimigos para conseguir achar uma saída, o cavaleiro que era controlado pelo jogador e representado em caixas do jogo e anúncios, com imagens grandiosas era representado no vídeo por um único pixel, um quadrado.

A baixa capacidade de representação faz com que qualquer um, a partir de uma folha quadriculada, pudesse pin-tar os espaços e desenhar naves, ou seres, cidades que seriam representadas no vídeo em um nível mais abstracional, repre-sentativo, do que real. Com um pixel personagens, com dois pixels muros, com três pixels bicicletas, tamanha era a repre-sentação imaginário construída por outros elementos narra-tivos, ou publicitários complementares, que faziam a falta de qualidade ser superada. Um fator decisivo para isso era a es-sência do jogo, o divertimento.

A mudança do número de pixels, ou seja, a resolu-ção determinou a contratação e a busca de um novo perfil de profissional para o processo dos games. Na indústria dos games

286 Tecnologia, pra quê?

existe uma gama imensa de profissionais de conhecimentos di-versos trabalhando, mas é comum escutar uma divisão prin-cipal, os artistas e os programadores. O segundo não é nosso foco nesse momento, mas são os que desenvolveram, criaram o videogame e a indústria que conhecemos. Os artistas, por sua vez, aparecem na indústria com muito pouca participação no início, claro que podemos considerar um artista de forma mais ampla e contra argumentar esse ponto, mas o artista que estamos falando é o desenhista num primeiro momento. O ar-tista vai obter um papel importante na transição de resoluções, quando a arte gráfica começa ficar mais complexa.

Outro momento de mudança de processo incluindo a comunicação ocorre quando os jogos começam a ter fim. Pode soar estranho, mas os jogos ou acabavam sem fim, ou “viravam”, esse termo para os jogadores significa que o jogo depois de pas-sar por todos os níveis, recomeça. É comum escutar, atualmente, o uso deste termo quando acaba-se um jogo que tem final. Mas o que o fim de um jogo tem a ver com comunicação?

Um jogo que recomeça é um jogo com laços narra-tivos fracos, um jogo para terminar precisa que a estória desen-volvida forneça ao jogador um ambiente que ele aceita parar de jogar quando chegar a um determinado estágio na trama. Para que essa complexidade fosse evidenciada num jogo, outro tipo de artista foi incorporado à criação de jogos, o roteirista. Conhecido pelo ofício no cinema, na publicidade e com dotes claros de literatura, esse profissional colabora para que a obra game comece a compor uma nova gramática. Nessa nova estru-tura um desafio decisivo é aliar interatividade digital, com jogo e elementos de comunicação.

Cada nova interface transforma a eficácia e a significação das interfaces precedentes. É sempre questão de cone-xões, de reinterpretações, de traduções em mundo co-agulado, misturado, cosmopolita, opaco, onde nenhum efeito, nenhuma mensagem pode propagar-se magica-mente nas trajetórias lisas da inércia, mas deve, pelo con-

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trário, passar pelas torções, transmutações e reescritas das interfaces. (LEVY, 1993, p. 176).

É na interface que as diversas mudanças vão se declarar e unir-se ao sistema de ludus eletrônico que os pro-gramadores desenvolveram. A interface como forma de comu-nicação, de disposição de informação entre jogador e game, é desenvolvida a partir da capacidade tecnológica, mas toma para si uma responsabilidade além do estatuto tecnológico. Não é apenas in-game que a interface irá se manifestar, mas nas diversas formas de interação a partir de equipamentos, contro-les, tapetes, câmeras, entre outros. A comunicação desta vez não entra como agente promotor da mudança, mas sim como transformador, utilizando-se destes para seus sistemas de re-presentação, sedução e simbolismo. Na interface, a comunica-ção encontra uma forma de imersão, que no início era apenas função das caixas dos jogos e dos anúncios.

Esses fatores, gráficos, roteiros, interface são indí-cios de outros parâmetros que pode ter suas transformações, a partir da comunicação, demonstradas ao longo do desenvolvi-mento do videogame. De fato, o videogame passa a demons-trar a capacidade de se elevar a um veículo de comunicação. Essa afirmação se faz necessária para repensar o papel que a primeira mídia interativa digital tem como gramática em um momento que se fala de interação como algo descolado dos ga-mes, apenas ligado na maioria dos seus discursos à Internet. Se ignorarmos os quase cinquenta anos de desenvolvimento deste meio, também podemos ter deixado de pensar em formatos que aproveitem seu potencial, não apenas para entretenimento, mas games como gramática para outros produtos.

Novos formatos

Yet even early dedicated systems like the Fairchild/Zir-con Channel F and the Atari 2600 had educational car-tridges teaching math and programming, so they were

288 Tecnologia, pra quê?

not used for games only, but had other possible func-tions. (WOLF, 2001, p. 17).

A abordagem utilizada para classificar os games academicamente como meros jogos ou brincadeiras acabou por dificultar a visualização de outras maneiras de usar esta tecnologia. Mesmo com o viés educacional desenvolvido para este tipo de produto (jogo educacional), os usuários acabam por perceber um estatuto que não os convence de que um game específico para estudo é um game. O que é um videogame? Num primeiro momento parece fácil articular, mas diversos conceitos complexos e amplos envolvem a determinação deste termo. Segundo Wolf um videogame é definido por critérios como conflito, regras, habilidade de jogo e o retorno do pro-cessamento5, ainda assim simbolicamente parece que o escopo dos jogos eletrônicos atrai para seu campo produtos que não preenchem necessariamente estes critérios, produtos que são muito próximos da gramática de simulação e interação que os games desenvolveram.

Antes de analisar a possibilidade dessa gramática, vamos entender os critérios que compõe um jogo eletrônico. O conflito é a base do jogo, qualquer situação dentro da trama de um game necessita de uma motivação para acontecer, e esse co-meço é dado pelo conflito. Podemos perceber como o conflito pode ser frívolo, mas existente por mais fraco que possa pare-cer. Freeway é um antigo jogo da plataforma Atari 2600 onde uma galinha necessita atravessar ao outro lado da autoestrada. Então temos o conflito, onde podemos nos perguntar por que a galinha quer atravessar a rua? Mas sabemos que a motivação não importa mais do que a atividade de conseguir.

As regras são fundamentais para definir as rela-ções, o espaço, o tempo e todos outros fatores determinantes em um jogo, seja ele eletrônico ou físico. Callois afirma que as regras são o próprio jogo e aquele que as infringirem de ma-

5Os termos foram livre tradução para o português. (conflict, rules, player ability and valued outcomes.)

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neira a burlar o sistema passa a ser visto de uma forma exclu-dente por aqueles que ainda querem se manter no estatuto do jogo. Mas como burlar regras de um jogo eletrônico? Não é o foco de nosso objetivo, mas existem maneiras de se violarem as regras dos videogames, são chamados de cheats. Códigos e combinações de botões que fornecem ao jogador uma vanta-gem, invulnerabilidade, ultrapassarem um nível, arma infinita e outras coisas.

Diferente da argumentação sobre gameplay, no sen-tido adotado por Wolf, a habilidade do jogador significa a pos-sibilidade de atuação em jogo através do desenvolvimento de capacidades motoras, sensoriais, de antecipação ou até mesmo da própria sorte. Um videogame deve possibilitar ao jogador a aparente ilusão de equilíbrio de jogo contra um adversário, seja ele o próprio videogame ou outro jogador. Essa discussão é trabalhada arduamente durante a criação de um jogo, no livro Theory of fun, Raph Koster analisa este cerne como o principal no pensar o jogo de videogame, seria o equilíbrio entre diver-são e dificuldade a variável que faz com que o jogador sinta o sentido de imersão no universo proposto.

I didn’t forget the idea. By 1966, there were over 60 mil-lion TV sets in U.S. homes alone, to say nothing of those in the rest of the world. What were they good for if there was nothing on that anybody wanted to watch? (BAUER IN KENT, 2001, p. xii).

O retorno de processamento, um termo de difícil entendimento em português, quer dizer respeito às formas de devolução de processamento de jogo, no caso do videogame especificamente estamos falando da televisão ou do monitor. O papel desempenhado por essa característica é o que permi-te a interação homem-máquina e que traduz a essência deste tipo de jogo. Cada movimento do controle, tomada de deci-são, apertar de botão é um input, que deve ser processado pelo equipamento e devolvido a partir da tela (output). Remontando

290 Tecnologia, pra quê?

teoricamente a teoria matemática da comunicação de Shannon e Weaver, assim como outras diversas de teorias de interativi-dade com base em formatos reativos.

A partir desses primeiros parâmetros, os de trans-formação da comunicação no processo de jogos eletrônicos e os critérios de um game, é perceptível uma linguagem própria. Nas propagandas, nos sites, nos programas e séries de televi-são, nos brinquedos podemos notar algumas apropriações dis-to que chamamos de games de forma geral. Não nos atemos aqui ao aspecto cultural, mas se olharmos as gerações cada vez mais cresce com uma lógica de interfaces como afirma Steven Johson, com uma influência na forma de raciocínio. Seria este o momento de pensarmos de que maneira diferente devemos contar o nosso cotidiano para as próximas gerações?

Considerações

A proposta de navegar do entretenimento para co-municação não é excludente. O entretenimento é um dos for-matos que a comunicação adotou como forma de transmitir mensagens, um formato muitas vezes tido como sem valor ou função, mas que provou socialmente ser uma das formas de manutenção da condição humana. O game está nesse momento tentando ultrapassar a sua condição inicial de entretenimento para emprestar a comunicação sua experiência de interação.

Para entender por completa essa caminhada ainda em movimento dos games, nos utilizamos de uma metáfora que tenta demonstrar mais a comunicação do que ao universo das ciências exatas, a forma como o videogame foi renegado em seu status de aparato tecnológico de comunicação ou até numa provável forma de veículo. Sendo abrigado no início pelas exa-tas (informática e engenharia), o videogame se desenvolve com um parâmetro de comunicação duro, pouco relacional apesar do estatuto do jogo exigir uma interação primordial.

Apesar deste início que foi representado pela falta do pai (televisão/comunicação) durante seu crescimento, o vi-

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deogame consegue com a ajuda da mãe (informática), superar sua falta de referencial. O que torna mais interessante esta me-táfora é pensar que atualmente, com novos filhos, a comunica-ção começa a ter que aproximar os irmãos e resgatar as pesqui-sas, nesse sentido, acadêmicas sobre videogames. O novo filho chamado Internet parece ser o primeiro a obter um reconheci-mento de paternidade entre a comunicação e a informática de maneira clara e cordial.

A Internet através de seus formatos de sociabilida-de, interação, questões econômicas, estruturas de interface e outros confins de pesquisa, passa a ser um dos principais ob-jetos de pesquisa em tecnologia de comunicação. Temos que reconhecer que a rede possibilitou a potencialização dos games on-line e multi-jogadores, além de todos os fatores acima rela-cionados às comunidades sobre o assunto. Como irmão do vi-deogame as características primordiais são bastante próximas, e atualmente assistimos a Internet, no que diz respeito a suas estratégias com os “surfistas” de suas páginas resgatar formatos dos games para interfaces e interações.

Mas o caçula deste relacionamento é a televisão di-gital. As discussões e pesquisas em novos formatos e possibili-dades de interação da televisão digital parecem, muitas vezes, desconsiderar anos de experiência que os games já produziram. De fato a TV Digital através de suas características, principal-mente, pela forma de desenvolvimento do seu equipamento de transcodificação e transmissão (set box), incorpora funções de processamento de dados, início de conflito para obter respos-ta do telespectador, agora interativo, e retorno para tela desses dados, e isto tudo aparece entre as características do formato de game. Assistimos nesse momento não há uma convergên-cia de Internet e TV para produzir um novo formato de TV Digital, mas um encontro de irmãos, o retorno do game. Após uma dura jornada vivendo apenas da condição de divertimen-to frívolo, agora é parte de uma nova gramática que está se ten-tando construir e aprender ao mesmo tempo, afinal é assim que o game promove parte do nosso desenvolvimento cerebral

292 Tecnologia, pra quê?

segundo Jonhson, sem manual, apenas jogando e aprendendo enquanto se joga.

A Comunicação, como pai, tem um importante papel a ser desempenhado nesse retorno. Saber compartilhar e projetar nesse novo campo, as possibilidades de novos forma-tos, não aqueles pensados a partir de uma lógica tradicional. Agora existem, não só uma nova linguagem, mas também, no-vos usuários, telespectadores, consumidores, gerações inteiras que crescem a partir de uma nova cultura de apropriação seja ela de interfaces, de customização, de alta velocidade, de hi-bridação, mas essencialmente a cibercultura projeta um ápice tecnológico para o novo cotidiano, e é desse cotidiano que o videogame já participa fortemente desde a década de 80, senão antes para grupos menores.

Este debate é parte necessária para que possamos circundar um objeto não apenas através da comparação teórica com áreas legitimadas, mas sim, com base em uma metodologia específica que de conta de suas especificidades epistemológicas para além da condição de jogo, que abranja seu caráter digital e sua essência de comunicação. Assim como cinema herdaremos diversas teorias, mas a apropriação nos exige que haja uma re-estruturação com base em características singulares e possa-mos devolver isto ao campo teórico de maneira a colaborar com o amplo espectro das pesquisas em comunicação. Outros textos seguem a proposta de construção metodológica e foram apresentados em congressos anteriores6, neste reside a essência da defesa desta tese. O videogame como comunicação.

8Vide www.gamepad.com.br – Seção Artigos e Resenhas, textos de Cristiano Max Pereira Pinhei-ro e Marsal Ávila Alves Branco.

293Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Referências

CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1990.

DEMARIA, Russel & WILSON, Johnny I. High Score! The Ilustrated History of Electronic Games. California: McGraw Hill/Osborn, 2004.

GERBASE, Carlos. Impactos das tecnologias digitais na nar-rativa cinematográfica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1971.

JOHNSON, Steven. Cultura da Interface. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

JOHNSON, Steven. Everything Bad is Good for You. How Today´s Popular Culture is Actually Makins Us Smarter. New York: Riverhead Books, 2005.

KENT, Steven L. The ultimate history of video games: from Pong to Pokemon – the story behind the craze that touched our lives and changed the world. New York: Three River Press, 2001.

KOSTER, Ralph. Theory of Fun for Video Games. Califórnia: McGraw Hill/Osborn, 2003.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pen-samento na era da informática. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.

MURRAY, Janet H. Hamlet no Holodeck: o futuro da narra-tiva no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural: Unesp, 2003.

294 Tecnologia, pra quê?

NEWMAN, James. Videogames. London: Routledge, 2004.POOLE, Steven. Trigger Happy: videogames and the en-tertainment revolution. New York: Arcade Publishing, Inc., 2000

WOLF, Mark J. & Perron, Bernard. The videogame theory re-ader. New York: Routledge, 2003.

WOLF, Mark J. The Mediu of the Video Game. Austin: Uni-versity of Texas Press, 2001.

295Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Currículos dos autores

Apresentamos aqui os currículos dos autores que participam desse livro, na ordem em que os artigos estão dispostos no li-vro. Os textos foram consultados na plataforma Lattes em se-tembro de 2011.

Os Organizadores

César SteffenÉ Doutor em Comunicação Social formado pela FAMECOS/PUCRS em 2010. Possui graduação em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1997), mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2004) e é espe-cialista em Educação à Distância (2008). É professor do curso de Comunicação Social da UNISC, RS. Iniciou sua carreira no mercado de comunicação em 1992, inicialmente como reda-tor, posteriormente como diretor de criação e marketing, e em projetos de comunicação digital e e-commerce. Atualmente é docente nas áreas de Comunicação Social e Administração - Marketing, e consultor de empresas nas áreas de marketing, in-ternet, comunicação, publicidade e administração. Atua junto aos cursos de Comunicação Social da UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul - tendo passagem por outras instituições de ensino superior, onde obteve ampla experiência em educa-ção e também em gestão educacional. Possui dois livros já pu-blicados, e vários artigos publicados no Brasil e exterior.

Mônica Elisa Dias PonsPossui graduação em Comunicação Social- Habilitação Rela-ções Públicas pela Universidade Federal de Santa Maria (1993), mestrado em Comunicação Social pela Pontifícia Universida-de Católica do Rio Grande do Sul (1999) e doutorado em Co-

296 Tecnologia, pra quê?

municação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2007). Atualmente é professora adjunta e Chefe do Departamento de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul. Atua como pesquisadora e professora cola-boradora do Programa de Pós-Graduação em Letras Mestrado da Universidade de Santa Cruz do Sul. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Relações Públicas, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação organiza-cional, comunicação interna/ externa, planejamento estratégi-co, comunicação e educação, tecnologias da comunicação.

Os autores

Cosette Espindola de CastroFinalizou os estudos de Pós-Doutorado na Cátedra da Unesco de Comunicação/Metodista em março de 2011. É doutora em Comunicación y Periodismo pela Universidade Autônoma de Barcelona/ Espanha, país onde viveu entre 1998 e 2003. Defen-deu a tese em 2003, quando recebeu nota 10 com louvor. Pos-sui mestrado em Comunicação e Cultura pela PUC/RS (1997); Especialização em Educação Popular pela Unisinos/RS (1996) e graduação em Jornalismo pela Universidade Católica de Pe-lotas/RS (1984). Entre 1984 e 1995 trabalhou como jornalista, atuando em jornalismo impresso, televisivo e assessoria de co-municação. Recebeu Prêmio ARI de Jornalismo em 1987. Em 1995, voltou à academia, onde passou a refletir sobre os anos de prática jornalística. É docente no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Católica de Brasília (UCB). De julho de 2010 a fevereiro de 2011 respondeu pela área de conteúdos e serviços digitais do PNBL. Em 2008 recebeu o prê-mio Luiz Beltrão/ Intercom de liderança emergente em Pesqui-sa em Comunicação. É coordenadora do GT de Contenidos Digitales da Sociedade da Informação para América Latina e Caribe e coordena o GP de Conteúdos Digitais e Convergência Tecnológica da Intercom. É pesquisadora CNPq, onde coorde-na o grupo de Pesquisa sobre Comunicação Digital e Interfa-

297Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

ces Culturais na América Latina. Realiza pesquisa em Comu-nicação desde 1998. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo Especializado, atuando principal-mente nos seguintes temas: mídias digitais, conteúdos digitais, televisão, novas tecnologias da informação e da comunicação, convergência tecnológica, educação à distância, inclusão digi-tal e audiências. É uma das organizadoras dos três volumes do Panorama da Comunicação e das Telecomunicações no Brasil (2010), junto com José Marques de Melo e Daniel Castro. Tam-bém publicou “Comunicação Digital: educação, tecnologia e novos comportamentos”, em parceria com André Barbosa Fo. (Ed. Paulinas, 2008), “Por que os Reality Shows Conquistam as Audiências?” (Ed. Paulus, 2006) e “Mídias Digitais, Conver-gência Tecnológica e Inclusão Social” (Ed. Paulinas, 2005) em parceria com André Barbosa Filho e Takashi Tome. Tem mais de 50 artigos científicos e capítulos de livros publicados em Português, Espanhol e Inglês.

Claudia Peixoto de MouraTenho graduação em Comunicação Social com três habilita-ções - Publicidade e Propaganda (1979), Jornalismo (1980), e Relações Públicas (1984), pela Pontifícia Universidade Católi-ca do Rio Grande do Sul - PUCRS. Realizei três cursos de Es-pecialização em Comunicação Social - nas áreas de Adminis-tração em Publicidade e Propaganda (1981), Estilo Jornalístico (1982), e Administração em Relações Públicas (1986), pela PU-CRS. Cursei o Mestrado em Sociologia, na área da Sociedade Industrial (1990), pela PUCRS. Tenho Doutorado em Ciências da Comunicação, na área de Relações Públicas, Propaganda e Turismo (2000), pela Escola de Comunicações e Artes - ECA, da Universidade de São Paulo - USP. Realizei o Pós-Doutora-mento (2009), no Departamento de Filosofia, Artes e Comuni-cação FAC, da Faculdade de Letras - FLUC, da Universidade de Coimbra UC, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul FAPERGS. Sou Professora Ti-tular (Dedicação Exclusiva), em nível de graduação e de pós-

298 Tecnologia, pra quê?

graduação, na Faculdade de Comunicação Social - FAMECOS/PUCRS. Desde agosto de 2010, sou Coordenadora do Curso de Relações Públicas da faculdade. Fui Coordenadora do Depar-tamento Ciências da Comunicação, de janeiro de 2005 a julho de 2010. Já coordenei o Núcleo de Pesquisa Relações Públicas e Comunicação Organizacional, da Sociedade Brasileira de Estu-dos Interdisciplinares da Comunicação - INTERCOM, de 2001 a 2003, e o Grupo Temático História das Relações Públicas, da Rede Alfredo de Carvalho para a Preservação da Memória da Imprensa e a Construção da História da Mídia no Brasil - REDE ALCAR, de 2004 a 2008. Fui Diretora Científica da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas - ABRAPCORP, de 2006 a 2010. Integrei a Comissão de Especialistas em Formação Superior de Relações Públicas, para as diretrizes curriculares nacionais, designada pela Portaria 595/2010, da Secretaria de Educação Superior/MEC. Tenho experiência em Comunicação, com ênfase nas questões direcionadas ao Ensino e à Pesquisa na área. Também atuo em Relações Públicas, enfocando temáticas como: ensino, pesquisa e memória.

Eduardo PellandaGraduação em Publicidade e Propaganda pela Pontifícia Uni-versidade Católica do Rio Grande do Sul (1998), mestrado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2001) e doutorado em Comunicação So-cial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005). Pós-Doutor pelo Massachusetts Institute of Tech-nology (MIT) - Boston - EUA. Atualmente é professor da Pon-tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e membro do programa de Pós-Graduação em Comunicação da mesma instituição. Coordenador do Centro de Produção Multimídia da PUCRS. Tem experiência na área de Ciências Sociais, com ênfase em Jornalismo e Publicidade, atuando principalmente nos seguintes temas: mobilidade, internet, convergência, e ci-berespaço.

299Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

Nize Maria Campos PellandaPossui graduação em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1962), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1986), doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1992) e doutorado sanduiche em Educação - Miami Universi-ty - Ohio- EUA (1991-1992). Fez estágio de Pós-doutoramento na Universidade do Minho. É professora adjunta da Univer-sidade de Santa Cruz do Sul. Trabalha no Departamento de Educação e atua nos Programas de Pós- Graduação (Mestra-do) de Educação e Letras. É docente e pesquisadora na área de Educação atuando principalmente na investigação dos seguin-tes temas: autopoiesis, epistemologia e informática educativa (Inclusão Digital e Cognição como acoplamento tecnológico). Coordena o projeto de pesquisa GAIA cujos estudos giram em torno da construção do conceito de Ontoepistemogênese numa abordagem complexa da Educação. Desenvolve também pesquisa na Universidade do Minho sob a orientação da Dra. Clara da Costa Oliveira sobre o objeto “Dor e Sofrimento na Educação e na Saúde”.

Fernando Firmino da SilvaFernando Firmino da Silva é doutorando em Comunicação e Cultura Contemporâneas - Linha Cibercultura, na Universida-de Federal da Bahia - UFBA e bolsista do CNPq. Possui mes-trado em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba (2003) e graduação em Comunicação Social - Jornalis-mo pela Universidade Estadual da Paraíba (1999). É professor titular da Universidade Estadual da Paraíba nas disciplinas de Mídias Digitais, Linguagem Fotográfica e Planejamento Grá-fico e Editoração Eletrônica. Atualmente é integrante do Cen-tro Internacional de Estudos e Pesquisa em Cibercultura, nos Grupos de Pesquisa em Cibercidades (GPC) e em Jornalismo Online (GJOL) e participante do Programa Nacional de Coo-peração Acadêmica - PROCAD/CAPES (UFBA, USP, UFSC, TUIUTI) e membro da Rede de Pesquisa Aplicada Jornalismo

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e Tecnologias Digitais - JORTEC da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo -SBPJor. É filiado a Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura - ABCIber e só-cio da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo - SBPJor. Integrante do Laboratório em Jornalismo Convergente na Faculdade de Comunicação Social - UFBA. Atualmente de-senvolve tese sobre jornalismo e mobilidade, na análise do uso de tecnologias móveis digitais e conexões sem fio na produção jornalística sob orientação do professor-doutor André Lemos. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Edi-toração Eletrônica, Jornalismo Digital, Tecnologias móveis di-gitais e Cibercultura, mobilidade; em Ciência da Informação, com ênfase em Tecnologia da Informação, atuando principal-mente nos seguintes temas: jornalismo e mobilidade, pólo de tecnologia, tecnologias móveis e conexões sem fio. Tem artigos científicos publicados em revistas nacionais e internacionais. É co-organizador do livro “Metamorfoses Jornalísticas 2: a re-configuração da forma” (Editora EDUNISC, 2009). Fernando é vencedor do Prêmio Freitas Nobre/INTERCOM nacional 2008 na Categoria Doutorado.

Valério Cruz BrittosPossui graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel, 1987), graduação em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel, 1986), mestrado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS, 1996) e doutorado em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA, 2001). Atualmente é professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), pes-quisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), consultor da Rede de Economia Políti-ca das Tecnologias da Informação e da Comunicação (EPTIC), vice-presidente da Unión Latína de Economía Política de la In-formación, la Comunicación y la Cuultura (ULEPICC-Federa-

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ção), coordenador do GP de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (INTERCOM, entidade da qual é membro do Conselho Consultivo) e editor da revista acadêmica Eptic On Line. É membro do Conselho Editorial de diversos periódicos acadêmicos, do Brasil e do exterior. Já presidiu o Capítulo Brasil da União Latina de Economia Polí-tica da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC-Brasil) e coordenou o GT de Economia Política e Políticas de Comunicação da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós). Tem vasta experiên-cia na área de Comunicação, com ênfase em Economia Políti-ca da Comunicação, atuando principalmente na pesquisa da televisão e convergência, nos seguintes temas: comunicação e capitalismo; políticas de comunicação; audiovisual, tecnologia e sociedade; história da comunicação; e processos midiáticos.

Maíra Carneiro BittencourtJornalista Mestranda em Comunicação, na linha de pesquisa: Mídias e Processos audiovisuais, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS. Graduada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, pela Universidade Católica de Pelotas UCPEL. Possui experiência profissional em várias áreas de abrangência da comunicação, com ênfase em televisão (nas suas diversas rotinas, ancoragem, apresentação, reportagem, edição, cinegrafia e produção) e em assessoria de comunica-ção/imprensa.

Álvaro Benevenuto Jr.Possui graduação em Comunicação Social Habilitação Jornalis-mo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1982), mestrado em Comunicação Social pela Pontifícia Universida-de Católica do Rio Grande do Sul (1998) e doutorado em Ci-ências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2005). Atualmente é professor adjunto da Universidade de Caxias do Sul e está na coordenação de curso, habilitação

302 Tecnologia, pra quê?

Jornalismo. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Videodifusão, atuando principalmente nos seguin-tes temas: comunicação e cidadania, sociedade e comunicação, política de comunicação, meios de comunicação de massa, co-municação sindical, tv alternativa e comunicação comunitária. Pesquisa no âmbito de Comunicação e Saúde, produção de conteúdos digitais e produção audivisual alternativa.

Flavi Ferreira Lisboa FilhoDoutor em Ciências da Comunicação, área de processos midi-áticos, linha mídias e processos audiovisuais , pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universi-dade do Vale do Rio dos Sinos. Mestre em Engenharia da Pro-dução, Bacharel em Ciências Administrativas e em Comunica-ção Social habilitação em Relações Públicas pela Universidade Federal de Santa Maria. Professor Adjunto do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Editor do periódico “Cadernos de Comunicação”. Con-sultor Ad Hoc do PROEXT/MEC. Avaliador INEP/MEC. Tem experiência na área de Comunicação e de Administração, atu-ando principalmente nos seguintes temas: televisão, cultura e mídia regional.

Lynn AlvesLynn Rosalina Gama Alves Última atualização em: 02/05/2011 Possui graduação em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Bahia (1985), Mestrado (1998) e Doutorado (2004) em Edu-cação pela Universidade Federal da Bahia. O Pós-doutorado foi na área de Jogos eletrônicos e aprendizagem pela Università degli Studi di Torino, na Itália. Atualmente é professora adjun-ta e pesquisadora do SENAI -CIMATEC- Departamento Re-gional da Bahia (Núcleo de Modelagem Computacional) e da Universidade do Estado da Bahia. Tem experiência na área de Educação, realizando investigações sobre os seguintes temas: jogos eletrônicos, interatividade, ensino online e educação. Coordena os projetos de pesquisa e desenvolvimento em jogos

303Os dispositivos tecnológicos de comunicação e seu impacto no cotidiano

digitais como: Tríade (FINEP/FAPESB/UNEB), Búzios: ecos da liberdade (FAPESB), Guardiões da floresta (CNPq), Brasil 2014: rumo ao Hexa (SEC-Ba), Games studies (FAPESB), den-tre outros. As produções do grupo de pesquisa encontram-se disponíveis na URL: www.comunidadesvirtuais.pro.br.

Marsal BrancoÉ doutor em Comunicação, na área de games. Sócio diretor da Ilinx Entretenimento, desenvolvedora de games. Possui gra-duação em Publicidade e Propaganda pela Universidade da Região da Campanha (2002) e mestrado em Ciências da Co-municação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2005). Atualmente é professor titular e Coordenador do Curso de Tecnologia em Jogos Digitais da Universidade Feevale. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Games, atuando principalmente nos seguintes temas: games, narrativa, interfaces, ludologia e estratégias comunicativas.

Cristiano Max Pereira Pinheiropossui graduação em Publicidade e Propaganda pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1999), Mestrado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002) com a dissertação “Imagem Ana-lógica, Digital e o Imaginário, e o Doutorado em Comunicação Social, também pela PUCRS, com a tese “Apontamentos para uma aproximação entre jogos digitais e comunicação”. Atual-mente é Coordenador do Curso de Comunicação Social (Jor-nalismo, Relações Públicas e Publicidade e Propagada) da FE-EVALE em Novo Hamburgo/RS. É revisor da revista Gestão e Desenvolvimento (Novo Hamburgo). Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Novas Tecnologias, atuan-do principalmente nos seguintes temas: games, comunicação, criação publicitária, ludologia, narrativa e cibercultura.

Esta obra foi impressa em papel reciclado 90g (miolo) e papel reciclado 250g (capa)

Foi composta com as fontes Minion Pro (corpo de texto) e OCR A Std (títulos)