TEORIA DAS RESTRIÇOES E CONTABILIDADE GERENCIAL ...

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KEY WORDS: theory of constraints, management accounting, performance evaluation. Administração Contábil e Financeira - TEORIA DAS RESTRIÇOES E CONTABILIDADE GERENCIAL: INTERLIGANDO CONTABILIDADE A - PRODUÇAO José Augusto Veiga da Costa Marques Doutor pela EAESP/FGV e Professor dos cursos de pós-graduação e graduação da EGN/UFRJ e do IAG/PUC. Joanília Neide de Sales Cia Doutoranda na EAESP/FGV, Professora e Consultora de Empresas. RESUMO: Como instrumento de apoio à contabilidade gerencial, a teoria das restrições significou uma evolução dos métodos de rateio existentes em razão das mudanças ocorridas no ambiente de manufatura. A escolha da combinação de produtos a serem fabricados emprega uma medida até então esquecida pelos contadores: o ganho por unidade do recurso restritivo. ABSTRACT: As a supporting instrument of management accounting, theory of constraints meant an evolution of allocation procedures due to changes in manufacture plant. The mix of goods to be processed takes a measure that has been forgotten by accountants: the gain by unit of bottleneck output. PALAVRAS-CHAVE: teoria das restrições, contabilidade gerencial, restrição, avaliação de desempenho. 34 RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 38, n. 3, p. 34-46 J uL/Set. 1998

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KEY WORDS: theory of constraints, management accounting, performance evaluation.

Administração Contábil e Financeira

-TEORIA DAS RESTRIÇOES ECONTABILIDADE GERENCIAL:

INTERLIGANDO CONTABILIDADE A-PRODUÇAO

José Augusto Veiga da Costa MarquesDoutor pela EAESP/FGV e Professor doscursos de pós-graduação e graduação da

EGN/UFRJ e do IAG/PUC.

Joanília Neide de Sales CiaDoutoranda na EAESP/FGV, Professora e

Consultora de Empresas.

RESUMO: Como instrumento de apoio à contabilidade gerencial, a teoria das restrições significou uma evoluçãodos métodos de rateio existentes em razão das mudanças ocorridas no ambiente de manufatura. A escolha dacombinação de produtos a serem fabricados emprega uma medida até então esquecida pelos contadores: o ganhopor unidade do recurso restritivo.

ABSTRACT: As a supporting instrument of management accounting, theory of constraints meant an evolution ofallocation procedures due to changes in manufacture plant. The mix of goods to be processed takes a measure thathas been forgotten by accountants: the gain by unit of bottleneck output.

PALAVRAS-CHAVE: teoria das restrições, contabilidade gerencial, restrição, avaliação de desempenho.

34 RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 38, n. 3, p. 34-46 JuL/Set. 1998

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

TEORIA DAS RESTRIÇÕES E CONTABILIDADE GERENCIAL

Dentre as mudanças mais importantessurgidas no âmbito das práticas contábeisrecentes destacam-se as introduzidas pelosnovos instrumentais colocados à disposiçãoda contabilidade gerencial, em especial asmetodologias de rateio dos custos de fabri-cação dos produtos desenvolvidas a partirdos anos 80: o custeio com base em ativida-des (activity-based costing - ABC) e o cri-tério com base na Contabilidade dosGanhos (throughput accounting - TOC).

Os métodos clássicos de custeio - porabsorção e direto - ainda permanecem comoos mais utilizados pelas empresas para finsde evidenciação externa e gerência interna,respectivamente, a despeito de suas limita-ções cada vez mais evidentes em ambienteseconômicos de acentuada competitividade.Da mesma forma, o ambiente de produçãotambém se transformou, o que contribuiupara a mudança na composição relativa dos

. custos industriais. Não obstante, ambas asmetodologias permaneceram até certo pon-to estáticas em face da nova realidade.

A partir dos anos 80, contudo, começa-ram a proliferar estudos - a maior parte denatureza acadêmica - ressaltando ainadequação dos instrumentos convencionaisadotados pela Contabilidade Gerencial e,sobretudo, os efeitos das decisões derivadasdestes instrumentais sobre a posição econô-mica e financeira das empresas.

No chão de fábrica, cada vez mais osengenheiros de produção se distanciavamdos contadores. As informações extraídas dacontabilidade não coincidiam com os plane-jamentos da produção, embora ambas hou-vessem partido dos mesmos conjuntos bási-cos de dados. Por exemplo, a elevação doestoque final de produtos acabados ou emprocesso era considerada um bom indicadorpara o contador, haja vista aumentar o ativototal da entidade e permitir o pleno atendi-mento às iminentes requisições (solicitaçõesdos clientes ou das estações de trabalho sub-seqüentes). Ao contrário, o engenheiro per-cebia aquela elevação como um fator gera-dor de custos e despesas, ou seja, o ativocresceria pela capitalização (ativação) decustos, ao passo que as despesas do períodoseguinte seriam acrescidas pelos encargosadicionais necessários para manutenção emovimentação daqueles excedentes.

EVOLUÇÃO DOS MÉTODOS DECUSTEIO DE PRODUTOS

Tornou-se nítida a mudança doparadigma, mas as companhias relutavam emmudar seus sistemas de informaçãocontábeis, notadamente aqueles referentes aocusteio de seus produtos. A atribuição devalores "verdadeiros" aos produtos passou aconstituir um dos principais objetivos daContabilidade, tanto para a divulgação emsuas demonstrações financeiras periódicas -o montante do estoque final (em agregadono balanço e parcialmente aberto por tipo deestoque em nota explicativa) e do custo dosprodutos vendidos (na demonstração de re-sultados) - quanto como base para decisãosobre o mix ótimo de produtos. A própriamargem operacional bruta compunha o elen-co das medidas de avaliação de desempenhomais relevantes.

...........................................GOLDRATT CRITICA A FIXAÇÃOPELO CÁLCULO DO "CUSTO DO

PRODUTO" DEVIDO AOS RATEIOSINERENTES À SUA OBTENÇÃO,

EMBORA O "CUSTO TOTALMENTEVARIÁVEL" REPRESENTE, DO

MESMO MODO, UM "CUSTO DOPRODUTO". ENTENDE-SE, EMTERMOS APARENTES, QUE OAUTOR NÃO ACREDITA NOSRATEIOS DE CUSTOS AOS

PRODUTOS, E NÃO DO CUSTO DOPRODUTO PROPRIAMENTE DITO.

........................................Alguns daqueles estudos, em adição, dis-

seminaram novas metodologias de custeiotidas como mais apropriadas ao ambienteindustrial moderno - com predomínio, nospaíses de origem, da manufatura sincroniza-da e de alto grau de automação e informati-zação. As práticas de economias de escala -produção no nível máximo de capacidade demodo a minimizar o custo unitário do insumo

© 1998, RAE - Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil. 35

1. GOLDRATT, E. M., FOX, R. A meta. umprocesso de aprimoramento contínuo.São Paulo: Educato, 1993.

2. Para maiores esclarecimentosver JAYSON, S. Goldratt & Fox:Revolutionizing. ManagementAccounting, May 1987, p.18-22.

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- foram alinhadas às economias de escopo -a mesma máquina desempenhando váriasfunções simultaneamente. Foi neste contex-to que a abordagem do custeio por ativida-des (ABC) se desenvolveu.

O ABC parte da premissa de que produ-tos consomem atividades, e estas consomemrecursos. Assim, as atividades surgem quan-do determinadas ações direcionadoras decustos acontecem, com o sacrifício de recur-sos. Por exemplo, diversas ações ocorremdiariamente nas empresas, que consomem

...............................o ABC SIGNIFICA, EM

ESSÊNCIA, UMAPRIMORAMENTO AO

CUSTEIO POR ABSORÇÃOTRADICIONAL, MASREVESTIDO DE UMAABORDAGEM MAIS

SISTÊMICA................................recursos na execução do trabalho dos empre-gados, expedição de produtos aos clientes,requisições de materiais nas linhas de mon-tagem etc. No rateio, os custos totais ineren-tes a cada atividade são distribuídos aos pro-dutos de acordo com o número de vezes queforam desempenhadas em suas fabricações.Em outras palavras, o custo indireto de fa-bricação (CIF) associado a cada atividadeseria distribuído aos produtos proporcional-mente ao número de vezes que este a reque-reu. O custo do produto resultaria dosomatório dos CIFs proporcionais consumi-dos pelas atividades. Na prática, todavia,apenas aquelas atividades mais dispendiosasseriam rastreadas e valoradas para determi-nação dos custos dos produtos.

O ABC significa, em essência, um apri-moramento ao custeio por absorção tradicio-nal, mas revestido de uma abordagem maissistêmica. Técnicas como JIT (Just in Time)e TQM (Total Quality Management) foramincorporadas à abordagem. Não obstante, apreocupação pelo alcance do custo "verda-deiro" do produto permaneceu. Essa fixaçãolevou muitas empresas a abandonarem linhas

de produtos de pequeno volume que deman-davam substancial consumo de atividades,com incentivo à concentração de produtos.

Também em meados de 80, uma outraabordagem passou a ser difundida em perió-dicos de renomada tradição como, entre ou-tros, Management Accounting. A exemplo daanterior, esta abordagem pode ser entendidacomo um aprimoramento em face do novoambiente e do custeio direto convencional:o custeio com base na teoria das restrições.

A TEORIA DAS RESTRiÇÕES

A abordagem metodológica criada pelateoria das restrições (theory oi constraints -TOC) foi inicialmente introduzida por meioda publicação do livro The goal, em 1985,de autoria do físico israelense Eliahu M.Goldratt, traduzido em diversos países.' Es-crito sob a forma de romance, o livro des-creve as experiências do autor (personifica-do pelo protagonista Jonah) na elaboração demétodos de otimização de processos indus-triais, em especial pelo emprego do progra-ma Optimum Production Technology (OPT)- uma aplicação metodológica de PesquisaOperacional - desde 1980.2 A partir dessapublicação, a abordagem expandiu-se paraoutras áreas da empresa, inclusive pela adi-ção de novos instrumentais à contabilidadegerencial.

Embora recente, a teoria das restriçõespode ser dividida em três campos distintos:

1. Um conjunto de ferramentas destina-das à solução de problemas gerenciais: estesinstrumentos são denominados Processos deRaciocínio da TOC (Thinking Processes -TP) e são empregados de modo a responderlógica e sistematicamente às três questõesessenciais de qualquer processo de melhoriade resultados: "o que mudar", "para o quemudar" e "como causar a mudança".

2. Um subconjunto de ferramentas degerenciamento do dia-a-dia, extraídos dosProcessos de Raciocínio, usados para aper-feiçoar as habilidades gerenciais em pontosvitais como, por exemplo, comunicação (ne-gociação, viabilização de idéias), realizaçãode mudanças (resolvendo conflitos crônicos),empowerment (delegando efetivamente) eformação de equipes (para atingir objetivos).

3. Soluções inovadoras criadas a partir daaplicação dos processos de raciocínio TOCem áreas específicas, como produção (con-

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TEORIA DAS RESTRIÇÕES E CONTABiliDADE GERENCIAL

forme discutido no livro citado), distribui-ção, marketing e vendas, gerência de proje-tos e planejamento estratégico.

A partir da adoção de conceitos simplese usuais, a TOC estabeleceu uma integraçãomais efetiva entre as áreas de Contabilidadee Produção, o que acabou por viabilizar atomada de decisões mais eficazes, semprecom vistas a atingir o objetivo primário dequalquer negócio: ganhar dinheiro agora esempre - a meta.

O conceito-chave da TOC refere-se à"restrição", ou seja, o fator que restringe aatuação do sistema como um todo. Em es-sência, restrição significa qualquer obstácu-lo que limita o melhor desempenho do siste-ma em direção à meta. Dois tipos de restri-ções podem ser identificadas: (1) físicas, as-sociadas ao fornecimento de materiais, à ca-pacidade produtiva, à logística e ao merca-do; e (2) não-físicas, ou políticas, ligadas aaspectos gerenciais e comportamentais, pormeio das normas, procedimentos e práticasusuais.

Em condições usuais, as restrições físi-cas são de mais fácil detecção, sendo conhe-cidas como "gargalos" (bottleneck) quandorelacionadas à capacidade instalada de fa-bricação.

Por exemplo, suponha que, numa deter-minada empresa de vestuário, existam trêsrecursos de produção (máquinas ou operá-rios), dispostos de acordo com o fluxo deprodução mostrado na Figura 1.

Na hipótese de o mercado consumidorabsorver quaisquer quantidades de peças detecido fabricadas, o "recurso restritivo decapacidade" consiste no recurso B. Nessesentido, caso a firma produza uma quanti-dade acima de 40 peças ao mês, o efeito destadecisão será a formação de estoques inter-mediários, mas não maiores vendas efetivasdo período. Tais estoques elevarão o total doativo (investimento) da entidade, sem acar-

Figura 1 - Fluxo de produção

retar em ganho imediato de dinheiro pelasvendas. A taxa de retorno contábil irá cair,além de aumentarem as despesas com arma-zenagem e manuseio de materiais. Por outrolado, caso a organização opte por manufatu-rar somente 40 peças ao mês, o mercado ab-sorverá esse volume sem reflexos no acrés-cimo de despesas, mesmo às custas de man-ter dado nível de ociosidade nos recursos Ae C. Em tal situação, a taxa de retorno domês será mais favorável.

A abordagem TOC recomenda que as res-trições físicas sejam gerenciadas de acordocom o seguinte processo decisório:

1. Identificação da(s) restrlção(ões), ouseja, o(s) fator(es) que restrlnge(m) osistema.2. Definição de como explorar a(s)restrlção(ões) do sistema.3. Subordinação de todos os aspectos àsdecisões tomadas acima.4. Elevação da(s) restrlção(ões) do sistema.5. Retomo ao elo agora mais fraco, semdeixar que a Inércia se tome a novarestrição.

No exemplo exposto, o fator que restrin-ge o desempenho do sistema como um todoé a máquina B (ou operário B, da costura).Identificada a restrição, a empresa deve ini-cialmente procurar aproveitá-la da melhorforma possível, com ações do tipo: não per-mitir que se costurem peças com defeito decorte; evitar que o recurso fique parado àespera de peças ou por outro motivo, comonos intervalos de almoço; ou, ainda, traba-lhar apenas com as peças que precisem servendidas. A seguir deve-se subordinar osrecursos de não-restrição (A-corte e C-em-balagem) ao ritmo da restrição (B-costura),

Recurso A Recurso BCorte •• Costura

Capacidade Capacidade

= =60 peças/mês 40 peças/mês 100 peças/mês

Recurso CEmbalagemCapacidade•• =

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7. O lote de transferência pode não ser, emuitas vezes não deve ser, igual ao lote pro-cessado. Em atividades industriais mais com-plexas, o tamanho do lote a ser completamenteprocessado por um recurso antes que este sejareconfigurado de modo a fabricar outro tipode produto pode não coincidir com o tamanhodo lote a ser transferido de um recurso paraoutro, e deste para o seguinte, dentro da linha.Essa flexibilidade poderia, segundo a aborda-gem TOC, diminuir o ciclo de fabricação e onível médio dos estoques intermediários.

8. O lote processado deve ser variável, enão fixo. Uma vez que cada recurso realizauma ou mais operações industriais, possivel-mente suas características individuais (tama-nho do lote de processamento) se diferenci-am. Logo, o lote manufaturado por cada re-curso deveria ser variável em relação a ou-tro, inibindo a formação de estoques.

9. Os planos de controle da produção de-vem ser estabelecidos pela percepção de to-das as restrições simultaneamente. O tempodespendido na produção é o resultado de umquadro e não pode ser predeterminado. O pla-nejamento da produção requer, nesta abor-dagem, a observação da(s) restrição(ões)existente(s) dentro e fora da linha de fabri-cação de modo a se evitar atrasos nas requi-sições de material, em especial junto ao(s)recurso(s) restritivo(s).

Embora empiricamente simples e lógi-cas, tais constatações camuflam um confli-to clássico entre dois mundos existentes nointerior das organizações: o mundo dosganhos e o mundo dos custos.

fornecendo apenas o suficiente para não pro-vocar paradas na costura (recurso B).

Controlada a situação, a firma pode aumen-tar a capacidade física, adquirindo outra má-quina ou modificando-a de modo a aumentarseu nível de atividade. Após a implementaçãoda primeira decisão, o nível de atividade glo-bal crescerá até que alguma melhoria na restri-ção não reflita em aumento das vendas. Istosignifica que uma outra máquina e/ou operá-rio, ou ainda o mercado, toma-se a nova restri-ção, devendo o processo ser reiniciado.

Ainda com base no exemplo sugerido,algumas constatações parecem evidentes ecomuns ao cotidiano das empresas:

1. Equilibrar o fluxo de produção, e não acapacidade de produção. O fluxo sincronizadode 40 peças ao mês não favoreceu a formaçãode estoques. Após a quebra da restrição, o novopatamar de atividade ficaria mais alto.

2. O nível de utilização de um recurso não-gargalo não é determinado por seu próprio po-tencial, mas por qualquer outra restrição do sis-tema. O nível de capacidade do recurso B de-terminou o nível global do sistema, ainda queos recursos A e C permanecessem ociosos.

3. A utilização e a ativação de um recur-so não são sinônimos. A utilização dos re-cursos A e C correspondem a 40 peças se-manais, ao passo que suas "ativações" po-tenciais poderiam superar aquele nível deatividade determinado pela restrição B.

4. Uma hora perdida num gargalo repre-senta uma hora perdida para todo o sistema.Na hipótese do recurso B deixar de funcio-nar por um dia, em termos proporcionais,duas peças (40 peças dividido por 20 diasúteis) deixariam de ser fabricadas por dia,elevando a ociosidade dos outros recursos ereduzindo o nível máximo de produção para38 peças (redução do ganho).

5. Uma hora economizada em um recur-so não-gargalo é apenas uma miragem. Eco-nomizar o tempo de operação dos recursosA e C é irrelevante, uma vez que ambos es-tão ociosos. A ociosidade destes recursospode contribuir para uma diminuição parcial

c das despesas operacionais, mas não afeta oganho do sistema.

6. Os gargalos governam o fluxo de pro-dução e o nível dos estoques. Caso a empre-sa restrinja o nível de produção do sistemaao do recurso B, não surgirão estoques deprodutos em processo. Não há, pois, incenti-vo à formação de estoques.

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o MUNDO DOS GANHOS (TO C) E OMUNDO DOS CUSTOS (ABC EABSORÇÃO)

Uma vez visualizados os efeitos das restri-ções sobre o desempenho do negócio, a TOCestabeleceu uma comparação entre o mundodos custos - a visão convencional do processode tomada de decisões pela Contabilidade - eo mundo dos ganhos - a nova abordagem, queenfatiza os ganhos - ao empregar de maneiradidática a analogia da corrente.

Em condições habituais, o objetivo de qual-quer corrente diz respeito à sua capacidade detransmitir esforço sem se partir. No mundo doscustos, a principal medida de avaliação de de-sempenho consiste no custo-padrão e na análi-se das variâncias, o que significa que as deci-

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TEORIA DAS RESTRIÇÕES E CONTABiliDADE GERENCIAL

sões para alcance da meta visam a redução doscustos, que, na analogia, corresponderia à re-dução de peso da corrente. Controlar os pa-drões de custos de fabricação no intuito de di-minuir o custo total equivale à diminuição dopeso da corrente via redução do peso de al-gum elo independente. As características des-ta abordagem seriam assim resumidas:

Qualquer melhoria em qualquer elo da

de análise de eficiências ou disfunções noemprego dos recursos. Em adição, a ênfasepela otimização dos insumos resulta em maio-res níveis médios relativos de estoque, bemcomo das despesas adicionais na sua movi-mentação, manutenção e manuseio, além doacréscimo às perdas (defeitos, quebras eobsolescência). Por conseguinte, parte-se do

pressuposto de que a elimina-ção da ociosidade de qualquerrecurso contribuiria para a ele-vação do ganho global da enti-dade, o que, em verdade, so-mente ocorreria se este repre-sentasse o fator restritivo.

Na visão do mundo dosganhos, apenas a máxima utili-zação do recurso restritivo de

capacidade (gargalo) determinaria o desem-penho global do negócio. Ao se manter a má-xima eficiência neste recurso - mesmo emdetrimento de níveis de ociosidade nos de-mais -, a receita permaneceria estabilizada,mas a diminuição relativa dos custos e des-pesas poderia ser expressiva, elevando o re-sultado global.

corrente melhora a corrente. A redução depeso melhora o todo. A melhoria globalrepresenta o somatório das melhorias locaisIndividuais. Tudo é possível na melhoriaglobal.

Segundo ficou evidenciado no exemplo,entretanto, o controle dos custos inerentesaos recursos A e C não se traduziu emmelhoria efetiva no ganho do negócio. Au-mentar a capacidade de fabricação destesrecursos não resultaria em acréscimo às ven-das, mas sim em maiores estoques de pro-dutos em processo. A melhoria global so-mente seria conseguida se o recurso B ma-nufaturasse mais de 40 peças ao mês.

Do lado inverso, no mundo dos ganhos,a entidade compõe-se de sub-sistemas, oselos, ao passo que as decisões visam ao au-mento da resistência da corrente, e não à re-dução de seu peso. Logo, somente o fortale-cimento de seu elo mais fraco determinariaa resistência do sistema no intuito demaximizar a capacidade da corrente na trans-missão de esforço. Em outras palavras:

MEDIDAS CONTÁBEIS DEDESEMPENHO NA TOC

A abordagem TOC apresenta outra ana-logia com a finalidade de associar a metada empresa às medidas de desempenho dis-poníveis. Nesse sentido, supondo-se que aorganização deseje adquirir uma "máquinade fazer dinheiro", com certeza a decisãoseria por aquela que produzisse o maior

volume de recursos (lucro lí-quido) em proporção ao capi-tal despendido (investimento).Esta decisão de lucratividadese fundamenta em três concei-tos, como mostra a Figura 2:

1. Ganho (throughput): dizrespeito ao dinheiro gerado pelosistema durante o período. Emcondições normais, a receitaoperacional líquida se converteem disponível em prazo relati-

o

A maioria das melhorias na maioria dos elos

c:x::x::::o restrlção(ões) e os outros quatro passos de

do sistema não melhora a corrente. Amelhoria global difere do somatório dasmelhorias locais. A Identificação da(s)

melhoria do sistema.otimização das restrições físicas capacita a

Em verdade, na visão tradicional busca-se a máxima eficiência na utilização dos fa-tores de produção - economias de escala -,reduzindo ao máximo seu custo por unidadede produto. A diferença entre valores reais epadrões preestabelecidos representa objeto

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vamente curto, assim como expressiva par-cela das encargos variáveis o consome. Oganho deriva-se da diferença entre a receitalíquida e os "custos totalmente variáveis".

2. Despesas operacionais: correspondemaos custos e despesas incorridos no proces-

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3. NOREEN, Eric, SMITH, D., MACKEY, J.T. The theory ot constraints and itsimp/ications for management acco/Jnting.s.l., The North River Press, 1995. p.13.

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Figura 2 - Medidas contábeis da TOe

Ganho(vendas- matéria-prima)

(Investimento)

so de transformação de matérias-primas emprodutos acabados que não sejam "totalmentevariáveis" .

3. Investimento (ativo): recursos que, emalgum período, serão empregados no esfor-ço de gerar receita. Numa avaliação conser-vadora, poderia significar o montante do ati-vo operacional médio.

O emprego das medidas contábeis na abor-dagem TOe pode ocorrer com pequenas mo-dificações, dependendo do segmento de ne-gócio envolvido. Em estudo sobre a imple-mentação da abordagem TOe em empresasindustriais européias e norte-americanas,Noreen, Smith & MacKey constataram que:

"A definição oficial corrente de ganho éreceitas menos 'custos totalmente variáveis.Contudo, na maior parte da literatura TOC,ganho tem sido conceituado como receitasmenos o custo do material direto. Na práti-ca, observamos ambas as versões em uso.Algumas empresas deduzem apenas o custodo material direto das receitas de modo achegar ao ganho, enquanto outras deduzemoutros custos variáveis como mão-de-obrasubcontratada, despesas variáveis de ven-das e custos variáveis de expedição. A ver-são mais simples pode ser utilizada hajavista não existirem outros custos variáveisrelevantes além do material direto. Suspei-tamos, todavia, que alguns gerentes têmempregado a definição mais simplesapenas porque é a definição usada namaior parte da literatura TOC. Nãoaprofundamos essa questão nesta áreade investigação.

Ativos (investimento) na Contabilidadedos Ganhos são idênticos aos ativos da con-

tabilidade financeira convencional, excetopelos estoques. Estoques na Contabilidadedos Ganhos, como no custeio direto, abran-gem somente os custos totalmente variáveis,os quais também têm sido incluídos no re-gistro dos custos das vendas.

A Despesa Operacional consiste de to-das as despesas (e custos) que não sãodeduzidas na obtenção do ganho. A soma dasdespesas operacionais e das deduções dareceita na determinação do ganho é idênti-ca à soma das despesas reconhecida na de-monstração de resultado sob o custeio porabsorção convencional, exceto pelo registrodos custos adicionais capitalizados em esto-ques sob a contabilidade financeira conven-cional. "3

Em síntese, o ganho na abordagem TOeexpressa, na vasta maioria dos casos analisa-dos, a diferença entre a receita operacionallíquida e o custo da matéria-prima. Por suavez, o investimento equivale ao ativo total di-vulgado para o período menos o eIF fixo ra-teado no custeio por absorção. Já a despesaoperacional inclui todas as despesas e custosfixos ou semifixos. Não obstante, a forma deregistro de determinados eventos - como ar-rendamento mercantil, P&D, treinamento depessoal, amortização de intangíveis e campa-nhas de propaganda - poderia alterar de ma-neira acentuada os montantes do investimen-to e da despesa operacional, a exemplo da prá-tica cotidiana (legislação societária em opo-sição aos princípios contábeis).

Por outro lado, os três conceitos derivam asmedidas de desempenho abaixo relacionadas:

1. Lucro líquido do período: obtido dadiferença entre o ganho e os custos (e as des-pesas operacionais), significa uma medidaabsoluta de lucratividade para avaliação donível de geração de dinheiro pelo sistema;

2. retorno sobre o investimento: resul-tante da divisão entre o lucro líquido e o in-vestimento empregado; corresponde à medi-da relativa de lucratividade do modelo;

3. fluxo de caixa: medida absoluta deliquidez; por aproximação, pode serconseguida pela dedução ao capital de girodas operações da variação positiva líquidados ativos circulantes (exceto disponível) einclusão da variação positiva líquida dospassivos circulantes. Representa uma condi-ção necessária à manutenção de níveis ade-quados às medidas de lucratividade.

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TEORIA DAS RESTRIÇÕES E CONTABILIDADE GERENCIAL

Dentro destes princípios, a TOC desen-volveu uma ferramenta de medição, deno-minada bússola," que possibilita determinaro impacto financeiro de uma decisão espe-cífica. Desta forma, cada pessoa conta comum mecanismo coerente para a tomada dedecisão, com o qual é induzido a fazer o queé bom para a organização como um todo, se-guindo sempre a direção da meta de ganhardinheiro hoje e sempre.

A TEORIA DAS RESTRiÇÕES E OCUSTEIO DIRETO

Como pode ser notado, em muitos aspec-tos a abordagem TOC se aproxima do cus-teio direto no tocante às medidas de desem-penho. A nova visão representaria, assim,uma metodologia radicalmente inovadora emface das técnicas contábeis hoje conhecidas?Certamente não. A abordagem TOC signifi-ca, sim, uma evolução ao método de custeiodireto, mas revestida por uma visão sistêmica- à semelhança da evolução do custeio porabsorção para o ABC. Na opinião de Noreen,Smith & MacKey:

"Ao nível conceitual, o ganho não sedistingue da margem de contribuição. Oganho consiste da receita menos os 'cus-tos totalmente variáveis', e a definiçãogeral de margem de contribuição é recei-ta menos os custos variáveis. Também aonível conceitual, não existem diferençasentre a Contabilidade dos Ganhos e o cus-teio direto. Na prática, porém, existe umadiferença relevante - o tratamento do custoda mão-de-obra direta. Na Contabilidadedos Ganhos o custo da mão-de-obra dire-ta não é deduzido quando computado oganho e não é capitalizado ao estoque. Aoinvés, é incluído como parte das despesasoperacionais. O tratamento usual no cus-teio direto consiste em considerar mão-de-obra direta um custo variável. Entretanto,esta é apenas uma convenção e, caso amão-de-obra direta seja considerada fixasob o custeio direto, então este custeio se-ria igual à Contabilidade dos Ganhos,alheio ao modo com que umas poucas con-tas são trabalhadas."?

Em verdade, a inclusão no custeio diretoda mão-de-obra direta (MOD) no conjuntodos custos e despesas variáveis tem sido mais

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uma questão de tradição acadêmica do quede resistência à mudança. Em termos lite-rais, toda a literatura contábil existente as-sociada à análise do custo-volume-lucro ecusteio direto incorpora a MOD aos encar-gos variáveis. Sua adaptação tornaria ambasas metodologias equivalentes, nas medidasgerais de desempenho.

EM QUALQUER LINHA DEMANUFATURA EXISTE PELO MENOS

UM RRC. MESMO ASSIM, OSESTOQUES DE PROTEÇÃO DEVEM

SER PLANEJADOS EM DOISLUGARES: (A) ANTES DO RRC E (B)APÓS O ÚLTIMO RECURSO (NÃO-GARGALO) A FIM DE ATENDER ÀS

DEMANDAS RANDÔMICAS DOMERCADO.

Um aspecto curioso diz respeito à inter-pretação daqueles autores acerca da posturade Goldratt sobre "custo do produto":

"Como outros críticos das práticas decontabilidade de custos tradicionais,Goldratt acredita que o custeio por absor-ção usual foi razoavelmente exato nosprimórdios da contabilidade de custos, quan-do o custo da mão-de-obra direta era variá-vel e existia um reduzido overhead. Todavia,mão-de-obra agora é largamente fixa e ooverhead tem se tornado uma grande parce-la do custo total. Goldratt critica a compa-nhia, assim como aqueles que advogam ocusteio por atividades como um meio de res-taurar a relevância da contabilidade de cus-tos, por não acreditar que o custeio por ati-vidades pode fornecer respostas confiáveisà questão 'Qual impacto a decisão terá so-bre os ganhos, as despesas operacionais eos ativos?'.

De modo a nos livrar do tipo de racioci-nio que conduz aos custos dos produtos to-talmente distribuídos, Goldratt acreditaque se torna necessário expurgar o termo

4. Esta ferramenta é estudada no seminá-rio "Mundo dos Ganhos", ministrado peloAGI - Instituto Goldratt do Brasil.

5. NOREEN, Eric, SMITH, O., MACKEY, J.T. Op. cit., p.13-4.

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'custo do produto' de nosso vocabulário. Eleestá certo de que não existe uma coisa comocusto do produto na realidade, embora de-duza os 'custos totalmente variáveis' dasreceitas de maneira a chegar ao ganho paraum produto. "fi

Ou seja, Goldratt critica a fixação pelocálculo do "custo do produto" devido aos ra-teios inerentes à sua obtenção, embora o "cus-to totalmente variável" represente, do mesmomodo, um "custo do produto". Entende-se, emtermos aparentes, que o autor não acredita nosrateios de custos aos produtos, e não do custodo produto propriamente dito.

O Quadro 1 mostra uma comparação decusteio variável com contabilidade do ganho.'

As duas posições - mundo dos custos edos ganhos - diferem de modo acentuadoquanto à ênfase em cada um dos três concei-tos citados. No mundo dos custos, enfatiza-se relativamente mais a redução das despe-sas operacionais, haja vista serem de maisdireto controle da Administração. Em segun-do nível ficam as decisões ligadas a ganhose, por último, aquelas associadas ao investi-mento empregado.

Em contraste, no mundo dos ganhos, aênfase maior recai sobre o ganho, em teseconsiderado de crescimento infinito. Em se-guida, as decisões voltam-se para as despe-sas operacionais, as quais possuem um limi-te máximo de redução sem que o ganho sejaafetado. Por último, permanecem as decisõesrelacionadas a investimento.

SISTEMA LOGíSTICO DO TAMBOR·PULMÃO·CORDA

Goldratt & Fox desenvolveram um siste-ma logístico denominado tambor-pulmão-cor-da, o qual passou a representar a interligaçãoentre a Contabilidade e a Produção. Tal siste-ma limita o planejamento do fluxo de produ-ção à restrição física da linha, denominadarecurso restritivo de capacidade (RRC):

"Em qualquer fábrica existem uns poucosrecursos restritivos de capacidade (RRCs) -os soldados mais fracos. Esta percepção doRRC reconhece que tais restrições decidirãoa taxa de produção de toda a fábrica. Assim,permita-nos tratar o principal recursorestritivo como o tambor. Sua taxa de produ-ção servirá como um ritmo para toda a ma-nufatura. Também precisaremos estabelecerum estoque de proteção para cada RRC. Essenível de segurança será constituído apenasdo estoque necessário para manter o RRCocupado durante o próximo intervalo de tem-po predeterminado (iremos nos referir comopulmão a este tempo de proteção). Em conse-qüência, este pulmão produzirá o tempo deprocessamento da fábrica contra qualquerdisfunção que possa ocorrer dentro do inter-valo de tempo predeterminado".

De modo a assegurar que aquele estoquenão crescerá acima do nível estabelecido pelopulmão, devemos limitar a taxa na qual amatéria-prima é transformada na manufatura.

Quadro 1 - Comparativo da contabilidade de ganho X custeio variável

"Custeio variável Custeio varfável com mão-de-obra Contabilidade Contabilidade .dó

cOl,lveneional direta classificada como fix:~ do ganho ganho simplificada

Receita Receita Receita Receita

HMateriais HMateriais HCustos HMateriais

diretos diretos totalmente diretos

HMão-de-obra variáveis

diretaHDespesas HDespesasadministrativas' administrativas'

= Margem de = Margem de = Ganho = Ganho

contribuição contribuição(-) Despesas (-) Despesas HDespesa H Despesa

fixas fixas operacional operacional

- - - -6. ldern, p.23-4. - Lucro - Lucro

"Despesas gerais e administrativas tanto de produção como de não-produção.

RAE· v.38 • n. 3 • Jul./Set. 1998

7. Idem, Ibidem.

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- Lucro - Lucro

TEORIA DAS RESTRIÇÕES E CONTABiliDADE GERENCIAL

Uma corda deveria ser amarrada do RRC àprimeira operação. Em outras palavras, a taxana qual da operação inicial a matéria-primase transforma em produto acabado seria dita-da pela taxa em que o RRC está produzindo.

"Tais conceitos parecem sonoros, assim,permita-nos derivar um procedimento demodo a implementar a abordagem logísticado RRC, o sistema tambor-pulmão-corda, nafábrica. Um bom sistema logístico deveriapossuir os meios (planos e quadros de pro-dução) a fim de controlar o fluxo de materi-ais dentro, através efora das indústrias semrelação a quanto complicados possam ser.Este representa justamente o procedimentoque necessitamos desenvolven'"

Com base neste raciocínio, em qualquer li-nha de manufatura existe pelo menos um RRC.Mesmo assim, os estoques de proteção devemser planejados em dois lugares: (a) antes doRRC, segundo explicado pelos autores, e (b)após o último recurso (não-gargalo), a fim deatender às demandas randômicas do mercado.

SIMULAÇÃO: EMPRESAINDUSTRIAL P&Q

Como forma de realizar uma análise com-parativa sobre os efeitos contábeis das deci-sões gerenciais obtidas com base nas abor-dagens convencional e da TOC, o exemploda firma P&Q9 foi transcrito a seguir:

A empresa industrial P&Q Ltda.fabricae vende os produtos P e Q. Essa firma atuaem condições ideais, ou seja, só fabrica osdois produtos, possui um mercado consumi-dor firme, os preços são fixos, há disponibi-lidade ilimitada de matéria-prima, as má-quinas não quebram e não existe refugo noprocesso de industrialização.

A demanda semanal pelo produto P cor-responde a 100 unidades, ao preço unitáriode R$ 90, ao passo que para Q significa 50peças, ao preço de R$ 100 cada. Afirma utili-za as máquinas (recursos de produção) A, B,C e D de modo a transformar as matérias-pri-mas MP 1,MP2, MP 3 e MP4 em produtos aca-bados. As três primeiras custam R$ 20 cadaunidade, enquanto a MP4 custa R$ 5. Os flu-xos dos processos, os preços, as quantidadese os tempos despendidos na fabricação se en-contram esquematizados na figura 3.

RAE· v.38 • n.3 • Jul./Set. 1998

Do ponto de vista contábil e da produ-ção, as informações relevantes são listadasabaixo:

• O investimento total empregado pelaempresa corresponde a R$ 160 mil.A empresa tem uma unidade de cada re-curso.

• Cada recurso pode ser utilizado durante8 horas ao dia, nos 5 dias da semana, numtotal de 2.400 minutos (8 ' 5 ' 60).Os gastos incorridos por semana signifi-cam:

(a) mão-de-obra direta: 4 operários, 40 ho-ras semanais, com taxa horária de R$ 5,totalizando R$ 800 (4 ' 40 ' 5);

(b) custos indiretos de fabricação: pelo totalde R$ 5.200.

Ou seja, somando MOD e CIF tem-secomo resultado R$ 6 mil.

• Conforme a figura divulgada (Figura 3),pode-se calcular os tempos de fabricaçãode ambos os produtos:

(a) P = 15 + 10 + 10 + 15 + 5 = 55 minutospor cada peça;

(b) Q = 15 + 5 + 5 + 10 + 15 = 50 minutospor peça.

...... '" .o EMPREGO DA MEDIDA "GANHOUNITÁRIO NO GARGALO" TEM

FICADO AUSENTE DA LITERATURACONTÁBIL TRADICIONAL DESDE

HÁ MUITO.

..........................................A questão a ser resolvida diz respeito a

qual combinação de produtos maximizariao resultado líquido semanal da empresa.

Pela abordagem convencional (custeiopor absorção), seria considerado preferí-vel aquele produto com maior margem bru-ta. Pelo emprego do custeio direto, aqueleque apresentasse a maior margem de con-tribuição - considerando a MOD comovariável. Pela adoção do custeio por ativi-dades, o mix seria composto a partir do pro-duto de maior margem total (receita me-

8. GOLDRATI, E. M., FDX, R. The rsceNew York: North River Press, 1985. p.98.

9. GOLDRATT, E. M. The HaystackSyndrome: shifting inlormalion out 01lhedata oceano New York: lhe North RiverPress, 1990.

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nos custo total ponderado pela quantidadede atividades consumidas). Por fim, combase na abordagem TOC, a seleção levaria emconta aquele que mostrasse o maior ganho deacordo com suas restrições inerentes (ganhono gargalo). Nesta última visão, a decisão se-ria obtida a partir da análise do recursorestritivo de capacidade (RRC).

Os cálculos a seguir evidenciam os re-sultados dos diferentes métodos de custeio,bem como os conflitos envolvidos. Uma vezque o mercado potencial pode absorver 100unidades do produto P e 50 unidades de Q,os custos unitários da matéria-prima (MP)e da mão-de-obra direta (MOD) de cada pro-duto seriam obtidos com o auxílio do fluxode produção exposto. Já o custo indireto defabricação unitário (CIF) seria obtido pela

Figura 3 - Empresa P&Q recursos produtivos

distribuição dos R$ 5.200 proporcionalmen-te ao custo total da MOD para aquelas quan-tidades de produto. Assim, a margem brutaunitária equivaleria a R$ 4,67 para P e R$23,33 para Q. Em decorrência, com base nocusteio por absorção, a ênfase recairia so-bre o produto Q.

Contudo, a empresa possui determina-das limitações da planta quanto à fabrica-ção desses produtos naquelas quantidades.Na hipótese daqueles volumes serem ma-nufaturados, a máquina B teria de ser utili-zada em horário superior a sua capacidadesemanal, ultrapassando as 2.400 horas dis-poníveis em 25%. As demais máquinas ain-da permaneceriam ociosas. Logo, o recursoque restringe a capacidade da fábrica con-siste na máquina B.

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PDEMANDA = 100

PREÇO DE VENDA = $ 90

MP4 - BotãoR$5 ~-------------,

D - Embalagem ·10 min

I~,1....//

D • Embalagem· 5 mln

CJ QDEMANDA = 50

PREÇO DE VENDA::: $100

c . Costura· 10 min

A - Corte· 15 mln

MP1 - Seda

R$ 20

C • Costura· 5 mln

B • Bordado· 16 mln

MP2 - Algodão

R$ 20

B· Bordado ·15 mln

/'Cc::.

A· Corte ·10 mln

MP3 - Rami

RS 20

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TEORIA DAS RESTRIÇÕES E CONTABILIDADE GERENCIAL

Haja vista essa restrição, a prioridade seriaa produção de 50 unidades de Q, o que consu-miria 1.500 horas do tempo disponível sema-nal de B. As 900 horas restantes se destinariamà fabricação de P. Ou seja, a composição "óti-ma" abrangeria 50 unidades de Q e apenas 60unidades de P. Tal composição levaria a firma aum prejuízo contábil de R$ 300 por semana.

O mesmo raciocínio poderia ser aplicado aocusteio direto, que considera, por convenção, aMOD como variável. A margem de contribui-ção do produto Q também supera aquela obtidapara P. Por sua vez, a adoção do sistema ABCcomo um aprimoramento ao custeio por absor-ção, enfatizaria o produto Q da mesma maneira.

Ao contrário, na abordagem da TOC, adecisão seria condicionada ao ganho por uni-dade de produto no uso do recurso B. Ob-servando-se apenas o montante dos ganhosunitários dos dois produtos (no caso, os res-

pectivos preços deduzidos de seus custos to-talmente variáveis, a MP), Q seria preferí-vel a P: ganhos de R$ 60 e R$ 40, respecti-vamente. Não obstante, ao se considerar oRRC neste cálculo, verifica-se que P possuium ganho unitário de R$ 3 no gargalo, en-quanto Q, somente R$ 2. Desse modo, a ên-fase recairia sobre a produção de P. O mixseria composto de 100 unidades de P e ape-nas 30 de Q. Essa combinação conduziria afirma a um lucro líquido de R$ 300.

A despeito de sua simplicidade, o exemplocitado confirma a necessidade de uma maiorintegração entre as práticas contábeis geren-ciais e as medidas de desempenho oriundas daprodução. O emprego da medida "ganho uni-tário no gargalo" tem ficado ausente da litera-tura contábil tradicional desde há muito.

Serão mostradas a seguir as tabelas decálculo do exemplo.

TABELAS DE CÁLCULO DO EXEMPLO P&Qa) Abordagem tradicional

Tabela 1 - Demonstração de resultado

P Q "p ,~oQ e+Qt-

Unitário Total TotalQuantidade 100 50

Receita de vendas 90,00 100,00 9.000 5.000 14.000Custo das vendas (85,33) (76,67) (8.533) (3.833) (12.367)Matéria-prima (45,00) (40,00) (4.500) (2.000) (6.500)MãO-de-obra direta (4,58) (4,17) (458) (208) (667)Custos indiretos fabricação (35,75) (32,50) (3.575) (1.625) (5.200)Margem bruta 4,67 23,33 467 1.167 1.633

Tabela 2 - Cálculo de capacidade de fabricação

P(min) x 100 q('mi~1' x50 Oi;; ~-~Toral / 2.400 Pofencial§Ir

.- -----Recurso A 15 1.500 10 500 2.000 83% Ocioso

Recurso B 15 1.500 30 1.500 3.000 125% Excesso

Recurso C 15 1.500 5 250 1.750 73% Ocioso

Recurso D 10 1.000 5 250 1.250 52% Ocioso

Tabela 3 - Cálculo da utilização do recurso B (restrição)

Minutos de B para 50 unidades Q 1.500

Minutos restantes para P = (2.400 -1.500) 900

Quantidade possível de P = (900/15) 60

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Mix otimizante

P(u) 60

Q(u) 50

45

Tabela 4 - Demonstração gerencial de resultado

,-B$ll!lli- j.-R$/un. R$ Total __

Receita unitária de vendas 90 100

Custo unitário da matéria-prima (45) (40)

Margem para cobertura CIF e MOD (un.) 45 60

Unidades fabricadas e vendidas 60 50

Margem para cobertura CIF e MOD (Tot.) 2.700 3.000 5.700

Custo total = MOD + CIF (6.000)

Prejuízo líquido contábil (300)

b) Abordagem da TOC

Tabela 5 - Demonstração gerencial de resultado

P (R$lun.) Q (R$/Ull.) R$ Total

Receita unitária de vendas 90 100

Custo totalmente variável = MP (45) (40)

Ganho unitário 45 60

Classificação estratégica 2Q 1Q

Tempo usado no RRC = Fator B 15 30

Ganho por minuto no RRC 3,00 2,00

Nova classificação de prioridade 1~ 2"

Tempo efetivo usado pelo RRC 1500 900

Mix otimizante pela TOC (un.) 100 30

Ganho total 4.500 1.800 6.300

Despesas operacionais = CIF + MOD (6.000)

Lucro líquido contábil 300

CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Nos anos recentes, o sistema econômicose tornou mais competitivo e o ambiente demanufatura, mais informatizado eautomatizado. A globalização dos mercadosnacionais conduziu as empresas uma eleva-ção de seus níveis de produtividade a fimde sobreviverem. Todavia, as inovaçõesintroduzidas no chão de fábrica não foramacompanhadas por avanços significativosnas técnicas utilizadas pela ContabilidadeGerencial e de Custos: a ênfase persistia nocontrole dos custos.

O ABC significou a primeira grande al-teração de enfoque, mas, ainda assim,apresenta va distorções quanto a seu pro-cesso decisório, haja vista derivar da abor-dagem convencional: incentivava a con-centração da produção em poucas linhas

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de produtos (linhas de produtos emergen-tes, mas de alto consumo de atividadesnão eram incentivadas) e não considera-va as restrições inerentes ao processo defabricação.

Pouco depois, a abordagem TOC ini-ciou sua difusão. Esta visão procurou es-tabelecer uma ligação mais estrita entreContabilidade e Produção ao associar osregistros contábeis e decisões gerenciaisaos "gargalos" existentes nas linhas de fa-bricação e/ou no mercado (restrições fí-sicas). Ainda muito recente, esta aborda-gem tenderá a expandir-se nos próximosanos, haja vista a ausência de estudosempíricos e experimentais em algumas desuas áreas de conhecimento. Nesse senti-do, a presente pesq uisa visou a acrescen-tar parte dessas novas idéias que come-çam a se desenvolver no país. O

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