Terapia cognitivo-comportamental e disfunções psicofisiológicas

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1 Psicólogo. Supervisor Clínico do Curso de Especialização em Medicina Comportamental da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP; Supervisor Clínico do Curso de Aprimoramento em TCC do AMBAN-IPQ-HCFMUSP; Coordenador do Setor de Psicologia da Saúde do Instituto de Doenças Neurológicas de São Paulo – Hospital Beneficência Portuguesa. 1/19 NEVES NETO, A.R. Terapia Cognitivo-Comportamental e Disfunções Psicofisiológicas. In: BRANDÃO, M.Z.S. e cols. (orgs.). Sobre Comportamento e Cognição: Clínica, Pesquisa e Aplicação. Vol. 12, Cap. 06, pp. 76-86, Santo André: Esetec, 2003. Terapia Cognitivo-Comportamental e Disfunções Psicofisiológicas Armando Ribeiro das Neves Neto 1 E-mail: [email protected] Atualmente há uma crescente busca por tratamentos eficazes para as condições orgânicas que estão associadas aos diversos fatores psicológicos e sociais. A utilização de Terapia Cognitivo-Comportamental para intervenção nas disfunções psicofisiológicas apresenta uma relação custo-benefício satisfatória, além de poder ser uma nova opção nas práticas de manejo de doenças, em que se adota um meio mais natural e completo de cuidado (Neves Neto, 2003; 2002; 2001; Trask e cols., 2002). Os centros de saúde vêm aos poucos incorporando as Recomendações do Centro para o Avanço da Saúde dos EUA (Anexo 1), por apresentar uma visão holística de saúde e doença, condizente com o próprio conceito de saúde da Organização Mundial da Saúde (Anexo 2). O que são Disfunções Psicofisiológicas? A associação etiológica das doenças orgânicas (somáticas) aos fatores psicossociais (psíquicos, comportamentais, ambientais e culturais) há muitos anos tem sido relatada, podendo mesmo ser encontrada nos aforismos hipocráticos,

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Atualmente há uma crescente busca por tratamentos eficazes para as condições orgânicas que estão associadas aos diversos fatores psicológicos e sociais. A utilização de Terapia Cognitivo-Comportamental para intervenção nas disfunções psicofisiológicas apresenta uma relação custo-benefício satisfatória, além de poder ser uma nova opção nas práticas de manejo de doenças, em que se adota um meio mais natural e completo de cuidado...

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1Psicólogo. Supervisor Clínico do Curso de Especialização em Medicina Comportamental da Escola Paulista de Medicina – UNIFESP; Supervisor Clínico do Curso de Aprimoramento em TCC do AMBAN-IPQ-HCFMUSP; Coordenador do Setor de Psicologia da Saúde do Instituto de Doenças Neurológicas de São Paulo – Hospital Beneficência Portuguesa.

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NEVES NETO, A.R. Terapia Cognitivo-Comportamental e Disfunções Psicofisiológicas. In:

BRANDÃO, M.Z.S. e cols. (orgs.). Sobre Comportamento e Cognição: Clínica, Pesquisa e

Aplicação. Vol. 12, Cap. 06, pp. 76-86, Santo André: Esetec, 2003.

Terapia Cognitivo-Comportamental e Disfunções Psicofisiológicas

Armando Ribeiro das Neves Neto1

E-mail: [email protected]

Atualmente há uma crescente busca por tratamentos eficazes para as

condições orgânicas que estão associadas aos diversos fatores psicológicos e

sociais. A utilização de Terapia Cognitivo-Comportamental para intervenção nas

disfunções psicofisiológicas apresenta uma relação custo-benefício satisfatória,

além de poder ser uma nova opção nas práticas de manejo de doenças, em que

se adota um meio mais natural e completo de cuidado (Neves Neto, 2003; 2002;

2001; Trask e cols., 2002).

Os centros de saúde vêm aos poucos incorporando as Recomendações do

Centro para o Avanço da Saúde dos EUA (Anexo 1), por apresentar uma visão

holística de saúde e doença, condizente com o próprio conceito de saúde da

Organização Mundial da Saúde (Anexo 2).

O que são Disfunções Psicofisiológicas?

A associação etiológica das doenças orgânicas (somáticas) aos fatores

psicossociais (psíquicos, comportamentais, ambientais e culturais) há muitos anos

tem sido relatada, podendo mesmo ser encontrada nos aforismos hipocráticos,

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nos textos de alguns filósofos gregos e na sabedoria popular cotidiana (Totman,

1982; Gatchel & Blanchard, 1998; Baum e cols., 1997).

O filósofo René Descartes aparece como um importante personagem do

que se convencionou chamar de dualismo mente-corpo, que fragmenta o homem,

marcando a história atual das ciências da saúde.

Movimentos em direção a compreensão mais profunda das relações entre o

psiquismo e o corpo, a partir do século XIX, aparecem na forma do que se

denominou Medicina Psicossomática, abordagem médica que buscava através da

utilização dos conceitos psicanalíticos uma leitura e intervenção que integra a

mente às doenças somáticas (Dunbar, 1935; Balint, 1988; Mello Filho, 1992;

Gatchel & Blanchard, 1998; Neves Neto, 2002).

Concomitantes ao desenvolvimento desse grande movimento, novas

correntes teóricas também iniciaram pesquisas que buscam explicar

cientificamente a etiologia multifatorial dos desajustes somáticos, sendo assim

criadas novas áreas, como a Psicologia Médica, a Psicobiologia, a Psicofisiologia,

a Medicina Comportamental, Comportamento e Saúde, Psicologia da Saúde

(Psicologia Hospitalar), Medicina Corpo-Mente, Psiconeuroimunologia, Psico-

Oncologia, Neuropsicologia e etc. (Figura 1) (Baum e cols., 1997; Kaplan et al.,

1997; Kendler, 2001; Neves Neto 2001), que modificaram o modelo biomédico

hegemônico em benefício ao modelo biopsicossocial.

Mente

Corpo

Figura 1- Ilustração da relação dialética entre a mente e o corpo.

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Mas afinal, o que são disfunções psicofisiológicas? Há uma grande

confusão atual, devido aos diversos grupos que se interessaram por esta área do

conhecimento, podendo ser encontrados diversas denominações (ex. doenças

psicossomáticas, doenças funcionais, disfunções psicofisiológicas, transtornos

somatoformes, fatores psicológicos que afetam condições médicas).

Com o objetivo de seguir a classificação oficial da Organização Mundial da

Saúde (1997), podemos relacionar as disfunções psicofisiológicas a duas

categorias principais:

A- Transtornos Neuróticos, Relacionados ao Estresse e Somatoformes (códigos F40 – F48). B- Síndromes Comportamentais Associadas a Distúrbios Fisiológicos e a Fatores Físicos (códigos F50 – F59).

Segundo a classificação da Associação Americana de Psiquiatria (1997) as

disfunções psicofisiológicas podem ser definidas como:

A- Transtornos Somatoformes

“A característica comum dos Transtornos Somatoformes é a

presença de sintomas físicos que sugerem uma condição médica

geral (daí, o termo somatoforme), porém não são completamente

explicados por uma condição médica geral, pelos efeitos diretos de

uma substância ou por um outro transtorno mental (por ex.,

Transtorno de Pânico)”.

Os seguintes Transtornos Somatoformes são incluídos nesta classificação:

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O Transtorno de Somatização (historicamente chamado de histeria

ou síndrome de Briquet) é um transtorno polissintomático que inicia

antes dos 30 anos, estende-se por um período de anos e é

caracterizado por uma combinação de dor, sintomas gastrintestinais,

sexuais e pseudoneurológicos.

O Transtorno Somatoforme Indiferenciado caracteriza-se por

queixas físicas inexplicáveis, com duração mínima de 6 meses,

abaixo do limiar para um diagnóstico de Transtorno de Somatização.

O Transtorno Conversivo envolve sintomas ou déficits inexplicáveis

que afetam a função motora ou sensorial voluntária, sugerindo uma

condição neurológica ou outra condição médica geral. Presume-se

uma associação de fatores psicológicos com os sintomas e déficits.

O Transtorno Doloroso caracteriza-se por dor como foco

predominante de atenção clínica. Além disso, presume-se que

fatores psicológicos têm um importante papel em seu início,

gravidade, exacerbação ou manutenção.

Hipocondria é preocupação com o medo ou a idéia de ter uma

doença grave, com base em uma interpretação errônea de sintomas

ou funções corporais.

O Transtorno Dismórfico Corporal é a preocupação com um

defeito imaginado ou exagerado na aparência física.

O Transtorno de Somatização Sem Outra Especificação é

incluído para a codificação de transtornos com sintomas

somatoformes que não satisfazem os critérios para qualquer um dos

Transtornos Somatoformes.

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B- Fatores Psicológicos que Afetam a Condição Médica

“A característica essencial dos Fatores Psicológicos Afetando a

Condição Médica é a presença de um ou mais fatores psicológicos

ou comportamentais específicos que afetam adversamente uma

condição médica geral”.

Os seguintes Fatores Psicológicos que Afetam Condição Médica são

incluídos nesta classificação:

Transtorno Mental Afetando... [Indicar a Condição Médica Geral]. Um transtorno específico do Eixo I ou do Eixo II afeta

significativamente o curso ou tratamento de uma condição médica

geral (por ex., Transtorno Depressivo Maior afetando adversamente

o prognóstico de infarto do miocárdio, insuficiência renal ou

hemodiálise; Esquizofrenia complicando o tratamento de diabete

melito). Além de codificar esta condição no Eixo I, o transtorno

mental específico também é codificado no Eixo I ou no Eixo II.

Sintomas Psicológicos Afetando... [Indicar a Condição Médica Geral]. Sintomas que não satisfazem todos os critérios para um

transtorno do Eixo I afetam significativamente o curso ou tratamento

de uma condição médica geral (por ex., sintomas de ansiedade ou

depressão afetando o curso e a gravidade da síndrome do cólon

irritável ou de úlcera péptica, ou complicando a recuperação de uma

cirurgia).

Traços da Personalidade ou Forma de Manejo Afetando... [Indicar a Condição Médica Geral]. Um traço da personalidade ou

uma forma de manejo mal-adaptativa afeta significativamente o curso

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ou tratamento de uma condição médica geral. Os traços da

personalidade podem não atingir o limiar para um transtorno do Eixo

II ou representar um outro padrão que comprovadamente constitui

um fator de risco para certas doenças (por ex., comportamento "tipo

A", tenso e hostil, para doença coronariana). Os traços da

personalidade problemáticos e as formas mal-adaptativas de manejo

podem perturbar a relação de trabalho com o pessoal da área da

saúde.

Comportamentos de Saúde Mal-Adaptativos Afetando... [Indicar a Condição Médica Geral]. Comportamentos mal-adaptativos de

saúde (por ex., estilo de vida sedentário, práticas de sexo inseguro,

excessos alimentares, consumo excessivo de álcool e drogas)

afetam significativamente o curso ou tratamento de uma condição

médica geral. Se os comportamentos mal-adaptativos são melhor

explicados por um transtorno do Eixo I (por ex., excesso alimentar

como parte da Bulimia Nervosa, uso de álcool como parte da

Dependência de Álcool), deve ser usada a denominação "Transtorno

Mental Afetando a Condição Médica".

Resposta Fisiológica Relacionada ao Estresse Afetando... [Indicar a Condição Médica Geral]. Respostas fisiológicas

relacionadas ao estresse afetam significativamente o curso ou

tratamento de uma condição médica geral (por ex., precipitam dor

torácica ou arritmia em um paciente com doença coronariana).

Fatores Psicológicos ou Outros Inespecificados Afetando... [Indicar a Condição Médica Geral]. Um fator não incluído nos

subtipos especificados antes ou um fator psicológico ou

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comportamental inespecificado afeta significativamente o curso ou

tratamento de uma condição médica geral.

No quadro 1, são descritas algumas condições médicas que atualmente

recebem atenção através de estudos clínicos com o objetivo de estabelecer a

relação entre a doença orgânica e os componentes psicossociais.

Quadro 1- Disfunções psicofisiológicas freqüentemente alvo de estudos científicos

(Fatores Psicológicos que afetam Condição Médica).

Sistemas Doenças Doenças

Cardiovasculares

Doença Arterial

Coronariana Morte Súbita

Hipertensão

Arterial

Doença de

Raynaud

Doenças

Neurológicas

Acidente

Vascular

Cerebral

Esclerose Múltipla Doença de

Parkinson Epilepsia

Doenças

Gastrintestinais

Doença de

Crohn e

Retocolite

Ulcerativa

Síndrome do Cólon

Irritável

Doença do

Refluxo

Esofágico

Úlcera Péptica

Doenças

Dermatológicas Prurido Hiperidrose Psoríase Alopecia

Doenças

Pulmonares Asma

Doença Pulmonar

Obstrutiva CrônicaFebre do Feno Tuberculose

Doenças

Reumatológicas

Artrite

Reumatóide Dor Miofacial Dor Lombar Dor Crônica

Disfunção Sexual Vaginismo Dispareunia

Ejaculação

Precoce

Disfunção

Orgásmica

Câncer Doença Renal Diabete Melito Cefaléia

Tensional

Outras

Fibromialgia Hipertireoidismo Alergia Doenças

Auto-Imunes

(Adaptado de Kaplan et al., 1997; Stoudemire, 2000; Smith et al., 2002).

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No quadro 2 são descritos os principais sinais e/ou sintomas encontrados

na literatura como expressão das disfunções psicofisiológicas.

Quadro 2- Principais sintomas e/ou sinais descritos na literatura científica como

associados às disfunções psicofisiológicas (Transtornos Somatoformes). Fraqueza Dor de cabeça Palpitação Dispnéia Tontura

Angina Dificuldade para

engolir Náusea Flatulência Dor abdominal

Zumbido no

ouvido Diarréia Vômito Edema Insônia

Parestesia Perda de peso Diplopia Afonia Impotência

(Adaptado de Kroenke & Mangelsdorff, 1989; Kroenke et al., 1990; Simon et al.,

1996; Smith et al., 2002).

Conceitualização Cognitiva e Comportamental

A conceitualização cognitiva e comportamental é fundamental para a

compreensão etiológica e terapêutica das disfunções psicofisiológicas. As

cognições são conceitos centrais nesta abordagem teórica, sendo o paradigma

ilustrado na figura 2 (Neves Neto, 2003; 2002; 2001).

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Figura 2- Representação gráfica do paradigma cognitivo e comportamental

(Neves Neto, 2003).

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EMOÇÃO

SITUAÇÃO

COMPORTAMENTO PENSAMENTO

CRENÇAS

Si-mesmo Mundo Futuro

A partir do modelo cognitivo-comportamental descrito anteriormente,

atualmente desenvolveram-se conceitos visando aprofundar as questões

pertinentes ao tratamento das disfunções psicofisiológicas (Salkovskis, 1997;

Servan-Schereiber et al., 2000a,b; Neves Neto, 2003), sendo estes:

A- Amplificação das Sensações Corporais Reações físicas são comuns ao longo da vida (ex. náusea, prisão de ventre,

dor, irritação, fraqueza e etc.); alguns indivíduos focalizam sua atenção durante a

ocorrência deste funcionamento orgânico (através dos sistemas interoceptivo,

proprioceptivo e exteroceptivo), podendo assim maximizar a estimulação

fisiológica do órgão ou do seu funcionamento. Discute-se ainda se alguns

indivíduos poderiam apresentar uma percepção visceral anormal, a qual seria

responsável pela maximização das sensações corporais experienciadas. Por

exemplo, pacientes com dor abdominal (no caso da Síndrome do Cólon Irritável)

podem massagear vigorosamente o abdômen com o objetivo de aliviar a dor, o

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que produzirá edema (inchaço), hiperemia (vermelhidão) e desconforto, podendo

exacerbar as sensações corporais e aumentar o foco de atenção do sujeito aos

sintomas e sinais desta região corporal.

B- Distorção dos sintomas e/ou sinais Ao perceber a ocorrência de sintomas e/ou sinais desconfortáveis nos

órgãos ou funções corporais, serão formuladas cognições que servirão para dar

sentido àquelas sensações, baseadas no esquema cognitivo (crenças) a respeito

de si-mesmo (ex. através da percepção de risco), do mundo e do futuro. Por

exemplo, uma pessoa que sinta uma forte dor de cabeça poderá pensar que se

trata de um acidente vascular cerebral (AVC) ou um tumor. Este pensamento pode

ser intensificado se a pessoa teve uma experiência com indivíduos que sofreram

AVC ou tumor, ou leram algo a respeito (revistas médicas).

C- Condicionamento Operante O aparecimento de alguns sintomas e/ou sinais parecem estar associados

com a existência de certas atividades cotidianas, influenciando-as de forma

intensa. O comportamento de evitação é socialmente admitido desde o início da

vida acadêmica, quando estudantes são liberados de freqüentar as aulas, por

indisposição, resfriado e etc. tornando-se um hábito para alguns alunos.

Observam-se freqüentemente pessoas que apresentam sintomas e/ou sinais (ex.

cefaléia, alergia, cólica e etc.) quando deveriam responder a certas situações

sociais comuns (ex. apresentação em público, reunião e discussão sobre os

direitos), sendo que “a necessidade de estar doente” seria uma conseqüência da

utilização exagerada deste mecanismo.

D- Condicionamento Clássico Reações fisiológicas são naturalmente eliciadas por estímulos

incondicionados. Pode ocorrer um emparelhamento entre estímulos

incondicionados e neutros, a ponto de surgir uma resposta condicionada. Por

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exemplo, algumas substâncias químicas presentes em materiais de limpeza são

naturalmente irritantes da conjuntiva, ser for emparelhado o uso destas

substâncias a atividade profissional, pode-se ter uma forte reação alérgica quando

a pessoa se prepara para ir ao trabalho, ou quando se vê uma embalagem

fechada do produto, ou mesmo quando percebe algum cheiro semelhante.

D- Psicopatologia Sintomas e/ou sinais físicos podem ocorrer na presença de quadros

psicopatológicos, devendo ser levado em consideração o efeito presente na

existência de comorbidades psiquiátricas. Por exemplo, sujeitos portadores de

Transtorno de Pânico podem interpretar um sintoma deste quadro clínico como

uma grave doença do sistema cardiovascular.

E- Outros Fatores Diversos outros fatores são menos descritos na literatura, ou explicados

com uma base científica. Alexitimia, efeito placebo, efeito nocebo, dominação

hemisférica cerebral, “bode expiatório”, “necessidade de estar doente”, ganho

primário e/ou secundário, dissociação, sugestão hipnótica, dissonância cognitiva,

energia psíquica reprimida, síndromes culturais, devem ser explorados quando os

fatores descritos anteriormente não satisfazem a uma compreensão da disfunção

psicofisiológica estudada (Totman, 1982; Balint, 1988; Mello Filho, 1992; Holmes,

1997; Salkovskis, 1997; Bakal, 1999; Servan-Schereiber et al., 2000a).

Estabelecendo o diagnóstico É fundamental antes de propor uma medida terapêutica, desenvolver um

sólido diagnóstico. Entrevista clínica, exames laboratoriais, interconsulta médica,

testes (ex. Questionário de Saúde Global de Goldberg), observação do

comportamento e avaliação psicofisiológica, podem ser úteis para a formulação do

diagnóstico e escolha das estratégias psicoterápicas. Os critérios diagnósticos da

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CID-10 e DSM-IV auxiliam na identificação dos casos, bem como da realização do

diagnóstico diferencial (Neves Neto, 2002; Salkovskis, 1997).

Estratégias da Terapia Cognitivo-Comportamental A partir do diagnóstico e da conceitualização cognitiva e comportamental

deverá ser iniciada a intervenção psicoterápica.

Não existem boas “receitas de bolo” para o tratamento das disfunções

psicofisiológicas, mas os estudos apontam para as intervenções que seguramente

demonstraram eficácia no tratamento, sendo denominadas por “Psicoterapia

Baseada em Evidências”.

Na tabela 3 serão descritos trabalhos que encontraram eficácia na

aplicação da terapia a diversas condições psicofisiológicas, servindo de fonte para

que terapeutas possam iniciar seus atendimentos baseados nas evidências

científicas disponíveis.

Tabela 3- Descrição de pesquisas sobre Terapia Cognitivo-Comportamental nas

disfunções psicofisiológicas.

Autor Ano Publicação Disfunção Psicofisiológica

Linton & Ryberg 2001 Pain Dor Crônica

Sharpe et al. 2001 Pain Artrite Reumatóide

Wysocki et al. 2001 Diabetes Care Diabete Melito

Hadhazy et al. 2000 The Journal ofRheumatology Fibromialgia

Perlis et al. 2000 Comp Ther Insônia Primária

Van Dulmen et al. 1996 Psychosomatic Medicine Síndrome do Cólon Irritável

Warwick et al. 1996 British Journal of Psychiatry Hipocondria

Hellman et al. 1990 Behav Med Queixas Psicossomáticas

Na tabela 4 serão descritos trabalhos nacionais que desenvolvem

intervenções cognitivas e comportamentais na área da saúde. É um meio

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importante de divulgação e incentivo da pesquisa genuinamente brasileira para o

desenvolvimento da Terapia Cognitivo-Comportamental e Saúde.

Tabela 4- Descrição de algumas pesquisas brasileiras sobre intervenção cognitiva

e comportamental na área da saúde.

Autor Ano Publicação Disfunção Psicofisiológica Neves Neto 2001 Revista de Psiquiatria Clínica Síndrome do Cólon Irritável

Fernandes 2001 Revista de Psiquiatria Clínica Cefaléia

Cade 2001 Revista de Psiquiatria Clínica Hipertensão Arterial

Angelotti 2001 Psicoterapia Cognitivo-

Comportamental: Um diálogo com a

Psiquiatria

Dor Crônica

Miyasaki 1999 Comportamento e Saúde:

explorando alternativas

Asma

É imprescindível informar aos interessados que existem três importantes

publicações a respeito das intervenções cognitivas e comportamentais nas

disfunções psicofisiológicas, sendo estas:

A- Journal of Consulting and Clinical Psychology – Special Issue: Behavioral

Medicine and Clinical Health Psychology (2002).

Trata-se de uma edição especial do Journal of Consulting and Clinical

Psychology editado pela Associação Americana de Psicologia e que trás

informações atuais sobre intervenções cognitivas e comportamentais na área da

Psicologia da Saúde e Medicina Comportamental. Alguns dos assuntos tratados

são: Década do Comportamento, Tabagismo, Obesidade, Atividade Física,

Psiconeuroimunologia, entre muitos outros assuntos.

B- Psychophysiological Disorders: Research and Clinical Applications – Gatchel

e Blanchard (1998).

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É um livro muito importante para clínicos e pesquisadores interessados em

disfunções psicofisiológicas. Apresenta o tratamento de diversas condições

orgânicas, entre elas: Hipertensão Essencial, Cefaléia, Asma, Distúrbio

Temporomandibular, Tensão Pré-Menstrual, entre outros.

C- Cambridge Handbook of Psychology, Health and Medicine – Baum e cols.

(1997).

Trata-se de um livro abrangente que oferece informação pontual para os

interessados em desenvolver atividades que envolvam Psicologia e Medicina.

Além de serem apresentados textos sobre doenças, há uma parte especifica que

resume as abordagens psicoterápicas atualmente praticadas.

Conclusão

O objetivo deste texto foi descrever sucintamente as possibilidades que

atualmente são exploradas na área da saúde com relação à Terapia Cognitivo-

Comportamental. O autor do presente capítulo vem aplicando sistematicamente

estratégias cognitivas e comportamentais em instituições de saúde, bem como

avaliando através da realização de pesquisas, da participação em congressos e

associações nacionais e internacionais, a valiosa contribuição desta abordagem

psicoterápica a formação de novos profissionais habilitados a empregar estes

conhecimentos as disfunções psicofisiológicas. Referências Bibliográficas

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Terapia Cognitivo-Comportamental e Disfunções Psicofisiológicas

Prof. Armando Ribeiro das Neves Neto

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Anexo 1

Recomendações do Centro para o Avanço da Saúde (The Center for

Advancement of Health) dos Estados Unidos da América, sobre a visão holística

em cuidados de saúde apud Bakal (1999, p. 2).

1. Intervenções médicas devem incluir o reconhecimento de quão intimamente

a saúde esta ligada às atitudes, pensamentos, sentimentos e

comportamentos.

2. Evidências científicas não podem ser ignoradas – quem somos, onde

vivemos, e como pensamos, sentimos e enfrentamos as informações

somáticas podem fortemente influenciar se ficaremos doentes, que doenças

teremos e como melhor manejar nossas doenças.

3. O tratamento holístico do paciente requer que eles não sejam enviados

para uma “oficina de consertos” para distúrbios dos pensamentos e

sentimentos e outra “oficina de consertos” para doenças físicas. A mente e

o corpo prosperam ou perecem juntos.

4. Os cuidados aos pacientes devem tratar a pessoa como um todo – a

vantagem será indivíduos mais saudáveis, comunidades mais saudáveis, e

uma nação saudável. Fazer o contrário é irresponsável.

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Anexo 2

Definição de saúde da Organização Mundial da Saúde (1948):

“Estado de completo bem-estar, físico, psíquico e social, e não

meramente ausência de doença”.

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