"Terceira Idade" e cidade: o envelhecimento populacional no espaço intra-urbano de Santos
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8/6/2019 "Terceira Idade" e cidade: o envelhecimento populacional no espao intra-urbano de Santos
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UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA
TERCEIRA IDADE E CIDADE: O ENVELHECIMENTOPOPULACIONAL NO ESPAO INTRA-URBANO DE
SANTOS
Juliana Andrade Oliveira
Dissertao apresentada ao Programa dePs-Graduao em Sociologia, doDepartamento de Sociologia da Faculdadede Filosofia, Letras e Cincias Humanas daUniversidade de So Paulo, para obtenodo ttulo de Mestre em Sociologia.
Orientador: Prof. Dr. Mario Antonio Eufrsio
So Paulo2006
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Aos meus pais.
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AGRADECIMENTOS
Creio que nunca encontrarei palavras suficientes para expressar a gratido e o
sentimento terno e feliz de saber que pude contar com pessoas to boas nessa fase da minha
vida.
Este trabalho um sonho meu e de outras almas e agradeo a elas e a Deus por
terem me ajudado a realiz-lo. Muitas pessoas queridas - e surpreendentemente outras no
to prximas - foram decisivas para que essa dissertao viesse a existir. Verdadeiros anjos e
fadas madrinhas indicaram-me o caminho e ampararam meus passos iniciais. Pessoas
iluminadas que tm em mim o mais profundo e eterno agradecimento.
Prof Dr Rosana Baeninger, querida professora e amiga, por ter sido a primeira a
acreditar na pesquisa, em mim e por ter me transmitido sua arte de pesquisar ao orientar oprojeto dessa pesquisa. Muito obrigada por ter me emprestado um pouco da sua luz.
Prof Dr Maria Helena Augusto Oliva, que na hora certa no me deixou perder o
nimo frente s barreiras iniciais da transio entre uma universidade e outra.
Ao Prof. Dr. Mrio Eufrsio, que com a maturidade e a clareza do seu fazer
cientfico, aceitou e cumpriu o desafio de orientar uma pesquisa parcialmente fora do seu
tema, oferecendo muito mais que orientao, mas tambm uma amizade companheira e
sincera.Fabola Rodrigues, grande companheira de graduao e de sonhos, muito obrigada
por ter sido a amiga de todas as horas e tambm ter tornado meu trabalho muito mais
interessante do que eu poderia imaginar.
Alessandro Figueira e Daniel Sobreira, amigos de outro tempo, muito obrigada por
tambm terem sido amigos de sempre.
Glucia Destro, companheira de estudos e de tema que partilha comigo a mesma
paixo pela terra natal, agradeo as valiosas observaes sobre aquilo que parece queacontece s com o outro, mas que acontecer com todos ns: a velhice. Muito obrigada por
ter divido comigo um pouco da sua sensibilidade.
Estabelecer-me em So Paulo foi uma aventura que influenciou sobremaneira meu
olhar sobre Santos, que deixava de ser minha casa para se transformar no outro a ser
observado e compreendido. Mas essa aventura no teria sido bem sucedida e no teria
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possibilitado a prpria realizao do trabalho se no fosse a acolhida da Tatiana Busto, do
Danilo Frana, do Xicko (Francisco Veiga), da Juliana Ventura, da Lara Damha, do Diogo
Oliva e do Eduardo Dias. Muito obrigada por toda a fora!
Essa pesquisa nunca teria sido possvel sem a colaborao gentil de todos os
senhores e senhoras que entrevistamos. Muito obrigada pelas suas valiosas palavras, por
pensarem junto comigo e compartilhar a histria de suas vidas. Agradeo tambm a todos os
estudiosos da cidade de Santos, sem os quais essa pesquisa no viria a existir.
Agradeo aos funcionrios do Departamento de Sociologia, na pessoa da ngela,
CAPES por ter subsidiado essa pesquisa por alguns meses e Fundao Jorge Duprat
Figueiredo de Medicina e Segurana do Trabalho - FUNDACENTRO por ter oferecido a
oportunidade de uma dedicao parcial em horrio de trabalho confeco dessa pesquisa.
Foi muito bom poder contar com um ambiente de pesquisa e com novos colegas. Agradeo
especialmente Dra Leda Leal Ferreira, chefe da Diviso de Ergonomia da Fundacentro
onde trabalho, por me dar tranqilidade, liberdade e acolhimento, proporcionando-me o
melhor bem estar possvel dentro das minhas condies de trabalho, possibilitando
decisivamente o bom andamento dos trabalhos dessa dissertao.
E agradeo principalmente queles que sempre estiveram presentes, no por senso de
dever, mas porque creram, amaram, e sustentaram como pilares a mim e aquilo que mal
conheciam. Queridos pais, esse sonho realizado obra de vocs.
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SUMRIO
NDICE............................................................................................................................. 1
RESUMO ......................................................................................................................... 2
ABSTRACT ..................................................................................................................... 2
APRESENTAO........................................................................................................... 3
CAPTULO 1: O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL DE SANTOS................. 6
CAPTULO 2: TEORIAS DA ESTRUTURA URBANA............................................. 34
CAPTULO 3: A FORMAO DE SANTOS ............................................................. 64
CAPTULO 4: ENVELHECENDO NA CIDADE: A PRODUO DASLOCALIZAES URBANAS DE IDOSOS. ............................................................. 116
CONSIDERAES FINAIS....................................................................................... 179
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 182
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NDICE
RESUMO ......................................................................................................................... 2
ABSTRACT ..................................................................................................................... 2
APRESENTAO........................................................................................................... 3CAPTULO 1: O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL DE SANTOS................. 6
1.1 ENVELHECIMENTO POPULACIONAL............................................................................ 71.2 SEXO E ARRANJO CONJUGAL................................................................................... 171.3 ESCOLARIDADE....................................................................................................... 211.4 RENDA.................................................................................................................... 221.5 FORMAO DA POPULAO IDOSA SANTISTA ........................................................... 26
CAPTULO 2: TEORIAS DA ESTRUTURA URBANA............................................. 34
2.1. A ESCOLA SOCIOLGICA DE CHICAGO.................................................................... 35
2.1.1 A vertente ecolgica ........................................................................................ 412.1.2 A concepo scio-econmica......................................................................... 50
2.2 ESTUDOS URBANOS MARXISTAS .............................................................................. 582.3 TEORIA DA LOCALIZAO INTRA-URBANA DE VILLAA. .......................................... 61
CAPTULO 3: A FORMAO DE SANTOS ............................................................. 64
3.1 DO PERODO COLONIAL AOS PRIMEIROS TEMPOS MODERNOS................................. 643.2 MAIS OUTRAS FUNES: O TERCEIRO MOMENTO DE ESTRUTURAO URBANA....... 87
CAPTULO 4: ENVELHECENDO NA CIDADE: A PRODUO DASLOCALIZAES URBANAS DE IDOSOS. ............................................................. 116
4.1 A PRODUO DAS LOCALIZAES URBANAS .......................................................... 1184.2. A SOCIABILIDADE E A APOSENTADORIA ................................................................ 1284.3 ALGUNS ASPECTOS SOCIAIS DA VELHICE ................................................................ 1314.4 LOCALIZAES URBANAS DE IDOSOS DE SANTOS .................................................. 139
4.4.1 Procedimentos da pesquisa de campo:........................................................... 1394.4.2. No espao pblico intra-urbano: praas, jardins e a rua.............................. 1414.4.3 E as mulheres? .............................................................................................. 1594.4.4 Adentrando a Ilha.......................................................................................... 1634.4.5 Fora de casa e fora da rua ............................................................................ 1674.4.6 Circuitos........................................................................................................ 171
4.4.6.1 O Baile do Extra..................................................................................... 172
CONSIDERAES FINAIS....................................................................................... 179
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 182
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RESUMO
Este trabalho tentou compreender o envelhecimento populacional da cidade deSantos-SP e o cotidiano da sua populao no espao intra-urbano. Por meio do estudo daformao da estrutura urbana de Santos, de entrevistas semi-estruturadas e de uma reflexosobre a sociabilidade na aposentadoria, sugerimos que a maioria da populao idosa santista,que tem autonomia fsica e financeira, se faz mais presente em certos espaos da cidade doque em outros, conforme a lgica estrutural que organizou as reas residenciais e aslocalizaes urbanas na cidade. O estilo de vida engendrado durante os anos em que foramtrabalhadores e o ideal cada vez mais socializado de um envelhecimento autnomo faz com
que o segredo do bem envelhecer seja cada vez mais se abrir para o mundo de fora de casa.O uso de pontos do espao intra-urbano por esses idosos como local de permanncia e desociabilidade - no s de rpida passagem marcam-nos como localizaes urbanas deidosos, conferindo uma nova identidade cidade, velhice e aos prprios idosos.Palavras chaves: estrutura urbana, espao intra-urbano, envelhecimento, Santos, terceira idade.
ABSTRACT
This work aims to comprehend the populational aging of the city of Santos, in SoPaulo, Brazil, and the day-by-day of its aging population in the intra-urban space. By thestudy of the making of Santoss urban structure and through the analysis of interviews half-structured, we suggest that the major part of the aged population of Santos with its physicaland financial autonomy is more present in some spaces than in others, according to the logicof the urban structure that organized the residential areas and the urban locations in the city.The use of the certain places to stay instead of just a place to pass though marks them andthe city itself. We call this marked places as aging urban locations.Keys words: urban structure, intra-urban space, aging, Santos, third age.
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APRESENTAO
O objetivo desta pesquisa analisar as implicaes urbanas do envelhecimento
populacional em Santos-SP, cidade central da Regio Metropolitana da Baixada Santista
(RMBS), com grande participao na economia do Estado de So Paulo, abrigando o maior
porto da Amrica Latina. De acordo com o Censo Demogrfico de 2000 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), Santos tem 417.473 habitantes, e altamente
urbanizada (99,46% da populao vivendo em rea urbana). Economicamente uma cidade
que vive predominantemente do setor de servios voltado para sua prpria populao
residente e metropolitana, para o porto e para o turismo. Das cidades da regio a que tem
proporcionalmente menos populao flutuante, a que mais perde nas trocas migratrias e a
que se destaca continuamente desde a dcada de 1960 pelo seu grande nmero de idosos.
Figura 1: Localizao da Regio Metropolitana na Baixada Santista e dentro do Estado de SoPaulo. Extrado de Carrio, (2002) p. 09.
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Em Santos, a proporo da populao de 60 anos ou mais da cidade de 15,7%,
quase o dobro da proporo dessa faixa etria na populao total do pas, que de 8,56%.
Comparada com outras cidades da mesma classe de tamanho populacional (entre 200 mil e
500 mil habitantes), a que tem a maior proporo de idosos no estado de So Paulo, se
destacando tambm dentro da sua regio metropolitana pelas caractersticas diferenciadas
dessa populao em termos de renda e grau de instruo. Quais os fatores que levaram
Santos a exibir esse perfil populacional?
Junto com o envelhecimento populacional que acontece no pas como um todo, vem
tona tambm uma redefinio da velhice: como considerar idosa uma pessoa que pode ter
quarenta anos ainda por viver? E como vive essa atual gerao de jovens idosos? Como
veremos, Santos tem os elementos para reinveno da velhice da qual falou Debert (1999)
e novamente se destaca por isso.
A nosso ver, pode ser frutfero buscar uma anlise crtica dos processos que levaram
Santos a estar numa fase do envelhecimento populacional que outras cidades do pas
podero, em breve, vivenciar. Entretanto a vontade de conhecer a fundo suas origens e
tendncias futuras e o fato de esta pesquisadora ser natural de Santos e estar prxima dos
personagens desse novo envelhecimento tambm motivaram essa pesquisa.
Entre as variadas maneiras de constituir esse fenmeno num objeto de estudo,
optamos pela de relacionar o espao intra-urbano de Santos com os usos que a populao
idosa faz dele. Para isso, foi necessrio estudar o aumento do nmero de pessoas idosas
como um fenmeno demogrfico e entend-lo dentro da histria da formao da cidade que
conhecemos hoje, o que nos exigiu conhecer duas grandes discusses das cincias sociais: a
construo sociolgica do tema da cidade e a construo social do envelhecimento.
O primeiro captulo tenta cumprir o primeiro passo: caracterizar o envelhecimento
populacional de Santos. No segundo captulo procuramos compreender como a sociologia
urbana pode ajudar nessa tarefa, e vemos no conceito de estrutura urbana uma chave decompreenso dos processos que formam e organizam a cidade. O terceiro captulo tem a
funo de examinar a histria da formao da cidade luz desse olhar sociolgico e situar o
envelhecimento populacional como processo constitutivo da Santos atual.
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Postas as origens da cidade e do envelhecimento da sua populao, o objetivo do
quarto captulo foi compreender como a populao idosa usa os espaos da cidade.
Novamente foi necessrio recorrer a ferramentas tericas que pudessem evidenciar
exageradamente tal como uma lupa aumenta um pequeno ponto que se quer observar em
detalhe como certos espaos da cidade escolhidos sob uma determinada lgica urbana e
social e sob determinadas concepes sociais da velhice ou da vida ps-trabalho so
marcados pela presena de pessoas com mais de 60 anos. O conceito de localizao urbana
nos ajuda a ressaltar a centralidade e a especificidade social desses espaos, que s puderam
ser reconhecidos por meio de uma pesquisa de campo.
Entre os nossos procedimentos de pesquisa esteve a habitual e necessria reviso
bibliogrfica e tambm entrevistas semi-estruturadas feitas em trs fases: a primeira,
exploratria; a segunda, de identificao das localizaes urbanas e de teste das hipteses
iniciais do projeto de pesquisa; e a terceira de conhecer a histria da vida de trs senhoras e
dois senhores com mais de 60 anos, confirmando algumas hipteses que surgiram no
decorrer da pesquisa e apontando outras perspectivas. Em todos os momentos deste texto
em que h falas dos entrevistados optamos por utilizar pseudnimos para preservar a
identidade das pessoas e mostr-las como personagens, ao invs do uso das siglas, a nosso
ver, to impessoais. A anlise da pesquisa de campo est posta em sua maior parte no
captulo quatro, mas ela deu bases tambm para as hipteses sobre a estruturao urbana de
Santos expostas do captulo trs.
No final do trabalho h algumas consideraes finais que sumarizam as concluses
de toda a pesquisa e ainda muitas questes. Afinal, h um longo caminho pela frente na
tarefa de estudar uma populao e uma cidade que ainda tm muito a amadurecer.
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Captulo 1: O Envelhecimento Populacional de Santos
Quando iniciamos, em 2003, o projeto de pesquisa que resulta agora nesta
dissertao, o envelhecimento populacional j era um tema debatido nas cincias sociais
brasileiras, mas hoje, em 2006, a construo do tema j chega a ser revisada, como mostrou
a atualizao do estudo do IPEA sobre os idosos brasileiros (Camarano et al, 2004).
Conceitos e novas categorias foram sendo criados para dar conta das particularidades de um
tema que vem se demonstrando cada vez mais complexo. A anlise dos dados da populao
idosa comea a ser feita separadamente em duas grandes faixas etrias (de 60 a 79 anos e de
80 anos ou mais), e comparativamente entre as variveis mais importantes para caracterizar
as condies de vida dessa populao (sexo, raa/etnia, grau de instruo, esperana de vida,
mortalidade, e o recente conceito de autonomia fsica). H, ainda, autores que estudamtemas peculiares ou mais relevantes para os idosos, como a aposentadoria e o fim do
perodo de trabalhar, o acesso aos servios de sade, as universidades da terceira idade, e a
prpria situao e imagem social do idoso (Debert, 1999; Peixoto, 2000; Pacheco 2004; Py,
2004; entre outros.). E alm das cincias sociais, as cincias biolgicas e outras cincias
humanas tambm tm aumentado sua ateno para o tema, que ficou definitivamente
consagrado nas polticas pblicas depois da ratificao do Estatuto do Idoso em 2003.
Diante desses avanos precisamos revisar o cenrio de nosso objeto de estudo, que fornecea oportunidade de observar numa cidade a intensificao de um fenmeno sociodemogrfico
nacional.
Neste primeiro captulo, o objetivo caracterizar o envelhecimento populacional de
Santos observando-se comparativamente o estado, o pas e a regio metropolitana nas suas
caractersticas scio-demogrficas, com foco nas variveis fundamentais condicionantes da
participao do idoso na dinmica da estrutura urbana1: autonomia fsica (a capacidade do
idoso de realizar as atividades cotidianas sem ajuda de terceiros), renda, grau de instruo,sexo e estado conjugal.
1 A escolha das variveis se deu aps o exame da bibliografia brasileira sobre o envelhecimento populacional queobservou quais os fatores condicionantes da experincia de envelhecer (Veras, 1995; Debert, 1999; Berqu, 1996;Camarano, 2004; Freitas, 2004 para citar alguns) e tambm pela disponibilidade dos dados demogrficos e depesquisa de campo.
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Como o segmento idoso que mais cresce no Brasil o de 80 anos ou mais - em ritmo
maior at que o da populao idosa total - o intervalo correspondente classificao
idoso cada vez mais longo - uma pessoa de 60 anos ou mais pode ter at mais de 90
anos, e em Santos, como veremos, essa situao recorrente. Para uma anlise mais
objetiva da populao idosa torna-se necessrio desagreg-la em dois grupos etrios: de 60
a 79 anos e de 80 anos ou mais. Essa diviso, sugerida por Camarano et al (2004), ser
utilizada em todo o captulo, sempre que os dados do Censo Demogrfico e da PNAD
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios) possibilitarem esse procedimento.
1.1 Envelhecimento Populacional
O envelhecimento populacional define-se pelo aumento da participao das faixasetrias mais avanadas na estrutura etria da populao. Pode ser resultante da emigrao da
populao jovem em idade reprodutiva, ou da queda das taxas de mortalidade, natalidade e
fecundidade. Telles (2003), que estudou a constituio dos arranjos familiares dos idosos,
salienta que de acordo com a faixa etria sobre a qual a queda de mortalidade se incide, tem-
se uma estrutura etria diferenciada, com outra configurao de envelhecimento. Se a
mortalidade cai entre os mais jovens, a populao ficar rejuvenescida, pois aumenta
proporcionalmente os grupos em idade pr-reprodutiva, e, dependendo do nvel de
fecundidade (se no estiver baixo), h uma renovao da populao. Se a mortalidade cai
entre os mais velhos, intensifica o aumento da populao idosa. Essa a situao mais
recorrente nos pases desenvolvidos, nos quais essa queda resultante de melhoria das
condies sociais, da boa sade da populao, resultando num aumento da longevidade.
Quando a taxa de mortalidade est estvel e a taxa de fecundidade caindo h uma
reduo relativa da participao da populao jovem e aumento da participao da
populao velha (Telles, 2003). o que se chama de envelhecimento populacional pela
base. Mas se aumenta o nmero de velhos e no h reduo no nmero de jovens, ocorre o
envelhecimento populacional pelo topo. No Brasil, ocorre reduo tanto na taxa da
mortalidade quanto na de fecundidade.
Esse padro de comportamento demogrfico de poucos filhos por mulher e aumento
da longevidade comea a se configurar nos anos 1970, segundo a mesma autora. Mas o
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envelhecimento populacional est dentro da evoluo demogrfica da populao brasileira
desde a dcada de 1940, quando declinava a imigrao internacional que fazia com que a
populao sempre tivesse muitos adultos jovens (Berqu, 1999). Comea, ento, a crescer a
proporo de idosos e se inicia a Transio Demogrfica (Ramos, 2002 apud Freitas,
2004), que consiste na mudana do padro de distribuio etria por meio da variao da
taxa da mortalidade e da fecundidade, influenciadas pelos avanos cientficos na preveno
de doenas e no aumento da longevidade; pela consolidao da urbanizao; pela queda da
imigrao; por fatores culturais de reduo do tamanho da famlia entre outros2.
A Transio Demogrfica um fenmeno marcado por quatro estgios. O primeiro
caracterizado por alta fecundidade e alta mortalidade, resultando numa populao
predominantemente jovem. No segundo estgio, a fecundidade continua alta, mas com os
avanos cientficos e sociais na preveno de doenas, comea a cair a taxa de mortalidade.
No terceiro estgio, a taxa de fecundidade entra em queda junto com mortalidade e comea
a haver maior proporo de adultos e jovens, no mais de crianas. No ltimo estgio, com
a continuidade da reduo da taxa de fecundidade e de mortalidade, torna-se expressivo o
nmero de idosos. Segundo Freitas (2004), a populao brasileira est no terceiro estgio
dessa transio. De fato, a pirmide etria brasileira de 2000 (grfico1) mostra uma
predominncia de jovens adultos e uma proporo maior de idosos que a dos censos
anteriores.
2 No h um consenso sobre os fatores exatos que causam a Transio Demogrfica, sendo este um fenmenovastamente estudado pela Demografia. Nos limites deste texto, seguimos as premissas de Freitas (2004).
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Grfico 1 - Brasil: Distribuio Etria por Sexo - 2000
-15 -13 -11 -9 -7 -5 -3 -1 1 3 5 7 9 11 13 15
0 a 4 anos
5 a 9 anos
10 a 14 anos
15 a 19 anos
20 a 24 anos
25 a 29 anos
30 a 34 anos
35 a 39 anos
40 a 44 anos
45 a 49 anos
50 a 54 anos
55 a 59 anos
60 a 64 anos
65 a 69 anos
70 a 74 anos
75 a 79 anos
80 anos ou mais
GruposdeIdade
Percentual
Homens Mulheres
Fonte: IBGE/Censo Demogrfico 2000.
Grfico 2 - Brasil: Distribuio etria por sexo - Ano 1991
-15 -13 -11 -9 -7 -5 -3 -1 1 3 5 7 9 11 13 15
0 a 4 anos
5 a 9 anos
10 a 14 anos
15 a 19 anos
20 a 24 anos
25 a 29 anos
30 a 34 anos
35 a 39 anos
40 a 44 anos
45 a 49 anos
50 a 54 anos
55 a 59 anos
60 a 64 anos
65 a 69 anos
70 a 74 anos
75 a 79 anos
80 anos ou mais
GruposdeIdade
Percentual
Homens Mulheres
Fonte: IBGE: Censo Demogrfico 1991
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Grfico 3 - Brasil: Distribuio etria por sexo - Ano 1980
-15 -13 -11 -9 -7 -5 -3 -1 1 3 5 7 9 11 13 15
0 a 4 anos
5 a 9 anos
10 a 14 anos15 a 19 anos
20 a 24 anos
25 a 29 anos
30 a 34 anos
35 a 39 anos
40 a 44 anos
45 a 49 anos
50 a 54 anos
55 a 59 anos
60 a 64 anos
65 a 69 anos
70 a 74 anos
75 a 79 anos80 anos ou mais
Gruposdeidade
Percentual
Homens Mulheres
Fonte: IBGE: Censo Demogrfico 1980
Camarano et al (2004) assinala que o aumento da populao idosa no Brasil deve-se
principalmente alta fecundidade entre os anos 1950 e 1960 e reduo da taxa de
mortalidade da prpria populao idosa, o que resulta tambm no aumento da expectativa
de vida. Por outro lado, a taxa de fecundidade cai sistematicamente a partir da dcada de 70,
o que faz com que a proporo de pessoas idosas parea maior nas dcadas posteriores, j
que a reposio de jovens foi diminuindo. O Censo 2000 mostra que a faixa etria que mais
cresceu foi a de 80 anos e mais.
A Transio Demogrfica tambm resultado da transio epidemiolgica que
acontece desde o comeo do sculo XX. Se antes eram causas comuns de morte as doenas
infecto-contagiosas com alta incidncia em crianas com menos de um ano (mortalidade
infantil) e na populao em geral, hoje, esses eventos so reduzidos, resultando num declnio
expressivo da mortalidade geral. Entre 1980 e 2000 a maior reduo da mortalidade na
populao foi na faixa dos 70 a 79 anos e a esperana de vida passou de 58,5 anos para 68,5
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anos entre 1980 e 2003 (IBGE 2003 in Freitas, 2004). Na populao feminina, a esperana
de vida era de 76 anos em 2000 e essa diferena est aumentando. E mesmo a idade mdia
ao morrer, que no acompanha necessariamente a evoluo da esperana de vida ao nascer,
aumenta no Brasil.
Com a queda na taxa de fecundidade que vem ocorrendo desde os anos 1970, a
populao em idade reprodutiva e a populao em idade ativa sofre uma reduo, o que
pode causar um desequilbrio nas contas relacionadas previdncia social, sobretudo com a
crescente informalidade da economia. Camarano et al (2004) alerta que o envelhecimento
populacional no Brasil vem acompanhado de um envelhecimento da PEA (populao
economicamente ativa). Nesse mesmo contexto, o ritmo de crescimento absoluto da
populao brasileira vem diminuindo desde 1960 e desde 1940 o segmento que mais cresce
o idoso, ou seja, o envelhecimento populacional uma tendncia consolidada. No entanto,
outra tendncia crescente a chamada onda jovem, fenmeno demogrfico caracterizado
pelo predomnio na estrutura etria da faixa dos 15 a 24 anos devido s descontinuidades
demogrficas geradas pelas mudanas nos padres de fecundidade e mortalidade das
dcadas imediatamente anteriores, sobretudo na queda da mortalidade infantil (Bercovich e
Mass, 2004). A presso no mercado de trabalho cresce, pois os muitos adolescentes e
crianas que compunham a base larga da pirmide etria dos anos 1970 e 1980 esto agora
buscando seus primeiros empregos, concorrendo com idosos que, mesmo depois de
aposentar-se, ainda no puderam sair do mercado de trabalho.
Telles (2003) ressalta que no Brasil h mais gastos pblicos com previdncia do que
com educao, o que faz com que o envelhecimento populacional seja visto inicialmente
como um problema econmico-social. Os gastos pblicos com a populao idosa so ainda
maiores quando lembramos que futuramente a tendncia que cresa ao Estado a demanda
por cuidados de idosos, pois a populao idosa cresce mais entre seus mais velhos (aumento
da longevidade) e a tendncia da organizao das famlias a de participao cada vezmenor das mulheres, que so na grande maioria dos casos, as que cuidam dos idosos em
casa:
A maior parte da responsabilidade com o cuidado ao idoso atribuda
famlia, e mais precisamente, mulher, que ocupa predominantemente os papis de
-
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me e esposa no curso da vida familiar. Apesar de muito se falar na famlia no
cuidado e apoio aos jovens e aos idosos, na prtica, que as responsabilidades
dirias dependem do tempo e da disponibilidade de tempo das mulheres. (Telles,
2003, p.23)
Essa informao pode ser corroborada por nosso universo de entrevistados. Somente
mulheres apareceram como cuidadoras de idosos (a maioria era esposas cuidando de seus
maridos ou, mais raramente, de seus pais), e mesmo as que precisavam de cuidados, eram
auxiliadas por mulheres, geralmente parentes.
Com as mulheres cada vez mais presentes no mercado de trabalho e o aumento no
nmero de divrcios, a organizao familiar sofre uma redefinio e precisar de mais
assistncia do Estado. Alm disso, o envelhecimento populacional dos pases emergentes
ocorre menos por melhoras na qualidade de vida e mais por avanos tecnolgicos na
medicina (Freitas 2004). tambm, e talvez principalmente, fruto de um prolongamento de
uma vida sofrida e carente de cuidados.
No entanto, as concluses de Camarano et al (2004) em estudo de reviso sobre as
condies de vida do idoso brasileiro apontam para uma relao de dependncia mais
favorvel aos idosos:
A relao entre envelhecimento e dependncia no to clara. Uma parcela
expressiva de indivduos que, apesar de serem considerados idosos, ainda est em
pelo vigor fsico, gozando de boa sade e est inserida no mercado de trabalho,
mesmo aposentada, assumindo papis no esperados, como o de suporte a outros
membros da famlia, especialmente a filhos adultos (Camarano et al, 2004, p.71).
Essa situao foi presente em nossas entrevistas nas famlias pobres, residentes em
bairros mais interiores de Santos (os bairros mais pobres). Segundo nosso universo de
entrevistados que eram chefes de domiclio, quanto menor a renda, mais pessoas no
domiclio.Por outro lado, as mesmas autoras afirmam que uma parcela no desprezvel da
populao idosa tem dificuldades em ouvir, enxergar, subir escadas e lidar com as atividades
bsicas do cotidiano. (...) esse o segmento que demanda cuidados, o que, no caso
brasileiro, recai em quase toda a sua totalidade sobre a famlia (Camarano et al, 2004, p.71).
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Se o envelhecimento populacional j flagrante e consolidado no Brasil, em Santos
ainda mais intenso e particular, pois se difere no s das estatsticas nacionais, mas tambm
do envelhecimento populacional que se observa na sua prpria regio metropolitana, como
mostra a comparao entre as distribuies etrias do Brasil, do Estado de So Paulo, da
Regio Metropolitana de Santos (RMBS) e de Santos:
Grfico 4- So Paulo: Distribuio Etria por Sexo - Ano 2000
-12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 12
0 a 4 anos
5 a 9 anos
10 a 14 anos
15 a 19 anos
20 a 24 anos
25 a 29 anos
30 a 34 anos
35 a 39 anos
40 a 44 anos
45 a 49 anos
50 a 54 anos
55 a 59 anos
60 a 64 anos
65 a 69 anos
70 a 74 anos
75 a 79 anos
80 a 84 anos
85 a 89 anos
90 a 94 anos
95 a 99 anos
100 anos ou mais
Gruposdeidade
Percentual
Homens Mulheres
-
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Grfico 5 - Regio Metropolitana da Baixada Santista: Distribuio Etria por Sexo - Ano 2000
-12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 12
0 a 4 anos5 a 9 anos
10 a 14 anos
15 a 19 anos
20 a 24 anos
25 a 29 anos
30 a 34 anos
35 a 39 anos
40 a 44 anos
45 a 49 anos
50 a 54 anos
55 a 59 anos
60 a 64 anos
65 a 69 anos
70 a 74 anos
75 a 79 anos
80 a 84 anos
85 a 89 anos
90 a 94 anos
95 a 99 anos
100 anos ou mais
GruposdeIdade
Percentual
Homens Mulheres
Grfico 6 - Santos: Distribuio etria por sexo - Ano 2000
-12 -10 -8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 12
0 a 4 anos
5 a 9 anos
10 a 14 anos
15 a 19 anos
20 a 24 anos
25 a 29 anos
30 a 34 anos
35 a 39 anos
40 a 44 anos
45 a 49 anos
50 a 54 anos
55 a 59 anos
60 a 64 anos
65 a 69 anos
70 a 74 anos
75 a 79 anos80 a 84 anos
85 a 89 anos
90 a 94 anos
95 a 99 anos
100 anos ou mais
GruposdeIdade
Percentual
Homem Mulher
Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000.
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As distribuies etrias do estado de So Paulo e da regio parecem seguir o mesmo
padro, apresentando a onda jovem. Porm, esse predomnio de jovens (entre 15 e 24
anos) mais acentuado em Santos, assim como mais acentuado o aumento do nmero de
idosos e a diminuio da fecundidade e da natalidade, observvel pela base estreita da
pirmide. Mas em Santos, h ainda diferenas dentro da distribuio da prpria populao
idosa, como mostram o grfico e a tabela a seguir:
Grfico 7 - Brasil, Estado de So Paulo, RMBS e Municipio de Santos:
Distribuio etria da populao idosa - Ano 2000
0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5 5
60 a 64 anos
65 a 69 anos
70 a 74 anos
75 a 79 anos
80 a 84 anos
85 a 89 anos
90 a 94 anos
95 a 99 anos
100 anos ou mais
Gruposdeidade
Percentual
Brasil So Paulo Santos Baixada Santista
Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000.
-
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Tabela 1- Populao residente por grupos de idade (percentual)
Grupos de idade Brasil So Paulo Santos - SP RMBS
0 a 4 anos 9,64 8,62 6,25 8,68
5 a 9 anos 9,74 8,55 6,26 8,39
10 a 14 anos 10,22 9,14 7,11 8,8215 a 19 anos 10,57 9,83 8,68 9,64
20 a 24 anos 9,51 9,55 8,73 9,34
25 a 29 anos 8,16 8,66 7,67 8,36
30 a 34 anos 7,67 8,21 7,35 7,84
35 a 39 anos 7,22 7,81 7,71 7,6
40 a 44 anos 6,21 6,93 7,41 6,86
45 a 49 anos 5,14 5,76 6,72 5,87
50 a 54 anos 4,16 4,59 5,77 4,71
55 a 59 anos 3,21 3,4 4,73 3,68
60 a 64 anos 2,71 2,84 4,37 3,18
65 a 69 anos 2,11 2,24 3,88 2,5770 a 74 anos 1,62 1,75 3,21 2,02
75 a 79 anos 1,05 1,09 2,09 1,27
80 a 84 anos 0,61 0,6 1,17 0,67
85 a 89 anos 0,32 0,3 0,62 0,35
90 a 94 anos 0,11 0,1 0,19 0,1
95 a 99 anos 0,03 0,03 0,05 0,03
100 anos ou mais 0,01 0,01 0,01 0,01
Fonte: IBGE - Censo Demogrfico 2000
Os dados acima mostram como o nmero de idosos em Santos proporcionalmente
maior, mas mostram tambm um envelhecimento mais jovem que o de So Paulo e o do
Brasil, com maior proporo de jovens idosos (entre 60 a 69 anos) em Santos. Isto
significa que, a no ser que haja forte alterao no padro de mortalidade ou de migrao, a
populao idosa em Santos tende a persistir e a aumentar entre seus mais velhos: a base est
posta. A distribuio da Regio Metropolitana da Baixada Santista parece seguir a mesma
tendncia de Santos, mas preciso considerar que os dados do municpio de Santos,
presentes tambm nessa distribuio, podem estar causando essa aproximao.
Um dos fatores determinantes da independncia do idoso e, conseqentemente, da
sua participao na organizao diria da estrutura urbana, ou seja, na produo das
localizaes urbanas a autonomia fsica ou funcional. Sem ela, mesmo que o idoso tenha
alto grau de instruo ou renda, ter menos chance de vivenciar a cidade e consumir seu
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espao. Esse fator condicionado preponderantemente pelo aumento da idade. Como j
observamos, em Santos h concentrao de populao idosa nas primeiras faixas do
intervalo etrio, o que resulta - ao menos com relao ao quesito idade - numa populao
mais independente e autnoma. Mas a autonomia ou a independncia do idoso fruto de
uma relao entre suas condies fsicas, renda, arranjo domiciliar e familiar, sua localizao
espacial, (Camarano et al 2004) entre outras variveis que foram observadas nas entrevistas
analisadas no quarto captulo. Numa perspectiva populacional, a varivel que mais diferencia
as condies de vida entre os idosos a de sexo3.
1.2 Sexo e Arranjo Conjugal
A anlise da estrutura etria da populao idosa revela uma caracterstica importantedo envelhecimento populacional brasileiro: a feminizao da velhice. J em 1999, Berqu
chamava ateno para este fenmeno e para a diferena entre as condies de vida das
idosas e dos idosos. Uma populao idosa com maioria feminina significa uma velhice mais
solitria, dependente, mas cada vez mais ativa, com mais espao para a reinveno da
velhice a qual discutiu Debert (1999) e que tentamos identificar em Santos no quarto
captulo.
No Brasil 55% da populao idosa de mulheres4, e quanto mais idoso o segmento,
mais feminino , principalmente nas reas urbanas (nas reas rurais predominam os homens,
que participaram menos nos fluxos migratrios para a cidade). A taxa de mortalidade da
populao idosa menor entre as mulheres, mas se vivem mais, so as mulheres tambm as
que mais sofrem com a debilidade fsica at a morte.
A velhice feminina socialmente bastante diferente da masculina, a comear por uma
das condies que mais influenciam o bem-estar do idoso, segundo os dados verificados por
Telles (2003): o estado conjugal. H mais homens idosos casados do que idosas, embora o
3 No s sexo e nem gnero, mas ambos so decisivos no envelhecimento do(a) brasileiro(a), pois se as mulheresso mais longevas, em grande parte porque estiveram longe das condies dos trabalhos pesados, reservados aoshomens. Por outro lado, sofrem as conseqncias da ausncia da aposentadoria devido aos constrangimentos sociaisantigos que as impediam de trabalhar.4 As informaes analticas desse captulo foram elaboradas por um conjunto de estudos que utilizamos aquiconforme nossa construo do tema do envelhecimento populacional. No so dados elaborados por ns,portanto.
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nmero de idosas casadas esteja aumentando, junto com o nmero de vivos na ltima
dcada. Ainda assim, grande a diferena entre os sexos. No Brasil h 40,8% das mulheres
idosas vivas, o mesmo nmero de mulheres casadas, para 77,3% de homens casados.
Ainda de acordo com Telles (2003), que utilizou como fonte de dados a PNAD de
1999, as idosas brasileiras esto na sua maioria morando com parentes (filhos, genros ou
noras) (21,3%), em famlias monoparentais5 (20%), em terceiro lugar, casadas sem filhos
(18,4%), 15,9% morando sozinhas e 12,6 % chefiando domiclios com cnjuge e filhos.
A populao idosa feminina, de maneira geral, a que menos usufrui a
aposentadoria, vivendo da penso dos maridos, e/ou da ajuda dos filhos. Experimentam
menor autonomia e maior percentual de pessoas que no tem rendimento e, provavelmente
por isso, moram em casa de outros parentes (Camarano et al 2004, p.54). Mas a
tendncia a do aumento futuro do nmero de aposentadas, devido maior presena no
mercado de trabalho atualmente (Wajman, 2004).
No Brasil apenas 12 % dos homens idosos esto vivos e 6,2% esto divorciados,
sendo que o nmero de vivos vem decrescendo com o recasamento. J o nmero de
vivas vem aumentando e j 3,4 vezes maior que o de vivos. Aumenta tambm o nmero
de divorciados, mas mais entre as mulheres: 6,2% de homens idosos divorciados para 11,8%
de mulheres idosas divorciadas.
Em Santos h mais mulheres idosas do que homens, como mostrou o grfico 6. Nos
grficos 8 e 9 vemos que a maioria dessas mulheres viva.
5 Famlias sem cnjuge, mas com algum parente.
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Grfico 6 - Santos: Estado Conjugal da populaco de 60 a 79 anos por sexo - Ano 2000
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Casado(a) Desquitado(a) ou
separado(a) judicialmente
Divorciado(a) Viuvo(a) Solteiro(a)
Estado conjugal
Percentual
Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000.
-
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Grfico 9 - Santos: Estado conjugal da populao de 80 anos ou mais por sexo - Ano 2000
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Casado(a) Desquitado(a) ou
separado(a) judicialmente
Divorciado(a) Viuvo(a) Solteiro(a)
Estado conjugal
Percentual
Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000.
Assim como na populao idosa nacional, em Santos h predomnio de homens
casados e de mulheres vivas, mas a proporo de vivas maior: so cinco vezes mais
numerosas que os vivos no segmento de 60 a 79 anos, embora em comparao com amesma relao de proporo no estado de So Paulo o nmero seja apenas um pouco acima
(40,03% no estado e 40,2% em Santos).
O alto nmero de homens casados entre os idosos de mais de 80 anos ou mais, junto
grande proporo de vivas entre as idosas da mesma faixa pode indicar a tendncia de
recasamento entre os homens, observada por Telles (2003). interessante observar que
entre as idosas vivas santistas muitas tm sustento prprio e ajudam na renda da famlia dos
filhos. Por essa renda vir, muitas vezes, de penso por viuvez, elas evitam o recasamento,preferindo no oficializar novas unies assim me contaram alguns entrevistados. Isso pode
explicar tambm a grande diferena de recasamento entre homens e mulheres (os homens
no tm uma penso por viuvez a perder).
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1.3 Escolaridade
A escolaridade do idoso brasileiro melhorou, principalmente entre as mulheres
idosas, que em 1940 eram 74,2% analfabetas e em 2000 so menos de 30%. Houve aumento
na quantidade de anos de estudo, sendo que o primeiro segmento de idosos (60 a 79 anos)teve mais anos de estudo acumulados que o segundo. Ainda assim, os maiores ganhos de
escolaridade esto com os homens, que acumularam uma mdia de cinco anos de estudos
contra 4,8 das mulheres. H grande diferena na escolarizao segundo os grupos etrios e
as regies. Entre So Paulo e Brasil essa diferena j se destaca, mas ainda maior com
relao aos idosos de Santos, que esto com mais anos de estudo acumulados, conforme
observamos no grfico6 a seguir:
Grfico 8 - Brasil, So Paulo, RMBS e Municpio de Santos:Grupos de anos de estudos das pessoas de 60 anos ou mais responsveis por domiclios
particulares
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
22
24
26
28
30
32
34
36
38
40
Sem instruo e
menos de 1 ano
1 a 3 anos 4 a 7 anos 8 a 10 anos 11 a 14 anos 15 anos ou mais No determinados
Brasil So Paulo RMBS Santos
Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000.
Os idosos que residem em Santos tm, em mdia, mais anos de estudo do que a
mdia do pas ou mesmo da regio metropolitana, superando-os a partir da faixa de 4 a 7
6 A varivel grau de instruo s estava disponvel no SIDRA IBGE (Sistema de Recuperao de DadosAgregados do IBGE) para pessoas responsveis por domiclio particular, e no para o total da populao residente.
-
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anos de estudos. Chama ateno o alto nmero de idosos que tem de 11 a 14 anos de estudo,
e de mais de 15 anos de estudo: nesse ltimo intervalo, so quase quatro vezes mais que na
populao nacional, e mesmo dentro da sua regio, quase duas vezes maior. Com esses
ndices, os idosos santistas podem ter tido boa trajetria ocupacional, e conseqentemente,
aposentadoria melhores. A distribuio de renda entre os idosos santistas, segue a mesma
tendncia, como veremos na prxima seo.
1.4 Renda
O rendimento do idoso no Brasil melhor atualmente do que o da populao jovem,
afirma Camarano et al 2004. O estrato de menor renda entre os idosos tem renda maior do
que o estrato de maior renda entre os jovens, em mdia. Dessa forma, os idosos tmcapacidade de fornecer suporte familiar, e freqentemente, dividem o domiclio com seus
filhos e netos.
Entre 1940 e 2000 o rendimento dos idosos melhorou continuamente, embora entre
os censos de 1980 e 1991 tenha diminudo. Mas a partir deste ltimo, a proporo de idosos
sem rendimentos volta a cair, principalmente entre as mulheres, que sempre foram as mais
pobres. Isso se deve em grande parte Constituio de 1988, que assegura pelo menos um
salrio mnimo mensal a todas as pessoas carentes acima de 65 e a universalizao da
previdncia rural7.
A evoluo do rendimento entre homens e mulheres bem diferenciada, assim como
suas trajetrias ocupacionais. O rendimento dos homens cresce at os 55 anos, quando
comea a declinar, provavelmente com o incio da aposentadoria, geralmente menor do que
seu salrio ou renda anterior. Com as mulheres os rendimentos absolutos so mais baixos;
crescem at a faixa dos 45 a 49 anos, declinam at os 60 anos quando voltam a subir,
atingindo o ponto mximo na faixa dos 75 a 79 anos. O rendimento feminino , dessa forma,
menos afetado pela idade, e provavelmente no est to ligado a uma evoluo ocupacional;
cresce nas faixas etrias mais avanadas devido a penses por viuvez.
7No Estatuto do Idoso, em seu artigo 34, l-se: Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que nopossuam meios para prover sua subsistncia, nem de t-la provida por sua famlia, assegurado o benefcio mensalde 1 (um) salrio-mnimo, nos termos da Lei Orgnica da Assistncia Social Loas.
-
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A maior parte da renda dos idosos, ainda segundo Camarano et al (2004), vem da
aposentadoria e cada vez menos de trabalho atual. Em 1980, 35,5% da renda do idoso
ramos provenientes de aposentadoria, em 2000 j so 51,3%. Entre as mulheres a
importncia da aposentadoria maior, novamente, devido ao peso das penses por viuvez.
Para as autoras, dois fatores explicam essa maior participao da aposentadoria no
rendimento da populao idosa brasileira: o envelhecimento da prpria populao idosa (o
segmento mais idoso dificilmente trabalha, e vive mais da aposentadoria) e o aumento da
cobertura da previdncia, principalmente para as mulheres e para os idosos do meio rural.
Aumenta tambm a contribuio do idoso na renda da famlia, que em 2000 passou a
responder por mais da metade do oramento familiar (58,5%). Neste aspecto, a relao
entre envelhecimento e dependncia pode tornar-se inversa, j que muitas vezes alm de
independentes financeiramente, podem estar ajudando os membros mais jovens da famlia.
Em Santos, assim como na varivel escolaridade, os idosos esto com renda melhor
do que a populao idosa nacional, conforme os grficos 10 e 11:
Grafico 10 - Distribuio do rendimento nominal mensal entre pessoas de 60 a 79 anos de idade
responsveis por domiclios particulares - Ano 2000
0
3
6
9
12
15
18
21
24
27
30
33
36
39
42
45
At1/4des
alrio
smini
mos
Maisd
e1/4a1/2s
alrio
smnim
os
Maisd
e1/2a3/4des
alrio
smnim
os
Maisde
3/4a1
salrio
mnim
o
Maisd
e1a11/4de
salrio
mnim
o
Maisde
11/4
a11/2
salrio
mnim
o
Maisd
e11/2a2s
alrio
smnim
os
Maisde
2a3s
alrio
smnim
os
Maisde
3a5s
alrio
smnim
os
Maisde
5a10s
alrio
smnim
os
Maisde
10a15s
alrio
smnim
os
Maisde
15
a20s
alrio
smnim
os
Maisde
20a30s
alrio
sminim
os
Maisd
e30s
alrio
smnim
os
S
emrendim
ento
Classes de rendimento
Percentual Brasil
So Paulo UF
RMBS
Santos
-
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Grfico 11 - Brasil, So Pulo UF, RMBS, Municpio de Santos: Distribuio de rendimento nominal
mensal por pessoas de 80 anos ou mais de idade responsveis por domiclios particulares - Ano
2000
0369
1215182124273033363942454851545760
At1/4
desalrio
sminim
os
Maisde
1/4a1
/2salrio
smnim
os
Maisd
e1/2a3/4
desalrio
smnim
os
Maisde3/4
a1salrio
mnim
o
Maisd
e1a11/
4de
salrio
mnim
o
Maisd
e11/4a1
1/2
sal
riomnim
o
Maisde
11/2a
2salrio
smnim
os
Maisde
2a
3salrio
smnim
os
Maisde
3a
5salrio
smnim
os
Maisde
5a10
salrio
smnim
os
Maisde
10a
15salrio
smnim
os
Maisde
15a
20salrio
smnim
os
Maisd
e20a
30salrio
sminim
os
Maisde
30salrio
smnim
os
Sem
rendim
ento
Classes de rendimento
Percentual Brasil
Sao Paulo UF
RMBS
Santos
Tabela 2 - Pessoas entre 60 e 79 anos de idade responsveis por domicliosparticulares e classe de rendimento nominal mensal (percentual) - Santos-SP 2000.
Classes de rendimento mensal Brasil So Paulo RMBS Santos
At 1/4 de salrio mnimo 0,29 0,06 0,05 0,02
Mais de 1/4 a 1/2 salrio mnimo 0,79 0,25 0,21 0,08
Mais de 1/2 a 3/4 de salrio mnimo 1,16 0,51 0,37 0,14
Mais de 3/4 a 1 salrio mnimo 40,29 24,23 13,63 7,19
Mais de 1 a 1 1/4 de salrio mnimo 1,88 1,89 1,36 0,88
Mais de 1 1/4 a 1 1/2 salrio mnimo 3,46 3,51 2,65 1,75
Mais de 1 1/2 a 2 salrios mnimos 10,71 10,47 8,28 6,22
Mais de 2 a 3 salrios mnimos 8,00 11,26 11,20 9,64
Mais de 3 a 5 salrios mnimos 9,71 15,15 18,97 19,95
Mais de 5 a 10 salrios mnimos 10,08 15,21 22,87 28,10
Mais de 10 a 15 salrios mnimos 2,87 3,96 5,76 8,34
Mais de 15 a 20 salrios mnimos 1,98 2,81 3,87 6,20
Mais de 20 a 30 salrios mnimos 1,33 1,74 2,20 3,59
Mais de 30 salrios mnimos 2,06 3,00 3,04 5,40Sem rendimento 5,39 5,95 5,53 2,52
Total 100 100 100 100
Fonte: Censo Demogrfico IBGE, 2000.
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Tabela 3 - Pessoas de 80 anos ou mais de idade responsveis por domicliosparticulares e classe de rendimento nominal mensal (percentual) - Santos-SP 2000.
Classes de rendimento nominal mensal Brasil So Paulo RMBS Santos-SP
At 1/4 de salrios mnimos 0,07 0,03 0,00 0,00
Mais de 1/4 a 1/2 salrios mnimos 0,18 0,09 0,04 0,00
Mais de 1/2 a 3/4 de salrios mnimos 0,38 0,36 0,20 0,09
Mais de 3/4 a 1 salrio mnimo 60,06 41,02 23,54 13,98
Mais de 1 a 1 1/4 de salrio mnimo 1,68 2,36 1,64 1,09
Mais de 1 1/4 a 1 1/2 salrio mnimo 2,13 3,18 2,93 2,45
Mais de 1 1/2 a 2 salrios mnimos 8,17 9,36 9,74 8,97
Mais de 2 a 3 salrios mnimos 5,36 8,80 11,50 11,62
Mais de 3 a 5 salrios mnimos 6,09 10,32 15,87 17,86
Mais de 5 a 10 salrios mnimos 7,16 11,63 18,23 23,06
Mais de 10 a 15 salrios mnimos 2,28 3,22 4,27 5,63
Mais de 15 a 20 salrios mnimos 1,54 2,22 3,31 4,77
Mais de 20 a 30 salrios mnimos 1,10 1,47 2,16 3,15
Mais de 30 salrios mnimos 1,70 2,45 3,33 5,22
Sem rendimento 2,11 3,50 3,24 2,11Fonte: Censo Demogrfico IBGE, 2000.
Assim como na distribuio sobre grau de instruo, podemos observar que a renda
dos idosos santistas maior que a dos idosos brasileiros em mdia, e mesmo que a dos
idosos da sua prpria regio. Em Santos, nos dois intervalos etrios, os idosos concentram-
se nas faixas mdias de renda entre 3 e 10 salrios mnimos, sobretudo na de 5 a 10 salrios
mnimos, o que garante 60 % de populao idosa predominantemente de classe de rendamdia. Devemos destacar que maior nesse caso o potencial consumidor e provedor
familiar, podendo ter peso no movimento dos setores de comrcio e servios na cidade.
Em mbito nacional h grande concentrao na faixa de at um salrio mnimo,
acentuando-se no segmento mais idoso. Isso ocorre porque na populao idosa brasileira, a
velhice traz uma garantia de renda aguardada a vida toda, com o recebimento do auxlio
previdencirio assegurado pela Lei Orgnica de Assistncia Social (um salrio mnimo).
Tanto nas distribuies do Brasil e de So Paulo, quanto na santista e nametropolitana, o intervalo etrio de 60 a 79 anos tem melhor renda, o que pode ser
proveniente de o que pode ser proveniente de uma permanncia de aposentados no mercado
de trabalho ou de trabalhadores dessa faixa etria na economia informal, j que mais difcil
para os idosos de 80 anos ou mais continuarem no mercado. No entanto, interessante
destacar que nas distribuies do Brasil e de So Paulo a desigualdade de renda acentuada
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na faixa mais idosa, ao contrrio do que ocorre na distribuio santista, o que pode ser um
reflexo de uma renda melhor distribuda j nas faixas etrias anteriores.
Grau de instruo e renda so fatores que pesam nas condies de vida da populao
e para os velhos so ainda mais importantes no acesso aos cuidados que precisam (mais
caros e constantes do que aqueles exigidos pelos jovens e adultos). verdade que a famlia
a instncia cuidadora decisiva no bem-estar do idoso, mas crescente tambm o nmero
de servios privados para essa populao, que tem mais recursos e mais necessidades de
gastos do que a populao jovem. Alm disso, pelos grficos anteriores sabemos que os
idosos de Santos, alm de terem melhor renda e grau de instruo, so comparativamente
mais jovens, indicando uma populao com maior probabilidade de autonomia fsica,
portanto, com mais poder de participao na produo de localizaes urbanas na cidade.
Acreditamos que o envelhecimento populacional mais acentuado em Santos porque
tambm um dos processos resultantes da formao da estrutura urbana dessa cidade. Por
isso preciso investigar como se formou essa populao e como a prpria estrutura urbana
de Santos se constituiu. Seriam esses idosos de Santos a populao residente que
envelheceu e construiu, ela mesma, a estrutura urbana da cidade ou so, em parte,
populao idosa que chegou depois, proveniente tanto de outras unidades de federao,
como da prpria regio metropolitana?
1.5 Formao da populao idosa santista
O estudo da formao da prpria estrutura urbana da cidade enquanto o conjunto
dos processos que organizam seu tecido urbano 8 demonstrar que o envelhecimento
populacional que se observou resultado dessa prpria estruturao intra-urbana e urbano-
regional. Para Alberto Jakob, que em sua tese de doutoramento analisou demograficamente
a constituio urbana da Regio Metropolitana da Baixada Santista, o envelhecimento
8 Tecido urbano, mancha urbana so expresses que utilizamos para designar puramente o espao deassentamento da cidade, a rea urbanizada, o prprio espao intra-urbano.
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populacional santista resultante do comportamento passado dos fluxos migracionais que
constituram a populao da regio9.
A anlise dos dados da populao de Santos dos Censos de 1970 at 2000 mostra
um aumento contnuo na taxa de longevidade e queda na taxa de mortalidade. Isso indicaria
um envelhecimento populacional natural, sem necessria entrada de migrantes idosos ou
sada de migrantes jovens. De acordo com Jakob (2003), o envelhecimento populacional de
Santos j vem desde 1980, quando 21% dos casais residentes estavam acima dos 60 anos de
idade, e ainda, quase a metade dos casais residentes com idade mdia de 45 anos ou mais.
Porm, a migrao um forte fator nesse processo, pois Santos foi um dos primeiros
municpios do Brasil a ser alvo de fortes surtos de migrao: primeiro a migrao
internacional na poca do intenso comrcio do caf; depois, nos anos 1950 e 1960, a
migrao interna (intra-estadual, interestadual (nordestinos em sua maioria) e intra-
metropolitana) com a demanda de mo de obra das empresas de construo civil que
erguiam os prdios da orla da praia, e ainda a demanda de mo de obra do complexo
industrial de Cubato, cidade que no tinha infra-estrutura suficiente para abrigar a mo de
obra qualificada.
No entanto, Santos foi tambm o primeiro municpio a diminuir essa migrao e o
primeiro a ter saldos cada vez menores na migrao intra-metropolitana (expulsando
populao para os municpios vizinhos). J a partir de 1980 a cidade passou a receber menos
gente do que mandava para fora. E os poucos que ainda chegavam eram mais velhos do que
os emigrantes, constituindo migrao de retorno daqueles que, depois de certo perodo de
trabalho, podiam melhorar suas condies residenciais, deixando os municpios perifricos10,
ou, dito de outra forma, como num processo metropolitano de sucesso entre zonas urbanas,
como veremos. J na dcada de 1980 a populao migrante era envelhecida em relao das
9 Esse trabalho de Jakob (2003) ser utilizado tambm no captulo terceiro, sobre a estruturao de Santos. Osdados que sero apresentados a seguir foram elaborados por este autor atravs do exame dos Censos Demogrficosde 1960, 1970, 1980, 1991 e alguns dados do Censo 2000, da FIBGE.10 Quando mencionamos a migrao de retorno (quando o migrante retorna ao seu municpio de nascimento) noestamos pensando em migrantes aposentados, mas assim em famlias que ainda esto no meio de seu ciclo vital,como estudou Cunha (1994). Para Jakob (2003) a migrao de retorno no apresentou nenhum impactosignificativo no processo de envelhecimento populacional observado no municpio de Santos (p.120).
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dcadas anteriores. Alm disso, os municpios perifricos11 estavam em franco crescimento,
oferecendo novas oportunidades de trabalho e residncia. A migrao das famlias jovens,
tanto a migrao intra-metropolitana, como aquela migrao intra-estadual e interestadual
(nordestinos) que outrora se dirigia a Santos, passou a se concentrar nesses municpios, e
no mais em Santos, j com urbanizao consolidada, e custo do espao cada vez mais alto.
Pela estrutura ocupacional da populao das cidades da RMBS elaborada por Jakob,
nota-se que em Santos mais alto o nmero de empregadores, aposentados e pensionistas,
sobretudo na populao residente. Desde o perodo de 1959 a 1970 Santos a cidade que
contm maior nmero de aposentados na sua populao. Enquanto a mdia da RMBS nesse
perodo era de 4,7% de populao aposentada, Santos j dispunha de 6%. Comparando com
os municpios centrais da RMBS, Santos estava bem acima, pois So Vicente possua 4%,
Praia Grande 3,6% e Guaruj 1,9% de populao aposentada nesse perodo, em mdia12.
O crescimento do nmero de aposentados em relao s outras categorias de
ocupao (empregado e empregador) na dcada de 1960 se explica, ao nosso ver, pelo
Decreto N. 3087 de 1960 que institui a aposentadoria especial. Em linhas gerais, esse
decreto permitia aos trabalhadores submetidos a condies insalubres, penosas ou perigosas,
segurados pela previdncia social h pelo menos 25 anos e com 50 anos ou mais de idade
aposentar-se. Em 1964 o Decreto N. 53.831 de 25 de maro especificava as categorias
profissionais que teriam direito a aposentar-se com 25 anos de contribuio, a chamada
aposentadoria especial. Dentre elas, muitas que em Santos eram numerosas como os
prprios trabalhadores porturios (estivadores, conferentes, motorneiros), operrios de
construo de navios, pescadores, trabalhadores em metalrgica e siderurgia e outros. Por
isso, j na dcada de 1960 Santos podia destacar-se com alto nmero de aposentados13.
11 Nesse estudo dividiremos os municpios da RMBS em dois grupos: os municpios centrais (Santos, So Vicente,
Cubato, Praia Grande, Guaruj e Bertioga) e os municpios perifricos (Perube, Itanham e Mongagu), divisotambm utilizada por Carrio (2002) e Jakob (2003). Como se ver ao longo do trabalho, esses dois gruposdiferenciam-se no s geograficamente, mas tambm no seu modo de ocupao e na circulao de pessoas. Pode-sedizer que a rea urbana regida pela estrutura urbana que atua em Santos compreende todos os municpios centrais,com exceo de Bertioga, j mais distante para deslocamentos dirios.12 Grande parte da classe trabalhadora de Santos est no Porto, e algumas categorias profissionais porturiastm direito aposentadoria especial por se tratar de um trabalho insalubre e perigoso. Da talvez umaexplicao da precocidade da cidade em ter um grande nmero de aposentados.13 Em 1968 esse decreto foi revogado, e depois, em 1979 regulamentado novamente, como explica Freitas,1998. Depois de muitas alteraes quanto s exigncias para que o trabalhador tenha o direito ao benefcio
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Nos anos 1980 essa proporo continua aumentando: 11% de aposentados entre a
populao residente, correspondendo j a mais de 30.200 pessoas. Entre a populao total
(contando tambm os migrantes), os aposentados eram 9,8% em 1980. Em 1991, j so
13%, correspondendo a 47.300 pessoas.
Jakob nota que at entre os migrantes o nmero de aposentados cresce; tornam-se
quase quatro vezes mais entre os anos 1960 e 1970: de 2,4% na dcada de 1960, para 9,1%
da populao migrante na dcada de 1970, e aumenta para 13,2% no perodo entre 1981 e
1991. A proporo de aposentados sempre mais alta entre os no migrantes, mas devemos
lembrar que os aposentados migrantes do perodo de 1959 a 1970, no censo de 1980 j so
considerados no migrantes, a no ser que tenham sado de Santos, o que pouco provvel,
dado o nmero maior da populao.
O imaginrio construdo acerca de uma velhice ativa na cidade divulgado na mdia
local como um fator de atrao de aposentados e j se incorporou essa idia no senso
comum da regio. Tanto que h trabalhos acadmicos da regio que ressaltam Santos como
uma cidade atrativa de aposentados pela sua qualidade de vida14 e a pesquisa de emprego e
desemprego realizada trimestralmente pela UNISANTA colocou dentre seus objetivos
especficos averiguar migrao de aposentados. De fato, as pesquisas demonstram uma
contnua entrada de aposentados na cidade, constatando em setembro de 2003 que dos 369
entrevistados, 14, ou seja, 3.8% migraram para Santos no momento da aposentadoria, ou
depois, num ndice praticamente igual ao apurado em maro de 2003 (NESE-UNISANTA,
2006). Nas pesquisas seguintes (realizadas semestralmente) esse ndice manteve-se, em
mdia, em 3%.
No estudo de Jakob tambm foi avaliada essa hiptese, e o autor apontou que a
migrao idosa foi mais sentida nos municpios perifricos da RMBS (10,8% dos migrantes
no-metropolitanos em Itanham e 14,6% em Mongagu) do que nos centrais. A exceo
foi Praia Grande, o nico entre os municpios centrais a ter taxa expressiva de migrao no-
(como o tempo de exposio aos agentes prejudiciais, por exemplo) a legislao em vigor continuabeneficiando (ainda que de maneira dificultosa ao trabalhador) as categorias mencionadas.14 A concluso de Elias Haddad da sua dissertao em Gesto de Negcios, foi a de que a qualidade de vidade Santos, comprovada nesse trabalho, pode atrair novos moradores e consequentemente gerardesenvolvimento econmico. Essa uma peculiaridade da nossa cidade que, se potencializada, podeimpulsionar o seu desenvolvimento, que se pretende, seja sustentvel. (HADDAD FILHO, 2004).
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metropolitana de idosos (12,8%). No entanto, entre os anos de 1981 e 1991 a participao
dos aposentados na estrutura ocupacional de Santos cresceu, especialmente entre os no
migrantes, conforme j mostramos acima. Para o autor significa envelhecimento de sua
populao, em grande parte devido ao seu alto volume de emigrantes que se dirigem para
So Vicente e Praia Grande (Jakob, 2003, p.101).
O IPAT 15 , instituto de pesquisas de mercado do jornal local, inaugurou seus
trabalhos com uma pesquisa sobre a terceira idade em Santos e em quatro cidades de seu
entorno, para averiguar, dentre outras questes, se Santos recebia muitos migrantes idosos.
O objetivo principal da pesquisa16 foi conhecer a populao idosa que seria pblico alvo de
um programa de televiso. Foram entrevistadas quase 3500 pessoas em todos os bairros de
Santos, Guaruj, Praia Grande, Cubato e So Vicente, municpios centrais da RMBS, que
compem os deslocamentos da populao idosa que circula em Santos, de acordo com o
que observamos em nossa pesquisa de campo.
No relatrio disponibilizado no site do instituto h dados agregados ou separados
por cidade. Vimos, ento, que a cidade que tem mais idosos migrantes Praia Grande, e no
Santos, como se pensava, embora Santos ainda seja a cidade que mais tem idosos na regio.
Essa notcia foi o destaque do jornal ao publicar a pesquisa, salientando que mais da metade
(53,3%) dos idosos entrevistados em Santos, so naturais da cidade. Dos outros 46,7% que
no so naturais, a maioria est residindo na cidade h mais de dez anos e veio por motivos
de trabalho, embora haja a parcela daqueles que vieram h menos de cinco anos depois de
aposentar-se. importante salientar que essa ltima parcela tem se demonstrado sempre
presente.
Alm de migrao idosa, Praia Grande dispe do maior saldo migratrio positivo17
da populao entre as cidades da RMBS, de acordo com Jakob (2001). Junto com o saldo
migratrio negativo de Santos, Jakob (2001) indica uma migrao intra-metropolitana
centrfuga. No seu estudo posterior, o mesmo autor nos mostrou que essa migrao intra-
15 Instituto de Pesquisa A Tribuna16 Assim como no IBGE, nessa pesquisa foi considerada idosa toda pessoa com 60 anos ou mais.17 O saldo migratrio a diferena entre a populao que veio residir no municpio e a que saiu no ano pesquisado.Quando positivo, mais pessoas chegaram do que saram.
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metropolitana produz envelhecimento em Santos, pois os que saem so mais jovens. O
quadro abaixo, produzido pelo IPAT, mostra a migrao em toda a regio analisada.
Fonte: IPAT, 2005
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De todos os entrevistados da regio, 16,7% so migrantes, e 22% dos idosos no
naturais chegaram a Santos depois de aposentar-se. um nmero considervel e muito
maior do que o apurado por Jakob 2003. Nesse caso, a diferena de amostra pode ser
fundamental, pois como veremos, h grandes diferenas entre os idosos de cada bairro de
Santos, ou seja, de acordo com os bairros visitados pelo IPAT, esse nmero pode aumentar
ou diminuir.
Mas a grande migrao idosa constatada ficou por conta do municpio de Praia
Grande. O boom de apartamentos de veraneio de Praia Grande aconteceu depois da
edificao da maior parte dos prdios da orla de Santos, como se fosse uma alternativa
barata quelas terras j especuladas. Da mesma forma, idosos da classe mdia vem em
Praia Grande oportunidades imobilirias j ausentes de Santos, ou a chance de transformar
seus apartamentos e casas de veraneio em moradia. Em entrevistas em Santos, esses casos
foram recorrentes, assim como entrevistamos idosos que moravam em Praia Grande
realizando atividades ldicas no SESC18 de Santos, no hipermercado Extra19, e em outros
pontos de encontro que listaremos no quarto captulo. Entrevistamos tambm em Santos,
senhoras que moravam em Praia Grande, So Vicente e at Guaruj, que desejavam residir
em Santos. Dessa forma, mesmo no sendo plo de atrao migratria, Santos sente os
efeitos dessa migrao.
Assim, analisar a produo de localizaes urbana em Santos por idosos, no
significa analisar somente os idosos habitantes da cidade de Santos. Os deslocamentos intra-
metropolitanos acontecem tambm entre a populao idosa20. Santos o centro das trocas
urbanas dessa grande rea intra-urbana, ou seja, a estrutura urbana que organiza o seu
cotidiano um conjunto de fluxos populacionais que no se conforma aos limites
administrativos da cidade, sendo a populao idosa de toda a rea, um motor dessa
18
O Servio Social do Comrcio (SESC) uma entidade de direito privado resultante das polticas sociais daConfederao Nacional do Comrcio e est instalado em Santos em uma grande construo que abriga umcomplexo de espaos de esporte e lazer alm do teatro, assim como em outras cidades no pas. No Brasil, oSESC foi a instituio pioneira em trabalhar de maneira focada a um pblico de mais de 60 anos,inaugurando o incentivo Terceira Idade como concepo de envelhecimento saudvel e ativo.19 H um nico hipermercado Extra em Santos, que fica no entroncamento de duas importantes avenidas(Francisco Glicrio e Ana Costa) e uma artria local (a Rua Pedro Amrico). No captulo 4 veremos comoesse supermercado tornou-se um lugar de concentrao de idosos ao promover um baile de dana de salo.20 Essa afirmao s pode ser corroborada pela nossa pesquisa de campo, e por isso no oferecemos nenhuma taxa,pois nossa amostra foi aleatria.
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estruturao urbana que se faz dia a dia. Mas nesse trabalho somente a populao idosa
santista ser estudada, no s para que a pesquisa possa se realizar, mas tambm porque o
espao intra-urbano de Santos, estruturado de maneira cada vez mais segregadora, tem sido
seletivo at mesmo para essa populao, delineando um envelhecimento populacional
bastante particular, como vimos nos pargrafos anteriores.
A formao dessa rea intra-urbana, e como se organizou a estrutura urbana atual
o objeto do terceiro captulo, no sem antes visitar as ferramentas tericas para essa anlise.
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Captulo 2: Teorias da estrutura urbana
A presena dos idosos na cidade de Santos, seja pela circulao ou pela residncia,
vem, aos poucos, produzindo ou transformando algumas localizaes urbanas enquanto
espaos de vivncia e sociabilidade. Para entender esse processo necessrio discutir
teoricamente a produo social do espao urbano. Adotamos o conceito de Flvio Villaa de
espao intra-urbano por ter sido o que melhor captou essa dimenso espacial do cotidiano
citadino. Os pressupostos tericos e os conceitos clssicos do estudo do espao urbano
formam a base para a teoria de Villaa (1998), que, a nosso ver, conseguiu fornecer um
esquema de anlise do espao constitutivo das metrpoles, e no uma abordagem do espao
regional.
Nesse captulo nosso objetivo visitar brevemente os principais conceitos que se
utilizam nos estudos sociolgicos urbanos buscando iluminar nosso objeto de estudo: a
relao entre a populao idosa e a estruturao do espao intra-urbano de Santos.
Num primeiro olhar, cremos que os efeitos de um crescimento da proporo da
populao idosa na produo social do espao ainda no so suficientemente contemplados
por teorias que enfatizem a distribuio dos meios de produo e da fora de trabalho comoprincipal motor da produo do espao urbano. No nosso caso, estudamos um grupo
populacional que no se encaixa em nenhuma dessas categorias21. Para isso seria necessria
uma incurso em teorias sociolgicas que procuram explicar no s a produo do espao
urbano, mas tambm a sua organizao, oferecendo acurada descrio do comportamento
dos grupos sociais na cidade e das suas caractersticas culturais prprias, relevantes para a
estruturao do espao da cidade. A Escola de Chicago foi a que iniciou este mergulho
terico e emprico nos estudos urbanos (Eufrsio, 1999) e cunhou o importante conceitosociolgico de estrutura urbana. Ela representa o incio dos estudos da cidade enquanto um
sistema social de escala prpria, no qual os fatos sociais da sociedade moderna se revelam.
21 Embora os idosos aposentados j tenham sido fora de trabalho e haja grande parte daqueles que aindatrabalham, no como fora de trabalho que usufruem a cidade, como veremos adiante.
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Por outro lado, no podemos deixar de considerar que no sistema capitalista o
espao deve ser considerado como mercadoria, sendo disputado por classes sociais, como
lembra Lefebvre (1991). Castells (2000), em uma pretensa crtica a Escola Sociolgica de
Chicago, assinala que a cultura urbana a qual Park buscou no pode ser considerada uma
varivel independente dos processos econmicos, polticos e ideolgicos que estruturam a
prpria sociedade capitalista como um todo. Nesse sentido, nossa pesquisa se assenta sobre
os pressupostos tericos construdos pelos principais tericos em estudos urbanos da Escola
Sociolgica de Chicago (Ernest Burgess e Robert Park) e tambm pelo economista Homer
Hoyt, mas procura no deixar de observar as consideraes do debate marxista da produo
social do espao da sociedade capitalista, indispensveis para analisar qualquer formao
urbana consolidada, principalmente as metropolitanas.
J se encontram esboos de uma concepo de estrutura urbana em Engels, n A
Situao da Classe Trabalhadora na Inglaterra e na obra de Johann Georg Kohl, gegrafo
que j no sculo XIX, teria anunciado certas teses que somente no incio do sculo XX
seriam desenvolvidas, como a relao de referncia mtua entre a rea comercial e a
residencial, e a sua teoria da expanso da cidade a partir da busca do campo pelas elites
(Peucker, 1968:03). Entretanto, foram Robert Park e Ernest Burgess os primeiros
socilogos a delinear um campo de estudos urbanos dentro das cincias sociais.
2.1. A Escola Sociolgica de Chicago
Mrio Eufrsio (1999) analisou sociologicamente a formao da Escola Sociolgica
de Chicago com foco nas suas construes tericas sobre a cidade. Para esse autor
possvel classificar tais contribuies terico-metodolgicas em duas linhas principais. A
primeira seria a vertente ecolgica e a segunda Eufrsio chamou de concepo scio-
econmica, ambas buscando compreender o desenvolvimento da cidade utilizando o
conceito de estrutura urbana. No entanto o mesmo autor explica que a proposio de um
estudo sobre a cidade veio antes de uma teoria urbana (Eufrsio, 1995, 1999). preciso,
portanto, analisar o breve perodo de formao da prpria sociologia norte-americana para
compreender as bases e a motivao do programa de investigao proposto por Robert
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Park, que veio a gerar a sociologia urbana de Chicago como uma corrente terica. Dessa
forma, averiguando os objetivos dos primeiros autores, entenderemos as contribuies do
mtodo de pesquisa que faz da Escola Sociolgica de Chicago uma iniciativa mpar nos
estudos urbanos, relevantes at hoje.
As primeiras empresas investigativas que tentaram explicar a exploso moderna que
agitava as cidades americanas motivaram o prprio nascimento da sociologia, enquanto uma
disciplina, nos Estados Unidos. Quase de repente, vultosas somas de dinheiro
transformavam ou criavam quarteires inteiros naquele momento histrico de construo do
pas. Vilas de agricultores davam lugar a cidades comandadas por magnatas e movimentadas
por muitos operrios de nacionalidades diversas, explorados exausto. Invenes
tecnolgicas, a luz eltrica e o vapor facilitavam a vida cotidiana, e o consumo aumentava
bem como a populao que chegava em busca de trabalho e de ascenso social. A cidade
crescia sem planejamento algum ou leis reguladoras, dando abrigo delinqncia e ao
crime. Em meio a esse estado quase anmico, se visto de longe, alguns homens vindos de
uma sociedade rural, sentem o estranhamento e tentam entender aquele aparente caos.
Os primeiros socilogos, assim como boa parte da populao norte-americana
daquela poca, tm quase todos uma origem rural, com uma slida crena protestante, a
qual via na religio uma forma de compreender e explicar o mundo. Segundo Coser (1980) e
Hinkle (1954), autores que analisaram o nascimento da sociologia nos Estados Unidos os
primeiros socilogos norte-americanos conviviam com o esprito reformador e moralista do
Movimento da Reforma, um movimento de reao sbita e intensa industrializao, que
abandonava valores tradicionais. Largamente difundido naquela poca, esse movimento
incitou uma crtica aos valores daquela sociedade moderna que se formava, motivando a
criao da prpria Sociologia como uma cincia dedicada a investigar os problemas sociais
que se avolumavam. De maneira geral, naquela poca, esses pensadores buscaram formar
uma cincia que explicasse e predissesse a mudana social, mas comprometidos eticamente
com o melhoramento das condies sociais urbanas (Hinkle, 1954, p.3). Segundo Coser
(1980), os primeiros cursos de sociologia, quer oferecidos pelos presidentes de faculdades
ou por jovens professores, tendiam a ser uma variada combinao de exortao moral,
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descrio factual, problemas sociais, darwinismo conservador ou reformista, movimento
cristo, economia institucional e preocupao com vrias formas de patologia social.
O Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago foi o que mais avanou
cientificamente na disciplina, sendo em certa altura quase o representante da sociologia
americana como um todo. Mas antes dele, outras tentativas de explicar os problemas sociais
j tinham sido realizadas, embora a maioria ainda no primasse por um mtodo cientfico. O
primeiro trabalho comprometido com a compreenso sociolgica, e no com a reforma
social foi Folkways, de Sumner,que veio a ser utilizado como ponto de partida pelo grande
lder da Escola Sociolgica de Chicago, Robert Park.
Como disse Coser (1980), o subttulo do livro de Sumner Estudo da Importncia
Sociolgica dos Usos, Maneiras, Hbitos, Costumes e Moral diz em grande parte do que se
trata: uma tentativa de delinear uma teoria geral da sociedade humana por meio de
categorias de comportamento humano. Os principais conceitos dessa obra so os folkways e
os costumes (os mores). Os folkways so as maneiras habituais de fazer as coisas,
aprendidas por tentativa e erro desde o comeo da civilizao. Quando esses folkways se
demonstram as melhores maneiras de lidar com as atividades cotidianas, so transformados
em costumes. Os costumes so hbitos mais carregados de significado cultural, ou como
disse Coser mais adequadamente, podem tornar qualquer coisa certa (...) so coercivos e se
impem. (...) Enquanto as sanes contra os desvios dos folkways podem ser relativamente
moderadas, as sanes pelas infraes dos costumes so mais rigorosas, precisamente
porque so consideradas uma garantia de bem estar do grupo (Coser, 1980, p. 390).
Sumner tambm atribuiu significado idia de instituio, que era uma conseqncia
dos outros dois conceitos: quando osfolkways que haviam se transformado em costumes e
ganhavam uma representao material, teramos, ento, uma instituio. Havia instituies
naturais, que tinham se desenvolvido lentamente, como o casamento, e instituies
criadas, produtos de um mundo moderno, de uma inveno racional, como os bancos.
Ambos eram instituies porque eram idias vlidas para toda a sociedade, dotadas de uma
estrutura material. Com isso, Sumner queria mostrar como havia uma evoluo da
sociedade, e que qualquer interferncia que no respeitasse as instituies, os costumes e os
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folkways, tenderia ao fracasso. Essas idias subjazem a primeira investida em pesquisa
urbana de Park.
consenso entre os socilogos que estudaram a Escola de Chicago como uma
escola terica22 que William G. Sumner, Lester F. Ward, Albion W. Small, Franklin G.
Giddings, Edward A. Ross, Charles H. Cooley foram os seis pais fundadores da sociologia
norte-americana. William Thomas e Robert Park, da segunda gerao, foram decisivos
porque consolidaram a sociologia como disciplina cientfica com perspectiva prpria, sem
ser o estudo apenas dos problemas sociais. Os desdobramentos de suas obras foram mais do
que tericos, mas tambm institucionais e acadmicos.
Desses tericos, o mais importante para ns Robert Park, professor da
Universidade de Chicago que buscava captar e analisar os elementos principais de um modo
de vida urbano. Em 1915, motivado por suas observaes empricas sobre a cidade de
Chicago e, segundo Eufrsio (1999), pelo estudo das obras de Sumner, Simmel, Durkheim,
Cooley e principalmente de The Polish Peasant, de William Thomas, Park prope um
programa de investigao que objetiva no s estudar a cidade de Chicago, mas apreender o
que comum a todas as cidades: a cultura urbana. Assim como a antropologia cultural de
Franz Boas estudava culturas de outras sociedades, a cultura urbana tambm deveria ser
tomada como objeto de estudo antropolgico, pois possua, em si, um modo de vida
prprio.
Para Park, a cidade mais do que um mero agregado de organizaes sociais
(Eufrsio, 1999:49), uma organizao natural, cultural, moral e econmica. O seu espao
edifcios, ruas, praas, escolas, igrejas - resultante do comportamento dos seus
indivduos, mas em conjunto, forma um todo que age sobre eles, gerando a cultura urbana.
A sua materialidade organizada em uma estrutura que resulta de processos naturais de
interao entre os homens; um conjunto organizado, que se estrutura por certa
associao entre seus elementos e resulta de um processo (...) no intencional de trabalho de
sucessivas geraes de homens (Park, 1915, p.29-30 in Velho, 1976). Ou seja, a cidade
uma construo histrica, mas acontece naturalmente, assim como explicou Sumner sobre a
transformao dosfolkways em instituies.
22 Ver Hinkle (1980), Coser (1980), Bulmer, (1984), Eufrsio (1995 e 1999), entre outros.
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Tal como Durkheim imaginou a sociedade, a cidade um organismo composto de
vrias partes, engendrado pela interao da organizao fsica, com uma ordem moral 23 e
uma organizao econmica. Cada parte desse organismo possuiria uma funo e um
espao, formando as reas naturais e especialmente as vizinhanas.
Dessa forma, muito do que era tratado como problema social por outros
pesquisadores, para Park, eram caractersticas naturais da cidade e deviam ser
compreendidas dentro daquele todo articulado. O objetivo de seu artigo, portanto, era
propor um programa de investigao que, por meio de diversas indagaes, visaria
fundamentalmente desvendar os processos e fatores que formam a cidade, tentando explic-
la primeiramente, e no imediatamente resolver seus problemas.
O artigo de Park est dividido em quatro sees, que so os temas principais a ser
investigados: 1) A organizao local e o plano da cidade, 2) A organizao industrial e a
ordem moral, 3) As relaes secundrias e o controle social e o 4) O temperamento e o
meio ur