Terra em transe

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EDITOR-COORDENADOR: ADALBERTO MEIRELES / [email protected] S EG SALVADOR 12/4/2010 HOJE PERSONA TER POP QUA VISUAIS QUI CENA SEX CINE SAB LETRAS DOM SHOP 2 CINEMA O SUCESSO DO FILME CHICO XAVIER ESTIMULA NOVAS PRODUÇÕES ESPÍRITAS 8 MÚSICA DANIEL BOAVENTURA ENCANTOU A PLATEIA COM STANDARDS DO CANCIONEIRO AMERICANO, SÁBADO, NO TEATRO CASTRO ALVES 4e5 EXPOSIÇÃO Christian Cravo abre hoje a mostra Nos Jardins do Éden, no MAM. O artista foca na religiosidade do povo haitiano para captar a complexidade da alma humana Terra em transe Thiago Teixeira / Ag. A TARDE PEDRO FERNANDES No início deste ano, o Haiti vol- tou aos noticiários por conta do terremoto que o atingiu em ja- neiro. Justo quando as imagens de Nos Jardins do Éden, expo- sição de Christian Cravo, já es- tavam prontas. Embora elas tra- tem da religiosidade do povo do Haiti, o fotógrafo achou neces- sário incluir a projeção de um ensaio conceitual das conse- quências do tremor na capital Porto Príncipe. Intitulado Tes- temunho do silêncio, reflexões sobre um terremoto, o ensaio será projetado na capela do So- lar do Unhão. Diferentemente de Nos Jar- dins do Éden, a mostra principal, o foco não está nas figuras hu- manas, mas nas ruínas. “Não acho que seja preciso mostrar pessoas mortas. As ruínas já dão uma ideia do que aconteceu. Esse é um manifesto silencioso que necessita da reação inte- lectual do espectador”. No salão principal do MAM, são apresentadas 47 fotografias em preto e branco e em grandes formatos, de corpos dedicados ao espírito, pessoas em rituais de vodu e rostos transfigurados pelo transe místico. O livro Nos Jardins do Éden deve ser lançado em Salvador ainda este ano, possivelmente em novembro. Amanhã, às 16h, Christian vai receber o público no local para uma visita mediada, onde falará sobre o seu processo de pes- quisa, suas técnicas e metodo- logias de trabalho. O fotógrafo também vai responder a per- guntas feitas pelo público. A ati- vidade é gratuita. A mostra fi- cará em cartaz no MAM até o dia 16 de maio. NOS JARDINS DO ÉDEN, DE CHRISTIAN CRAVO / MUSEU DE ARTE MODERNA DA BAHIA (AVENIDA CONTORNO) /ABERTURA HOJE / 19H / DE GRAÇA LEIA MAIS NA PÁGINA 3 Marco Aurélio Martins / Ag. A TARDE O fotógrafo e uma de suas imagens, no dia da montagem da exposição Christian achou necessário incluir na mostra a projeção de um ensaio conceitual das consequências do tremor em Porto Príncipe

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Matéria e entrevista com Christian Cravo sobre a exposição Nos Jardins do Éden, publicada no Caderno 2+

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EDITOR-COORDENADOR: ADALBERTO MEIRELES / [email protected]

S EGS A LVA D O R1 2 / 4 / 20 1 0

HOJE PERSONATER POPQUA V I S UA I SQUI CENASEX CINESAB L E T RASDOM SHOP 2 CINEMA O SUCESSO DO FILME CHICO XAVIER

ESTIMULA NOVAS PRODUÇÕES ESPÍRITAS 8

MÚSICA DANIEL BOAVENTURAENCANTOU A PLATEIA COMSTA N DA R D S DO CANCIONEIROAMERICANO, SÁBADO, NOTEATRO CASTRO ALVES 4 e 5

EXPOSIÇÃO Christian Cravo abre hoje a mostraNos Jardins do Éden, no MAM. O artista focana religiosidade do povo haitiano para captara complexidade da alma humana

Terra emtranse

Thiago Teixeira / Ag. A TARDE

PEDRO FERNANDES

No início deste ano, o Haiti vol-tou aos noticiários por conta doterremoto que o atingiu em ja-neiro. Justo quando as imagensde Nos Jardins do Éden, expo-sição de Christian Cravo, já es-tavam prontas. Embora elas tra-tem da religiosidade do povo doHaiti, o fotógrafo achou neces-sário incluir a projeção de umensaio conceitual das conse-quências do tremor na capital

Porto Príncipe. Intitulado Tes-temunho do silêncio, reflexõessobre um terremoto, o ensaioserá projetado na capela do So-lar do Unhão.

Diferentemente de Nos Jar-dins do Éden, a mostra principal,o foco não está nas figuras hu-manas, mas nas ruínas. “Nãoacho que seja preciso mostrarpessoas mortas. As ruínas já dãouma ideia do que aconteceu.Esse é um manifesto silenciosoque necessita da reação inte-

lectual do espectador”.No salão principal do MAM,

são apresentadas 47 fotografiasem preto e branco e em grandesformatos, de corpos dedicadosao espírito, pessoas em rituaisde vodu e rostos transfiguradospelo transe místico. O livro N osJardins do Édendeve ser lançadoem Salvador ainda este ano,possivelmente em novembro.

Amanhã, às 16h, Christian vaireceber o público no local parauma visita mediada, onde falará

sobre o seu processo de pes-quisa, suas técnicas e metodo-logias de trabalho. O fotógrafotambém vai responder a per-guntas feitas pelo público. A ati-vidade é gratuita. A mostra fi-cará em cartaz no MAM até o dia16 de maio.

NOS JARDINS DO ÉDEN, DE CHRISTIAN

CRAVO / MUSEU DE ARTE MODERNA DA

BAHIA (AVENIDA CONTORNO) /ABERTURA

HOJE / 19H / DE GRAÇA

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Marco Aurélio Martins / Ag. A TARDE

O fotógrafo euma de suasimagens, no diada montagemda exposição

Christian achounecessário incluirna mostra aprojeção de umensaio conceitualdas consequênciasdo tremor emPorto Príncipe

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“NÃO FOTOGRAFORELIGIÃO. MEU FOCOÉ O SER HUMANO”

Marco Aurélio Martins / Ag. A TARDE

O fotógrafoChristian Cravopassou nove anosf l a g ra n d omomentos deespiritualidade dopovo haitiano

JanelasDias antes da abertura damostra, que acontece hoje,Christian Cravo recebe a re-portagem de A TARDE, duran-te a montagem da exposiçãoNos Jardins do Éden. O fotó-grafo abre a primeira das cai-xas onde as obras ainda esta-vam encerradas e tira de den-tro dela um instante do Haiti.O grande formato das obras éproposital. Ele quer que o es-pectador tenha asensação deolhar através de uma janela,da abertura de uma cavernaque dá acesso ao jardim do tí-tulo. “Não sou adepto do gi-gantismo, mas achei que nãopodia perder essa oportuni-dade”. Esta é a sua maior ex-posição. Tanto em termos nu-méricos quanto na dimensãodo espaço ocupado.

EspiritualidadeEmbora areligiosidade dopo-vo haitiano, a iconografia dovoduerostos emtransemísti-co sejam ocentro do trabalho,o que interessa ao fotógrafo éo homem. A religião, comoemsuas obrasanteriores, ésóuma desculpa para chegar aele. É nos atos de fé, nessesmomentos paradoxaisde for-ça e entrega, que ele aprovei-ta para captar sua essência.“Eu costumo dizer que não fo-tografo religião. Meu foco é oser humano. A religião é umagrandecaracterística daespé-ciehumana.Oato daféémui-to representativo para o ho-mem. É aí que pego carona”.

ÉdenChristian foi para o Haiti pelaprimeira vez há nove anosporque queria fotografaruma cachoeira. Era a épocaem que estava fazendo umapesquisa que envolvia água e

religião, Águas da Esperança,Rios de Lágrimas. E foi essetrabalho que o levou lá três ve-zes, entre 2001 e 2002. “Eume apaixonei pela cultura,pela complexidade humana.Quando terminei o projetodas águas, queria fazer umtrabalho só sobre o Haiti. Me-recia, tinha consistência paraumtrabalho fortíssimoe,des-de 2007, fui para lá 15 vezes,somente com o foco nas ma-nifestações religiosas”.

Estética brutaO que o prendeu lá e o fez vol-tar tantas vezes foi o senti-mento de uma natureza emconstrução, de uma estéticamenos lapidada, mais bruta.Foi isso que achou no interiordo país. Outra estética, outraforma de interação com aspessoas. “A capital é uma ci-dade muito violenta. Já o inte-rior é como se você chegasseno Recôncavo no final do sé-culo 19. É como se você en-trassenum portaldo tempo.Éum lugar em que sempre mesenti muito bem”.

GarimpoChristian chegou lá pela pri-meira vez com apenas dois te-lefones no bolso. Sem conhe-cer ninguém de fato e sem fa-lar o creole, alíngua local, queele nunca conseguiu apren-der. Como todo viajante dedi-cado e experiente, disposto aachar o que procura, o fotó-grafo teve que garimpar parachegar ao material que temhoje. “É como sempre faço,na maioria dos lugares emquevou. Vocêvaiem buscadealgo. Já sabe o que você estáprocurando. Só precisa verpara daro clique.Um lugar le-va ao outro. Você vai conhe-cendo pessoas”.

Cao sSe o interior do Haiti, onde asfotos da exposição foram fei-tas, é considerado por eleuma espécie de paraíso, Por-to Príncipe com seu caos, mes-mo pré-terremoto, pode serquase um inferno. “Não mesentia seguro lá e não tinha amensagem que eu estavabuscando”. Quando fez as fo-tos, um mês depois do terre-moto, foi a primeira vez quetrabalhou sóna capitale pôdeviver uma experiência de ou-tra natureza. “Só consegui meexpor nas ruas de Porto Prínci-pepor terconhecido essepaísde tantas viagens. Aí são asconexõesque vocêfaz. Umca-ra que dá as dicas, um outroque faz sua segurança”.

TerremotoFora do tema da exposição,Christian resolveu incluir umaespécie de faixa-bônus, namostra intitulada Testemu-nho do Silêncio, Reflexões so-bre umTerremoto. Seriadifícilfalar de Haiti, do seu povo esua religiosidade, e ignorar oterremoto que atingiu o paísno início do ano. Chocado,quando viu as notícias pelaTV, seu primeiro impulso foi irpara lá imediatamente. Re-solveu não fazê-lo por contado grande barulho midiáticoem torno do assunto. “Nãocabia no que eu estava procu-rando. Não queria ir para láter briga de cotovelo com al-guém que estava indo pelaprimeira vez ao Haiti, para fi-car apenas durante dois dias”.Partiu um mês depois e ficoupor lá 20 dias fotografando asruínas silenciosas. Nelas, omais importante não é tantoo apuro estético, mas a men-sagem humanitária. Paracompor a exposição, ele le-

vou um amigo para gravar ossons da rua, das pessoas tra-balhando nos escombros,cânticos de igreja e cerimô-nias de vodu, sons que sãousados para o backgroundmusical da projeção.

Documento sO trabalho de Christian de-manda tempo. Para conse-guir o equilíbrio entre poesiae documento que é caracterís-tica de sua obra, ele precisaesperar que os fatos aconte-çam para poder interpretá-loscom o seu olhar. Embora nãoacredite emimparcialidade, eesteja ciente da influênciaque suas experiências têm noseu trabalho, tenta se envol-ver o menos possível no mo-mento da captura. Diferente-mente do pai, Mario CravoNeto, que tinha na direçãodos objetos a serem fotogra-fados sua opção estética.“Meupaiiapara apraiaedizia‘negão, sobe ali naquela pe-dra’. Eu não faço assim. Eu es-pero o negão subir na pedra”.

TempoO seu trabalho é dispor de umtempo que não é o seu e, porisso, ele precisa de paciênciapara desenvolvê-lo semprecom prazos longos e com umabsoluto rigor estético. Emdez anos de expedições aoHaiti, considera que tem ape-nas as 47 fotos que passarampor sua implacável curadoria.Esse é um dos motivos pelosquais o livro Águas da Espe-ra n ç a ainda vai demorar mui-to para sair. “É um trabalhomuito oneroso. Preferi deixarde molho, fazer o do Haiti edepois voltar. Tem um batis-mo que eu quero registrar,porexemplo, quesóacontecena Geórgia, mas o país está

em guerra. Não dá para ir láagora. Entãopreferi encararolivro sobre a água como algode longuíssimo prazo”.

E s t ra n g e i r oExpatriado por escolha, pordestino, por hábito, por pro-fissão. Filho de brasileiro comdinamarquesa, ele semprefoi estrangeiro em terras nór-dicas e nos trópicos. Ao cres-cer, ao lado da mãe, viajante,ou entrava no ritmo ou criavahorror a viagens e se fixavanum só lugar. Acabou porconstruir suavida esua carrei-ra em cima de não estar oupertencer. Nunca entendeu oavô e o pai, que, em respecti-vamente 70 e 40 anos de car-reira, conseguiram extrair deum mesmo local, de um mes-mo tema, uma extensa obra,que nunca se repetiu. “Achoimpressionante. Não consigover o mundo dessa forma e osadmiro muito por isso. Estoumorando em NovaIorque, fo-tografando no Haiti e expon-do na Bahia. Mas é duro”.

PEDRO FERNANDES

Christian Cravo pode ser considerado um artista jovem, emboraessa juventude não se traduza em inexperiência. Aos 36 anos, nãodeixa o impulso se sobrepor ao seu objetivo e espera, paciente, sejapara publicar um livro, para fazer uma determinada viagem ou paradar o clique certeiro. Foram necessários nove anos de viagens aoHaiti para que a exposição Nos Jardins do Éden, que exibe 47 fotosfeitas no interior do país, pudesse acontecer. Para ele, a essênciado trabalho está na espera, no fato de não poder e não querercontrolar o tempo que os fatos levam para acontecer e ser re-gistrados. O resultado é um documento poético sobre a busca datranscendência que nos torna humanos.

ENTREVISTA Christian Cravo

Para conseguir oequilíbrio entrepoesia edocumento, que écaracterística desua obra, Christianespera que os fatosaconteçam parapoder interpretá-loscom o seu olhar,embora tente seenvolver o menospossível nomomento dacaptura