Testemunho Raquel _ campanha solidariedade_ACREDITAR_ emrc

3

Click here to load reader

description

Campanha emrc para ajudar a associação de pais e amigos de crianças com cancro_ ACREDITAR

Transcript of Testemunho Raquel _ campanha solidariedade_ACREDITAR_ emrc

Page 1: Testemunho Raquel _ campanha solidariedade_ACREDITAR_ emrc

CAMPANHA SNEC 2013 | ACREDITAR

Testemunho

A todos os alunos

Especialmente a ti, que estás a ler!

Janeiro 2012

Agora que tudo devia ganhar mais sentido, é quando menos o encontro. Aquele mundo de

que eu achava ter tanta consciência pregou-me a maior partida de sempre. Afinal eu não sabia

nada. Era apenas mais uma sortuda que acordava sem qualquer preocupação. De repente, a

cena mudou de cenário. Descobrir que se tem uma doença grave consegue mudar-nos a vida em

milésimas de segundos.

Tenho 16 anos. Chamo-me Raquel e tenho um Linfoma de Hodgkin. Há apenas dois meses era

a Raquel que tinha uma vida, comparada à de agora, maravilhosa. É tudo o que sonho ter agora.

Sonho em acordar sem nenhuma preocupação, ir à escola, estar com os meus amigos, jogar

basquetebol. Demorar uma hora a pentear-me de manhã. Ser independente. Não contar os dias

que faltam para a próxima quimioterapia. Não contar os minutos que faltam para os próximos

comprimidos.

Agora o Hospital de Coimbra é a minha segunda casa; doutores, enfermeiros e auxiliares a

minha segunda família. Passaram dois meses e continuo a ter medo destes corredores que

parecem não ter fim.

Carta Aberta

Page 2: Testemunho Raquel _ campanha solidariedade_ACREDITAR_ emrc

Acreditar | EMRC 2

Questiono-me várias vezes: “Porquê a mim?”, “Que mal fiz eu?”. Ninguém tem uma resposta.

Já passaram dois tratamentos, faltam-me assim quatro ciclos de quimioterapia. Já sinto o frio

na cabeça. Os últimos cabelos estão a cair.

Incrível como já me senti dona do mundo, capaz de tudo, e agora não ser capaz de nada. O

tempo teima a ser lento, e eu teimo em contar o tempo. A verdade é que tentei mostrar-me

forte, e à medida que vou entrando nesta nova realidade, vou-me desanimando. Tenho saudades

da antiga Raquel que costumava habitar este corpo, sempre com solução para tudo. Onde está a

solução agora?!

Sei que neste tipo de situações temos é que levantar a cabeça, lutar todos os dias e

aproveitar cada dia ao máximo. Mas palavras são fáceis de dizer. Como posso aproveitar ao

máximo se estou fechada entre paredes?

Perdi a vontade para tudo. Nada me concretiza. Realmente custa.

Há aqui casos muito piores. Alguns sem cura. Outros com imensos meses de tratamento. Em

tantos casos, no meio de tantas crianças, o meu não é de longe o pior. A verdade é que muitas

pessoas dariam tudo para viver este meu “pesadelo”, porque o deles deve ser um autêntico

inferno.

Por vezes ainda acredito que a qualquer instante vou ter a minha mãe a acordar-me e isto

não passou tudo mesmo de um grande pesadelo.

Resta-me esperar. A vida é injusta.

Fevereiro 2013

Imaginem um carrocel, daqueles com as chávenas que andam à roda. E rodam e rodam e

rodam. E tudo à nossa volta fica desfocado. Foi assim que me senti. Que a minha vida estava

desfocada. Que eu de repente andava às voltas.

Senti-me perdida. Quando saímos da nossa zona de conforto sentimo-nos perdidos.

A razão de isto acontecer é simples: não conhecemos as diferentes realidades. Vivemos no

nosso pequeno “país das maravilhas” onde só existem os nossos problemas e tudo parece estar

contra nós.

Só quando conhecemos a realidade dos outros é que damos valor ao que temos. Porque

sábio é quem dá valor ao que tem antes de perder.

Eu aprendi com várias realidades.

Page 3: Testemunho Raquel _ campanha solidariedade_ACREDITAR_ emrc

Acreditar | EMRC 3

Quando iniciei o meu tratamento não fazia ideia do que me esperava. Fui conhecendo aos

poucos e poucos. Não vou mentir e dizer que tornou-se mais fácil. Apenas mudou a minha

maneira de ver as coisas.

Eu que pensava dar valor a tudo, não dava valor a nada. Conheci a força quando tinha que

levar tratamentos dolorosos. Conheci o amor, sempre que dizia estar farta de tudo, e a minha

mãe me dizia: “Calma, tu vais conseguir!”. Conheci a saudade, quando tinha que ficar vários dias

sem ver o meu pai, e a dor quando tinha que lhe dizer adeus.

Coisas simples como deitar-me na minha cama, levantar-me, poder sair à rua, tomar banho,

entre outras coisas do dia-a-dia de uma pessoa, passaram a ser importantes para mim, quando

as conseguia fazer sozinha.

Logo a conclusão que eu tiro, é que eu teimava em contar o tempo. Vivia com muita pressa.

Mas o meu objetivo e de todas as crianças que lá estavam era lutar pela vida.

E o de algumas crianças infelizmente era lutar por mais alguns dias. Era dar valor a cada

momento.

Não esqueço aqueles sorrisos, mesmo com tanto sofrimento.

Não esqueço a esperança daqueles pais, mesmo quando tudo apontava para o pior.

Não esqueço a determinação dos médicos em curar-nos. A determinação de todos em

proporcionar-nos um dia melhor. Não me esqueço dos amigos que lá conheci. Dos que já cá não

estão.

Mostraram-me como o ser humano pode ser extraordinariamente forte.

Se uma criança consegue sorrir em tal momento, porque havemos de reclamar de coisas tão

insignificantes?

Aprendi a dar valor às pequenas coisas, que afinal são tão grandes.

Não façam que vivam. Vivam mesmo!

E quando se queixarem do tempo, dos testes, dos vossos pais a chatearem-vos, como eu

também me queixava, pensem que às vezes nem tudo é tão mau como parece, e que se calhar o

que nós temos e tanto reclamamos, é o sonho de alguém!

Ílhavo, fevereiro2013 , Raquel Vicente Cunha, Aluna de EMRC