Uma Discução Sobre Periodização Na História
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Tiempo y Sociedad, 17 (2014), pp. 7-32.
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Uma discusso sobre a periodizao na Histria
Wellington de Oliveira1
Mnica Liz Miranda2
Foi o medo da grande historia
que matou a grande histria.
(FARAL, 1942)
I- Introduo
Quando nos empenhamos pela busca do conhecimento histrico, partimos da
ideia de que toda histria uma histria dos homens em sociedade, aprendemos que
para resgatar o modo de vida desses seres humanos necessrio estar atento as noes
de memria, tempo e lugar.
Em seguida, devemos refletir acerca das relaes entre o vivido dos seres
humanos em sociedade e as questes presentes no nosso cotidiano. Marc Bloch, um dos
maiores historiadores do sculo XX, recorria seguinte anedota para analisar as
relaes entre o presente e o passado:
acompanhava eu Henri Pirenne a Estocolmo; mal chegamos, diz-me
ele: Que vamos ns ver primeiro? Parece que h uma Cmara nova.
Comecemos por l. Depois como se me quisesse evitar um
movimento de surpresa, acrescentou: Se eu fosse um antiqurio, s
teria olhos para as coisas velhas. Mas sou um historiador. por isso
que amo a vida. Nesta faculdade de apreenso de que vivo que
reside, efetivamente, a qualidade fundamental do historiador.(...) Em
1 Professor Adjunto I da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Mestre e Doutor em
Educao pela FAE/UFMG. 2 Professora Assistente da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Mestre em
Histria pela FAFICH/UFMG
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boa verdade, conscientemente ou no, sempre s nossas experincias
cotidianas que, em ltima anlise, vamos buscar, dando-lhes, onde for
necessrio, o matiz de novas tintas, os elementos que nos servem para
a reconstituio do passado: as prprias palavras de que nos servimos
para caracterizar os estados de alma desaparecidos, as formas sociais
estioladas, que sentido teriam para ns se no tivssemos visto
primeiro viver os homens? (BLOCH, Marc. Introduo Histria.
Lisboa: Publicaes Europa Amrica, 1965. p. 42-44).
Nessa perspectiva, devemos nos ater a uma reflexo acerca do processo de
construo da noo de tempo histrico, tomando com referncia o fato de que a
periodizao desse mantm relaes estreitas com o relato dos vencedores e, de algum
modo, ainda permanece presente. O historiador Jos Honrio Rodrigues costumava
dizer que todas as periodizaes e delimitaes do curso de histria universal,
aparentemente so apenas condicionais e voluntrias.
Quando refletimos sobre o tempo histrico e sua delimitao temporal, nos
remetemos antes s origens da prpria narrativa histrica. Os pais da histria foram os
gregos, que a conceberam por volta do sculo V a.C. Antes dos gregos, os chineses
haviam elaborado suas listas de documentos, que tinham um carter mgico, ou seja,
cumpriam uma funo ritual sagrada. Tambm no Isl havia um tipo de histria ligada
religio e tinha como funo exaltar as origens sagradas daquela sociedade.
Entre os gregos, a narrativa histrica surgiu a partir das obras de Herdoto e
Tucdides. O primeiro, conhecido como Pai da Histria, buscava basicamente distinguir
sua cultura dos hbitos e costumes de outros povos. Desse modo, ele buscava marcar a
cultura de seu povo como modelo de sociedade, enquanto os demais foram
hierarquizados de acordo com a sua maior ou menor proximidade quele ideal.
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Tucdides, por sua vez, foi motivado pela intensa participao poltica vivenciada pelos
os cidados atenienses. Em sua obra A guerra do Peloponeso, que trata desde os
primrdios da sociedade ateniense at o desenrolar do conflito que d nome ao livro.
Ao observar as obras desses autores, possvel perceber que as estruturas das
mesmas apresentam a marca do etnocentrismo que, de certo modo, amalgama a prpria
noo de tempo e memria. Para o historiador Francisco Iglesias
a histria universal, de fato, maneira antiga, no passa de
abstraes. o estudo do mundo dominante, da Europa Ocidental,
com vagas referncias ao norte da frica e ao Oriente Prximo, em
simples citaes de outras reas. (Francisco Iglesias Histria e
Ideologia, p. 19).
Alm de etnocntrica, a periodizao apresenta a viso das classes dominantes,
as rupturas apresentadas refletem como as mesmas percebem e discursam sobre o vivido
histrico. Em um processo de escolhas entre o que deve ser lembrado/rememorado e o
que ser esquecido/apagado, geralmente resultou do empenho dos vencedores. Karl
Marx e Friedrich Engels nos lembram que a ideologia consiste em transformar as
ideias da classe dominante em ideias dominantes. Periodizar estabelecer marcos,
sendo assim, este ato ideolgico, tem seus condicionantes na sociedade que o concebe.
Esse ato estabelece o papel das classes sociais no processo histrico permite a
imposio de um silncio dos vencidos, como afirma Marilena Chau:
elucidar o sentido da periodizao oficial, de sorte a evidenciar que
esta ltima no uma ao terica e desinteressada, mas um Ato de
Poder (grifo nosso). A periodizao produz o lugar da histria e,
como ele, o d origem legitimada do poder vigente.
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Este ensaio pretende apresentar uma reflexo acerca do processo de construo
da noo de periodizao, demonstrando como as diferentes concepes de tempo
histrico refletem os debates presentes nos respectivos contextos em que se surgiram e
se desenvolveram. Nossa inteno observar o conceito de tempo histrico como parte
de uma concepo do vivido histrico, pensado em uma ampla perspectiva.
II - Do mito narrativa histrica
Vimos anteriormente que a narrativa histrica se constituiu por volta do sculo
V a.C., durante o chamado perodo da Grcia Clssica.
A Grcia Antiga palco de uma desmistificao da explicao do passado,
expressado nos fragmentos de textos de Hecateu de Mileto. Sobre a busca da verdade,
ele questiona Vou escrever o que acho ser verdade, porque as lendas dos gregos
parecem ser muitas e visveis. Essa preocupao de Hecateu com a verdade demonstra
que a explicao no mais se apresenta apenas pelo sobrenatural, mas tambm sim pela
ao dos homens. Isto uma caracterstica da cultura grega, verificada at na sua
religio.
Em se tratando de obras completas, temos os autores Herdoto e Tucdides,
cujas narrativas marcam o nascimento da escrita da Histria. Ambos elaboram suas
narrativas em um contexto onde os contos picos e mticos costumavam ser tratados
como verdadeiros.
Essas narrativas se distinguiam do texto histrico na medida em que no
procuravam datar os eventos narrados ou mesmo se preocupavam com a comprovao
de seu relato. Alm disso, tradicionalmente grande parte das narrativas pica e mtica
era passada de gerao para gerao por meio do relato oral.
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Em geral, a cronologia utilizada pelas sociedades da Antiguidade era concebida
em conformidade com o imaginrio mitolgico de cada cultura, sendo que o destino dos
seres humanos estava inevitavelmente subordinado vontade dos deuses. Essas
sociedades tambm tinham em comum uma base econmica agrcola, dependendo da
natureza para a sobrevivncia. Exemplo tpico a sociedade do Egito Antigo. A
historiadora Vany Pacheco afirma que o tempo histrico e o passado sempre
apresentado como remoto e distante.
um tempo alm da possibilidade de clculos: referem-se ele como
o princpio de todas as coisas. os primrdios. Os fatos mitolgicos
so apresentados um aps os outros, o que j mostra, portanto, uma
seqncia temporal; mas o mito se refere a um pseudotempo e no a
um tempo real, pois no datado de acordo com nenhuma realidade
concreta .
Apesar do tempo no se apresentar inserido em uma realidade concreta, ele
reflete a viso do mundo possvel dentro dessa mesma realidade concreta. Como j
explicamos anteriormente, estas sociedades tinham, uma base material estreitamente
vinculada natureza, que lhes possibilita a percepo do vivido numa perspectiva
circular e no linear. Exemplo disso so as enchentes do Nilo (Egito Antigo) se
repetem, assim como se repetem a poca da semeadura e das colheitas. O fara Deus,
porque a ele cabe a distribuio da produo.
Por outro lado, Herdoto e Tucdides visaram estabelecer uma cronologia mais
definida para os seus respectivos relatos. Naquela poca no havia um calendrio
unificado, como ns temos atualmente. Na Grcia, por exemplo, cada cidade tinha o seu
prprio calendrio, baseado nas festividades religiosas locais.
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Nesse contexto, Herdoto escreveu sua narrativa enfrentando elementos
desafiadores, dos quais se destacam a impreciso dos relatos sobre o passado dos gregos
e a predominncia de uma noo de tempo cclica, mas prxima ao tempo da natureza.
Visando a superao desses elementos, ele elaborou uma sequncia cronolgica dos
eventos que construram o passado dos helenos, abrangendo aproximadamente desde a
metade do sculo do VII a.C at o sculo V a.C., poca em que viveu.
Tucdides, por sua vez, se preocupou em registrar os eventos que marcaram a
guerra do Peloponeso. Destaca-se o fato de que o prprio autor participou intensamente
do conflito. Tendo em vista demonstrar a importncia do evento a ser tratado, Tucdides
resgata o passado dos helenos desde os primrdios da ocupao da Hlade at tratar
propriamente dos eventos que marcaram a guerra do Peloponeso. Alm disso, o autor
afirma que os registros dos fatos teriam uma funo pedaggica, ou seja, resgatar o
passado para que se aprendesse com os erros cometidos, de maneira a no repeti-los.
Ambos deixaram um legado inestimvel ao conhecimento histrico, na medida
em que se distanciam do carter religioso que at ento marcavam os relatos mticos
sobre a vida dos seres humanos em sociedade. Eles compreendiam que a vida em
sociedade resultado das decises tomadas pelas prprias pessoas, e no pelos
caprichos dos deuses. E que essas aes ocorrem, portanto, em um determinado tempo e
lugar. Do mesmo modo, a narrativa mtica no desapareceu. Ao contrrio, permaneceu
em destaque como busca de respostas aos fenmenos naturais e sociais. Esta no ser
mais a nica, mas paralela a outras, como a Histria.
Posteriormente, entre os romanos, tambm foram produzidas obras de carter
histrico. Os historiadores romanos se dedicaram, em sua maioria, a exaltao dos
grandes feitos de Roma ou testemunhar as glrias pessoais dos Imperadores. Entre as
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obras mais importantes do perodo podemos citar A Histria Romana, de Tito Lvio
(59 17 a.C.) e As Guerras da Glia de Jlio Csar (101 44 a.C.).
Assim como os gregos, eles faziam uma comparao entre o seu modelo de
sociedade e o modo de vida dos povos que eles consideravam brbaros. Desse modo,
eles tambm partiam da ideia de que o seu modo de vida era o melhor. Contudo, a
narrativa histrica romana marcada pela ideia de que as sociedades nascem, crescem
e morrem, assim como ocorre com os seres humanos. Essa crena se estendia at
mesmo prpria sociedade.
desse perodo outro historiador grego, Polbio, do sc. II a. C. que propunha
uma viso de histria cclica e tambm afirmava que o historiador, para ser fiel ao relato
dos fatos, no poderia se envolver emocionalmente, ou seja, o objeto no teria
influncia sobre o sujeito/narrador e vice-versa. Tal postura nos remete discusso
sobre a relao entre neutralidade e busca da verdade, que marca a Histria dita
cientfica, constituda no decorrer sculo XIX, conforme veremos adiante.
Uma caracterstica que se destaca nos textos referentes ao perodo greco-romano
a ideia de que a Histria seria a mestra da vida. Neste sentido, os historiadores se
dedicariam narrativa histrica motivados pelo intuito de demonstrar que o passado
deveria ser um exemplo a ser seguido e, sobretudo, os erros no deveriam ser
novamente cometidos.
A crena de Polbio, por exemplo, de que a vida em sociedade se organizaria
em ciclos histricos, sendo denominados mirabilis circuitus. Ccero, o tribuno
romano, compactuava com essa concepo de uma histria cclica e a chamava de
anacylosis. Tais concepes consistem na apresentao de uma explicao rtmica do
processo histrico, que se sucede em momentos repetidos. Assim, procedendo ao
processo histrico, a Histria deveria tambm prever os acontecimentos futuros,
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assumindo um carter teleolgico. Esta concepo se manteria de alguma maneira at
Vico, o pensador italiano da Renascena, que abordaremos mais adiante.
III A periodizao condicionada pelo Cristianismo
Outro aspecto a ser considerado a importncia que o Cristianismo assumiu no
processo de construo de tempo e da prpria narrativa histrica. Antes de abordado
propriamente dito, nos remete ao perodo em que nasceu Jesus de Nazar, considerado o
Messias (salvador) do povo judeu, em uma das provncias do Imprio Romano. Embora
Roma tenha perseguido Jesus de Nazar e seus seguidores, submetendo-os aos mais
diversos suplcios, essa medida no era habitual, haja vista a tolerncia diversidade
religiosa anteriormente descrita. O martrio dos cristos foi motivado por questes de
ordem poltica, pois, sendo monotestas, eles no reconheciam o carter divino do
Imperador ou mesmo aceitavam o culto a sua personalidade e ao Estado Romano.
Tais posicionamentos foram interpretados como ameaadores segurana do
Imprio e, portanto, alvo da represso do Estado. As perseguies aos cristos foram
constantes durante os sculos I e II. J os conflitos entre cristos e no-cristos
prosseguiu at mesmo depois que o Imperador Constantino que, em 313, editou o
decreto oficial de tolerncia religiosa. Este ato possibilitou a divulgao do cristianismo
como uma doutrina que pretendia ser universal. Os adeptos da doutrina crist
pretendiam que esta fosse a nica religio de toda a humanidade.
O Cristianismo, compreendido em um processo de longa durao, passou de
uma ideologia considerada subversiva condio de religio oficial do Imprio
Romano. O Imperador Teodsio I, o ltimo monarca a exercer sua autoridade sobre
todo o imprio, adotou a ortodoxia catlica como religio oficial, estendendo a
obrigatoriedade de seu culto a todos os sditos, pelo edito de 380 d.C.
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A doutrina crist se tornou cada vez mais forte a poderosa, institucionalizando-
se e instalando sua sede em Roma, de onde foi difundido por todo antigo territrio do
Imprio. A ideia de universalizao por meio do Cristianismo passou a ser dominante, e
a periodizao na histria no escapou dessa influncia. No devemos esquecer que
ainda hoje nosso passado dividido nos tempos antes de Cristo (a.C.) e depois de
Cristo (d. C.).
Esta periodizao se destacou ao longo do perodo medieval, em especial, entre
os sculos V e VI. Exemplo dessa influncia se encontra no pensamento de Santo
Agostinho. Em sua obra A cidade de Deus, ele apresenta uma percepo teolgica da
Histria, na qual o plano superior da realidade a cidade de Deus, enquanto o plano
inferior a cidade dos Homens. Encontramos assim a subordinao da ao humana a
uma entidade superior, ou seja, Deus. Contudo, isto no significou o retorno ao mito,
uma vez o cristianismo se estrutura a partir de uma linearidade, que se ordena em
funo de uma interveno divina real na vida dos seres humanos e de suas sociedades.
As ideias de Santo Agostinho permearam o imaginrio medieval, na medida em
que a doutrina crist se tornou hegemnica e, portanto, passou a inferir em todos os
mbitos das sociedades ocidentais. Afinal, os principais ou mesmo nicos produtores de
trabalhos intelectuais se encontravam em seus monastrios.
No final do feudalismo, por volta do sculo XII, a narrativa histrica tambm
passou a refletir duas grandes mudanas nas estruturas polticas e sociais daquele
perodo: a ascenso do feudalismo e o reflorescimento das cidades. Surgiram os
documentos leigos, ocasionados pelo renascimento urbano e comercial, nos inventrios
de comerciantes particulares, dirios de escudeiros, cavaleiros famosos e menestris.
Tanto os senhores feudais quanto as autoridades dos burgos buscavam legitimar
seu poder, atravs de uma rvore genealgica, que preferencialmente devia ser
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marcada por grandes nomes. Uma rvore genealgica repleta de heris guerreiros,
figuras poderosas e at mesmo de santos, garantia, por exemplo, alianas matrimoniais
mais vantajosas. Nos burgos, as autoridades locais encomendavam relatos histricos
que exaltavam as origens hericas ou santas da cidade e a de seus fundadores, assim
como glorificavam o santo padroeiro, a Virgem Maria e Deus. A invocao ao sagrado
se fazia essencial para garantir proteo material e s almas crists que viviam nesses
novos espaos.
Deve-se ressaltar que a narrativa histrica, naquele perodo, no apresentava o
vigor encontrado entre os relatos dos autores gregos quando se refere ao compromisso
com a verdade. Percebe-se que os relatos ditos histricos visavam preferencialmente
agradar a nobreza, os ricos mercadores e o alto clero. Enfim, era uma narrativa
empenhada em justificar o poder das classes dominantes da poca.
Nesse ponto, percebe-se at que permanece o interesse em registrar o relato dos
vencedores ou mesmo daqueles que representam as classes dominantes. O vivido dos
annimos aparece como plano de fundo chamada ao principal, onde os
dominantes e/ou vencedores se apresentavam. Do mesmo modo, a periodizao segue
essa tendncia, estabelecendo marcos que correspondem s coroaes, s guerras entre
feudos/reinos, s Cruzadas contra os infiis do Isl, entre outros.
IV - Humanismo, Racionalismo: novos pressupostos
Entre os sculos XV e XVIII ocorreram numerosas transformaes, das quais se
destaca o movimento renascentista que, de certa maneira, resgatou ou recuperou o
Humanismo e o Racionalismo.
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De acordo com Marilena Chau o Renascimento foi um perodo de crise - no
sentido que o velho no era mais hegemnico e o novo no tinha condies de s-
lo. Havia uma crise de conscincia generalizada,
pois a descoberta do universo infinito por homens como Giordano
Bruno deixara os seres humanos sem referncia e sem centro; em
segundo lugar, crise religiosa, pois tanto a devoo moderna quanto a
Reforma Protestante criaram infinidade de tendncias, seitas, igrejas e
(interpretaes da Sagrada Escritura (...) e crise poltica (...) com a
perda do centro poltico (Sacro Imprio Romano Germnico).
(CHAU, Marilena et all. Primeira filosofia. So Paulo: Brasiliense,
1985, p. 63)
neste contexto, que se encontra uma nova fonte criadora de um novo saber,
ou seja, a proposta de periodizao de Vico para a Filosofia da Histria. Ele propunha
basicamente o retorno ideia de uma histrica cclica, anteriormente defendida por
Polbio, o historiador clssico. Mas inovou ao considerar que certos perodos histricos
tm um carter geral, que de tal modo reaparece em outros dois diferentes podendo ter
um mesmo carter geral. O historiador Jos Honrio Rodrigues assim sintetiza a
proposta de Vico
H, dizia ele, uma semelhana geral entre o perodo homrico da
histria grega e a Idade Mdia europeia, o que nos permite cham-los
de perodo heroico. a lei do corso e ricorso, que mostra que esses
perodos tendem a se repetir na mesma ordem. (RODRIGUES: 1978,
p. 121)
Foram os humanistas do sculo XV que transformaram decisivamente a
concepo teolgica da Histria, na medida em que tentaram resgatar a compreenso
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dos fatos de maneira racional e objetiva. Para isso tornaram indispensvel coletar
documentos antigos e fazer anlises criteriosas de sua autenticidade ou falseabilidade.
Eles buscaram dialogar com outras disciplinas para se chegar verdade dos eventos, tais
como a Filologia, a Diplomtica, a Cronologia, a Genealogia, a Herldica, a
Numismtica, a Epigrafia, a Sigilografia, a Arqueologia.
Nesse perodo, ocorreu tambm a aliana entre a Histria e o Direito, que teve
como finalidade unir o real ao ideal, o costume moralidade. O Direito ordena a vida
em sociedade e busca na Histria os exemplos necessrios para dar respaldo
jurisprudncia.
Nessa poca ocorreu tambm o alargamento do horizonte geogrfico europeu
ocidental. Foi o perodo da expanso europia, das monarquias nacionais e da
acumulao primitiva de capital. Isto explica a percepo de Jean Bodin (1572), em seu
mtodo para facilitar o conhecimento da histria, criticava os historiadores que no
tinham a Amrica como objeto de histria15.
A Histria Nacional, por sua vez, ser a preocupao dos historiadores, que a
refutao da legitimidade da dominao da Igreja Romana e do Imprio Romano
Germnico sobre os Estados Nacionais. A erudio ser cultivada e o rigor grego nas
pesquisas retorna. A pesquisa histrica se laiciza tentando se afastar da camisa de fora
imposta pela Igreja Romana.
Como nos lembra Michel Foucault que h um conceito que regula o
Renascimento - o conceito de semelhana, que remetido a todos os ramos do
conhecimento.
Essa mesma ideia permite distinguir uma histria humana e uma
histria natural no sentido da diferena entre aes humanas, que tm
poder de transformao sobre a realidade, e as aes que nada podem
sobre a natureza enquanto obra divina, ideia que se exprime na
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filosofia da histria de Vico. (Foucault, les mots e ler choses apud
Chau 1985, p. 63)
Visando sintetizar a noo de narrativa histrica para o perodo da Renascena,
recorremos a E. H Carr, quando afirma que houve a adoo de uma viso clssica de um
mundo antropocntrico e do primado da razo, somado a uma viso otimista derivada da
tradio judaico- crist.
V A ilustrao: a ideia de progresso na Histria
A ideia de progresso est bem clara no perodo da Renascena, perodo j
analisado. a poca do avano burgus. O sculo XVII, perodo do Iluminismo, a
poca que a burguesia est se afirmando como classe, e na sua luta contra o poder
feudal, ela engendra novas verdades, verdades estas que devem se tornar hegemnicas
e apoiadas por outros setores da sociedade.
A ideia do progresso uma delas e para o conhecimento histrico
fundamental, principalmente no que diz respeito periodizao. A diviso clssica da
histria universal (Idade Antiga, Idade Mdia e Moderna, posteriormente, aps a
Revoluo Francesa Contempornea) foi concebida no decorrer do perodo iluminista e
associada s idias de progresso, etapas e eurocentrismo. Estas noes
representavam a ideologia Burguesa.
O historiador Guilherme Bauer, em sua obra Introducin al estudo de la
Histria nos esclarece que
se nos aparecer esta sumamente claro si condenamos de cerco la
division em todas partes, sin embargo, siempre utilizada, espiritu del
Humanismo, que eu relacion com los estudios clssicos y la
resurreccion de lo antiguo, se senti chamado a lgir una mera edad .
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(BAUER, Guilhermo. Introducin al estdio de la Histria, 4 ed.
Barcelona: Esp: BOCH, Casa Editorial, 1970, p. 145).
As crticas a esta periodizao se fundamenta principalmente naquilo que
chamamos de uma viso etnocntrica, europeizante, no seu carter etapista, que
plenamente explicvel, pelo que j foi anteriormente discutido.
O que devemos discutir, neste momento, a sua permanncia, apesar das crticas
j formuladas a esta periodizao. Alguns autores afirmaram que por objetivo
didtico, como lembra Francisco Iglesias. No entanto este Didtico se fundamenta em
uma ideia de progresso justificada ideologicamente e, que por sua vez, j se amalgamou
em nosso imaginrio a ponto desta ser praticamente exigida tanto por leigos quanto por
especialistas em conhecimento histrico. Os autores de livros didticos de histria
continuam a utiliz-las, mesmo que criticamente, uma vez que esta ainda se apresenta
familiar ao pblico (somado ao fato de que no encontramos uma nova conveno que
seja to eficiente quanto a que recorremos por hora). De fato, os livros de \histria ainda
se dividem a partir dessa noo de uma Histria Geral/Universal. O historiador
Francisco Iglesias afirma que no existe histria geral e explica
o que no h so as histrias parciais, particulares. Para que fosse
possvel uma histria universal era necessrio que existisse
continuidade rigorosa das vrias civilizaes no tempo (...).
(IGLSIAS, Francisco. Op. cit., p. 19).
Outra problemtica a questo da totalidade, ou seja, o estudo do geral para se
explicar o especfico. Contudo, esse processo apresenta uma totalidade enganosa, como
lembra a historiadora Vany Borges porque apresenta uma nica histria
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que se disfara na dita histria geral que procura dar conta de tudo
o que passou com a humanidade (...). Isto implica numa viso da
histria eurocntrica, linear, evolutiva, progressista, etapista e finalista.
(Borges: 1986, p. 24)
De acordo com o historiador Fernand Braudel, a Histria filha de seu tempo,
e, portanto, a partir disso, percebemos que a histria do sculo XVII retrata a idia de
que o progresso a meta de perfeio da situao humana na terra. Ainda recorremos a
E. H. Carr que cita um historiador daquele perodo para exemplificar a situao exposta:
a compreenso agradvel de que cada novo perodo aumentou e ainda aumenta no
mundo a riqueza real, a felicidade, o saber e, talvez, a virtude da raa humana.
(GIBBON apud CARR, op. cit., p. 95).
A ideia de progresso e seu postulado a histria progressiva, no desaparece no
sculo XVIII. Ao contrrio, ela permeia o pensamento do sculo XIX, sobretudo no
momento em que a burguesia, como classe, avana em suas conquistas revolucionrias e
se instala como a nova ordem dominante.
Podemos observar que essa diviso tradicional procura mostrar um padro de
desenvolvimento do qual a sociedade europeia ocidental seria seu apogeu, e as
conquistas da burguesia como universais. E H. Carr nos esclarece como os pensadores
da Ilustrao abordaram a questo
Os pensadores da Ilustrao adotaram duas posies aparentemente
incompatveis. Procuraram justificar o lugar do homem no mundo da
natureza: as leis da Histria foram igualadas s leis da natureza.
(CARR, op.cit. p. 96).
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VI Da filosofia da Histria para a cincia histrica
O sculo XIX, por sua vez, foi marcado por transformaes que, de certo modo,
moldaram a nossa contemporaneidade: a consolidao do capitalismo industrial na
Europa; o nacionalismo, o imperialismo, as revoltas operrias, o processo de
independncia das antigas colnias das Amricas Hispnicas e Portuguesa, a Comuna
de Paris, a unificao dos Estados Nacionais italiano e alemo, respectivamente; entre
outros. A busca pela identidade nacional que se verificou no Velho e no Novo Mundo
interferiu decididamente na escrita da Histria.
Nesse contexto, destacou-se a Escola Alem que tem como preocupao
transformar a Histria em uma rea do conhecimento cientfico. Preocupados com seu
passado, os alemes procuram estudar o perodo medieval, fazem compilaes de
documentos conhecidos como Monumenta Germaniae Histrica.
Concomitantemente, ocorreram grandes transformaes no campo das Cincias
Naturais. Atentados a isso, os historiadores da Escola Cientfica Alem, procuraram
assimilar os mtodos daquelas Cincias Histria dita cientfica.
Nessa perspectiva, o historiador deveria se apresentar neutro em relao aos
fatos registrados por meio de seu relato. Leopold von Ranke, expoente da Escola
Cientfica Alem, afirmava que o historiador deveria se restringir apenas [a] mostrar
como realmente se passou. Isso significa que os fatos deveriam se tornar a razo ltima
do historiador, e esta posio, aproxima-se muito do positivismo, corrente
historiogrfica que muito influenciou (e ainda influencia) os historiadores brasileiros.
O Positivismo ou a filosofia de Auguste Comte teve seu incio ligado s
transformaes da sociedade europeia ocidental, no decorrer do processo de
implantao de sua industrializao. Na perspectiva da teoria do conhecimento, o
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Positivismo propunha uma separao completa entre o sujeito e o objeto do
conhecimento. O filsofo Franklin L. Silva afirma que
Com efeito, ao lado da ordem, a ideia de progresso apresenta-se
como noo fundamental para a compreenso do positivismo.
Entretanto, a ideia de progresso em COMTE no obrigatoriamente
solidria da criao e da inventividade ilimitadas (...). o que COMTE
procura sempre so leis invariveis, de acordo com o modelo da fsica
e da matemtica, paradigmas da ordem. SILVA, Franklin Leopoldo.
Aspectos da histria da filosofia. 4 ed. In: Primeiro filosofia. So
Paulo: Brasiliense, 1985, p. 113).
Assim sendo, Augusto Comte apresentou uma ideia de evoluo da humanidade,
conhecida como a Lei dos Trs Estados. Para ele, a humanidade caminharia
inexoravelmente nestes trs estados:
1 Estado: Teolgico - fases em que as explicaes acerca dos fenmenos eram
solidrias de crenas e pressupostos que viam em entidades transcendentes, de cunho
divino e mitolgico.
2 Estado: Metafsico - (...) tais entidades foram substitudas por construes
pretensamente racionais que levavam a explicao dos fenmenos para a esfera do supra
visvel e, finalmente,
3 Estado: Positivo caracterizado pela renncia ao conhecimento absoluto,
das causas ltimas, passando ento a dirigir as foras intelectuais para a compreenso
das leis e das relaes que se podem constatar entre os fenmenos por meio da
observao e dos instrumentos tericos. (Silva: op. cit, p.113),
Esta viso comteana tenta nos conduzir ideia de que a Histria seria como uma
sucesso ordenada de fatos, e a concepo de passado, como algo morto e esttico.
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Nesta sucesso ordenada de fatos, a relao entre eles seria mecnica, inserida em um
esquema de causas e consequncias. Lembra-nos E. H. Carr que
Os positivistas, ansiosos por sustentar sua afirmao da histria como
uma cincia, contriburam com o peso de sua influncia este culto dos
fatos. Primeiro verifique os fatos, diziam os positivistas, depois tire
suas concluses. (CARR, op cit, p. 13).
Como vemos, a prpria fetichizao dos fatos e da postura neutra do
historiador, aproximando a histria, como mtodo s cincias naturais. E, em relao
periodizao possvel, na perspectiva do esquema positivista, se baseou nos grandes
eventos, sobretudo polticos, engendrando pelos grandes homens da histria.
O positivismo, como ideologia especfica da Europa Ocidental, quando enuncia
as leis do Estado Positivo (superior no dizer de Comte) fora alcanado pela Europa, o
que justificaria at mesmo a dominao desta parte do mundo sobre os demais
continentes, para que o progresso fosse possvel.
Outra corrente do pensamento nascida no ambiente intelectual oitocentista o
Idealismo, do qual Hegel se tornou um de seus maiores representantes. A perspectiva
idealista no estabelece propriamente uma periodizao, no entanto, contribui
decisivamente para uma concepo de Histria. Hegel, por exemplo, transforma o
conceito de progresso retilneo e indefinido prprio do pensamento iluminista, Em seu
lugar, Hegel introduz a noo da evoluo dialtica. Ao fazer esta inovao, HEGEL
avana no sentido de que a Histria no seria algo esttico, mas estaria em movimento
a filosofia de HEGEL o exemplo mximo da tentativa da
especulao para fazer do pensamento no apenas a apreenso daquilo
que ou existe, mas tambm e principalmente da apreenso do
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processo pelo qual as coisas vm a ser, tornam-se isto ou aquilo3.
SILVA, op. cit. pg. 109.
Tal movimento apresentaria um desenvolvimento lgico e, ao mesmo tempo,
histrico e dialtico, assim sintetizado: tese (posio), anttese (negao) e sntese
(negao da negao). Esta corrente chamada idealista, pois nela se coloca a primazia
fundamental das ideias do homem em relao realidade e ao desenvolvimento
histrico.
A proposta hegeliana criticada, por exemplo, por Iglesias que assinala os
(1969:30) seguintes aspectos: esta apresenta uma ideia europeizante da Histria,
desprezando o resto do mundo; e, assim, submete a Histria a um esquema ideal, muito
harmonioso em suas linhas, mas desconsiderando o prprio devir histrico.
O que Hegel de fato contribuiu para se refletir sobre o conhecimento histrico
foi a incorporao da dialtica, ou seja, a ideia de movimento na Histria. Esta
incorporao foi empreendida por Marx e Engels, cujas obras deram origem corrente
historiogrfica conhecida como Materialismo Histrico.
O ponto de partida do Materialismo seria a crtica ao sistema capitalista,
retomando a filosofia hegeliana do movimento dos contrrios. Porm, a primazia no
mais se restringiu s ideias, mas ao mundo material. Para exemplificar sua viso de
Histria, recorremos ao prprio Marx que afirma que a Histria nada faz, no possui
riquezas imensas, no entra em batalhas. antes, o homem, o homem realmente vivo,
que faz tudo, que possui e que luta.33, ou ainda, sua mxima, nossa conhecida do
Manifesto Comunista: a histria do mundo a histria das lutas de classe.
A preocupao dos fundadores do materialismo histrico se concentrou na
transformao revolucionria da sociedade capitalista. Para tal, realizaram um estudo
aprofundado do sistema, demonstrando que o mesmo histrico, isto , anterior a ele,
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existiram outros modos de produo que o precederam. Isto significa que a maneira
como a sociedade se organiza para produzir a vida, a relao do homem com a natureza,
para transform-la, que determina o modo de produo e no o contrrio.
Marx e Engels mudaram o foco das ideias para as relaes sociais, pois no so
as ideias que vo provocar as transformaes, mas condies materiais e as relaes
entre os homens, que estas condicionam (BORGES, op. cit., p. 35). Eles afirmam que os
homens se relacionam para organizar a produo, e, nesta relao, aparecem as classes
sociais, que so antagnicas. Ento a destruio do sistema no ocorreria por causas
externas, mas provocada pela prpria contradio interna que, no caso do capitalismo,
seria entre a burguesia e o proletariado (classes fundamentais do capitalismo). Marx e
Engels deixam como grande legado Histria, entre outros, a contribuio para a
anlise do capitalismo, alm da introduo do novo mtodo de anlise da realidade.
Na concepo de Marx e Engels pode-se identificar a existncia dos seguintes
modos de produo: Comunista Primitivo, o Escravista, o Asitico, o Feudal e o
Capitalista. E o estudo da Histria pela via do Materialismo Dialtico tambm interfere
na periodizao, pois esta passa a se relacionar com esses diferentes modos de
produo, historicamente construdos. Esta periodizao amplia o horizonte de anlise,
na medida em que permite estabelecer marcos que apontam uma ruptura, no s no
aspecto superestrutural (poltico, ideolgico), mas, sobretudo, no aspecto estrutural
(econmico).
No sculo XX, o conhecimento histrico, como reflexo e produo acadmica,
estava impregnada pelas correntes historiogrficas oitocentistas, a saber: Positivismo
(em grande sua parte) e Materialismo Histrico (em menor escala). No final dos anos e
1920, veio da academia francesa uma proposta inovadora para os estudos histricos,
divulgada pela publicao da que foi a publicao da revista ANNALES dhistoire
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conomiques et sociales criada, em 1929, por Lucien Febvre e Marc Bloch. Os
historiadores ligados esta corrente propunham uma histria total, na qual a vida dos
todos os grupos humanos, em seu social, poltico, econmico, deveria ser captada e
escrita. Ao invs do registro dos fatos singulares, o historiador deveria analisar as
estruturas sociais, econmicas, polticas, culturais, religiosas, buscando compreender o
seu funcionamento e evoluo.
Bloch e Febvre encontraram inspirao na obra do historiador francs Henri
Berr, que j no final do sculo XIX, por meio da Revista de Sntese, buscava criar um
frum de debates no qual fosse questionada a noo de verdade absoluta estabelecida
pela histria-relato. Contudo, os esforos de Berr foram interrompidos durante a I
Guerra, pois naquele momento o pensamento crtico deu lugar a uma onda nacionalista
e qualquer questionamento soava como uma atitude antipatritica. A devastao sem
precedentes ocasionada pela I Guerra abalou irremediavelmente a certeza de que a
humanidade estaria destinada a se tornar cada vez melhor.
A Escola dos Annales entende que a histria tem que estar aberta s outras reas
do conhecimento humano, numa viso global. um trabalho interdisciplinar. Para
exemplificar, colocaremos a periodizao proposta por um dos seguidores mais
fecundos desta corrente, o historiador francs Fernand Braudel, autor do livro O
Mediterrneo e o Novo Mundo Mediterrneo poca de Felipe II. Logo em sua
introduo, o autor apresenta a periodizao que utilizaria: Este livro divide-se em trs
partes, sendo cada uma, por si mesma, uma tentativa de explicao. Estas trs partes
so as seguintes:
Tempo geogrfico (das estruturas) - procura relacionar o homem e o seu
meio ambiente, uma histria lenta no seu transcorrer e a transformar-se,
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feita com frequncia de retornos insistentes, de ciclos incessantemente
recomeados (...) Tempo social (das conjunturas) - estuda a histria social, a dos grupos e dos
agrupamentos, estudando sucessivamente as economias e os Estados, as
sociedades, as civilizaes (...)
Tempo individual (dos eventos) - histria ainda ardente tal como os
contemporneos a sentiram, descreveram, viveram no ritmo de sua vida,
breve como a nossa. (BRAUDEL, op. cit., p. 13)
Neste sentido, Braudel prope uma noo de se escrever uma Histria no
esttica, uma Histria que no possui elementos determinantes antecipados.
Os Annales tambm revolucionaram a noo de documento histrico.
Tradicionalmente, apenas os documentos oficiais escritos eram tomados como a nica
fonte legtima para o conhecimento histrico. Tal delimitao foi essencial para o
reconhecimento da Histria enquanto cincia. Contudo, especialmente os adeptos dos
Annales demonstraram que essas fontes escondem os mais diferentes interesses e
terminam, muitas vezes, por dar voz apenas aos poderosos e vencedores.
Alm de questionar o documento escrito, os Annales propuseram que todo
vestgio produzido pelos seres humanos pode ser considerado um documento histrico.
Portanto, eles decretaram o fim do documento escrito como o nico a ser estudado pela
Histria, abrindo um enorme leque de possibilidades. O historiador pode e deve buscar
novas fontes, como a pintura, documentrios, roupas, alimentos, entre outros. As fontes
histricas, portanto, so to ricas quanto a prpria vida dos seres humanos em
sociedade.
O historiador francs Jacques Le Goff, herdeiro dos Annales, define que todo
documento histrico um documento-monumento. Ele afirma que qualquer
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documento histrico contm em si as mais diferentes intenes, explicitas ou no. Para
ele
O documento monumento. Resulta do esforo das sociedades
histricas para impor ao futuro voluntria ou involuntariamente
determinada imagem de si prprias. No limite, no existe um
documento-verdade. (...) Cabe ao historiador no fazer o papel de
ingnuo. (...) preciso comear por desmontar, demolir esta
montagem, desestruturar esta construo e analisar as condies de
produo dos documentos-monumentos. (LE GOFF, Jacques.
Histria e memria. Campinas: SP: Unicamp, 1992. p. 548.)
E, em relao periodizao, Le Goff afirma que esta indispensvel a qualquer
forma de compreenso histrica, pois sem a noo de tempo, no h como resgatar as
experincias humanas em sociedade. Percebemos que a prioridade do historiador ,
mesmo recorrendo periodizao tradicional, esta deve ser tomada de maneira crtica,
lembrando que tal recurso marcado pelo seu carter eurocntrico. Afinal, ela foi
elaborada por europeus e diz respeito to-somente histria da Europa Ocidental. Essa
periodizao no apresenta qualquer significado para outros povos. Importa, assim,
analisarmos o momento em que a mesma foi elaborada.
VII - Consideraes finais
A periodizao no um ato meramente arbitrrio e neutro. Se ampliarmos a
discusso para a prpria elaborao da histria, poderemos verificar que a neutralidade
pretendida no existe. Como nos lembra CARR , estude o historiador antes de comear
a estudar os fatos (...). Quando voc l um trabalho de histria, procure saber o que se
passa na cabea do historiador (CARR: op. cit., p. 24). Assim tambm acontece com a
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periodizao, pois ela representa um aspecto da concepo de histria que o
historiador possui e a qual corrente historiogrfica ele se filia. A forma como o
historiador divide a histria est condicionada aos problemas que lhe so apresentados
pelo presente:
O historiador pertence sua poca e a ela se liga pelas condies de
existncia humana. As prprias palavras que usa tais como
democracia, imprio, guerra, revoluo tm conotaes presentes dos
quais ele no pode divorciar (CARR: op. cit, p. 25).
Aparentemente fica a impresso que os trabalhos e as periodizaes de histria
sero homogneas em determinada poca. Porm isto no acontece porque outras
variveis influenciam no trabalho do historiador, como sua posio de classe, sua
prpria nacionalidade. O que acorre a presena de problemas que so contemporneos
a uma determinada sociedade, em uma poca especfica. Se as concepes de histria
no so homogneas, existem aquelas so hegemnicas, entendendo como hegemonia
no sentido gramsciano do termo (ver BOBBIO: 1947, p 47).
Nesse sentido, importante ressaltar o Manifiesto Historia a Debate, firmado em
11 de setembro de 2001, no qual so propostas algumas reflexes que visam atualizar o
debate terico-metodolgico: a continuidade dos anos de 1960 e 1970; o ps
modernismo; e o retorno velha histria. E dessa maneira, quer contribuir para a
configurao de um paradigma comum e plural dos historiadores do sculo XXI, que
assegure para a histria e para a sua escrita um novo tempo. (HaD, p. 01: 2014)
Tendo em vista a proposta do Manifesto, cabe-nos como historiadores
enfrentarmos as dificuldades do tempo presente. Embora, teoricamente sejamos adeptos
da histria do presente, ainda tememos a subjetividade que impregna tal tempo/objeto.
E em busca desse enfrentamento, nos amparamos na proposta da Historia a Debate, que
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nos convida construir um novo paradigma, ou seja, o conjunto plural de crenas e
valores que vo regular a nossa profisso de historiador no novo sculo. (HaD. p.
09:2014)
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