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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA OS LIMITES DE APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS DELITOS TRIBUTÁRIOS À LUZ DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Orientador Prof. Francis Rajman Rio de Janeiro 2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

OS LIMITES DE APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA NOS DELITOS TRIBUTÁRIOS À LUZ DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Orientador

Prof. Francis Rajman

Rio de Janeiro

2012

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

OS LIMITES DE APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA NOS DELITOS TRIBUTÁRIOS À LUZ DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito e Processo Penal

Por: Raphael Dornellas da Cunha Marraschi.

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AGRADECIMENTOS

aos colegas de turma, aos professores

e funcionários do Instituto A Vez do

Mestre pelo período de convivência.

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DEDICATÓRIA

dedico esse trabalho a minha família, meu

filho e minha noiva, verdadeiras razões do

todo o meu sacrifício .

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RESUMO

O presente trabalho tem como escopo mostrar a evolução

jurisprudencial acerca da aplicação do princípio da insignificância nos crimes

tributários à luz, principalmente, do entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Para tanto iremos percorrer um caminho que vai desde o conceito de

insignificância, passando para a incidência do princípio no caso concreto, até o

entendimento consolidado atualmente.

No primeiro capítulo buscamos trazer à colação o que se entende por

infrações insignificantes ou de bagatela, bem como a sua construção

dogmática. Já no segundo capítulo, nos preocupamos em demonstrar como

vem sendo o entendimento dos tribunais acerca da aplicação do referido

princípio nos diversos tipos de delito, bem como os requisitos e parâmetros

necessários para sua configuração. No terceiro capítulo, já falando dos delitos

tributários propriamente dito, mostramos a evolução jurisprudencial e a batalha

travada principalmente no âmbito do STJ para reconhecimento do quantum a

ser considerado para incidência da insignificância até a pacificação da matéria

pelo STF.

Palavras-chave: insignificância – intervenção mínima – tipicidade material .

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METODOLOGIA

Será que o direito penal deve incidir em todo o tipo de conduta? Para

melhor elaborar esse trabalho e discorrer sobre o tema proposto foram

utilizadas pesquisas doutrinárias, análise de sites especializados, e

principalmente enfoque direto na jurisprudência dos tribunais superiores, a fim

de compreender a evolução do tema ao longo dos anos.

O objeto desse estudo é verificar a evolução de entendimento

jurisprudencial acerca da aplicação do princípio da insignificância nos delitos

tributários .

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - O Princípio da Insignificância 11

CAPÍTULO II - A Aplicação do princípio 23

CAPÍTULO III – A Evolução jurisprudencial 30

CONCLUSÃO 36

BIBLIOGRAFIA 39

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INTRODUÇÃO

O direito penal moderno inspirado na Constituição da República tem

como objetivo principal a proteção exclusiva do bem jurídico, o que torna

ilegítima a aplicação do diploma sancionador quando a conduta praticada não é

capaz de acarretar lesão a determinado bem por ele protegido. Nos dias

hodiernos, de acordo com a teoria constitucional do delito, só se legitima a

criação de tipos penais quando por eles são tutelados valores consagrados na

nossa Carta política, como por exemplo, a honra, o patrimônio, a intimidade, a

inviolabilidade de domicílio, a vida, a dignidade da pessoa humana e etc.

Não obstante, cumpre salientar que o direito penal não é meio capaz

de tutelar questões políticas, éticas, morais, religiosas ou ainda ideológicas,

mas deve sim, por vivermos em um Estado Democrático de Direito, tutelar bens

jurídicos fundamentais consagrados na constituição capazes de harmonizar e

tornar possível a vida em sociedade.

Malgrado essas considerações, observamos que o legislador tem

procurado maneiras de diminuir a aplicação sancionadora do direito penal em

certos casos, haja vista a superlotação do sistema carcerário e a sua notável

falência que atualmente não se mostra capaz de cumprir com a sua função

precípua, que é preparar a vida dos apenados que lá estão para que possam

ser inseridos novamente na sociedade. Exemplo disso é a criação dos juizados

especiais criminais que cuidam dos crimes definidos como de menor potencial

ofensivo (aqueles com pena máxima cominada de até 2 anos) onde através de

seu procedimento mais simplificado e os instrumentos que legitimam o

Ministério Público a tentar um acordo com o agente ao invés de oferecer a

denúncia (como a transação penal e a composição civil dos danos), tem por

escopo evitar o cárcere daquele que cometeu uma conduta tipificada como

crime. Para tanto se vale, como já dito, de instrumentos despenalizadores bem

como de penas restritivas de direitos.

Porém não podemos confundir crimes de menor potencial ofensivo

com os crimes insignificantes objeto deste trabalho, o primeiro está

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expressamente descrito na lei (artigo 61 da lei 9.099/95, com redação dada

pela lei 11.313/06) e o segundo é uma polêmica construção dogmática que

vem encontrando seu espaço na jurisprudência com total apoio da doutrina.

O princípio da insignificância se baseia na premissa de que se para

o direito penal se faz necessário que a conduta praticada seja minimamente

capaz de lesionar o bem jurídico tutelado pela norma, determinadas condutas

que no caso concreto não ofereçam esse risco material, mesmo que

formalmente se encaixem perfeitamente no tipo ali descrito, não devem, em

observância ao princípio da subsidiariedade, fragmentariedade e intervenção

mínima, receber o tratamento rigoroso do direito penal, pois o mesmo deve se

ocupar apenas daquelas condutas que são suficientes para desestabilizar a

paz social.

Aqui cuidaremos do princípio da insignificância mostrando o

fundamento de sua construção, seu desenvolvimento, e como vem sendo a sua

aceitação e aplicação pelos nossos tribunais, haja vista tal princípio não estar

expressamente previsto em lei, dando enfoque principalmente na sua aplicação

quando se tratar de crimes contra a ordem tributária.

Os delitos contra a ordem tributária tipificados na lei 8.137/90, visam

tutelar a proteção da política socioeconômica do estado com a finalidade de

resguardar a legítima obtenção dos recursos necessários à realização de suas

atividades, como bem nos ensina o eminente prof. LUIZ REGIS PRADO

(2011):

“O legislador, na cunhagem dos tipos contidos na lei

8.137/90, tutela o erário (patrimônio da Fazenda Pública) não

no sentido simplesmente patrimonialista (ou individualista), mas

sim como bem jurídico supraindividual, de cunho institucional.

Tem por escopo proteger a política socioeconômica do Estado,

como receita estatal, para obtenção dos recursos necessários

à realização de suas atividades.” (pág. 273).

Como visto, os delitos contra a ordem tributária tem como principal

finalidade proteger a atividade socioeconômica do Estado legitimando a lícita

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obtenção de recursos, estes obtidos através dos tributos, permitindo assim que

o estado possa ter condições de realizar as atividades necessárias para seu

regular funcionamento. Ocorre que, como veremos no decorrer deste trabalho,

a aplicação do princípio da insignificância nesses crimes gerou muita

controvérsia (e ainda gera) na jurisprudência dos nossos tribunais,

principalmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo

Tribunal Federal, até que chegássemos ao parâmetro de R$ 10.000,00 (dez mil

reais) que hoje é o limite estabelecido para que nesses crimes incida o referido

princípio.

Tal controvérsia foi gerada principalmente pelo fato de tal princípio

não estar expressamente previsto no ordenamento jurídico pátrio e ainda,

mesmo que aceito, algum juristas se perguntavam se seria legítima a sua

aplicação aos crimes tributários, haja vista o bem jurídico por eles tutelados.

Por fim, o Supremo Tribunal Federal não só aceitou a sua aplicação,

bem como fixou parâmetros para sua aplicação estabelecendo que débitos

tributários na quantia de até R$ 10.000,00 (dez mil reais), são insignificantes,

sendo, portanto, conduta atípica, não legitimando o Estado a intervir

penalmente nesses casos.

Com efeito, para que se chegasse a essa conclusão muito debate

jurídico foi travado, com Ministros dos Tribunais Superiores defendendo teses

das mais variadas possíveis, razão pela qual o presente trabalho pretende

apresentar a evolução jurisprudencial nesse sentido trazendo os argumentos

utilizados pela nossa Corte Constitucional em matéria de aplicação do princípio

da insignificância nos crimes tributários, que hoje é seguida por todo o país.

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CAPÍTULO 1

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Imagine a seguinte situação concreta: um determinado sujeito vai a

um restaurante com a sua esposa comemorar o dia de seu casamento. Ao irem

embora esse mesmo sujeito avista o suporte de guardanapos e se encanta

com ele, pois o mesmo combinaria perfeitamente com a decoração de sua sala

de jantar. Sem pensar duas vezes, discretamente coloca o suporte em sua

bolsa e leva-o para casa; Ou ainda, determinado casal sai de férias e se

hospeda em uma pousada na região dos lagos. Ao irem embora resolvem levar

de lembrança da viagem a roupa de cama e as toalhas que decoravam o

quarto da pousada. Não resta dúvida que nas duas hipóteses ora apresentadas

o casal, em concurso de agentes, pois estavam em comunhão de vontades,

cometeu a conduta penalmente tipificada no artigo 155 do Código Penal, qual

seja, subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel.

O citado dispositivo em seu preceito secundário prevê pena de

reclusão de um a quatro anos e multa e ainda prevê no seu parágrafo primeiro

o aumento de um terço da pena se este for praticado durante o repouso

noturno (art. 155, § 1º CP). Ora, por mais que tenhamos a conduta

formalmente típica, ou seja, aquela capaz de descrever todo o tipo penal com

detalhes, será realmente que o furto de um suporte de guardanapos ou ainda

de um jogo de tolhas seria suficiente para legitimar a aplicação do direito

penal? Será que o Estado teria interesse em movimentar toda a sua máquina

persecutória, Polícia, Ministério Público, para que se ocupem de infrações

dessa natureza, ou será que os outros ramos do direito poderiam ser

utilizados?.

É exatamente isso que propõe o princípio da insignificância, pois

segundo ele o direito penal é a ultima ratio, só sendo legítima a sua atuação

quando nenhum outro ramo do direito, seja ele Civil, Trabalhista, ou

Administrativo, não forem capazes de dar resposta suficiente a esse tipo de

comportamento. Cumpre asseverar ainda que por força do princípio da

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lesividade, o direito penal não há que se ocupar de condutas pífias, sendo

essas consideradas as que não são capazes de oferecer risco algum a

sociedade, ou mesmo afetar o bem jurídico protegido pela norma.

Com efeito a conduta de furtar um suporte de guardanapo, não é

capaz de desestabilizar a harmonia social, sendo esta facilmente respondida

pelo Direito Civil apenas com a propositura de uma ação de danos materiais ou

morais se for o caso (hoje em dia tudo é dano moral) movida pelo dono do

restaurante ou da pousada em face do casal. Porém nem tudo é assim tão

simples, e nosso legislador ordinário também não seria capaz de tipificar todas

as condutas imagináveis, sendo preciso a análise do referido princípio de

acordo com o caso concreto.

1.1 . Conceitos e fundamentos

Por conduta insignificante temos aquela ínfima, irrelevante, tão

pequena que o direito penal não deve se preocupar com ela. Do mesmo modo

a infração insignificante é aquela incapaz de oferecer lesão ao bem jurídico

tutelado pela norma não se revelando adequada a intervenção penal do

Estado. Dessa forma a lesão insignificante deve ser cuidada por outros ramos

do direito como o Civil, Trabalhista, o Administrativo entre outros.

Não que esses ramos do direito devam cuidar apenas de condutas

insignificantes, como se o direito penal fosse o “ramo VIP” do direito, ou seja,

aquele que só cuida de fatos importantes, muito pelo contrário, o fato é que a

utilização desses ramos é mais adequado na medida em que o seu resultado

jamais levará alguém a perda da liberdade, diferente do direito penal que tem a

sua fonte coercitiva principalmente na segregação da liberdade. Atualmente

nos deparamos com manifestações, na maior parte das vezes impulsionado

pela mídia e pelo populismo, no sentido de que se ninguém resolve nada a

única forma de acabar com o problema é penalizando criminalmente a conduta.

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Com efeito, o direito penal é tratado como verdadeiro super herói,

como se ele fosse a solução de todos os problemas. Conseguimos ter essa

idéia quando nos deparamos com leis penais regulando matérias

definitivamente administrativas, como por exemplo, a famosa lei seca, que

torna crime a conduta de dirigir veículo automotor sob a influência de álcool ou

qualquer outra substancia psicoativa, ou ainda a que dispõem sobre os crimes

contra a relação de consumo.

Essas leis citadas nascem sem dúvida alguma com o escopo de

tutelar penalmente uma matéria definitivamente administrativa, que poderia ser

facilmente regulada por outro ramo do direito que não o Direito Penal. Mas não,

é muito mais fácil colocar um clima de terror, tratando isso como caso de

polícia, do que dar condições e suporte para que os agentes administrativos do

Estado sejam capazes de impor multas e medidas coercitivas se utilizando do

poder de polícia que faz jus (poder de polícia no sentido amplo como aquele

legítimo da administração pública).

Não obstante, surge na doutrina uma construção dogmática com o

objetivo de retirar condutas tidas como banais do caminho do Direito Penal. Em

um sistema que busca exclusivamente a proteção do bem jurídico levando em

consideração a sua potencialidade lesiva, não seria coerente movimentar a

máquina persecutória do Estado e consequentemente abarrotar nossos

tribunais com condutas pífias, como por exemplo, o furto de um xampu, de uma

cebola, ou quiçá de uma bicicleta velha.

Nas precisas lições de LUIS FLÁVIO GOMES (2010 pág. 52/53) o

princípio da insignificância é o que permite não processar condutas

socialmente irrelevantes, assegurando não só que a justiça esteja mais

desafogada, ou bem menos assoberbada, senão permitindo também que fatos

nímios não se transformem em uma sorte de estigma para seus autores.

Se mostra sábio o destaque do ilustre professor quando diz que não

é adequado nem razoável um indivíduo que comete uma conduta irrelevante,

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como o furto de um xampu, sofra as consequências de um processo criminal,

podendo por conta disso carregar um estigma de criminoso pelo resto da vida.

O referido princípio portanto, como já exposto, não traz disposição

expressa no ordenamento jurídico pátrio, vindo a ser uma construção

doutrinária baseada principalmente em princípios sendo eles o da lesividade,

da proporciolnalidade, e da intervenção mínima do Direito Penal.

O primeiro deles, o princípio da lesividade, dispõe que efetivamente

não há infração penal quando a conduta não tiver ao menos oferecido perigo

de lesão ao bem jurídico.

CLEBER MASSON (2012) citando o clássico ensinamento de

FRANCESCO PALAZZO (1989) assim conceitua o referido princípio:

“Em nível legislativo, o princípio da lesividade (ou

ofensividade), enquanto dotado de natureza constitucional,

deve impedir o legislador de configurar tipos penais que já

hajam sido construídos, in abstracto, como fatores indiferentes

e preexistentes à norma. Do ponto de vista, pois, do valor e dos

interesses sociais, já foram consagrados como inofensivos. Em

nível jurisdicional-aplicativo, a integral atuação do princípio da

lesividade deve comportar para o juiz, o dever de excluir a

subsistência do crime quando o fato, no mais, em tudo se

apresenta na conformidade do tipo, mas, ainda assim,

concretamente é inofensivo ao bem jurídico tutelado pela

norma”.

Já o princípio da proporcionalidade se coloca como um verdadeiro

limite a atuação do legislador, pois este ao criar tipos penais deve verificar se

determinada conduta que será penalmente tipificada e consequentemente irá

sofrer maior repressão do Estado, realmente se faz necessária, eis que impõe

um ônus a todos os cidadãos que se comportarem contrariamente a norma. Tal

princípio foi inicialmente desenvolvido na Alemanha inspirado na ideia de que a

limitação da liberdade individual do homem só faz sentido se for utilizada para

a concretização de interesse coletivo superior, conforme o pensamento

iluminista que no século XIX imperava naquele país.

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O princípio da intervenção mínima por sua vez, nada mais é do que

a concretização de tudo o que foi dito até aqui. Por ele se conclui que o direito

penal só deve ser utilizado quando a criminalização de um fato,

inequivocamente, for o único meio de se proteger o bem jurídico tutelado, não

podendo este ser tutelado por outros ramos do direito.

O princípio da insignificância então baseados nessas premissas

impõe a seguinte conclusão: não basta que a conduta seja formalmente típica,

ou seja, que se apresente conforme determinado no tipo penal, é preciso que

essa conduta também se apresente materialmente típica e que seu resultado

se mostre capaz de oferecer pelo menos um perigo de lesão ao bem jurídico

tutelado pela norma. O tipo penal para ser completo por conta dessa

interpretação deve ser sopesado pela tipicidade formal (conduta descrita no

tipo) mais a tipicidade material (resultado lesivo ao bem jurídico). Se a conduta

no caso concreto contiver a tipicidade formal, mas não contar com a tipicidade

material, o fato não será considerado crime e a conduta será considerada

atípica.

O tipo penal, portanto é composto de TF+TM (tipicidade formal +

tipicidade material) na falta de qualquer uma das tipicidades não há que se

falar em crime.

Parte da doutrina assevera que o princípio da insiginificância teve

sua origem no Direito Civil, a partir do brocardo minimus non curat praetor, que

em outras palavras significa que o juiz não deve se preocupar com coisas

irrelevantes. Porém foi na década de 70 que tal princípio foi incorporado ao

Direito penal, a partir dos estudos de Claus Roxin que reconheceu a

insignificância como causa de exclusão da tipicidade penal.

Klaus Tiedemann também se refere ao princípio da insignificância,

chamando-o de princípio da bagatela, fundamentando seus estudos na

proporcionalidade que deve existir entre o delito e a intervenção estatal (LUIS

FLÁVIO GOMES, pág. 55)

Em âmbito nacional como dito alhures tal princípio faz parte de uma

construção doutrinária que não encontra manifestação positiva no direito

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comum. Porém, é preciso destacar que encontramos na legislação castrense

um dispositivo expresso que nos leva ao princípio em comento.

Com efeito, o artigo 209 § 6º do Código Penal Militar (lei nº.

1.001/69), que se encontra no capítulo III sob o título Da lesão corporal e da

Rixa, dispõe que nos casos de lesões levíssimas, ou seja, aquelas que no caso

concreto não se mostra capaz de ofender o bem jurídico tutelado pela norma, o

juiz pode despenalizar a conduta e considerá-la como infração disciplinar.

Assim é o dispositivo em comento:

Art. 209. Ofender a integridade corporal ou a saúde de

outrem: (....)

§ 6º No caso de lesões levíssimas, o juiz pode considerar

a infração como disciplinar.

Verifica-se assim, que a legislação castrense apesar de ser

conhecida pelo rigor típico da administração militar, que preza principalmente o

respeito a hierarquia e a disciplina, se mostra avançada no sentido dessa clara

demonstração de que se a lesão corporal for ínfima, a mesma não deve ser

penalizada criminalmente, abraçando assim o espírito do princípio da

insignificância.

Tal alegação se mostra mais contundente ao analisarmos a

exposição de motivos do referido Código Penal Militar, mais precisamente no

nº 17, onde claramente se observa que a intenção do dispositivo é não deixar

que o militar carregue o fardo de se submeter a um processo criminal se, por

razão da experiência do convívio militar, tal conduta puder ser considerada de

pequena monta.

Apenas a título de ilustração, vale a transcrição do texto em

comento:

“Entre os crimes de lesão corporal, incluiu-se o de lesão

levíssima, a qual, segundo o ensino da vivência militar pode ser

desclassificada pelo juiz para infração disciplinar, poupando-se,

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em tal caso, o pesado encargo de um processo penal para fato

de tão pequena monta”. (exposição de motivos CPM nº 17)

Apesar dessa disposição do Direito penal Militar, segundo nos

ensina o Prof. Luis Flávio Gomes (2009) a jurisprudência brasileira no Direito

Penal comum só passou a reconhecer o princípio em estudo à partir de uma

decisão dada pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 1988, nos autos do

RHC 66.869-PR, em um caso de lesão corporal culposa praticada na direção

de veículo automotor.

O citado acórdão onde pela primeira vez foi utilizado o nome

princípio da insignificância, de relatoria do eminente min. Aldir Passarinho,

tratava de uma lesão corporal provocada por acidente de trânsito, onde na

vítima, após realização de exame de corpo de delito, ficou constatado uma

pequena equimose de apenas três centímetros de diâmetro.

O tribunal a quo na ocasião negou a tese da defesa que arguía o

princípio da insignificância sob a alegação de que o comportamento do agente

estava descrito no tipo penal e que a insignificância ou não da lesão deveria

ser verificada na instrução criminal, ou seja a defesa deveria através de

instrução probatória mostrar que o resultado da conduta não foi suficiente para

ao menos oferecer perigo de lesão ao bem jurídico tutelado, que no caso em

comento era o da integridade física.

O sr. Ministro Aldir Passarinho refutou essa alegação mostrando que

os autos descreviam uma lesão tão insignificante que na instrução processual

não haveria mais como ser produzida nenhuma prova a não ser aquela do

exame de corpo de delito que ali já estava acostada. Ora se outra prova seria

impossível ser reproduzida, não haveria o porquê de não reconhecer de

imediato o princípio da insignificância trancando desde logo a ação penal por

falta de justa causa, já que o corpo de delito nada mostrava a não ser uma

ínfima equimose de apenas três centímetros.

Não obstante ter sido esse acórdão segundo a doutrina o primeiro

no Brasil a citar claramente o princípio da insignificância, sem nenhuma dúvida

o divisor de águas na jurisprudência brasileira foi a fantástica e magistral

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decisão do Min. Celso de Melo nos autos do HC 84.412/SP, onde foi admitido o

princípio da insignificância num caso de furto de um objeto de R$ 25,00,

ficando consignado que por força do princípio da insignificância a tipicidade

material ficaria afastada. (LUIS FLÁVIO GOMES, 2009).

Tal acórdão se tornou o divisor de águas na jurisprudência não só

pelo reconhecimento de que a aplicação do princípio em comento afastaria a

tipicidade material, mas porque trouxe pela primeira vez os requisitos

necessários que devem ser analisados para que seja legítima a sua incidência.

O Min. Celso de Melo, no acórdão citado, ao reconhecer a incidência

do princípio da insignificância no caso do furto de um objeto de R$ 25,00,

estabeleceu que devem ser sopesadas: a) a ausência de periculosidade social

da ação; b) mínima ofensividade da conduta do agente; c) inexpressividade da

lesão jurídica causada; d) falta de reprovabilidade da conduta.

Esses critérios após esse acórdão paradigmático, passaram a ser

seguidos por toda a jurisprudência, e servem atualmente de base para a

aplicação do princípio em estudo.

1.2. Espécies de infrações insignificantes. Infrações Próprias e

Impróprias.

Como vimos o princípio da insignificância exclui a tipicidade

material tornando atípica a conduta praticada, por mais que a forma de

execução esteja em consonância com o dispositivo legal. Tal resultado é fruto

da aplicação do princípio da intervenção mínima do Direito Penal onde se

mostra desproporcional a aplicação do diploma sancionador quando a matéria

pode ser regulada por outros ramos do direito ou ainda quando a conduta é tão

ínfima que é incapaz de causar lesão ao bem jurídico tutelado pela norma.

Nada obstante, a doutrina com o escopo de ampliar o alcance do

princípio em estudo classifica as infrações insignificantes em próprias e

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impróprias. As infrações insignificantes próprias (também chamadas de

infração bagatelar em sentido próprio) são aquelas que já nascem ínfimas,

insignificantes, que desde a sua origem não apresentam resultado digno de

desestabilizar a harmonia e a paz social.

São exemplos de condutas insignificantes próprias, por exemplo, o

furto de uma caneta esferográfica, de um cinzeiro, ou ainda, para sairmos do

âmbito dos crimes patrimoniais, uma lesão corporal levíssima provocada por

acidente automobilístico, são certamente condutas que se adequam

formalmente ao tipo penal descrito na lei, mas que são incapazes de oferecer

risco ao bem jurídico tutelado pela norma. Esses tipos de comportamentos são

aqueles clássicos que a priori inspiraram a criação e o desenvolvimento

dogmático do princípio da insignificância, estabelecendo que devesse ser

verificado no caso concreto, a relevância ou não do resultado proveniente da

conduta a fim de verificar a necessidade ou não da intervenção penal do

Estado.

Cumpre salientar ainda, que não se mostra razoável submeter

qualquer pessoa a um procedimento criminal com todas as suas peculiaridades

e consequências danosas, se a conduta por ela praticada não é digna de

receber resposta penal do Estado. A conduta praticada pelo agente deve ter

uma resposta proporcional, não uma resposta vingativa. Essa forma de ver o

direito e as relações sociais ganhou força com a Constituição da república de

1988, que elencou um rol de direitos e garantias fundamentais e entre eles

trouxe o princípio da dignidade da pessoa humana como unidade de mais valor

do nosso sistema jurídico.

A professora FLÁVIA BAHIA (2011, pág. 111) assim discorre sobre o

princípio da dignidade da pessoa humana:

“Como unidade mais fundamental de valor do sistema jurídico,

esse princípio universal funciona como paradigma,

fundamento, limite e desiderato de um ordenamento jurídico,

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de um Estado e de uma sociedade aos quais confere

legitimidade. Apesar de difícil conceituação, podemos

compreender que o conteúdo do princípio diz respeito ao

atributo imanente a todo ser humano e que justifica o exercício

de sua liberdade e a perfeita realização à existência plena e

saudável, como já tratamos em capítulo próprio”.

Nesse diapasão, o princípio da dignidade humana ganha forma

como o mais fundamental e rico do nosso ordenamento tendo que ser usado

como parâmetro ao estabelecer a aplicação ou não do Direito Penal.

Já a conduta insignificante classificada como imprópria é aquela

que, ao contrário da primeira, não nasce insignificante, a conduta praticada é

relevante bem como o seu resultado, porém as circunstâncias concretas no

momento da aplicação da pena demonstram a sua desnecessidade.

Explicamos melhor: a conduta insignificante própria tem como parâmetro o

desvalor da conduta e do resultado e já de plano é verificada, ou seja o bem

jurídico tutelado pela norma penal nem ao menos correu o risco de ser

lesionado; já na conduta insignificante imprópria a conduta e o resultado são

sim relevantes para o Direito Penal, porém no curso do processo a situação

fática muda e no momento da pena o juiz não vê necessidade de aplicá-la.

Observa-se por oportuno que diferentemente do que acontece com a

conduta insignificante própria, que de plano verificamos que não há valor algum

no resultado proveniente da conduta, na conduta insignificante imprópria o

agente é submetido ao processo penal normalmente, pois a sua conduta a

priori se mostrou relevante para o Estado, sendo típica e ilícita. Importante

destacar ainda que na insignificância própria não há que se falar em crime, pois

a conduta apesar de ser formalmente típica é destituída de tipicidade material,

já na imprópria a conduta é típica, ilícita e culpável, sendo legítima a punição

estatal, porém a aplicação da pena pelas circunstâncias apresentadas se

mostra desnecessária.

Ao nos ensinar sobre a infração insignificante imprópria o professor

CLEBER MASSON (2012, pág 35) assim se posiciona:

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“De acordo com esse princípio, sem previsão legal no Brasil,

inexiste legitimidade na imposição da pena nas hipóteses em

que, nada obstante a infração penal indiscutivelmente

caracterizada, a aplicação da reprimenda desponte como

desnecessária e inoportuna.”

Verifica-se com clareza solar que na infração insignificante imprópria

o que importa é a situação fática no momento da aplicação da pena e não o

desvalor da conduta e do resultado no momento de seu cometimento.

Circunstâncias como a adequação social do agente, a primariedade e os bons

antecedentes, a reparação do dano á vítima e o reduzido grau de

reprovabilidade do comportamento, são particularidades que devem ser

observadas pelo julgador no momento da aplicação da reprimenda.

Com efeito, o artigo 59 do Código Penal que estabelece o princípio

da necessidade da pena ou como cita LUIS FLÁVIO GOMES (2011, pág 104)

da irrelevância penal do fato, dispõe que o juiz atendendo a culpabilidade, os

antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as

circunstâncias e consequências do crime bem como o comportamento da

vítima estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para reprovação e

prevenção do crime, as penas aplicáveis dentre àquelas cominadas, a

quantidade aplicável dentro dos limites previstos, o regime inicial de

cumprimento ou a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por

outra espécie de pena se cabível.

Observe que o dispositivo fala que essas circunstâncias subjetivas

do agente devem ser sopesadas conforme seja necessário e suficiente, o que a

contrário sensu nos leva a crer que se não houver essa necessidade a pena

deve deixar de ser aplicada. Importante frisar ainda que tais circunstâncias

devem ser analisadas logo na primeira fase da aplicação da pena por força do

artigo 68 do mesmo código.

Fica claro então que diferentemente da infração insignificante própria

que tem a sua análise já no momento da conduta, a infração insignificante

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imprópria tem seu momento de análise no momento da sentença. O primeiro

tem seu estudo na teoria do tipo enquanto o segundo na teoria da pena.

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CAPÍTULO 2

A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO

A aplicação do princípio em estudo por nossos Tribunais,

principalmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo

Tribunal Federal, tem se mostrado eminentemente um postulado de política

criminal, devendo o operador do direito no caso concreto analisar a

conveniência ou não de sua aplicação. Dessa forma tem predominância sobre

a conduta praticada a análise do bem jurídico tutelado pela norma.

Como já exposto linhas atrás, após o voto paradigmático do Ministro

Celso de Mello, proferido nos autos do HC 84.412/SP, onde pela primeira vez

foram expostos os requisitos que deveriam ser analisados para a configuração

da incidência do princípio da insignificância no caso concreto, todos os

tribunais, até por motivo de segurança jurídica, passaram a adotar essa linha

de raciocínio.

Esse acórdão histórico tratava do caso de um furto de uma fita de

vídeo game no valor de R$ 25,00 (vinte e cinco reais) e o agente à época

contava com apenas dezenove anos e possuía bons antecedentes.

O Ministro invocando os princípios da fragmentariedade e da

intervenção mínima do direito penal, reconheceu a aplicação do princípio em

estudo estabelecendo seus vetores de aplicação, dessa forma:

“O princípio da insignificância – que considera necessária, na

aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de

certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta

do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o

reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d)

a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em

seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que

o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em

função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção

mínima do Poder Público em matéria penal. Isso significa, pois,

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que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima

circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de

direitos do indivíduo somente se justificarão quando

estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da

sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam

essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores

penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou

potencial, impregnado de significativa lesividade”.

Ocorre que mesmo com essa orientação, que passou a ser

observada por todos os Tribunais, observamos predominando claramente a

orientação no sentido de que mesmo uma conduta que no plano abstrato

poderia ser considerada insignificante, dependendo da finalidade da norma e

do bem jurídico que ele visa proteger, o referido princípio não é reconhecido.

Trata-se de uma questão de política criminal baseada em uma análise

teleológica do bem jurídico. Vemos essa orientação pulsar de forma mais clara

principalmente quando temos casos envolvendo a lei de drogas (lei 11.343/06)

e crimes relacionados ao Estatuto do Desarmamento, ficando consignada a

orientação de que quando se tratar de crimes de perigo abstrato ou de

periculosidade presumida, que visam prevenir o resultado protegendo a

coletividade o postulado da insignificância não merece acolhida.

Recentemente, nos autos do HC 102.940 oriundo do Estado do

Espírito Santo, julgado em 15/02/2011, a primeira turma do Supremo Tribunal

Federal em acórdão de relatoria do eminente Ministro Ricardo Lewandowski

não reconheceu o princípio da insignificância no delito de porte ilegal de drogas

(art. 28 da lei 11.343/06) sob a alegação de que mesmo sendo ínfima a

quantidade de entorpecente encontrada com o paciente, nesse tipo de delito

não há que se falar em ausência de periculosidade social da ação, pois a

finalidade da norma é a prevenção ao uso indevido de drogas e a reinserção

social do usuário dependente.

Destaca ainda o eminente relator em suas considerações que o

legislador ordinário ao editar a nova lei de drogas, retirou desse tipo de delito

qualquer possibilidade de pena restritiva de liberdade, impondo ao agente que

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pratica a conduta de porte de drogas para consumo próprio, penas brandas,

inclusive advertência, o que não se mostra razoável ante a pretensão educativa

do dispositivo em comento, reconhecer a atipicidade de conduta em detrimento

das penas ali estabelecidas.

Portanto verifica-se que mesmo sendo ínfima a quantidade de

drogas apreendida, o que realmente tem peso neste caso para atestar a

tipicidade material da conduta praticada pelo agente é o bem jurídico tutelado

pela norma, ou seja, o espírito de política criminal que levou o legislador

ordinário a incriminar a conduta.

No Superior Tribunal de Justiça seguindo a linha jurisprudencial do

STF também temos a mesma orientação, conforme se verifica pelo trecho do

acórdão da lavra da eminente Ministra Laurita Vaz, nos autos do RHC

22372/ES, in verbis:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PORTE DE

DROGAS PARA USO PRÓPRIO. AUSÊNCIA DE PROPOSTA

DE TRANSAÇÃO PENAL. RÉU REVEL. INEXISTÊNCIA DE

CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRINCÍPIO DA

INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECURSO

DESPROVIDO. 1. Inexiste ilegalidade na falta de oferecimento

do benefício de transação penal quando o indiciado não é

encontrado para a audiência preliminar e, regularmente

intimado, deixa de comparecer à audiência de instrução e

julgamento, inviabilizando a proposta dos benefícios da Lei

9.099/95. 2. Inaplicável o Princípio da Insignificância ao

delito de uso de entorpecentes, tendo em vista tratar-se de

crime de perigo presumido ou abstrato, sendo totalmente

irrelevante a quantidade de droga apreendida em poder do

agente. Precedentes desta Corte de do Supremo Tribunal

Federal. 3. Recurso desprovido”.(grifo nosso)

Se para o caso do usuário de drogas, que deveria ser tratado com

políticas de saúde pública, não é reconhecido o princípio da insignificância,

com muito mais razão nos crimes tráfico tal postulado não poderá nem sequer

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ser cogitado, haja vista a conduta mais reprovável. Nesse sentido nossos

tribunais tem a jurisprudência pacificada.

Ocorre que em relação ao delito de porte de drogas para uso próprio

(art. 28 da lei 11.343/06) quando se trata de sua incidência no âmbito da

administração militar, a jurisprudência não é pacífica. No âmbito da

administração castrense encontramos no próprio STF decisões em sentido

contrário, umas reconhecendo o princípio da insignificância, e outras não

reconhecendo.

Para a corrente que admite o seu reconhecimento, o que deve ser

levado em conta é a ínfima lesão ao bem jurídico tutelado, bem como o

postulado da dignidade da pessoa humana expresso como princípio

fundamental pela Carta da República de 1988 (art. 1º, III).

Nesse sentido:

“A Turma deferiu habeas corpus para absolver militar

condenado pela prática do crime de posse de substância

entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM,

art. 290), decorrente do fato de ter sido preso em flagrante

quando fumava e portava cigarro de maconha no interior de

unidade militar. Tratava-se, na espécie, de writ impetrado pela

Defensoria Pública da União contra acórdão do STJ que

mantivera entendimento do STM quanto à inaplicabilidade do

princípio da insignificância no âmbito da justiça militar.

Concluiu-se pela aplicação desse princípio, na hipótese,

porquanto preenchidos seus requisitos objetivos, a saber:

mínima ofensividade da conduta; ausência de periculosidade

social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do

comportamento e inexpressividade da lesão jurídica causada.

Ademais, a despeito do princípio da especialidade e em

atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana,

considerou-se que a Nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006)

deveria incidir na hipótese, não obstante tal possibilidade não

tivesse sido examinada pelo STJ. No ponto, ressaltou-se que a

referida norma prevê que a distinção entre usuário de drogas e

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traficante deve ter por base o caso concreto e que o primeiro

precisa ser recuperado ao invés de penalizado, tratando-se,

pois, de norma claramente benéfica ao usuário e dependente

de drogas. Por fim, salientou-se que o paciente já fora punido

com exclusão das fileiras do Exército, sanção suficiente para

que restassem preservadas a disciplina e a hierarquia militares.

HC 92961/SP, rel. Min. Eros Grau, 11.12.2007. (HC-92961) “

Já a corrente contrária sustenta que, quando se trata de crimes

envolvendo militares, principalmente a questão de posse de entorpecentes, o

que deve ser avaliado não é a quantidade nem mesmo o tipo da droga

apreendida e sim a qualidade da relação jurídica entre o possuidor da droga e

a instituição castrense. Sustentam ainda que o própria moral cívico-institucional

perante a sociedade ficaria abalada, pois tal comportamento não se enquadra

no próprio conceito social de forças armadas.

Nesse sentido:

Informativo 605 STF: “A posse, por militar, de reduzida

quantidade de substância entorpecente em lugar sujeito à

administração castrense (CPM, art. 290) não autoriza a

aplicação do princípio da insignificância. Com base nesse

entendimento, o Plenário indeferiu habeas corpus em que a

Defensoria Pública da União pleiteava a incidência desse

postulado, já que o paciente fora flagrado na posse de 0,1 g de

maconha. A impetração também alegava que essa conduta

não causaria risco de lesão à saúde pública. Inicialmente,

destacou-se que o problema em questão não envolveria a

quantidade ou o tipo de entorpecente apreendido, mas sim a

qualidade da relação jurídica entre esse usuário e a instituição

militar da qual ele faria parte, no instante em que flagrado com

a posse da droga em recinto sob administração castrense. Em

seguida, consignou-se que essa tipologia de relação não seria

compatível com a figura da insignificância penal. Explicitou-se

que esta consubstanciaria vetor interpretativo cujo propósito

seria o de excluir a abrangência do Direito Penal de condutas

provocadoras de ínfima lesão ao bem jurídico tutelado.

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Reputou-se que o uso de drogas e o dever militar seriam

inconciliáveis, dado que a disposição em si para manter o vício

implicaria inafastável pecha de reprovabilidade cívico-

profissional por afetar tanto a saúde do próprio usuário quanto

pelo seu efeito no moral da corporação e no conceito social das

Forças Armadas.”

Com efeito, verificamos dentro do próprio STF divergências quanto a

aplicação do princípio da insignificância quando se trata de substância

entorpecente em posse de militar em ambiente castrense, ora com fundamento

na ínfima lesão ao bem jurídico tutelado pela norma e na dignidade da pessoa

humana, ora relação especial entre a instituição e o usuário.

Já quando se trata do Estatuto do desarmamento, a jurisprudência

não diverge e acolhe a tese do crime de perigo abstrato, ou seja, não há que se

levar em consideração a conduta ínfima praticada pelo agente, nem mesmo se

houve perigo concreto, mas sim a questão de política criminal e a intenção

teleológica do legislador, pois se tratando de crime de perigo abstrato a

intenção é prevenir o risco.

Nesse sentido:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO

INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO OU MUNIÇÃO.

INTELIGÊNCIA DO ART.18 DA LEI 10.826/2003. TIPICIDADE

RECONHECIDA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO.

TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ORDEM

DENEGADA. I – A objetividade jurídica da norma penal

transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para

alcançar também a tutela da liberdade individual e do corpo

social como um todo, asseguradas ambas pelo incremento

dos níveis de segurança coletiva que a lei propicia. II – No caso

em exame, a proibição da conduta pela qual o paciente está

sendo processado visa, especialmente, combater e prevenir o

tráfico internacional de armas e munições, cuja maior clientela

é o crime organizado transnacional, que, via de regra, abastece

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o seu arsenal por meio do mercado ilegal, nacional ou

internacional, de armas. III – Mostra-se irrelevante, no caso,

cogitar-se da mínima ofensividade da conduta (em

face da quantidade apreendida), ou, também, da ausência de

periculosidade da ação, porque a hipótese é de crime de perigo

abstrato, para o qual não importa o resultado concreto da ação,

o que também afasta a possibilidade de aplicação do princípio

da insignificância. IV – É reiterada a jurisprudência desta

Suprema Corte no sentido de que o trancamento de ação penal

constitui medida reservada a hipóteses excepcionais, como "a

manifesta atipicidade da conduta, a presença de causa de

extinção da punibilidade do paciente ou a ausência de indícios

mínimos de autoria e materialidade delitivas" (HC 91.603, Rel.

Min. Ellen Gracie), o que não se verifica na espécie. V –

Habeas corpus denegado”.

Com efeito, é de clareza solar que a aplicação do princípio da

insignificância, por se tratar de uma construção dogmática, gera muita polêmica

até mesmo entre os Ministros de Tribunais superiores que acabam travando

debates acalorados sobre o tema. Não obstante, o objetivo principal desse

trabalho é demonstrar a polêmica e os debates travados em relação a

aplicação do princípio da insignificância em relação aos crimes tributários.

Atualmente o Supremo Tribunal Federal já bateu o martelo e decidiu

a forma como os operadores do direito devem se comportar em relação a essa

situação, mas antes que se chegasse a situação de conforto que hoje

encontramos houve muitas divergências que, por sua peculiaridade, serão

abordadas em capítulo próprio.

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CAPÍTULO 3

A EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL

Depois de passarmos pela conceituação do princípio em estudo,

bem como de termos uma exata noção de como ele é aceito por nossos

Tribunais, passamos agora a sua análise em relação aos delitos tributários, que

como será demonstrado tem um critério de avaliação peculiar em relação aos

demais delitos.

Como dito linhas atrás, para reconhecimento do princípio da

insignificância são utilizados critérios de politica criminal onde é observada a

desproporcionalidade entre a pena e o delito praticado, bem como o valor

objetivo da coisa que é frequentemente invocado como critério que afasta a

tipicidade do fato nos delitos patrimoniais. É também invocado como critério de

avaliação do princípio da insignificância a alta reprovabilidade da conduta do

agente que consiste em observar o modus operandi utilizado para o

cometimento do crime e a capacidade econômica da vítima, a fim de saber o

verdadeiro potencial lesivo da ação.

Não obstante nos delitos contra a ordem tributária temos um critério

unicamente objetivo que se mostra capaz de fazer com que a análise da

aplicação do princípio da insignificância nesse tipo de comportamento seja feito

friamente, sem se importar muito com o caso concreto, ou ainda com a

capacidade econômica da vítima.

Explico: A aplicação do princípio da insignificância nos delitos

tributários reside no valor mínimo exigido para o ajuizamento da ação fiscal,

que hoje de acordo com a portaria 49/2004 é de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Ora, se não interessa à Fazenda Nacional o ajuizamento de execução fiscal de

débitos até o valor mencionado, com muito mais razão não há necessidade da

intervenção penal do Estado.

Importante asseverar que esse critério de valor utilizado para a

aplicação do princípio da insignificância nos crimes tributários, não pode ser

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observado para as demais condutas, principalmente por aquelas que

encadeiam crimes patrimoniais, sob pena de se tornar um autorizativo do

Estado para o cometimento de crimes. Tal critério somente é utilizado para os

delitos tributários haja vista o entendimento de que se tal valor é insignificante

para a Fazenda Nacional, ao ponto de não se ajuizar a ação fiscal, não há

como legitimar o Estado a perseguir criminalmente esse sonegador, que não

obstante ter cometido um conduta formalmente típica, a mesma não é capaz de

ao menos causar perigo ao bem jurídico tutelado.

A portaria 49 do Ministério da Fazenda data de 01 de abril de 2004 e

autorizou a não inscrição como Dívida Ativa da União de Débitos com a

Fazenda Nacional de valor até R$ 1.000,00,(um mil reais) bem como o não

ajuizamento de execuções fiscais de valores até R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Observe, por oportuno, que valores até R$ 1.000,00 (um mil reais) não podem

ser nem ao menos inscritos na Dívida Pública, ou seja, nem mesmo podem ser

considerados dívida, quanto mais crime.

Quando da edição da portaria no ano de 2004, a jurisprudência

passou aceitar a aplicação do princípio em estudo no patamar estipulado para

o não ajuizamento da execução fiscal, utilizando o argumento já exposto (e não

poderia ser outro) de que se não se mostra interessante para a fazenda

Nacional movimentar a máquina estatal para buscar o seu crédito, com muito

mais razão a persecução penal não poderia ser desenvolvida. Tal argumento

prosperou até o ano de 2005 quando uma decisão proferida no STJ da lavra do

ilustre Ministro Félix Fischer, reacendeu a discussão e teve o condão de mudar

todo o entendimento jurisprudencial.

Antes de passarmos para essa discussão e a consolidação do

entendimento acerca do patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a

aplicação do princípio ora em comento se faz necessário uma análise de como

era reconhecida a insignificância nos delitos tributários antes da edição da

referida portaria.

Por força da lei 9469/97 que regulamentava o disposto no inciso VI

do artigo 4º da LC 73/93 o valor do ajuizamento da execução fiscal era de R$

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1.000,00 (um mil reais), razão pela qual esse valor era considerado

insignificante pela jurisprudência e possibilitava o trancamento da ação penal,

conforme se observa nas palavras do Ministro José Arnaldo da Fonseca em

voto proferido no Habeas Corpus nº. 34.281 oriundo do Rio Grande do Sul, in

verbis:

"I – Essa Eg. Corte havia consolidado entendimento no sentido

de aplicar o princípio da insignificância para possibilitar o

trancamento da ação penal no crime de descaminho de bens,

cujos impostos incidentes e devidos fossem iguais ou inferiores

a R$ 1.000,00, valor considerado pelos arts. 1.º da Lei n.º

9.469/97 e 20 da MP 1.542-28/97 como de desinteresse

doerário em execução fiscal. Precedentes”.

Esse critério preponderou até o ano de 2002, pois com a entrada em

vigor da lei 10.522 desse mesmo ano o critério estabelecido pela lei anterior (lei

nº. 9469/97) foi alterado, passando a ser agora o de R$ 2.500,00(dois mil e

quinhentos reais) o valor autorizado para o ajuizamento da execução fiscal,

tendo ele automaticamente substituído o critério anterior. É de fácil observação

até o momento, que a jurisprudência sempre se guiou pelo patamar estipulado

pela lei, ou seja, o critério que serve de referência para os crimes tributários em

relação ao princípio da insignificância é puro e simplesmente o critério do valor

(totalmente objetivo), bastante diferente das outras classes de delitos.

O Ministro Arnaldo da Fonseca, no mesmo acórdão citado

anteriormente (HC 34.281/RS), salienta essa mudança automática na

jurisprudência, como pode ser observado pela transcrição abaixo:

“II – Nada obstante, com a entrada em vigor da Lei 10.522, de 19 de julho de 2002, o legislador posicionou-se no sentido de certificar a insignificância de créditos de valor igual ou inferior a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). Precedentes. III – In casu, o tributo devido pelo paciente foi avaliado em R$1.372,27, montante inferior ao determinado pela lei e pela jurisprudência como lesivo aos cofres públicos, fato a possibilitar a incidência do princípio da insignificância. Isso porque, a conduta imputada na peça acusatória não chegou a lesar o bem jurídico tutelado, qual seja, a Administração Pública em seu interesse fiscal.”

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Já no ano de 2004, com a entrada em vigor da portaria nº 49 do Ministério da Fazenda, que elevou o patamar autorizativo das execuções fiscais para R$ 10.000,00 (dez mil reais) como acima exposto, a jurisprudência coerente com o que vinha fazendo até então, mudou novamente o entendimento e passou a acolher o parâmetro estabelecido pelo citado documento para acolher a incidência da aplicação do princípio da insignificância. Então, até esse valor os débitos com a Fazenda Pública deveriam ser considerados penalmente irrelevantes.

Tal entendimento vinha sendo pacificamente consolidado pela

jurisprudência até que o eminente Ministro Félix Fisher apareceu com uma nova tese descaracterizando a que vinha prevalecendo até o momento.

Tal discussão se deu no julgamento de um recurso especial oriundo

do Paraná, onde o citado Ministro contrariando o entendimento que até então vinha sendo aplicado, não reconheceu a insignificância no delito de descaminho onde o valor sonegado era de R$ 1.249,67 (um mil duzentos e quarenta e nove reais e sessenta e sete centavos).

O caso: de acordo com o relatório do Ministro Fischer nos autos do

Recurso Especial nº. 685.135/PR, o Ministério Público Federal denunciou uma pessoa pela prática do delito previsto no art. 334, caput, do Código Penal (descaminho) por ter tal pessoa introduzido no país mercadoria de procedência estrangeira avaliada em R$ 2.449,34 (dois mil quatrocentos e quarenta e nove reais e trinta e quatro) sem recolher os tributos devidos no valor de R$ 1,249, 67 (um mil duzentos e quarenta e nove reais e sessenta e sete centavos).

A denúncia do parquet foi rejeitada pela 2ª Vara Federal Criminal de

Foz do Iguaçú pela atipicidade do fato em consequência da aplicação do princípio da insignificância. Dessa decisão o MPF interpôs Recurso em Sentido Estrito que foi rejeitado à unanimidade pela oitava turma do TRF da 4ª Região em acórdão assim ementado:

“DESCAMINHO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.O pequeno valor do tributo incidente sobre mercadorias encontradas em posse do recorrido, abaixo do limite perseguido pelo fisco, possível a aplicação do princípio da insignificância para a exclusão da tipicidade.”

Dessa decisão sobreveio o Recurso especial ora em comento, de relatoria do Ministro Felix Fisher, que veio então a mudar por um tempo o entendimento da jurisprudência em relação ao parâmetro que deveria ser utilizado para a aplicação do princípio da insignificância.

A tese levantada pelo Ministro Fischer se dava no seguinte sentido: Consoante dispõe o artigo 18 § 1º da lei 10.522/2002 o crédito fiscal

de valor igual ou inferior a 100 (cem reais) seria extinto. Não obstante, o artigo 20 da mesma lei dispõe que os autos das execuções fiscais de débitos inscritos

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como Dívida Ativa da União pela Procuradoria Geral da fazenda Nacional, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), seriam apenas arquivados sem baixa na distribuição.

Segundo o ilustre Ministro, não há que se confundir extinção do

débito, que segundo a lei só ocorre para valores até R$ 100,00 (cem reais), com arquivamento sem baixa na distribuição para não ajuizamento de ação fiscal, esse para valores de até R$ 10.000,00 (dez mil reais), a uma porque no primeiro o débito nem existe, enquanto no segundo existe o crédito, apenas é autorizado o não ajuizamento da ação fiscal.

Para ele esse patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais) não poderia

ser utilizado como parâmetro para regular o valor do débito caracterizador de matéria penalmente relevante, haja viste que o débito não era extinto. O que se deveria levar em consideração para a aplicação do princípio, segundo a tese levantada era o valor do cancelamento do débito e não o quantum para o não ajuizamento da ação executiva.

Depois de ter proferido voto nesse sentido, a jurisprudência como

num passe de mágica mudou o entendimento e passou a acompanhar o Ministro Fischer, destoando do caminho que vinha seguindo regularmente, que era o de considerar como insignificante o valor que a lei considerava impróprio para o ajuizamento de ação executiva fiscal. Esse entendimento que acabou praticamente com a incidência do princípio da insignificância nos delitos tributários perdurou até o ano de 2008 quando então o Supremo tribunal Federal, chamado a se manifestar, pacificou o entendimento da matéria considerando o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a incidência do princípio nos delitos tributários.

Como exemplo de julgados paradigmáticos podemos citar o HC

92.740 de relatoria da Ministra Carmen Lúcia que admitiu o patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e ainda o venerando acórdão da lavra do Ministro Joaquim Barbosa nos autos do HC 92.438/PR, que teve a seguinte ementa:

HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. MONTANTE DOS IMPOSTOS NÃO PAGOS. DISPENSA LEGAL DE COBRANÇA EM AUTOS DE EXECUÇÃO FISCAL. LEI Nº 10.522 /02, ART. 20 IRRELEVÂNCIA ADMINISTRATIVA DA CONDUTA. INOBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA.

Depois dessas decisões, o Supremo Tribunal Federal que é a

instância máxima da justiça em nosso País, fazendo jus a sua função de corte

constitucional, assegurou a aplicação do princípio da insignificância nos delitos

tributários para valores iguais ou inferiores até R$ 10.000,00 (dez mil reais)

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consagrando definitivamente os princípios penais da subsidiariedade,

fragmentariedade e intervenção mínima do Direito Penal.

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CONCLUSÃO

Podemos observar no decorrer deste trabalho, a evolução da

jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores acerca da aplicação do

princípio da insignificância. O princípio da insignificância é uma construção

doutrinária que visa colocar o Direito Penal no seu devido lugar, com o escopo

de que seus institutos coercitivos e penalizadores só venham a incidir

realmente naqueles comportamentos humanos que realmente lesionam ou pelo

menos criem o risco de produzir lesão ao bem jurídico tutelado pela norma.

Lesões ínfimas, como o furto de um vidro de xampu ou de um chocolate, por

exemplo, não devem ser reprimidas pelo Direito penal, sob pena de termos

uma pena desproporcional em face uma conduta que outros ramos do direito,

que estabelecem sanções menos invasivas seriam capazes de reprimir.

Não obstante, percebemos que essa construção dogmática se

coaduna com os princípios norteadores do Direito Penal contemporâneo, na

medida em que privilegia a lesividade, subsidiariedade, fragmentariedade e a

intervenção mínima penal do Estado. A conduta praticada pelo agente no caso

concreto, malgrado ser tipicamente formal, ou seja, se adequar perfeitamente

no tipo descrito na norma positivada, não apresenta a tipicidade material que é

requisito necessário para a formação do tipo.

Já dizia Luigi Ferrajoli “nullem crimem sine injuria”

A questão levantada pelo ministro Felix Fischer para desconsiderar

a aplicação do princípio da insignificância para os delitos tributários nos valores

iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) não poderia mesmo

prosperar, na medida em que estaríamos na contramão do avanço

jurisprudencial se considerássemos válida a persecução penal de uma conduta

que não é capaz de nem ao menos iniciar um procedimento administrativo

fiscal.

Portanto, agiu bem o Supremo Tribunal Federal, guardião maior da

Constituição e dos valores ali elencados, ao reprimir esse tipo de entendimento

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jurisprudencial restabelecendo a justiça e os ditames do Estado Democrático

de Direito estabelecidos pela Carta Política de 1988.

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BIBLIOGRAFIA

Capez, Fernado. Curso de Direito Penal. 12 ed. Ver. e atual. São Paulo:

Saraiva 2008.

Flávio, Luis Gomes. Princípio da insignificância e outras excludentes de

tipicidade. 2 ed ver. Atual. e ampl. São Paulo: RT 2010.

MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, Parte Geral. 6ª edição. São

Paulo. Ed. Método. 2012.

Prado, Luiz Regis. Direito Penal Econômico. 4. ed. rev, atual. e ampl. São

Paulo: RT 2011.

www.stf.jus.br, acessado em 16/03/2012.

www.conjur.com.br, acessado em 20/03/2012.

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