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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE A CONSTRUÇÃO DO CÓDIGO ESCRITO NA EDUCAÇÃO INFANTIL MIRIAM LIRA DA SILVA MAURELL ORIENTADORA Profª Yasmin Maria R. Madeira da Costa Rio de Janeiro, RJ, Fev./2002

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A CONSTRUÇÃO DO CÓDIGO ESCRITO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

MIRIAM LIRA DA SILVA MAURELL

ORIENTADORA

Profª Yasmin Maria R. Madeira da Costa

Rio de Janeiro, RJ, Fev./2002

1

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A CONSTRUÇÃO DO CÓDIGO ESCRITO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

MIRIAM LIRA DA SILVA MAURELL

Trabalho monográfico apresentado como requisito

parcial para a obtenção do Grau de Especialista

em Psicopedagogia.

Rio de Janeiro, RJ, Fev./2002

2

Às minhas amigas que muito me

motivaram neste novo processo de

aprendizagem.

3

Ao meu esposo Rubem por sua compreensão

quando durante várias tardes de sábado

ocupou-se em cuidar do nosso filho.

Ao meu filho, Victor, embora pequeno, soube

compreender a minha ausência.

4

“Conhecer não é contemplar passivamente, masagir sobre as coisas e acontecimentos construindo-

os e reconstituindo-se em pensamento.”

Jean Piaget

5

SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................................................... 06

INTRODUÇÃO................................................................................................................. 07

CAPÍTULO I - CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO 091.1 Processo........................................................................................................................ 121.2 Alfabetização na educação infantil............................................................................... 131.3 O professor como mediador do processo de aprendizagem......................................... 151.3.1 O planejamento.......................................................................................................... 17

CAPÍTULO II - A LINGUAGEM ORAL E ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL 18

CAPÍTULO III - A PRÁTICA DA LEITURA E ESCRITA NAS CLASSES DEEDUCAÇÃO INFANTIL.................................................................................................. 243.1 Trabalhando com letras e palavras............................................................................... 243.2 Construindo a escrita do nome..................................................................................... 263.3 O ambiente alfabetizador ............................................................................................ 27

CAPÍTULO IV - A EVOLUÇÃO DA ESCRITA NUMA VISÃO CONSTRUTIVISTA 294.1Construtivismo ............................................................................................................. 294.2 As fases da evolução da escrita ................................................................................... 31

CONCLUSÃO .................................................................................................................. 37

ANEXOS ........................................................................................................................... 39

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 42

6

RESUMO

A reflexão da prática cotidiana, embasada na teoria construtivista de educação e na sua

aplicação prática, tem proporcionado o desenvolvimento de práticas pedagógicas que

oportunize situações de ensino-aprendizagem, que envolvam a leitura e a escrita como objeto

social do conhecimento. Com isso, o trabalho aqui desenvolvido visa analisar o

desenvolvimento do processo de aquisição da leitura e da escrita nas classes de educação

infantil, proporcionando às crianças todos os elementos que fazem parte da alfabetização, ou

seja, letras, palavras, textos etc, ou seja, transferindo a ênfase dos aspectos relacionados a

habilidades motoras para os aspectos relacionados à construção da compreensão do sistema de

representação.

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INTRODUÇÃO

A aprendizagem da linguagem oral e escrita é um dos elementos importantes para as

crianças ampliarem suas possibilidades de inserção e de participação nas diversas práticas

sociais.

O trabalho com a linguagem se constitui um dos eixos básicos na educação infantil,

dada sua importância para a formação do sujeito, para a interação com as outras pessoas, na

orientação das ações das crianças, na construção de muitos conhecimentos e no

desenvolvimento do pensamento.

Aprender uma língua não é somente aprender as palavras, mas também os seus

significados culturais, e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio sociocultural

entendem, interpretam e representam a realidade.

A educação infantil, ao promover experiências significativas de aprendizagem da

língua, por meio de um trabalho com a linguagem oral e escrita, se constitui em um dos

espaços de ampliação das capacidades de comunicação e expressão e de acesso ao mundo

letrado pelas crianças. Essa ampliação está relacionada ao desenvolvimento gradativo das

capacidades associadas às quatro competências lingüísticas básicas: falar, escutar, ler e

escrever.

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O trabalho educativo pode, assim, criar condições para as crianças conhecerem,

descobrirem e ressignificarem novos sentimentos, valores, idéias, costumes e papéis sociais.

A instituição de educação infantil é um dos espaços de inserção das crianças nas

relações éticas e morais que permeiam a sociedade na qual estão inseridas.

Em face desse breve exposto, o trabalho aqui apresentado, embasado na proposta

construtivista da educação, procura demonstrar a importância de oportunizar às crianças

vivências de leitura e escrita desde as turmas de educação infantil, oferecendo para estas

crianças ambiente onde possam construir o que é ler e escrever de uma forma prazerosa.

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CAPÍTULO I

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

O enfoque que este capítulo aborda é, da preocupação da psicolingüista argentina

Emília Ferreiro, em relação ao processo de aquisição da leitura e da escrita.

Emília Ferreiro teve o privilégio de ser orientanda e colaboradora de Jean Piaget.

Também, tornou conhecida a expressão “construtivismo”. A visão tradicional de que o

professor controlava o processo de alfabetização dos alunos debate-se com uma nova visão,

através dos resultados das pesquisas científicas desenvolvidas por Emília. Ou seja, rompeu

com o “imobilismo lamuriento e acusatório”, tentando descobrir, buscando novos caminhos

para a ruptura da reprodução do analfabetismo.

Desta forma, Emília Ferreiro oferece idéias, para que se possa refletir sobre a prática

escolar da alfabetização. Abre, aos educadores a base científica para a formulação de novas

propostas pedagógicas de alfabetização sob medida para a lógica infantil.

Deve-se oportunizar, o completo desenvolvimento da criança, através de um meio

favorável para esta aprendizagem. Pois, o principal objetivo da educação é criar homens que

sejam capazes de fazer coisas novas, e não simplesmente repetir o que outras gerações já

fizeram; homens criativos, inovadores e descobridores. Para tanto, o professor precisa

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assegurar o desenvolvimento do aluno. Ele deve ser um facilitador da aprendizagem e

raramente uma fonte de conhecimento.

Portanto, Emília Ferreiro, busca através de suas pesquisas assegurar, principalmente, as

classes menos favorecidas da América Latina o direito à alfabetização. É através de suas

idéias que se espera, produzir mudanças profundas na educação, contribuindo para a formação

de um indivíduo com senso crítico, com mentalidade aberta, atitude inquisitiva e espírito de

participação na sociedade.

Emília Ferreiro, com toda sua bagagem de conhecimentos, buscou investigar um

campo ainda não estudado por Piaget. Descobriu e descreveu a “psicogênese da língua

escrita”. Preocupou-se em conhecer a maneira como uma criança concebe o processo da

linguagem escrita, permitindo com os resultados de suas pesquisas, revolucionar o conceito da

alfabetização.

O processo de alfabetização realizada de forma mecânica, tradicional, debate-se com

uma nova visão, com novos caminhos. As pesquisas de Emília Ferreiro e colaboradores

deslocam a investigação do “como se ensina” para o “como se aprende”.

A escrita da criança não resulta de simples cópia de um modelo externo, mas é um

processo de construção pessoal. As crianças não chegam na escola vazias, sem saber nada

sobre a língua. Ela traz seus conhecimentos e evolui no processo de aquisição da escrita.

A grande preocupação de suas pesquisas é assegurar às camadas de renda baixa, às

camadas populares da América Latina, o direito à alfabetização.

O elevado número do fracasso escolar, principalmente na alfabetização, se dá devido a

dois grandes fatores: formação inadequada de professores; e, falta de referência de qualidade,

para planejamento de proposta pedagógicas que apelam para necessidades dos alunos.

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As crianças chegam à escola sabendo várias coisas sobre a língua. É preciso avaliá-las

para determinar estratégias para sua alfabetização. Apesar da criança construir seu próprio

conhecimento, cabe ao professor organizar atividades que favoreçam a reflexão sobre a

escrita.

Diagnosticar quanto os alunos já sabem antes de iniciar o processo de alfabetização, é

um preceito básico do livro Psicogênese da Língua Escrita, que Emília escreveu com Ana

Teberosky em 1979.

Emília Ferreiro não criou um método de alfabetização. Os professores têm à disposição

uma metodologia de ensino da língua escrita coerente com as mudanças apontadas pela

psicolingüísta, produzida por educadores de vários países.

É preciso mudar os pontos por onde nós fazemos passar o eixo central das nossas

discussões. Temos uma imagem empobrecida da língua escrita: é preciso reintroduzir, quando

consideramos a alfabetização, a escrita como sistema de representação da linguagem. Temos

uma imagem empobrecida da criança que aprende: a reduzimos a um par de olhos, um par de

ouvidos, uma mão que pega um instrumento para marcar e um aparelho fonador que emite

sons. Atrás disso há um sujeito cognoscente, alguém que pensa, que constrói interpretações,

que age sobre o real para fazê-lo seu. (Ferreiro, 1991, p. 41).

Tradicionalmente o processo de alfabetização é entendido como o domínio do sistema

gráfico da língua, ou seja, dá-se ênfase aos elementos do código, conseqüentemente, os

conteúdos centram-se na exercitação da discriminação visual, auditiva, bem como a

coordenação motora, uma vez que é concebida como um sistema de codificação que converte

unidades sonoras em unidades gráficas.

Segundo Emília Ferreiro e Ana Teberowsky, a grande maioria das crianças, na faixa

dos seis anos, faz corretamente a distinção entre texto e desenho, sabendo que o que se pode

ler é aquilo que contém letras, embora algumas ainda persistam na hipótese de que tanto se

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podem ler as letras quanto os desenhos. É bastante significado que estas crianças pertençam às

classes sociais mais pobres que por isso acaba tendo um menor contato com material escrito.

A criança vê mais letras fora do que dentro da escola: a criança podeproduzir textos fora da escola enquanto na escola só é autorizado a copiar,mas nunca a produzir de forma pessoal. A criança recebe informaçãodentro, mas também fora da escola, e essa informação extra-escolar separece à informação lingüística geral que utilizou quando aprendeu a falar(Ferreiro, 1991, p. 38).

Portanto, a sala de aula, deve ser um ambiente que desperte o aluno para a

alfabetização. O professor deve encorajá-lo a descobrir o que está escrito nos livros, nos

cartazes, materiais em destaque na sala. Afinal, a criança está diariamente em contato com a

escrita como leitor e escritor sem bloqueios e com a orientação profissional a escrita e a

leitura torna-se espontânea.

1.1 Processo

Emília Ferreiro como aluna e colaboradora de Piaget dedicou-se profundamente em

suas pesquisas sobre o processo intelectual pelo qual as crianças aprendem a ler e escrever.

De fato, é de grande importância, compreender o desenvolvimento das idéias das

crianças sobre a escrita como um processo evolutivo. Desta forma, o professor passará a

respeitar a criança que está esforçando-se para compreender o sistema alfabético da escrita.

O caminho da alfabetização, segundo Emília passa necessariamente por etapas em que

a criança constrói seu conhecimento, independente da camada social a que pertença.

O processo de alfabetização se baseia praticamente em três grandes períodos.

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Emília Ferreiro distingue também quatro fases primordiais nesse processo:

Pré-Silábica: não consegue relacionar as letras com os sons da língua falada.

Fase-Silábica: a criança interpreta a letra à sua maneira, atribuindo valor de sílaba a cada

letra.

Fase-Silábico – Alfabética: mistura a lógica da fase anterior com a identificação de

algumas sílabas.

Fase-Alfabética: passa a dominar, enfim, o valor das letras e sílabas. Todavia, a conquista

deste nível não significa ainda saber grafar corretamente, pois a criança, aqui, limita-se a

ouvir a pronuncia de cada som da fala e a colocar letras que lhe correspondam.

Sendo assim, a referida autora constatou uma seqüência lógica básica na faixa de 4 a 6

anos. Ressalte-se que essas fases serão abordadas mais detalhadamente no Capítulo IV.

Hoje, o conhecimento sobre esse processo continua avançando. Afinal, é de

fundamental importância que o professor analise as representações sobre a escrita que o

estudante realiza, para saber como agir.

1.2 Alfabetização na educação infantil

Deve-se ou não se deve ensinar a ler e escrever na educação infantil? Emília Ferreiro

responde com convicção: “Não se deve ensinar, porém deve-se permitir que a criança

aprenda”.

O problema sempre foi colocado tendo por pressuposto serem os adultos que decidem

quando essa aprendizagem deverá ser iniciada. Esta ilusão pedagógica mantém-se, porque as

crianças aprendem como se não conhecessem nada, o que na realidade bem se sabe que elas

vêm para a escola com uma riqueza imensa, a qual fica “esquecida” por muitos professores.

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A criança inicia sua aprendizagem do sistema de escrita nos mais variados contextos,

pois a escrita faz parte da paisagem urbana. Ela tem acesso desde muito cedo à informações

das mais variadas procedências (embalagens, cartazes de rua, livros, tevê, entre outros).

Através de uma participação ampla e firme em situações sociais é que a criança chega a

entender alguns dos usos sociais da escrita. Por exemplo, consulta-se o jornal para saber hora

e lugar de determinado espetáculo (indiretamente informa-se à criança que através da leitura

obtém-se informação de que não se dispunha previamente). Esse é o tipo de informação que

uma criança de seis anos que conviva com adultos alfabetizados já possui quando começa a

escolarização. Enquanto que, informação como esta, não é repassado no início do processo de

escolarização tradicionalmente numa escola.

Porém, para aquelas crianças que não tiverem adultos alfabetizadores a seu redor, cabe

a pré-escola proporcionar acesso a essa informação básica, pelo qual o ensino adquire um

sentido social.

Desta forma, o professor deve permitir múltiplas oportunidades para que a criança

possa interatuar com a língua escrita, deve dar condições para que a criança possa aprender.

Existe uma contraposição: a “maturidade” para a criança aprender ler e escrever. Não

tem sentido deixar a criança à margem da linguagem escrita esperando amadurecer.

Portanto, faz-se necessário entender que a aprendizagem da linguagem escrita é muito

mais que a aprendizagem do ato de transcrever, é sim a construção de um sistema de

representação.

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1.3 O professor como mediador do processo de aprendizagem

O trabalho direto com crianças pequenas exige que o professor tenha uma

competência polivalente. Ser polivalente significa que ao professor cabe trabalhar com

conteúdos de naturezas diversas que abrangem desde cuidados básicos essenciais até

conhecimentos específicos provenientes das diversas áreas do conhecimento (PCN, 1998).

Este caráter polivalente demanda, por sua vez, uma formação bastante ampla do profissional

que deve tornar-se, ele também, um aprendiz, refletindo constantemente sobre sua prática,

debatendo com seus pares, dialogando com as famílias e a comunidade e buscando

informações necessárias para o trabalho que desenvolve. São instrumentos essenciais para a

reflexão sobre a prática direta com as crianças a observação, o registro, o planejamento e a

avaliação.

A implementação e/ou implantação de uma proposta curricular de qualidade depende,

principalmente dos professores que trabalham nas instituições. Por meio de suas ações, que

devem ser planejadas e compartilhadas com seus pares e outros profissionais da instituição,

pode-se construir projetos educativos de qualidade junto aos familiares e às crianças. A idéia

que preside a construção de um projeto educativo é a de que se trata de um processo sempre

inacabado, provisório e historicamente contextualizado que demanda reflexão e debates

constantes com todas as pessoas envolvidas e interessadas.

Para que os projetos educativos das instituições possam, de fato, representar esse

diálogo e debate constante, é preciso ter bons professores que estejam comprometidos com a

prática educacional, capazes de responder às demandas familiares e das crianças, assim como

às questões específicas relativas aos cuidados e aprendizagens infantis.

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Dessa forma, formar educadores infantis é muito mais do que lhes sugerir ou

supervisionar um trabalho junto às crianças. É oferecer-lhe espaço de reflexão e troca de

experiências.

O professor deixa de ser o “dono do saber” e assume uma postura de mediador entre o

sujeito que aprende e o objeto de conhecimento. Ele busca um confronto de diferenças que

levem a novas descobertas.

É necessário que este profissional fique atento as informações, conhecimentos,

experiências, bagagem cultural e social, e linguagem, que estão presentes na criança, oriundos

da vivência do seu cotidiano.

Tendo presente que o objeto de conhecimento, leitura e escrita, não faz parte do

cotidiano da criança de classe popular e que a mesma não pode pensar sobre um objeto

ausente e que não pode errar sobre o que ainda não sabe, cabe ao professor propiciar situações

de aprendizagem e fornecer informações sobre o mundo letrado.

Construir este espaço consiste em:

- concretizar o ato de ler e escrever, pois o professor serve como modelo, fazendo com que a

criança sinta o desejo de ler e escrever;

- enriquecer o ambiente com diferentes materiais escritos, transformando-o num ambiente

alfabetizador;

- proporcionar a socialização do saber, através da formação de grupos;

- considerar o erro como um elemento do processo de construção do conhecimento;

- apresentar desafios, problemas, questionamentos, levando a criança a pensar sobre suas

hipóteses.

Para o exercício desta mediação, o professor precisa construir sua competência para

planejar, atuar, avaliar e reorientar sua prática em sala de aula. É importante também que o

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educador, reconheça que a escola não é um espaço isolado, mas nela se reflete a vida, o modo

de ser e de viver da comunidade.

Nesse sentido, Paulo Freire afirma que é “...preciso conhecer as diferentes dimensões

que caracterizam a essência da prática, o que me pode tornar mais seguro no meu próprio

desempenho.”

1.3.1 O planejamento

O planejamento é elaborado a partir do conhecimento que o professor adquire sobre

as crianças articulando à sua proposta educativa. Entretanto, esse planejamento se reconstrói

com base nos interesses e necessidades do grupo. Para desenvolver um trabalho de qualidade

é necessário que o educador planeje atividades significativas, interessantes, variadas e

tecnicamente fundamentadas, usando nesse processo a avaliação como um instrumento de

reflexão de sua prática. Isto só será possível se o professor estiver atento para conhecer os

alunos e suas necessidades, criando com elas laços afetivos, fundamentais para o seu

desenvolvimento e para a realização do trabalho com elas.

Segundo Jussara Hoffmann

“um processo avaliativo mediador não evita em sintoniacom um planejamento rígido de atividades por umprofessor, com rotinas inflexíveis, com temas previamentedefinidos para unidades de estudo, onde os conhecimentosconstruídos pelas crianças não são levadas em conta.”

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CAPÍTULO II

A LINGUAGEM ORAL E ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A linguagem oral está presente no cotidiano e na prática das instituições de educação

infantil à medida que todos que dela participam: crianças e adultos, falam, se comunicam

entre si, expressando sentimentos e idéias. As diversas instituições concebem a linguagem e a

maneira como as crianças aprendem de modos bastante diferentes.

Em algumas práticas se considera o aprendizado da linguagem oral como um processo

natural, que ocorre em função da maturação biológica; prescinde-se nesse caso de ações

educativas planejadas com a intenção de favorecer essa aprendizagem.

Em outras práticas, ao contrário, acredita-se que a intervenção direta do adulto é

necessária e determinante para a aprendizagem da criança. Desta concepção resultam

orientações para ensinar às crianças pequenas listas de palavras, cuja aprendizagem se dá de

forma cumulativa e cuja complexidade cresce gradativamente. Acredita-se também que para

haver boas condições para essa aprendizagem é necessário criar situações em que o silêncio e

a homogeneidade imperem. Eliminam-se as falas simultâneas, acompanhadas de farta

movimentação e de gestos, tão comuns ao jeito próprio das crianças se comunicarem. Nessa

perspectiva a linguagem é considerada apenas como um conjunto de palavras para nomeação

de objetos, pessoas e ações.

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Em muitas situações, também, o adulto costuma imitar a maneira de falar das crianças,

acreditando que assim se estabelece uma maior aproximação com elas, utilizando o que se

supõe seja a mesma "língua", havendo um uso excessivo de diminutivos e/ou uma tentativa de

infantilizar o mundo real para as crianças.

O trabalho com a linguagem oral, nas instituições de educação infantil, tem se

restringido a algumas atividades, entre elas as rodas de conversa. Apesar de serem

organizadas com a intenção de desenvolver a conversa, se caracterizam, em geral, por um

monólogo com o professor, no qual as crianças são chamadas a responder em coro a uma

única pergunta dirigida a todos, ou cada um por sua vez, em uma ação totalmente centrada no

adulto.

Em relação ao aprendizado da linguagem escrita, concepções semelhantes àquelas

relativas ao trabalho com a linguagem oral vigoram na educação infantil.

A idéia de prontidão para a alfabetização está presente em várias práticas. Por um

lado, há uma crença de que o desenvolvimento de determinadas habilidades motoras e

intelectuais, necessárias para aprender a ler e escrever, é resultado da maturação biológica,

havendo nesse caso pouca influência externa. Por meio de testes considera-se possível

detectar o momento para ter início a alfabetização. Por outro lado, há os que advogam a

existência de pré-requisitos relativos à memória auditiva, ao ritmo, à discriminação visual,

etc., que devem ser desenvolvidos para possibilitar a aprendizagem da leitura e da escrita

pelas crianças. Assim, os exercícios mimeografados de coordenação perceptivo-motora, como

passar o lápis sobre linhas pontilhadas, ligar elementos gráficos (levar o passarinho ao ninho,

fazer os pingos da chuva, etc.), tornam-se atividades características das instituições de

educação infantil.

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Em uma outra perspectiva, a aprendizagem da leitura e da escrita se inicia na educação

infantil por meio de um trabalho com base na cópia de vogais e consoantes, ensinadas uma de

cada vez, tendo como objetivo que as crianças relacionem sons e escritas por associação,

repetição e memorização de sílabas. A prática em geral realiza-se de forma supostamente

progressiva: primeiro as vogais, depois as consoantes; em seguida as sílabas, até chegar às

palavras. Outra face desse trabalho de segmentação e seqüenciação é a idéia de partir de um

todo, de uma frase, por exemplo, decompô-la em partes até chegar às sílabas. Acrescenta-se a

essa concepção a crença de que a escrita das letras pode estar associada, também, à vivência

corporal e motora que possibilita a interiorização dos movimentos necessários para reproduzi-

las.

Nas atividades de ensino de letras, uma das seqüências, por exemplo, pode ser:

primeiro uma atividade com o corpo (andar sobre linhas, fazer o contorno das letras na areia

ou na lixa, etc.), seguida de uma atividade oral de identificação de letras, cópia e,

posteriormente, a permissão para escrevê-la sem copiar. Essa concepção considera a

aprendizagem da linguagem escrita, exclusivamente, como a aquisição de um sistema de

codificação que transforma unidades sonoras em unidades gráficas. As atividades são

organizadas em seqüências com o intuito de facilitar essa aprendizagem às crianças, baseadas

em definições do que é fácil ou difícil, do ponto de vista do professor.

Pesquisas realizadas, nas últimas décadas, baseadas na análise de produções das

crianças e das práticas correntes, têm apontado novas direções no que se refere ao ensino e à

aprendizagem da linguagem oral e escrita, considerando a perspectiva da criança que aprende.

Ao se considerar as crianças ativas na construção de conhecimentos e não receptoras passivas

de informações há uma transformação substancial na forma de compreender como elas

aprendem a falar, a ler e a escrever.

21

A linguagem oral possibilita comunicar idéias, pensamentos e intenções de diversas

naturezas, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais. Seu aprendizado acontece

dentro de um contexto. As palavras só têm sentido em enunciados e textos que significam e

são significados por situações. A linguagem não é apenas vocabulário, lista de palavras ou

sentenças. É por meio do diálogo que a comunicação acontece. São os sujeitos em interações

singulares que atribuem sentidos únicos às falas. A linguagem não é homogênea: há

variedades de falas, diferenças nos graus de formalidade e nas convenções do que se pode e

deve falar em determinadas situações comunicativas. Quanto mais as crianças puderem falar

em situações diferentes, como contar o que lhes aconteceu em casa, contar histórias, dar um

recado, explicar um jogo ou pedir uma informação, mais poderão desenvolver suas

capacidades comunicativas de maneira significativa.

Pesquisas na área da linguagem tendem a reconhecer que o processo de letramento

está associado tanto à construção do discurso oral como do discurso escrito. Principalmente

nos meios urbanos, a grande parte crianças, desde pequenas, estão em contato com a

linguagem escrita por meio de seus diferentes portadores de texto, como livros, jornais,

embalagens, cartazes, placas de ônibus, etc., iniciando-se no conhecimento desses materiais

gráficos antes mesmo de ingressarem na instituição educativa, não esperando a permissão dos

adultos para começarem a pensar sobre a escrita e seus usos. Elas começam a aprender a partir

de informações provenientes de diversos tipos de intercâmbios sociais e a partir das próprias

ações, por exemplo, quando presenciam diferentes atos de leitura e escrita por parte de seus

familiares, como ler jornais, fazer uma lista de compras, anotar um recado telefônico, seguir

uma receita culinária, buscar informações em um catálogo, escrever uma carta para um

parente distante, ler um livro de histórias, etc.

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A partir desse intenso contato, as crianças começam a elaborar hipóteses sobre a

escrita. Dependendo da importância que tem a escrita no meio em que as crianças vivem e da

freqüência e qualidade das suas interações com esse objeto de conhecimento, suas hipóteses a

respeito de como se escreve ou se lê podem evoluir mais lentamente ou mais rapidamente.

Isso permite compreender por que crianças que vêm de famílias nas quais os atos de ler e

escrever têm uma presença marcante apresentam mais desenvoltura para lidar com as

questões da linguagem escrita do que aquelas provenientes de famílias em que essa prática

não é intensa. Esse fato aponta para a importância do contato com a escrita nas instituições de

educação infantil.

Para aprender a ler e a escrever, a criança precisa construir um conhecimento de

natureza conceitual: precisa compreender não só o que a escrita representa, mas também de

que forma ela representa graficamente a linguagem. Isso significa que a alfabetização não é o

desenvolvimento de capacidades relacionadas à percepção, memorização e treino de um

conjunto de habilidades sensório-motoras. É, antes, um processo no qual as crianças precisam

resolver problemas de natureza lógica até chegarem a compreender de que forma a escrita

alfabética em português representa a linguagem, e assim poderem escrever e ler por si

mesmas.

Nessa perspectiva, a aprendizagem da linguagem escrita é concebida como:

- a compreensão de um sistema de representação e não somente como a aquisição de um

código de transcrição da fala;

- um aprendizado que coloca diversas questões de ordem conceitual, e não somente

perceptivo-motoras, para a criança;

- um processo de construção de conhecimento pelas crianças por meio de práticas que têm

como ponto de partida e de chegada o uso da linguagem e a participação nas diversas práticas

sociais de escrita.

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Quais são as implicações para a prática pedagógica e quais as principais

transformações provocadas por essa nova compreensão do processo de aprendizagem da

escrita pela criança? A constatação de que as crianças constroem conhecimentos sobre a

escrita muito antes do que se supunha e de que elaboram hipóteses originais na tentativa de

compreendê-la amplia as possibilidades de a instituição de educação infantil enriquecer e dar

continuidade a esse processo. Essa concepção supera a idéia de que é necessário, em

determinada idade, instituir classes de alfabetização para ensinar a ler e escrever. Aprender a

ler e a escrever fazem parte de um longo processo ligado à participação em práticas sociais de

leitura e escrita.

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CAPÍTULO III

A PRÁTICA DA LEITURA E ESCRITA NAS CLASSES DE EDUCAÇÃO INFANTIL

A reflexão da prática cotidiana, em uma classe de educação infantil, embasada na

teoria construtivista de educação, tem nos mostrado a necessidade do desenvolvimento de

uma proposta pedagógica que oportunize situações de ensino-aprendizagem, que envolvam a

leitura e a escrita como objeto social do conhecimento.

“Ninguém vive sem ler, pois ler é uma ação do pensar” (Madalena Freire, 1988)

Portanto, a primeira ação a ser realizada em classes de educação infantil e colocar a

leitura e a escrita como objetos de conhecimentos presentes na sala de aula. Vivenciando

situações de leitura e escrita a criança irá colhendo dados que a auxiliem a descobrir o que a

escrita representa, seus usos, funções e valores sociais.

3.1 Trabalhando com letras e palavras

O trabalho com letras visa estabelecer a correspondência com sons, mas não se esgota

só nisto. Tem também um objetivo de ordem espacial, isto é, o de levar as crianças a

perceberem a forma estável das letras e suas posições.

25

Neste sentido, é muito importante que a criança manuseie alfabetos de diferentes

materiais e tamanhos e com isto vá descobrindo os aspectos topológicos e geométricos das

mesmas.

Alfabetos expostos na sala de aula, jogos com letras fazem parte de situações didáticas

que devem ser constantes na prática cotidiana da sala de educação infantil.

A visualização de palavras significativas como os nomes dos colegas da turma, títulos

de histórias, meses do ano, etc, fornecem para as crianças informações sobre a variedade de

letras, o número de letras necessária para escrever determinada palavra e de ponto de

referência para confrontar suas hipóteses em relação à escrita.

Os materiais escritos como rótulos, encartes de revistas, propagandas, etc; se

transformam em fonte de pesquisa em sala de aula, levando a criança a pensar, observar,

descobrir, criar e ousar sobre seus conhecimentos sobre a escrita.

“A experiência com textos variados e de diferentes gêneros é fundamental para a

constituição do ambiente de letramento”. (Referencial Curricular Nacional para a Educação

Infantil).

O trabalho com texto é uma atividade essencial desde o início do processo de

alfabetização. A criança precisa descobrir que a língua escrita é um outro sistema de

representação, em que as letras, as palavras e as frases que se organizam produzindo

significados; que além das letras, há outras convenções (sinais de pontuação, acentos, espaços

entre as palavras, escrita da esquerda para a direita, utilização do espaço do papel), que

contribuem para aquela significação e, também, que há tipos de textos diferenciados para

situações diferenciadas, como por exemplo, narrativas, cartas, anúncios, listas, poesias,

receitas, relatos, notícias, bilhetes, e outros. É então, no contado com estes diferentes tipos de

textos que as crianças vão “experimentando” a produção da escrita e a leitura de uma forma

prazerosa.

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O importante numa classe de educação infantil é que se crie um clima em que se

escreva e leia muito, e o que se escreva e leia, seja valorizado. Ler e escrever são atividades

que envolvem produções de significados. É interagindo com textos que as crianças podem

crescer cada vez mais nesse processo.

“Não se aprende o que não é vivido e não se organiza o que não se aprendeu;

procuremos dar antes de mais nada à escrita, à linguagem culta e à literatura um caráter de

vivência.” (Ilari, 1986)

3.2 Construindo a escrita do nome

O próprio nome é, entre todas as palavras, aquela que é mais significativa para a

criança. Seu significado é todo especial, carrega um grande valor afetivo.

As atividades de ensino aprendizagem envolvendo o nome, têm um papel muito

significativo nas classes de educação infantil, pois este atribui à criança ser pertencente a um

lugar, fazer parte deste lugar, um singular tendo seu lugar marcado no coletivo.

O nome comporta, porém, outros pressupostos importantes, dá informações sobre as

letras; sua forma convencional; sobre a quantidade de letras necessárias para escrevê-lo; sobre

a variedade, posição e ordem das letras; serve de ponto de referência para confrontar as

concepções da criança com a realidade convencional da escrita.

A escrita do próprio adquire mais importância ao se iniciar a escolaridade. Além de

representar a criança como pessoa, o nome tem também a função social de identificar seus

pertences marcando sua presença e pertencimento ao grupo.

“O conhecimento do próprio nome tem duas conseqüênciasimportantes: em primeiro lugar, é uma escrita “livre de contexto”,quer dizer, uma escrita de interpretação estável, que não depende dasvicissitudes do contexto, e em segundo lugar, é uma escrita quefacilita uma informação sobre a ordem não aleatória dentro doconjunto de letras” (Ferreiro, 1982).

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Nesse sentido, a escrita do próprio nome torna-se uma peça importante para o início da

compreensão da forma de funcionamento do sistema escrito.

3.3 O ambiente alfabetizador

De acordo com o PCN (1999), “diz-se que um ambiente é alfabetizador quando

promove um conjunto de situações de uso reais de leitura e escrita nas quais as crianças têm

a oportunidade de participar”.

O ambiente alfabetizador caracteriza-se por ser um espaço rico de coisas escritas e de

atos de leitura onde muitas atividades interessantes e significativas tenham lugar.

Ainda segundo o PCN (1999),

“Algumas vezes, o termo “ambiente alfabetizador” tem sido confundidocom a imagem de uma sala com paredes cobertas de textos expostos e, àsvezes, até com etiquetas nomeando móveis e objetos como se esta fosse umaforma eficiente de expor as crianças à escrita. É necessário considerar queexpor as crianças às práticas de leitura e escrita está relacionado com aoferta de oportunidades de participação em situações nas quais a escrita e aleitura se façam necessárias, isto é, nas quais tenham uma função real deexpressão e comunicação”.

As situações de aprendizagem presentes num ambiente alfabetizador consistem em

atividades significativas envolvendo letras, palavras e textos como:

a) vivência com a escrita de palavras significativas, a partir do próprio nome da criança;

b) experimentação livre da escrita e leitura em que a criança escreva ou leia, do seu próprio

jeito, como ela acha que é;

c) leituras diárias pelo professor, não só de livros de histórias, mas de diferentes materiais

escritos (cartas, bilhetes, jornais, revistas etc.);

d) produções escritas das crianças (em grupo ou individual) a partir de histórias lidas, relato

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de passeios, de seus próprios desenhos etc.;

e) construção de livros de histórias, de jornal, de álbum, de dicionário;

f) contato com jogos onde a criança pense sobre suas hipóteses: bingo, memória, palavras

cruzadas, dominó, etc.

Essas diversas atividades favorecem a reflexão sobre a escrita, explicitam suas funções

e permitem o estabelecimento das relações necessárias entre a escrita e seu significado.

Transformando a sala de aula num ambiente alfabetizador, estaremos oportunizando à

criança o avanço no processo que antecede a alfabetização propriamente dita. A partir daí, ela

constrói sistemas interpretativos, pensa, raciocina e inventa, buscando compreender esse

objeto social particularmente complexo que é a escrita e a leitura.

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CAPÍTULO IV

A EVOLUÇÃO DA ESCRITA NUMA VISÃO CONSTRUTIVISTA

4.1 Construtivismo

O construtivismo é o nome pelo qual se tornou conhecida uma nova linha pedagógica

que vem ganhando terreno nas salas de aula há pouco mais de uma década. As maiores

autoridades do construtivismo, contudo, não costumam admitir que se trate de uma pedagogia

ou método de ensino, por ser um campo de estudo ainda recente, cujas práticas, salvo no caso

da alfabetização, ainda requerem tempo para amadurecimento e sistematização.

O construtivismo propõe que o aluno participe ativamente do próprio aprendizado,

mediante a experimentação, a pesquisa em grupo, o estímulo à dúvida e o desenvolvimento do

raciocínio, entre outros procedimentos. Rejeita a apresentação de conhecimentos prontos ao

estudante, como um prato feito, e utiliza de modo inovador técnicas tradicionais como, por

exemplo, a memorização. Daí o termo “construtivismo”, pelo qual se procura indicar que uma

pessoa aprende melhor quando toma parte de forma direta na construção do conhecimento que

adquire. O construtivismo enfatiza a importância do erro não como um tropeço, ma como um

trampolim na rota da aprendizagem. O construtivismo condena a rigidez nos procedimentos

de ensino, as avaliações padronizadas e a utilização de material didático demasiadamente

estranho ao universo pessoal do aluno.

O construtivismo adota tais práticas com base nos estudos do psicólogo suíço Jean

Piaget (1896-1980), a maior autoridade do século sobre o processo de funcionamento da

30

inteligência e de aquisição do conhecimento. Piaget demonstrou que a criança raciocina

segundo estruturas lógicas próprias, que evoluem conforme faixas etárias definidas, e são

diferentes da lógica madura do adulto.

Ao contrário do que muitos imaginam, não foi Piaget quem criou o construtivismo,

pois ele nunca se preocupou em formular uma pedagogia: dedicou a vida a investigar os

processos da inteligência. Outros especialistas é que se valeram das suas descobertas para

desenvolver propostas pedagógicas inovadoras.

Quem adotou e tornou conhecida a expressão, foi uma aluna e colaboradora de Piaget,

a psicóloga Emília Ferreiro, nascida em Argentina em 1936 e que atualmente mora no

México. Partindo da teoria do mestre, ela pesquisou a fundo e, especialmente, o processo

intelectual pelo qual as crianças aprendem a ler e escrever, batizando de construtivismo sua

própria teoria.

Mas, a exemplo de Piaget, Emília se limitou a desenvolver uma teoria científica. A

pesquisadora aplicou a teoria mais geral de Piaget na investigação dos processos de

aprendizado da leitura e da escrita entre crianças na faixa de 4 a 6 anos. Constatou que a

criança aprende segundo sua própria lógica e segue essa lógica até mesmo quando ela se

choca com a lógica do método da alfabetização.

O construtivismo requer mais atenção individual ao aluno do que outras linhas de

ensino, mas não com a obsessão que às vezes se imagina. Se o construtivismo admite que

cada aluno tem o seu processo particular de aprendizagem, a professora deve conhecê-lo,

acompanhá-lo e fazer as intervenções adequadas. O construtivismo valoriza muito o

intercâmbio entre os alunos e o trabalho de grupo, em que a professora tem uma presença

motivadora e menos impositiva. O ideal é que as classes não sejam tão numerosas. Mas, de

qualquer modo, vale a alternativa de trabalhar com duplas ou trios, agrupando as crianças por

habilidades parecidas ou opostas, a critério da professora.

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4.2 As fases da evolução da escrita

- Hipótese pré-silábica

As crianças nestes dois estágios iniciais de evolução não registram traços no papel

com a intenção de realizar o registro sonoro do que foi proposto para a escrita. As tentativas

de representação gráfica das crianças demonstram que ainda não chegaram a compreender a

relação entre o registro gráfico e o aspecto sonoro da fala.

Neste nível, as crianças usarão o registro gráfico como notação do conteúdo

lingüístico, pela tentativa de realizar a representação dos aspectos sonoros da linguagem.

Nível 1 – Escrita Indiferenciada

Uma das principais características da escrita deste nível é a baixa diferenciação

existente entre a grafia de uma palavra e outra. Páginas inteiras de letras podem significar

uma única palavra ou algumas destas, uma palavra inteira. Os traçados são bastante

semelhantes entre si e, dependendo do tipo de escrita com a qual a criança teve maior

interação, os grafismos podem ser constituídos de traços descontínuos (cujo modelo é o

traçado da letra imprensa) ou com maior continuidade (inspirados pelos traçados em letras

cursivas). Geralmente a quantidade de letras empregadas para escrever uma palavra está

relacionada à imagem que a criança faz do objeto (objetos grandes, muitas letras, objetos

pequenos, poucas letras).

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Fonte: Azenha, 1993, p. 64.

Nível 2 – Diferenciação da escrita

A característica principal das escritas pertencentes a este nível é a tentativa sistemática

de criar diferenciações entre os grafismos produzidos. A hipótese da quantidade mínima de

caracteres que deve compor uma escrita e a necessidade de variá-los continuam como

exigências presentes. No entanto, essas exigências são agoras acrescidas de intenção de

objetivar as diferenças do significado das palavras.

33

Fonte: Azenha, 1993, p. 67.

Nível 3 - Hipótese Silábica

Neste nível a criança atribui um valor sonoro a cada grafia ou letra que compõe a

escrita. Cada som que é emitido é representado por um caractere, seja ele letra ou não. Ao

vincular a representação gráfica da escrita as suas propriedades sonoras, a criança faz um

grande avanço, muito embora a hipótese construída (para cada sílaba uma letra) não esteja

correta do ponto de vista da convenção da escrita convencional, mas ao construí-la a criança

chega à hipótese de que a escrita representa partes sonoras da fala. Esta hipótese ajuda a

criança a dar uma estrutura mais estável às palavras que escreve, e a não vê-las de forma

globalizada, e sim em partes significativas.

34

Fonte: Seber, 1997, p. 124.

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Nível 4 – Hipótese Silábico-alfabético

Neste nível a criança em alguns momentos usa uma grafia para cada som e em outros

usa mais de uma grafia. É um nível intermediário entre o silábico e o alfabético. Ela percebe

também que uma só grafia é insuficiente, mas às vezes ainda utiliza a lógica silábica.

Fonte: Azenha, 1993, p. 83

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Nível 5 – Alfabético

Neste estágio a criança já compreendeu a lógica do código lingüístico e compreendeu

que para cada emissão sonora utilizará fonemas (valor sonoro menor) em suas diferentes

combinações.

Restará, porém, a apropriação das regras ortográficas da língua.

O tempo para percorrer todo este processo (e seus estágios) varia de criança para

criança, sendo determinado pelas oportunidades de relacionar suas hipóteses com tantas

outras, na busca de suas próprias respostas.

Fonte: Azenha, 1993, p. 86

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CONCLUSÃO

A atividade lingüística da criança se inicia muito cedo no contexto das relações

sociais mais próximas em função da necessidade de inserção e participação do ser humano no

seu grupo social.

A criança, então, aprende a falar pela interação, num processo de interlocução. Aos

poucos, vai descobrindo as relações entre as formas lingüísticas e os significados e funções

que podem ser representados e expressos por estas formas, em cada situação social,

integrando os níveis da língua (fonológico, morfo-sintático, semântico e pragmático).

Adicionalmente, desenvolve sua competência textual e ao mesmo tempo, internalizando a

gramática da língua falada ao seu redor.

Isto não quer dizer que seja obrigatório dar aulas de alfabetização na educação infantil,

porém é possível dar múltiplas oportunidades para ver o professor ler e escrever, para explorar

semelhanças e diferenças entre textos e escritos; para explorar o espaço gráfico e distinguir

entre desenho e escrita; para perguntar e ser respondido; para tentar copiar ou construir uma

escrita; para manifestar sua curiosidade em compreender essas marcas estranhas que os

adultos põem nos diversos objetos.

À medida em que a criança vai tendo oportunidade, através de diferentes situações

didáticas como jogos, escritas espontâneas, análise do nome etc., ela vai construindo a sua

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escrita, sabendo o que está fazendo e conhecendo os caracteres desta escrita (letra inicial, letra

final, número de letras e demais letras que compõem seu nome).

Dentro de uma postura pós-piagetiana a criança terá contato simultâneo com todas as

letras, palavras e textos. Este contato fará com que ela, desde cedo possa distinguir as

diferentes categorias lingüísticas, bem como ter oportunidade de interagir com estes

elementos formulando hipóteses e resolvendo problemas a respeito do que significa ler e

escrever. Aprender implica tempo para elaborar e re-elaborar conhecimentos.

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ANEXOS

ALFABETIZAÇÃO SEM RECEITA

Marlene Carvalho

Faculdade de Educação – UFRJ

Pegue uma criança de seis anos, ou mais, no estado que estiver, suja ou limpa, e

coloque-a numa sala de aula onde existam muitas coisas escritas para olhar e examinar.

Servem jornais velhos, revistas, embalagens, propaganda eleitoral, latas de óleo vazia, caixas

de sabão, sacolas de supermercado, enfim, tudo que estiver entulhando os armários da escola

e da sua casa. Convide a criança para brincar de ler, adivinhando o que está escrito: você vai

descobrir que ela já sabe muitas coisas.

Converse com a criança, troque idéias sobre quem são vocês e as coisas de que gostam

e não gostam. Escreva no quadro algumas palavras sobre as coisas que foram ditas e leia em

voz alta. Peça à criança que olhe as coisas escritas que existem por aí, nas lojas, no ônibus,

nas ruas, na televisão. Escreva algumas destas coisas no quadro e leia para a turma. Deixe as

crianças cortarem letras, palavras e frases dos jornais velhos e não esqueça de mandá-las

limpar o chão depois, pra não criar problema na escola. Todos os dias, leia em voz alta para a

criança, alguma coisa interessante: historinha, poesia, noticia de jornal, anedota, letra de

música, adivinhações. Mostre para a criança alguns tipos de coisas escritas que talvez ela não

conheça: um catálogo telefônico, um dicionário, um telegrama, uma carta, um bilhete, um

livro de receitas de cozinha.

Desafie a criança a pensar sobre a escrita e pense você também. Quando a criança

escrever, deixe-a perguntar ou ajudar ao colega. Não se apavore se a criança estiver comendo

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letras: até hoje não houve caso de indigestão alfabética. Acalme a Diretora e a

Supervisora se elas ficarem alarmadas.

Invente sua própria cartilha. Use sua imaginação e sua capacidade de observação para

ensinar a ler. Leia e estude você também.

P.S. Se não gostar deste processo, aplique a Receita de Alfabetização.

RECEITA ALFABETIZAÇÃO

Marlene Carvalho

Faculdade de Educação - UFRJ

Pegue uma criança de seis anos e lave-a bem. Enxugue-a com cuidado, no uniforme e

coloque-a sentadinha na sala de aula. Nas oito primeiras semanas, alimentando-a com

exercícios de prontidão. Na nona semana, ponha uma cartilha nas mãos da criança. Tome

cuidado para que a criança não ser contamine no contato com livros, revistas e outros

perigosos materiais impressos. Abra a boca da criança e faça com que ela engula as vogais.

Quando tiver digerido as vogais, mande-a mastigar uma a uma, as palavras da cartilha. Cada

palavra deve ser mastigada no mínimo 60 vezes, como na alimentação macrobiótica. Se

houver dificuldade para engolir, separe as palavras em pedacinhos. Mantenha a criança em

banho-maria durante quatro meses, exercícios de cópia. Em seguida, faça com que a criança

engula algumas frases inteiras. Mexa com cuidado para não embolar.

Ao fim do 8° mês, espete a criança em um palito, ou melhor aplique uma prova de

leitura e verifique se ela devolve pelo menos 70% das palavras e frases engolidas. Se isto

acontecer, considere a criança alfabetizada. Enrole num bonito papel de e despache para a

série seguinte.

Se a criança não devolver o que foi dado para engolir, recomece a receita desde o

início, isto é, volte aos exercícios de prontidão. Repita a receita quantas vezes for necessário.

Ao fim de três anos, embrulhe a criança em papel pardo e coloque um rótulo: “aluno

renitente”.

OBS.: Se não gostar desta receita, parabéns. Nesse caso pratique a Alfabetização sem Receita.

1

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2

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