UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · 2011-06-16 · Voluntária e o...

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” FACULDADE INTEGRADA AVM A APLICAÇÃO DA TENTATIVA NOS CASOS DE DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E DO ARREPENDIMENTO EFICAZ Por: Antonio Jorge da Costa Estrada Orientador Prof. Francis Rajzman Rio de Janeiro 2011 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

FACULDADE INTEGRADA AVM

A APLICAÇÃO DA TENTATIVA NOS CASOS DE DESISTÊNCIA

VOLUNTÁRIA E DO ARREPENDIMENTO EFICAZ

Por: Antonio Jorge da Costa Estrada

Orientador

Prof. Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2011

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

2

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

FACULDADE INTEGRADA AVM

A APLICAÇÃO DA TENTATIVA NOS CASOS DE DESISTÊNCIA

VOLUNTÁRIA E DO ARREPENDIMENTO EFICAZ

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Processo e

Direito Penal.

Por: Antonio Jorge da Costa Estrada.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos Ilustres Professores, que

partilharam conosco seus

conhecimentos, e a minha família, em

especial minha esposa e meu filho,

pelo incentivo, compreensão e

paciência.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meus colegas,

professores e minha família, cujo

incentivo e compreensão foram

determinantes em minha jornada.

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RESUMO

Apresenta a exposição do crime tentado, do arrependimento eficaz e da

desistência voluntária. Suas origens, composições, análises e os problemas enfrentados no dia a dia do Direito para suas aplicações.

O crime tentado é uma norma de extensão, prevista no inciso II, do

artigo 14, do Código Penal e busca fazer com que se amplie a figura típica para que situações onde não houve a consumação da infração penal não restem impunes.

O trabalho é inspirado na doutrina e lições de autores brasileiros e

estrangeiros, que formulam seus enfoques e, algumas vezes, divergências no enfrentamento da questão.

Argumenta que a desistência voluntária e o arrependimento eficaz

tornam impunes os atos de execução abrangidos pelo tipo de delito tentado, não significando que inexistiu a incidência da norma de extensão da tentativa, mas, sim, que o agente, apesar de inicialmente ter cometido uma conduta injusta e culpável, agiu posteriormente e com eficácia suficiente para neutralizar a causalidade em curso, sendo, por isso, merecedor da impunidade, por força de lei (tipo de desistência voluntária). A benesse legal não é causa excludente de adequação típica da tentativa. Sem dúvida é uma norma jurídica criada a servir de estímulo ao agente, para que redirecione a causalidade lesiva, por ele instaurada, à esfera da licitude.

Finalmente realça que a melhor solução encontrada é compreender a

desistência voluntária e o arrependimento eficaz como sendo causa pessoal de exclusão de punibilidade, motivada por razões de política criminal ou por motivos contrários à finalidade da pena.

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METODOLOGIA

Foi utilizada pesquisa bibliográfica em livros e revistas acadêmicas do

ramo do Direito, baseada inicialmente nos seguintes autores: Jesus (1998),

Marques (1997), Hungria (1997), Noronha (1997), Greco (2008), entre outros.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I - Do Delito 10

CAPÍTULO II - Da Tentativa 13

CAPÍTULO III - Da Desistência Voluntária e Do Arrependimento Eficaz 45

CONCLUSÃO 56

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 59

FOLHA DE AVALIAÇÃO 61

10

INTRODUÇÃO

O tema desta Monografia é o Delito Imperfeito, a Desistência

Voluntária e o Arrependimento Eficaz.

A questão central deste trabalho é a possibilidade de aplicação da

tentativa nos casos de Desistência Voluntária e o Arrependimento Eficaz.

O tema sugerido é de grande relevância para os aplicadores do Direito

Penal pois, por uma questão de técnica legislativa e política criminal, o Estado

renuncia ao seu direito de punir com a pena da tentativa os delitos,

beneficiando o agente com punição mais branda, sendo causa de exclusão da

adequação típica, no entender de Damásio de Jesus.

São, portanto, objetivos desta pesquisa, discutir, conceituar e analisar

se há possibilidade de aplicação da pena de tentativa nos casos de

Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz e como nos portamos na

análise da segurança e eficácia estatal, detentor do “jus puniendi”.

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CAPÍTULO I

TÍTULO DO CAPÍTULO

O CONCEITO

1.1 Do Delito

Para a existência do crime, é indispensável que a pessoa esteja no bom

uso de sua razão, ou seja, conscientemente capaz de discernir entre o bem e o

mal, e em condições de liberdade para o exercício de suas determinações e de

seus atos, e, salvo raras exceções, que tenha sido movida por intenção

criminosa.

O delito é um conceito jurídico que se compõe pela integração de

elementos de suas naturezas distintas: material e moral.

- Elemento de natureza material: é o fato externo que perturba a ordem

e viola o direito, ou seja, a ação ou omissão prevista e punida pela lei;

- Elemento de natureza moral: é o ato interior, que consiste no

pensamento e resolução, originando a culpabilidade.

De estudo complexo, o delito apresenta, ainda, duas outras ordens de

elementos: genéricos e específicos.

- Elementos de ordem genérica: são aqueles constitutivos de toda e

qualquer infração;

- Elementos de ordem específica: são aqueles referentes à constituição

de cada crime, em particular.

A expressão ‘delito’ deriva de delinquere, abandonar, resvalar, desviar-

se, significando abandono de uma lei. Cimenvem do grego cerno, indicativo

dos mais graves delitos.

Segundo Kelsen, “o que faz uma conduta ser antijurídica e constituir um

delito é o fato do preceito jurídico estabelecê-la como condição de

conseqüência especifica- o fato da ordem jurídica reagir contra tal conduta

12

através de um ato coativo. Pode-se dizer, destarte, que fato antijurídico é

aquele objeto de uma ação especifica do Direito, a ação coativa (apanágio do

Estado).”

Delito (do latim delictum, de delinquere), em sua concepção mais ampla,

indica um desvio da linha do dever e, portanto, constitui uma infração punível.

Porém, criminalisticamente falando, o significado do termo se restringe ao ato

violador do direito, o qual é passível de pena pública, ou seja, de pena

estabelecida pela lei.

Entendido dessa forma, o delito pode ser definido da seguinte forma:

violação culposa e imputável das leis que têm por objeto a manutenção da

ordem social e da tranqüilidade pública.

Constitui delito penal todo fato que, nos moldes dos códigos da Itália e

da Holanda, sistema esse geralmente admitido pelas codificações atuais, o

nosso Código Penal classifica as infrações criminais em dois grupos: crimes e

contravenções.

Fica claro, então, que todos os aspectos puníveis, qualquer que seja a

sua natureza, podem, à luz do sistema de bipartição e diante do nosso direito

positivo, se denominar delitos, ou seja, entidade genérica que se divide em

duas espécies, que são o crime e a contravenção.

O caminho a ser percorrido na perpetração de um delito apresenta duas

fases: a primeira, atinente ao mundo psicológico, e a segunda, relativa aos

fatos matérias.

-Fase psicológica: são os momentos que constituem o ato interno, ou

seja, a fase intencional do delito; é o pensamento ou a concepção do crime, a

primeira percepção da idéia seguida da resolução de agir, da vontade

criminosa e, finalmente, da determinação volitiva. Assim sendo, todo o

conjunto de elementos formadores da fase psicológica apenas será passível

de pena quando a vontade ou a intenção do delito for concretizada,

caracterizando o elemento material do crime, ou quando assumir o caráter de

delitos especiais.

-Fase material: é a consumação do ato delituoso e que constituirá a

ação passível de punição legal.

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No ensinamento de Zaffaroni e Pierangeli,

“desde que o desígnio aparece no foro íntimo da

pessoa, como um produto da imaginação, ate que

se opere a consumação do delito, existe um

processo, parte do qual não se exterioriza,

necessariamente, de maneira a ser observado por

algum espectador, excluído o próprio autor. A este

processo dá-se o conjunto de etapas que se

sucedem, cronologicamente, no desenvolvimento do

delito”. (ZAFFARONI, 1996, p. 13.)

Desde que manifestada, a idéia do delito pode dar lugar à

ação preventiva da polícia, mas nunca à repressão da Justiça, pois o que se

passa na consciência de um ser humano é do domínio da moral.

O pensamento e a decisão criminosa se exteriorizam por atos que

costumam ser classificados em duas categorias: de preparação e de

execução.

-Atos de preparação: mesmo que em alguns casos, rigorosamente

falando, tais atos possam constituir elemento material do delito, preferimos

abordar o assunto em outro momento desta obra e, portanto, aqui não

consideraremos que neles exista qualquer elemento material;

-Atos de execução: em técnica jurídica, a fase da execução inicia-se por

fatos diretamente relacionados com o crime, compreendendo todos os atos

exteriores que formam o elemento material do delito.

A junção dos elementos moral e material dá corpo ao delito e:

- se os atos exteriores tiverem sido totalmente realizados e o efeito

pretendido ou desejado se concretizar completamente, o crime se consuma,

caracterizando a perfeição do delito;

- contudo, se os atos externos forem parciais, ou mesmo inteiramente

praticados, mas se, por interrupção involuntária ou caso fortuito, o efeito

pretendido, ou seja, o delito, não se consumar, temos caracterizada a

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incompletude ou a imperfeição do delito; ocasião em que estaremos diante de

uma tentativa que, em uma primeira hipótese, será classificada com o nome de

crime tentado e, em uma segunda, com o de crime frustrado, malogrado ou

falho.

Analisando as hipóteses anteriores e supondo, em todos os casos, a

plena participação do elemento moral, temos três situações diferentes:

1- O crime consumado, ou delito completo ou perfeito: resultado da

execução total dos atos, com a obtenção do efeito desejado;

2- O crime falho: resultado da execução total dos atos em que, por mero

acidente, não se deu a realização do resultado pretendido ou desejado;

3- O crime tentado: resultado da execução parcial dos atos,

involuntariamente interrompidos.

O crime imperfeito ou a tentativa, então, estão caracterizados nas duas

últimas situações apresentadas, nas quais há a consumação do ato criminoso.

Resumindo: tendo o agente percorrido todo o iter criminis e atingido o

seu objetivo, a violação do direito protegido pela lei penal se consuma e o

delito é perfeito; se, porem, a despeito de atos exteriores executados pelo

autor com determinado fim criminoso, a violação do direito não se realiza, o

delito é incompleto ou imperfeito, caracterizando uma tentativa.

CAPÍTULO II

TÍTULO DO CAPÍTULO

Da Tentativa

2.1 Elementos Constitutivos da Tentativa

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Sendo o delito um conceito jurídico, em cuja formação entram

elementos morais e materiais, deve-se reconhecer a possibilidade de sua

imperfeição, tanto na preparação quanto na execução, ou seja, deve-se admitir

a existência do delito imperfeito.

Conforme preleciona Alberto Silva Franco,

“se a tentativa é um tipo objetivamente incompleto,

é, no entanto, do ângulo subjetivo, um tipo completo,

tanto que o dolo que a informa é o mesmo dolo do

crime consumado. De qualquer modo, para

conceituar a tentativa, não basta o só

desencadeamento do processo executivo de um

fato, mas se exige também que se identifique a

presença de uma vontade voltada na direção do

resultado, que é a mesma do crime consumado”.

( FRANCO, 1997 p. 225).

Hoje em dia, porém o critério na determinação do delito imperfeito

baseia-se nos atos exteriores que compõem a sua parte material. A ação do

intelecto e da vontade pode ser anulada por alguma das causas citadas e,

assim, inexiste o delito diante da inexistência do elemento moral, ou tais

causas modificam apenas uma das duas ações, de forma que o ente jurídico,

se completa. Em tal caso, pode haver apenas uma atenuação na pena, como

acontece, por exemplo, em casos de abriedade incompleta e não procurada

como meio de animação ao cometimento do crime, não tendo o agente o

costume de praticar delitos nesse estado, ou, ainda, caso falte ao delinqüente

o conhecimento pleno do mal tanto quanto a direta intenção de o praticar, o

que não deve ser confundido com o crime casual, cometido no exercício ou

pratica de qualquer ato lícito e de natureza puramente fortuita, como previsto

no art. 20 do Código Penal brasileiro, nem com os delitos culposos que são

resultado de negligencia, imprudência, imperícia ou inobservância de

disposições regulamentares.

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Por conta disso, considerando-se o delito em sua face ontológica, foi

fixado o critério de sua imperfeição a partir de seus elementos materiais.

Assim, como dissemos anteriormente, o delito é imperfeito, como indicado pela

própria etimologia da palavra, quando ele não se completa com a realização do

direito protegido pela lei penal, ele é imperfeito quando a violação não se

consuma.

Delito imperfeito e tentativa são expressões sinônimas que apontam

para o ato voluntário destinado à obtenção de um resultado, incriminado por

lei, sem que este se produza; significam que o agente executou

deliberadamente atos exteriores capazes de produzir a violação da lei, mas

que o seu intento não foi consumado.

A grande dificuldade na construção da teoria da tentativa está na forma

de fundamentar a sua incriminação. Acontece que o caráter delituoso ou a

razão de ser da pena para a tentativa não está apenas na temibilidade do

delinqüente, pois, se assim fosse, punir-se-ia a intenção em vez do ato

injurídico, a pena teria o alcance meramente utilitário da prevenção e não

corresponderia ao seu fim todo repressivo e retributivo.

Trata-se do perigo realmente ocorrido, sucedâneo do dano ou lesão e

não de mera previsão; trata-se da periculosidade resultante do próprio ato

ameaçador da lesão, certo, determinado e direto, e não, apenas, do temor

conseqüente da resolução de delinqüir.

Essa teoria, embora pareça engenhosa, ajusta-se exatamente ao

principio clássico da composição do delito, em suas duas partes moral e

material e, desta forma, também o delito imperfeito, ou a tentativa, se compõe

de dois elementos, moral e material, que são:

1- a resolução de delinqüir;

2- o começo de execução: constituído pelos atos exteriores de

execução.

Mencionamos, como parte integrante do delito, o elemento moral e,

obviamente, ninguém pode responder por um acontecimento fortuito ou

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imprevisto, meramente acidental ou de força maior e que não foi resultado do

exercício consciente da vontade, que move as ações humanas.

Intenção criminosa é, na verdade, a direção da vontade para o ato que

viola a lei penal. É fundamental a existência da vontade, porque ninguém pode

responder pelas ações ou omissões resultantes de uma causa acidental ou

fortuita. Na primeira hipótese, de modo positivo, o ato resulta da vontade, ao

passo que na segunda, mesmo sendo proveniente da vontade inteligente e

livre do autor, o ato provém de maneira negativa. Na primeira, há a vontade e

intenção criminosa, há dolo, porque o agente, conhecendo bem todas as

conseqüências danosas do seu ato, quis praticá-lo; já, na segunda, existe a

vontade, mas o autor, ou não previu as conseqüências, que poderiam

perfeitamente ter sido previstas, o que coloca o ato sob o domínio da vontade,

ou não procurou impedir a ação ou omissão imputável nem as suas

conseqüências.

É assim que a escala da responsabilidade penal tem por extremos a

culpa leve, a ligeira imprudência e a vontade criminosa mais perversa, donde

se conclui a possibilidade de se verificar a vontade, mesmo quando o dolo não

estiver claramente definido.

É por este motivo que a repressão moderada de atos isentos de

intenção criminosa, ainda que excepcionalmente, não fere a consciência

escrupulosa de legisladores ou filósofos.

Igualmente, são puníveis as contravenções em que a intenção é elemento

indiferente, e é por este motivo que semelhantes infrações são fatos cometidos

freqüentemente sem malignidade, não causando nenhum dano imediato ou

direto, e proibidos tão-somente como medida de prevenção, para impedir

danos futuros ou em benefício da ordem, da segurança e da higiene.

Importante observar que, embora indiferente, o elemento intencional

todavia não implica, na hipótese, e tese da materialidade nas contravenções.

Idéias de vontade e responsabilidade são intimamente ligadas, e sempre há

ação ou omissão voluntária em todas as infrações da lei penal, até mesmo

naquela em que se considera indiferente a intenção do autor. Não é um

simples fato material de omissão ou comissão que a lei pune, em matéria de

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contravenções. Se o agente não provocou intencionalmente as conseqüências

que conferem o caráter de contravenção, provocou, contudo, o fato, ou, em

caso de ignorância, ele foi culpado dessa ignorância e, assim, a culpa, provada

ou presumida, implica a idéia de responsabilidade por uma negligência, uma

imprudência ou uma simples desatenção, e, por conseguinte, a idéia da pena

para uma ação ou omissão, vazia de intenção. A consciência do fato, nos

termos em que a proibição legal o prevê, constitui o elemento moral da

contravenção.

Do exposto, presume-se que no crime perfeito ou consumado pode

acontecer, ás vezes, não se verificar, em sua plenitude, o elemento psicológico

da voluntariedade, e é isto o que acontece nos delitos culposos (delicta

culposa), inadequadamente denominados como involuntários.

2.2 Tentativa e Intenção

A imprevisibilidade do resultado de determinada ação constitui a

essência moral da culpa, ao passo que a previsão de um resultado não obtido,

embora desejado, constitui a essência moral da tentativa e nela a

impossibilidade da mesma no delito culposo, posto que a tentativa é, em si, a

própria intenção criminosa concretizada na execução de atos exteriores que

conduzem à obtenção do efeito desejado. É inadmissível pressupor que a

tentativa de uma infração tenha sido sem intenção, que haja ocorrido a

tentativa de um delito que se não tem em mente, pois ninguém “tenta” cometer

um homicídio por exemplo, por negligência ou imprudência.

São inconfundíveis, porém, os atos de imprudência essencialmente

praticados sem intenção, e os de violência perpetrados sob o domínio de uma

paixão, que, mesmo reduzindo a capacidade de reflexão, não implica, todavia,

a inexistência da intenção.

Conforme ensina Hungria,

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“nos casos de irredutível duvida sobre se o

ato constitui um ataque ao bem jurídico ou

apenas uma predisposição para esse ataque,

o juiz terá de pronunciar o non liquet,

negando a existência da tentativa”.

(HUNGRIA, 1958 p. 85).

Desta forma, não há tentativa sem intenção, o que é muito lógico, uma

vez que, sem esta, faltaria uma das partes integrantes para a composição da

figura delituosa caso a tentativa produzisse o resultado esperado pelo seu

agente. No delito imperfeito, o elemento intencional é condição de existência,

pois, voluntas spectatur non exitus, já o afirmara Callistrato. É por isso que

Ortolan correlaciona as ideias contidas nas palavras tentativa e intenção:

intenção (tendere in) é o fato interno da tendência da vontade para conseguir

determinado efeito ou resultado, e tentativa (tentare, de tendere) é a pratica

dos atos exteriores que conduzem ao esperado resultado; donde se conclui

que não há tentativa sem o concurso dos atos exteriores de execução e do

elemento intencional.

Tentativa, na acepção etimológica do termo, quer dizer toda ação que

objetiva executar e realizar uma idéia ou projeto; é a expressão de um esforço

para um fim determinado, e, na terminologia jurídica, indica todo ato praticado

visando à consumação de determinado delito sem, com isso, assegurar que

ele venha a ser consumado.

A concepção filosófica do delito imperfeito faz parte dos tempos atuais;

até mesmo o direito romano, vastíssimo manancial de ensinamentos, carece

de disposições gerais sobre a tentativa.

Carrara classificou a tentativa como um delito imperfeito por

degradação da força física subjetiva.

Enquanto conceito jurídico, o delito perfeito se completa pela afluência

de elementos morais e materiais; agora, tratando do imperfeito, ou da tentativa,

temos de citar as condições da sua existência, que são as mesmas morais e

materiais, do delito perfeito, mais as circunstâncias, necessária ou essencial,

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que é a não obtenção do resultado desejado- a não consumação do crime –

por motivos independentes da vontade do agente.

O critério para a determinação do delito imperfeito está no elemento

material, seja quando tais atos são voluntariamente interrompidos ou quando o

crime não acontece devido a um caso fortuito, tendo sido praticados todos os

atos necessários para a realização do objetivo.

O primeiro pensamento criminoso e a não consumação do crime pela

interrupção dos atos exteriores de execução por motivos alheios à vontade do

agente ou interrompido por caso fortuito, se executados todos os atos, são os

referenciais extremos do inter criminis, que compreende as fases moral e

material, seguidas da circunstancia da não-realização do efeito desejado.

Assim entendido, o tipo delituoso compõe-se de duas partes: a primeira,

intencional, a segunda, material, compreendendo os atos externos de

execução, seguidos da citada circunstância da não-consumação do crime.

Sob o aspecto jurídico-legal, o elemento moral, que já vimos quando

abordamos o delito de modo geral, é simples parte de um todo e, por si, não

tem um perfil nem constitui figura delituosa, encontrando-se, por conseqüência,

isento de qualquer penalidade. Poderíamos dizer que tal figura delituosa é da

alçada da justiça divina, pois entre os mortais não há como sondar nem

penalizar o que se passa no campo da consciência.

No pensamento culposo existe a culpabilidade moral, mas não, ainda, a

criminalidade social. Se incorressem na sanção da lei penal os fatos do mundo

psicológico que fossem revelados na forma verbal ou escrita, o poder humano

se tornaria tirânico, posto que pediria a investigação dos pensamentos mais

íntimos. Casos de foro íntimo, maus pensamentos e intenções não constituem

delitos por não haver neles qualquer lesão de interesses; contudo, o ponto de

vista do Direito não coincide com o de um confessor ou o da própria

consciência individual.

A intenção direta ou dolo determinado, condição essencial na

constituição da tentativa, não precisa apenas existir mas também ser

demonstrado por meio de atos inequívocos que só transparecem na fase da

execução.

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2.3 Atos Exteriores: Preparatórios e de Execução

Tenhamos claro que a parte física do delito imperfeito compreende os

atos de execução e não confundamos atos exteriores com atos de execução,

pois, tecnicamente falando, todo ato de execução é exterior mas a recíproca

não é verdadeira. Se não interrompido espontaneamente e se unido à intenção

dolosa, todo ato de execução constitui delito em uma de suas modalidades –

completo, incompleto ou imperfeito -, mas, mesmo ligado à intenção, nem todo

ato externo incorre nas prescrições penais.

Os atos externos podem ser divididos em preparatórios e de execução

e, de acordo com alguns autores, cabem ainda nessa divisão os atos que

tendem à execução.

Isoladamente, a intenção é isenta de pena pela lei humana. Diante

disso, resta-nos examinar o elemento material da tentativa juntamente com a

circunstância involuntária da suspensão dos referidos atos ou da não

realização do resultado ou efeito pretendido por causa fortuita ou acidental.

- Atos exteriores podem ser simplesmente preparatórios ou ser atos de

execução, propriamente ditos, com a concretização do pensamento;

- Atos preparatórios de natureza equivocada não sofrem punição

alguma, enquanto os de execução, que, pela sua univocidade, formam o

elemento físico do delito imperfeito, são sempre passíveis de pena;

- Atos preparatórios constituem simples aparência de tentativa, e atos

de execução, com o elemento intencional, corporificam a figura delituosa da

tentativa.

O elemento moral que não ultrapasse o foro íntimo, compreendendo

desde a concepção da idéia criminosa até a formal decisão de cometer o

crime, seguido da procura dos meios para cometer o intento, tais como a

compra de armas, de munições, etc., constituem atos preparatórios e livres de

incriminação, como tentativa de delito, pois o seu peculiar caráter equívoco não

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permite que se os admita como elemento material da tentativa. A compra de

armas de fogo, por exemplo, é para o s mais diversos fins; se a intenção

dolosa for revelada verbalmente ou por escrito, ainda assim a ação, no caso a

compra de armas, não perdera o seu caráter equivoco, pois ela, em si, é

inofensiva e não causa dano a quem quer que seja.

Preparo não é execução, mesmo que, ligado ao delito em mente, se

indiretamente a esta.

Para evitar confusões, cabe salientar que certos atos preparatórios, pela

periculosidade neles contida, são puníveis, não como tentativa, mas como

infrações especiais, caracterizando, o delito sui generis. Estamos nos referindo

a casos como o porte ilegal de arma de fogo e violação de domicilio, previstos

nos artigos 10 Lei Federal nº 9437/ 97 e 150 do nosso Código Penal, que não

se caracterizam como preparatórios, mas sim como crimes específicos, pois a

própria ação encerra em si o caráter de uma figura delituosa completa.

Há certa tendência para que se amplie a relação de atos semelhantes,

com traços característicos de crimes especiais, e esta é uma das faces do

problema da punição de atos que podem ser preparatórios de delitos. Outro

aspecto da mesma questão é a punição indireta para tais atos, pois tornam-se

agravantes das penas. Estamos nos referindo a atos como emboscada e

violação de domicilio que, pelo nosso Código Penal, qualificam o homicídio

como circunstâncias elementares e, portanto, aumentam-lhe a pena.

Há, ainda, mais um caso em que atos preparatórios, em si, constituem

delitos perfeitos e, como tal, são punidos. Estamos falando dos crimes contra o

Estado, em que a repressão se tornaria praticamente impossível, caso a lei

pretendesse aguardar a tentativa ou a consumação do crime para, só então,

efetivar a pena.

Para compreender este aspecto, cumpre lembrar que a lei,

ordinariamente, não aplica pena senão ao crime consumado ou à tentativa, em

qualquer de suas modalidades, ficando impunes os atos de preparação, não

apenas porque a decisão criminosa só se revela inequivocamente por atos de

execução, mas também por que a sociedade não tem motivos para reprimir

atos que, por si, não oferecem perigo; porém, quando atos de preparação

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põem em risco a ordem política ou social, fica caracterizada uma situação de

exceção e outras medidas são necessárias.

A objeção de que, em tal hipótese, a ação preparatória se transformaria

em tentativa de tentativa não é pertinente. O ato preparatório, anteriormente

figurado, põe em risco interesses superiores do Estado e assume, por si,

proporções de um delito político, contrapondo-se aos crimes comuns. Não se

trata simplesmente de punir qualquer resolução criminosa contra o Estado,

mas, antes, trata-se de um fato previsto por lei. E os atos preparatórios,

impunes nas infrações contra particulares, são punidos quando praticados

contra o Estado.

Não são passíveis de pena, por exemplo, a concepção da idéia de

destruir ou modificar a forma de governo, enquanto anseio pessoal, ou a

transmissão dessa idéia a outra pessoa, não como convite para o delito mas a

titulo de confidencia; contudo, a partir do momento em que o agente procura

auxiliares ou companheiros para levar a cabo sua idéia, a mesma estará

sujeita à punição.

Os atos preparatórios, propriamente ditos, são apresentados sob duplo

aspecto: absoluto e condicional.

- São preparatórios de modo absoluto os atos que não têm aparência

nem caráter de princípio de execução de delito, faltando-lhes a condição

essencial da univocidade e o princípio do perigo atual;

- São preparatórios de modo condicional os atos que, em relação a

determinado desejo do agente, têm o aspecto de inicio de execução e de

perigo atual, mas que, por não serem unívocos, estão isentos de pena. No

entender de alguns, os atos preparatórios condicionais podem, em certos

casos, apresentar também o caráter de principio de execução, quando

circunstancias materiais lhes dão univocidade.

Do que foi exposto sobre atos exteriores de preparação, o que se

depreende é que estes, como tais, nunca são incriminados; e o motivo para as

legislações modernas não prescreverem a punição para tais atos reside no seu

caráter equívoco, pois punir atos que são, por si, inofensivos seria como

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castigar o pensamento. Nos atos de caráter equívoco (comprar armas, por

exemplo), o fato, em si, não manifesta vontade criminosa e, nessa incerteza,

reside o fundamento principal da sua impunibilidade que subsiste, ainda que a

idéia do crime seja revelada, pois não proporcionam mal ou dano determinado.

Alem do mais, pensa-se que, antes da execução, é preferível relevar para

impedir do que punir para apressar a consumação.

A execução abrange atos exteriores que se encaminham

inequivocamente para o delito, sendo necessário fixar bem o momento em que

assumem o caráter de tentativa e passam a incorrer na sanção da lei penal.

Porém, estabelecer de modo preciso o que separa os atos preparatórios dos

de execução, puníveis, é assunto reconhecidamente difícil. Segundo Rossi,

“pode-se dizer que é quase impossível determinar, por uma lei e de modo

geral, os caracteres precisos pelos quais se venha a reconhecer, em todos os

casos, o verdadeiro principio da execução do crime e distinguir os seus atos

dos que são meramente preparatórios”.

O jurista, aqui, se encontra diante de um problema intimamente ligado à

liberdade humana e que, por isso, apresenta os mais diferentes aspectos e

comportando diferentes interpretações

Quem transita armado em via pública pratica crime pelo uso de arma

ofensiva, mas nenhum ato de execução do crime de homicídio. Mesmo se

forem conhecidas as tendências perigosas daquele que anda armado pelas

ruas, tenham sido elas reveladas de maneira verbal ou por escrito, onde se

encontra a univocidade no ato de portar arma proibida? Não poderá a pessoa

estar movida por intenções bem diversas e inocentes? Assumir que um ato,

quando muito preparatório e, portanto, não punível, é de execução e, por

conseguinte, severamente punível, como é o caso de homicídio, equivale a

seguir diretriz perigosa pelas conseqüências a que poderá conduzir.

É, realmente, muito difícil distinguir entre atos preparatórios, que não

constituem delitos, e executivos, nítidos elementos físicos da tentativa, e para

agir com segurança, é mister possuir perfeito conhecimento da teoria que

estamos estudando. E embora grande e real, esta dificuldade resolve-se pelo

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critério da univocidade, que é um meio seguro para se distinguir com acerto os

atos preparatórios dos executivos.

O que vem a ser critério de univocidade ou de referibilidade?

Na definição de Francesco Carrara: “trata-se de um ato externo,

univocamente conducente, por sua natureza, a um evento criminoso”. Mas

esta definição não abrange a totalidade do método citado, permitindo que se

diferencie muito bem a fase preparatória de executiva.

Para melhor compreensão, vamos definir o critério da univocidade ou da

referibilidade com sendo o sistema pelo qual, por tendência unilateral do gesto

ou atitude, pela significação unívoca do ato praticado, se torna possível

conhecer o pensamento do autor e a intenção criminosa que se lhe passa pela

cabeça.

O ato externo deve, por sua própria natureza, conduzir univocamente a

um evento criminoso. Se inexpressivo e sem significado positivo quanto a

qualquer deliberação do agente, o ato é, evidentemente, preparatório; contudo,

se manifesta claramente ser o escopo de um delito, de um crime a ser

realizado, trata-se de ato executivo.

Não obstante o caráter facilitador da identificação do ato contido no

critério da univocidade, pode ser insuficiente para resolver satisfatoriamente o

problema do país. Se é uma questão de certeza ou de incerteza do agente,

isto é, de prova desse desígnio, porque restringi-la exclusivamente ao ato e

não admitir prova para demonstrar a objetividade da intenção?

Todo ato preparatório de um delito implica a intenção de cometê-lo; se

os meios forem extrínsecos (a confissão do agente, por exemplo), chegando a

conhecer a sua intenção, desaparecendo a incerteza e a equivocidade, mas

nem por isso o ato passa a figurar como executivo: uma pessoa pode comprar

uma arma e declarar que vai usá-la para matar um inimigo – o seu ato não é

duvidoso nem equívoco, mas também não é executivo.

A falta de univocidade, por outro lado, não impede que o ato, por vezes,

seja executivo: entrar em casa alheia utilizando chave falsa pode traduzir-se

pela intenção de roubar ou de, simplesmente, violar o domicílio; contudo, se

circunstância extrínseca ao ato, como o fato de a pessoa ser um ladrão

26

foragido, por exemplo, a intenção do agente ficara clara e não haverá dúvida

em afirmar que houve tentativa de roubo.

Na prática, temos, por exemplo, um crime de roubo: o ladrão é o sujeito

ativo primário; a chave falsa é o sujeito ativo secundário; o cofre da residência

é o sujeito passivo da tentativa; o dinheiro e as jóias que nele se encontram

são o sujeito passivo da consumação; o direito da propriedade é o objeto do

delito.

2.4 Critério da Univocidade

A tentativa começa a existir com o primeiro ato visível do projeto

criminoso, o que, na verdade, é o critério da univocidade expresso de outra

forma. Aliás, nem há melhor meio de conduta para a classificação dos atos

exteriores: se equívocos, são preparatórios e não constituem tentativa; se

unívocos, tornam-se atos de execução e caracterizam o delito imperfeito se,

tendo todos os atos sido executados, o delito não se consuma devido a uma

interrupção involuntária ou por caso fortuito.

Em síntese, o ato preparatório pode gerar situação de alarme, mas sem

perigo nem dano imediato ou direto, enquanto o ato de execução,

contrariamente, coloca o direito em perigo, ainda que não chegue a violá-lo.

Juridicamente, a distinção entre os atos preparatórios e os de execução

depende do ponto de vista com que são vistos no estudo da tentativa, podendo

ser objetivo ou subjetivo.

- O ponto de vista objetivo considera de execução todo ato que guarda

relação direta com o delito projetado, resultando do ato em si. Trata-se de ato

que revela a intenção determinada do agente e é parte componente ou

material da infração; já o ato preparatório, sob esse ponto de vista, não tem

significação precisa nem constitui elemento do delito.

O outro ponto de vista, o subjetivo, sustenta que, na repressão da

tentativa, o que a lei pune é a vontade criminosa manifestada por atos

27

exteriores, e justifica que a intenção, no caso do delito imperfeito, não se

reputa pelo fato, mas pelo concurso de ambos.

Vejamos, então, as formas possíveis de se interpretar o fato de um

indivíduo penetrar em uma casa utilizando chave falsa ou ferramenta especial

para abrir a fechadura, o que, por si, não revela a intenção do agente, pois

ninguém poderá afirmar se ele o está fazendo para matar, roubar, violar ou por

qualquer outro motivo. Em caso assim, pode haver, sem duvida, crime especial

pela violação do domicílio, mas os atos, em si, é completamente equivocado e

não constitui princípio de execução de algum delito específico. Vamos às

interpretações:

1 – Com base no sistema objetivo, não se pode considerar o ato em si

como sendo de execução, posto que nenhuma relação de causalidade existe

entre o mesmo e um crime determinado;

2 – Com base no sistema subjetivo, pode-se afirmar que o ato se define

pela revelação do fim pretendido e pode constituir tentativa do crime projetado

e que deveria acontecer no interior da casa;

3 – E, fora dos dois sistemas anteriores, o fato hipotético pode constituir

tentativa de crime contra a propriedade.

2.5 Visão Objetiva e Subjetiva da Tentativa

Duas correntes diversas se estabeleceram, com seus pontos de vista

distintos, quanto à forma de se caracterizar a tentativa, as quais podemos

chamar de escolas, quais sejam: escola objetiva e escola subjetiva.

Na escola objetiva, evidentemente, a preocupação fundamental reside

no fato, na parte material da infração. É o sistema adotado pelo nosso Código

e a ela se filiaram os italianos e franceses, que se inspiraram em seus

ensinamentos para as codificações modernas.

Já a escola subjetiva concentra-se na intenção manifestada de qualquer

forma como a única e exclusiva razão de ser da punibilidade, linha que é

seguida pelos juristas alemães e adeptos da doutrina positiva.

28

Diante disso, fica patente a carência de um critério seguro, de um

princípio infalível, na medida do possível, e de um limite demarcativo que não

permita a ocorrência de lamentáveis enganos na distinção dos atos antes

citados. Alguns autores chegam, até mesmo, a pensar que tal linha divisória

entre os atos é inexistente, mas não compartilhamos de tal idéia.

Na figura do delito imperfeito, a ciência jurídica tem definido com

bastante precisão os pontos de distinção entre a fase preparatória e o período

de execução, sendo que a diferença entre esses dois tipos de atos exteriores

resulta da análise seguinte: se esta não vai além da intenção de cometer

determinado crime, que se manifesta nos atos de execução, sem que,

contudo,se verifique o resultado ou efeito desejado em virtude de suspensão

dos atos de execução por circunstâncias independentes da vontade do autor

ou por caso fortuito, considerando-se, é lógico, que todos os atos foram

praticados, depreende-se claramente o concurso de três elementos em sua

composição: a intenção, os atos de execução e o embaraço, que é a

suspensão involuntária dos atos de execução ou, se executados, o logro no

resultado por circunstância acidental ou fortuita. Se a tentativa, enquanto figura

delituosa, tem como parte integrante os atos de execução, vemos que ela não

se completa nem se caracteriza por atos preparatórios que não revelem, senão

de maneira unívoca, o intento, o fim pretendido, nem a aptidão dos meios

empregados.

A univocidade é o melhor critério para se efetuar a distinção entre os

atos exteriores. Os atos preparatórios,por sua vez, não têm este caráter, posto

que nunca se relacionam diretamente com o crime e, desta forma, não

apresentam relação de causalidade que permita concluir, por meio deles, a

intenção do agente ou a aptidão dos meios para a obtenção de determinados

resultados. Os atos preparatórios não fazem parte do elemento físico do delito.

O elemento moral, o material e a interrupção involuntária, ou a não-

consumação por acidente, integram o delito imperfeito, que, se neste exemplo,

é um crime tentado, na modalidade de tentativa.

29

2.6 Elementos da tentativa

1 – Intenção direta

2 – Atos de execução

3 – Embaraço ou não-consumação por

3.a. suspensão involuntária

3.b. circunstancia acidental ou fortuita

2.6.1 As Duas Fases: Preparatória e Executória

Como vimos, o critério da univocidade é o melhor de que dispomos para

distinguir os atos exteriores, ou seja, separar a fase preparatória da executiva.

Vamos, então, recapitular alguns pontos importantes nas duas modalidades de

atos exteriores:

Atos preparatórios:

- São equívocos

- Não indicam de modo certo a intenção

- Não têm significação precisa

- Dão margem às mais variadas interpretações

- Estranhos à constituição da tentativa

Atos de execução:

- Oferecem sentidos determinados

- Estão em relação direta com o crime projetado

- São unívocos

- Destacam nitidamente o intento do autor

- Revelam o direito certo que ele pretende violar

- Partes integrantes da constituição da tentativa

30

Magistrados discutem a punição em um caso, em que a figura delituosa

não fica bem definida: um ladrão apropria-se de bens pertencentes a

determinada pessoa contra a vontade da mesma; posteriormente, arrependido,

volta e coloca os bens de que se apropriou indevidamente no lugar em que se

encontravam. Pretendem alguns que, em casos como este, o agente não seja

punido, e argumentam que a sociedade tem interesse, pelo bem da ordem e

da segurança públicas, em que furtos e roubos possam ser reparados diante

da perspectiva da impunidade.

Vimos que a intenção dolosa, que se expressa por atos de execução

seguidos da não-consumação do delito. Isso constitui a tentativa, podendo ser

classificada, como crime tentado (se a execução começou e foi interrompida

por circunstancias alheias à vontade do agente) ou crime falho (se, mesmo

realizados todos os atos executivos, o efeito não se produz por causa

acidental).

Importante observar:

- Atos de execução constituem o elemento material do delito;

- O critério da univocidade é o mais seguro que existe para distinguir os

atos preparatórios puníveis dos impuníveis;

- O concurso do elemento moral nos atos preparatórios passíveis de

pena forma a tentativa ou o delito imperfeito;

- Na figura da tentativa, a interrupção involuntária dos atos de execução

constitui o crime tentado;

- Na figura da tentativa, a prática de todos os atos executivos, que não

culminam na realização do efeito desejado por causa acidental, constitui

o crime falho.

2.7 Atos Conducentes à Execução do Crime

Como o próprio nome diz, tais atos “tendem”, e assim, por estarem

apenas tendendo ou conduzindo à execução, não se caracterizam como atos

31

executivos nem são partes ou elementos materiais da tentativa e, por

conseqüência, pertencem ao grupo dos atos preparatórios, sob os quais não

incidem sanções da lei penal.

É nos atos executivos que se manifesta a deliberação criminosa do

agente, pelo fato de que, sendo todo o delito um conjunto de atos tendentes a

um esmo fim, se qualquer deles for praticado, a tentativa estará caracterizada

pela constatação de um princípio de execução, porque, mesmo se o delito não

estivesse claramente delineado no pensamento do agente e isso pudesse

levá-lo até a desistir de realizá-lo, uma vez iniciada a execução tal hipótese

deixa de existir e dá lugar à certeza de que o agente teria levado a cabo o seu

intento se alguma causa acidental não o tivesse impedido.

Na lição de Mirabete, “(...) assim se procede para todos crimes e

contravenções, anotando a tentativa como circunstância para cada um deles”.

(MIRABETE, 1997, p. 161)

2.7.1 Atos exteriores

1 – Equívocos: atos preparatórios

1.a. Podem ser puníveis nas seguintes condições:

1.a.a. Como infrações especiais ou delitos sui generis;

1.a.b. Indiretamente, como agravantes da pena, como nos casos de

emboscada ou violação de domicílio;

1.a.c. Como delitos especiais, quando têm o caráter de crimes contra

o Estado.

1.b. Não são puníveis os seguintes atos:

1.b.a. Atos absolutamente preparatórios;

1.b.b. Atos condicionalmente preparatórios que apresentem, em

certos casos, o caráter de princípio de execução, quando unívocos;

1.b.c. Atos que tendem à execução do crime.

2 – Unívocos: atos de execução, puníveis.

32

3 Tipificação da Tentativa

A circunstância da falta de desistência na realização do crime, por parte

do agente, ou seja, a ocasião da interrupção da execução de forma não-

espontânea, mas por motivos alheios à sua vontade, ou a situação total dos

atos sem a consecução do fim pretendido, por caso meramente fortuito,

constitui a tipificação da figura delituosa da tentativa.

Para que se afirme ter havido tentativa essas condições são essenciais.

Se se obtivesse o resultado pretendido, não haveria tentativa, cessando

a imperfeição do delito que, então se tornaria completo ou consumado; desta

forma, não cabe a possibilidade de tentativa nos crimes que não comportam tal

divisão em seus momentos físicos, bem como nos delitos de palavra e em

todos aqueles que se completam em um único ato. Excetuando-se tais casos,

a tentativa, enquanto infração, de forma geral, pode perfeitamente ter lugar em

relação a todos os crimes.

Os atos preparatórios, ademais, uma vez interrompidos nada produzem

de material e direto contra o direito que visariam molestar, já, na tentativa há o

começo da lesão do direito alheio, podendo ocorrer, entretanto, o

arrependimento, a desistência.

3.1 Crimes Tentado e Falho

O delito imperfeito pode existir em duas modalidades: a de crime

tentado ou de crime falho. Invariável em substância e organização intrínseca, o

delito imperfeito pode, todavia, adquirir formas diversas que lhe dão aparências

distintas. As formas peculiares do delito imperfeito, que é a figura jurídica da

tentativa, ou suas maneiras exteriores, formam o crime tentado e o crime falho,

ambos semelhantes em suas características essenciais.

33

3.1.1 Crime tentado

Também denominado tentativa simples, imperfeita ou inacabada,

constitui-se pelo concurso do elemento intencional, dos atos de execução e do

fato de a interrupção destes atos ter se dado por circunstâncias independentes

da vontade do agente.

Quem, no intento outrem, engatilha arma de fogo e faz pontaria, apenas

deixando de atirar porque é interrompida por causa alheia a sua vontade, está

cometendo o delito de crime tentado.

Aqui, o delito imperfeito é considerado sob aspecto do resultado não

conseguido em consequência de a execução ter sido involuntariamente

interrompida.

Quanto ao elemento material do crime tentado, há que se considerar o

princípio da execução e a interrupção dos atos exteriores, diretamente

relacionados com o fato punível, por circunstâncias independentes da vontade

do agente.

O crime tentado constitui um princípio de execução do delito, que se

restringe a prática de atos exteriores executivos, considerados partes

integrantes da tentativa ou momentos físicos da ação criminosa.

A univocidade e a idoneidade ou aptidão são condições necessárias

para a punição dos atos exteriores, enquanto elementos materiais e

integrantes do crime tentado; contudo, é preciso que tais ações tendam direta

e imediatamente para a consumação do crime, pois, contrário, teríamos

apenas a preparação, não se caracterizando a figura do crime tentado.

Portanto, a condição fundamental para que um ato externo assuma o caráter

de ato de execução, constituindo elemento material do delito e,

consequentemente, punível como crime tentado, é a univocidade.

Enquanto requisito também indispensável, a idoneidade ou a aptidão

deve ser considerada, porquanto a figura delituosa necessita, para a sua

composição, que o ato exterior seja suficiente para atingir o fim criminoso. Se a

34

inaptidão for constatada nos primeiros momentos da ação compreendida na

fase de execução, não há crime tentado, uma vez que, por serem inaptos, os

atos não oferecem perigo a quem quer que seja; contudo, se o perigo estiver

nos atos subsequentes, os primeiros atos executados podem ser punidos por

adquirirem as proporções de elemento material de crime tentado.

Obviamente, a idoneidade ou aptidão diz respeito apenas as condições

dos atos nos quais se pretende encontrar a tentativa, em qualquer de seus

aspectos, pois seria pouco razoável exigir-se o prévio conhecimento da

inaptidão por parte do agente. A inaptidão pode ser tanto objetiva ou concreta

como subjetiva ou abstrata ou seja: pode encontrar-se nos atos considerados

relativamente ao fim especial para o qual o agente os encaminhou, ou nos atos

apreciados de forma abstrata.

Por mais que tenhamos dito, é importante reiterar que a circunstância

complementar da figura jurídica do crime tentado é que, ao elemento moral,

junto ao princípio da execução, aconteça a sua interrupção por motivos alheios

a vontade do autor.

3.1.2 Crime falho

Também denominado crime malogrado, frustrado, tentativa muito

próxima ou tentativa acabada – conatus proximu ou délit manqué – constitui-

se do elemento moral, que é a intenção, do elemento material,

compreendendo a prática de todos os atos de execução, e da circunstância da

não-realização do intento ou não-consumação do crime por acidente ou caso

fortuito.

Pratica crime falho aquele que, desejando matar, prepara a arma, faz

pontaria, dispara o tiro contra a vítima e, por mero acaso, esta não é atingida.

Aqui, a tentativa é considerada sob o aspecto da não-obtenção do efeito

pretendido.

35

No que se refere ao elemento material, deve-se considerar a execução

de todos os atos tendentes a consumação do delito e a não-verificação desta

por caso fortuito ou acidental.

O crime falho é composto dos elementos moral, material e do fato da

não-consumação do delito, a semelhança do crime tentado. A diferença está

em que todos os atos de execução foram praticados (e não interrompidos,

como no caso anterior), mas o delito não se consumou em virtude de um

acidente ou caso fortuito.

Convém destacar que, quando o agente atinge o seu objetivo e o fato

que lhe é imputado enquadra-se perfeitamente no que é exigido para a

existência do delito, foi cometido um delito perfeito e, consequentemente,

estamos diante da figura do crime consumado.

Vimos, então, que a ação delituosa, não alcançando o resultado final,

constitui o vulto jurídico da tentativa em uma de suas duas modalidades: crime

tentado ou crime falho.

3.2 Crimes de calunia, ultraje ao pudor, falsificação de

moeda, resistência e falso testemunho

O fato da realização da objetividade jurídica sem a obtenção da

ideológica também se observa nas modalidades de crime supracitadas.

Tais delitos, uma vez completos em si mesmos, ou inteirados em sua

essência legal, ainda que não alcancem plenamente o fim a que se

destinavam, são, ainda assim, perfeito – mesmo que seus agentes não tenham

alcançado o objetivo, não tenham obtido lucro com a falsificação de moeda

nem conseguido perverter a moral publica com o ultraje praticado etc. eles são

assim considerados por ter se efetivado o dano ao direto abstrato, geral ou

universal que cada membro do corpo social tem para que as instituições e a

moral pública sejam respeitadas e tal dano, consumando a objetividade jurídica

da infração, faz com que a potencialidade da ofensa ao direito positivo e

36

concreto constitua perfeita transgressão da lei. Entretanto, a potencialidade de

ofensa no ato de quem fabrica moedas de madeira, por exemplo.

Quanto a matéria que vimos analisando, relativamente a obtenção de

resultados insatisfatórios para o agente, deve ficar claro que todas as vezes

que o meio empregado ou a ação cometida pelo delinquente lesar direito igual

ou superior aquele que o agente pretendia violar, ocorre a preponderância do

meio sobre o fim e, sob este aspecto, o delito é considerado perfeito, tal como

nos casos dos delitos complexos, de infrações que violam mais de um direito,

seja por simples concomitância ou por conexão de meio a fim, ou quando um

crime cometido constitui meio para a execução de outro.

Carrara ensina que, em tais casos, deixa de haver a tentativa em virtude

do excesso, pois a consumação da ofensa ao direito particular, igual ou maior

do que o outro que se pretendia ofender, excede a noção de simples deliro

imperfeito, o que é natural, pois seria ilógico pretender a prevalência da

tentativa de um delito menos considerável sobre um crime consumado e que

implica violação, efetiva, real e mais grave da ordem jurídica, violação que,

portanto, se iguala ou excede a que se teria produzido com a obtenção do

inicialmente pretendido.

Isso é muito comum em crimes de dano imediato, como, por exemplo,

quem mata para roubar mas não consegue fazê-lo – consuma o crime, mas

não realiza o seu intento. De acordo com o que temos visto, tal pessoa

cometeu um delito perfeito e completo, ainda que não tenha podido concretizar

a intenção.

Portanto, se justifica plenamente a responsabilização do autor pelo

crime de roubo qualificado pelo resultado morte, pois embora não realizado o

delito patrimonial, o autor devera ser responsabilizado pelo delito consumado

pois a morte ocorreu, pensamento plenamente aceito e justificado pela maioria

dominante dos magistrados do Excelso Pretório nas decisões de seus

julgados.

Sempre que um direito protegido pela lei penal é lesado ou, como no

delito complexo, dá lugar a lesão de um direto igual ou maior do que aquele

que o delinquente pretendia ofender, há a consumação de um crime, pois,

37

sempre que atos praticados pelo agente, com o intuito de realizar o seu

projeto, compreendem todos os elementos constitutivos do delito, tais quais os

estabelece a definição do mesmo delito dada pela lei penal, trata-se de um

crime consumado.

4 Princípios que regulam a imputação do crime tentado

A imputação do crime tentado deve ser proporcional a que teria lugar se

o delito fosse consumado, enquadrando-se aí a qualidade e a quantidade do

mesmo crime tentado, salientando que a qualidade, conforme Carrara, prove

do elemento moral, dependente da natureza das causas que impediram a

realização do delito, as quais podem ter sido voluntarias ou casuais.

Também é interpretado como havendo falta de espontaneidade no

procedimento do autor que, após cometer atos executivos para a consumação

do crime, desiste por se ver descoberto – nesse caso, a figura jurídica da

tentativa de caracteriza. A desistência que priva a tentativa do caráter de

punibilidade nasce exclusivamente da vontade do culpado e não é importa por

circunstâncias independentes de sua livre determinação, ainda que tenham

influenciado nesta.

As causas que levam o agente a suspender o cometimento do crime

contra a sua vontade podem ser físicas ou morais. São físicas se a imperfeição

do delito advém de um motivo físico, e são morais quando exercem influencia

puramente moral ou psicológica no agente. Quem interrompe a execução de

um delito devido aos gritos de alguém, esta agindo mediante influencia moral,

pois mesmo sendo a voz humana fato material, a sua influencia é moral.

O outro critério da imputação da tentativa reside na sua quantidade

física, ou n na sua quantidade maior ou menor, conforme estiver mais próximo

ou não da consumação o momento da interrupção involuntária dos atos de

execução. É nesse fator que se baseiam as denominações de tentativa

próxima, dada ao crime falho, e tentativa remota, atribuída ao crime tentado. À

medida que a execução tende a consumação, a proximidade cresce, ou seja,

38

ela é tanto maior quanto menores forem os atos necessários para realizar ou

consumar o delito.

4.1 Adequação ou Aptidão dos Meios

Não é suficiente, para a existência jurídica do crime falho, a execução

completa dos atos que o autor tinha se proposto a realizar: é preciso que ele

execute todos os atos necessários a obtenção do resultado. Se não forem

suficientes e precisos para a realização do delito, então os meios para a

consumação não foram empregados e fica evidenciada a deficiência do

elemento material, de forma que não pratica crime falho aquele que,

pretendendo matar, toma arma de fogo de pequeno alcance e atira em alguém

que se encontra além da capacidade de alcance da arma.

Armar-se e esperar pela vítima é ato preparatório simples; engatilhar a

arma, visar a pessoa e fazer pontaria em região mortal do corpo da vítima

podem ser ato de execução pela sua univocidade; mas, mesmo se praticados

estes atos e desfechado o tiro, pelo fato de o alcance da arma não permitir que

este atingisse a vítima e consequentemente produzisse a sua morte, não

estamos diante de um crime falho. Ele apenas existiria se a arma fosse

adequada e apenas uma causa acidental ou fortuita impedisse a morte da

vítima.

O crime falho, subjetivamente falando, é um delito completo ao qual falta

a perfeição objetiva.

Para chegar a perfeição subjetiva, é preciso que a subjetividade

ontológica seja completa, não só no aspecto psicológico mas também no

elemento material. Então, para que o crime falho possa existir é preciso que o

agente não apenas tenha perseverado até o fim em seu intento, mas é mister

que os atos necessários a realização do efeito pretendido sejam todos

executados, sendo essencial que a subjetividade ontológica seja completa.

Estamos falando, aqui, de todos os momentos morais e físicos que constituem

a subjetividade ontológica. Se faltar um desses momentos ou se o ato

39

correspondente não tiver a eficácia precisa, a subjetividade ontológica torna-se

imperfeita e não haverá crime falho.

É improcedente a objeção de que, mesmo ineficaz, se realizado o ultimo

ato e o agente tiver empregado a totalidade dos meios disponíveis, nada

restando a executar para a consumação do delito, fica integralizado o crime

falho; pois o ultimo ato, sendo ineficaz ou insuficiente, foi inútil e é tido como se

não houvesse existido. Diante disso, depreende-se que não foram executados

todos os atos necessários a produção do efeito que consuma o delito, e, diante

disso, não há o crime falho.

Se os meios forem impróprios, mesmo relativamente, a infração fica

desnaturada e pode subsistir, segundo alguns, apenas como crime tentado. Os

meios escolhidos e os resultados esperados devem guardar relação de causa

e efeito entre si, sendo necessário que o meio empregado seja suficiente e

eficaz para ao curso da ação desejada.

Elemento intencional e elemento material concorrem integralmente na

composição do crime falho, e o meio procurado para a execução do delito

precisara ser idôneo e adequado a consecução do que se pretende.

Os efeitos jurídicos derivados da impropriedade dos atos são muitos, se

absoluta a impropriedade, fica excluída a possibilidade de existência de

tentativa, sob qualquer de suas modalidades; porém, o ato impróprio pode

levar a figura do crime tentado.

De onde pode vir a causa que impede a consumação de um crime? Do

sujeito ativo ou do sujeito passivo do delito. Se proveniente da vontade do

sujeito, não se caracteriza a figura jurídica do crime falho, pois houve

desistência voluntaria do agente, e é indispensável e essencial para a

constituição do crime falho que a não-consumação provenha de causas

acidentais, absolutamente independentes da vontade do agente. Se, contudo,

a obstaculização a consumação do crime vier do agente passivo, ou a causa

é oculta ao agente ativo e o impedimento se dará por caso fortuito,

caracterizando o crime falho, ou é conhecida do agente ativo e implicará a

inexistência do crime pela impossibilidade física dos meios empregados.

40

4.2 Penalidade

São os atos criminosos exteriores e não a simples intenção de delinquir

que são punidos pela justiça penal, e o critério da pena está nas

consequências matérias da infração, ou seja, no dano proporcionou e no

perigo que, efetivamente, produziu.

Visando combater os impulsos anti-sociais, consideram-se os atos

externos com grande rigor, ainda que não venham a causar danos imediatos

ou indiretos; é por isso que a punição se baseia na periculosidade da

resolução dolosa.

A questão da punição, no caso da tentativa, se prende ao estudo do

fundamento histórico e filosófico do direito de punir. Reprimindo o crime

que atenta contra a sociedade, este exerce um direito que lhe pertence;

o direito social de punir, aliás, foi um problema secundário para os

filósofos da antiguidade que atentaram mais ao exame do aspecto moral

da questão. Todos, porém, sempre argumentam contra a impunidade

por suas, evidentes, consequências nefastas.

“Nenhum delito fique impune; sofra o

criminoso a pena porque ela é a

consequência inevitável da violação das leis.”

“...Que se considere a liberdade dos homens

delinquentes e o perdão dos condenados

como sinais da decadência da Republica.”

CÍCERO

O passar dos anos deu margem ao surgimento de diversas teorias

explicativas da base filosófica da pena, teorias que, analisando o tema com

exclusividade ou sob aspectos específicos, são, por isso mesmo, incompletas

se consideradas de maneira isolada, de forma que a razão de ser da pena não

41

visa exclusivamente a defesa da sociedade, como pretendem as doutrinas

utilitárias ou objetivas de Feuerbach e Bentham, nem ao princípio único da

expiação, como preconizam as teorias morais ou subjetivas de Kant, nem

tampouco ao sistema contratual divulgado por Grocio, Rousseau, Fichte,

Beccarial, Locke e Hobbes. A razão de ser da pena está na justiça absoluta

que prega a retribuição ao bem e o castigo ao mal, fundamentando a

repressão na responsabilidade individual e na necessidade de manter a ordem

no meio social para que o homem tenha condições de realizar os altos

destinos que lhe são reservados pela suprema sabedoria. Todos temos em

nossas consciências que o bem se retribui com o bem e o mal, com o mal.

A premissa de que toda lesão da justiça deve ser punida, seguida do

princípio utilitário, da legitimidade a aplicação da pena, e não o interesse

social, de forma separada e exclusiva. Os direitos de conservação e de defesa

não pertencem apenas a sociedade mas também ao individuo; e, não havendo

direito contra direito, conclui-se que é absoluta a igualdade deles no que tange

a inviolabilidade.

Para a coletividade, a pena é ato de justiça com relação ao individuo e

um meio de conservação do próprio organismo; e do ponto de vista objetivo ou

social, ela constitui um ato de defesa da ordem pública. Naturalmente sociável,

o homem tem o direito de empregar todos os meios permitidos pela moral para

a conservação da sociedade, motivo pelo qual a punição, constituindo-se em

um desses meios, é legítima nos limites da justiça.

A lei não subsiste sem uma sanção que a vivifique, nem tampouco há

preocupação com leis onde não há castigo para quem as infrinja; e isso

acontece porque os preceitos sociais ou humanos não têm a punição fatal e

inevitável que mantém a ordem no mundo material, sancionando, de forma

completa, as leis físicas, naturais e psicológicas.

Portanto, punir uma delito não é uma vingança mas um direito exercido

pela sociedade. E considerando que um delito ofende simultaneamente a

sociedade, como um todo, e o indivíduo, em particular, não apenas o delito

consumado carece de punição mas também o incompleto, pela não-realização

do efeito procurado.

42

Atualmente, o delito imperfeito é sempre punido de forma inferior a que

seria no caso do crime consumado – é a regra geral sancionada nos códigos

de inúmeros países, salvo uma ou outra exceção, como é o caso do crime de

envenenamento, na Common Law, da Inglaterra.

Em nossa legislação penal adotou-se a classificação bipartida das

infrações dividindo-se em crimes e contravenções e reconhecer a existência do

crime consumado e tentado. No que concerne a pena o legislador pátrio no

Código Penal em seu art. 14, inciso I, define o crime consumado e o tentado

no inciso II, e a pena como regra geral para o crime tentado é definida no

parágrafo único “salvo disposição em contraio, pune-se a tentativa com a pena

correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.”

A impunibilidade da tentativa de contravenção se baseia nos princípios

sobre a constituição do delito imperfeito; já a intenção criminosa, elemento

fundamental a tentativa, é indiferente em se tratando de contravenção.

Não há qualquer interesse social na repressão da tentativa que nenhum

dano produza nem perturba a paz pública como é o caso de tais infrações.

Esta é a doutrina geralmente sancionada de modo implícito nos códigos por

haver absoluta omissão quanto a matéria, ou de modo expresso, como no

caso da nossa legislação e de outras.

Embora impróprio, alguns incluem a questão dos atos preparatórios no

estudo da pena aplicável a tentativa. Os atos preparatórios não entram a

composição da figura delituosa da tentativa e, por isso, a impropriedade na

aplicação da pena. E, uma vez que assim é, não nos compete senão o estudo

e verificação da pena de acordo ou desacordo com os princípios legais e as

normas cientificas, cabendo-nos apenas observar que o nosso Código dispõe

explicitamente os preceitos e regras de preparação, estabelecendo que são

impunes, exceto quando tais atos perdem o caráter de preparatórios e se

enquadram nos crimes especiais.

Quanto aos atos internos, penalizá-los escapa a ação da justiça penal

por não ser da sua competência. Pensamentos, resoluções e desejos, por

muito que sejam hediondos, não perturbam a ordem por não se constituírem

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em causas de perigo, efetivamente falando. Isso fica exclusivamente por conta

dos atos exteriores.

Em relação aos modos de ser da tentativa, foram identificados em nosso

direito, no que tange a penalidade, seguindo o parecer dos que a combatem,

por ser a discriminação muito difícil. Certamente, não é este o caminho mais

difícil para se resolver dificuldades; uma codificação penal tem de definir

fielmente os princípios da doutrina. Se a ciência discrimina espécies distintas

de um mesmo gênero, no caso, a tentativa, a lei positiva deve sancionar a

distinção em seus preceitos.

As condições essenciais da imputabilidade social do delito imperfeito

são a intenção e o mal produzido, tomado aquele na mais ampla acepção que

compreende o dano, direto ou indireto, do perigo e do alarme produzidos.

Estes elementos devem coexistir, um não podendo prescindir do outro;

nem o perigo, por mais grave que seja, pode implicar intenção e nem esta

suprir a sua falta. O sistema de punição diferente para as modalidades da

tentativa pouco avançou além dos domínios da teoria. Porém, o mesmo

raciocínio, que condena a assimilação do crime falho ao crime consumado,

repele a equiparação do crime tentado ao malogrado para efeito de identidade

de pena. Se a imputação diversifica, também a punição deve ser diferenciada.

É, sem dúvida alguma, menor o alarme público produzido pelo crime

falho, na tentativa de homicídio produzido pelo crime falho, na tentativa de

homicídio em que a morte não acontece, do que o seria caso fosse

consumado. Não existe, no delito imperfeito, dano direto e o próprio interesse

social exige a minoração da pena; a consciência popular se manifesta

sancionando tais princípios nas decisões do júri, cuja tendência é sempre no

sentido de amenizar a pena nos casos de tentativa. Ideias da mesma natureza

corroboram os argumentos em favor da graduação da pena aplicável a cada

uma das modalidades da tentativa mesmo por que, assim expressamente o

determina o parágrafo único do Art. 14 Código Penal em vigor.

A intenção perversa do autor encontra-se destacada na doutrina

moderna, que afirma existir o mesmo perigo, seja no ato de consumar um

projeto criminoso como no de não o poder realizar por circunstâncias

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independentes da vontade ou apenas acidentais – trata-se de duas teorias que

explicam o assunto sob aspectos diversos e dão-lhes, por conta disso,

soluções diferentes.

4.3 Teoria subjetiva

Sustentada por Herz, Schwarze, Von Buri e outros alemães e, mutatis

mutandis, pelos criminalistas da escola positiva, também chamada de

naturalistas ou antropológica, visa a intenção na tentativa e estuda o caráter do

agente da tentativa, considerando-o de importância relativamente menor para

a essência material do fato; essa teoria considera a existência da tentativa,

uma vez manifestada a intenção de violar a lei, quer os atos praticados sejam

idôneos ou não.

4.4 Teoria objetiva

Seguida por Osenbruggen, Geyer e outros classicistas, considera a

intenção manifestada de forma inequívoca no ato material, diferenciando,

assim, os atos exteriores, insignificativos e de caráter unívoco, e declarando

impuníveis os primeiros – os preparatórios - , e passíveis de pena os outros –

os executivos – por constituírem o elemento material da tentativa.

O nosso Código seguia o sistema de classificação bipartida,

relativamente ao modo de punir a tentativa. De acordo com o mesmo, é

sempre punível a tentativa de crime. Contendo em suas disposições as

características de cada uma das modalidades do delito imperfeito e aplicando-

lhes indistintamente idêntica punição, a lei pátria os distinguiu em princípio

para os confundir na prática, de forma que o crime falho e o crime tentado têm

a mesma pena, que é a do consumado, menos um terço a dois terços em cada

um de seus graus. Assim, a lei penal, no que se referia a punição, nivelava

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modalidades delituosas diferentes, as quais a ciência discrimina e ela própria

reconhecia, obviamente.

CAPÍTULO III

TÍTULO DO CAPÍTULO

Da Desistência Voluntária e do Arrependimento Eficaz

1 Conceito Importante a distinção entre os institutos da desistência voluntária e do

arrependimento eficaz, vejamos: Haverá desistência voluntária, quando o agente iniciar a prática dos atos executórios, porém, por vontade própria deixar de praticá-los, interrompendo, assim, a ação, não importando o que o motivou, seja por medo, por arrependimento, ou por qualquer outro fato, desde que tal paralisação não se dê por intervenção de outrem.

Já, o arrependimento eficaz ocorrerá quando o agente praticar os atos executórios até o final, impedindo, porém, que o resultado se concretize. Nesse sentido é a redação do artigo 15 do Código Penal:

Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na

execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados. Se, no caso em concreto, houver constatação da ocorrência de um dos dois institutos em comento, haverá a exclusão da punibilidade do agente, sendo que esse apenas responderá pelos atos que efetivamente praticou.

No ensinamento de von Liszt,

“no momento em que o agente transpõe a linha divisória entre os atos preparatórios impunes e o começo de execução punível, incorre na pena cominada contra a tentativa. Semelhante fato não pode mais ser alterado, suprimido ou ‘anulado retroativamente’. Pode porém a lei, por considerações de política criminal, construir uma ponte de ouro para a retirada do agente que já se tornara passível de pena”. (VON LISZT, 1889, p. 342)

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Para que o crime seja enquadrado nas regras do artigo 15 do Código Penal, o agente não precisa agir com espontaneidade, todavia, sua desistência ou arrependimento deve ocorrer de maneira voluntária. Isso quer dizer que o agente deve, por sua própria vontade, desistir de cometer o crime ou de obter o resultado final. A desistência e o arrependimento precisam ser voluntários para a produção dos efeitos. Não se exige que o abandono de empreitada criminosa seja espontâneo, bastando a voluntariedade. Isso significa que a renúncia pode não se espontânea, mas mesmo assim aproveita ao agente

Qualquer que seja a motivação do agente, é suficiente que não tenha sido obstado por causas exteriores, independentes de sua vontade. É indiferente a razão interna do arrependimento ou da mudança de propósito: a recompensa da impunidade (parcial, no caso) é condicionada exclusivamente à efetividade de voluntária não consumação do crime

Aqui, a questão da voluntariedade não deve ser entendida somente como simples desistência. É que a simples desistência é compreendida como aquela espontânea e, nesse caso, não é a espontaneidade fator primordial para que se verifique a desistência voluntária ou o arrependimento eficaz. Isso porque o agente pode ser impulsionado a desistir ou se arrepender por questões particulares, decorrentes do seu intimo, como vergonha ou repeso.

Ainda, há quem entenda que o arrependimento eficaz pode ser verificado, inclusive, quando houver o arrependimento do agente em função de motivos diversos que não a voluntariedade do arrependimento propriamente, mas por achar que foi visto cometendo o delito, por exemplo. Assim é o entendimento jurisprudencial:Há divergências quanto à natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz, haja vista que parte dos doutrinadores defendem que tanto a desistência quanto o arrependimento dão margem a atipicidade de conduta,sustentando que se o agente desiste de praticar o crime ou se arrepende eficazmente, por vontade própria, ocorre a atipicidade.

Conforme ensina Alberto Silva Franco, “ alguns julgados consideram

que a desistência voluntária e o arrependimento eficaz são independentes dos motivos que levaram o agente a não consumar o fato criminoso.

Esclarece Maria Fernanda Palma, “ a voluntariedade não depende de

um impulso moral positivo. Basta uma conduta reconhecida como expressão da liberdade, embora possa basear-se numa ponderação egoísta”

Outros estudiosos entendem tratar-se, ambos os institutos, de causas

extintivas da punibilidade, tendo como argumento o fato de que, nesses casos, a extinção da punibilidade serve como motivação para a desistência do cometimento do crime ou para o impedimento do resultado advindo dele.

Vale observar, por fim, que não comete nenhum crime aquele que

desiste de praticá-lo antes mesmo do início dos atos executórios, mesmo que

tenha pactuado e ajustado anteriormente com outrem.

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1.1 A natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz 1.1.2 Causa excludente de adequação típica

Para Hungria, “são causas de extinção da punibilidade não previstas no art. 107 do Código Penal”. (HUNGRIA, 1958, p. 93)

Defendendo posição contrária à de Hungria, Frederico Marques, citado

por Damásio, conclui que “ o caso não é de extinção de punibilidade, mas sim de atipicidade do fato. (JESUS, 1995. P.296)

A conduta de desistência ou arrependimento deve provocar um desvio

do curso causal previamente planejado pelo autor do delito ora evitado ou impedido. O ato de evitar, relativo à conduta de desistência voluntária poderá ser tanto omissivo quanto comissivo. O que interessa saber é se os atos de execução não foram todos esgotados, a fim de que possa ser caracterizada a desistência no atuar eficaz do agente. Se os atos executivos tiverem sido esgotados, será hipótese de arrependimento ativo.

Atualmente, duas correntes de pensamento preponderam: uma, defendendo a tese de que o ato de desistência voluntária (ou de arrependimento eficaz) seja causa pessoal excludente de tipicidade; outra, entendendo ser causa pessoal de exclusão da punibilidade. Os que defendem a atipicidade alegam que a punibilidade é um dos pressupostos da impunidade. Só é passível de punição quem pratica determinado crime. Logo, só quem pode ter a punibilidade excluída é o autor de delito que preencha determinados requisitos legais. Na hipótese de desistência voluntária, consideram, os estudiosos, que deixou de se concretizar o tipo abstrato de tentativa (artigo14, caput, II do CP), em razão de o agente, por vontade própria, ter evitado a consumação do resultado típico. Portanto, não havendo crime tentado algum (pressuposto indispensável à punibilidade), inexiste a possibilidade jurídica de extinção de pena.

Os juristas que endossam a tese de exclusão de pena afirmam ser impossível excluir-se a tipicidade a posteriori de conduta inicialmente típica, pelo fato de o agente executor desistir (ou arrepender-se), voluntária e eficazmente, no curso da execução do delito planejado.

Se foram efetivamente constituídos os elementos do crime (tipicidade, ilicitude e culpabilidade), jamais um ato de arrependimento poderá ser justificativa à desconstituição superveniente da tipicidade, por ser materialmente impossível retirar-se, do mundo fático, atos juridicamente proibidos e já realizados, que estão diretamente interligados ao resultado típico antes visado, em perfeita relação de causalidade material.

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Diante da questão exposta, dúvidas ainda persistem na aferição da solução jurídica mais precisa e consentânea com a dogmática jurídico-penal em vigor. Pretendo, por conseguinte, com base na teoria finalista da ação e na relação de causalidade material, realizar uma interpretação adequada e satisfatória das normas penais aplicáveis ao caso, para que seja ratificada a tese da exclusão da punibilidade. Isso por entender que a teoria da excludente de tipicidade ignora o caráter material da tipicidade e seus efeitos concretos, em razão de desconstituí-la após uma simples interpretação lógico-formal, realizada ex post facto do tipo tentado. 1.1.3 Sistema Penal

As relações entre as pessoas podem ser resumidas em duas espécies: relações de concorrência e relações de cooperação. As primeiras caracterizam-se pela inevitável existência de competição ou disputa entre sujeitos, sem qualquer ajuda recíproca entre eles, a fim de conquistar determinado bem da vida (existente em quantidade limitada na natureza), ou ainda, com o propósito de exercer, plena e concomitantemente, os direitos subjetivos dos quais são titulares. É o que se dá, exempli gratia, quando indivíduos buscam a conquista de determinado emprego ou, na segunda hipótese, quando procuram exercer as faculdades inerentes ao seu direito de propriedade, tendo, em contrapartida, que se sujeitarem ao direito de vizinhança dos demais 1.1.4 Norma penal

A norma jurídica que compõe o sistema é um comando dirigido a uma finalidade. É uma norma de conduta do homem, de natureza preventiva; mas é também, principalmente, norma de composição de conflito de interesses. A norma jurídica possui sempre dois elementos internos: o comando e a sanção.

Aquele determina como se conduzir; esta, estabelece as conseqüências na hipótese de violação do comando. São elementos inseparáveis. A coercibilidade é a essência da norma jurídica, inexistindo esta quando não haja sanção. A estrutura externa da norma é a forma como ela é apresentada. É o instrumento que a exterioriza, que a veicula. Na hipótese da norma penal, é a própria lei stricto sensu (Código Penal). As normas penais podem ser da espécie incriminadora, que são normas extraídas da interpretação de tipos penais que descrevem condutas passíveis de punição; ou da espécie não incriminadora (normas de permissão: afirmam a licitude ou determinam a impunidade de condutas típicas realizadas em certas circunstâncias; e complementares ou explicativas: elucidam o conteúdo normativo ou delimitam o âmbito de aplicação de outras).

1.1.5 Tipo penal

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Pressupostos de admissibilidade para a criação válida do tipo penal

À medida que os conceitos de valores se alteram, o legislador, como membro da coletividade e representante do povo, sofre inevitável influência sobre suas convicções político-criminais.

As razões que embasaram a criação de determinados modelos legais de condutas proibidas, elevando-as à categoria de crime, são enfraquecidas ou desaparecem por completo. O critério político-criminal que impulsionava a atuação do legislador para a construção de tipos penais é modificado. Fatos que antes deveriam submeter-se à incidência das normas penais, ou são descriminalizados, ou, caso ainda estejam previstos legalmente como crime, tornam a norma penal sem eficácia social.

Portanto, o Poder Legislativo Federal, para constituir o tipo penal incriminador, classificando, conseqüentemente, certa conduta como delituosa, deve observar os seguintes princípios, em se tratando de um Estado Democrático de Direito:

a) princípio da reserva legal (art.5.º,XXXIX da CRFB), cujo conteúdo se compõe de quatro subprincípios: 1- a lei que estabelece o tipo penal só deve ser aplicada a fatos futuros, salvo se para beneficiar o réu (Lex praevia);

2- só a lei stricto sensu pode criar delitos, sendo, por conseguinte, inadmissível a criminalização por costumes (Lex scripta);

3- é juridicamente impossível a aplicação analógica (in malam partem) de norma penal para fundamentar ou agravar a pena de fato que não tenha sido legalmente erigido prévia e expressamente à categoria do crime correspectivo (Lex stricta);

4- os tipos penais devem ser certos, claros, precisos em seu texto o suficiente a não deixar dúvidas sobre a ratio legis, visando a obstar possíveis abusos decorrentes de juízos de valor do intérprete, necessários para uma correta interpretação e aplicação da norma(lex certa). Caso contrário, a segurança jurídica estaria abalada e as garantias individuais seriam materialmente inexistentes;

b) princípio da intervenção mínima. Significa dizer que determinada conduta só deve ser considerada, por lei, como crime, se a aplicação de normas não-penais forem insuficientes a restaurar a paz social, abalada pelo resultado por ela causado. A criminalização de condutas específicas identifica a natureza fragmentária da norma penal. Condutas são selecionadas para constituírem modelos proibidos, dentro de um universo de outras possibilidades de escolha, tendo em vista a relevância que a Constituição da República atribui a determinados bens da vida sob sua tutela (vida, liberdade, honra, propriedade etc.).

O caráter subsidiário da norma penal também é evidenciado, pois, se a lesão não alcançou a magnitude suficiente para seu autor sujeitar-se à coerção penal, deverá submeter-se, em regra, às sanções civis;

c) princípio da lesividade. Quatro funções podem ser atribuídas a este princípio: 1- proíbe-se a incriminação de sentimentos pessoais, internos ao agente; 2- proíbe-se a incriminação de condutas que não agridam bens de terceiros. Não existem motivos para punir o agente por ter provocado danos a

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bens próprios, sem que haja qualquer efeito socialmente reprovável. Em regra, o autor possui plena disponibilidade sobre o que lhe pertence; 3- veda-se a incriminação de estados pessoais ou simples condições existenciais, ou seja, o ser humano não pode sofrer sanções em função de sua personalidade, por ser considerado perigoso. Deve ser punido em virtude do que produziu, não do que ele é. É o que se entende por direito penal do autor, plenamente inconstitucional, por incompatibilidade com os postulados democráticos que regem o sistema jurídico-penal vigente; 4- proíbe-se a incriminação de condutas que, apesar de moralmente reprováveis, não violam bens de terceiros. São condutas desviadas do conceito do moralmente aceito pela maioria da população em determinado contexto social;

d) princípio da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade será o critério legitimador do exercício da atividade legislativa que imponha a privação da liberdade ao indivíduo, em razão de ter praticado o ato ora capitulado como crime. Tal princípio terá como função aferir a razoabilidade da norma penal recém-construída, por uma análise de sua adequação, de sua necessidade e de sua proporcionalidade em sentido estrito. A criação do tipo penal terá sido adequada se for o meio apto e idôneo a produzir o resultado desejado pela norma e seja conforme aos postulados constitucionais.

A necessidade indica que o meio adequado e gravoso adotado deve ser indispensável ao alcance do fim social perseguido, pois, se houver conduta menos onerosa e de eficácia social equivalente, a tipificação terá sido inconstitucional. A proporcionalidade em sentido estrito irá avaliar se, ao sacrifício imposto ao direito fundamental do indivíduo (liberdade), corresponde um benefício ao direito privilegiado, compatível e razoável com os ideais mínimos de justiça.

Criado o tipo penal, as seguintes características passam a ser-lhe inerentes: exclusividade, pois só ele estabelece in abstrato que condutas são criminosas; imperatividade, independentemente de ser a norma permissiva ou incriminadora. Se concretizada a hipótese legal, necessariamente, o respectivo comando normativo produzirá efeitos em relação ao agente; generalidade, com eficácia erga omnes, em razão de ser dirigido a todos os indivíduos, alertando para que não executem a conduta descrita; abstratividade e impessoalidade, por viabilizar a punição, em tese, de fatos futuros a ele subsumidos, não se endereçando a alguém, especificamente; e, por fim, possui caráter fragmentário, em virtude de não ter natureza permanente.

1.2 Funções do tipo penal

Ressaltando-se, sempre, a plena submissão do sistema jurídico-penal aos postulados inerentes ao Estado Democrático de Direito, ao tipo penal atribuem-se as seguintes funções:

a) função sistemática. A função sistemática do tipo tem o propósito de obstar a transformação do Direito Penal em instrumento para cometimento de arbitrariedades pelos agentes públicos que tenham atribuição ou competência para operá-lo, em virtude das delimitações precisas dos elementos objetivos,

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subjetivos e normativos, configuradores de um delito, que não devem ser concretizados em face de um contexto definido;

b) função político-criminal. Já se sabe que os bens da vida merecedores de tutela jurídico-penal devem possuir importância reconhecida constitucionalmente. Assim sendo, só estarão aptas a serem selecionadas e classificadas, ex lege, como condutas criminosas, aquelas que, sob o ponto de vista genérico e abstrato, indubitavelmente, possam ser idôneas a causar dano ou perigo concreto de dano aos respectivos bens sob proteção jurídica

c) função dogmática. Tem a finalidade de “esclarecer fundamentadamente em que medida e em que forma se deve considerar que determinada conduta ingressa na zona do ilícito.” Diante da diversidade de situações passíveis de caracterizar uma conduta delituosa, mister se faz a fixação precisa dos seus elementos identificadores, para que inexistam dúvidas no momento de se constatar se houve ou não a violação da norma pelo agente e, dessa forma, evitar-se qualquer espécie de injustiça e agressão à sua dignidade. Essa função busca a estabilidade e a segurança jurídicas, viabilizando soluções concretas para fatos delituosos enquadrados nos respectivos tipos penais. Traduz-se na observância do princípio da legalidade para a execução da norma penal.

1.3 Conceito de crime

Crime, em sentido material, é toda conduta humana lesiva, ou potencialmente lesiva, a determinado bem jurídico penalmente tutelado. Pelo aspecto formal, é todo fato típico, antijurídico e culpável. Típico, por concretizar hipótese abstrata prevista em lei; antijurídico, por contrariar diretamente norma jurídica previamente estabelecida (art.5.º,II da CRFB), sem o respaldo da incidência de alguma norma permissiva, apta a excluir ipso iure a ilicitude; e culpável, em razão de sua reprovabilidade social.

Descreve o art.15 do Código Penal, in verbis: “Art.15. O agente que,voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”.

Até então, constatou-se que, iniciada a execução do plano delitivo,

motivado por aquela vontade inicial, portadora do inequívoco animus laedendi, o agente demonstra indubitavelmente a presença dos elementos subjetivos do delito (dolo ou fins específicos) em sua mente, por meio do liame que os une ao modo como os atos são executados e aos danos concomitantemente ocasionados. Estes representam a procura incessante pelo resultado típico pretendido, constituído pelos elementos objetivos do crime de resultado naturalístico.

1.3.1 Conceito e sentido da palavra voluntariamente

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A vontade, da qual resultará o comportamento voluntário, deve ser a

realmente existente no interior do agente, podendo ou não ser livre a sua exteriorização. Aí está o cerne do problema: saber a respeito de que e de quem a vontade deve ser considerada autônoma ou livre, o que possibilitará a compreensão do sentido de voluntariamente.

É fundamental, para caracterizar a voluntariedade, que o agente seja imputável. Todavia, é prescindível que a exteriorização da desistência voluntária (ou do arrependimento ativo) seja espontânea, pois, o que importa é o agente ainda possuir o domínio das decisões sobre os atos de execução.

Independentemente de se tratar de desistência voluntária ou de arrependimento ativo, mister se faz que a conduta contrária e neutralizante da causalidade, movimentada pela exteriorização da vontade inicial e criminosa do agente, seja eficaz, evitando (ou impedindo), que a lesão típica de consume.

1.3.2 Significado da expressão só responde pelos atos já praticados (tentativa qualificada)

Considerada eficaz a neutralização dos efeitos produzidos em decorrência dos atos executivos realizados até o momento em que desistiu ou arrependeu-se, o agente ficará impune, por força do conteúdo normativo do dispositivo legal sob comento. Todavia, se os atos de execução até então praticados preencherem todos os elementos constitutivos de algum tipo de delito subsidiário e autônomo, o agente que os realizou estará sujeito à correspondente coerção penal.

É hipótese de tentativa qualificada, existente quando os atos de execução dirigidos à consumação de determinado crime, abarcam95, inevitavelmente, algum tipo penal subsidiário, por ser o caminho necessário e servir de instrumento (crime-meio) à realização do objetivo visado.

1.3.3 Causa excludente de adequação típica

A conduta de desistência ou arrependimento deve provocar um desvio do curso causal previamente planejado pelo autor do delito ora evitado ou impedido. O ato de evitar, relativo à conduta de desistência voluntária poderá ser tanto omissivo quanto comissivo. O que interessa saber é se os atos de execução não foram todos esgotados, a fim de que possa ser caracterizada a desistência no atuar eficaz do agente. Se os atos executivos tiverem sido esgotados, será hipótese de arrependimento ativo.

Portanto, nem sempre basta a simples omissão de continuar a execução, um simples desejar que o resultado não ocorra, sendo indispensável uma atitude neutralizante dos prováveis efeitos típicos lesivos.

Parte da doutrina entende ser a desistência voluntária ou o arrependimento eficaz uma causa de exclusão de adequação típica.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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Folha e Avaliação

Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

Título: A APLICAÇÃO DA TENTATIVA NOS CASOS DE DESITÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ

Autor: ANTONIO JORGE DA COSTA ESTRADA Entregue em: 12/06/2011 Avaliado por: Dr. FRANCIS RAJZMAN Conceito: