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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS 1° CURSO DE NEUROCIÊNCIAS E COMPORTAMENTO 27 de junho de 2008 www.ib.usp.br/labnec

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS

1° CURSO DE NEUROCIÊNCIAS

E COMPORTAMENTO

27 de junho de 2008

www.ib.usp.br/labnec

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i  

Sumário Cognição ......................................................................................................................................... 1 

Biologia da Cognição: Introdução .................................................................................................... 7 

Construção de circuitos e sua modificação pela experiência ............................................................ 10 

Integração entre circuitos: o modelo de redes .................................................................................. 11 

Biologia da Cognição: Integração Neural ........................................................................................ 15 

Percepção envolve ação ..................................................................................................................... 16 

Organização e hierarquia no ciclo percepção‐ação ........................................................................... 17 

Integrando percepção e ação: o sistema de neurônios espelho ....................................................... 18 

Percepção ..................................................................................................................................... 21 

Vias perceptuais ................................................................................................................................. 22 

Visão ............................................................................................................................................... 22 

Audição .......................................................................................................................................... 24 

Memórias atentas ao contexto .......................................................................................................... 25 

Ilusões e hemisférios cerebrais ...................................................................................................... 26 

Sinestesia ............................................................................................................................................ 28 

Concluir é um problema ..................................................................................................................... 30 

Atenção ......................................................................................................................................... 32 

Atenção e percepção .......................................................................................................................... 32 

Falha na percepção ............................................................................................................................ 34 

Teste de Posner .................................................................................................................................. 34 

Efeitos das lesões do sistema nervoso na atenção ............................................................................ 36 

Memória ....................................................................................................................................... 38 

Aspectos comportamentais e evolutivos ........................................................................................... 38 

O sistema nervoso como uma estrutura que suporta os sistemas de memória ............................... 39 

Aspectos fisiológicos da memória ...................................................................................................... 40 

Plasticidade Neural ............................................................................................................................. 42 

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ii 

Aquisição e manutenção da memória ............................................................................................... 43 

Redes neurais e memória .................................................................................................................. 44 

Modularidade e os diferentes processos de memória ...................................................................... 46 

Modelos de memória ........................................................................................................................ 47 

Memória de longa duração ........................................................................................................... 48 

Memória Operacional ................................................................................................................... 49 

Sistemas de memórias e seus aspectos evolutivos ........................................................................... 50 

Tomada de decisões ...................................................................................................................... 51 

Dilemas e Estratégias ......................................................................................................................... 52 

Origens ............................................................................................................................................... 53 

Interação ............................................................................................................................................ 54 

Percepção temporal .......................................................................................................................... 55 

Processos inconscientes .................................................................................................................... 55 

Atenção .............................................................................................................................................. 56 

Memória ............................................................................................................................................ 56 

Controle executivo ............................................................................................................................ 56 

Estudos clínicos .................................................................................................................................. 57 

Livre‐arbítrio e determinismo............................................................................................................ 58 

Emoção ......................................................................................................................................... 60 

Introdução ......................................................................................................................................... 60 

Emoção, cognição e comportamento ................................................................................................ 61 

Neurobiologia das emoções .............................................................................................................. 63 

Modelos animais................................................................................................................................ 66 

Modelos e Cognição ...................................................................................................................... 68 

Modelos sobre processos cognitivos ................................................................................................. 68 

Exemplo 1 ‐ Memória .................................................................................................................... 69 

Exemplo 2 ‐ Atenção ...................................................................................................................... 70 

Modelagem Computacional .............................................................................................................. 72 

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iii  

Teoria da detecção de sinais .............................................................................................................. 72 

Dois fatores são fundamentais para a decisão: a aquisição de informação e o critério ............... 72 

Exemplo 1 ‐ Memória e a Teoria de Detecção de Sinais ................................................................ 74 

Exemplo 2 ‐ Atenção e a Teoria de Detecção de Sinais ................................................................. 75 

Conclusão ........................................................................................................................................... 76 

Bibliografia .................................................................................................................................... 77 

 

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1º Curso de Neurociências e Comportamento

 

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Cognição

Wataru Sumi Laboratório de Neurociências e Comportamento

[email protected]

Os animais exibem diferentes tipos de comportamento, uns mais simples, outros

mais complexos. Os mais simples são as respostas reflexas, que são respostas

estereotipadas e fixas a estímulos específicos (Dethier, 1973). A resposta à dor é um

exemplo clássico de como um estímulo ambiental desencadeia uma resposta motora

automaticamente (Fig. 1.A). Existem também respostas bastante elaboradas, que podem

durar alguns minutos, desencadeadas por um único estímulo, como é o caso da resposta de

fuga apresentada por algumas espécies de anêmonas-do-mar. Quando ela é tocada por

uma estrela-do-mar, seus receptores são estimulados e assim, é iniciada uma sequência de

movimentos estereotipados (Fig. 1.B) que a faz se desprender do substrato e iniciar o nado.

Figura 1 - A. Reflexo a dor. B. Comportamento reflexo de fuga na anêmona-do-mar. Retirado de: 1. A http://scienceblogs.com e 1. B Dethier, 1973.

Como exemplo de comportamento altamente complexo, podemos citar a habilidade

dos corvos da Nova Caledônia para construir ferramentas, que são hastes manufaturadas a

partir das folhas das plantas locais e utilizadas para retirar insetos de dentro das cascas das

árvores ou troncos apodrecidos. Essas ferramentas possuem ganchos, uma característica

observada apenas nesses animais e em humanos (Hunt ,1996). Além disso, essas

ferramentas são altamente uniformes, porém, variando de acordo com as diferentes regiões

onde vivem os corvos, sugerindo que o conhecimento para produzir essas ferramentas seja

transmitido de um indivíduo para outro (Hunt e Gray, 2004).

Um exemplo mais próximo de nós humanos é o uso de diferentes ferramentas por

chimpanzés: eles são capazes de utilizar gravetos para “pescar” cupins ou formigas (Fig. 2);

pedras fazendo papel de martelo e bigorna para quebrar nozes ou, ainda; galhos como

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lanças para espetar presas entocadas em buracos além do alcance de seus braços. Essas

habilidades são aprendidas por observação e transmitidas de geração a geração (i.e.

culturalmente) (Wilson, 2000).

Figura 2 - Uso de ferramentas por chimpanzés. Um graveto é usado para “pescar” formigas. Retirado de Naish.

Dentre os exemplos de comportamento apresentados até agora, todos concordariam

que, no primeiro caso (resposta reflexa), o comportamento não envolveria processos

cognitivos e, no segundo caso (uso de ferramentas), se trataria do mais genuíno exemplo de

cognição observado na natureza. Porém, entre esses dois tipos bastante distintos de

comportamentos, o reflexo e a capacidade de produzir e utilizar ferramentas, existe um

grande repertório comportamental regido tanto pelo instinto como pelo aprendizado.

Os instintos são padrões de comportamento estereotipados que aparecem em sua

forma funcional desde a primeira vez em que são executados, mesmo que o animal não

tenha experiência prévia com o estímulo eliciador do comportamento. A rede neural

responsável pela detecção do estímulo e ativação do programa motor é denominada

mecanismo de liberação inato (Alcock, 2005).

Esses mecanismos inatos muitas vezes são modulados a partir das experiências

vividas pelos animais, ou seja, o aprendizado pode modificar o comportamento inato. Os

esquilos, por exemplo, que comem diferentes tipos de sementes e nozes, reconhecem-nas e

abrem-nas instintivamente mas, dada a variedade de formatos de sementes, é necessária

uma técnica específica para abrir cada uma delas. A habilidade de abrir um determinado tipo

de noz é adquirida por tentativa e erro até que chegam à perfeição (Tinbergen, 1971).

Vimos que existe um continuum de complexidade do comportamento. Como já

mencionado anteriormente, nem todos eles são tratados como cognição. A partir de que

grau de complexidade podemos dizer que um determinado comportamento é cognitivo?

Essa resposta varia enormemente entre diferentes autores. Uma definição mais abrangente

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entende a cognição como sendo os mecanismos pelos quais os animais captam a

informação do ambiente, a retêm e a usam para ajustar o comportamento às condições

locais ou, simplesmente, como processamento da informação. Em uma definição mais

estrita, cognição é tratada como o conjunto de processos que produzem o comportamento

intencional (Heyes e Huber, 2000), ou manipulação do conhecimento declarativo (saber

que), não sendo considerada cognição o conhecimento de procedimento (saber como)

(McFarland, 1991).

A definição adotada pela neurociência cognitiva é a mais ampla, ou seja, considera a

cognição como o processamento da informação. Se pensarmos que, por exemplo, a

memória pode ser dividida em explicita e implícita (Fig. 3), sendo que a memória explícita

seria responsável pelo comportamento intencional, a adoção da definição mais restrita de

cognição implicaria em estudar apenas parte desses processos.

Figura 3 - Existem diferentes tipos de memória. A memória de longa duração pode ser dividida em: memória declarativa e memória não-declarativa (retirado de Gazzaniga e col., 2006).

Como vimos até agora, a nossa definição de cognição não se restringe apenas a

processos mentais mais elevados, aqueles que nos permitem filosofar, calcular etc.. Durante

o dia, realizamos inúmeras atividades nas quais utilizamos a cognição. Conversamos com

um amigo, lemos um jornal, vamos até a padaria da esquina, preparamos uma refeição,

assistimos à televisão, andamos de bicicleta etc.. A maioria das nossas ações envolve

cognição, ou seja, processos como percepção, memória, atenção, tomada de decisão e

emoção.

Então, qual será o papel dos processos cognitivos em nossas atividades diárias?

Será que todos eles são utilizados? Veremos o “passo a passo” da recepção da informação

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e subsequente processamento. Antes de qualquer coisa, para interagir com o ambiente,

precisamos de uma interface que faça a ligação do mundo exterior com o mundo interior,

representada pelos diferentes receptores sensoriais (foto-receptor, quimio-receptor etc.),

que transformam os estímulos do ambiente em potenciais elétricos transmitidos pelos

neurônios.

Após o recebimento das informações do ambiente, elas são processadas pelo

sistema perceptual. Diferentes regiões do cérebro são responsáveis por processar as

diferentes características dos objetos. Por exemplo, quando vemos um pintinho amarelo

andando, essa informação é processada por três subsistemas distintos, responsáveis por

forma, cor e movimento. Apesar dessas características dos objetos serem separadas

durante o processamento da informação, elas são percebidas como uma unidade e não

apenas como forma, cor e movimento separadamente (Gazzaniga e col.,2002).

A qualidade da informação detectada do ambiente não recebe modulação dos

receptores sensoriais, isso depende basicamente das características do estímulo. A

quantidade de informações recebidas por nossos sistemas sensoriais é enorme. Para

entender essa grandeza, imagine perceber todos os detalhes existentes de uma paisagem

em alguns poucos segundos; isso é uma tarefa impossível. Nosso sistema nervoso é

simplesmente incapaz de processar todas as informações ambientais simultaneamente. Isso

fica evidente também quando tentamos realizar simultaneamente duas atividades distintas,

por exemplo, conversar e ler um livro.

O sistema nervoso, por meio da atenção, seleciona certos estímulos para serem

adequadamente processados. Os objetos ou eventos escolhidos para posterior

processamento variam de acordo com a sua relevância. Por exemplo, se queremos ler um

livro, direcionamos voluntariamente a atenção visual para as letras e palavras. Há também,

certos estímulos que atraem a atenção automaticamente. Esses estímulos se caracterizam

por ser mais salientes do que outros, como por exemplo, a sirene e as luzes intermitentes

das ambulâncias.

Vamos supor que estamos engajados em uma conversa. A atenção seleciona as

informações que julgamos relevantes e essas informações são processadas pelo sistema

sensorial auditivo e posteriormente enviadas para áreas responsáveis pela linguagem. É

importante ressaltar que o processamento da linguagem não envolve apenas o sentido

auditivo, mas também o visual e o somático. Quando lemos um texto utilizando a visão

(mais comum) ou o tato (leitura em braile), as informações desses diferentes sentidos são

igualmente processadas nas áreas da linguagem.

Para manter uma conversa, direcionar a atenção ou perceber o mundo como nós

percebemos, é necessária, além dos processos já mencionados, também a memória. A

memória nos permite lembrar a tabuada, o caminho para a faculdade, o rosto de nossas

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mães, nossos nomes, o significado das palavras etc. Para mantermos uma conversa

precisamos da memória, caso contrário não nos lembraríamos da última palavra ouvida ou

falada.

A atenção sustentada, que é o comportamento de manter a atenção focada em um

objeto ou situação por algum tempo, é possível graças à memória. Se mantemos a atenção

voluntariamente direcionada para algo, é porque provavelmente isso é relevante para nós.

Ou seja, as informações da memória influenciam o controle do direcionamento da atenção.

Direcionar a atenção voluntariamente ou realizar qualquer outra atividade, envolve a

tomada de decisão. A todo instante devemos decidir: continuamos a assistir TV ou

começamos a estudar para a prova? Comer mais uma fatia de pão no café da manhã? Usar

a camiseta vermelha ou a azul? Viajar para a praia ou para a montanha no feriado? A

maioria dos nossos comportamentos envolve algum tipo de decisão. A decisão não é

apenas uma simples escolha entre diferentes opções, mas uma escolha dependente de

diversos fatores. Um deles é a memória: quando sabemos, por experiências passadas, que

uma determinada opção pode nos trazer mais benefícios, é natural que essa escolha seja

preferida em detrimento das outras.

Outro fator importante na tomada de decisão é a emoção. Se tivermos medo de algo,

certamente nos comportaremos de modo a evitá-lo. Em um experimento clássico avaliou-se

o efeito da emoção no comportamento de risco. Eram apresentados a voluntários dois

montes de cartas. Em um deles (A), ganhava-se uma recompensa de $50, correndo-se o

risco de perder até $100. Por outro lado, no outro monte (B), podia-se ganhar $100, mas

podia-se perder até $1200, ou seja, o risco de perder era muito maior comparado ao ganho.

Sabendo dos riscos, os voluntários poderiam escolher livremente entre os dois montes.

Voluntários controles evitavam as cartas do monte B e a simples cogitação de escolher a

pilha mais arriscada desencadeava uma clara resposta emocional involuntária. Por outro

lado, pacientes com lesões específicas no córtex cerebral, relacionadas à emoção,

escolhiam sempre o monte mais arriscado e não apresentavam resposta emocional.

Esses são apenas alguns exemplos de como os diferentes processos cognitivos

atuam para produzir o nosso comportamento. Cada um desses processos pode ser mais ou

menos utilizado de acordo com a situação, a atividade realizada. Isso fica bastante claro

quando comparamos dois tipos de atividades como, por exemplo, fazer uma prova e assistir

à TV. Em ambos os casos utilizamos a memória, mas esse processo cognitivo é muito mais

ativo na primeira situação.

Estudando o funcionamento de cada um desses processos e como eles se inter-

relacionam, a neurociência cognitiva tenta entender como o sistema nervoso produz o

comportamento. Nos capítulos seguintes estudaremos como os diferentes processos

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cognitivos atuam, além, é claro, do funcionamento do sistema nervoso propriamente dito,

suas unidades funcionais e os mecanismos de integração e processamento da informação.

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Biologia da Cognição: Introdução

Renata Pereira Lima Laboratório Neurociência e Comportamento

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No sistema nervoso, neurônios nunca funcionam isolados; eles estão organizados

em circuitos que processam tipos específicos de informações. O sistema nervoso parece

organizado em grupos de circuitos, i.e., módulos, cujas funções servem a um propósito

comportamental específico. Desta maneira, sistemas sensoriais como a visão ou audição

adquirem e processam informações a partir do ambiente, o sistema motor permite que o

organismo responda a tais informações através da geração de ações. Há, entretanto, um

grande número de células e circuitos que estão entre estas mais ou menos bem definidas

aferências e eferências. Eles são coletivamente referidos como sistemas de associação e

são responsáveis pelas mais complexas funções.

Além destas amplas distinções, os neurocientistas têm convencionalmente dividido o

sistema nervoso dos vertebrados, sob o ponto de vista anatômico, em componentes centrais

e periféricos (Fig. 1). O sistema nervoso central (SNC) compreende o encéfalo e a medula

espinal. O sistema nervoso periférico (SNP) inclui fibras de neurônios que conectam os

receptores sensoriais na superfície do corpo ao SNC e a porção motora, que consiste em

axônios de nervos motores que conectam o encéfalo e a medula espinal aos músculos

esquelético, viscerais, cardíaco e glândulas.

Figura 1. Arranjo anatômico do sistema nervoso em humanos. Em azul o sistema nervoso central (SNC) e em amarelo, o sistema nervoso periférico (SNP). Retirado de Bear, 1996.

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Embora o arranjo dos circuitos que compõem estes sistemas varie grandemente de

acordo com suas funções, algumas características são comuns entre eles. As conexões

sinápticas que definem um circuito são tipicamente realizadas numa densa malha de

dendritos e terminais axonais. A direção do fluxo de informação em um circuito particular é

essencial para se entender sua função. Células nervosas que transmitem informações em

direção ao sistema nervoso central são chamadas de neurônios aferentes; já as que

transmitem informações para fora do encéfalo e da medula espinal (ou para fora do circuito

em questão), são chamadas de neurônios eferentes. Células nervosas que participam

somente no aspecto local do circuito são chamadas de interneurônios. Estas três classes –

neurônios aferentes, neurônios eferentes e os interneurônios – são os constituintes básicos

de todos os circuitos neurais.

De modo geral, podemos classificar os circuitos como:

Convergentes: aqueles nos quais um grupo de neurônios recebe uma

aferência (entrada) de um neurônio pré-sináptico e o circuito tende a se tornar concentrado.

Para demonstrar este tipo de circuito, imagine que tenhamos os neurônios A, B e C e que

cada um deles possua uma entrada diferente. Estes neurônios se projetam para um

neurônio D e este se projeta para outro neurônio E, realizando uma eferência (saída).

Circuitos convergentes são responsáveis, por exemplo, pela interpretação dos estímulos

sensoriais (Fig. 2, à esquerda).

Divergentes: são os circuitos que funcionam de maneira oposta aos circuitos

convergentes. Em vez de concentrar as aferências, estas se projetam separadamente para

diferentes neurônios. No caso do circuito divergente, o neurônio A possui uma aferência e

se projeta para os neurônios B, C e D. A característica básica de um circuito divergente é o

fato de que um único neurônio iniciará respostas de maneira crescente em outros neurônios.

Tais circuitos são encontrados nos sistema motores e sensoriais (Fig. 2, centro).

Reverberantes: o sinal de aferência é transmitido ao longo de uma série de

neurônios e cada um destes fará sinapses com neurônios de uma porção da via

previamente percorrida. O impulso reverbera sendo enviado ao longo do circuito

continuamente até que um neurônio seja inibido. Então, uma aferência no neurônio A se

projeta para o neurônio B, que se projeta para o neurônio C e então para o D e este se

projeta de volta para o neurônio A (ou para o B) e o ciclo se repete até que um neurônio

(que pode ser tanto A, quanto B, C ou D) seja inibido. Circuitos reverberantes estão

envolvidos no ciclo de sono-vigília, atividades motoras, memórias de longa duração, etc (Fig.

2, à direita).

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Figura 2 - Esquema representativo dos modelos de circuitos. À esquerda, o modelo de circuitos convergentes, no centro o modelo divergente e o reverberante à direita.

Além disto, circuitos podem funcionar paralela ou serialmente. No funcionamento

paralelo, sinais aferentes são processados em vias distintas e as informações são

analisadas de maneira analítica concomitantemente no tempo. Por exemplo, o sistema

visual funciona em vias paralelas que processam a informação neural de forma simultânea e

integrada. Sinais representando cores, movimento, forma e localização, por exemplo, são

processados simultaneamente em diferentes regiões do encéfalo. Atividades concomitantes

(e sincronizadas) nas vias visuais dorsal e ventral (que são anatomicamente distintas) são

responsáveis pela percepção unitária da imagem. No funcionamento serial, os resultados

dos processamentos de um circuito são necessários para que o próximo circuito possa

contribuir para o processamento total. Isto é, um neurônio estimula outro neurônio, que por

sua vez estimula outro neurônio e assim por diante. Um exemplo clássico de processamento

serial é o arco reflexo, em que há produz uma reação involuntária rápida, na maioria das

vezes inconsciente, que protege o organismo. Tal reação é originada a partir de um estímulo

externo que gera uma resposta antes mesmo do indivíduo tomar conhecimento da

existência do estímulo periférico e, conseqüentemente, antes deste poder comandá-la

voluntariamente. Muitos reflexos motores são controlados por neurônios localizados na

substância cinzenta da medula espinhal e do tronco encefálico (bulbo, ponte e

mesencéfalo), independentemente da vontade, como por exemplo:

• a retirada imediata da mão de uma panela muito quente;

• extensão da perna após a percussão e estiramento do tendão patelar;

• fechamento da pupila com o aumento da intensidade luminosa;

• aumento da secreção gástrica com a chegada do alimento no estômago.

Desta maneira, o ato reflexo é um mecanismo que gera uma reposta involuntária do

organismo a um determinado estímulo (dor, estiramento, aumento da intensidade luminosa,

variações da pressão arterial etc). Ocorrendo um estímulo, a fibra sensitiva de um nervo

aferente (ou sensitivo) transmite-o até a medula espinhal passando pela raiz posterior, ou

ao tronco encefálico, por meio de um nervo craniano. Na medula ou no tronco encefálico o

neurônio aferente comunica-se com o eferente diretamente ou por meio de interneurônios

associativos, gerando, no neurônio motor, a atividade que leva à ação. Os axônios

eferentes que levam essa ordem da medula (pela raiz anterior) ou do tronco encefálico (por

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um nervo craniano) constituem as fibras eferentes motoras ou vegetativas que levam a

informação ao órgão efetor (músculo estriado esquelético, glândula, músculo liso ou

músculo cardíaco) que, por sua vez, executará a resposta ao estímulo inicial.

É importante ressaltar que o processamento serial é a maneira mais simples por

meio da qual um circuito pode funcionar. Este tipo de processamento está envolvido nas

respostas mais simples e estereotipadas. Durante o processamento de funções mais

complexas, de modo geral, os circuitos envolvidos, além de processar informações de modo

serial, funcionam concomitantemente em paralelo com outros circuitos de maneira

sincronizada.

Construção de circuitos e sua modificação pela experiência

A construção da circuitaria do sistema nervoso envolve processos ontogenéticos

associados à interação do sistema com o ambiente. Assim, fatores químicos liberados por

determinados neurônios em diferentes estágios do desenvolvimento ontogenético atraem

projeções de outros neurônios intrinsecamente; paralelamente, essas projeções e conexões

entre neurônios podem originar-se também em associação com a estimulação

proporcionada pelo ambiente e/ou pela atividade de certos conjuntos de neurônios. Assim,

os padrões macroscópicos básicos das conexões no sistema nervoso estabelecidas

filogeneticamente podem ser microscopicamente alterados por padrões de atividade

neuronal (isto é, experiência), modificando a circuitaria sináptica do encéfalo. A atividade

neuronal gerada em decorrência de interações com o ambiente pré e pós-natal influencia a

estrutura e a função do sistema nervoso, além da construção de sua circuitaria.

A história de interação de um indivíduo com o ambiente, i.e., sua experiência

acumulada, molda os circuitos neurais, determinando seu comportamento. Em alguns

casos, as experiências funcionam primariamente como gatilhos que ativam alguns

comportamentos inatos. Mais freqüentemente, entretanto, experiências desenvolvidas em

períodos específicos no início da vida (referidos como períodos críticos) determinam um

repertório comportamental no indivíduo adulto. Estes períodos críticos influenciam

comportamentos diversos incluindo laços maternais, preferências sexuais e aquisição de

linguagem, entre outros.

Embora seja possível identificar conseqüências comportamentais de determinados

estímulos que foram apresentados em períodos críticos para determinadas funções, suas

bases biológicas ainda não estão completamente esclarecidas. Talvez o exemplo mais bem

investigado relacione-se ao período crítico no estabelecimento da visão. Alguns estudos

mostraram que a experiência é traduzida em padrões distintos de atividade neuronal que

influenciam a função e a conectividade dos neurônios relevantes. No sistema visual (e em

outros sistemas também) a competição entre aferências com diferentes padrões de

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atividade é um determinante importante na consolidação dos padrões de conectividade. Em

um axônio aferente, padrões de atividade correlatos tendem a estabilizar as conexões.

Quando padrões normais de atividade são rompidos (experimentalmente, em animais, ou

patologicamente, em humanos) durante um período critico na infância, a conectividade no

córtex visual é alterada, assim como a função visual. Se não é feita a manutenção destes

padrões até o final do período critico, estas alterações estruturais da circuitaria nervosa

dificilmente se restabelecem posteriormente.

A conectividade nervosa estabelecida ao longo do desenvolvimento normal

possibilita ao encéfalo armazenar vasta quantidade de informações que refletem a

experiência específica daquele individuo. Como esperado, a construção dessa

conectividade que tanto influencia o desenvolvimento do sistema nervoso gera alterações

maiores nos estágios iniciais de desenvolvimento. Assim, em um animal adulto, o sistema

nervoso se torna gradativamente mais refratário a lições da experiência e os mecanismos

celulares que medeiam as alterações da conectividade neuronal se tornam menos plásticos.

Integração entre circuitos: o modelo de redes

O conceito de que no córtex cerebral há domínios discretos dedicados mais ou

menos exclusivamente a algumas funções cognitivas, tais como discriminação visual,

linguagem, atenção espacial, reconhecimento de face, retenção de memória, memória

operacional, etc., tem sido questionado devido à falta de evidências conclusivas que o

apóiem. Em seu lugar, modelos de redes neurais têm sido apresentados como uma

alternativa mais coerente com as evidências disponíveis sobre seu funcionamento.

Em 1949, Donald Hebb hipotetizou uma forma de plasticidade sináptica

proporcionada por uma continuidade temporal das atividades pré e pós-sinápticas. Além de

acreditar que as conexões sinápticas eram as bases das associações mentais, ele foi além

do simples conexionismo dos behavioristas. Primeiro, ele argumentou que uma associação

não poderia ser localizada numa simples sinapse. Ao contrário, os neurônios estariam

agrupados em “assembléias de células” e esta associação era distribuída nas suas

conexões sinápticas. Segundo, Hebb rejeitou a noção de que a relação estímulo-reposta

poderia ser explicada somente por um simples arco reflexo conectando neurônios sensoriais

a neurônios motores. Assim, era necessário postular “um mecanismo central que explicasse

o atraso existente entre o estímulo e a resposta que é tão característico do pensamento”

(Hebb, 1949). Seguindo as idéias do neurofisiologista Lorente de Nó, Hebb acreditava que a

estimulação sensorial poderia iniciar padrões de atividade neural que eram mantidas

centralmente pela circulação em loops de feedbacks sinápticos. Tal “atividade reverberante”

torna estes padrões possíveis para as respostas que são subseqüentes aos estímulos

posteriores ao atraso. Em resumo, Hebb hipotetizou um “mecanismo com fundamentos

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duplos” da memória. A atividade neural reverberante era o fundamento da memória de curta

duração, enquanto as conexões sinápticas eram o fundamento da memória de longa

duração. Desta maneira, Hebb propôs que:

“A persistência ou repetição de uma atividade reverberante tende a induzir mudanças

celulares permanentes que promovem estabilidade no sistema” (Hebb, 1949).

Esta proposição pode ser precisamente colocada da seguinte forma: quando um

axônio da célula A repetidamente ou persistentemente dispara, alguns processos de

crescimento ou mudanças metabólicas acontecem em uma ou em ambas as células (A ou

B) de tal modo que a eficiência de A, uma das células que estão agindo sob B, é

aumentada.

Além disto, Hebb hipotetiza uma função específica para esta “sinapse hebbiana”: a

conversão da memória de curta duração em memória de longa duração pela estabilização

de padrões de atividade reverberante. Uma vez que este padrão de atividade foi

armazenado nas conexões sinápticas, ele pode ser resgatado repetidamente a partir da

excitação de neurônios sensoriais ou a partir de outros padrões de atividade reverberante.

A hipótese de Hebb foi verificada décadas depois com a descoberta da potenciação

de longa duração, LTP (do inglês, long-term potentiation) (Fig. 3). A LTP é um estreitamento

da conexão entre dois neurônios que resulta de uma estimulação simultânea de ambos e

pode ser induzida experimentalmente aplicando-se uma seqüência de pequenos estímulos

de alta freqüência na célula nervosa. Este estreitamento pode durar de minutos a horas (in

vitro) ou de horas a dias ou meses (in vivo).

Pela eficiência aumentada da transmissão sináptica, a LTP aumenta a habilidade de

dois neurônios, um pré-sináptico e outro pós-sináptico, de comunicarem-se através da

sinapse. O mecanismo preciso para este aumento da transmissão ainda não é bem

estabelecido, em partes porque a LTP é controlada por múltiplos mecanismos que variam de

acordo com a região em que acontecem, a idade do animal em questão e espécie.

Entretanto, nas formas de LTP mais compreendidas, a melhora desta comunicação é

predominantemente feita através do aumento da sensibilidade das células pós-sinápticas

em receber sinais das células pré-sinápticas. Estes sinais, na forma de moléculas de

neurotransmissores, são recebidos por receptores presentes na superfície da célula pós-

sináptica. Este aumento de sensibilidade é devido não somente ao aumento da atividade

dos receptores já existentes na superfície, mas também por um aumento do número destes

receptores.

Interessantemente, a LTP compartilha muitas características com a memória de

longa duração, o que faz dela uma candidata muito atrativa como um mecanismo celular do

aprendizado. Por exemplo, a LTP e a memória de longa duração dependem da síntese de

novas proteínas, possuem propriedades associativas e podem durar potencialmente vários

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meses. A LTP também pode responder por vários tipos de aprendizado, desde o

relativamente simples condicionamento clássico presente em todos os animais, até

respostas mais complexas, como a cognição observada em humanos.

De acordo com essa concepção, a alteração estrutural leva ao armazenamento da

informação podendo explicar o fenômeno da memória. Este modelo postula que todas as

representações cognitivas consistem em redes de neurônios cuja atividade foi associada

pela experiência (estímulos repetidos). Nesse contexto, pode-se assumir que memórias

filogenéticas correspondem a redes que se consolidaram ao longo das gerações e não

necessitam de experiência individual para serem funcionais, embora possam ser

aprimoradas pela experiência individual.

Figura 3 - Modelo representativo do funcionamento da Potenciação de Longa-Duração (LTP). Os receptores NMDA (vermelho) constituem a maquinaria molecular da aprendizagem. O neurotransmissor é libertado durante atividade basal e durante a indução de LTP (topo, à esquerda). A expressão de LTP pode dever-se à presença de mais receptores AMPA (receptores em amarelo, à esquerda, abaixo) ou à presença de receptores AMPA mais eficientes (à direita, abaixo). Disponível em www.braincampaign.org - 09/06/2009.

Se considerarmos que um neurônio tipicamente recebe informações de cerca de 104

neurônios e, por sua vez, projeta-se para outros 104 neurônios e, que o encéfalo humano

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contém pelo menos 1011 neurônios, isto significa dizer que pelo menos 1019 conexões

sinápticas são formadas no cérebro. Entretanto, a complexidade de seu funcionamento é

evidentemente maior, em particular quando se considera os arranjos seqüenciais pelos

quais uma informação pode viajar ao longo de seqüências de neurônios. Quanto mais

freqüentes as exposições a estímulos relevantes, mais fortes tornam-se essas conexões.

Como conseqüência, a informação tende a ser arquivada de maneira relacional. Isso

permite entender porque a recordação envolve, usualmente, categorias. Por exemplo, ao

pedirmos para uma pessoa listar todos os animais de que se recorda, não raro a lista

conterá animais agrupados por categorias de similaridade, ou seja, quadrúpedes, aves,

animais aquáticos, invertebrados etc. O mesmo ocorre em relação a alimentos; a

recordação também será categórica (frutas, verduras, legumes, carnes etc.). Isso ocorre

porque o aumento de atividade eletrofisiológica em determinados circuitos neurais (que

levam à recordação de uma dada informação) tende a estimular a atividade em circuitos

relacionados. Assim, quando aprendemos que determinado estímulo se refere a um

determinado conceito, estamos na verdade fazendo associações com conceitos que já

conhecemos (associando nós de uma rede com outros). Então, quando visualizamos a

imagem de uma maçã caindo, integramos todas as informações disponíveis (cor, forma,

contexto, movimento) com os circuitos já consolidados previamente e que em algum

momento foram associados ao conceito “maçã”. O mesmo vale para uma outra modalidade

de estímulo, ou seja, um som específico que atribuímos como característico de um

determinado animal, o cheiro de uma comida que está intimamente ligado com o seu sabor

etc.

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Biologia da Cognição: Integração Neural

Renata Pereira Lima Laboratório Neurociência e Comportamento

[email protected]

Todas as formas de comportamento adaptativo requerem o processamento de um

fluxo de informação sensorial e sua transdução em uma série de ações direcionadas a um

objetivo. Desde a mais primitiva espécie animal, todo o processo é regulado por feedbacks

externos (ambiente) e internos (Fig.1). Esse padrão de funcionamento torna o organismo

apto a forragear, fugir de predadores, lutar e reproduzir-se.

Figura 1 - Uma das finalidades da percepção é permitir uma interação com o ambiente. Interações podem incluir andar de um lugar para outro, pegar um objeto, conversar com uma pessoa ou dirigir um carro. De modo circular, tais ações afetam diretamente nossa percepção do mundo. Esta interdependência entre ação e percepção é ilustrada pelo “Ciclo Percepção-Ação” da figura acima. A visão que temos na integração sensoriomotora é que em vários aspectos do comportamento, ações motoras e processos sensoriais estão conectados inseparavelmente e, desta forma, precisam ser estudados juntos. 

O sistema nervoso evoluiu, sobretudo nos mamíferos, de tal forma que uma grande

complexidade estrutural e funcional foi alcançada não tanto pelas vias aferentes,

responsáveis por canalizar as informações sensoriais, ou pelas vias eferentes, responsáveis

por emitir as respostas motoras, mas por circuitos neurais que intermedeiam essas vias de

entrada e saída. Os complexos circuitos neurais que se localizam entre as vias sensoriais e

motoras são os principais responsáveis pela riqueza, flexibilidade e plasticidade de

comportamentos observados. Isso se manifesta na enorme diversidade de estímulos que

podem ser reconhecidos pelos sistemas sensoriais, na multiplicidade de graus de liberdade

com que ações são organizadas pelos sistemas motores e, sobretudo, pela rica e plástica

relação que se estabelece entre esses dois conjuntos.

A progressiva elaboração dos circuitos neurais pode ser entendida como uma

conseqüência da seleção de ações mais vantajosas (organizadas por circuitos “pré-

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motores”) em resposta à identificação seletiva de estímulos específicos (realizada por

circuitos “perceptivos”), provavelmente pressionada por fatores ambientais. Podemos supor

então que, ao tornar-se cada vez mais complexo, o funcionamento dos circuitos neurais que

organizam a integração sensório-motora expressa aquilo que chamamos de “percepção”,

“atenção”, “aprendizado”, “memória”, “ação” e, por fim, “consciência”. Esses rótulos estão

longe, em sua maioria, de uma definição completa e consensual. Eles são, mais

provavelmente, o resultado das limitações que ainda temos em compreender a essência do

funcionamento do sistema nervoso, não se constituindo em entidades separadas e

independentes da função neural.

Desta forma, se considerarmos que a percepção do mundo, onde “perceber” algo,

derivado do latim, significa “apoderar-se” dele, logo veremos que não há percepção sem que

alguma forma de atenção esteja em jogo. E é só por meio da percepção atenta que temos

de um estímulo que sentimos, de um evento que presenciamos ou de uma resposta que

emitimos, que poderemos mais tarde nos lembrar desse objeto, desse evento ou dessa

resposta, resgatando uma memória arquivada por meio de um processo de aprendizado. E,

de forma um tanto óbvia, todo trabalho investido em se “apoderar” do mundo, “arquivá-lo” e

“resgatá-lo”, seria inútil e sem sentido se não usássemos essa informação na organização e

emissão de uma ação sobre o mundo, com ele interagindo de forma contínua e coerente,

permitindo nossa permanência nesse mesmo mundo, apesar de seus constantes desafios.

Percepção envolve ação

Perceber algo geralmente requer alguma ação por parte de quem esta percebendo.

Freqüentemente temos que olhar (direcionar os olhos) para ver, fazendo uma varredura

visual do ambiente até que o objeto de desejo seja encontrado. Da mesma forma, para um

som ser audível, temos que direcionar nossos ouvidos em sua direção. Quando tocamos um

objeto, ele é mais facilmente identificado se for explorado pelos nossos dedos.

Todos estes exemplos demonstram que a percepção é um processo ativo que

funciona para direcionar e otimizar o comportamento através do seu refinamento. Além

disso, uma vez que um objeto tenha sido percebido, podemos decidir se iremos nos

aproximar ou nos afastar. Ao ouvir um barulho podemos responder a ele ou ficar quieto. Ao

identificar um objeto pelo toque podemos descartá-lo ou mantê-lo conosco. Em cada um

destes casos nosso comportamento depende do que é percebido.

A orientação da percepção por meio de uma ação induz uma distinção interessante

entre os vários sentidos que tem a ver com a proximidade do observador em relação ao

objeto percebido. Tocar e saborear algo requer um contato direto entre o observador e a

fonte de estimulação. Cheirar também é um certo contato com a fonte de estímulação;

substâncias químicas voláteis são diluídas conforme a distância da fonte aumenta; desta

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forma, o cheirar funciona mais eficientemente para substâncias que estão próximas. Em

contraste, ver e ouvir,não dependem tanto deste contato. Os olhos e os ouvidos podem

capturar a informação originária de fontes remotas, neste sentido eles funcionam como um

radar. Eles permitem que o indivíduo faça contato perceptual com um objeto que não está

próximo, eles estendem a percepção para um mundo além dos limites dos dedos e do nariz.

Estes dois sentidos substituem o deslocamento até a fonte de estímulo, permitindo que o

indivíduo explore a vizinhança.

Organização e hierarquia no ciclo percepção-ação

Em todo o sistema nervoso central, o processamento de seqüências de ações

guiadas sensorialmente segue um fluxo a partir de estruturas geralmente posteriores

(sensórias), em direção a estruturas anteriores (motoras), com feedbacks em todos os

níveis. Assim, no nível cortical, a informação flui de maneira circular ao longo de uma série

de áreas hierarquicamente organizadas e entre conexões que constituem o ciclo percepção-

ação (Fig. 2).

Ações automáticas e/ou muito freqüentes em resposta a estímulos sensoriais são

integradas em níveis mais inferiores do ciclo, nas áreas sensoriais da hierarquia (perceptiva)

e em áreas motoras da hierarquia (executiva). Comportamentos mais complexos, guiados

por estímulos também mais complexos e distantes no tempo, requerem uma integração em

níveis corticais mais superiores de ambas as hierarquias (perceptuais e executivas),

basicamente áreas superiores de associação sensorial e córtex frontal anterior.

Para garantir as interações entre as duas hierarquias corticais, longas fibras cortico-

corticais conectam recíproca e topologicamente as áreas da hierarquia perceptual com as

áreas equivalentes executivas. Assim, áreas pré-motoras se conectam com áreas sensoriais

associativas relativamente inferiores (áreas inferiores de ambas as hierarquias), enquanto

Figura 2 - O substrato cortical do ciclo percepção-ação. Em azul está representado o lado da percepção no ciclo e em vermelho o lado da ação. Os retângulos vazios representam áreas intermediárias ou subáreas do córtex. As setas representam vias anatomicamente identificadas em macacos e ressaltam a conectividade recíproca entre os córtices posterior e anterior. Retirado de Fuster, 2006. 

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áreas frontais anteriores se conectam com áreas associativas superiores do córtex posterior

(áreas superiores). Do mesmo modo, há evidências anatômicas de conexões ordenadas

descendentes do córtex frontal anterior ao córtex pré-motor e deste para o córtex motor. Em

cada estágio deste processo em cascata na hierarquia executiva, a próxima ação de uma

seqüência é determinada por dois tipos de influências: 1) o processamento dos aspectos

globais da seqüência nas áreas frontais superiores e 2) os sinais sensoriais que estão

ocorrendo naquele momento. A ativação progressiva de áreas frontais inferiores que

processam a ação é cumulativa. Da mesma forma, as entradas sensoriais associativas do

córtex posterior são progressivamente mais concretas e mais dependentes de um contexto

espacial e temporal imediato. Sinais que necessitam ser processados em um contexto

temporal mais amplo (episódico) requerem ações que dependem de uma integração

temporal em graus mais elevados. Estes sinais são processados no córtex posterior e

concomitantemente nas áreas superiores do córtex frontal anterior (rostral). Em ambos os

córtices, os sinais são integrados simultaneamente com as informações prévias (as regras

de uma determinada tarefa e as instruções eventualmente dadas) antes mesmo de serem

enviados para o processamento em estágios inferiores da hierarquia frontal. Sendo assim, o

córtex frontal anterior integra as mais elaboradas associações da informação sensorial que

estão armazenadas em redes dos córtices sensoriais e motores.

Se considerarmos que a execução de uma ação não se limita, em geral, a uma única

oportunidade, temos uma grande vantagem ao construirmos representações perceptivas do

mundo e guardá-las na memória, podendo usar essa informação em uma próxima

oportunidade em que ações semelhantes sejam requeridas. Esse aprendizado permite um

refinamento a longo prazo de nossas ações, fornecendo subsídios para ações mais

complexas, mais integrativas e de maior alcance adaptativo.

Integrando percepção e ação: o sistema de neurônios espelho

Quando temos que explicar uma ação humana, a neurociência tem duas abordagens

maiores: a sensoriomotora e a ideomotora. Na abordagem sensoriomotora, tudo começa

com uma estimulação, e as ações são consideradas uma conseqüência desta estimulação.

De modo inverso, na abordagem ideomotora, tudo começa com uma intenção, e as ações

são consideradas como o meio de realizar estas intenções, isto é, as ações são vistas como

o meio para determinados fins que seguem a intenção.

Assim como vimos acima, existe uma sobreposição e uma dependência entre as

percepções e as ações, tanto nos seus sistemas quanto nas respostas comportamentais.

Desde modo, fica difícil imaginar que nossas ações sejam meras escravas de nossas

percepções.

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Em uma situação em que uma pessoa observa as ações de outra pessoa, a

abordagem ideomotora oferece uma predição muito consistente. Considerando o fato de

sermos seres sociais, nós humanos passamos boa parte do nosso tempo observando as

outras pessoas, tentando entender o que elas estão fazendo e por que. Esta “comunicação

primitiva” é essencial para estratégias de sobrevivência e sociabilidade do indivíduo.

Contudo, como reconhecemos e entendemos as intenções das outras pessoas? Quais as

bases neurofisiológicas desta habilidade? A recente descoberta de neurônios espelho tem

inspirado uma série de estudos em busca destas respostas.

O reconhecimento de uma ação foi inicialmente concebido como baseado apenas no

sistema visual (abordagem sensoriomotora); isto é, numa análise dos componentes visuais

da ação específica, do agente envolvido, do objeto ao qual a ação é direcionada e do

contexto no qual ela está inserida. Assim, a interação de todos estes elementos identificados

visualmente permitiria ao observador reconhecer e entender uma ação feita por outra

pessoa. Uma hipótese alternativa admite que a observação de uma ação estimularia uma

“representação motora interna” que envolveria as mesmas estruturas neurais envolvidas na

execução da ação observada; de acordo com esta concepção, embora nenhum movimento

efetivo seja executado, a representação motora evocada pela observação permitiria o

reconhecimento do significado do que é visto. Com a descoberta de que há ativação de

neurônios na região do córtex pré-motor durante a observação de ações, os assim

denominados “neurônios espelho”, e considerando que esta hipótese não exclui a

possibilidade de que outro processo cognitivo, baseado na descrição do objeto e do

movimento, possa participar desta função, esta hipótese motora vem ganhando cada vez

mais adeptos. Todavia, tem sido proposto que os neurônios espelho formam um sistema

que combina observação e execução – percepção e ação.

Neurônios espelho são um grupo particular de neurônios cuja atividade aumenta

durante a execução de uma ação motora particular ou da observação da mesma ação

desempenhada por outro indivíduo. Sua descoberta ocorreu durante experimentos com

macacos envolvendo o controle motor de ações desempenhadas com as mãos, como por

exemplo, pegar/manipular um objeto ou alimento. Os descobridores destes neurônios, entre

eles Giacomo Rizzolatti, implantaram eletrodos no córtex frontal inferior de macacos (área

F5) e registraram a atividade dos neurônios individualmente enquanto os animais

alcançavam pedaços de alimentos. Eles observaram que alguns destes neurônios (situados

no setor superior da área F5), disparavam não somente quando o macaco pegava o

alimento, como também quando ele observava outro indivíduo (macaco ou humano)

desempenhando esta ação, como se a mesma tivesse sido “refletida” no seu córtex motor

(Fig. 3). Estudos posteriores mostraram que pelo menos 10% dos neurônios envolvidos no

controle motor de ações desempenhadas com as mãos são “neurônios espelho”.

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Estes estudos mostram que além do reconhecimento da ação motora por meio de

informações visuais, o sistema de neurônios espelho lida com informações mais abstratas, a

fim de reconhecer o objetivo final da ação. Esta resposta, baseada também em outras

modalidades, isto é, auditiva, sugere que a atividade espelho depende da riqueza das

experiências próprias do observador e de ações presentes em seu repertório motor

(memória de planos motores). Entretanto, aparentemente, o reconhecimento do objetivo

final de uma ação baseado em exposição prévia do observador só parece possível se

houver dicas suficientes no ambiente acerca da intenção desse outro indivíduo. Isto é, uma

ação implica em um agente e um objetivo. Conseqüentemente, o reconhecimento de uma

ação implica no reconhecimento de um objetivo e, em outra perspectiva, o entendimento da

intenção do agente: “João vê Maria pegando uma maça”. Vendo sua mão movimentando-se

em direção à maça, ele reconhece o que Maria fará (pegará algo), e também reconhece que

Maria quer pegar uma maça, isto é, o estímulo é ligado à intenção do agente. 

Desta maneira, o sistema de neurônios espelho oferece um modelo de integração

entre percepção e ação bastante interessante. Através do reconhecimento de ações e, não

apenas pelo sistema sensorial, mas também no próprio sistema motor do observador, ocorre

uma integração online das informações recebidas do ambiente - a ação observada sendo

executada por outra pessoa - e também entre informações presentes no sistema nervoso do

observador - representação motora da ação observada.

Figura 3 - Experimento feito com macacos em que ele executa uma ação (pegar o amendoim) e também observa esta mesma ação sendo feita pelo experimentador. À direita está um esquema que exemplifica a atividade dos neurônios espelho nas duas situações. Retirado de Rizzolatti,1996.

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Percepção

Felipe Viegas Rodrigues Laboratório de Neurociência e Comportamento

[email protected]

Percepção é um produto do sistema nervoso central que depende do

entendimento dos sistemas sensoriais, mas vai além destes. Entender percepção é

entender não somente como percebemos alguma coisa (seja vendo, ouvindo ou sentindo

estímulos), mas também por que percebemos e quais as implicações para com outros

aspectos da cognição, como a memória ou a atenção. Falar em percepção é falar sobre os

córtices associativos. Esse campo de estudo lida com dois problemas: (1) como todos os

aspectos de um estímulo sensorial são entendidos e processados (cor, forma, movimento

para visão; intensidade, timbre, altura para audição, por exemplo) e (2) qual a relação com

outros produtos da cognição, especialmente atenção e memória.

Uma das principais diferenças entre a percepção e as sensações é a constância

perceptual. Tome por exemplo a Fig. 1. Não importa qual a posição do carro mostrado na

figura, sabemos que se trata do mesmo carro, apesar das quatro imagens serem distintas e

provocarem estimulações diferentes

nas regiões iniciais do sistema

visual. O mesmo princípio é

verdadeiro para a percepção de uma

mesma nota musical tocada por

instrumentos diferentes. Embora as

frequências produzidas por eles

sejam diferentes, com alterações dos

harmônicos que compõem o som

resultante (dando a cada instrumento

seu timbre), a percepção de uma

determinada nota é mantida.

A constância perceptual só é possível pela integração da informação sensorial

com a informação de outras regiões encefálicas, inclusive (ou talvez principalmente) das

memórias adquiridas ao longo da vida. Esse mecanismo depende, portanto, de aprendizado

e ele é possivelmente uma particularidade da espécie humana. Experimente colocar um

capacete de ciclismo (que cobre apenas a parte superior da cabeça) e aparecer diante do

seu cachorro. Ele seguramente o estranhará. Por outro lado, o reconhecerá pelo cheiro e

voz, o que o fará parar de hesitar após algum tempo. Humanos são únicos em sua

capacidade de abstração, capazes de ver um tronco cortado em uma floresta e

imediatamente pensar: “Que bom! Um banco para descansar!”.

Figura 1 – A imagem na retina é imensamente diferente para osquatro desenhos. Ainda assim, perceptualmente logo nos damosconta de que se trata do mesmo carro. Retirado de Gazzaniga,Ivry e Mangun (2006).

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O interesse pelos mecanismos de percepção veio a partir de casos clínicos de

lesões cerebrais, em geral por acidentes vasculares cerebrais (AVC), em que os pacientes

tiveram comprometimento da percepção. Tais pessoas se tornaram incapazes de

reconhecer objetos ou pessoas que antes lhes eram muito familiares. Uma investigação

minuciosa evidencia que tais pessoas podem descrever em detalhes o que lhes é pedido, o

que descarta problemas de memória. Mais do que isso, a estimulação por outra modalidade

sensorial resulta em imediata identificação do objeto ou pessoa em questão, levando ao

entendimento de que o problema é perceptual e, em geral, associado a apenas uma

modalidade sensorial. Ao conjunto de sintomas de incapacidade de percepção é dado o

nome agnosia.

Vias perceptuais

As lesões cerebrais que levam a problemas de percepção frequentemente são

aquelas que ocorrem em áreas dos córtices parietal posterior, temporal inferior ou face

lateral do córtex occipital. Essas regiões encontram-se na confluência das áreas sensoriais

e, como já mencionado, são parte dos chamados córtices associativos, pois recebem

aferências corticais das regiões sensoriais e integram entradas múltiplas para desempenhar

funções cognitivas supramodais e comportamentais específicas. Algumas dessas regiões

são neoformações em primatas e elas constituem a maior parte do córtex cerebral,

particularmente no caso da espécie humana (Preuss, 2006).

Visão

O sistema visual é a modalidade mais estudada de todos os sistemas sensoriais

conhecidos. No capítulo sobre fisiologia sensorial foi possível entender como se dá o

processo de transdução do estímulo luminoso em sinal elétrico e como essa informação é

levada até o córtex. Vamos elucidar agora como essa informação é manipulada e integrada

com informações de outras regiões corticais para, de fato, entender como percebemos.

A informação que chega até o córtex visual não para em V1, muito pelo contrário,

essa informação continua avançando por diferentes regiões, cada vez mais próximas dos

córtices temporal inferior e parietal posterior, passando por populações de neurônios

especializadas no processamento de características específicas de um estímulo visual. Uma

particularidade desse sistema sequencial é que a cada sinapse que é realizada a partir de

V1, mais fibras vão convergindo para um mesmo neurônio. Com esse arranjo, quanto mais

adiante na sequência esteja um neurônio, mais específica é sua função no processamento

visual: enquanto aqueles no início da cadeia de processamento disparam para simples

estímulos em forma de barra (com populações específicas para as diversas angulações

possíveis dessa barra), há neurônios mais adiante nessa cadeia que só dispararão para

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23 www.ib.usp.br/labnec

combinações dessas barras ou

se o estímulo em questão tiver

características de um móvel

(Fig. 2).

Apesar do arranjo sequencial,

as evidências atuais apontam

para um processamento em

paralelo dessas diversas

regiões. Casos clínicos de

pacientes que tiveram um AVC

em regiões muito específicas

do encéfalo (nos córtices

associativos) revelam a perda

de percepção de algum

componente da visão, como

movimento ou cor, mas não de

outras características, mesmo

que estas sejam processadas

mais adiante na sequência de

processamento visual. O maior

tempo de reação para

detecção de um estímulo

visual quando mais de uma característica precisa ser analisada em um teste perceptual (cor

e forma, por exemplo) também reforça a ideia de processamento em paralelo. Se apenas

uma das características for necessária para a detecção do estímulo, independente de qual

delas, o tempo de reação é menor.

Na Fig. 3 pode ser vista uma representação das diferentes regiões de

processamento visual e o papel de cada uma delas na construção de um percepto visual.

Vale ressaltar que o arranjo existente nos permite definir uma via dorsal e outra ventral de

processamento. Através da via dorsal, podemos entender “onde” vemos um objeto, já que

essa via nos trás informações sobre movimento e posição espacial de um objeto. Já a via

ventral nos traz informações de “o quê” vemos, permitindo identificar características como

cor e forma de um objeto.

Figura 2 – Estrutura sequencial na organização dos córticesassociativos do SNC. Quanto mais adiante na sequência, maiscomplexo é o estímulo para qual a população de neurônios iráresponder. Modificado de Lent, 2006.

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Figura 3 – Vias paralelas de processamento do estímulo visual: via dorsal (córtex parietal posterior), para processamento de informações sobre localização espacial e movimento, e uma via ventral (córtex temporal inferior), para processamento de informações como cor e forma do objeto em questão. Retirado de Kandel e col. (2000).

Evidências clínicas, mais uma vez, não deixam dúvidas de que essas vias

colaboram de forma independente para a percepção de um objeto qualquer. Um paciente

com lesão em regiões da via ventral poderá afirmar não existir uma caneta (objeto) sobre

uma mesa diante dele. Apesar disso, se ele for instruído a imaginar um objeto sobre a mesa

e demonstrar como seria o movimento para pegar esse objeto, esse indivíduo faria o

movimento correto e até mesmo poderia pegar a caneta. A ativação de todas as regiões

corticais é necessária para que possamos ter a “correta” percepção de um objeto à nossa

frente; o uso de aspas justifica-se porque, falando-se em percepção, simplesmente não há

“correto”, mas sim uma experiência pessoal que é fortemente influenciada pelas nossas

memórias, emoções e a atenção deslocada a um dado estímulo do ambiente. Falaremos

mais sobre isso nos tópicos seguintes.

Audição

O sistema auditório e seus córtices associativos adjacentes têm sido mais bem

estudados nos últimos anos. Novos experimentos têm trazido evidências de que o

processamento de diferentes características do som também ocorre em diferentes regiões

corticais. Semelhantemente ao sistema visual, existiriam duas vias de saída para os córtices

associativos: uma anteroventral, relacionada à percepção de características do som como

timbre e tonalidade; e outra posterodorsal para a percepção de características espaciais e

localização do estímulo.

De fato, Bendor e Wang (2005) encontraram no córtex auditivo de saguis-comuns

(na região anteroventral) neurônios capazes de perceber tons, isto é, que disparam para

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uma determinada frequência e também para seus múltiplos. Essa relação entre frequências

é exatamente aquela encontrada entre duas oitavas musicais. Essa população de neurônios

provavelmente existe também em outras espécies de primatas, incluindo os humanos. É

possivelmente pelo disparo desses neurônios que identificamos as notas semelhantes entre

dois instrumentos musicais diferentes. Como no carro da Figura 1, é a constância perceptual

acontecendo para estímulos auditivos.

Por outro lado (ou, melhor dizendo, por outra via...), morcegos são um exemplo

brilhante da capacidade de localização por estímulos sonoros. Acredita-se que eles sejam

capazes de estabelecer um mapa do ambiente por onde se locomovem tão preciso quanto

aquele que estabelecemos pela estimulação visual. Tentar imaginar algo como isso é quase

impossível, mas, novamente, isto é apenas um reflexo da forma como percebemos o

mundo. Seria como tentar imaginar como um cego (de nascença) percebe o mundo. Embora

você provavelmente tenha pensado em fechar seus olhos e prestar atenção aos sons,

cheiros e pressões (táteis) ao seu redor, isto não é o que um cego percebe do mundo. Para

ele a estimulação visual nunca existiu, logo, perceber o mundo não é “ver” uma imagem

preta e atentar às outras sensações. Para ele, são apenas as outras sensações.

Há casos bem documentados de pessoas que conseguiram desenvolver a

capacidade de se ecolocalizar (como os morcegos) para se locomover. Essas pessoas

parecem criar mapas rudimentares do ambiente, precisos o suficiente para se locomoverem

sem maiores problemas.

Memórias atentas ao contexto

Em diversos mamíferos, após um estímulo percorrer todos os circuitos

necessários à sua percepção (ainda que de forma inconsciente), invariavelmente ele

chegará à região anterior do lobo frontal (ou estruturas homólogas). Essa região está

envolvida com memória operacional e atenção, especialmente no caso de primatas (e

possivelmente em outros mamíferos), e é onde o estímulo será integrado com memórias

passadas e, se o estímulo tiver maior relevância para o organismo (ou simplesmente se for

um estímulo muito forte – como um ruído muito alto), ganhará maior processamento neural

destes circuitos, resultando em um fenômeno que chamamos comumente de atenção.

É interessante notar que a definição de qual estímulo receberá atenção em um

dado momento também dependerá do contexto em que se encontra uma pessoa. Imagine-

se na sua rotina diária no colégio alguns anos atrás. Você consegue se lembrar com que

facilidade você percebia o sinal da sua escola soar perto do horário de ir embora? Ou

mesmo quantos “alarmes-falsos” você tinha durante essa espera? Da mesma forma,

círculos vermelhos não devem significar nada para você neste exato momento, mas eles

terão muita importância quando estiver dirigindo para algum lugar. Essas diferenças sutis

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naquilo que percebemos são produto de ativação de circuitos de atenção e das memórias

que acumulamos ao longo da vida.

Ilusões e hemisférios cerebrais

Ter memórias significa aprender sobre o ambiente que nos rodeia. Quando essas

memórias são integradas com nossa percepção, não é raro que tenhamos uma visão

distorcida daquilo que está diante de nós. Tome por exemplo a Fig. 4A. Qual das duas

barras horizontais é maior?  À primeira vista, todos dirão que a barra superior é maior.

Apenas alguns, após uma análise mais cuidadosa, dirão que ambas tem o mesmo tamanho.

Isso não significa que falhamos em enxergar. Apenas nos deixamos levar pelo aprendizado

que tivemos em toda nossa vida: ao longo dos anos, vemos que linhas de mesmo tamanho

parecem diferentes quanto mais distantes elas estão de nós. As barras convergentes na Fig.

4 criam a ilusão de algo que se distancia. Assim, percebemos as barras paralelas como

sendo de diferentes tamanhos. Olhe a Fig. 4B e isso ficará ainda mais claro.

(A) (B)

Nosso treino para perceber formas geométricas nos faz enxergá-las até mesmo

onde elas não existem. A Fig. 5 sugere o formato de um triângulo, mas sem todas as suas

bordas esperadas, de fato. A figura é conhecida como Triângulo de Kanisa. Algumas

pessoas chegam a dizer que ele é mais branco que as áreas em volta! A explicação direta é

que nos acostumamos a enxergar com mais luz algo que está em primeiro plano.

As ilusões de óptica não se resumem apenas a

fenômenos mnemônicos (que dizem respeito à memória).

Há também efeitos causados pelos próprios receptores

sensoriais. Você provavelmente já se deparou com

imagens como as que estão na Fig. 6. A estimulação de

um determinado receptor retiniano para cor por um

período prolongado leva à percepção da cor

complementar correspondente, o que faz com que, ao

olhar para um fundo neutro (branco, preto ou qualquer

tom de cinza), perceba-se cores trocadas na imagem.

Figura 4 – Ilusão de Ponzo. As linhas paralelas em (A) parecem ter diferentes tamanhos, apesar de serem iguais. Em (B) uma possível explicação biológica para esse efeito. 

Figura 5 – Triângulo de Kanisa.

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Figura 6 – Efeito de pós-imagem. Uma ilusão criada pelos receptores sensoriais quando superestimulados por uma determinada cor. Olhe fixamente por cerca de 30 segundos para qualquer um dos pontos pretos nas imagens e, em seguida, para uma parede branca. O que você vê?

Essa questão torna-se extremamente importante quando pensamos em contraste.

A percepção de uma cor em um determinado momento é influenciada não somente pela cor

em si, mas pelas cores em volta da mesma. Quão diferentes são as cores dos quadrados

“A” e “B” na Fig. 7? A resposta correta é: nada diferentes! Não há modificações! Isso

acontece porque as cores ao redor da cor atentada influenciam a percepção da mesma.

De forma mais ampla, somos influenciados por diferenças entre nossos

hemisférios cerebrais. Apesar de estes trabalharem sempre em conjunto, com ativações

bilaterais, diferenças sutis na ativação refletem certas dominâncias inter-hemisféricas que

podem também resultar em diferenças na percepção. Testes com pacientes que sofreram

um AVC e estudos com animais lesionados sugerem que o hemisfério esquerdo se

encarrega primordialmente da percepção de detalhes de uma imagem, enquanto que o

hemisfério direito se encarrega das características globais. Veja na Fig. 8 como estes

pacientes desempenham em um teste simples de cópia de uma figura. Essas diferenças

manifestam-se também na percepção de figuras com conteúdo ambíguo. O que você

percebe à primeira vista na Fig. 9?

Figura 7 - Os quadrados “A” e “B” da figura são diferentes na cor? Não! Os quadrados não são diferentes! 

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Sinestesia A sinestesia é um caso muito

específico de percepção em que uma

determinada modalidade sensorial gera a

percepção de outra modalidade. Um dos

eventos mais frequentes é a percepção

secundária de cores após a estimulação primária por um grafema, seja um número ou uma

letra (ou até mesmo palavras). A percepção induzida pelo estímulo primário é sempre muito

específica e unidirecional (a estimulação pelo percepto induzido não gera a percepção do

estímulo indutor pareado, isto é, se a palavra “casa” induz a percepção da cor amarela, o

contrário não acontecerá). Um sinesteta pode repetir mais de centenas de pares de

percepções com pouco ou nenhum erro.

Frequentemente a percepção induzida

é a de cores, seja por grafemas, como dito

acima, ou por sons (palavras em geral); mas há

relatos bem documentados de palavras gerando

percepção de gostos, gostos gerando formas,

cheiros para cores e, mais curiosamente, música

(ou intervalos tonais ou simplesmente tons) para

cores ou formas. As percepções secundárias de

gostos e também cheiros são menos comuns,

embora exista pelo menos um caso bem

documentado de percepção secundária de

gostos induzida por intervalos tonais (musicais).

A mesma pessoa reporta possuir o caso mais

comum de sinestesia entre tonalidades musicais

e cores.

A investigação sobre o fenômeno é ainda muito recente e algumas perguntas

básicas sobre o assunto só agora começaram a ser respondidas. Em relação aos

mecanismos neurais que possibilitam a sinestesia, duas proposições foram feitas:

Figura 9 – O que você vê nesse quadro? 

Figura 8 – Desempenho de pacientes com hemisférioscerebrais paralisados em um teste de cópia de figura.Pacientes que tem apenas o hemisfério esquerdofuncionante, percebem os detalhes das imagensoriginais, mas perdem a forma global. Por outro lado,pacientes com apenas o hemisfério direito funcionantepercebem a forma global, mas não se dão conta dosdetalhes. Retirado de Lent, 2006.

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alterações estruturais e alterações funcionais. A Fig. 10 apresenta um resumo dos modelos

de mecanismos possíveis.

Figura 10 - Modelos de Sinestesia. Os modelos diferem na rota proposta de ativação cruzada (direta ou indireta) entre as regiões indutora e concorrente e nas diferenças subjacentes ao sinesteta (estruturais ou funcionais). Regiões em amarelo estão ativas (começando pela região indutora) e, em azul, inativas. Conexões excitatórias são mostradas como flechas e inibitórias como pontas em traço. Linhas pontilhadas representam conexões presentes estruturalmente, mas funcionalmente inativas. Modificado de Bargary e Mitchell (2008).

As evidências de casos clínicos e fenomenologia da sinestesia apontam mais

fortemente para alterações estruturais na conectividade cerebral, com ligações anormais

entre as regiões indutora e induzida no cérebro de sinestetas (Bargary e Mitchell, 2008).

Vale ressaltar que diferentes possuidores de uma mesma sinestesia (tons para cores, por

exemplo) podem reportar associações diferentes para a cor induzida. Se um deles disser

que um dó maior é azul, o outro poderá dizer: “Isto está errado!”. Não se sabe por que a

indução de cores é muito mais frequente que a indução de outras percepções.

Diferenças na manifestação da sinestesia ainda levaram à sugestão de uma

classificação em dois tipos de sinestetas: (1) de ordem baixa e (2) de ordem alta

(Ramachandran e Hubbard, 2003). Essa divisão leva em consideração o estágio de

processamento em que ocorre o fenômeno perceptual. Sinestetas de ordem baixa tendem a

ter o efeito de indução apenas com estímulos muito específicos, por exemplo: números

escritos na língua de origem. Já os sinestetas de ordem alta têm o efeito de indução toda

vez que o conceito que um determinado indutor sugere está presente. Tomando por base o

exemplo anterior, nos sinestetas de ordem alta mesmo algarismos escritos em números

romanos (que nada mais são do que letras) poderiam gerar a percepção induzida.

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A incidência da sinestesia na população mundial é de algo entre 1% e 4% (Simner

e colaboradores, 2006), um valor bem diferente dos 0,05% anteriormente sugeridos.

Estudos em primatas dão indícios de que essas conexões “anormais” estão naturalmente

presentes no organismo durante a fase fetal e o período de lactância, mas após esse

período essa hiperconectividade de regiões sensoriais tende a ser removida do cérebro. Isto

ainda não fora comprovado em recém-nascidos humanos, mas observações

comportamentais levam à sugestão de que há uma “confusão sinestésica” nas primeiras

semanas de vida. A plena maturação perceptual e a segregação dos sentidos viriam apenas

após alguns poucos meses de vida, portanto. De qualquer forma, não ouse afirmar que um

sinesteta tem sentidos menos maduros ou perguntar a ele “como é viver assim?”. A resposta

sempre presente após essa pergunta é: “Como você vive assim?!”.

Concluir é um problema

Uma das maiores questões ainda não respondidas com respeito à percepção é

como geramos um percepto único das estimulações constantes à nossa frente se aspectos

diferentes de um estímulo são processados em regiões distintas do córtex cerebral (e.g. cor,

forma, movimento, etc., no caso da visão). É o chamado binding problem.

Uma das possíveis explicações para a forma como geramos um percepto é a de

que, pelo sequenciamento de neurônios no encéfalo, com cada vez mais neurônios se

juntando em um próximo neurônio (e, consequentemente, complexando o estímulo

processado), ao final do processamento, invariavelmente todas as informações sobre o

estímulo estariam ali reunidas. A quantidade de regiões envolvidas e a divisão do

processamento em duas vias (dorsal e ventral), porém, não favorece essa explicação.

Parece mais plausível aos pesquisadores que o encéfalo forme um percepto único

pela sincronização do disparo dos neurônios das diferentes regiões corticais, ainda que

cada uma delas esteja envolvida no processamento de distintos aspectos de um estímulo

apresentado. Essa explicação, porém, ainda carece de comprovações.

O estudo de casos de sinestesia tem trazido algumas colaborações para aquilo

que entendemos sobre percepção. Alguns sinestetas relatam a percepção de cores

estranhas, diferentes de qualquer cor que eles já tenham visto em algum objeto ou lugar.

Um deles chegou a chamar essas percepções sinestésicas de “cores marcianas”.

Ramachandran e Hubbard (2003) atribuem essas cores estranhas à ligação cruzada (ou

direta) de um córtex sensorial para outro, o que “desviaria” o processamento de estágios

iniciais da percepção de cores. Segundo os autores, isso sugere que a experiência subjetiva

da percepção de cores depende não só do processamento final, mas de todo o padrão de

atividade neural que leva à formação de um percepto, incluindo as fases iniciais do

processo.

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Estando certa ou não a sugestão dada por Ramachandran e Hubbard (idem), fica

claro que ainda precisamos entender muito sobre os mecanismos pelos quais simplesmente

percebemos o mundo que está ao nosso redor. Ou talvez um dia tenhamos a certeza de

que, desde sempre, apenas representamos internamente o que é percebido externamente.

Pelo menos é isso que os estudos sobre atenção e memória sugerem cada vez mais

fortemente.

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Atenção

Wataru Sumi Laboratório de Neurociências e Comportamento

[email protected]

A todo instante somos expostos a uma grande quantidade de estímulos ambientais

que são captados por nossos órgãos sensoriais. A maioria desses estímulos não é

percebida pelo observador, apenas alguns selecionados para serem posteriormente

analisados. Acredita-se que o sistema nervoso é incapaz de processar todas essas

informações. Assim, para permitir um processamento eficiente, a atenção selecionaria

apenas algumas poucas informações que nós recebemos (Bear e col., 1996).

O conhecimento acumulado sobre atenção no último século tem trazido à luz, mais e

mais fenômenos relacionados com esse processo cognitivo. A partir da década de 1950,

muitos cientistas cognitivos propuseram diferentes teorias para abarcar o conjunto de dados

revelados pelas mais diversas técnicas de avaliação do comportamento e de medições das

atividades do cérebro. O presente texto será focado nos aspectos comportamentais da

atenção, portanto, não nos ateremos aos processos neurofisiológicos responsáveis pela

atenção nem nas diferentes teorias criadas ao longo das últimas décadas para explicar o

funcionamento geral desse que é um dos mais interessantes e enigmáticos processos

cognitivos.

Atenção e percepção

Como mencionado anteriormente, a atenção seleciona um conjunto de informações

do ambiente enquanto ignoram outros. Veremos ao longo do texto diferentes exemplos de

experimentos nos quais é evidenciado esse fenômeno, principalmente na atenção visual.

Antes, começaremos com os efeitos da atenção sobre a percepção auditiva.

Na década de 1950, Cherry realizou um experimento no qual era avaliada a

capacidade de selecionar um dentre dois estímulos auditivos simultaneamente

apresentados. O voluntário utilizava fones de ouvido e recebia diferentes estímulos, um para

cada ouvido. O voluntário era então instruído a prestar atenção apenas a um dos ouvidos.

Ele observou que os voluntários eram incapazes de relatar o que foi apresentado ao ouvido

não atendido (Gazzaniga e col., 2002). Esse efeito não aparece apenas quando ouvimos

estímulos diferentes em cada ouvido. Somos frequentemente expostos a situações nas

quais recebemos diferentes estímulos auditivos, selecionando os que nos interessa e

ignorando os demais. Para ilustrar melhor esse efeito, podemos nos imaginar em uma festa:

existem dezenas de pessoas, umas falando mais alto que outras, além da música no volume

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máximo. Apesar disso, somos capazes de selecionar estímulos específicos que nos

interessam como a fala de um amigo ou eventualmente a música sendo tocada.

Apesar da avaliação da atenção auditiva ter contribuído bastante com entendimento

da atenção, os estudos nessa área concentram-se principalmente na atenção visual. Isso

fica claro quando tanto pelo numero de artigos publicados como pela diversidade de tarefas

desenvolvidas pelos cientistas. Consequentemente, o conhecimento acumulado sobre esse

sistema perceptual é muito maior. Vamos a seguir ver os diferentes efeitos comportamentais

da atenção sobre a percepção visual.

Para compreendermos melhor a atenção, podemos utilizar a metáfora do holofote:

enxergamos os objetos iluminados pela luz, mas não somos capazes de enxergar os objetos

que permanecem nas sombras. De forma semelhante, para percebermos os estímulos do

ambiente, eles devem estar sob o foco da atenção. Um experimento realizado no final do

século XIX por Herman von Helmholtz demonstra isso claramente. Nesse experimento, os

voluntários eram colocados em frente a um painel e eram instruídos a direcionar a atenção a

um ponto específico da tela. O painel era mal iluminado e o voluntário era incapaz de

observar qualquer letra impressa nele. Quando um flash de luz era acionado, era então

possível ver as letras. Porém, os voluntários eram capazes de discriminar apenas as letras

localizadas na região onde a atenção estava previamente focada (Gazzaniga e col., 2002).

Como citado anteriormente, não somos capazes de processar eficientemente todas

as informações que recebemos do ambiente. Quando procuramos algo específico no

ambiente, podemos ter mais ou menos facilidade de acordo com a característica do alvo.

Quando um estímulo se destaca muito no meio de outros estímulos, a atenção pode ser

atraída automaticamente, como ocorre, por exemplo, com as luzes intermitentes dos

automóveis. Por outro lado, quando a diferença entre o alvo e os outros elementos da cena

(distratores) é pequena, é necessário procurá-la, ou seja, direcionar voluntariamente a

atenção. Ambos os processos podem ser avaliados na tarefa de busca visual (Fig. 1).

Quando o alvo (1-A: barra vertical e; 1-B: barra vermelha) é muito diferente dos distratores,

a sua detecção é quase imediata, independentemente do número de elementos, ou seja,

podem ser cinco ou cinquenta distratores sem que o tempo para a detecção do alvo seja

afetado. Isso porque a atenção é atraída automaticamente. Porém, quando a diferença entre

alvo (1-C: barra azul horizontal) e os distratores é pequena, o tempo de detecção aumenta

de acordo com o aumento do número de elementos distratores, isso porque é necessário

analisar cada um dos itens isoladamente de forma serial; assim, quanto mais elementos

precisarem ser analisados, maior será o tempo necessário para detectar o alvo (Treisman e

Gelade, 1980).

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Figura 1- Tarefa de busca visual. 1a e 1b: o alvo difere em apenas uma característica em relação aos distratores: forma e cor, respectivamente. 1c: o alvo possui duas características que o torna diferente dos distratores (horizontal azul).

Falha na percepção

Quando não prestamos atenção ao ambiente por estarmos distraídos ou por

estarmos prestando atenção fixamente em algo, deixamos de perceber diferentes estímulos.

Existem experimentos nos quais são evidenciados esses efeitos. Um deles é denominado

cegueira inatencional. Isso se caracteriza pela incapacidade do voluntário de reportar a

presença de um objeto no centro de seu campo visual, perfeitamente visível, mas

inesperado, porque a atenção estava engajada em outra tarefa (Neisser e Becklen, 1975).

Outra evidência do papel da atenção na percepção é a cegueira para mudança, um

fenômeno relacionado com a cegueira inatencional, mas com sutis diferenças. Esse efeito

se refere à incapacidade em identificar diferenças entre duas imagens apresentadas em

seqüência (Simons e Rensink, 2005). Essas imagens podem ser fotografias diferentes, algo

como os jogos de sete erros, ou mesmo objetos do ambiente. Em uma “pegadinha”

realizada por uma emissora de TV, o atendente de uma loja abaixa-se atrás do balcão para,

supostamente, pegar uma mercadoria, ele então troca de lugar com outra pessoa que, após

se levantar, continua a interagir com os clientes-vítimas como se nada tivesse acontecido.

Poucos clientes percebiam a troca.

Teste de Posner

Uma das maiores contribuições para os estudos da atenção foi feita por Posner, que

desenvolveu uma tarefa que pode ser utilizada para testar diferentes aspectos da atenção.

Essa tarefa (Fig. 2) consiste em manter o olhar fixo no centro de um monitor de vídeo.

Apresenta-se, então, uma pista indicando o provável (por exemplo, 80%) local de

aparecimento de um alvo, que pode ser para a direita ou esquerda do monitor. Nesse caso,

a pista é chamada de válida. No restante das tentativas (20%), a pista indica o local oposto

de aparecimento do alvo, sendo chamada então de pista inválida. Após o aparecimento da

pista, o voluntário deve direcionar a atenção, mas não o olhar, para o local indicado pela

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pista. Finalmente, após o aparecimento do alvo, o voluntário deve responder pressionando

um único botão, independente do lado e da validade da pista (Bear e col., 1996).

Quando o voluntário direciona a atenção para o local de aparecimento do alvo (i.e.

tentativa com pista válida) ele responde mais rápido do que na situação em que ele

direciona a atenção para o lado oposto do monitor de vídeo. Essa tarefa nos permite avaliar

diferenças entre esses tempos de resposta na ordem de dezenas de milissegundos.

Se alterarmos a intensidade do estímulo alvo, será possível observar claramente os

efeitos atencionais sobre a percepção. Nesse caso, o estímulo deve estar um pouco acima

do limiar de percepção do voluntário. Então, se o alvo for precedido da pista válida, quando

o sujeito direciona a atenção para o local de aparecimento do alvo, ele responde

normalmente, mas, quando o voluntário direciona a atenção para o lado errado em

decorrência da pista inválida, ele simplesmente não vê o alvo.

Figura 2- Tarefa de orientação espacial da atenção. O voluntário deve manter o olhar fixo no centro do monitor. Ele será, então, instruido a direcionar a atenção para um dos lados de acordo com uma pista e, finalmente, responder ao aparecimento do alvo. Retirado de Lent, 2002.

Uma alteração dessa tarefa pode nos mostrar o efeito do direcionamento atencional

na percepção da coincidência temporal da apresentação de estímulos. Nessa tarefa, os

voluntários eram orientados a direcionar a atenção para um dos lados do monitor, de acordo

com uma pista sinalizadora, mas ao invés de aparecer apenas um alvo, à direita ou à

esquerda, apareciam dois alvos, um de cada lado, mas com um intervalo de algumas

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dezenas de milissegundos. Observou-se que os voluntários percebiam um estímulo mais

rapidamente quando prestavam atenção ao local de aparecimento; por exemplo, se ele

direcionasse a atenção para o lado direito e aparecesse um estímulo à esquerda e 30ms

depois na direita, o voluntário relataria que os alvos apareceram simultaneamente, apesar

da defasagem temporal entre os estímulos (Stelmach e Herdman, 1991).

Efeitos das lesões do sistema nervoso na atenção

Até agora, vimos os efeitos produzidos pela alocação ou não da atenção nas

atividades do cotidiano ou em condições experimentais que nos auxiliam a entender como

ela funciona. Outra fonte muito importante de informação sobre as relações desse processo

cognitivo que tem contribuído com os avanços nessa área é a observação de indivíduos

com graves deficiências atencionais, decorrentes de lesões provocadas por AVC, tumores,

traumas, etc.

Lesões no córtex parietal, na junção com o córtex temporal (principalmente no

hemisfério direito), produzem um efeito conhecido como síndrome de heminegligência (Fig.

3), que consiste em ignorar objetos ou eventos presentes no lado oposto à lesão (Robertson

e Rafal, 2000). Apesar do prejuízo em relatar eventos no campo contralateral, os pacientes

dessa síndrome ainda são capazes de identificá-los precariamente, porém, quando

estímulos são apresentados simultaneamente em ambos os lados do campo visual, eles

identificam apenas os estímulos apresentados no lado ipsolateral (Gazzaniga e col., 2002).

Esse efeito é chamado de extinção.

Em um experimento clássico é possível observar que a heminegligência não afeta

apenas a percepção. Um paciente que sofre dessa síndrome foi orientado a descrever uma

paisagem com a qual ele estava bastante familiarizado (a praça central da cidade em que

vivia). Imaginando-se posicionado em um dos lados da praça, ele descrevia apenas a

metade da paisagem. Mas, quando ele era orientado a se imaginar do lado oposto da praça,

Figura 3- Desenho feito por um paciente com a sindrome de heminegligência. À esquerda, desenho modelo e, à direita, cópia feita pelo paciente. Metade da figura é ignorada pelo paciente. Modificado de Gawryszewski e col., 2007.

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ele descrevia os objetos anteriormente ignorados e mantendo a tendência de ignorar

metade do campo visual (Gazzaniga e col., 2002).

A lesão no córtex parietal dos dois hemisférios cerebrais produz a síndrome de

Balint. O portador dessa síndrome percebe apenas um objeto de cada vez (agnosia

simultânea), mesmo quando dois objetos estão próximos ou sobrepostos (Gazzaniga e col.,

2002). Para esses pacientes, os objetos aparecem de repente e as mudanças do campo

visual para outros objetos são aleatórias. A capacidade de reconhecer rostos, formas, cores

e palavras são mantidas, mas a incapacidade de ver dois objetos simultaneamente faz com

que esses pacientes percam a noção de espaço. Eles são incapazes de dizer se um objeto

está à direita, à esquerda, acima ou abaixo em relação a eles ou outros objetos (Robertson

e Rafal, 2000).

As propriedades atencionais descritas aqui mostram explicitamente a relação entre

atenção e percepção, mas não apenas isso. Sabendo, por exemplo, que a nossa memória

se constrói principalmente a partir do que percebemos do mundo, fica claro também que a

atenção tem grande importância na formação de memória. É importante ressaltar também

que, se por um lado a atenção afeta o funcionamento das outras funções cognitivas, a

recíproca também é verdadeira, pois todas as funções cognitivas são inter-relacionadas,

modulando-se mutuamente, como será visto nas demais aulas desse curso.

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38 www.ib.usp.br/labnec

Memória Leopoldo F. Barletta Marchelli

Laboratório de Neurociência e comportamento [email protected]

Das propriedades que emergem da organização e funcionamento do sistema

nervoso, a memória é tida como um dos resultados mais fascinantes. O que demonstra a

presença de memória em um organismo é a capacidade que ele tem de alterar seu

comportamento em função de informações adquiridas e armazenadas. Uma vez que ocorra

interação entre ambiente e indivíduo, os sistemas de memórias, aptos a aprenderem sobre

informações e regras ambientais relevantes (altamente informativas), guiam

adaptativamente o comportamento desses indivíduos. Com o acúmulo de informações, o

sistema nervoso passa a detectar regularidades e antecipar eventos em função de

experiências anteriores. Desta forma, organismos portadores de memórias podem relacionar

grandes quantidades de informações passadas e presentes e selecionar quais receberão

um processamento preferencial por meio do direcionamento da atenção. Isso quer dizer que

em função de experiências prévias, tais organismos podem flexibilizar o controle de seus

comportamentos. Isso lhes garante um repertório de soluções para os mais diversos

problemas que a sobrevivência impõe.

Aspectos comportamentais e evolutivos

Aos olhos da teoria proposta por Charles Darwin em 1859, sistemas biológicos são

tidos como produtos da evolução por seleção natural, que pode favorecer o

desenvolvimento de um sistema mais adaptado. Além de a seleção atuar sobre estruturas e

mecanismos, ela age também selecionando comportamentos. Por exemplo, se um ambiente

é relativamente simples e possui certa regularidade, a seleção natural pode favorecer

indivíduos que sejam capazes de gerar “previsões” de tal ambiente e responder de maneira

antecipatória. Neste caso esses indivíduos estariam então mais aptos para tal ambiente. Se,

no entanto, a complexidade de tal ambiente aumentar, a imprevisibilidade pode tornar-se um

problema. Indivíduos que tiverem um sistema mais flexível, capaz de obter e armazenar o

máximo de informações relevantes sobre o ambiente, estarão mais aptos a reagirem

prontamente a estímulos ambientais. Assim sendo, serão capazes de solucionarem

problemas de maneira antecipatória quando um padrão regular puder ser identificado. Ainda

sim, mesmo quando um padrão não puder ser identificado e os problemas forem

inesperados, com informações prévias, os indivíduos portadores de sistemas flexíveis de

armazenamento de informações poderão resolver problemas de forma não-antecipatória.

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1º Curso de Neurociências e Comportamento

 

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O processo de evolução do sistema nervoso, sobretudo da memória, parece estar

relacionado com a ideia do desenvolvimento de sistemas seletivos capazes de lidar com

novidades ao longo da vida do individuo. À medida que um individuo consegue identificar

estímulos, prever o ambiente e gerar as “inferências” e respostas mais adequadas, ele se

beneficiará; estará, portanto, mais apto para determinado ambiente. Deste modo, a emissão

de comportamento antecipatório e a resolução de problemas, ambos baseados em

experiências antecedentes, conferem ao repertório comportamental do sujeito alto valor

adaptativo. Uma vez que a emissão de determinados comportamentos diante de algumas

situações também traz ganhos adaptativos, parece razoável considerar que a memória seja

um dos resultados de maior sucesso ao longo da evolução biológica.

O conceito de memória pode estar relacionado com uma ideia de “representação

interna” do ambiente em organismos mais desenvolvidos. Do ponto de vista evolutivo, isso

pode ser altamente vantajoso, pois tais representações permitem avaliar consequências

futuras de ações correntes, sem comprometer de algum modo a integridade do sistema no

desempenho da ação.

O sistema nervoso como uma estrutura que suporta os sistemas de memória

O funcionamento dos sistemas de memória implica no armazenamento de uma

quantidade substancial de informações sobre o ambiente, sobre suas regularidades e sobre

os efeitos de ações anteriores. Essas informações ficam inteiramente armazenadas no

sistema nervoso do indivíduo. Assim, os sistemas de memória são claramente dependentes

da estrutura e do funcionamento do sistema nervoso.

O sistema nervoso de um humano adulto possui bilhões de neurônios, células

nervosas capazes de processar e conduzir impulsos elétricos. O processamento neuronal

visa receber a informação, avaliá-la e passar o sinal a outros neurônios. Cada neurônio

envia projeções para milhares de outros neurônios e, por sua vez, recebe projeções de

outros milhares de neurônios. Uma mensagem passa de um neurônio para outro através da

sinapse. É nesse momento que ocorre modulação do processamento de informações.

Conectadas aos neurônios, há células especializadas para a recepção de informações

ambientais (receptores sensoriais), que transformam diferentes formas de energia (e.g. luz,

som, odores etc.) em potenciais elétricos, influenciando assim tanto a atividade elétrica

quanto a química dos neurônios. Essas informações sensoriais, sob a forma de impulsos

elétricos, são transmitidas por circuitos definidos do sistema nervoso, havendo circuitos

neurais dedicados ao processamento preferencial de informações de cada uma das

modalidades sensoriais, e outros circuitos responsáveis pela integração de informações de

diferentes modalidades sensoriais.

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Aspectos fisiológicos da memória

Pressupõe-se que a atividade eletrofisiológica, gerada por atividade espontânea,

estímulos ambientais e respostas a esses estímulos, desencadeie processos que levam à

alteração da conectividade entre células nervosas, alterando a transmissão de impulsos

elétricos por esses circuitos neurais. Todas essas modificações provocadas em elementos

constituintes do sistema nervoso caracterizam (representam) assim o armazenamento de

informações, as memórias. Uma decorrência lógica dessa suposição é que seja possível

detectar a ocorrência de alterações bioquímicas associadas à alteração da conectividade

nervosa relacionada ao processo de formação de memórias.

O conhecimento atual sobre memória é resultado do trabalho de inúmeros

personagens. Gold e colaboradores (1970) expuseram ratos a uma câmara clara conectada,

por uma porta tipo guilhotina, a uma câmara escura cujo assoalho é constituído de barras

metálicas eletrificáveis. Os ratos rapidamente entram na câmara escura; após entrarem

nessa câmara, levam um choque nas patas. Em uma etapa de teste, realizada 24 horas

depois, os animais inseridos na câmara clara não entram na câmara escura (ver a barra

vermelha da Fig. 1). Animais de um grupo controle, que não receberam choque nas patas

no dia anterior, entram rapidamente na câmara escura (ver barra verde da Fig. 1). Em

experimentos adicionais, depois do treinamento com choque nas patas, foram aplicadas

correntes elétricas no sistema nervoso dos animais com diferentes intervalos de tempo entre

o choque na pata e o choque eletroconvulsivo (ver Fig. 1 - esquerda). Observa-se que

quanto menor o intervalo de tempo entre o choque nas patas e o choque no sistema

nervoso, maior é o prejuízo de memória aversiva sobre o ambiente escuro. À medida que

esse intervalo de tempo aumenta, menor é o efeito, como se o choque eletroconvulsivo

perdesse sua efetividade para evitar sua consolidação. (ver Fig. 1 – direita: barras de cor

laranja).

Figura 1 – Experimento de Gold e colaboradores (1970). A organização temporal dos eventos (esquerda) e os resultados (direita): o tempo que os ratos submetidos aos diferentes tratamentos demoraram para entrar na câmara escura – quanto menor o intervalo de tempo entre o choque nas patas e o choque eletroconvulsivo menor é a lembrança do evento aversivo. Modificado de Pavão (2009) e Gold (1970).

Intervalo de tempo entre choque naspatas e choque eletroconvulsivo (S).

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Outro experimento que trata de questões fisiológicas sobre a memória foi feito por

Shashoua (síntese publicada em 1985). O experimentador prendeu um flutuador nas

nadadeiras peitorais de peixinhos dourados para fazer com que os animais ficassem em

posição desconfortável. Após longo esforço de cerca de 3 horas, alguns peixes voltaram à

posição normal, apesar do flutuador (Fig. 2, treino inicial representado pela curva verde). Se

o flutuador for removido e recolocado três dias depois, os animais realizam a tarefa mais

rapidamente; i.e., os peixes retornam à posição normal em apenas 15 minutos, o que indica

que eles aprenderam e retiveram a solução desse desafio (Fig. 2, curva azul) (para detalhes

sobre esses experimentos, ver Helene e Xavier, 2007). Em outro teste, Shashoua (1985)

injetou valina marcada com hidrogênio radioativo (valina-H*) no ventrículo encefálico de

animais que ficaram por 4h com o flutuador, e valina marcada com carbono radioativo

(valina-C*) no ventrículo de animais que não foram treinados. Os encéfalos dos animais dos

dois grupos foram homogeneizados conjuntamente e as proteínas foram separadas por

peso molecular. A maioria das proteínas presentes estava marcada tanto com valina-H*

quando com valina-C*; porém, algumas delas estavam mais marcadas com valina-H*,

indicando que elas foram incorporadas no cérebro dos animais que aprenderam a tarefa;

essas proteínas foram denominadas ependiminas. Num terceiro teste, as ependiminas

foram isoladas e injetadas em coelhos para produção de anticorpos específicos contra as

ependiminas. Então, os anticorpos foram injetados no ventrículo encefálico de peixes que

tinham acabado de aprender a tarefa de nadar com o flutuador; no teste de memória

realizado 3 dias depois, esses peixes demoraram cerca de 3h para voltar à posição normal

(Fig. 2, curva vermelha). Ou seja, esses animais comportaram-se como se nunca tivessem

sido submetidos ao treinamento. Atualmente, as ependiminas são denominadas “moléculas

de adesão celular” e estão diretamente relacionadas com o fortalecimento e formação de

sinapses.

Figura 2 – Experimentos de Shashoua (1985) envolvendo aprendizagem em peixes dourados. Flutuadores foram presos aos animais, que em ficavam em posição desconfortável (esquerda, acima). com treino de cerca de 180 minutos, ficavam em posição confortável (esquerda, abaixo) – curva verde. Em segundo momento, 3 dias depois, os flutuadores foram recolocados, e os animais demoraram cerca de 15 minutos para ficar na posição confortável, indicando que aprenderam essa habilidade – curva azul. Animais treinados tratados com anticorpos para proteínas envolvidas com a alteração de circuitos neurais apresentam desempenho similar a animais não tratados – os traços de memória foram apagados pelo tratamento. Modificado de Pavão (2009) e Shashoua (1985).

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Em conjunto, os resultados obtidos a partir de experimentos envolvendo choques

eletroconvulsivos e síntese de proteínas sugerem que há dois processos envolvidos na

manutenção da memória. Um deles, mais instável, é prejudicado pelo choque eletro-

convulsivo, estando relacionado ao padrão de atividade eletrofisiológica dos neurônios

(frequência de disparos, por exemplo). O outro, associado com produção de proteínas,

parece envolver alterações estruturais nas sinapses, gerando circuitos alterados no sistema

nervoso.

Posteriormente ao experimento de Shashoua, muitos trabalhos com proteínas

associadas aos processos de arquivamento de informação ao nível celular vêm sendo

desenvolvidos. Muitas moléculas subjacentes à formação de memória já foram descobertas.

Isso tem trazido importantes informações acerca das diferentes etapas e modalidades do

processo de formação de memórias em nível celular, inclusive o envolvimento dessas

proteínas na alteração plástica do sistema nervoso.

Plasticidade neural

O sistema nervoso possui a capacidade de se modificar estruturalmente e

funcionalmente em decorrência de estímulos que de algum modo incidem sobre ele. Tal

fenômeno denomina-se neuroplasticidade ou, simplesmente, plasticidade. Inerente ao

funcionamento do sistema nervoso, a neuroplasticidade é uma característica marcante e

constante da função neural. Muito dos processos cognitivos depende de tal propriedade.

Parece haver dois tipos básicos de plasticidade sináptica, uma de curta duração e a

outra de longa duração. A plasticidade sináptica de curta duração pode ser induzida

rapidamente; parece não requerer síntese proteica e mantém-se por, no máximo, algumas

horas. Esse tipo de plasticidade reflete alterações na força de sinapses pré-existentes, pela

modificação de proteínas pré e pós-sinápticas. Diferentemente, a plasticidade sináptica de

longa duração (que parece ter sido a modalidade principal investigada nos estudos de

Shashoua) dura dias, meses ou anos, envolve processos de transcrição gênica e síntese de

novas proteínas; esse tipo de plasticidade sináptica parece envolver a remodelação de

sinapses existentes ou a formação de novas sinapses.

Com base nessas e em outras características do sistema nervoso apresentadas até

aqui, percebe-se que além de aumentar a capacidade de comunicação entre as diversas

populações de neurônios, sua estrutura e funcionamento possibilitam a formação de

memórias em decorrência de experiências vividas. As diferentes modalidades de

arquivamento parecem envolver alguns tipos de alterações no sistema: (1) alterações

transitórias na atividade eletrofisiológica (taxa de disparos) de populações de neurônios, que

estariam ligadas ao arquivamento por curtos períodos de tempo; (2) alteração na facilidade

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com que a atividade eletrofisiológica é transmitida entre neurônios, relacionada com o

arquivamento por períodos intermediários de tempo (que pode durar de minutos até meses);

(3) alterações estruturais permanentes na conectividade neuronal que levam à formação de

circuitos neurais, ou redes nervosas, cuja atividade representaria informações mantidas por

um longo período de tempo, anos ou até mesmo uma vida inteira.

Aquisição e manutenção da memória

Donald Hebb (1949) baseou-se na plasticidade sináptica para afirmar que a

transmissão de informações entre dois neurônios deveria ser facilitada e tornar-se estável

quando ocorresse sincronia entre os disparos do primeiro e do segundo neurônio. Sendo

assim, a transmissão de mensagens entre os neurônios poderia ser regulada: não seria um

fenômeno rígido e imutável, mas sim algo modulável de acordo com as circunstâncias.

Um importante elemento descrito inicialmente no hipocampo que atua na alteração

de sinapses (portanto, na formação de memórias) é o fenômeno denominado potenciação

de longa duração (LTP). Aparentemente, o hipocampo (e outras estruturas do lobo temporal

medial) está envolvido em um processo de ativação repetitiva de circuitos envolvidos na

representação da informação que determina alteração estrutural desses circuitos. Trata-se

de uma plasticidade sináptica específica que ocorre entre um neurônio pré e um neurônio

pós-sináptico, assim como Hebb havia proposto. Acredita-se que a LTP seja um importante

mecanismo envolvido no armazenamento de informações cuja natureza é essencialmente

associativa. Tal mecanismo pode envolver a interação entre diferentes sinapses de um

mesmo neurônio, permitindo que uma sinapse fraca se fortaleça pelo disparo concomitante

com uma sinapse forte, tornando-as associadas. Sendo assim, a LTP permite uma

facilitação na comunicação sináptica.

Com o aumento na frequência de disparos das sinapses produzidas em decorrência

de estímulos ambientais, ocorrem alterações na eficiência sináptica dos neurônios

recrutados, de maneira a intensificar a comunicação dessas células. Uma vez que a

comunicação sináptica seja facilitada, qualquer referência ao estímulo inicial já causa um

disparo das células envolvidas. Com estímulos muito pequenos pode-se desencadear um

processo efetivo de ativação neural. A LTP é fundamental para o arquivamento de

informações sobre eventos experienciados. Esse processo parece essencial para a retenção

de informações sobre “o que” ocorreu, mas não sobre “como” desempenhar uma tarefa

perceptomotora.

Estímulos ambientais e experiências geram atividade eletrofisiológica em conjuntos

de neurônios. Como vimos, essa atividade pode levar à formação de novas sinapses ou à

alteração das sinapses já existentes, o que permite estabelecer circuitos neurais envolvendo

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populações de neurônios cuja atividade, correspondente àquela gerada durante a

experiência original, representa a experiência adquirida.

A recordação da informação representada em circuitos se dá pela ativação

eletrofisiológica de sua população de neurônios; isso pode ocorrer tanto em decorrência de

estímulos que de alguma forma estão relacionados à experiência original, como por um ato

de vontade para recordar aquela experiência. É curioso notar que os sistemas de memória

permitem identificar estímulos muito específicos e responder a eles, mesmo quando estes

não são apresentados em sua totalidade. Uma vez ativos, esses circuitos podem

estabelecer novas conexões com outros circuitos ativos, ou contar com a adição de novos

elementos em decorrência de novas experiências.

Quanto mais frequentes as exposições a estímulos relevantes, mais fortes tornam-se

as conexões. Como consequência, a informação tende a ser arquivada de maneira

relacional. Isso permite entender porque a recordação envolve, usualmente, categorias. Tal

fato ocorre porque o aumento de atividade eletrofisiológica em determinados circuitos

neurais (que levam à recordação de uma dada informação) tende a estimular a atividade em

circuitos relacionados.

É importante ressaltar que os mesmos circuitos neurais associados à atenção,

percepção, ação e outros processos cognitivos, são os que se alteram para a formação de

memórias de diferentes tipos. Isso significa que, quando esses circuitos forem

posteriormente mobilizados, o processamento das informações será diferente em relação às

experiências anteriores, dado que o circuito vem sendo alterado a cada uma delas. Assim

sendo, a percepção e as habilidades se alteram ao longo da história de vida. Além disso,

estão profundamente associadas com os processos de memória.

Redes neurais e memória

Praticamente todas as regiões do sistema nervoso estão envolvidas de alguma forma

no arquivamento de memórias de um tipo ou de outro. Em primatas, costuma-se atribuir

uma grande importância ao neocórtex (a porção filogeneticamente mais recente do córtex)

no arquivamento de informações. Esse tecido envolve sistemas de processamento

modalmente específicos e sistemas de integração de informações de diferentes

modalidades (denominados polimodais e supramodais).

A maioria das experiências humanas inclui diferentes modalidades sensoriais,

organizadas no tempo e espaço. Por exemplo: a partir de uma estimulação perceptual

específica, o sistema nervoso mobilizaria um grupo de neurônios para representar o evento,

por meio de sua atividade e conexões, produzindo uma espécie de "rede" de interconexões

que se mantém em contínua reconstrução ao longo da vida. A formação de uma memória

sobre esse evento envolveria o fortalecimento das conexões entre as células dedicadas a

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essa percepção, resultando num grupamento celular cujas conexões seriam mais eficientes.

Depois do desaparecimento do estímulo gerador da atividade, "nós" da rede, quando

ativados, excitariam ou inibiriam outros nós numa rica e complexa rede de conexões, de

forma que representações seriam mantidas enquanto houvesse reverberação da atividade

nervosa correspondente ao estímulo inicial.

Nessa rede, uma dada população de nós disparando, provavelmente com níveis de

atividade diferentes em várias regiões nervosas, representa uma determinada informação,

enquanto a malha representa as ligações associativas das relações entre os nós; essas

ligações podem variar em intensidade. Nesse sentido, um mesmo nó pode estar envolvido

em representações distintas, já que a informação é representada pelo conjunto de disparos

dos nós a ela relacionados e não por um nó individual. Isso nos sugere que processos de

memória estariam baseados em um funcionamento sistêmico de determinadas populações

de neurônios.

Hebb (1949) propõe algumas previsões sobre o funcionamento da memória. Por

exemplo, parece plausível pensar que estimulações parciais correspondentes à experiência

original sejam capazes de regenerar a atividade em toda a rede, contribuindo para a

lembrança completa da experiência original. Além disso, se dois eventos forem pareados no

tempo supõe-se que haja a formação de redes tais que a estimulação da atividade do

primeiro evento gera o padrão de atividade eletrofisiológica associada ao segundo evento,

levando à sua previsão.

O autor sugere que haveria apenas três aspectos centrais que determinariam o

funcionamento de um sistema neuronal: (1) a conexão entre neurônios é mais eficaz quanto

maior for o grau de relação entre as porções pré e pós-sináptica; (2) grupos de neurônios

que tendem a disparar conjuntamente irão formar agrupamentos celulares cuja atividade se

mantém expressa mesmo após o fim do estímulo que gerou a atividade e; (3) cognição

deriva da atividade sequencial destes agrupamentos celulares facilitados.

Figura 3 - Esquema representativo de redes neurais de Hebb. Os pontos pretos são os neurônios e as linhas são as conexões. A rede tem uma organização inicial como representado em (A); ao receber um estímulo, é ativada (B); esse estímulo pode ser apresentado repetidas vezes, ou pode ter reverberado nessa rede, de modo que as conexões entre os neurônios são fortalecidas (C e D); então, um estímulo mais fraco ou mesmo incompleto, mas que mantenha algumas das características do inicial (D) é capaz de ativar a rede fortalecida (E). Modificado de Bear, 2002 e de Helene e Xavier, 2007.

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Modularidade e os diferentes processos de memória

A noção de que a memória compõe um conjunto de habilidades mediadas por

diferentes módulos do sistema nervoso, que funcionam de forma independente, porém

cooperativa, parece atualmente bem difundida. Este conceito de modularidade de funções

tem embasado investigações acerca dos processos de memória. Segundo essa ideia, o

processamento de informações nesses módulos acontece de forma paralela e distribuída,

possibilitando que um grande número de unidades de processamento influencie outras em

qualquer momento no tempo, e que grande quantidade de informações seja processada

concomitantemente.

O refinamento nas técnicas de neuroimagem permite investigar unidades funcionais

em indivíduos normais durante o desempenho de tarefas que envolvem o engajamento dos

diferentes módulos de memória, trazendo informações mais precisas sobre as regiões e

processos cerebrais envolvidos nessas funções. No entanto, muitas das evidências

relevantes para o desenvolvimento de modelos de memória - correlações entre funções e

módulos do sistema nervoso – derivaram de correlatos anatomofuncionais, isto é, estudos

envolvendo dificuldades de memória em pacientes com danos cerebrais identificáveis. A

partir de então foi possível chegar a definições de memória e modelos baseados na dupla

dissociação entre memória de curta e longa duração. Inclusive os conceitos de dissociações

entre os sistemas particulares da memória de longa duração foram também amplamente

desenvolvidos.

Um estudo que muito contribuiu para o desenvolvimento e formalização dos modelos

de memória foi o caso do paciente H.M., descrito por Scoville e Milner (1957). Na ocasião, o

paciente sofria de epilepsia intratável. O foco epiléptico, que se situava no lobo temporal

medial (bilateralmente), foi removido cirurgicamente; isso resultou na remoção dos 2/3

anteriores do hipocampo e da amígdala, além de outras porções corticais. Após a remoção

das estruturas, H.M. apresentou um quadro de amnésia anterógrada (era incapaz de formar

novas memórias) e também retrógrada (eventos ocorridos pouco antes da cirurgia); porém,

neste último caso a amnésia era temporalmente graduada. O prejuízo cognitivo de H.M.

estava restrito à aquisição de memórias de longa duração; suas capacidades perceptuais se

mantiveram, assim como seu QI, sua personalidade e a memória de curta duração.

Mesmo apresentando alguns prejuízos de memória, H.M. ainda conseguia adquirir e

reter diversas informações. Por exemplo, aprendeu a ler palavras invertidas, como se

apresentadas por meio de um espelho e também novas habilidades motoras e cognitivas

(ver Helene e Xavier, 2007). O paciente apresentava um bom desempenho nessas tarefas.

Curiosamente, quando consultado sobre seu treinamento prévio, ele alegava nunca ter feito

isso.

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Como dito anteriormente, o hipocampo atua em um processo de ativação repetitiva

de circuitos envolvidos na representação da informação, uma espécie de reverberação da

atividade neural que resulta no arquivamento de informação. Essa reverberação seria

essencial para o arquivamento das informações sobre “o que” ocorreu, mas não sobre

“como” desempenhar uma tarefa perceptomotora. Trazendo esse conceito para o caso do

paciente H.M, pode-se dizer que, embora o paciente seja capaz de adquirir uma habilidade

motora, ele não é capaz de se recordar “que” já a praticou. Em suma, a natureza da

informação “saber que” é diferente da natureza da informação sobre “saber como” (ver

Helene e Xavier, 2007).

Curiosamente, pacientes com doença de Parkinson (caracterizada por disfunções em

estruturas nervosas denominadas gânglios da base) possuem um quadro oposto ao dos

amnésicos (que, como visto, têm lesão no lobo temporal medial). Os pacientes com

disfunções nos gânglios da base exibem dificuldades na aquisição de habilidades motoras e

cognitivas, ao mesmo tempo em que são perfeitamente capazes de descrever verbalmente

as experiências vivenciadas nessas situações de teste. Neste contexto, pacientes

parkinsonianos exibem, por exemplo, prejuízo na aprendizagem da habilidade de leitura de

palavras invertidas.

Duplas dissociações, caracterizadas pelo prejuízo de desempenho em algumas

tarefas concomitantemente ao desempenho normal em outras tarefas, são apontadas como

evidência da existência de sistemas de memória distintos no sistema nervoso. Resultados

de estudos como do paciente H.M. e pacientes parkinsonianos sugerem a existência de

módulos de memória cujo funcionamento seria relativamente independente, embora possam

cooperar entre si.

Modelos de memória

Baseados em estudos envolvendo duplas dissociações, Cohen (1984) e Squire e

Zola-Morgan (1991) propuseram uma distinção para os sistemas de memória de longa

duração segundo a qual haveria uma memória declarativa (ou explícita), usualmente

prejudicada em pacientes amnésicos e preservada em pacientes cerebelares ou com

disfunções nos gânglios da base, e uma memória de procedimentos (ou implícita),

usualmente preservada nos pacientes amnésicos, mas prejudicada nos pacientes

cerebelares ou com danos nos gânglios da base (Fig. 4). Em outras palavras, memórias que

atualmente são denominadas memórias implícitas correspondem ao “saber como” (o que faz

bastante sentido, pois é muito difícil declarar como se anda de bicicleta) e “saber que” são

denominadas memórias explícitas.

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Figura 4 – Esquema da dupla-dissociação entre funções e áreas envolvendo os sistemas de memória de longa duração. Modificado de Helene e Xavier, 2007.

Memória de longa duração

A memória de longa duração se refere à retenção de informações por prolongados

períodos de tempo. Sendo assim, ela pode ser dividida em dois tipos (ou módulos): memória

explícita e memória implícita (Fig. 5). Tanto no caso das memórias explícitas como no caso

das implícitas, o arquivamento de informações envolveria alterações sinápticas, como já

descritas; porém, em cada caso, elas ocorreriam em diferentes regiões do sistema nervoso

com diferentes regras de funcionamento.

Figura 5 - Taxonomia dos sistemas de memória de longa duração. Modificado de Helene e Xavier, 2007. 

A memória explícita (ou declarativa) caracteriza a retenção de experiências sobre

fatos e eventos passados e é passível de relato verbal, ou seja, possui um acesso

Paciente H.M.

Pacientes com doença de Parkinson

Prejuízo

Prejuízo

Preservada

Preservada

Aquisição de novos fatos e

eventos (saber QUE)

Aquisição de novas

habilidades (saber COMO)

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consciente. Além disso, o arquivamento de informações pode se dar por associações

arbitrárias que podem formar-se mesmo após uma única experiência.

A memória implícita (ou de procedimentos) se expressa pelo desempenho habilidoso

das atividades previamente treinadas. Sua aquisição é gradual e dependente de treino,

ocorre de forma cumulativa. O conhecimento contido neste tipo de memória manifesta-se

pela ativação das estruturas nervosas envolvidas no processo de aquisição.

Memória operacional

Baddeley e Hitch (1974) conceberam um modelo de memória denominado "memória

operacional". Tal modelo refere-se a um arquivamento temporário e gerenciamento de

informações para o desempenho de uma diversidade de tarefas cognitivas. Segundo os

autores, memória operacional compreende um sistema de controle de atenção, a central

executiva, auxiliado por dois sistemas de suporte responsáveis pelo arquivamento

temporário e manipulação de informações, um de natureza vísuo-espacial e outro de

natureza fonológica.

Posteriormente, para lidar com a associação entre as informações mantidas nesses

sistemas de apoio e promover sua integração com informações da memória de longa

duração, Baddeley inseriu um quarto componente no modelo, denominado de retentor

episódico, que corresponderia a um sistema de capacidade limitada no qual a informação

evocada da memória declarativa tornar-se-ia consciente. A central executiva proporcionaria

a conexão entre os sistemas de suporte e a memória de longa duração e seria o

responsável pela seleção de estratégias e planos; sua atividade estaria relacionada ao

funcionamento do lobo frontal, que teria a função de supervisionar informações a serem

codificadas, armazenadas e evocadas concomitantemente ao seu ingresso no sistema (Fig.

6).

Figura 6 - Modelo de memória operacional: três componentes propostos inicialmente por Baddeley e Hitch (1974). A área central executiva se refere ao componente de gerencia-mento atencional (a central executiva), enquanto as áreas laterais da figura representam as alças de manutenção de informações por curto período de tempo (adaptado de Baddeley, 1982). 

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Ainda sim, a memória operacional estaria ligada ao desempenho de uma grande

variedade de funções cognitivas, incluindo raciocínio lógico, resolução de problemas,

imagética (relacionado ao treinamento imaginativo) e compreensão de linguagem.

Sistemas de memórias e seus aspectos evolutivos

Em conclusão, a evolução filogenética teria atuado na seleção de sistemas neurais

capazes de modificar-se gradualmente pelo desempenho de ações repetitivas (o exemplo

mais típico seria o caso de habilidades motoras e perceptuais) de sistemas capazes de

arquivar informações depois de uma única experiência, e de sistemas capazes de reter

informações temporariamente, enquanto úteis. É provável que a seleção desses sistemas,

com propriedades distintas, esteja relacionada ao fato de que memórias são especializações

adaptativas que proporcionam vantagens seletivas para a solução de determinados tipos de

problema; as propriedades que tornam um sistema eficiente para a solução de determinados

tipos de problema (e.g., aquisição após uma única experiência de treino) o tornam

incompatíveis com a solução de um problema de natureza diversa (e.g., aquisição de

conhecimento pela mudança cumulativa e gradual de experiências). Assim, do ponto de

vista evolutivo, a organização do sistema nervoso, inclusive dos diferentes módulos de

memória, teria derivado da interação do organismo com demandas ambientais específicas,

resultando em especializações adaptativas que permitem ao organismo lidar com problemas

específicos.

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1º Curso de Neurociências e Comportamento

 

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Tomada de Decisões

Camile Maria Costa Corrêa Laboratório de Neurociências e Comportamento

[email protected]

A pesquisa sobre tomada de decisões é a área da neurociência pela qual se

desenvolvem métodos voltados à compreensão dos processos neurais responsáveis pelas

escolhas. Isso aguça a curiosidade na busca por respostas aos processos subjacentes aos

nossos julgamentos e ações.

As decisões estão constantemente presentes em nossas vidas, de forma mais ou

menos explícita. Decidimo-nos, a todo instante, entre alternativas banais, cotidianas,

chegando a juízos mais complexos. Embora percebamos o quanto esses atos são

registradamente humanos, eles também se fazem presentes no repertório comportamental

de outros animais.

Decisões são consideradas escolhas baseadas em propósitos; ações orientadas

para alcançar determinado objetivo. Para isso, uma entre muitas alternativas de ações

possíveis é escolhida quando do confronto com um problema, a fim de resolvê-lo.

Muitas situações podem ser problematizadas para apreendermos o fenômeno da

tomada de decisão. Que roupa vestir antes de sair de casa? Descer pela escada ou pelo

elevador? Onde almoçar hoje? Comprar ou não uma bicicleta agora? Onde prestar

mestrado? Como julgar inocentes e condenáveis? Que opinião formar sobre questões

polêmicas? Algumas escolhas são mais simples que outras, ou porque têm sua resolução

mais rápida, ou por envolver menos alternativas a serem processadas. Na problematização

dessas questões, podem-se levar em conta diferentes critérios.

Entretanto, por mais que se tente discriminar quais são as estratégias utilizadas,

sabemos que nossas decisões provavelmente não sofrem o mesmo tipo de processamento

a cada instante e a todo contexto. Muitas das nossas escolhas são automáticas,

emocionais, inconscientes. Muitas vezes somos impulsivos ou completamente indecisos

frente a dilemas. Tanto que não é difícil encontrar pessoas que reportam dificuldades para

decidir, e há mesmo casos de pacientes incapazes de tomar decisões. Percebemos, então,

que se podem propor vários métodos para compreender esse fenômeno.Com efeito, o tema

da decisão acompanha as produções da humanidade tanto nas artes como na filosofia e

ciência, chegando às abordagens clínicas e experimentais do tema. A psicologia cognitiva, a

partir de 1950, vem integrando modelos tradicionais de tomada de decisões em humanos,

aproximando-se de modelos de processamento de informações (Sternberg, 2000). A

pesquisa básica da chamada “decision making” vem tomando corpo com a realização de

experimentos associados a estudos da neurobiologia (vias de neurotransmissores,

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correlatos anátomo-funcionais), principalmente em ratos e primatas não humanos, lançando

mão de modelos matemáticos e probabilísticos para a análise dos dados (e.g., Körding e

Wolpert, 2006; Kepecs, 2008). Recentemente, pesquisas clínicas têm se debruçado sobre o

tema e suas correlações com o desempenho em tarefas que envolvem decisão

(distratibilidade, perseveração) em populações com alterações funcionais em áreas

específicas do sistema nervoso e em grupos de pacientes psiquiátricos (e.g., Bechara, 2001;

2004; Cavedini, 2002; Schurman, 2005).

A neurociência, por sua vez, vem desenvolvendo métodos para avaliar a contribuição

da cognição, emoção, atenção e memória, além de outras variáveis, partindo do

pressuposto de que a decisão não é uma simples escolha entre alternativas, mas um

processo dependente da experiência do indivíduo que decide e de sua capacidade de

identificar os principais fatores da situação na qual se deve decidir. Esses estudos têm

permitido concluir que o processo, tanto em humanos quanto em outros animais, é

modulado não só pelo contexto ambiental, mas também pelo estado do organismo.

Entender como decidimos é perguntar como processamos as informações, de que

forma atribuímos diferentes valores a elas e como optamos entre alternativas, direcionando

as ações pelas quais somos, em princípio, responsáveis. Para que se escolha, então, é

necessário não só um funcionamento íntegro e orquestrado do sistema nervoso, como

também a capacidade de selecionar informações e estímulos aos quais o organismo é

exposto e aos quais deve reagir - optando. Nesse processo contínuo, sugere-se que tanto

variáveis extrínsecas quanto intrínsecas, conscientes ou não, concorrem para a tomada de

decisão.

Dilemas e Estratégias

A teoria dos jogos, desenvolvida por Nash, estuda situações estratégicas onde

jogadores escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno. Um exemplo

envolvendo estratégias mútuas é ilustrado pelo dilema do prisioneiro, em que dois suspeitos,

A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para condená-los, mas,

separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros,

confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que

confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos

ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos

traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem

saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. A questão

que o dilema propõe é: o que vai acontecer? Como o prisioneiro vai reagir? Abaixo, uma

matriz de ganhos do dilema do prisioneiro:

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1º Curso de Neurociências e Comportamento

 

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Tabela 1 – Dilema do prisioneiro

Prisioneiro B fica em silêncio Prisioneiro B confessa

Prisioneiro A fica em silêncio 6 meses cada Prisioneiro A: 10 anos Prisioneiro B: liberdade

Prisioneiro A confessa Prisioneiro A: liberdade Prisioneiro B: 10 anos

5 anos cada

Em linhas gerais, não importa os valores das penas em si, mas o cálculo das

vantagens de uma decisão cujas consequências estão atreladas às decisões de outros

agentes, onde a confiança e a traição fazem parte da estratégia em jogo. Dilemas que

envolvem estratégias mútuas em grupos sociais também podem ser simulados: Robert

Axelrod estudou uma extensão do dilema do prisioneiro, denominada dilema do prisioneiro

iterado (DPI), em que esse problema é jogado repetidas vezes. Num torneio de

programação, os participantes deveriam escolher uma e outra vez a sua estratégia mútua, e

tinham memória dos seus encontros prévios (encontros com outros programas em que

deveriam optar por ser altruístas ou egoístas). Os programas que participaram variavam

amplamente a complexidade do algoritmo: hostilidade inicial, capacidade de perdão e

similares.

Axelrod descobriu que, durante a repetição dos encontros com muitos jogadores,

cada um com estratégias distintas, as estratégias "egoístas" tendiam a ser piores a longo

prazo, enquanto que as estratégias "altruístas" eram melhores, julgando-as unicamente com

respeito ao interesse próprio. Nesse torneio, a melhor estratégia determinista foi a de “olho

por olho” ("tit for tat"), desenvolvida e apresentada no torneio por Anatol Rapoport: o mais

simples de todos os programas apresentados, contendo apenas quatro linhas de BASIC, foi

o que ganhou o concurso. A estratégia consistiu em cooperar na primeira interação do jogo,

e, depois disso, escolher aquilo que o oponente escolhera na rodada anterior. Esse padrão

de decisão pôde demonstrar, por exemplo, um possível mecanismo que explicasse de que

forma é possível evoluir um comportamento altruísta a partir de mecanismos puramente

egoístas na seleção natural.

Origens

Campos, Santos e Xavier (1997) defendem que regularidades ambientais presentes

ao longo da evolução das espécies possibilitaram a seleção de sistemas que assim

tornaram-se adaptados e otimizados para esses ambientes, possibilitando a emissão de

respostas comportamentais antecipatórias. Porém, a complexidade ambiental teria

contribuído também para a seleção de mecanismos mais flexíveis, envolvendo o acúmulo de

informações sobre o ambiente, que permitiram a extrapolação, com base nessas

informações arquivadas, para a solução de novas demandas ambientais. Esses

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mecanismos seriam adaptativos, pois permitem lidar com circunstâncias novas e

inesperadas. Mesmo bactérias, como a E. coli, apresentam sistemas sensórios voltados à

detecção de nutrientes, fontes de energia, toxinas e capacidade para armazenar e avaliar as

informações vindas desses receptores. O resultado final da integração sensorial no

comportamento de busca por nutrientes é a decisão, por exemplo, de continuar nadando

numa mesma direção ou mudar de rumo. Assim, características fundamentais de integração

cognitiva, tais como integração sensorial, memória, tomada de decisão e controle

comportamental podem ser encontradas em organismos muito simples. (Allman, 1999).

Para além disso, a flexibilidade comportamental de diferentes grupos de animais

parece estar relacionada com a quantidade relativa de tecido nervoso (proporcionalmente ao

tamanho corpóreo). Em vertebrados, as porções anteriores do sistema nervoso,

relacionadas à manipulação e integração de informações, memória, antecipação, atenção e

produção de respostas, variam enormemente, sendo maiores nos primatas, particularmente

em seres humanos (Campos, Santos e Xavier, 1997). Apesar de estar presente em todas as

espécies de mamíferos, o córtex frontal sofreu grande expansão ao longo da evolução dos

primatas, especialmente nas regiões mais anteriores, contribuindo para o grande

desenvolvimento de capacidades cognitivas (Gazzaniga e coll., 2006). Não surpreende,

portanto, seu envolvimento em processos de tomada de decisões. A função dessa classe de

comportamentos se estabelece na relação direta de nossas ações, pois são elas as que são

selecionadas ao agirmos sobre o meio de forma adaptativa.

Interação

Observemos um quadro em que o organismo se relaciona com eventos exteriores a

ele: as informações vindas do meio devem ser processadas de forma a serem traduzidas

em códigos reconhecíveis pelo sistema nervoso. Essa conversão de diferentes formas de

energia, incluindo a química, a térmica, a mecânica, a sonora, entre outras, em energia

elétrica, passível de ser traduzida e conduzida na forma de potenciais de ação, é

denominada transdução. Ao longo desse processamento, em que estruturas nervosas são

funcional e hierarquicamente mobilizadas, identificam-se interações entre percepções –

tanto internas quanto externas; o acesso e mesmo alterações em registros de memória; a

confluência de motivações e a construção de um programa que habilite o sujeito a fazer uma

nova transdução, convertendo agora a informação processada em planos de ação

direcionados ao meio. Na modulação desse processo, influenciariam estados imunitários,

emocionais e atencionais, diferenciando nossas escolhas e imprimindo nossa personalidade

a elas.

Percepção, emoção, atenção e memória, entre outras funções cognitivas, interferem

nesse processo, dependente da experiência prévia do indivíduo que decide, de sua

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1º Curso de Neurociências e Comportamento

 

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capacidade de identificar os principais fatores da situação na qual se deve decidir, de quais

desses fatores são ressaltados e valorizados, além da afetividade relacionada à decisão.

Revisamos, na sequência, a contribuição relativa de processos cognitivos envolvidos nas

nossas escolhas.

Percepção temporal

Demandas por escolhas frequentemente envolvem a ponderação entre vantagens e

riscos assumidos em curto prazo frente a expectativas de longo prazo. Diariamente, e isto

se intensifica nas manhãs de inverno, ao termos o sono interrompido pelo despertador,

iniciamos uma luta travada entre o prazer de continuar no estado de sonolência e a

obrigação de aumentarmos a vigília, iniciando os afazeres pelos quais assumimos

responsabilidade. De forma semelhante, pessoas que querem entrar em dieta encontram

dificuldades para iniciá-la e mantê-la; as tentativas de parar de fumar podem ser frustrantes;

o impulso por comprar imediatamente pode conflitar com planejamentos de economia a

médio e longo prazo. Interessantemente, a percepção temporal que os sujeitos têm na hora

de avaliar alternativas pode fornecer pistas interessantes na pesquisa sobre como

decidimos, apontando diretamente para comportamentos, práticas de consumo, economia e

política.

Processos inconscientes

Ao estabelecermos que uma decisão se inicia com uma percepção, seja de

estímulos, seja de variáveis ou de probabilidades, muitas vezes não se tem acesso a tais

percepções em nível consciente. Num artigo de 1987, Kihlstrom apontou o impacto de

estruturas e processos inconscientes na experiência consciente do indivíduo, reportando-se

a von Helmholtz, para quem a percepção consciente era produto de inferências

inconscientes baseadas no conhecimento do mundo e de experiências prévias. Para

Kihlstrom, processos perceptivos são capazes de ativar nós da rede neuronal, os quais

codificariam representações mentais de estímulos externos, ou mesmo por mecanismos

internos de pensamento.

Se, no sistema nervoso, subsistemas podem operar independentemente e sob

regras diversas, apenas alguns módulos seriam acessíveis à consciência; portanto,

potencialmente sob domínio de controle voluntário. Há situações em que tanto o número de

processos ativos simultâneos quanto a velocidade com que a informação é trocada podem

exceder a capacidade de atenção consciente. Os processos inconscientes seriam rápidos e

paralelos, enquanto que o processamento consciente seria lento e serial.

Do ponto de vista experimental, portanto, tem-se conhecimento sobre os objetivos e

condições dos procedimentos, bem como dos produtos de suas execuções, mas não se tem

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acesso às operações por elas mesmas. De forma análoga, o conhecimento sobre as

operações que levam às decisões não seriam acessíveis à consciência. E aí o papel da

experimentação é fundamental, na tentativa de desvelar esses processos.

Atenção

A orientação da atenção pode ser considerada um processo decisório. Desde o que

se considerem os níveis mais elementares de tomada de decisão até as escolhas mais

complexas, o ato de decidir envolve o engajamento, consciente ou não, de um foco

atencional. Decidir, em outras palavras, envolve seleção e processamento preferencial de

alguns estímulos em detrimento de outros. Os processos que levam a esse processamento

dependem não apenas da história prévia do sistema selecionador, isto é, suas memórias,

como também de expectativas geradas com base em memórias sobre regularidades

passadas e planos de ação.

Memória

Com o acúmulo de registros sobre ocorrências anteriores, memórias no sentido

amplo da palavra, e a identificação de regularidades na ocorrência desses eventos, o

sistema nervoso passa a gerar previsões (probabilísticas) sobre o ambiente. Xavier, Saito e

Stein (1991) sugeriram que a antecipação, com base na identificação de regularidades

ambientais passadas, permite reagir mais prontamente à estimulação esperada, pois o

organismo direciona a atenção para os setores do ambiente que são relevantes.

A memória operacional, um tipo de memória temporária, contém representações

ativas do organismo em seu ambiente atual, com seus objetivos em curso e com estruturas

de conhecimentos explícitos (declarativos) já existentes, ativadas por entradas perceptivas

ou por outros processos dos quais não se tem consciência.

Helene e Xavier (2007) postularam que, como produto final de seu funcionamento, a

memória pode ser vista como base fundadora dos processos de formação, não somente de

comportamentos estereotipados, mas também de um vasto conjunto de comportamentos

adaptativos, dentre eles, podemos dizer, a decisão.

Controle executivo

Ao planejar, ao agir antecipatoriamente, o sistema nervoso pode tanto gerar ações

que levem aos resultados desejados como atuar no sentido de selecionar determinados

tipos de informação para processamento adicional (direcionamento da atenção). Decidir

envolve não só a percepção de regularidades passadas, como a lembrança dos planos de

ação, a prever os efeitos prováveis da escolha, considerando todos os reflexos possíveis

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1º Curso de Neurociências e Comportamento

 

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que ela pode causar no curso do tempo. O conceito de controle executivo ilustra, então, a

capacidade que temos de planejar, gerenciar ações, modular o comportamento e criticar

processos. Ao decidirmos, ponderamos de forma mais ou menos flexível, transitando entre

alternativas que se nos apresentam, fazendo com que nossas escolhas situem-se entre a

impulsividade e a perseveração.

Estudos clínicos

O desempenho de pacientes neurológicos ajuda a direcionar as investigações sobre

o processo de tomada de decisão em humanos. Bechara e col. (1997) questionaram a

premissa segundo a qual decidir de forma vantajosa numa situação complexa requer

racionalização de conhecimento declarativo. Esse grupo investigou a possibilidade de que a

racionalização manifesta fosse precedida por uma etapa não consciente, cujos sistemas

neurais seriam diferentes dos que suportam o conhecimento declarativo. Para isso,

participantes normais e pacientes com lesão prefrontal (e deficits na tomada de decisão)

realizaram o Yowa Gambling Task, um simulador de tomada de decisões, que envolve

escolhas monetárias, permitindo classificar o comportamento de decisão do indivíduo em

termos de aversão ou busca pelo risco. A tarefa envolve a escolha de uma carta de um

dentre quatro baralhos (cinco blocos de vinte jogadas cada). Cada um desses trabalhos

inclui uma longa série de ganhos e perdas. A partir de um processo de aprendizagem, os

participantes criam padrões de probabilidade e inferem quais baralhos são vantajosos e

quais não são. Eles devem desenvolver o conhecimento de quais baralhos são arriscados e

quais são lucrativos em longo prazo (Schneider e Parente, 2006).

No estudo do grupo de Bechara, pessoas normais começaram a escolher de forma

vantajosa antes que percebessem qual era a melhor estratégia, enquanto pacientes com

disfunções prefrontais continuaram a escolher de forma desvantajosa, mesmo depois de

terem conhecimento de qual era a estratégia correta. Além disso, os sujeitos normais

começaram a gerar respostas antecipadas de aumento da condutância de pele frente a uma

escolha arriscada, sendo que os pacientes nunca chegaram a desenvolver essas respostas

antecipatórias, embora alguns tenham eventualmente percebido quais escolhas eram

arriscadas.

Os resultados sugerem que, em indivíduos normais, vieses não conscientes são

capazes de guiar comportamentos antes mesmo que o conhecimento consciente o faça.

Sem a influência de tais tendenciosidades o conhecimento manifesto pode ser insuficiente

para assegurar comportamentos vantajosos. Assim, uma vez que comportamentos de maior

risco foram encontrados na amostra clínica (lesão frontal) e não no grupo controle, tornou-se

possível identificar níveis progressivos tanto de desempenho na tarefa como de acesso

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explícito ao conteúdo da informação. Os autores sugerem, a partir disso, uma relativa

dissociação entre desempenho e consciência.

Ainda no âmbito das pesquisas clínicas, apontam-se correlações entre o

desempenho de tarefas que envolvem tomada de decisões em humanos e um aumento da

atividade em regiões definidas do sistema nervoso, como revelado por estudos de

neuroimageamento funcional. Essas regiões parecem estar afetadas em pessoas com

disfunções patológicas nos processos de tomada de decisões, tais como pacientes com

lesões frontais, pacientes esquizofrênicos e jogadores compulsivos. (Bechara, 2001; 2004;

Cavedini, 2002; Schurman, 2005).

Livre arbítrio e determinismo

O estudo da tomada de decisões envolve, em última análise, não só a compreensão

de diversas funções cognitivas, como permite pensarmos questões éticas sobre como os

seres humanos assumem responsabilidade sobre a própria vida.

O livre arbítrio é a crença filosófica que defende que as escolhas e julgamentos

morais possam ser realizados de forma autônoma, livre e isenta de influências. Esse

conceito, ainda que aqui delineado de maneira geral, leva a importantes implicações

religiosas, morais, psicológicas e científicas. A doutrina oposta a essa é a do determinismo

psíquico, que afirma que todos os eventos, incluindo as vontades e escolhas humanas, são

causados diretamente por acontecimentos anteriores, o que abala a noção de liberdade de

escolha.

Voltados a esse tema, pesquisadores ousaram debater o tema da liberdade de

escolha de forma experimental. Por exemplo, Soon e col., num artigo amplamente divulgado

(2008), questionam em que extensão decisões podem ser subjetivamente consideradas

como “livres” se são determinadas por atividade cerebral detectada anteriormente no tempo;

os autores relatam que o resultado de uma decisão pode ser codificada na atividade

cerebral dos córtices prefrontal e parietal até 10 ms antes do acesso consciente à decisão.

Esse atraso, presumivelmente, refletiria a operação de uma rede nervosa de controle que

inicia o preparo da decisão em curso mesmo antes de qualquer acesso explícito ao seu

conteúdo.

Independente de nossas posições pessoais sobre o assunto, os resultados

experimentais influenciam no desenvolvimento dos métodos de investigação posteriores,

ajudando a determinar os passos seguintes da investigação sobre o tema.

Mecanismos decisórios fazem com que sejamos capazes de elaborar juízos ao

tomarmos contato com problemas a fim de resolvê-los. Essa capacidade aproxima o estudo

do processo da tomada de decisão a outras funções cognitivas, na medida em que são

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1º Curso de Neurociências e Comportamento

 

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necessários planejamento, gerenciamento de ações, modulação do comportamento, crítica

e flexibilidade.

Investigar a tomada de decisões é presenciar o momento em que as contingências

passam a ser atualizadas pelas ações do sujeito, que é capaz de fazer interfaces entre

eventos externos e internos e, assim, aprende a prever as consequências de seus

comportamentos.

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Emoção

Diego de Carvalho Laboratório de Neurociências e Comportamento

[email protected]

Introdução

A capacidade de racionalizar, sentir e se emocionar torna os seres humanos únicos

em relação às outras espécies e dentro da sociedade. A emoção está presente

permanentemente no nosso dia-a-dia e, apesar dessa existência corriqueira, é muito difícil

definir através de palavras o que sentimos. É possível que essa dificuldade resida na

aceitação do fato de que o controle das emoções, algo tão imaterial, esteja ligado a algo tão

físico como o cérebro e não a um fator externo ao corpo, como propôs Descartes em sua

teoria da mente e do corpo. Além disso, talvez até pela dificuldade de ligar o cérebro às

emoções, a neurociência negligenciou os estudos dos aspectos emocionais do

comportamento por um longo tempo.

Em 1848 um incidente trágico tornou claro que as emoções, a personalidade e a

vivência em sociedade são regidas por funções neurais. Phineas Gage, um operário de uma

estrada de ferro, estava dinamitando algumas rochas e ao pressionar a pólvora em um

buraco com uma barra de ferro iniciou o processo de detonação. A barra trespassou a face

de Gage e saiu pela testa. Surpreendentemente, ele continuou lúcido e foi declarado curado

em poucos dias, porém sua capacidade de se emocionar e tomar decisões foi comprometida

após o incidente, sendo o primeiro relato de que uma lesão nos lobos frontais (confirmada

posteriormente) pode alterar a personalidade de uma pessoa.

Após o caso Gage, visto que as funções comportamentais relacionadas à emoção

eram exercidas e/ou controladas por algumas regiões do encéfalo, a neurociência teve que

vencer alguns obstáculos para incorporar a emoção ao estudo científico: Como dimensionar

a emoção em pessoas com vivências diferentes, ou mesmo, como dimensionar o que está

se sentindo? Como gerar sentimentos que sejam próximos aos espontâneos? Como criar

um modelo palpável de manipulação experimental em humanos e animais? Estas

perguntas aparentemente geraram, além de dúvida, um desconforto nos neurocientistas que

culminou em uma demora na inserção das emoções ao plano científico.

Embora todas estas perguntas tenham alta relevância científica, a maior dificuldade

ainda está na real definição de emoção. Uma noção generalista é de que a emoção é

composta por três fatores principais: um componente sentimental, uma resposta

comportamental e as adequações fisiológicas pertinentes. Esta noção, além de generalista,

descarta os componentes psicológicos que, no caso de humanos, altera significativamente o

modo que a emoção se processará. Contudo, é possível concluir que um dado sentimento

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1º Curso de Neurociências e Comportamento

 

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gerado por fatores exógenos ou endógenos, levará a alguma resposta motora, seja esta

estereotipada, isto é, simples e de natureza reflexa ou complexa de natureza volitiva; e

ainda terá os ajustes fisiológicos pertinentes, como a liberação de hormônios, dada a

intensidade do sentimento e diferindo quanto às situações e personalidade dos indivíduos.

Em casos normais as respostas emocionais devem ser de caráter imediato e transitório,

porém, em casos de desordens afetivas ocorrem respostas prolongadas.

Esta definição de emoção, ainda que generalista, permite entender o significado da

emoção, mas não define cada experiência emocional isoladamente. Por exemplo, estar feliz,

triste, furioso, entediado, desapontado, excitado, chateado, com medo, apaixonado,

exaltado ou satisfeito definem vários estados emocionais, sejam positivos ou negativos,

fortes ou fracos. É possível, então, notar que alguns destes exemplos são apenas variações

quanto à intensidade do sentimento: alegre, satisfeito, excitado são apenas termos que

exprimem diferentes amplitudes de felicidade. Então, nota-se que há dois novos

componentes das emoções: (1) o fator intensidade ou amplitude e; (2) há várias

denominações dependentes da intensidade de uma emoção básica.

Desde a expressão das emoções nos homens e nos animais de Charles Darwin

(1872), os cientistas vêm tentando definir um conjunto finito de emoções primárias. Em

estudos com expressões faciais foi descoberto que independente do local, cultura e etnia

algumas emoções tem respostas comportamentais muito semelhantes (Ekman e Frieser,

1971). Baseado nestes estudos foi proposto que existem 6 tipos de expressões faciais

básicas humanas que denotam emoções. São elas: raiva, medo, aborrecimento, felicidade,

tristeza e surpresa. A definição de emoções básicas permite diferentes manipulações

experimentais para investigação dos sistemas neurais envolvidos nas emoções e diferentes

propostas para quantificá-las. Chegando novamente à pergunta: como dimensionar e

quantificar a emoção em pessoas com vivências diferentes?

Emoção, Cognição e Comportamento

Aparentemente a correlação entre cérebro e emoções está, hoje, bem estabelecida.

Entretanto, a inserção dos processos emocionais dentro de estudos cognitivos soa um tanto

quanto abstrata. Algumas dualidades parecem perdurar na história humana, como era, por

exemplo, na teoria de alma e corpo de Descartes, a alma regeria os aspectos emocionais e

o corpo regeria a razão. Ainda hoje razão e emoção parecem palavras antônimas e da

mesma forma cognição e emoção podem parecer contrastantes. Mas novos estudos têm

demonstrado que a emoção é um fator que influencia, modula e pode ser até mesmo

preponderante em sistemas classicamente cognitivos como na memória e aprendizado

(Immordino-Yang e Damásio, 2007). Ainda neste mérito, Antônio Damásio, em o “Erro de

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Descartes” (1994), propõe que a razão é consequência da avaliação emocional de um ato,

portanto tratar emoção e razão como domínios totalmente isolados seria um erro.

Mesmo estabelecendo que a emoção seja adequada aos estudos cognitivos, a

grande variedade de personalidades existentes na sociedade, mesmo em um grupo restrito,

torna o estudo em laboratório altamente desafiador; agora imagine um estudo global da

espécie humana, no qual além de personalidades diferentes, diferem também as culturas e

os valores. Portanto, a tarefa de manipular e estudar a emoção em situações controladas

exige algumas técnicas, que vem se desenvolvendo ao longo dos anos.

Os conceitos de que uma emoção pode ser positiva ou negativa parecem estar bem

claros. Por exemplo, é de comum acordo que felicidade é uma experiência positiva e tristeza

negativa. Também parece claro que uma emoção pode ter diferentes intensidades: A

felicidade de achar uma moeda na rua não é de mesma amplitude que ganhar na loteria.

Então, a avaliação da emoção em laboratório visa, basicamente, manipular a amplitude e o

contexto emocional a fim de elucidar como são deflagradas as ações subsequentes ao

estímulo, como é o processamento neural por detrás dos sentimentos e como isso pode

influenciar em outros processos cognitivos. Em termos gerais, em experimentos com

emoção, há uma tentativa de indução de um estado emocional no sujeito, seja por indução,

em que se pede que o indivíduo tente evocar um estado emocional em particular; por

métodos de recompensa e punição, nos quais um estímulo motivacional é a chave do teste,

seja ele reforçador ou aversivo; ou ainda pela apresentação de estímulos que evocam

emoções, como a apresentação de algumas cenas carregadas de sentidos emocionais. Em

1995, Lang e colaboradores reuniram uma coleção de imagens que evocam uma série de

respostas emocionais. Os autores pediram que várias pessoas de diversas etnias

classificassem estas figuras por valência (intensidade da emoção gerada) e por alerta

(quanto a imagem os deixou em alerta). Este trabalho acabou virando um sistema

internacional de figuras afetivas (IAPS – International Affective Pictures System) que é

usado como padrão em testes comportamentais (Figura 1).

      

Figura 1 – À esquerda exemplo de imagem de contexto emocional positivo, e à direita, negativo. Retirado de: IAPS, 1995.

Os métodos de quantificação de impacto emocional que gerado por diferente

técnicas podem ser avaliados através de questionários ou através de testes subsequentes,

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como por exemplo, a escolha entre dois objetos, em que a preferência será a medida

observada. Em modelos animais, algumas respostas comportamentais podem ser

quantificadas (ver adiante) ou ainda é possível avaliar algumas respostas autonômicas,

como pressão arterial, resposta de condutância da pele e frequência cardíaca.

A resposta de condutância da pele pode ser utilizada tanto em humanos como em

animais. As propriedades elétricas da pele são medidas através de eletrodos durante a

realização de uma tarefa ou apresentação de um estímulo. Em condições de estresse a

condutividade aumenta significativamente. Esta avaliação foi por muito tempo a base do

detector de mentiras.

Os processos emocionais podem ainda interferir na realização de algumas tarefas

que exigem outros processos cognitivos, como tomada de decisão, memória, aprendizado e

atenção. Em uma determinada tarefa o fator emocional pode influenciar de forma a inibir ou

facilitar o desempenho. Por exemplo, utilizando o IAPS os indivíduos tendem a lembrar mais

de imagens de caráter negativo quando solicitados a lembrar de algumas imagens que lhes

foram apresentadas (Pratto e Jonh, 1991).

Neurobiologia das Emoções

Ao longo dos anos diversas teorias foram construídas a fim de explicar como as

emoções se processavam no sistema nervoso. Uma das primeiras teorias é a de James e

Lange datada do início do século XIX, quando pouco era sabido das interações dos eventos

neurais e comportamento. Os autores postularam que a emoção decorria após alguns

eventos fisiológicos, ou seja, o comportamento emocional se dava após a percepção de

alterações fisiológicas ocorridas no organismo. Então poderia se supor com esta teoria que

a tristeza decorre por causa do choro e não o contrário.

Em seguida Cannon e Bard (1928) refutaram a teoria de James-Lange e propuseram

que a resposta emocional estava ligada a eventos no sistema nervoso central, mais

precisamente no tálamo e hipotálamo. Entretanto, o conhecimento atual permite avaliar que

faltam evidências de participações talâmicas nas emoções.

Enfim, Papez, em 1937, teorizou que haveria todo um sistema relacionado com o

processamento da emoção. Este sistema ficou conhecido anos mais tarde como sistema

límbico; após algumas alterações da teoria inicial, foram atribuídas as participações do

hipotálamo, hipocampo, tálamo anterior, giro do cíngulo, amígdala e o córtex orbitofrontal. A

teoria inicial de Papez foi atualizada algumas vezes baseada em novos experimentos,

atualmente sabe-se que muitas estruturas límbicas participam de fato do processamento

emocional. Entretanto nem todas as descritas como participantes iniciais do sistema tem

participação comprovada. Apesar de existir toda uma circuitaria neural que compreende

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diversas estruturas e mediadores, duas estruturas têm se destacado particularmente: A

amígdala e o córtex orbitofrontal.

Voltando ao Phineas Gage, anos após sua morte, o crânio foi exumado e estudado

por técnicas de formação e recomposição computadorizada do acidente (Fig. 2). Ficou claro

que era uma lesão frontal, a qual abrangia o córtex orbitofrontal. Esta estrutura não fazia,

então, parte do sistema límbico descrito por Papez, mas desempenha papel fundamental

nas emoções e tomadas de decisão. O real papel do córtex orbitofrontal nos processos

emocionais ainda não está bem estabelecido, porém sabe-se que tem grande importância

nas tomadas de decisões sejam elas de caráter emocional ou não.

As lesões frontais têm sido alvo de estudos ao longo dos anos. Um indivíduo com tal

lesão perde o senso de responsabilidade, capacidade de concentração, perda do poder

discriminativo ao tomar decisões e ainda tem prejuízo na expressão de estados afetivos. Um

exemplo disso era quando se praticava a lobotomia pré-frontal como tratamento para

algumas psicopatologias, o indivíduo perdia a capacidade de expressar e reconhecer

respostas emocionais e afetivas.

Figura 2 - Reconstituição computadorizada do crânio de Phineas Gage após o acidente.

Damásio (1994) demonstrou uma série de experimentos que comprovaram a

participação dos córtices frontais nos processos de tomada de decisão. O autor ainda

teorizou, a partir destes estudos com pacientes com lesões frontais, que o conhecimento de

características emocionais guia nossas escolhas racionais; por exemplo, um grupo era

convidado a escolher uma carta de duas pilhas distintas. A partir de certo ponto o indivíduo

aprendia que uma pilha continha cartas com premiações maiores, mas o risco de perda era

igualmente maior. Os indivíduos controles tendiam a evitar esta pilha, e quando decidiam

pegar uma carta desta, exibiam respostas emocionais autônomas claras, ao passo que os

pacientes com lesão frontal não evitavam a pilha arriscada e nem exibiam tais respostas

emocionais. Portanto, neste caso o papel das regiões frontais, sobretudo do córtex

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orbitofrontal, parece ser o de basear as ações conforme as informações emocionais de cada

estímulo. Esta associação também parece ser altamente dependente de conexões das

áreas frontais e outras estruturas cerebrais, como a amígdala.

A amígdala desempenha papel fundamental na formação das emoções. Esta

estrutura em forma de amêndoa e seus variados núcleos têm ligações com outras

importantes estruturas cerebrais, como hipocampo, porção dorsal do tálamo, áreas pré-

frontais e núcleos do septo. Cada uma destas vias, e a própria amígdala, são importantes

mediadoras de comportamentos em resposta a um estímulo emocional. Ela é responsável

pela associação do estímulo emocional e a resposta comportamental, mediação da memória

associativa, alguns autores ainda a citam como responsável pelo comportamento agressivo

e mediador da consolidação de algumas memórias emocionais, podendo, por ação de

alguns hormônios liberados em situações de grande estresse, facilitar a retenção da

informação. Talvez por isso seja, na maioria das vezes, tão fácil lembrar episódios

carregados de contexto emocional. Um bom exemplo disso é que em testes que utilizam o

sistema de imagens afetivas a maioria das pessoas lembra mais fortemente de imagens de

contexto emocional negativo, com alta valência, em comparação às imagens neutras e

positivas (Hansen e Hansen, 1988; Pratto e Jonh , 1991; Huang e Luo, 2006)

As primeiras observações de que a amígdala tem participação importante nas

respostas emocionais datam de 1939 (Klüver e Bucy), em que macacos com lesões nesta

estrutura não reconheciam mais objetos antes carregados de grande contexto emocional. A

partir deste achado, muitos estudos têm sido realizados enfocando tal estrutura. Sabe-se

que a amígdala está envolvida em aprendizados que exigem associações, como por

exemplo, no condicionamento aversivo. Um rato que é colocado experimentalmente em uma

caixa onde um choque elétrico nas patas é pareado com um estímulo neutro, como uma luz,

exibirá após o pareamento uma resposta de medo, por exemplo, um sobressalto. Um animal

cujas funções amigdalares não estejam íntegras não responderá desta forma na

apresentação somente do estímulo neutro como ocorre normalmente em ratos sem dano

algum (Davis, 1992).

Mesmo nos aprendizados mais complexos, observados nos seres humanos, como

no medo instruído; no qual o evento aversivo não é vivido e sim contado por outra pessoa, a

amígdala é requerida. Isto porque ela tem conexões importantes com outras estruturas

neurais envolvidos fortemente com a memória, como por exemplo, o hipocampo. Então,

atuando em conjunto com outras estruturas, a amígdala é importante mediadora da

consolidação de eventos emocionais, modulando a intensidade e o impacto destas

memórias (McGaugh, 2004).

Lesões experimentais em determinados núcleos da amígdala ou desconexões de

algumas vias que ela faz parte têm sido praticadas para estudo da função da estrutura

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neural e suas vias, bem como nas respostas emocionais. Diferentes vias e estruturas podem

participar da expressão das emoções, e grande parte dos achados até agora se devem, em

grande parte, a modelos animais.

Modelos animais

Os modelos animais permitem práticas de lesões precisas e desconexões funcionais

igualmente corretas para estudo da função neural, o que não é observado em casos

envolvendo humanos, nos quais a lesão acidental geralmente envolve múltiplas estruturas e

em geral é uma lesão difusa. Então, modelos animais podem ajudar a elucidar como a

emoção se processa no cérebro. Contudo, a linguagem ainda é uma barreira; como estudar

emoção se não conseguimos saber de fato se a emoção é pertinente ao animal? Para

responder esta pergunta e ainda ter ferramentas para responder outros questionamentos,

foram criados modelos animais para estudo do comportamento de respostas ao medo,

ansiedade e respostas à estímulos positivos e negativos. Testes como o labirinto em cruz

elevado (LCE), testes de esquiva, medo condicionado, e diversas tarefas que utilizam

reforços tem se mostrado muito eficazes em avaliar respostas emocionais, que são até de

certa forma subjetivas, principalmente para animais, como é o caso da ansiedade.

A ansiedade é um estado subjetivo de apreensão que se difere do medo por não

haver causa direta ou pelo menos aparente (File, 1992) provocando reações fisiológicas e

comportamentais. Tarefas comportamentais, como o LCE e o Campo Aberto (Fig. 3) permite

que façamos inferências sobre o estado e o nível de ansiedade que um animal, em geral

ratos ou camundongos, apresenta. No LCE existem quatro braços, sendo que dois possuem

paredes altas e dois são abertos. Um animal ansioso evitará a permanência prolongada nos

braços abertos, uma vez que estes animais tendem a evitar ambientes abertos e se

demonstram desconfortáveis com a altura. No campo aberto a premissa é semelhante, dado

o desconforto pela presença no novo ambiente o animal exibirá uma série de

comportamentos que nos permitem fazer uma análise do nível de estresse que ele está

submetido.

Figura 3 – À esquerda o LCE como dois braços abertos e dois fechados; à direita o teste do Campo Aberto.

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Como anteriormente citado, o medo é um estado no qual um agente externo

conhecido provoca reações de tensão, como por exemplo, algumas respostas de defesa

como luta ou fuga. O condicionamento é a base das tarefas de medo, no qual um estímulo

neutro (luz), pareado com um estímulo incondicionado por algumas vezes gerará uma

resposta comportamental a apresentação apenas do estímulo neutro inicial (luz).

Manipulações usando esta premissa são freqüentes, por exemplo, avaliações de tarefas

potencializadas ou inibidas pelo medo. A associação de um estímulo incondicionado, como

um som alto, ao choque e uma luz potencializará uma reação de medo no animal, como por

exemplo, um sobressalto (Fig. 4). Portanto, diferentes pareamentos e manipulações podem

elucidar alguns pontos chaves do comportamento emocional e suas bases neurais, como a

função amigdalar.

Os modelos animais têm sido ferramentas de grande valia

no estudo, tanto dos substratos neurais envolvidos nos

comportamentos emocionais, bem como em experimentos

farmacológicos para o teste de drogas antidepressivas e

ansiolíticas, que são amplamente utilizados em casos de

desordens psicológicas humanas.

A inclusão do estudo dos comportamentos emocionais nas neurociências permitiu a

elucidação de alguns substratos neurais envolvidos nestes comportamentos. Entretanto,

novos avanços devem ser feitos com mais estudos. Algumas respostas, como os reais

papéis de determinadas estruturas, podem ser alcançadas. E ainda a inclusão da emoção

como um domínio cognitivo permite que a levemos em conta no estudo dos mais variados

comportamentos, influenciando diretamente em cada um deles.

Figura 4 – Exemplo de medo condicionado, no caso um teste de sobressalto

potencializado pelo medo, no qual primeiramente o animal recebe um

pareamento de luz e choque, em seguida um som que provoca uma reação de

sobressalto e depois o pareamento de luz e som que levará a uma resposta

exagerada de sobressalto. Retirado de Davis, 1992. 

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Modelos e Cognição

Rodrigo Pavão Laboratório de Neurociências e Comportamento

[email protected]

A construção de conhecimento científico envolve observação de fenômenos

associada à reflexão sobre eles, e também a formulação de hipóteses e criação de modelos.

Hipóteses e modelos científicos são criações humanas que tentam representar a realidade

de modo sintético e aproximado. Hipóteses e modelos têm o propósito de facilitar a

compreensão da realidade e permitir a previsão de fenômenos.

Existem diferentes tipos de modelos, dependendo de seus objetivos e organização.

Por exemplo, há modelos que remetem aos principais achados empíricos, ou que

representam relações entre partes do processo, ou ainda modelos classificatórios que

ressaltam semelhanças e diferenças entre processos, e até mesmo representações físicas,

como o modelo em estrutura metálica da molécula de DNA, desenvolvido por Watson e

Crick. Os modelos podem ser alterados para abordar aspectos não notados em sua criação.

Além disso, um mesmo fenômeno natural pode ser abordado por diferentes modelos.

Ademais, modelos podem exibir diferentes graus de generalidade e poder

explanatório. A teoria da evolução proposta por Darwin é um exemplo de modelo de ampla

generalidade e poder explanatório, pela sua aplicabilidade a uma ampla gama de

fenômenos biológicos. Em neurociências existem modelos de um único processo (p.ex., um

modelo de memória para tarefa de lembrança de listas de palavras) ou modelos mais gerais

(p.ex., o modelo hebbiano de plasticidade sináptica, que descreve que a eficácia sináptica

aumenta com a estimulação repetitiva). Um modelo geral é aquele que se aplica a uma

variedade de circunstâncias distintas, e pode ser definido como um paradigma (Sayão,

2001).

Modelos sobre processos cognitivos

Assim como em outras áreas da ciência, processos cognitivos também são

compreendidos e estudados por meio de modelos. Modelos de processos cognitivos são

representações dos processos mentais; aqueles propostos pela assim chamada área de

neurociência cognitiva representam sistemas e interações destes sistemas. Há modelos que

representam também o modo de funcionamento, relacionando funções cognitivas a

estruturas neuroanatômicas e a mecanismos neurofisiológicos, e que têm o objetivo de

facilitar a compreensão dos mecanismos. Adicionalmente, os modelos cognitivos podem ter

poder preditivo em relação ao comportamento. Serão apresentados dois exemplos de

funções cognitivas e alguns modelos relevantes para sua compreensão.

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Exemplo 1 - Memória

Diversos modelos tentaram identificar a existência de múltiplas formas de memória

associadas a sistemas neurais distintos, cada qual com diferentes características. Por

exemplo, o modelo proposto por Atkinson e Shiffrin (1971), que ficou conhecido como

“modelo modal”, definia três tipos de estocagem mnemônica, incluindo (1) registros

sensoriais, o primeiro estágio da percepção, cujo conteúdo seria transferido para (2)

registros de curta duração, um armazenamento temporário das informações, que seriam

transferidas para (3) um registro de longa duração (Fig. 1 – esquerda). Assim, a informação

fluiria através de estágios sucessivos de processamento, podendo ser estocada em uma

memória de longa duração, o último estágio da cascata. No entanto, contrariamente a essa

proposta, havia evidências de que a informação poderia fluir para memória de longa duração

independentemente de sua permanência na memória de curta duração.

Como uma alternativa aos registros sensoriais e de curta duração do modelo modal

de memória, Baddeley e Hitch (1974) propuseram o modelo de memória operacional para

descrever a retenção temporária e manipulação de informações. A memória operacional

compreenderia um sistema de controle de atenção, o executivo central, auxiliado por dois

sistemas de suporte responsáveis pelo arquivamento temporário e pela manipulação de

informações, um de natureza visuo-espacial e outro de natureza fonológica (Fig. 1 – centro).

Adicionalmente, a memória de longa duração também foi dividida em sistemas

diferentes a partir de estudos de dupla dissociação envolvendo pacientes com lesões ou

disfunções no lobo temporal medial e nos gânglios basais. Assim, a memória de longa

duração pode ser dividida em conhecimento explícito - relacionado a fatos e eventos,

expresso pela lembrança da informação sob forma passível de relato verbal - e

conhecimento implícito, que poderia ser subdivididos em subsistemas (Squire e Knowton,

1995) (Fig. 1 – direita).

Figura 1 – Modelos modal de memória (à esquerda) (modificado de Atkinson e Shiffrin, 1971), memória operacional (ao centro) (modificado de Baddeley e Hitch, 1974) e memória de longa duração (à direita) (modificado de Squire e Knowton, 1995).

É possível exemplificar a atuação dos sistemas de memória operacional e de longa

duração através de atividades. A memória operacional é fundamental para a atividade de

lembrar uma lista de itens por um curto período de tempo, como ao memorizar um número

de telefone temporariamente até discá-lo. A memória explícita, por sua vez, é fundamental

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para lembrar uma lista de itens por período de tempo prolongado, ou lembrar de evento

ocorrido em momento remoto. A memória implícita não está envolvida na lembrança

declarativa de itens; é fundamental, no entanto, para aprender e desempenhar relações

percepto-motoras como andar de bicicleta ou tocar um instrumento musical (como em

situação em que, ao se tocar uma série de notas no violão ou bateria, outras notas podem

ser tocadas sem fazer um planejamento explícito), cujo relato declarativo é freqüentemente

inviável.

Uma estratégia bem controlada de avaliar a memória implícita é o uso da tarefa de

aprendizagem de seqüências. Nessa tarefa o voluntário deve apertar, o mais rápido

possível, botões correspondentes a estímulos apresentados numa tela de computador. Os

estímulos podem ser apresentados aleatoriamente ou em uma seqüência. Pode-se controlar

quais os estímulos apresentados, sua duração, taxa de apresentação etc., além de acessar

com exatidão a velocidade das respostas e a precisão do voluntário, permitindo comparar o

efeito de diferentes tratamentos, incluindo o uso de seqüências. Em apresentação de

estímulos aleatórios os tempos de resposta são maiores do que para apresentação de

estímulos em seqüência; isso indica que a seqüência é aprendida. É interessante notar que

essa redução dos tempos de reação ocorre mesmo sem que a organização da seqüência

seja percebida conscientemente; essa é a razão de classificar essa tarefa como de memória

implícita. 

Exemplo 2 - Atenção

Modelos dos processos atencionais são menos consensuais que os modelos de

memória. Há classificações controversas como a atenção sustentada (prontidão do sistema

nervoso), atenção dividida (direcionamento da atenção concomitantemente a mais de uma

fonte) e atenção seletiva (processamento de informações oriundas de uma fonte, ignorando

as demais) (Muir, 1996), que não parecem de grande utilidade pela ampla sobreposição dos

processos e pelo fato de que em qualquer das situações existiria um processamento

seletivo. Há também o debate sobre como se daria essa seleção: como filtro (permitindo

processamento adicional de apenas uma parte da informação transmitida pelo sistema

sensorial), filtro atenuador (manutenção do sinal a ser processado, associado à redução dos

demais sinais não atendidos), ou intensificador (amplificação do sinal a ser processado,

associado à manutenção dos demais sinais não atendidos) (Fig. 1 – esquerda). A seleção

do que seria processado preferencialmente poderia se dar em diferentes níveis do sistema

nervoso – desde o sistema sensorial até as áreas integrativas. Há também o debate sobre

como se dá o direcionamento da atenção (Fig. 2 – centro e direita); há modelos que o

desmembram em direcionamento automático e direcionamento voluntário, envolvendo

diversas estruturas com diferentes funções (Posner, 1987; Laberge, 1989). Há ainda a

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interpretação de que a atenção seja um processo de seleção modulado pelo registro do

passado, expectativa e funções superiores (Fig. 2 – direita).

Figura 2 – Seleção por filtros simples, atenuador ou amplificador (à esquerda) (modificado de Helene e Xavier, 2003). Modelo de etapas do direcionamento da atenção visual no espaço (ao centro) (modificado de Posner, 1987). Interação do filtro atencional com outros processos cognitivos (à direita). Modificado de Laberge, 1989.

Um tipo de avaliação amplamente utilizado em estudos sobre o direcionamento

espacial da atenção visual foi proposto por Posner (1980). Os participantes devem

pressionar um botão assim que detectam um estimulo luminoso (“alvo”) que aparece ou na

mesma região do espaço que um estímulo prévio (“pista válida”) ou na região oposta (“pista

inválida”) (Fig. 2 – centro, parte superior – representação da apresentação da pista, à direita

do ponto de fixação do olhar). O tempo de resposta quando a pista é válida é menor do que

quando a pista é inválida; essa diferença de tempo é uma medida do benefício da

orientação atencional gerado pela pista válida, que facilita o processamento do estímulo

visual, associado ao prejuízo gerado pela pista inválida em decorrência do direcionamento

da atenção para o local incorreto, dificultando assim a detecção do alvo que é apresentado

num outro local. Esse protocolo é comumente usado para avaliação da atenção automática

quando associado a 50% de tentativas válidas e 50% de tentativas inválidas (pistas não

preditivas da posição do alvo). Uma modificação desse protocolo, com o uso de pistas

simbólicas, centrais (apresentadas próximas do ponto de fixação) e outra proporção entre

pistas válidas e inválidas (tornando a pista preditiva da posição do alvo), é usada para

avaliação do direcionamento voluntário da atenção espacial. Além da orientação espacial

da atenção, estuda-se também o direcionamento atencional para processamento de formas,

contrastes etc.

Esses modelos esquemáticos são geralmente consistentes com achados empíricos e

clínicos, além de serem intuitivamente plausíveis. Há, no entanto, outras estratégias de

modelagem que tratam das computações envolvidas nos processos cognitivos.

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Modelagem Computacional

A neurociência cognitiva tem usado a modelagem computacional como ferramenta

para explicação e entendimento dos mecanismos neurais subjacentes aos processos

cognitivos, por meio da implementação de programas de computador que traduzem modelos

abstratos em simulações concretas de processos cognitivos. Uma ampla gama de

processos pode ser modelada computacionalmente, desde a neurofisiologia neuronal até as

computações envolvidas em funções cognitivas complexas. A modelagem computacional

tem, portanto, um grande potencial na simulação de processos de integração incluindo os

níveis da neurofisiologia, neuroanatomia e neuropsicologia, podendo oferecer “insights”

sobre os processos computacionais complexos envolvidos no funcionamento integrado de

redes neuronais e na determinação do comportamento.

Um modelo computacional que vem sendo aplicado cada vez mais frequentemente

nas neurociências é a teoria de detecção de sinais, que apresentaremos a seguir.

Teoria de Detecção de Sinais

A teoria de detecção de sinais é uma adaptação da teoria de decisão estatística para

o campo da percepção (Swets e col., 1961). Uma estratégia interessante de explicação

dessa teoria é o uso do exemplo do diagnóstico de tumor por um médico observando

imagens de tomografia computadorizada (adaptado de Heeger, 2007).

A interpretação de imagens de tomografia é difícil e demanda bastante treino. Em

razão dessa dificuldade, há sempre incerteza sobre o julgamento. Pode existir um tumor

(sinal presente) ou não (sinal ausente). O médico pode ver o tumor (resposta “sim”) ou não

(resposta “não”). Existem quatro possibilidades, duas boas (identificação e rejeição corretas)

e duas más (omissão e alarme falsos).

resposta

“sim”

resposta

“não”

sinal

presente acerto omissão

sinal

ausente alarme falso rejeição correta

Figura 3 – Combinações possíveis entre presença/ausência de sinal e resposta sim/não da teoria de detecção de sinais. Acertos (sinal presente, resposta sim) e rejeições corretas (sinal ausente e resposta não) são positivos; alarmes falsos e omissões são negativos.

Dois fatores são fundamentais para a decisão: a aquisição de informação e o critério

A aquisição de informação, no nosso exemplo, se dá pela observação das imagens

da tomografia: formato, cor, textura etc. do tecido observado. Com bastante treino, o médico

consegue obter informação suficiente dessas imagens. Além disso, outros métodos

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poderiam ser usados, como ressonância magnética, que poderiam fornecer informação

adicional. A aquisição de informação define a resposta interna (ver adiante).

O critério, por outro lado, é mais subjetivo ao próprio médico. Dois médicos

diferentes com mesma capacidade de análise, observando o mesmo exame, podem ter

diferentes opiniões sobre o que fazer. Um deles pode assumir que estará perdendo a

oportunidade de fazer um diagnóstico precoce que pode significar a diferença entre a vida e

a morte, e que um alarme falso poderia resultar em uma operação de rotina para biópsia; e,

nesse contexto, opta pela resposta “sim”. Outro médico pode assumir que cirurgias

desnecessárias, mesmo de rotina, são ruins, caras, estressantes etc.; e, nesse contexto,

pode adotar uma postura mais conservadora e optar pela resposta “não”. Este último médico

deixará de diagnosticar pacientes com tumor, principalmente em estágios iniciais, mas

estará reduzindo o número de cirurgias desnecessárias. Assim, o critério não se refere à

informação, mas sim à decisão que será tomada com essa informação.

Adicionalmente, existem ruídos que são processados juntamente com o sinal.

Ruídos, no nosso exemplo, correspondem às limitações da técnica, ou algo no tecido sadio

que é similar ao tumor. Além disso, o médico também exibe variações na maneira pela qual

analisa o exame. A soma do sinal com os ruídos determina a resposta interna.

A resposta interna poderia ser colocada de forma mais concreta, supondo que o

médico possua “neurônios-tumor” que têm a freqüência de disparo (em spikes/s) aumentada

ao ver exame com evidência de tumor. Note que apesar de este ser um exemplo bastante

didático, é bem pouco provável que o processamento realmente se dê desse modo. No

entanto, é bastante certo que o reconhecimento de tumores em exames de tomografia

envolva atividade diferenciada em alguns circuitos neurais de médicos neurologistas. A

atividade diferenciada nos circuitos neurais referentes ao reconhecimento de sinais será

referido como resposta interna.

O processo pode ser formalizado como representado na Fig. 4. A curva à esquerda

expressa apenas ruído (tecido sadio), e a curva à direita expressa sinal (tumor presente)

mais ruído. A abscissa representa a resposta interna, e a ordenada a probabilidade de

ocorrência. Numa situação envolvendo apenas ruído haverá, usualmente, 10 unidades de

resposta interna; porém, algumas vezes pode haver bem mais do que isso, i.e., até 18 ou 19

unidades de resposta interna. De maneira similar, numa situação envolvendo ruído mais

sinal pode haver menos do que 20 unidades de resposta interna, podendo gerar uma

sobreposição entre as curvas das duas condições.

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Figura 4 – Resposta interna do observador (no exemplo, o médico que analisa os exames) para as condições apenas ruído (tecido sadio) e sinal (tumor) mais ruído (à esquerda). Dois médicos com a mesma habilidade podem adotar critérios distintos, levando a mais acertos e mais alarmes falsos (à direita, acima) ou menos alarmes falsos e menos acertos, i.e., omissões (à direita, abaixo).

Exemplo 1 - Memória e a Teoria de Detecção de Sinais

A teoria de detecção de sinais tem sido usada nos modelos formais de

aprendizagem e memória. O modelo apresentado por Berry e col. (2008), por exemplo,

expressa valores de familiaridade amostrados em uma distribuição normal (análogo à

resposta interna) a cada item. A familiaridade exprime a força da memória que, na prática,

pode ser entendida como a facilidade de lembrar este item. O treinamento de um item

específico gera o aumento do valor da familiaridade daquele item (Fig. 5 – direita); assim,

assume-se que a média da familiaridade é maior para itens treinados do que para itens não

treinados, já que a familiaridade aumenta face a exposições repetidas do item em questão.

Tal valor de familiaridade é usado para fazer julgamentos de reconhecimento (“já vi” se valor

de “f” (familiaridade) for maior que um dado critério, e “não vi” se “f” for menor que o critério).

A familiaridade é usada também para obter medidas de pré-ativação, por exemplo, o tempo

de resposta para o item (Fig. 5 – esquerda).

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Figura 5 – Esquerda: Familiaridade para um item em função da quantidade de treino e seu reflexo sobre a lembrança e o tempo de reação. Esse modelo pode ser aplicado a diversas situações em que tradicionalmente se julgam como necessários os sistemas de memória explícita (lembrança de lista de palavras, ou diferenciar palavras apresentadas de não-apresentadas – inserindo critério de distinção dessas categorias) e implícita (como tocar uma seqüência completa de notas, p.ex., 1-2-3-4, ou modificada, p.ex., 1-2-3-9). Direita: O efeito do treino altera os valores de familiaridade fazendo com que itens inicialmente indiferenciados (parte superior) tornem-se paulatinamente distintos (parte inferior). Esse modelo se aplica ao treinamento da capacidade de médicos de diferenciar exames com tecido sadio e/ou tumor, treino para reconhecimento de palavras e aprendizagem de seqüências, entre muitos outros. 

Exemplo 2 - Atenção e a Teoria de Detecção de Sinais

A aplicação dos conceitos da teoria de detecção de sinais ao estudo da atenção leva

à sugestão de que a atenção atua aumentando a resposta interna aos estímulos

selecionados (Fig. 6 – esquerda). Esse tipo de abordagem é bastante utilizada em

experimentos de detecção de contrastes, havendo relatos de alterações neurofisiológicas

associadas a estímulos aos quais a atenção foi direcionada. Por exemplo, quando a atenção

é direcionada para um dado estímulo, a taxa de disparos de neurônios isolados aumenta em

relação à apresentação de um estímulo de mesmo contraste, porém, sem o direcionamento

da atenção ao mesmo (Kim e col, 2007) (Fig. 6 – direita).

Figura 6 – Curvas de probabilidades da resposta interna, conforme a teoria de detecção de sinais aplicada à atenção (esquerda). Resposta neural a estímulos aos quais a atenção foi ou não direcionada (direita). Modificado de Kim e col, 2007.

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Assim, também a atenção também pode ser modelada pela teoria de detecção de

sinais. Processos atencionais envolvendo a facilitação do processamento (possibilitando a

emissão de respostas mais rápidas ou melhor detecção de estímulos) poderiam, inclusive,

ser interpretados como fundamentados na mesma base que os processos de memória. De

fato, o experimento de Kim e col. (2007) consiste em apresentar uma pista indicando o lado

provável de apresentação do estímulo (com diferentes contrastes) que se assemelha ao

experimento de aprendizagem de seqüências (estímulos anteriores indicam o próximo

estímulo); assim, parece bastante plausível o uso do mesmo modelo.

Conclusão

Esse capítulo apresenta a possibilidade de investigar memória e atenção sob um

mesmo prisma, isto é, adotando um mesmo modelo básico. O modelo apresentado aqui é a

teoria de detecção de sinais, cuja aplicação parece vantajosa, na medida que  facilita a

compreensão de processos cognitivos como atenção e memória e é um modelo elaborado

de forma a permitir previsões.

Nesse modelo, o processamento de estímulos seria facilitado de acordo com

respostas internas; ou seja, os tempos de resposta, lembrança, detecção etc. seriam

definidos pelo grau de preparação prévio do sistema nervoso. Esse grau de preparação é

dado pela estrutura e atividade dos circuitos neurais. Assim, a força das sinapses, a

quantidade ou a sincronização da atividade elétrica, entre outros, definiriam a facilidade de

resposta aos eventos.

A estratégia aplicada na Neurociência Cognitiva de assumir que existem módulos

para cada uma das funções cognitivas tem seu ganho na organização do estudo da

cognição. Essa e outras abordagens similares criaram modelos para cada um desses

processos cognitivos. E, realmente, o uso de modelos específicos para cada um dos casos

tem sua função de facilitar a compreensão daquele fenômeno; porém, é clara a interação (e

até mesmo similaridade) entre os diversos processos cognitivos. De fato, a estreita relação

entre atenção e memória já foi apresentada previamente por Helene e Xavier (2003). A

visão defendida aqui, entretanto, é que a computação desses dois processos é de tal modo

similar que haveria ganho na compreensão e na previsão de fenômenos através da adoção

de um mesmo modelo geral que fizesse a tradução da neurofisiologia para o

comportamento. A teoria de detecção de sinais é um modelo que tem se mostrado capaz de

atuar desse modo; de fato, a generalidade dessa teoria é tal que outros processos

cognitivos poderiam vir a ser modelados vantajosamente. 

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