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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS CÂMPUS JUSSARA LICENCIATURA EM HISTÓRIA ELIZÂNGELA MARCELINA DE ARAÚJO REPRESENTATIVIDADE DO FEMININO NOS ORIXÁS NAS RELIGIÕES AFRO- BRASILEIRAS. JUSSARAGO 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS

CÂMPUS JUSSARA

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

ELIZÂNGELA MARCELINA DE ARAÚJO

REPRESENTATIVIDADE DO FEMININO NOS ORIXÁS NAS RELIGIÕES AFRO-

BRASILEIRAS.

JUSSARA– GO

2017

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Elizângela Marcelina de Araújo

REPRESENTATIVIDADE DO FEMININO NOS ORIXAS NAS RELIGIÕES AFRO-

BRASILEIRAS.

Monografia apresentada para Trabalho de Conclusão de

Curso de Licenciatura em História. Apresentada em

novembro de 2017, sob a orientação da professora Ma.

Kalyna Ynanhiá Silva de Faria.

Jussara – GO

2017

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Elizângela Marcelina de Araújo

REPRESENTATIVIDADE DO FEMININO NOS ORIXÁS NAS RELIGIÕES AFRO-

BRASILEIRAS.

Monografia apresentada para Trabalho de Conclusão de

Curso de Licenciatura em História. Apresentada em

novembro de 2017, sob a orientação da professora Ma.

Kalyna Ynanhiá Silva de Faria.

.

Monografia apresentada em: ____/____/________.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________

Prof. Ma. Kalyna Ynanhiá Silva de Faria.

UEG

_________________________________________

Prof. Ma. Sonia Nogueira Leandra

UEG

_________________________________________

Prof. Ms. André Luiz Ribeiro Justino

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Aos umbandistas e candomblecistas da cidade de Jussara-GO.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por ter me dado vida, sabedoria, paciência e

determinação para chegar até aqui e querer continuar nessa caminhada. À minha querida mãe

Maria Luiza pelo incentivo e orações, muitas orações, para que eu conseguisse concluir essa

etapa; um agradecimento muito carinhoso à minha irmã Maria Sebastiana não só pelo

incentivo como também pelas caronas, me levava e me buscava na universidade no início de

minha jornada, à minha sobrinha Pabline por ter me “obrigado” a prestar o vestibular, à minha

prima/irmã Regiene pelo apoio incondicional.

Agradeço ainda a minha sogra Adélia por ter tido paciência e disponibilidades para

ficar com as minhas filhas nos meus momentos de estudo, agradeço as minhas duas filhas

Valentina e Laura, pois nos momentos em que eu começava a me concentrar nas leituras

pediam colinho. Aos meus colegas de sala em especial a Dayana, a Késsia e a Tayana que

estiveram sempre ao meu lado prontas para o que der e vier; um agradecimento carinhoso as

minhas amigas Lorraine, Lidiane e meu amigo Nilson Filho que no início desta jornada

estiveram ao meu lado. Aos meus professores: André Luiz pelas conversas de incentivo;

Felipe Flavio pelas aulas divertidas; Simone Luz pelo exemplo de profissionalismo e

incentivo; Sonia Nogueira pelas aulas maravilhosas de África que nos proporcionou e também

pelo incentivo para que eu concluísse o curso, Deusair pelas aulas intermináveis de Brasil,

aprendi muito com vocês.

Um agradecimento especial a minha desorientadora, opa, orientadora Kalyna, pela

paciência que teve comigo durante esse tempo, e olha que foi muito tempo, por ter acreditado

no momento em que nem eu mesma conseguia acreditar, por fazer pressão e ao mesmo tempo

me deixar à vontade, enfim, por me acompanhar nessa jornada.

Por fim meu agradecimento mais que especial ao meu esposo Weslei, companheiro

para todos os momentos me ajudando, me aconselhando e acima de tudo ouvindo os meus

murmúrios.

A todos, o meu muito obrigada.

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“Quem é ateu

E viu milagres como eu

Sabe que os deuses sem deus

Não cessam de brotar

Nem cansam de esperar

E o coração

Que é soberano e que é senhor

Não cabe na escravidão

Não cabe no seu não

Não cabe em si de tanto sim”

Caetano Veloso

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RESUMO

O presente trabalho mostra os resultados obtidos durante a pesquisa, usando fontes

bibliográficas sobre as manifestações religiosas de matrizes africanas que ocorreram no Brasil

em todo o período escravista e pós-abolição, onde surgiram novas religiões, se extinguiram

algumas e se reinventaram outras, cultuando os orixás e resguardando seus mitos. Foi

realizada uma analise sobre a resistência dessas manifestações ao longo do processo histórico.

Os praticantes das religiões de matrizes africanas sofreram repressões vindas de seus

senhores, enquanto escravos, das autoridades, da policia e da sociedade de um modo geral

enquanto libertos. Desta forma os dois capítulos expostos neste trabalho apresenta uma

reflexão da evolução das religiões dos orixás e seus mitos presente na sociedade brasileira.

Palavras chaves: Orixá, religiosidade, feminino, mito.

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 01 ......................................................................................................................26

Imagem 02 ......................................................................................................................26

Imagem 03 ......................................................................................................................29

Imagem 04 ......................................................................................................................29

Imagem 05 ......................................................................................................................32

Imagem 06 ......................................................................................................................32

Imagem 07 ......................................................................................................................36

Imagem 08 ......................................................................................................................36

Imagem 09 ......................................................................................................................38

Imagem 10.......................................................................................................................38

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ .....09

1.CAPÍTULO: A Religião dos Orixás no Processo Histórico brasileiro ..................... .....11

1.1 Calundu a base das religiões do povo de santo.............................................................12

1.2 As irmandades ou confrarias.........................................................................................15

1.3 O nascimento da umbanda.............................................................................................17

1.4 O candomblé...................................................................................................................19

2. CAPÍTULO: A Mitologia dos Orixás Femininos e a Representação Iconográfica no

Imaginário Popular.................................................................................................................22

2.1 Iemanjá rainha do mar...................................................................................................23

2.2 Iansã deusa da sedução..................................................................................................27

2.3 Obá a guerreira..............................................................................................................30

2.4 Oxum deusa do amor......................................................................................................33

2.5 Nanã deusa da sabedoria...............................................................................................36

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................40

REFERÊNCIAS......................................................................................................................41

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INTRODUÇÃO

Diante da pesquisa bibliográfica realizada para a execução deste trabalho a partir de

estudiosos da área de assuntos relacionados às religiões de matrizes africanas, será discutida a

análise de autores como: Alecsandro Ratts, que trabalha com a questão do negro, do gênero e

sua busca por espaço; Vagner Gonçalves da Silva trata de forma excepcional a arte e o

sincretismo nos cultos afro-brasileiros entre outros assuntos relacionados à umbanda e ao

candomblé; com as analises do autor Reginaldo Prandi especialista em assuntos do candomblé

e da umbanda; Natalia Louzada e Clarisse Ulhoa que desenvolveram um trabalho de campo

sobre o candomblé em Goiânia; Jorge Luiz Ribeiro Vasconcelos com uma tese relatando a

música no candomblé em um terreiro na Baixada Santista, entre outros autores que não foram

citados de forma direta, mas que contribuíram para o crescimento e aprofundamento do tema

proposto.

Pretende-se abordar no presente trabalho a influência do feminino nas religiões afro-

brasileiras, mais especificamente o candomblé e a umbanda. Serão analisados ainda a

importância e ligação entre o mito, o gênero e a religiosidade, considerada como refúgio para

mulheres negras durante o século XX no que diz respeito ao social, pois de acordo com

Alecsandro JP Ratts: “entendo que, no Brasil, essa subalternização do gênero implica na

seguinte hierarquia: Em primeiro lugar situa-se o homem branco; em segundo, a mulher

branca; em terceiro, o homem negro; e, por último, a mulher negra.” (RATTS, s/d, p.4-5), o

autor destaca ainda que “a subalternização do gênero, segundo a raça apresenta uma dimensão

espacial.” (RATTS, s/d, p.17). Sendo assim, podemos entender que a procura por um espaço

abrange de forma sistemática a religiosidade.

Será abordado ainda às varias mutações sofridas pela religiosidade afro-brasileira ao

longo da história, passando por muitos tipos de manifestações religiosas até se estabilizarem

mais especificamente no candomblé e na umbanda que terão mais ênfase ao longo deste

trabalho.

No estudo proposto há pontos que norteiam a pesquisa, são eles a relação do mito das

orixás com a imagem iconográfica de cada lenda, e ainda como essa imagem esta relacionada

no imaginário popular exaltando o feminino dentro do contexto de tais religiões.

Um dos motivos da minha pesquisa foi entender melhor uma religiosidade antiga e

com rituais tão desconhecidos perante a sociedade. Religiosidade esta, que apesar de terem

vindo com os escravos para o Brasil é que pouco citada, e quando falamos sobre algo

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relacionado a ela nos deparamos com o preconceito de muitas pessoas. Este desejo de

aprofundar o conhecimento sobre a cultura e religião afro-brasileira nasceu em um Simpósio

de História e Cultura Afro-brasileira, oferecido pela Universidade Estadual de Goiás-Câmpus

Jussara no ano de 2010, mais especificamente na conferência de encerramento onde tivemos o

prazer de ouvir a professora Dra. Eliesse Scaramal. Neste Simpósio foram tratados diversos

temas sobre a cultura, a religião afro-brasileira e a atual situação sócio espacial do negro em

nosso país. Imediatamente após o termino do simpósio, sai com a plena convicção que iria

trabalhar com o tema relacionado à religiosidade afro-brasileira, mesmo acontecendo

sucessivos imprevistos durante a minha caminhada (longa caminhada) para chegar a tão

sonhada analise que se realiza.

Ao decidir por esse tema tive por parte de familiares certo bloqueio, uma forma de

pré-conceito em relação ao assunto, penso que o motivo de tal barreira seria uma questão

cultural, onde a banalização do negro, de sua cultura e a demonização de suas práticas

religiosas ocorreram não só durante o período escravista em nosso país, mas principalmente

no pós-abolicionismo, onde o negro passa a ser visto como o principal problema social,

político e espacial do país. A banalização da figura do negro arrastou-se por longo período,

onde queriam mostrar para o exterior que o Brasil não carregava uma África dentro de si, e

sim que o país sofreu um tipo de branqueamento. Não pretendo com esse trabalho

conscientizar o mundo, mas sim mudar a percepção sobre o tema abordado dos que vivem

próximo, pois dessa forma penso que será como um efeito dominó, ou seja, a conscientização

de um derruba o preconceito de outro.

A estrutura deste trabalho se dará da seguinte maneira: sendo ele dividido em dois

capítulos. O primeiro capítulo vem tratar da religiosidade de matriz africana no Brasil

mostrando de uma forma geral as várias transformações que tais manifestações sofreram ao

longo deste processo, quando o negro escravizado é trazido para o país e aqui encontra uma

necessidade de estar perto de suas origens, tendo como uma das primeiras manifestações os

calundus, posteriormente as irmandades até chegarem de fato ao que temos hoje: o candomblé

e a umbanda.

No segundo capitulo foi discutido a importância das divindades femininas dentro das

religiões dos orixás, suas características sempre ligadas ao mito e ainda à representação no

imaginário através das imagens.

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CAPITULO 1:

A Religião dos Orixás no Processo Histórico Brasileiro

A chegada da religiosidade dos africanos em Goiás se deu juntamente com o apogeu

do ouro no estado, pois neste período houve um fluxo grande de negros escravizados e até

mesmo alforriados vindos de outros Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e principalmente

do Estado da Bahia, onde a chegada de africanos era maior. Mesmo com o batismo1, o negro

escravizado chegado da África guardava consigo seus orixás, suas divindades, seus patuás,

suas mandingas e sua religiosidade, uma circunstância passada de pai para filho, simples e de

forma oral e ainda nos dias atuais os terreiros usam esse mesmo mecanismo, pois não há um

“livro sagrado” como em outras religiões. Em relação aos amuletos usados pelos negros

escravizados podemos ressaltar que: “Ora conectado aos calundus2, ora independente deles, o

uso das chamadas bolsas de mandinga3, ou patuás, constituíram-se como outra importante

prática afro-brasileira” (ULHOA, 2011, p.45). Essas “bolsas de mandingas” eram constituídas

com elementos católicos, afro-mulçumanos e ameríndios, sendo tratada como uma espécie de

amuleto para proteger seus usuários de qualquer mal ou até mesmo castigo por parte de seus

senhores.

Havia no batismo a falsa ilusão que os negros se converteriam ao catolicismo, porém

foi firmado um acordo entre a Coroa Portuguesa e a Igreja Católica, cada qual com um

determinado interesse, tendo a Igreja o interesse na conversão e a coroa em receber tributos,

sendo que os senhores donos de escravos pagavam impostos somente sobre o negro

escravizado batizado, o qual era controlado por anotações em livros de registros. O acordo

1 A imposição do catolicismo ao africano recém-chegado ao Brasil, onde recebiam outro nome o qual seriam

chamados a partir daquele momento. 2 Calundu era o nome genérico atribuído a todas as manifestações religiosas dos negros que envolviam canto,

batuque e dança. Representava ainda a prática de curandeirismo e uso de ervas com a ajuda de métodos de

adivinhação e possessão. O termo calundu era associado a palavra “quilundo”, de origem quimbunda, língua

banto, que designa a possessão de uma pessoa por um espirito, as pessoas que praticavam o calundu eram

conhecidas como curandeiras. 3 Um colar com um pedaço de couro costurado onde havia inicialmente inscrições de trechos do alcorão, e ao

longo do tempo alguns elementos foram adicionados e outros modificados, como rezas católicas e também a

colocação de objetos diversos. Denominando-se um amuleto.

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previa que a Igreja tinha o prazo de cinco anos para fazer o “registro/batismo” do africano

chegado ao Brasil (SILVA, 2005). Era neste livro também de acordo com (ULHOA, 2011),

que se classificava socialmente o negro escravizado, sendo essa classificação como “ladinos,

boçais e pagãos4”. Logo era dever da Igreja conceder:

(...)os sacramentos básicos que os transformassem de pagãos, pecadores em

cristão. O batismo e a adoção de um nome cristão (geralmente de inspiração

bíblica ou de santos como José, Maria, Sebastião e Benedito) não lhes

garantiu, entretanto, nenhum tratamento fraterno ou mesmo humano

(SILVA, 2005, p.32).

De acordo com a citação, nota-se que dos interesses religiosos e políticos que

permeavam a chegada do africano na colônia, o batismo se tornou apenas financeiro, uma vez

que o negro vivia a condição de coisa, um objeto.

1.1 Calundu a base das religiões afro-brasileiras

O Calundu, como era assim conhecido as manifestações religiosas de matrizes

africanas até o século XVIII, era em sua maioria realizados nas proximidades das senzalas ou

roças sempre próximos à natureza (LOUZADA, 2011), de acordo com SILVA em seu livro

Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira resultado de uma pesquisa em que

há vários relatos sobres estas manifestações destaca o seguinte trecho:

Um dos relatos mais antigos que se tem dos calundus é de 1728. Na Bahia, o

viajante português Marques Pereira, hospedado em uma fazenda, não

conseguiu dormir devido ao “estrondo dos tabaques, pandeiros, canzás,

botijas e castanhetas com tão horrendo alarido” que lhe pareceu “confusão

do inferno”. Reclamou na manhã seguinte ao seu anfitrião que se desculpou

dizendo que se soubesse que o barulho ia perturba o sono do visitante

mandaria que naquela noite “não tocassem os pretos seus calundus” (SILVA,

2005, p.43-44).

4 Ladinos: os batizados que aprenderam a língua portuguesa, boçais: que não conheciam a língua portuguesa e os

pagãos: que não receberam o batismo.

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Os Calundus foram mais frequentes no Estado de Minas Gerais, devido a grande

presença de negros escravizados e alforriados na mineração, mas também tiveram relatos na

região de Pernambuco, Bahia, Goiás, assim como em outros Estados. Há rumores de viajantes

sobre práticas que ocorriam nos Calundus de Minas Gerais, onde seus praticantes em 1765 no

Arraial de São Sebastião tocavam batuques nos quais desciam almas. Já em Itapecerica, os

negros faziam Calundus ao som de violas, utilizando ervas para se lavarem e dizendo falar

com os mortos, sendo esse o melhor modo para a comunicação com Deus.

Ainda sobre a citação, o fazendeiro, ao ser indagado sobre o que era Calundu pelo

visitante cita:

São uns folguedos, ou adivinhações que dizem estes pretos costumam fazer

nas suas terras, e quando se acham juntos, também usam deles cá, para

saberem várias coisas, como as doenças de que procedem, e para

adivinharem algumas coisas perdidas; e também para terem ventura em suas

caçadas, e lavouras (CASCUDO, 1988, p.182 apud SILVA, 2005, p.44).

Os cultos do Calundu eram geralmente presididos pelo membro mais velho da

comunidade e realizados na porta de suas casas. A partir desse pressuposto acredita-se ter sido

uma das características para a implantação dos terreiros das religiões afro-brasileira. Silva

caracteriza o calundu como sendo:

(...)cultos que englobavam uma grande variedade de cerimônias misturando-

se os elementos africanos (atabaques, transe por possessão, adivinhação por

meio de búzios, trajes rituais, sacrifício de animais, banhos de ervas, ídolos

de pedra, etc.) aos elementos católicos (crucifixos, anjos católicos – o Anjo

Angélico – sacramentos como casamento) e ao espiritismo e superstições

populares de origem europeia (adivinhação por meio de espelhos, almas que

falam através dos objetos ou incorporadas nos vivos, etc..) (SILVA, 2005,

p.46).

As “reuniões” denominadas calundus eram realizadas sempre com muita música,

danças, sacrifícios de animais e adivinhações, sendo presididas por um sacerdote chamado de

calundeiro, curandeiro ou calundu. Essas manifestações começaram a fazer parte do meio

urbano, e com fama de curas, através de banhos realizados nos cultos com o auxílio de ervas;

essas reuniões eram frequentadas “não somente entre os negros escravizados e os seus

descendentes, mas também entre brancos detentores de poder de mando e de prestígio”

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(ULHOA, 2011, p.42). Esses “feiticeiros” como também eram conhecidos, podiam se manter

financeiramente com atendimento individual, uma vez que começou a ser grande a procura

pelos serviços principalmente de cura e adivinhações. Louzada em seu trabalho nos esclarece

que:

Tais calundus não constituíam uma única religião, com doutrina e ritualística

específicas. Tratava-se de um fluido conjunto de práticas religiosas que,

reunindo influências das matrizes culturais indígenas, africanas e europeias,

resultou em uma grande diversidade de cultos espalhados pelo território

colonial e reconhecidos sob a denominação de calundus. Entre os referidos

cultos assim denominados existia, todavia, uma predominância de aspectos

religiosos africanos. Sendo deles distintos ritos como as Santidades,

existentes na Bahia durante o século XVI e caracterizadas mais

especificamente pelo sincretismo católico-ameríndio (LOUZADA, 2011, p.

42).

Entende-se que houve a necessidade do uso das santidades católicas do período

colonial para que assim não houvesse proibição a seus cultos, caracterizando então o

sincretismo5. Mesmo com essas artimanhas usadas pelos sacerdotes e sacerdotisas dos

calundus houve perseguição às suas reuniões como relata Ulhoa: “o calundu de Domingos

Umbata, e também o de Josefa Maria, acabaram invadidos e duramente reprimidos, processo

que, no caso da sacerdotisa, tramitou no tribunal inquisitorial” (ULHOA, 2011, p.45). De

acordo com Louzada e relatos de Silveira a perseguição ao calundu de Josefa Maria que

contavam com “quinze mulheres e cinco homens sendo oito couras e apenas uma crioula,

componentes de um culto que estava estabilizando um processo de recrutamento e iniciação,

consolidação que fora interrompida pela violência repressiva da Santa Madre Igreja”

(LOUZADA, 2011, p.57). Sendo assim, ora os calundus fora perseguidos pela Inquisição, ora

pelo Estado.

A distinção presente entre os calundus são decorrência das várias etnias vindas para a

Colônia Portuguesa nos navios negreiros, ou seja, essa hibridação6 já ocorria desde além-mar

e aqui chegando havia a mistura com outras culturas e principalmente com as religiosidades

aqui existente. Louzada esclarece, de acordo com a análise de Silveira sobre os calundus aqui

encontrados:

5 Fusão de diferentes cultos ou doutrinas religiosas, com reinterpretação de seus elementos, fenômeno de

identificação dos orixás com santos católicos. 6 Resultante da mistura de culturas e vocabulários de duas ou mais etnias e/ou da interpenetração de costumes e

de sintaxes provenientes de etnias e línguas distintas.

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(...)o autor divide os calundus coloniais entre aqueles de origem banto e

aqueles de procedência Ocidental. Isso porque sob sua interpretação, entre os

calundus de predominância cultural banto teria se desenvolvido um

sincretismo religioso afro-católico-ameríndio que os diferenciava dos demais

calundus de predominância cultural de africanos ocidentais, nos quais

embora se realizasse sincretismo, o mesmo esteve restrito a uma hibridização

afro-católica (LOUZADA, 2011, p.67).

Portanto, a partir deste pressuposto, houve a predominância de duas nações africanas

em território brasileiro, não negando a existência de outras várias etnias, havendo então uma

variedade de tipos de cultos nas manifestações calundeiras. Desse modo, assimila-se que essa

variedade de etnias tornou-se um ingrediente importantíssimo para o delineamento do

Candomblé.

1.2 As Irmandades ou confrarias

Outra forma de manifestação que os negros encontraram no processo histórico que

antecede as religiões de matrizes africanas existente hoje, foram às organizações denominadas

Irmandades de pretos católicas. Criadas com o intuito de converter o negro ao catolicismo e

combater as práticas do calundu, foram interpretadas pela Igreja como cultos diabólicos.

Entretanto, Louzada cita Russelwood para explicar a necessidade da criação das irmandades

de pretos:

Assim, como “resposta associativa a uma necessidade coletiva e individual

sentida por negros e mulatos na colônia”, se constituem as irmandades de

pessoas de cor no Brasil. As quais permitiam, além do simples

associativismo, legitimidade e certa “autonomia” perante a sociedade

colonial, oferecendo ao negro escravo ou liberto e ao mulato, expostos a

doenças, privações físicas e negligenciados pela Igreja, possibilidade de

“educação religiosa ou socorro espiritual; assistência médica” e uma nova

forma de identidade (RUSSELWOOD, 2005, p. 193-198 apud LOUZADA,

2011, p.75).

As Irmandades de pretos foram criadas não somente com o intuito de evangelizar, mas

também como uma necessidade por parte da comunidade negra da colônia, as mesmas se

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davam em decorrência da forte perseguição que houve aos calundus. Uma vez que já existiam

Irmandades de brancos, as quais se tem registro desde o século XIII em Portugal

(LOUZADA, 2011).

As Confrarias ou Irmandades eram formadas dependendo da cor da pele, sendo: “os

negros, impedidos de participarem das Irmandades dos brancos, foram reunidos em

Irmandades religiosas próprias, separadas segundo a cor de pele e a condição de escravo ou de

liberto” (SILVA, 2005, p.40). A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário foi a mais

importante Irmandade destinada aos negros e se estabeleceu em todos os pontos do país,

inclusive na cidade de Goiás, antiga Vila Boa. Essa Irmandade foi criada pelos jesuítas em

1586 em território africano, tendo como intuito atrair os negros ao catolicismo, onde o

padroeiro geralmente era um santo negro.

Ulhoa cita Souza explicando como se estabeleceu esse modelo de organização como

sendo: “um dos padrões sociais comuns à vasta região que constituiu o universo de relações

escravistas e coloniais em torno do oceano Atlântico” (SOUZA, 2006: 162 apud, ULHOA,

2011, p.49). A Igreja permitia a essas Irmandades de negros a realização de seus festejos, uma

espécie de artimanha para atraí-los ao catolicismo (SILVA, 2005). De acordo com Ulhoa

(2011), as Irmandades tornaram-se abrigo para as discussões políticas dos negros, apesar de

serem vigiados pelas autoridades, uma vez que nas Irmandades de pretos, quem exercia os

cargos mais elevados eram os brancos, não somente por serem detentores da escrita, mas

também como forma de controlar suas ações.

As Irmandades funcionavam em prol delas mesmas, ou seja, tratava de uma

cooperação mútua, onde os membros ajudavam e eram ajudados quando necessário como, por

exemplo, nos casos de prisão ou até mesmo na morte de algum irmanado, afim de propiciar

um funeral e dar assistência à família. Mesmo com poucos recursos financeiros tentavam

comprar a liberdade de alguns negros, entre muitas outras atividades.

Uma das características marcantes das Irmandades eram suas festas e folias que saiam

pelas ruas das cidades em datas específicas, atraindo a curiosidade e até mesmo o

assombramento das pessoas. Tinha como “festejo bastante popular a chamada congada, ou

festa de coroação de rei congo” (ULHOA, 2011, p.48), e ainda hoje se comemora a

tradicional congada em determinados pontos do Brasil. Em relação ao assombramento que

estes festejos causavam na população, certamente se dava pelas características africanas

presente em suas festas, principalmente na música e nas expressões corporais, isso em

decorrência da demonização que ocorria em relação às manifestações africanas,

principalmente as de cunho religioso.

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1.3 O Nascimento da Umbanda

A umbanda, de acordo com o autor Reginaldo Prandi7 é considerada uma religião

genuinamente brasileira, que carrega em seus cultos uma mistura entre catolicismo,

espiritismo, traços de religiões indígenas e religiões afro-brasileiras. Conhecida ainda como

religião dos caboclos e dos orixás, os terreiros ou centros espíritas (locais onde se realizam os

encontros) são comandados por mães ou pais de santo, geralmente os mais experientes da

casa. A religião desenvolve seu trabalho com o auxílio das entidades espirituais dos caboclos,

pretos-velhos, espíritos de indígenas, escravos e orixás.

A religião foi criada por Zélio Fernandino de Morais em 15 de novembro de 1908,

com apenas 17 anos de idade, quando incorporou a entidade espiritual do Caboclo das Sete

Encruzilhadas8 em um centro espirita kardecista, onde foi rejeitado pelos espiritas por ser

considerado uma entidade inferior. Vista como uma religião muito sincrética, se não a mais,

traz elementos do Kardecismo, donde herdou as teorias espiritualistas; do Candomblé, ao

absorver o culto aos orixás e praticas do benzimento; do Catolicismo o uso das imagens e da

cultura indígena o uso de ervas, chás e unguentos:

A umbanda ritualmente muito próxima do candomblé dos ritos angola e

caboclo, em que já estão esquecidos os inquices bantos, substituídos pelos

orixás – os deuses nagôs -, incorpora na doutrina virtudes teologais do

catolicismo – fé, esperança e caridade -, as grandes virtudes católicas

adotadas pelo kardecismo, e procura emprestar desta religião seus modelos

de organização burocrática e federativa (PRANDI, 1990, p.61).

Desse modo percebemos o quão sincrética é a umbanda. Em sua organização geral,

está pautado que não haveria sacrifícios de animais, não se cobraria pelos serviços prestados,

seus membros devem vestir trajes simples na cor branca, e que se empenhariam em praticar a

caridade assim como descrito no evangelho. Estes itens elencados foram passados pela

entidade denominada Caboclo das Sete Encruzilhadas na reunião inaugural do primeiro

7 Além de professor de sociologia da Universidade de São Paulo é pesquisador e autor de livros e inúmeros

artigos sobre religiões denominadas afro-brasileiras. 8 Segundo a lenda o Caboclo das Sete Encruzilhadas foi em meados do século XVII um padre condenado à

fogueira por práticas de bruxarias, e que mais tarde se reencarna em um índio brasileiro.

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Centro Espírita de Umbanda fundado no Brasil pelo então Zélio Fernandino de Morais com o

nome de Centro Espírita Nossa Senhora da Piedade.

Antes disso, já existiam manifestações religiosas espontâneas cujos rituais envolviam

incorporações e o louvor aos orixás, com a denominação de “macumba”, este termo era

designado para toda forma de manifestação realizada pelos curandeiros, feiticeiros, pais de

santos, benzedeiras.

Macumba, portanto, deve bem ter sido a designação local do culto aos orixás

que teve o nome de candomblé na Bahia, de xangô da região que vai de

Pernambuco a Sergipe, de tambor no Maranhão, de batuque no Rio Grande

do Sul. Difícil sabermos o que foi e como se originou essa antiga macumba

carioca (PRANDI, 1990, p.53).

Podemos entender que a prática da macumba não foi responsável pelo início desta

religião, pois já se utilizava deste meio outras religiões como o candomblé, o tambor, até

mesmo o já extinto calundu realizava a prática em suas manifestações, entre outras, mas de

certa forma nos levará ao surgimento da umbanda. De todo modo o termo macumba é usual

ao se referir às religiões de orixás.

Em 1939 foi fundada a Federação Espírita de Umbanda. Dois anos depois, em 1941,

aconteceu o I Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda. Em 1945, José Álvares

Pessoa, dirigente de uma das sete casas de Umbanda fundadas pelo Caboclo das Sete

Encruzilhadas, conquistou junto ao Congresso Nacional a legalização da prática da

Umbanda9, mesmo em meio a tanta perseguição que esta religião sofrera no período da

ditadura Vargas. Uma perseguição que fora amenizada, (não finalizada), com o fim da

ditadura Vargas e início da democracia, imediatamente após a criação da Constituição de

1946 que previa a liberdade de culto religioso, desde que não contrariasse a ordem e os bons

costumes. A partir de então houve um enorme crescimento entre os terreiros de umbanda,

ultrapassando e muito os centros espiritas kardecistas.

Junto a este crescimento exacerbado entre os terreiros de umbanda, cresce também a

oposição a esta religião durante o regime militar, que ganhou novos aliados contra as religiões

afro-brasileiras. A Igreja Católica demonizando essas religiões para seus fiéis temendo perdê-

los para a umbanda, e ainda os pentecostais com o mesmo temor, que a partir da década de

9 Informações baseadas no blog da jornalista Camila Hundertmarck Pompeo disponível em http://jornalistain-

formacao.blogspot.com.br/2012/10/umbanda.html.

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1970 começa a atacar agressivamente as religiões de descendência africana. Deixemos claro

que essa perseguição ainda hoje em pleno século XXI é extremamente forte e exagerada

contra as religiões de matrizes africanas.

Apesar de toda a perseguição às religiões ritualísticas, a umbanda e o candomblé

ganham popularidade com o movimento cultural que surge durante as décadas de 1960 e

1970, onde cantores da MPB, Bossa Nova como Vinícius de Moraes, Clara Nunes, Gilberto

Gil, Caetano Veloso, entre outros se declaram simpatizantes ou adeptos das religiões dos

orixás, cantando pontos da umbanda ou até mesmo reverenciando os orixás. Ainda hoje a

umbanda sofre preconceitos e perseguição por parte das igrejas evangélicas e católica, onde

há fanáticos invadindo e destruindo terreiros de umbanda.

1.4 O Candomblé

É da primeira metade do século XIX que se tem o registro do primeiro terreiro de

candomblé no Brasil, pois de acordo com Natalia do Carmo Louzada: “o mais antigo registro

do uso do termo “candomblé” já identificado, data do ano de 1807, quando na fazenda Boa

Vista, situada no distrito Madre de Deus na Bahia, um escravo angola chamado Antônio foi

preso por ser presidente do terreiro dos candombleis” (LOUZADA, 2011, p.90). A utilização

do termo “presidente” nos remete certa semelhança com as irmandades, uma vez que havia

uma organização hierárquica dentro destas. Outro registro que corresponde ao terreiro de

candomblé seria o instalado próximo à Igreja da Barroquinha, ligado entre duas irmandades

religiosas católicas: “O terreiro é considerado, portanto, a mais antiga e tradicional casa de

candomblé queto da Bahia e do país” (VASCONCELOS, 2010, p.45). Este terreiro é

considerado a casa mãe do candomblé queto no Brasil, de lá se originaram muitas outras casas

com igual respeito10

, lá se fez muitos filhos e filhas de santo. Com o nome de Ilê Iyanassô,

mas popularmente conhecida como a famosa “Casa Branca do Engenho Velho”.

Havia nas cidades uma manifestação maior e mais organizada em relação ao campo,

pois nas cidades já existiam negros libertos assim como escravos de ganho e também escravos

domésticos que circulavam com maior facilidade pelas ruas facilitando assim a comunicação

10

(VASCONCELOS, 2010, p.45) Sendo: o Iyá Omi Àse Iyámase, bastante conhecido como Terreiro do Gantois

(inclusive bastante tematizado no universo da canção popular, por compositores como Dorival Caymmi e

Vinicius de Moraes) e “Centro Santa Cruz do Axé Opô Afonjá” que foi instalado em 1910, em São Gonçalo do

Retiro.

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entre eles e, portanto, o desenvolvimento dos terreiros de candomblé. Já no campo devido ao

trabalho pesado que fossem obrigados a realizar e a difícil locomoção entre pontos fez com

que dificultasse esse tipo de manifestação, sendo assim as manifestações nas cidades eram

mais frequentes que no campo. Na perspectiva de Louzada (2011, p.93), entendemos que

apesar de haver participação de escravos nos terreiros de candomblé, sua administração e

manutenção eram realizadas por libertos. Logo, entendemos o motivo de uma expansão mais

significativa ser realizada na zona urbana.

A expansão dessa prática religiosa se deu com o inchaço das cidades, quando houve a

libertação dos escravos e a Proclamação da Republica, fato evidenciado com a migração dos

negros agora não mais escravizados e sim na condição de “liberto” para tais centros urbanos.

Com o aumento das manifestações começaram então a definir pontos que seria essencial para

a formação do candomblé como instituição religiosa.

Com o crescimento populacional e as transformações que ocorriam no âmbito politico

e social, o negro, agora com a tão sonhada liberdade se via em condições de desprezo total,

vendo a religião como um escape. Ratts (s/d) analisa que os terreiros de candomblé nesse

momento se torna lugar de refugio, onde o negro se encontra, num espaço não só religioso,

mas também de lazer. Outro fator não menos importante que encontramos ao analisarmos a

bibliografia referenciada seria a perseguição que sofrera os terreiros de candomblé, uma

perseguição de muitos que se contrapôs a tolerância de alguns como cita Louzada:

Podemos constatar que, como dito anteriormente, tolerância e repressão se

alternavam no âmbito das práticas governamentais e sociais frente às

manifestações religiosas de africanos e seus descendentes. O que ocorreu

durante todo período de vigência do regime escravocrata, e mesmo

posteriormente à proclamação da República (LOUZADA, 2011, p.96).

De todo modo, no âmbito das manifestações candomblecistas havia perseguição aos

seus cultos ditos como demoníacos, assim como tolerância onde as autoridades consentiam

que realizassem suas festas, sob pagamento de tributo é claro, havia também o envolvimento

de pessoas branco-mestiças no candomblé, assim como as “damas da alta sociedade”

procuravam por curandeiras, adivinhadeiras e ate mesmo feitiçarias.

Podemos dizer que trata de uma religião reinventada, quando percebemos as mudanças

ocorridas desde a chegada do negro ao Brasil. Ao chegarem ao país houve a separação de

membros de uma mesma família, e com essa mistura de etnias, o negro escravizado se via na

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necessidade de não cultuar somente um orixá e sim vários, sem esquecer-se das divindades

indígenas que também contribuíram para essa reinvenção:

Com o nome de “religiões afro-brasileiras” estão elencadas diversas formas

de culto e celebração engendradas no Brasil, decorrentes dos processos a que

foram submetidos os africanos escravizados trazidos à América Portuguesa e

dos múltiplos encontros entre povos e etnias distintos que se deram nesse

contexto e nessas condições. Sob as denominações também de “religiões de

orixás” (VASCONCELOS, 2010, p.24).

Sendo assim entendemos que a religiosidade afro-brasileira ao longo do processo

histórico fora carregada de mito trazido da África para o Brasil uma mitologia que ainda hoje

pode ser vista nos cultos candomblecistas e umbandistas. Vários estudiosos afirmam que o

candomblé é uma evolução dos calundus, mas independente do termo utilizado o certo é que

os cultos são em adoração aos orixás.

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CAPITULO 2:

A mitologia dos Orixás femininos e a Representação Iconográfica no Imaginário

Popular.

Muitas vezes nem mesmo os adeptos das religiões afro-brasileiras conseguem definir

com clareza o que realmente são os orixás, em varias leituras realizadas entendemos que os

orixás tratam de divindades que são cultuados e a eles são realizadas oferendas e sacrifícios

específicos11

, são representados por elementos da natureza e durante as manifestações os

orixás são incorporados.

Uma forma clara, simples e pratica para esclarecer o que realmente são orixás seria

recorrer ao dicionário, lá consta que trata de um substantivo masculino (apesar de existir orixá

feminino), e é a designação genérica das divindades cultuadas pelos iorubas do sudoeste da

atual Nigéria, de Benin e do norte do Togo, trazidas para o Brasil pelos negros escravizados

dessas áreas e aqui incorporado por outras seitas religiosas. Ao analisarmos o significado

semântico da palavra “Orixá” foi constatado que Ori – significa “astral”, e ixá – tem o

significado de “guardião”12

. Logo entendemos a ligação que há entre o plano espiritual e o

terreno através da mitologia dos orixás para as religiões afro-brasileiras.

Cada orixá é representado por mitos que contam sua história e define sua

personalidade. Prandi classifica os orixás como: “os orixás são deuses que receberam de

Olodumare ou Olorum, também chamado Olofim em Cuba, o Ser Supremo, a incumbência de

criar e governar o mundo, ficando cada um deles responsável por algum aspecto da natureza”

(PRANDI,2001, p.20). Logo, os orixás correspondem a ancestrais divinizados que se

transformaram em rios, árvores, pedras, e é uma espécie de intermediários entre os homens e

as forças naturais e sobrenaturais, entre o céu e a terra.

No entanto os mitos que permeiam os orixás tem a função de explicar a origem da

vida, a natureza e a morte, como nos relata o sociólogo Reginaldo Prandi em seu esplendoroso

livro Mitologia dos Orixás:

11

Pois cada orixá tem seus alimentos, suas cores, seus objetos, o dia da semana para representa-lo, uma

personalidade e um toque (uma vez que as religiões afro-brasileiras são carregadas de musica e danças) que é

acompanhado de uma letra que geralmente conta a mitologia desse orixá. 12 Informações obtidas no sitio: https://www.astrocentro.com.br/blog/espiritual/o-que-sao-orixas/ acessado em

12/09/2017.

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Os mitos dos orixás originalmente fazem parte dos poemas oraculares

cultivados pelos babalaôs. Falam da criação do mundo e de como ele foi

repartido entre os orixás. Relatam uma infinidade de situações envolvendo

os deuses e os homens, os animais e as plantas, elementos da natureza e da

vida em sociedade. É ainda pelo mito que se alcança o passado e explica

a origem de tudo, é pelo mito que se interpreta o presente e se prediz o

futuro, nesta e na outra vida (PRANDI, 2001, p.24).

Como relatado, os mitos explicam de forma simples para a população de determinadas

regiões a criação do mundo como um todo, além de exprimir histórias fantásticas, atraentes e

agradáveis, tenta aproximar de acordo com Prandi o ser comum do supremo. Nesse sentido

entendemos a importância que essa mitologia representa para as “religiões de orixás” sendo

sem duvida a relação entre homem e natureza, o equilíbrio que se tenta estabelecer entre os

fieis e o mundo.

2.1 Iemanjá rainha do mar

Há uma extensa lista de orixás existente no panteão das religiões afro-brasileiras, no

presente trabalho serão relatados cinco orixás e a relação delas com a população de um modo

geral, uma vez que existe uma representatividade simbólica de identidade nacional não só no

campo da religiosidade, assim como aconteceu com o samba, com a capoeira, com a literatura

nos romances de Jorge Amado com varias adaptações para a televisão e cinema, se destaca

Iemanjá a orixá com maior expressão na cultura popular brasileira. Iemanjá considerada de

grande importância dentre a religiosidade de origem africana traz em sua mitologia como

sendo a mãe de muitos orixás, é tida ainda como a rainha das aguas salgadas e dos peixes. O

mito da criação de Iemanjá e do mundo diz:

Iamanjá ajuda Olodumare na criação do mundo

Olodumare-Olofim vivia só no infinito,

cercado apenas de fogo, chamas e vapores,

onde quase nem podia caminhar.

Cansado desse seu universo tenebroso,

cansado de não ter com quem falar,

cansado de não ter com quem brigar,

decidiu pôr fim àquela situação.

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Libertou as suas forças e a violência

delas fez jorrar uma tormenta de águas.

As águas debateram-se com rochas que nasciam

e abriram no chão profundas e grandes cavidades.

A água encheu as fendas ocas,

fazendo-se os mares e oceanos,

em cujas profundezas Olocum13

foi habitar.

Do que sobrou da inundação se a terra.

Na superfície do mar, junto à terra,

ali tomou seu reino Iemanjá,

com suas algas e estrelas-do-mar,

peixes, corais, conchas, madrepérolas.

Ali nasceu Iemanjá em prata e azul,

coroada pelo arco-íris Oxumarê.

Olodumare e Iemanjá, a mãe dos orixás,

dominaram o fogo no fundo da Terra

e o entregaram ao poder de Aganju, o mestre dos vulcões,

por onde ainda respira o fogo aprisionado.

O fogo que se consumia na superfície do mundo eles apagaram

e com suas cinzas Orixá Ocô fertilizou os campos,

propiciando o nascimento da ervas, frutos,

árvores, bosques, florestas,

que foram dados aos cuidados de Ossaim.

Nos lugares onde as cinzas foram escassas,

nasceram os pântanos e nos pântanos, a peste,

que foi doada pela mãe dos orixás ao filho Omolu.

Iemanjá encantou-se pela Terra

E a enfeitou com rios, cascatas e lagoas.

Assim surgiu Oxum, dona das aguas doces.

Quando tudo estava feito

e cada natureza se encontrava na posse de um dos filhos de Iemanjá,

Obatalá, respondendo diretamente às ordens de Olorum,

criou o ser humano.

E o ser humano povoou a Terra.

E os orixás pelos humanos foram celebrados

(PRANDI. 2001, p. 380/381).

Uma labá14

de acordo com o mito de sua criação acima relacionada pode ser entendido

o real significado de deusa dos mares e mãe de todos os orixás. Uma vez que Olodumare-

Olofim a criou em forma de mares e oceanos para lhe fazer companhia e acima de tudo para

que o ajudasse a povoar a terra, traz ainda na bagagem o titulo de padroeira dos pescadores, e

ainda o dom de protetora da família e dos laços familiares, tais dons a transformou em deusa

13

A orixá Olocum é a mãe de Iemanjá, no Brasil não há culto em sua homenagem, e é pouco cultuada na África. 14

O termo labá é o mesmo que orixá feminino.

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do amor pelos apaixonados que recorre a ela para solucionar casos de desafetos amorosos.

Sempre representada nas cores azul claro e branco, traduz a sua vibração em paz e harmonia,

como grande provedora e mãe, a orixá procura manter o equilíbrio entre o emocional e a

loucura de seus “filhos de santos”15

.

Há uma infinidade de mitos16

que permeiam a origem e características dos orixás.

Uma lenda interessante sobre Iemanjá é a que conta sobre seu desentendimento com Oquerê e

consequentemente sua fuga para os braços de sua mãe Olocum que habita nas profundezas

dos mares:

Iemanjá foge de Oquerê e corre para o mar

Iemanjá foi mãe de dez filhos,

fruto de seu casamento com Olofim-Odudua.

Cansada da vida em Ifé, Iemanjá partiu para o Oeste.

Iemanjá assim chegou a Abeocutá.

Lá conheceu Oquerê, rei de Xaci.

Conheceu Oque-rê, Oquê.

Oquê, encantado com sua beleza, propôs-lhe casamento.

Ela concordou, desde que ele nunca fizesse alusão a seus seios,

seios que eram grandes, fartos, volumosos.

Em troca, Iemanjá nunca falaria dos defeitos de Oquerê.

Não falaria de seus testículos exuberantes,

de sua mania de beber demais,

nem entraria em seus aposentos pessoais.

Esses eram os tabus de Iemanjá e Oquerê.

Um dia, Oquerê voltou para casa embriagado,

tropeçou em Iemanjá, vomitou no chão da sala.

Iemanjá o reprimiu, chamando-o de bêbado.

Chamou-o de imprestável.

Oquerê perdeu o domínio das palavras.

Ficou enfurecido.

Oquerê ofendeu Iemanjá,

fazendo comentários grosseiros sobre os imensos seios dela.

Iemanjá lembrou-o dos defeitos dele,

Como ele bebia, como tinha exagerada a genitália.

Entrou no quarto dele e apontou a confusão que lá reinava.

Não havia mais reconciliação possível.

Todos os tabus estavam quebrados. Querê quis surrar Iemanjá

e ela fugiu.

Iemanjá saiu em fuga para casa de sua mãe Olocum.

15 Entendem-se como filhos de santos nesse contexto, as pessoas adeptas das religiões de descendência africana

filhas ou filhos de determinados orixás. 16 Para mais aprofundamento do assunto consultar A Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi.

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Iemanjá tinha um presente que ganhara dela,

uma garrafa com uma poção magica, que levou consigo.

Na fuga, Iemanjá derrubou a garrafa e dela nasceu um rio,

que levaria Iemanjá ao mar, a casa de sua mãe.

Assim Iemanjá iniciou seu curso em direção ao mar.

Mas Oquerê, que a perseguia, tentou impedi-la de abandoná-lo.

Transformou-se ele próprio numa altíssima montanha,

para impedir que Iemanjá, o rio, corresse para o mar.

Iemanjá chamou em seu auxilio Xangô, seu filho poderoso.

Xangô pediu oferendas e no dia seguinte provocou a chuva.

E quando a tempestade era forte, Xangô lançou um raio,

que num estrondo dividiu o monte Oquê em dois,

formando um vale profundo para a passagem de sua mãe, o rio.

Livre, Iemanjá seguiu para casa da mãe dela, o mar.

Assim Iemanjá Ataramabá foi aconchegar-se no colo de Olocum

(PRANDI, 2001, p.384/385).

Ao se comparar o mito acima exposto com as imagens de Iemanjá que costumamos

ver em nosso cotidiano como, em novelas, filmes, e até mesmo em noticiários e ainda com

aquelas que construímos em nosso imaginário através das musicas e da literatura onde

Iemanjá é representada como a “mulher perfeita”, é notada claramente essa contradição, uma

vez que essa lenda aponta a orixá com seios que a incomodava de tão fartos que eram.

Ao analisar as imagens de Iemanjá que estamos habituados notamos que sempre é

representada por uma mulher com pele clara, cabelos lisos e geralmente com olhos azuis bem

estilo europeu, percebemos que seus traços africanos foram esquecidos. A partir desse

pressuposto entendemos que prevaleceu o sincretismo, onde, os negros escravizados trazidos

da África para o Brasil utilizavam de artimanhas para cultuar seus deuses. Como a imposição

Imagem 02 Imagem 01

Fonte: https://www.significados.com.br/iemanja/ Fonte: http://www.panoramio.com/photo/1710299

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do catolicismo era extremamente grande e agressiva sobre eles, os negros encontraram nos

santos católicos características semelhantes aos dos orixás, utilizavam a imagem dos santos

somente para ludibriar os senhores seus donos, mas cultuavam na verdade os orixás ali

representados, esse o motivo de cada orixá se sincretizar com os santos do catolicismo.

Iemanjá se sincretiza em Salvador com Nossa Senhora dos Navegantes, já no Rio de

Janeiro esta associada com Nossa Senhora da Gloria e em alguns outros lugares

principalmente litorâneos sua imagem é associada com Nossa Senhora da Conceição da Praia.

Logo se explica todas as imagens onde Iemanjá é representada aqui no Brasil ser estilizada

europeia, entende-se que o euro centrismo do Brasil colônia ainda hoje permeiam o

imaginário das pessoas.

2.2 Iansâ a deusa da sedução

Outra labá conhecida no Brasil não só pelos “povos de santo” como são denominados

os adeptos das religiões dos orixás, é Oiá ou como é mais conhecida Iansã, que significa a

mãe de nove filhos, relatada em musicas como A Deusa dos Orixás, composição de Romildo

S. Bastos e Toninho Nascimento, ficou nacionalmente conhecida na voz de Clara Nunes,

entre muitos outros compositores e cantores famosos como Gilberto Gil, Caetano Veloso,

Maria Bethânia e uma infinidade que cantam não só Iansã como vários outros orixás,

disseminando assim a religiosidade afro-brasileira. A letra da musica conta basicamente o

mito da orixá onde Iansã é considerada soberana dos raios, das tempestades e dos espíritos

dos mortos. Forte, determinada e sedutora, tendo como cor regente o vermelho. Uma das

esposas de Xangô. Conta a lenda que Oiá antes de se envolver com Xangô recebeu vários

atributos de seus amantes:

Iansã ganha seus atributos de seus amantes

Iansã usava seus encantos e sedução para adquirir poder.

Por isso entregou-se a vários homens,

deles recebendo sempre algum presente.

Com Ogum, casou-se e teve nove filhos,

adquirindo o direito de usar a espada,

em sua defesa e dos demais.

Com Oxaguiã, adquiriu o direito de usar o escudo,

para proteger-se dos inimigos.

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Com Exu, adquiriu os direitos de usar o poder do fogo e da magia,

para realizar os seus desejos e os de seus protegidos.

Com Oxóssi , adquiriu o saber da caça,

para suprir-se de carne e a seus filhos.

Aprimorou os ensinamentos que ganhou de Exu

e usou de sua magia para transformar-se em búfalo,

quando ia em defesa de seus filhos.

Com Logum Edé, adquiriu o direito de pescar

e tirar dos rios e cachoeiras os frutos d’água

para a sobrevivência sua de seus filhos.

Com Obaluaê, Iansã tentou insinuar-se, porem, em vão.

Dele nada conseguiu.

Ao final de suas conquistas e aquisições,

Iansã partiu para o reino de Xangô,

Envolvendo-o, apaixonando-se e vivendo com ele para a vida toda.

Com Xangô, adquiriu, o poder do encantamento,

o posto da justiça e o domínio dos raios.

(PRANDI, 2001, p.296/297)

No que tange as suas características ou poderes, percebemos que adquiriu de seus vários

envolvimentos amorosos, utilizando o poder de sua beleza e sedução, força e determinação para

conseguir atributos dos quais utiliza para sua sobrevivência e de seus nove filhos. Diante de inúmeros

relacionamentos é compreendido o titulo de “Deusa da Sensualidade”. Conhecida como uma orixá

impetuosa, que preza por sua liberdade é então raptada:

Oiá é disputada pro Xangô e Ogum

Oiá era uma mulher muito desejada,

que além de bela, sedutora e guerreira

preparava deliciosos acarajés como ninguém.

Um dia Xangô raptou Oiá da casa de Ogum.

Voltando de uma caçada, Ogum ficou ciente do ocorrido

e mandou uma mensagem a Xangô:

iria buscar sua mulher.

Começava a rivalidade pela conquista de Oiá.

Os dois prepararam-se para o litigio.

Cada um consultou Ifá e fez as oferendas necessárias

e ambos colocaram as oferendas numa estrada.

Ogum ofereceu inhames e farofa.

Xangô, por sua vez, ofereceu amalá e orobôs,

Ogum apresentou-se com sete escravos e Xangô com doze.

Ogum não se amedrontou e ambos partiram para a luta.

Antes, porem, comeram das comidas oferecidas,

Começaram a lutar e nunca mais pararam.

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E ate hoje dessa guerra muitas aventuras são contadas.

Nessa luta Oiá ganhou de Ogum uma espada

e nunca mais deixou de ser uma guerreira.

Muitas aventuras dessa guerra são contadas

e todas falam de uma Oiá guerreira e amante,

sempre disputada por Xangô e Ogum, os seus amados.

(PRANDI, 2001, p.307)

A imagem de Iansã esta nitidamente relacionada aos mitos que a cercam, uma vez que

em suas lendas são relatados sua força e independência, soberania e sensualidade, geralmente

retratada com o seio aparecendo às imagens analisadas. Para representar sua soberania

aparece sempre com uma espada na mão direita, adquirida de sua união com Ogum, e na mão

esquerda carrega um iruquerê apetrecho feito de pelos do rabo de cavalo.

Além de rainha das tempestades, é ainda a orixá das paixões e aventuras, é

sincretizada com Santa Barbara não só porque são controladoras dos raios e tempestades, mas

também pelos símbolos que carregam um exemplo seria a espada em suas mãos.

Imagem 03 Imagem 04

Fonte: http://espadadeogum.blogs.sapo.pt/fotos-

de-iansa-4175950

Fonte: http://www.casaiemanjaiassoba.com.br/iansa.htm

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2.3 Obá a guerreira

Obá assim como Iansã e Oxum também é esposa de Xangô, as três viviam em

constante disputas pelo amor de Xangô. Obá uma orixá responsável pelo cotidiano domestico

das mulheres e também pelas correntezas fortes dos rios as pororocas, controla onde se tem

queda d’agua. Alias as esposas de Xangô são originalmente rios africanos. Oba uma orixá

tomada sempre pela insegurança em seu relacionamento com Xangô:

Obá provoca a morte do cavalo de Xangô

Xangô era um conquistador de terras e de mulheres.

Vivia sempre de um lugar a outro.

Em Cossô fez-se rei e casou-se com Obá.

Obá era sua primeira e mais importante esposa.

Obá passava o dia cuidando da casa de Xangô.

Moía a pimenta, cozinhava e deixava tudo limpo.

Xangô era um conquistador de terras e de mulheres.

Uma vez Xangô viu Oiá lavando roupa na beira do rio

e dela de enamorou perdidamente.

Com Oiá se casou.

Mas Xangô era um conquistador de terras e de mulheres

e logo se casou de novo.

Oxum foi a terceira mulher.

As três viviam às turras pelo o amor do rei.

Para deixar Xangô feliz,

Obá presenteou-lhe um cavalo branco.

Xangô gostou muito do cavalo.

Tempos depois Xangô saiu para guerrear levando Oiá consigo.

Seis meses se passaram e Xangô continuava longe.

Obá estava desesperada e foi consultar Orunmilá.

Orunmilá aconselhou Obá

a oferecer em sacrifício um iruquerê,

espanta mosca feito com o rabo de um cavalo.

Mandou por o iruquerê no teto de casa.

Para fazer a oferta prescrita pelo oráculo,

Obá encomendou a Eleguá um rabo de cavalo.

E Eleguá, induzido por Oxum, mais que depressa

cortou o rabo do cavalo branco de Xangô.

Mas não cortou somente os pelos e sim a cauda toda

e o cavalo sangrou ate morrer.

Quando Xangô voltou da guerra,

procurou o cavalo e não encontrou.

Deparou então com o iruquerê amarrado no teto da casa

e reconheceu o rabo do cavalo desaparecido.

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Soube pelas outras mulheres da oferenda feita pela primeira esposa.

Xangô ficou irado e repudiou Obá.

(PRANDI, 2001, p.316/317)

Considerada uma orixa ciumenta, insegura e frustada, como vimos em uma de suas

lendas, consegue transformar suas fraquezas em energia, vida e força uma labá temida entre o

panteão de orixás, pois Obá é cheia de fibra e garra característica que muitas mulheres

gostariam de possuir. Prandi traz ainda o mito em que Obá corta a propria orelha, retratando a

eterna disputa entre Obá e Oxum pelo amor de Xangô:

Obá corta a orelha induzida por Oxum

Obá e Oxum competiam pelo amor de Xangô.

Cada semana, uma das esposas de Xangô,

fazia sua comida, servia à mesa.

Oxum era a esposa mais amada

e Obá imitava Oxum em tudo,

inclusive nas artes da cozinha,

pois o amor de Xangô começava pelos pratos que comia.

Oxum não gostava de Obá copiando suas receitas

e decidiu vencer definitivamente a rival.

Um dia convidou Obá à casa,

onde a recebeu usando um lenço na cabeça,

amarrado de modo a esconder as orelhas.

Oxum mostrou a Obá o alguidar onde preparava uma fumegante sopa,

na qual boiavam dois apetitosos cogumelos.

Disse à curiosa Obá que eram suas próprias orelhas,

orelhas que ela cortara, segredou cumplicemente.

Xangô havia de se deleitar com a iguaria.

Não tardou para que ambas testemunhassem o sucesso da receita.

O marido veio comer e o fez com gula, se fartou.

Elogiou sem parar os dotes culinários da mulher.

Obá quase morreu de ciúme.

Na semana seguinte, Obá preparou a mesma comida,

cortou uma de suas orelhas e pôs para cozinhar.

Xangô, ao ver a orelha no prato, sentiu engulhos.

Enjoado, jogou tudo no chão e quis bater na esposa, que chorava.

Obá num segundo entendeu tudo, odiou a outra mais que nunca.

Envergonhada e enraivecida, precipitou-se sobre Oxum

e ambas se envolveram numa briga que não tinha fim.

Xangô já não suportava tanta discórdia em casa

e esse incidente só fez aumentar sua raiva.

Ameaçou de morte as briguentas esposas, perseguiu-as.

Ambas tentaram fugir da cólera do esposo.

Xangô procurou alcança-las, lançou o raio contra elas,

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mas elas corriam e corriam, embrenhando-se nos matos,

ficando cada vez mais distantes, mais inalcançáveis.

Conta-se delas que acabaram por ser transformadas em rios.

E de fato onde, se juntam o rio Oxum e Obá,

a correnteza é uma feroz tormenta

de águas que disputam o mesmo leito.

(PRANDI, 2001, p.314/315/316)

A representação no imaginário realizada através das imagens mostradas nesse contexto

trata de uma orixá guerreira, pois seus objetos são o escudo e espada utilizados para lutar em

batalhas por seus ideais, sua soberania foi muito bem representada na música de Caetano

Veloso Milagres do Povo, uma verdadeira poesia cantada. O mito citado nos esclarece o

motivo ao qual Obá quase sempre é representada na iconografia, e até mesmo nas rodas17

durante o culto com a mão sobre a orelha ou com um lenço a cobrindo, por esse motivo esta

lenda se torna a mais conhecida desta orixá. Entendemos que trata de uma guerreira forte e

destemida, porém quando se fala em amor se torna frágil e vulnerável.

17 Momento em que os filhos e filhas de santo são incorporados pelo orixá.

Imagem 05 Imagem 06

Fonte: http://www.raizesespirituais.com.br/orixas/oba/ Fonte:

http://www.juntosnocandomble.com.br/2011/0

7/lenda-de-oba-cantigas-deste-orixa.html

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2.4 Oxum a deusa do amor

Oxum a segunda esposa de Xangô, mas de acordo com alguns mitos viveu também

com outros orixás como Ogum, Exu e Oxossi. Orixá do rio Oxum considerada a sereia das

aguas doces, dos rios e cachoeiras, a mais bela das orixás, a deusa da beleza, do ouro, da

vaidade, do amor e da harmonia. Sua imagem aparece com formas bem definidas, é representa

pela cor amarelo ouro e sempre com espelho na mão simbolizando sua vaidade. Uma orixá

muito cultuada no Brasil, é responsável por muitos sucessos na nossa MPB, ganhou fama na

voz de Zezé Mota, Zeca Baleiro, Gerônimo entre outros. No mito a seguir é notório o seu

poder de sedução:

Oxum dança para Ogum na floresta e o traz de volta à forja

Perante Obatalá, Ogum havia condenado a si mesmo

a trabalhar duro na forja para sempre.

Mas ele estava cansado da cidade da sua profissão.

Queria voltar a viver na floresta,

voltar a ser o livre caçador que fora antes.

Ogum achava-se muito poderoso,

sentia que nenhum orixá poderia obriga-lo a fazer o que não quisesse.

Ogum estava cansado do trabalho de ferreiro

e partiu para a floresta, abandonando tudo.

Logo que os orixás souberam da fuga de Ogum,

foram a seu encalço para convence-lo a voltar à cidade e à forja,

pois ninguém podia ficar sem os artigos de ferro de Ogum ,

as armas, os utensílios, as ferramentas agrícolas.

Mas Ogum não ouvia ninguém, queria ficar no mato.

Simplesmente os enxotava da floresta com violência.

Todos lá foram, menos Xangô.

E como estava previsto, sem os ferros de Ogum,

o mundo começou a ir mal.

Sem instrumentos para plantar, as colheitas escasseavam

e a humanidade já passava fome.

Foi quando uma bela e frágil jovem veio à assembleia dos orixás

e ofereceu-se a convencer Ogum a voltar à forja.

Era Oxum a bela e jovem voluntaria.

Os outros orixás escarneceram dela,

tão jovem, tão bela, tão frágil.

Ela seria escorraçada por Ogum

e até temiam por ela, pois Ogum era violento,

poderia 33legânc-la, até mata-la.

Mas Oxum insistiu, disse que tinha poderes

de que os demais nem suspeitavam.

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Obatalá, que tudo escutava mudo,

levantou a mão e impôs silencio.

Oxum o convencera, ela podia ir à floresta e tentar.

Assim, Oxum entrou no mato

e se aproximou do sitio onde Ogum costumava acampar.

Usava ela tão somente cinco lenços transparentes

presos à cintura em laços, como esvoaçante saia.

Os cabelos soltos, os pés descalços,

Oxum dançava como o vento

e seu corpo desprendia um perfume arrebatador.

Ogum foi imediatamente atraído,

irremediavelmente conquistado pela visão maravilhosa,

mas se manteve distante.

Ficou a espreita atrás dos arbustos, absorto.

De lá admirava Oxum embevecido.

Oxum o via, mas fazia de conta que não.

O tempo todo ela dançava e se aproximava dele

mas fingia sempre que não que não dera por sua presença.

A dança e o vento faziam flutuar os cinco lenços da cintura,

deixando ver por segundos a carne irresistível de Oxum.

Ela dançava, o enlouquecia.

Del se aproximava e com seus dedos sedutores

lambuzava de mel os lábios de Ogum.

Ele estava como que em transe.

E ela o atraia para si e ia caminhando pela mata,

sutilmente tomando a direção da cidade.

Mais dança, mais mel, mais sedução.

Ogum não se dava conta do estratagema da dançarina.

Ela ia na frente, ele a acompanhava inebriado,

louco de tesão.

Quando Ogum se deu conta,

eis que se encontravam ambos na praça da cidade.

Os orixás todos estavam lá

e aclamavam o casal em sua dança de amor.

Ogum estava na cidade, Ogum voltara!

Temendo ser tomado como fraco,

enganado pela sedução de uma mulher bonita,

ogum deu a entender que voltara por gosto e vontade própria.

E nunca mais abandonaria a cidade.

E nunca mais abandonaria sua forja.

E os orixás aplaudiram e aplaudiram a dança de Oxum.

Ogum voltou à forja e os homens voltaram a usar seus utensílios

e houve plantações e colheitas

e a fartura baniu a fome e espantou a morte.

Oxum salvara a humanidade com sua dança de amor.

(PRANDI, 2001, p.321/322/323)

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Os mitos que rodeiam Oxum estão sempre relacionado ao poder de sedução que esta

orixá possui, pois com sua beleza, sensualidade elegância consegue sempre o que quer. A

dança da orixá Oxum possui um balanceado calmo envolvente e sensual, agita os braços

graciosamente para fazer o tilintar de seus braceletes, esta sempre com colares e muitas joias.

Esta orixá é considerada a padroeira da fertilidade, pois é responsável pela fecundidade das

mulheres, entendemos um pouco mais o seu poder nesta lenda, onde Oxum torna as mulheres

estéreis como um movimento digamos feminista:

Oxum faz as mulheres estéreis em represália aos homens

Logo que o mundo foi criado,

todos os orixás vieram para a Terra

e começaram a tomar decisões e dividir encargo entre eles,

em conciliábulos nos quais somente os homens podiam participar.

Oxum não se conformava com essa situação.

Ressentida pela exclusão, ela vingou-se dos orixás masculinos.

Condenou todas as mulheres à esterilidade,

de sorte que qualquer iniciativa masculina

no sentido da fertilidade era fadada ao fracasso.

Por isso, os homens foram consultar Olodumare.

Estavam muito alarmados e não sabiam o que fazer

sem filhos para criar nem herdeiros para quem deixar suas posses,

sem novos braços para criar novas riquezas e fazer as guerras

e sem descendentes para não deixar morrer suas memorias.

Olodumare soube, então, que oxum fora excluída das reuniões.

Ele aconselhou os orixás a convida-la, e às outras mulheres,

pois sem Oxum e seu poder sobre a fecundidade

nada poderia ir adiante.

Os orixás seguiram os sábios conselhos de Olodumare

e assim suas iniciativas voltaram a ter sucesso.

As mulheres tornaram a gerar filhos

e a vida na Terra prosperou

(PRANDI, 2001, p.34).

Nesta citação entendemos que não houve a necessidade de Oxum utilizar força física

para conseguir os mesmos “direitos” que os orixás masculinos tinham, foi preciso apenas de

um movimento digamos silencioso, porém poderoso para que fossem as labás convidadas a

participarem das assembleias e consequentemente das decisões.

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Diante das imagens de Oxum vemos o quanto está relacionada com suas lendas

exaltando a beleza, a sensualidade, a vaidade, a riqueza, poderes diferentes de muitas outras

orixás, uma vez que são classificadas como guerreiras, que lutam literalmente. Na

representação de sua imagem está sempre com tecido na cor amarela em sua maioria

transparente, seu corpo esta envolvido por joias e muitas pedras, com uma sensualidade e

elegância sem igual, dando assim vida a este mito no imaginário das pessoas. Sua imagem

diferentemente de Iemanjá esta sempre representada por um mulher negra não negando assim

suas origens.

2.5 Nanã a deusa da sabedoria

A lama da qual foram criados os seres humanos pertencia a orixá Nanã, deusa da

sabedoria considerada a anciã dos orixás senhora das águas das chuvas, dos pântanos. Além

de ser dona da vida é também dominadora da morte, é responsável pelo portal de passagem

desta vida. Sendo a mais antiga das divindades das aguas, ela representa a memória de todo o

seu povo, e por ser a deusa mais velha é respeitada por todos os outros orixás. Nanã é

sincretizada com Sant’Ana por ser considerada a avó entre os orixás, tem como objeto o

Imagem 07 Imagem 08

Fonte:

https://www.umbanda24horas.com.br/caracteristicas-dos-

filhos-de-oxum/

Fonte: http://www.vetorial.net/~rakaama/0-

oxum.htm

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ibiri18

e sua cor é o roxo. Entre vários mitos que representa as características desta orixá há

um dos mais importantes onde Nanã fornece o barro para a criação do homem:

Nanã fornece a lama para a modelagem do homem

Dizem que quando Olorum encarregou Oxalá

de fazer o mundo e modelar o ser humano,

o orixá tentou vários caminhos.

Tentou fazer o homem de ar, como ele.

Não deu certo, pois o homem logo se desvaneceu.

Tentou fazer de pau, mas a criatura ficou dura.

De pedra ainda a tentativa foi pior.

Fez de fogo e o homem se consumiu.

Tentou azeite, água e até vinho de palma, e nada.

Foi então que Nanã Burucu veio em seu socorro.

Apontou para o fundo do lago com seu ibiri, seu cetro e arma,

e de lá retirou uma porção de lama a Oxalá,

o barro do fundo da lagoa onde morava ela,

a lama sob as águas, que é Nanã.

Oxalá criou o homem, o modelou no barro.

Com o sopro de Olorum ele caminhou.

Com a ajuda dos orixás povoou a Terra.

Mas tem um dia que o homem morre

e seu corpo tem que retornar à terra,

voltar a natureza de Nanã Burucu.

Nanã deu a matéria no começo

mas quer de volta no final tudo o que é seu.

(PRANDI, 2001, p.196/197)

Nanã representa o começo do ser humano, por ser detentora do barro ao qual o mesmo

deve voltar. Entender Nanã é de certa forma entender a trajetória do homem sobre a terra, o

destino e a vida, pois ela é a própria história. Logo representa o inicio, o meio e o fim

Outro mito não menos importante que o acima descrito é onde Nanã se desentende

com o detentor dos metais, o orixá Ogum:

Nanã proíbe instrumentos de metais em seu culto

A rivalidade entre Nanã Burucu e Ogum data de tempos.

Ogum, o ferreiro guerreiro,

Era o proprietário de todos os metais.

18 Apetrecho feito com folhas de dendezeiro ornado com búzios, em forma de jota.

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Eram de Ogum os instrumentos de ferro e aço.

Por isso era tão considerado entre os orixás,

pois deles todas as outras divindades dependiam.

Sem a licença de Ogum não havia sacrifici;

sem sacrifício não havia orixá.

Ogum é o Oluobé, o Senhor da Faca.

Todos os orixás o reverebcuavam.

Mesmo antes de comer pediam licença a ele

pelo usa da faca, o obé com que se abatiam os animais

e se preparava a comida sacrificial.

Contrariada com essa precedência da a Ogum,

Nanã disse que não precisava de Ogum para nada,

pois se julgava mais importante do que ele.

“Quero ver como vais comer,

sem faca para matar os animais”, disse Ogum.

Ela aceitou o desafio e nunca mais usou a faca.

Foi sua decisão que, no futuro,

nenhum de seus seguidores se utilizaria de objetos de metal

para qualquer cerimonia em seu louvor.

Que os sacrifícios feito a ela fossem feitos sem a faca,

Sem precisar da licença de Ogum

(PRANDI, 2001, p.200/201).

De acordo com a citação de Prandi ,Nanã não permite metais em seus cultos, neste

mito se opõe a Ogum senhor da faca, onde todos os orixás o reverenciavam pois necessitavam

da permissão do orixá deus dos metais para os sacrifícios dos animais e também para o uso de

talheres para se alimentarem, Nanã não se submetendo a ele disse que não precisava de Ogum

pra nada. Desde então os animais em sua reverencia são sacrificados sem o uso de metal,

utilizam-se no lugar uma espécie de lamina feita de bambu, sendo Nanã a única deusa a não

homenagear Ogum.

Imagem 09 Imagem 10

Fonte: http://www.tucal.com.br/2016/04/orixa-

nana-buroque.html

Fonte:

http://www.juntosnocandomble.com.br/2009/

08/oriki-de-nana-saudacao-louvacao-

reza.html

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As imagens de Nanã são representadas por senhoras com roupas na cor roxa

segurando o ibiri, com uma postura marcante, outro adereço em comum presente nas duas

imagens são os colares de búzios. Na imagem 10 especificamente aparece com uma criança

no colo, dando ênfase ao sincretismo com Sant’Ana criado no imaginário das pessoas .

Dentre o conteúdo exposto podemos entender a importância e a influência das labás

nas religiões de matrizes africanas, sendo, o candomblé e a umbanda relatados com maior

intensidade no presente trabalho, as divindades analisadas neste texto trazem na bagagem

características especificas cada qual com seus poderes e importâncias dando certa liberdade às

mulheres dentro das religiões dos orixás. Outro ponto importante que percebemos dentro das

religiões afro-brasileiras ao longo das leituras é que tanto homens como mulheres podem estar

à frente dos cultos que são liderados por pais-de-santo e também por mães-de-santo não

havendo essa diminuição da mulher que há em muitas outras religiões.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo dissertar acerca da influencia do feminino nas

religiões afro-brasileiras. Foi feita a analise sobre a evolução das manifestações religiosas de

matrizes africanas desde o desembarque dos negros escravizados no Brasil até a atualidade, a

importância e a presença do feminino inserida nas mesmas, além de discutir ainda algumas

orixás e sua mitologia.

Ao longo da realização desta pesquisa foi percebido o quanto há presença do feminino

nas manifestações analisadas, pois de acordo com a análise de Ratts, enquanto na sociedade a

mulher negra esta em ultimo lugar em uma pirâmide de hierarquia, dentro da religião ela sente

que é tratada com igualdade, sendo assim, os cultos servem não só como refugio espiritual,

mas também social. Entendemos melhor essa igualdade em relação ao gênero dentro das

manifestações de matrizes africanas quando foi citado o registro do terreiro de candomblé

mais antigo do Brasil “Casa Branca do Engenho Velho” comandado por uma mãe de santo.

Outro ponto de relevância na pesquisa seria a evolução e a pluralidade das

manifestações religiosas que ocorreram ao longo do processo histórico chegando a fundação

de uma religião e a reinvenção de outras. Na execução da pesquisa tive a oportunidade de

entender melhor o mecanismo das religiões estudadas.

Meu objetivo ao iniciar este trabalho era obter respostas para todas as minhas duvidas

em relação às manifestações religiosas afro-brasileiras, e as iniciais foram saciadas sim, mas

percebi que a cada leitura realizada minha paixão e entusiasmo por esse tema sempre

aumentava, pois os rituais, os mitos e as formas como vive essas comunidades me fez querer

pesquisar muito mais, sem contar no desejo de mudar o pensamento das pessoas

preconceituosas que veem essas religiões como sendo demoníacas. Para saciar esse desejo

pretendo continuar esse caminho de pesquisas dentro das religiões dos orixás.

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