UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE … · 2019. 7. 3. · Prof. Dr. Sérgio Ifa,...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM Alexandre Colli Dal Prá PROCESSO IDENTITÁRIO: A METAMORFOSE DO APRENDER E ENSINAR A LÍNGUA INGLESA EM AMBIENTE ONLINE Cuiabá-MT 2013

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

    INSTITUTO DE LINGUAGENS

    PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

    Alexandre Colli Dal Prá

    PROCESSO IDENTITÁRIO: A METAMORFOSE DO APRENDER E ENSINAR A

    LÍNGUA INGLESA EM AMBIENTE ONLINE

    Cuiabá-MT

    2013

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    ALEXANDRE COLLI DAL PRÁ

    PROCESSO IDENTITÁRIO: A METAMORFOSE DO APRENDER E ENSINAR A

    LÍNGUA INGLESA EM AMBIENTE ONLINE

    Cuiabá-MT

    2013

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    ALEXANDRE COLLI DAL PRÁ

    PROCESSO IDENTITÁRIO: A METAMORFOSE DO APRENDER E ENSINAR

    ALÍNGUA INGLESA EM AMBIENTE ONLINE

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

    em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de

    Mato Grosso, como parte dos requisitos para a obtenção

    do título de Mestre em Estudos de Linguagem.

    Área de concentração: Paradigmas do Ensino de Línguas

    Orientador: Prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus

    Instituto de Linguagens

    Cuiabá-MT

    2013

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    DEDICATÓRIA

    Pelo carinho e dedicação constante, como

    demonstração de gratidão, dedico este

    trabalho: ao meu pai, por saber que hoje os

    riscos da minha caneta, se devem aos

    rastros do seu caminhão; a minha mãe, por

    mostrar minha capacidade quando pesei que

    mais além não pudesse ir. Por isso e por

    aquele que hoje sou, vocês são modelo de

    pais.

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    AGRADECIMENTOS

    À minha família, em especial a meus pais Artêmio Dal Prá e Isabel Colli Dal Prá, pelo

    apoio e incentivo incondicional. Sem vocês, não teria conseguido chegar até aqui.

    A minha namorada, Ângela, pela motivação, compreensão e companheirismo.

    Ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem da UFMT, aqui incluindo todos

    os professores que, de algum modo, colaboraram com minha caminhada.

    Ao Prof. Orientador, Dr. Dánie Marcelo de Jesus, por toda a atenção e dedicação

    desmedida.

    Aos membros da banca do exame de qualificação, Profa. Dra. Divanize Carboniere e

    Prof. Dr. Sérgio Ifa, pelas preciosas sugestões e pela boa disposição em ler a primeira,

    confusa e desnecessariamente volumosa versão do texto.

    Aos professores Dr. Sérgio Flores Pedroso, Dra. Célia Maria Domingos da Rocha Reis

    e Maria Rosa Petroni pela atenção e solicitude em todos os momentos que precisei.

    Apoio de valia indispensável.

    A todos os professores que me fizeram crescer como indivíduo.

    Aos bakhtinianos, em especial a Profa. Dra. Simone de Jesus Padilha, Profa. Dra.

    Cláudia Graziano Paes de Barros e a colega Leni, por me ensinarem a ouvir Bakhtin.

    Aos amigos pós-graduandos do MeEl, especialmente à Sheila, Karla e Nádia.

    À Secretaria do MeEL, na figura de seu corpo técnico administrativo, que, como

    exemplo de servidores públicos dedicados, não medem esforços para o bom andamento

    das atividades de pesquisa e ensino. Por tudo isso, merece nossa homenagem.

    A todos aqueles que, de forma direta ou indireta, deram um pouco de si para mais esta

    etapa de minha formação profissional. A semente mais fértil da colaboração são as

    ações solidárias.

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    RESUMO

    O objetivo deste trabalho é investigar a prática identitária de participantes de um site

    dedicado ao ensino/aprendizagem de língua inglesa. Para tanto, o trabalho encontra

    suporte teórico nos estudos de Bauman (2001, 2009), Giddens (2002); Hall (2005);

    Moita-Lopes (2003, 2010), Silva (2009) entre outros, sensibilizantes para interpretar as

    materializações linguísticas dos enunciadores. A finalidade é compreender o processo

    de constituição identitária dos sujeitos que se dedicam a ensinar e aprender língua

    inglesa nesse ambiente, bem como analisar possíveis implicações para a prática de

    ensino/aprendizagem. As questões que norteiam este estudo são as seguintes: 1) Como

    se desenrola o processo identitário do Expert Collaborador e do aprendiz de língua

    inglesa no site English Experts?; e 2) Qual é a relação com sua prática de

    ensino/aprendizagem desse idioma? A metodologia de pesquisa se ancora em princípios

    da pesquisa interpretativista ou naturalística (ERICKSON, 1985). A fim de não limitar o

    estudo aos modelos preexistentes e confiná-lo ao já percorrido, procuro alguns insights

    em autores como John Ziman (1996), Moita-lopes (2003), Thompson (2002), Uwe Flick

    (2009) e Zigmunt Bauman (2010), para explicar como me aproprio dessa abordagem de

    investigação e harmonizo-a a meus propósitos. Os dados foram gerados com base nas

    materializações linguísticas dos participantes, encontradas no site estudado. A análise

    aponta a identidade dos participantes reagindo a uma nova atmosfera de

    ensino/aprendizagem, onde o conhecimento, por acréscimo, é construído coletivamente

    e o próprio sujeito precisa se responsabilizar pelo sentido que deseja construir.

    Palavras-chave: práticas identitárias, língua inglesa, ensino/aprendizagem.

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    ABSTRACT

    This study aimed at investigating the identity practice of participants in a site dedicated

    to English teaching and learning called the English Experts. In order to reach this aim,

    this work gets theoretical support in studies of Bauman (2001, 2009), Giddens (2002),

    Hall (2005), Moita-Lopes (2003, 2010), Silva (2009) as sensitizing to interpret

    speaker’s language materializations. Purposes are to understand the process of identity

    construction of individuals who are dedicated to teaching and learning English in this

    environment, and to examine possible implications for teaching/learning practices. The

    research questions are: 1) How does the identity process of participants take place in the

    English Experts?, and 2) what implications this new environment can produce for

    teaching/learning that language? The research methodology is grounded in principles of

    interpretive or naruralistic research (ERICKSON, 1985). In order not to limit the study

    to pre-existing models and confine it to have traveled, seeking some insight into authors

    like John Ziman (1996), Moita-Lopes (2003), Thompson (2002), Uwe Flick (2009) and

    Zigmunt Bauman (2010), to explain how I appropriate this research approach and

    harmonize it to my purposes. Data were generated based on the participants’ language

    materialization which I collected in the site. Analysis indicates participants’ identity

    reacting to a new atmosphere of teaching / learning English, where knowledge, by

    extension, is collectively constructed and the individuals themselves must be

    responsible for the direction they want to build.

    Key-words: identity practices, English language, teaching/ learning.

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    LISTA DE FIGURAS

    Página de abertura do English Experts ...........................................................................47

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    LISTA DE QUADROS

    QUADRO I: Traços identitários do Expert Collaborador e do aprendiz.......................50

    QUADRO II: Características da prática do Expert Collaborador..................................59

    QUADRO III: Organização dos encontros.....................................................................65

    QUADRO IV: esquema de interação no English Experts...............................................80

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    SUMÁRIO

    DEDICATÓRIA ................................................................................................................................vi

    AGRADECIMENTOS....................................................................................................................... vii

    RESUMO ...................................................................................................................................... viii

    ABSTRACT ...................................................................................................................................... ix

    LISTA DE FIGURAS.......................................................................................................................... x

    LISTA DE QUADROS ....................................................................................................................... xi

    Introdução: o despertar do camaleão ......................................................................................... 14

    1 Pigmentação teórica................................................................................................................. 26

    1.1 O camaleão do contexto pós-moderno: nova forma de ver e ser o/no mundo ............... 27

    1.1.1 A linguagem e a condição pós-moderna: comunicação ou ilusão? ........................... 29

    1.2 Identidade: a volatilidade do camaleão ............................................................................ 31

    1.2.1 O camaleão moderno: da sala de aula ao ambiente digital ....................................... 34

    2 Metodologia da pesquisa: o compasso camaleônico .............................................................. 38

    2.1 O tom escolhido: que método é este? .............................................................................. 39

    2.1.2 Do interpretativismo à interpretação: as cores envolvidas ....................................... 43

    2.2 A delimitação do site analisado......................................................................................... 45

    2.2.1 O English Experts ........................................................................................................ 47

    2.2.2 Normas para colaboração .......................................................................................... 49

    2.2.3 Geração de dados ....................................................................................................... 50

    2.3 Dos procedimentos analíticos à organização dos temas .................................................. 50

    3 Resultados e análise ................................................................................................................. 52

    3.1 Tema 1: Guias de aprendizagem: metamorfoseando-se em Expert Collaborador ........... 54

    3.2 Tema 2: Ser Expert Collaborador: a condição dessa cor ................................................... 61

    3.3 Tema 3: O English Experts como ambiente de aprendizagem: habitat líquido moderno 68

    3.4 Tema 4: O conteúdo do site: mesmo corpo, outras cores ................................................ 72

    3.5 Tema 5: Concepção de língua: linguagem camaleônica ................................................... 81

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    3.6 Tema 6: A Interação no English Expert ............................................................................. 85

    Algumas (In)conclusões ............................................................................................................... 92

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................... 99

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    Introdução: o despertar do camaleão

    Camaleão in vitro

    Sou um verdadeiro investigador de mim mesmo,

    cada dia descubro algo novo em mim.

    Creio que meu “eu” atual é um retrato em branco e preto, ou às vezes em tons de sépia, e o meu passado

    é um retrato colorido, cujos tons se avivam no decorrer do tempo.

    Nos espelhos da vida já me vi de tantas formas...

    Me vi bonito, feio, inteligente, ignorante, criativo, ocioso, atencioso, disperso, amável, insuportável...

    Tanto me vi que enjoei.

    Posso ser tudo, como também posso não ser nada, mas, nesta vida cheia de imagens ilusórias e utópicas,

    a única conclusão a que posso chegar é que eu sou e sempre serei apenas o reflexo daqueles que me

    observam.

    (Autor desconhecido)

    A ciência da linguagem sempre me pareceu lugar habitado por pessoas

    detentoras de autoridade. Pensava que questionar o mundo era atributo desses eleitos.

    Pessoas escolhidas por algumas pitonisas de Delfos que os adornavam de saberes,

    capacitando-os a dar sentido à realidade que nos rodeia. Sentia ímpeto de devorar, como

    verdade, o conteúdo de livros ditos científicos. Contudo, logo percebi que apenas

    reproduzia o que se dizia nos manuais acadêmicos.

    Essa inquietante situação me pôs a refletir que eu não era um questionador que

    buscava produzir conhecimentos ou desarticular outros, percebi que meu mundo

    começou tornar-se entediante, vazio de ideias. Quando nos deixamos ser invadidos por

    informações que pintam a verdade, passamos a cultivar a casca seca de nossa vida e

    impedimos nossas ideias de colorirem nosso cenário.

    Bem por isso, foi necessário buscar uma concepção de ciência que se afastasse

    dos compêndios das pesquisas que aplicavam apenas questionários, ou se debruçavam

    em entrevistas direcionadas. Para tanto, foi inevitável uma postura crítica que assevera

    que os sujeitos falam de determinado local e que nossas escolhas linguísticas são frutos

    de ideologias socialmente construídas.

    Daí, alerto aos interlocutores que buscarei, na metáfora do camaleão, elementos

    que me auxiliem na composição de sentidos desta pesquisa. Esse animal, ao deslizar

    pelos ambientes, muda sua cor, seja em decorrência da luz, da temperatura, para se

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    comunicar com sua espécie, bem como para passar despercebido de potenciais

    predadores. Sua mudança sempre ocorre em razão de seu contato com a alteridade.

    Desse modo, tal como o camaleão, somos voláteis em nossas identificações e

    mudamos a todo instante, a depender do contexto social no qual estamos mergulhados e

    da forma que, com ele, nos identificamos; desse ponto emerge, portanto, a natural opção

    pela primeira pessoa e o uso da metáfora nesta pesquisa. Afinal, acredito que qualquer

    análise passa pelo cerne da minha subjetividade e das minhas experiências sociais.

    Dou à metáfora a função de tentar descrever o tácito, de representar o não

    verbalizável. As cores são aqui utilizadas por representarem a ilusão de nossa

    identidade, pois, embora pareça dada, deriva de nossas vistas e da luz que se reflete em

    nossas pupilas.

    Como as inquietações e indagações de um estudo geralmente se originam da

    biografia pessoal do pesquisador, convido o leitor a conhecer um pouco das cores de

    minha história de vida, na qualidade de aprendiz da língua inglesa e do ofício de

    docente. Enfatizo essas experiências aqui, por acreditar que elas matizam minha

    identidade e aclaram o lugar de onde falo, bem como dialogam com a metodologia de

    pesquisa deste estudo.

    Como muitos aprendizes de língua estrangeira, não comecei aprender língua

    inglesa por atração ao idioma, por dele gostar ou achá-lo belo, mas por sentir-me

    pressionado a me afeiçoar à imposição do mercado de trabalho. Tal como o camaleão,

    eu precisava escolher uma cor que pudesse impressionar e demonstrar minha

    potencialidade.

    Antevia a fluência em inglês como um trunfo valioso para disputar vagas de

    emprego ante as exigências cada vez maiores de qualificação. Acreditava que, mesmo

    em empresas onde eu raramente viesse a usar o inglês em minhas atividades

    corriqueiras, o “domínio” desse idioma me garantiria o indispensável destaque ao tempo

    de uma promoção ou por ocasião da colocação num posto de trabalho melhor, quando

    não numa vaga em uma cidade de interesse.

    Ainda adolescente, dono de meus 15 anos, decidi iniciar um curso de língua

    inglesa no município de Rondonópolis, estado de Mato Grosso. Nessa época, pensava

    ainda ser muito cedo para começar a me preparar profissionalmente, mas já era

    consciente das responsabilidades que precisaria assumir nos anos subsequentes. Afinal,

    cursava ainda o ensino médio.

  • 16

    Iniciei o curso por incentivo de familiares e, de igual relevância, para

    acompanhar minha irmã ao longo do percurso, corrido ainda de madrugada.

    Delongavam-se sonolentas uma hora e quarenta minutos até a garrafa de café, na

    recepção da instituição que estudávamos. Assim como eu, eles também percebiam o

    inglês como matiz necessário para uma carreira profissional promissora. Impunha que

    desenvolvesse as cores que a sociedade demandaria.

    Iniciaram-se as aulas e, embora receoso, dado que sempre achei difícil a

    aprendizagem de idiomas, estava decidido a me esforçar. Nas primeiras aulas, tomado

    de muita dificuldade, cheguei a pensar em desistir de aprender essa língua. A

    justificativa se sustentava no fato de que grande parte de meus colegas não sabia falá-la,

    e também eles precisariam ingressar no mercado de trabalho.

    Observava constantemente que mesmo aqueles que diziam estudar em centros de

    idiomas e se saíam bem na disciplina de língua inglesa na escola regular, não se

    arriscavam a comunicação em público. A língua inglesa era como o brilho sedutor do

    camaleão que se exibe para sua cobiça.

    Permaneci no curso por muita insistência de minha irmã e, após quatro meses de

    aula, comecei a sentir mais facilidade. Já havia aprendido algum vocabulário e

    conseguia inferir algumas frases curtas. Esse avanço me motivou muito, pois, embora

    não me sentisse atraído ou gostasse da língua, orgulhava-me de poder dizer que, aos

    poucos, ia me familiarizando com o inglês.

    Além de motivante, o curso funcionava como reforço às aulas da escola regular.

    Com ele, a carga horária destinada ao estudo de inglês triplicava. As horas passam e se

    agigantava a pressão para escolher uma cor que me ajudasse a prosseguir. O camaleão

    se vê obrigado a escolher suas cores para sobreviver à selva, e eu, à sociedade.

    Nesse período, já entusiasmado com a aprendizagem do idioma e com certa

    desenvoltura para me comunicar, optei por cursar Letras com habilitação em língua

    inglesa e literaturas correspondentes. Ambicionava mais conhecimento, e a universidade

    me convidava à erudição e à técnica.

    De pronto, concluí que ninguém iria me ensinar uma língua estrangeira, que no

    máximo me apresentariam pontos gramaticais e desenvolveriam algumas reflexões

    sobre ela e sobre o processo de ensino/aprendizagem. Assim seguiu minha

    aprendizagem de língua inglesa, pouco a pouco, adquiria vocabulário, aprendia

    estruturas, conhecia modos diferentes de pronunciar a mesma palavra.

  • 17

    O que mais me impressionou foi a percepção de que eu jamais atingiria o

    famoso inglês nativo, que eu sempre e inevitavelmente seria um falante de inglês com

    feição histórica e social brasileira. Especificamente, de um rapaz, aluno do curso de

    letras oferecido em uma universidade no estado de Mato Grosso.

    Aos poucos passei a notar o estudo desta língua de modo diferente, não com uma

    noção de completude, nem como mero instrumento de comunicação, mas como algo

    plural, que nos confronta conosco mesmos. Via a língua como algo para o qual é

    necessário disponibilizar sentidos, sem tentar captar sentidos intrínsecos. Aqui e ali, a

    concepção de inglês padrão cedia à noção profundamente marcada pela subjetividade da

    língua materna.

    Assim, tal como o camaleão, que se revela em baixo de tudo por onde passa,

    para aprender era preciso me revelar. Não era possível captar os sentidos da língua, era

    possível apenas transferir os sentidos que já compunham meu imaginário. Impossível

    capturar o inglês estrangeiro; impossível se transformar no outro. Quanto mais forcejava

    por falar e ser como um nativo, mais deparava com as bordas de minha identidade e

    com os significados de minha própria história de vida.

    Nesse estágio de maturidade acadêmica que pendi a não dar continuidade nas

    aulas de inglês que eu assistia no curso de idiomas. Estava libertando-me das amarras

    do inglês nativo, padrão, que essas instituições nos “passam” por meio de seus

    materiais. Decidi parar de “comprar” o inglês “enlatado” em livros didáticos e

    desenvolver minha competência lingüística por meio da leitura, de vídeos, por meio da

    minha prática quotidiana, enfim.

    A maratona intensiva de leitura de obras literárias que constituíam a ementa das

    disciplinas de literatura colaborou, sem sobra de dúvida, para alterar minha

    compreensão e estratégia de aprender e de ensinar esse idioma. Eram o vocabulário e

    estruturas que retiam-se à memória e pululavam quando a língua inglesa me cobrava

    expressão que me fez perceber o potencial da leitura: ler, agora, me soava muito mais

    profícuo e produtivo do que realizar exercícios e decorar listas de palavras.

    Foi a partir dessas experiências e reflexões realizadas durante o curso de

    graduação que passei a desvelar interesse pela pesquisa. Percebi que as coisas ao nosso

    redor poderiam ser diferentes do que ditava as teorias, exemplo disso era as novas

    concepções de ensino e aprendizagem que emergiam com minhas próprias experiências.

    O trabalho de conclusão de curso realizado no último ano de graduação,

    associado a um ensaio elaborado na condição de bolsista do Programa Institucional de

  • 18

    Bolsas de Iniciação Científica foram minhas primeiras produções acadêmicas e

    inseriram-me no mundo da produção de conhecimento, na universidade.

    Como o curso de graduação me propiciou grande reflexão sobre a língua inglesa

    e sobre o ensino de línguas estrangeiras, confrontando-me constantemente com minhas

    convicções, decidi investigar as crenças de aprendizes de língua inglesa e o que

    colaborava para que chegassem a tais posicionamentos e, na esteira, com outros

    pesquisadores, pude notar que as crenças influenciam em nosso comportamento e que,

    por acréscimo, nosso ele também influencia nossas crenças.

    A sigla PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica –

    inevitavelmente me traz à memória o cheiro e a sensação fresca das paredes claras que

    moldavam q sala onde costumava passar as tardes, dedicando-me a um estudo sobre as

    condições oferecidas para desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita de

    crianças matriculadas na terceira fase do terceiro ciclo de uma escola em Rondonópolis.

    Buscar respostas as dificuldades para ler e escrever daquelas crianças foi parte

    de minha ocupação durante os 12 meses na condição pesquisador iniciante. Mais do que

    isso, esse período treinou-me em buscar respostas que não aquelas que eu já tinha e,

    consequentemente, perceber que nossas práticas de linguagem sempre refletem o lugar

    de onde falamos e as ideologias que nos constitui. Falar sobre o objeto da minha

    pesquisa era também, grosso modo, falar de mim.

    Escrever sobre questões de uma instituição educacional colaborou, por igual,

    para perceber outra faceta da realidade. Eu não escrevia apenas um texto, era um texto

    com alma de ciência. Impressionava-me a atenção e a forma como as pessoas aceitavam

    minhas argüições quando eu, pelo contrário, possuía vários questionamentos.

    Esse acontecimento me chamou atenção para a forma que eu, antes de entrar no

    mundo da autoria, costumava tratar livros e artigos. Submetia-me cegamente, com

    acento no pretérito, a regimes de verdade, desconsiderando, muitas vezes, minhas

    próprias convicções.

    Essas experiências que acabo de relatar revelam que nos formamos na relação

    com o outro e que nossa identidade se encontra sempre em movimento (HALL, 2005;

    MOITA-LOPES, 2003, 2010; SILVA, 2009). Em consonância com esses autores, tomo

    a identidade não como fixa e exterior à linguagem, mas construída na e pela linguagem.

    Afinal, o mundo humano é o mundo da linguagem. E é sempre pelas histórias que

    contamos e vivemos que, a compasso com que construímos o outro, construímos a nós

    mesmos a partir do outro, em uma alteridade sem limites.

  • 19

    Ancorado nessas experiências e reflexões sobre a língua inglesa e sobre minha

    formação, percebi estar sendo formado para atuar em uma realidade com feição sócio-

    histórica específica. Por igual, que minhas próprias experiências cotidianas colaboravam

    para a arquitetura de minha identidade, isto é, para construção de representações do que

    é ensinar e aprender língua inglesa, do que é ser professor e/ou aprendiz desse idioma.

    Assim, ciente de que nossas experiências influenciam nosso modo de ser e de

    agir, importa evidenciar que a onda de tecnologias que banhou a sociedade parece exigir

    novas formas de atuação (JESUS, 2007). Isso faz com que a formação do corpo docente

    careça de complemento em sua constituição.

    Embora esse mote tenha sido constantemente objeto de discussão dentro e fora

    da academia, o foco dessas contendas tem geralmente se centrado na dificuldade que

    acompanha o acesso a uma língua não materna, bem como na qualidade que deve pautar

    a formação desse profissional. A preocupação com esses aspectos, evidentemente,

    encontra-se em certo descompasso com as necessidades de professores e alunos que

    buscam ensinar e aprender uma língua estrangeira socorrendo-se da internet.

    Como minha própria experiência na qualidade de aluno do curso de letras/inglês

    revelou, a formação do professor de língua inglesa tem sido objeto de constantes

    discussões. Contudo, seu foco, na maior parte das vezes permaneceu restrito à qualidade

    do ensino de língua estrangeira e dos motivos pelos quais seu acesso geralmente se dá

    com tamanha dificuldade. Ignora-se a realidade virtual que invadiu nossa sociedade e se

    impõe mais e mais a cada momento.

    Desse modo, chamo a atenção para o fato de que, embora a pesquisa em torno

    dessa temática tenha sido amplamente divulgada e dê conta de um amplo espectro de

    fenômenos, suas preocupações estão dessincronizadas com o ritmo crescente da

    necessidade de professores capacitados para atuar em meio à onda de tecnologia e a

    nova realidade que a internet vem despencando sobre nossa sociedade.

    Daí a relevância no compreender o processo identitário daqueles que se

    aventuram a ensinar/aprender línguas estrangeiras em ambiente online. Isso pode

    ensejar a construção de uma visão mais perspicaz do ensino de língua estrangeira nesse

    ambiente relativamente recente e ainda pouco explorado.

    Considerando o aceleramento das sociedades, encadeado ao ritmo frenético de

    seu funcionamento decorrente, sobretudo do advento das Tecnologias da Informação e

    da Comunicação (doravante TICs), novas questões são postas ao cenário acadêmico e,

  • 20

    por acréscimo, algumas ações podem ser implementadas. Dentre elas, o fomento à

    pesquisa nessa área.

    É com esse propósito que corrobora o objetivo deste estudo de analisar a

    materialidade linguística em sites dedicados ao ensino de inglês a fim de compreender

    como se desenrola o processo identitário dos sujeitos que ocupam os lugares sociais

    “professor” e “aprendiz”, com foco primordial nas possíveis implicações para o

    processo de ensino/aprendizagem desse idioma.

    Ser professor, nesse novo tempo e espaço, ainda é como ser professor na

    sociedade industrial, isenta das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs)? É

    esta resposta que nos franqueia perceber a ressonância do curso de letras/inglês em

    nossa sociedade e afinamento a seus objetivos políticos.

    O constante revolver do mundo, provocado pelo fenômeno da globalização, têm

    desvelado que as identidades não são fixas e se alteram conforme o período sócio-

    histórico que vivenciamos (HALL, 2005; MOITA-LOPES, 2003).

    Esses autores afirmam que se até no século XX tínhamos uma sociedade

    moderna sólida por conta das paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia,

    raça e nacionalidade, traçados por esta mesma sociedade, fornecendo-nos igualmente

    sólidas localizações como indivíduo social. No final daquele tempo as paisagens

    culturais começaram a se fragmentar e modificar, transformando também nossas

    identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós mesmos como sujeitos

    integrados. A essa perda de um “sentido de si mesmo” estável, o autor denomina

    deslocamento ou descentração do sujeito.

    Nesse sentido, com o intuito de melhor compreender o ser professor e o aprendiz

    na sociedade contemporânea, marcada pelas TICs e pelo fenômeno da globalização, faz-

    se necessário perceber como se ambienta o processo identitário dos envolvidos com o

    ensino/aprendizagem em ambiente digital.

    Muitos trabalhos de pesquisa relacionados com a prática e a formação docente,

    com ênfase na reflexão crítica, têm sido desenvolvidos no Brasil nos últimos anos. Entre

    eles, cito Assis-Peterson & Silva (2010), Freire (2009), Moita-Lopes (2003).

    Freire fornece subsídio teórico para diversos trabalhos sobre a formação de

    professores, com ênfase na reflexão crítica e, por acréscimo, constitui aporte

    fundamental na construção desse olhar docente, sempre preocupado com a própria

    prática social. Outro ponto em que as contribuições desse autor ganham relevo refere-se

    as diferenças que marcam nossa sociedade e atualmente começam receber atenção. A

  • 21

    discussão sobre a formação de professores frequentemente leva a refletir sobre uma

    educação acessível a todos e que respeite as peculiaridades humanas, remetendo-nos ao

    modo Freireano de pensar.

    Entre os trabalhos que sevem-se de seu pensamento, menciono Assis-Peterson &

    Silva (2010). Essas autoras investigam atitudes e práticas de professores de línguas no

    que diz respeito ao fenômeno da heterogeneidade lingüística e do multiculturalismo.

    Buscam compreender por que crenças, mitos e preconceitos próprios de uma concepção

    purista de língua(gem) continuam ainda tão arraigados no dizer e fazer de professores.

    Por meio de pesquisas de natureza qualitativo-interpretativista, examinam

    comportamentos e conhecimentos de professores e alunos em relação ao fenômeno da

    fricção linguístico-cultural, quer no domínio da língua materna quer no domínio da

    língua estrangeira.

    Os trabalhos presentes em Moita-Lopes (2003) constituem estudos que

    focalizam a construção discursiva das identidades sociais (gênero, sexualidade, raça,

    idade e profissão) na escola e na família com base em uma visão socioconstrucionista

    do discurso e das identidades sociais. Esses estudos concentram-se principalmente nas

    áreas de Lingüística Aplicada e Educação, mas são também útil para todos que nas

    Ciências Sociais têm usado o construto da identidade social para entender o mundo em

    que vivemos.

    Independentemente da preocupação com o campo da docência, parece ainda ser

    poucas as pesquisas (ARTUZZO, 2010; BRESOLIN, 2011; JESUS, 2007, 2011) que se

    inclinam a analisar e a descrever como se dá o processo de constituição identitária do

    professor de língua inglesa no ciberespaço.

    Artuzo (2011) investiga e descreve os traços predominantes constitutivos do

    processo de reconstituição da identidade profissional de professores de língua inglesa

    durante participação em curso de formação continuada em ambiente digital, com o

    objetivo de compreender como se dá o processo de constituição identitária. Com base

    em autobiografia e entrevistas narrativas realizadas com três participantes, a autora

    analisa suas histórias de vida, levando em conta os traços subjetivos que afloram e as

    transformações advindas da nova experiência de ensino-aprendizagem, como elemento

    responsável pelas alterações do percurso dessa constituição.

    O trabalho de Bresolin (2001) se insere no contexto da educação em ambiente

    digital e investiga indícios de processos reflexivos e a forma como eles se desenvolvem

    em um blog educacional. Os participantes que compunham o estudo foram estudantes

  • 22

    do curso de letras-português, em quatro universidades brasileiras. A análise se deu com

    base no material linguístico produzido ao longo de seis meses. Os resultados apontam

    algumas marcas lingüísticas que podem ser sinalizadores de que nos blogs ocorreram

    processos reflexivos-críticos em graus distintos de complexidade, colaborando, assim,

    para a formação inicial dos professores.

    O trabalho de Jesus (2007), por sua vez, insere no contexto de educação a

    distância e tem como finalidade analisar indícios de processos de reculturação,

    reestruturação e reorganização temporal no discurso de professores-alunos de um

    programa de formação continuada de uma universidade privada no Estado de São Paulo

    para professores de inglês de escolas públicas. A metodologia de pesquisa teve uma

    abordagem interpretativa com análise das interações em fóruns de discussão e

    entrevistas com os participantes. Os resultados sugerem algumas evidências linguísticas

    que podem ser sinalizadoras de processos de reculturação, reestruturação e

    reorganização temporal no discurso dos professores-alunos.

    Em seguida, em trabalho publicado em 2011, ele investiga as práticas

    identitárias de três comunidades virtuais do Orkut, direcionadas para professores de

    língua inglesa – English Language Teachers, English Teachers in Brazil, Sou

    professor(a) de inglês. A finalidade é compreender como a identidade profissional dos

    professores é construída no discurso dos participantes. A análise buscou apreender as

    representações identitárias que se materializam nas escolhas linguísticas dos usuários

    das comunidades. As conclusões apontam para uma tentativa de fixar uma identidade

    profissional tradicional do professor de língua estrangeira nessas comunidades.

    Daí a relevância em investigar o processo de constituição identitária desse

    profissional em ambiente digital. Ao que parece, a educação mediada por computador

    exige novo tipo de ator, capaz de se movimentar em um espaço de ensino que não mais

    exige sua presença marcada, como o faz na escola convencional (JESUS, 2007).

    A reflexão empreendida neste texto se assenta nos seguintes pressupostos: a) as

    Tecnologias da Informação e da Comunicação que banharam o mundo nas últimas

    décadas estão alterando nossa forma de nos relacionar e comportar de modo geral e; b)

    que esse impacto enseja implicações na identidade daqueles envolvidos com a educação

    em ambiente online.

    É nesse sentido que os novos ambientes digitais, a exemplo de sites

    educacionais, se tornam ambientes adequados aos objetivos deste estudo. Eles permitem

    o encontro de pessoas que, sem deixarem suas casas, compartilham informações e

  • 23

    questionam significações, ressignificando o papel daqueles engajados na prática social

    desse espaço, e deixam transparecer representações sobre ensino/aprendizagem,

    professor/aluno, língua, etc. que constituem sua identidade e moldam sua forma de

    ensinar e de aprender.

    Por meio de suas práticas sociais, os participantes desfilam suas opiniões sobre

    determinados assuntos e, assim, acabam se estruturando em diferentes ideologias e se

    transformando em um ambiente propício à investigação de linguistas preocupados com

    a dinamicidade do ambiente digital e suas consequências sociais (JESUS, 2009, p. 240).

    Bem por isso, elejo um site educacional – English Experts: um guia para quem

    estuda inglês por conta própria via internet – onde se concentram atividades de ensino e

    de aprendizagem de língua inglesa. Considerando meu objetivo de investigar as práticas

    sociais que revelam o desenrolar do processo identitário de sujeitos dedicados a

    ensinar/aprender língua inglesa, faz-se pertinente a seleção de um corpus em que se

    concentrem materializações linguísticas nessa mesma órbita.

    Para alcançar os objetivos propostos neste estudo, dirigi um olhar

    interpretativista sobre o fenômeno em questão, perseguindo respostas às seguintes

    questões:

    Como se desenrola o processo identitário do Expert Collaborador e do aprendiz

    de língua inglesa no site English Experts?

    Qual é a relação com sua prática de ensino/aprendizagem desse idioma?

    Nessa oportunidade, anteponho algumas reflexões a respeito de como os sujeitos

    que se dedicam ao ensino de língua inglesa no English Experts se encontram marcados

    por representações sobre ensino/aprendizagem de inglês, e como elas podem produzir

    implicações em sua prática de ensinar e aprender. As reflexões que seguem são feitas

    com base em enunciados e imagens materializadas no site.

    Tendo em conta essas questões de pesquisa, acorrentei os seguintes objetivos:

    Objetivo geral:

    Investigar práticas sociais daqueles que desempenham o papel social de

    professores/aprendizes em sites voltados para o ensino/aprendizagem de língua inglesa,

    com o intuito de perceber como esse novo ambiente educacional pode impactar seu

    processo identitário.

  • 24

    Objetivos específicos:

    Esse propósito maior se desmembra nos seguintes pontos:

    a) identificar sites educacionais voltados ao ensino/aprendizagem de língua inglesa;

    b) identificar práticas sociais em torno do ensinar e aprender;

    c) identificar representações sobre ensino/aprendizagem que subjazem à prática dos

    participantes;

    d) analisar o modo como o ambiente virtual impacta a imagem docente/discente e;

    e) perseguir possíveis implicações de suas identidades com relação a seus modos de

    ensinar e aprender.

    Como, não raro, as indagações de um pesquisador derivam de suas leituras e de

    sua história de vida, tive o intuito, nesta introdução, de descrever sucintamente minha

    trajetória como aprendiz de língua inglesa e formação docente. Acredito que isso clareia

    ao leitor a motivação que deu origem a este estudo. Além disso, busquei também listar

    as razões que justificam a escolha de um site educacional para atingir os propósitos

    desta pesquisa.

    No Capítulo 1 – Pigmentação teórica –, percorro tópicos e revisito autores que

    me ajudaram a compreender a questão da identidade na sociedade da informação.

    Exponho também uma breve problematização no respeitante às tecnologias e seu

    impacto no âmbito educacional.

    A identidade é vista como construída na relação com o outro e, portanto,

    diretamente influenciada pelas tecnologias e ideologias de cada contexto histórico-

    social. Na mesma direção, disponibilizo alguns apontamentos sobre o papel do

    professor e do aprendiz no ciberespaço e como essa nova realidade encarta implicações

    para sua prática pedagógica.

    No Capítulo 2 – Metodologia da pesquisa: o compasso camaleônico –, relato a

    abordagem metodológica (de cunho interpretativista) empregada neste estudo e o

    percurso empreendido até as reflexões finais. A abordagem metodológica foi adotada

    levando em conta o ambiente onde os sujeitos desempenharam sua prática social e os

    meios disponíveis para observá-la e analisá-la.

    Na esteira de Erickson (1985), discorro sobre o interpretativismo e, em seguida,

    explicito o modo como me aproprio dessa perspectiva e a amoldo a meus propósitos.

  • 25

    Finalmente exponho os critérios e o processo de seleção do material, com base no qual

    os dados e as reflexões deste trabalho foram produzidos.

    No capítulo 3 (Resultados e análise), procuro analisar materializações

    linguísticas e imagéticas com a finalidade de responder às indagações deste estudo.

    Antes ainda de encerrar o trabalho – Algumas (in)conclusões – retomo as

    perguntas da pesquisa, as considerações a que cheguei, não esquecidas suas limitações,

    as quais sugerem a necessidade de mais pesquisas para aclarar a problemática a que me

    confronto.

  • 26

    1 Pigmentação teórica

    Camaleão poeta

    Mudamos de cor

    Mudamos de amor

    Mudamos de pele

    Vivemos embaixo de tudo que nos revele

    Parecemos seres sem rosto

    Sempre mudando de posto

    Com amargo desgosto

    De não sermos compreendidos

    Por aqueles que se dizem vividos

    Que culpa temos

    Se nunca podemos

    Nos mostrar por inteiro

    Já que somos sempre a metade

    De toda nossa verdade

    E do nosso amor primeiro

    Quem sabe oportunidade

    Para que a humanidade

    Assim conheça e a vida floresça

    Como jardins suspensos

    Que são como enormes lenços

    Acenando neste plano imenso

    Mãos estendidas

    Que são como vidas

    Brotando do seio

    Alegre do nosso meio

    Estão me vendo!

    Como tudo que sonhei

    Estou feliz!

    Nasci!

    Era tudo que sempre quis

    Uma vida que transcende

    Uma luz que acende

    Um homem que escreve

    E pessoas que entendem

    (Autor desconhecido)

  • 27

    Este capítulo tem por objetivo apresentar as discussões teóricas em que me pauto

    para discutir as práticas identitárias do professor de língua inglesa em ambiente virtual.

    Contudo, primeiramente gostaria de vincar que este estudo se insere no âmbito da

    Linguística Aplicada e que, tal como argumenta Pennycook (1998), o enfoque dos

    trabalhos nesta área não é o de resolver problemas, mas, sim, o de explicar fenômenos e

    problematizar o que já está instituído. Em outras palavras, os problemas não existem em

    si, afloram sempre alicerçados em um posicionamento e um objetivo.

    Sendo assim, este trabalho buscará discutir como se dá o processo de

    constituição da identidade docente nesse novo espaço e, igualmente, saber qual a

    relação desse processo com o ensino/aprendizagem de língua inglesa.

    Na primeira sessão, semeio discussões sobre o momento histórico que estamos

    vivendo, impregnado pela ideologia da globalização, a qual, por sua vez, se instaura no

    sistema capitalista, promotor do desenvolvimento tecnológico, com incentivo ao

    consumo e ao lucro.

    Em seguida, na sessão que sobrevém, exibo também algumas reflexões sobre a

    identidade e a linguagem na sociedade globalizada.

    1.1 O camaleão do contexto pós-moderno: nova forma de ver e ser

    o/no mundo

    A questão da identidade se faz constante no mundo contemporâneo, sobretudo

    em decorrência das constantes mudanças tecnológicas, culturais e estruturais que vêm

    ocorrendo e alterando nosso modo de vida, desde a forma de interagirmos até o modo

    como concebemos o mundo e as circunstâncias em nosso redor (BAUMAN, 2003,

    2007; CASTELLS, 2010).

    Tudo aquilo que utilizávamos para compreender o mundo está sendo

    fragmentado e profundamente questionado. Esse período se torna confuso,

    principalmente porque essas categorias intelectuais que utilizamos para compreender o

    que acontece à nossa volta, cunhadas em outras épocas, são deslocadas e não dão mais

    conta dos acontecimentos contemporâneos (BAUMAN, 1999, 2003; CASTELLS, 2010;

    HALL, 2005).

    Assim, logo se nota que a essência da identidade é o simbolismo e a experiência

    de um povo. Nas palavras de Castells (2010, p. 22), ao mencionar Calhoun: identidade é

  • 28

    a “fonte de experiência e significado de um povo”. Segundo ele, não há conhecimento

    de um vilarejo, um que seja, que não tenha idioma e, portanto, nomes e uma cultura em

    condições de estabelecer a distinção entre o nós e o eles.

    São exatamente essas concepções, tidas como certas e fixas, que estão se

    modificando e balançando o mundo de forma a assentá-lo em novos parâmetros.

    Alguns autores (BAUMAM, 1999, 2003, 2007; CORACINI, 2003; GIDDENS, 2002;

    HALL, 2005; MOITA-LOPES, 2003, 2010; SILVA, 2009) afirmam que tais

    acontecimentos anunciam, neste virar de século, uma mudança de paradigmas, e que

    estamos, pouco e pouco, deixando a modernidade para se instalar no chão da chamada

    era pós-moderna.

    Nessa direção, Coracini (2006) assinala que o prefixo pós-, aqui, não se destina a

    estabelecer bordas a um período imediatamente posterior à modernidade. Ele não apaga

    totalmente a perspectiva moderna de olhar o mundo, de maneira racional. Postula,

    então, a coexistência de ambas, sem que estejamos imersos numa crise de paradigmas.

    Embora essas perspectivas coexistam de forma imbricada, emergem algumas

    características que distinguem a modernidade da pós-modernidade. Enquanto a primeira

    postularia a racionalidade, a unidade e a objetividade, bem como a busca da verdade e a

    essência dos fenômenos, a segunda reclama a dispersão, a fragmentação do sujeito, do

    discurso e da experiência, ou seja, a relativização de tudo. Em síntese, tudo que era

    percebido como fixo e universal passa a ser relativizado, e as identidades passam a ser

    redefinidas (CORACINI, 2006).

    Um dos motivos pelo qual a questão da identidade vem tão frequentemente

    sendo abordada, tanto na mídia como no mundo acadêmico, são essas mudanças

    culturais, sociais, econômicas, políticas e tecnológicas que perpassam pelo mundo.

    Fazem-se sentir, com maior ou menor intensidade, em comunidades locais específicas, e

    a todo o instante, convida-nos a nos posicionar diante da avalanche de informações e de

    diversidades que se nos afiguram à frente (MOITA LOPES, 2003, p. 15).

    Em meio a essas mudanças se fragmenta muito daquilo que era tido como uno,

    convidando-nos às discussões sobre identidade. Afinal, como afirma Silva (2009, p. 19),

    “a identidade só se torna um problema quando está em crise, ou seja, quando aquilo que

    se supunha ser fixo, coerente e estável é deslocado ao campo da incerteza”.

    Nas palavras de Moita Lopes (2003, p 15), as constantes mudanças que vêm se

    sucedendo instigam “nas práticas cotidianas que vivemos um questionamento constante

    de modos de viver a vida social que têm afetado a compreensão da classe social, do

  • 29

    gênero, da sexualidade, da idade, da raça e etc.” Acrescento, por igualmente relevante, a

    compreensão das línguas e de seu papel na sociedade.

    1.1.1 A linguagem e a condição pós-moderna: comunicação ou ilusão?

    Enquanto o cruzamento das fronteiras se realizava à velocidade dos pés e das

    carruagens, à língua cumpria apenas o papel prático de estabelecer a comunicação entre

    povoados que, em muito, compartilhavam os mesmos conceitos e concepções. Se bem

    assim, muito mudou com a revolução da informação e industrial.

    Com advento do automóvel, do avião e de outros meios de transportes

    extremamente velozes, associado as tecnologias da comunicação – o rádio, a televisão,

    o telefone, etc. –, a língua foi irremediavelmente lançada no terreno da ambivalência

    (BAUMAN, 1999), principalmente a língua inglesa que detém o estatuto de língua da

    comunicação internacional.

    É voz corrente que esse idioma é a língua do contato internacional, no momento

    presente. Cada período histórico abrigou sua língua franca, servindo de instrumento

    auxiliar da comunicação entre povos de culturas e lugares distintos.

    Nesse andar, a língua inglesa arregimenta esse status porque, segundo Crystal

    (1997), em vésperas do século XXI, cerca de 350 milhões de pessoas a falam como

    primeira língua, 200 milhões a usam como língua oficial ou segunda língua, e outras

    centenas de milhões como língua estrangeira, caracterizando-se como a língua

    estrangeira mais estudada no mundo.

    Além disso, ele assevera que esse idioma representa a língua das grandes

    organizações internacionais e da divulgação do conhecimento científico. Mais de 70%

    das publicações científicas não são divulgadas senão por ela. Muito provavelmente,

    traduz a única língua com maior contingente de falantes não nativos do que nativos.

    Agora, ao passo que falamos para nos comunicar, provocamos, ao mesmo

    tempo, a confusão e o desentendimento. Não bastasse, tal situação só pode ser

    solucionada pelo mesmo meio que pode agravá-la. Vivemos uma época em que a vida

    tradicional, os valores éticos e morais, as ideologias e percepções da vida cotidiana,

    entendidas como verdades e tidas como naturalizadas, estão sendo profundamente

    questionadas (BAUMAN, 1999; MOITA-LOPES, 2003).

  • 30

    Em todos os cantos, basta olhar e notar tudo se reconfigurando. No que se refere

    a educação por exemplo, aqueles que foram formados nos moldes da fábrica, hoje

    encontram os cacos dessa escola. (VER FORBES, antes na página 24)

    Jorge Forbes (2012), em seu conto “Almoço de mulheres” revela bem outra

    entre as mudanças de valor que vem configurando o que vem a ser chamada de pós-

    modernidade: em um dia desses, em que combinaram um encontro,

    “ela entra no restaurante com passo firme, cabeça altiva, olhar direto. Ela chega para o almoço. Cabelo arrumado, liso encaracolado com laquê,

    depende da idade. O braço em ângulo reto carrega a bolsa de marca, de

    preferência creme ou bege-claro. Sapato, quando é sapato e não sandália, tem

    um salto pequeno, de dois ou três dedos, daqueles de aeromoça se firmar no

    corredor do avião. [...] Nas mãos carregam lembrancinhas, seja o que for:

    aniversário, batizado, formatura, novo emprego, divórcio, casamento, antes

    de viagem, depois de viagem, não importa. Os motivos são meros suportes às

    lembrancinhas. E mais vale o embrulho que a própria lembrancinha. [...] Elas

    não olham para ninguém nesse dia, mesmo que o restaurante seja desses de

    bufê. [...] salvo se uma delas reconhece alguém, em especial um homem.

    Pronto, ali aparece a presa fácil ao cumprimento de uma e à critica de todas.

    Nem o boi deve ficar tão aflito em rio de piranhas nem o gladiador rodeado

    de leões [...]. Aquelas bocas batonadas, aqueles dentes, aquelas línguas em

    seguida o despirão do cadarço do sapato ao penteado engomado. Os homens

    olham, entre a curiosidade e a inveja, aquele grupo de saias. Sentem-se

    excluídos, inúteis, desprezados. Tentam ridicularizar, mas não conseguem,

    pois é superior o desprezo das convivas. E então constatam o abismo que os

    separa. Sofrem ao perceber que, para estar sós entre si, elas vieram tão

    arrumadas, perfumadas, chiques. Descobre que uma mulher se despe para um

    homem, mas se veste para outra mulher. Aos homen só resta contemplar e

    esperar que, depois da sobremesa, do cafezinho, ela queira mudar de assunto

    e de parceira”.

    Outro ponto que evidencia as mudanças concerne às concepções de tempo e

    espaço, as quais Bauman (2010, p. 130) põe em dúvida afirmando que grande parte das

    coisas intrínsecas ao quotidiano são compreendidas razoavelmente até o surgimento da

    necessidade de defini-las.

    Segundo ele, ao tempo e espaço de sua infância, quando não em período ainda

    mais afastado, não era incomum ouvir perguntas como “Quão longe é daqui até lá?”

    seguida desta resposta “Mais ou menos uma hora, ou um pouco menos se você

    caminhar rápido”. Nos dias que correm, em momento anterior à resposta, segue-se, aqui

    e ali, outra pergunta, relativa ao meio que se utilizará para se locomover. O mundo está

    se alterando, e a língua precisa entrar em suas nuanças para cumprir sua função. Leia-se:

    comunicar.

    Com isso, percebe-se que os cidadãos desse outro espaço e tempo não se

    questionavam sobre o significado dessas concepções. Afinal, não havia motivos para o

    fazerem em uma época em que tais concepções estavam limitadas ao esforço humano e,

  • 31

    portanto, não variavam mais do que seus vigores físicos. Foi preciso superação das

    velocidades obtidas pela desenvoltura dos músculos humanos ou do potencial dos

    animais para que o tempo e o espaço começassem a ter uma história (BAUMAN, 2001,

    p. 129).

    Quanto mais ferramentas e equipamentos velozes foram surgindo, mais o tempo

    deixou de ser uma característica fixa, e a distância se tornou atributo da habilidade de

    utilizar os equipamentos disponíveis (BAUMAN, 2001, p. 130).

    O tempo deixou de ser característica das massas de terra e água inertes à

    manipulação humana, tornando-se flexível e maleável, moldando-se aos equipamentos

    disponíveis para sua manipulação. Assim, percebe-se que embora o tempo, até o

    momento presente, parecesse possuir uma identidade fixa e imutável, agora começa

    desmembrar-se a depender do meio de transporte utilizado para se locomover ou do

    meio de comunicação. Nas palavras de Bauman (2001, p. 130), “o tempo se tornou o

    problema do ‘hardware’ que os humanos podem inventar, construir, apropriar, usar e

    controlar”.

    Daí a relevância em investigar como as identidades de professores e alunos são

    construídas no ambiente digital, pois, as comunidades de aprendizagem online dão ares

    de exigir novas formas de atuação. É preciso possuir a capacidade de se movimentar em

    um espaço de ensino que não mais exige sua presença marcada, como impõe a escola

    convencional (JESUS, 2007). Em outras palavras, o ambiente virtual parece impor-lhes

    um novo tempo e espaço.

    Tendo isso à vista, compreender as práticas identitárias de professores e alunos

    na internet é indispensável para estabelecermos programas de formação de professores

    que levem em linha de conta a complexa dinâmica do ambiente digital e de seus efeitos

    no cotidiano escolar.

    1.2 Identidade: a volatilidade do camaleão

    Definir o que é identidade, eis uma tarefa complexa e reveladora das bases em

    que me apoio. Ao teorizar sobre identidade, Silva (2009) elucida que uma das

    discussões centrais em torno da identidade se concentra na tensão existente entre o

    essencialismo e o não essencialismo.

  • 32

    Para ele, uma definição essencialista da identidade sugere haver um conjunto

    cristalino, autêntico, de características intrínsecas a certa identidade, hábil a

    fundamentar suas afirmações, tanto na história quanto na biologia. Nessa perspectiva, o

    sujeito é compreendido como ser racional e consciente de si mesmo, unificado e,

    portanto, homogêneo. Lê-se sujeito cartesiano ou psicológico (SILVA, 2009).

    Contudo, em meio às tribulações e constante reorganização da sociedade

    (BAUMAN, 1999, 2003; MOITA-LOPES, 2003, CASTELLS, 2010), torna-se

    insustentável qualquer visão que tente assentar a identidade em uma posição fixa e

    imutável. Se bem assim, tentar capturá-la seria o mesmo que fixá-la e, como diria

    Bauman (2003), os líquidos escapam entre os dedos.

    Em meio às constantes mudanças que o mundo está sendo submetido, refletem

    as outras cores que emergem de seus ‘eus’. Nesse sentido, percebe-se que as identidades

    não são essencialistas e o sentimento de possuir uma identidade unificada desde o

    nascimento até a morte se trata apenas de uma cômoda história sobre o eu, pois ela não

    passa de uma fantasia (CARMAGNANI, 2003, p. 305).

    Uma definição não essencialista prestaria atenção também às diferenças, assim

    como às características comuns ou partilhadas, tanto entre os próprios indivíduos

    pertencentes a uma identidade, como entre esses indivíduos e indivíduos pertencentes a

    outros grupos identitários. Atentaria-se, por igual, às formas pelas quais as definições

    daquilo que significa pertencer a uma identidade têm mudado ao longo dos anos

    (SILVA, 2009).

    Nesse viés, a identidade passa a ser definida historicamente, e não

    biologicamente. Assim como o camaleão, que muda sua cor conforme a circunstância

    em que se encontra, a identidade se modifica constantemente a depender do contexto

    histórico-social em que nos situamos e da alteridade que nos questiona. Ao

    interagirmos, deixamos rastros identitários que somente emergem em contato com os

    interlocutores, quando não com aquilo que forma a contraparte de nossa identidade.

    Rajagopalan (2003) ilustra bem isso, ao retratar um quadro recorrente na mídia.

    No entender desse autor, ao caracterizar o terrorista, por exemplo, como aquele que

    sacrifica a própria vida em prol de uma causa qualquer, a mídia não está apenas se

    referindo a pessoa que pratica tal ato de proporções incomuns no Ocidente. Ela também

    está emitindo uma opinião a respeito de si mesma.

    À medida que estes rótulos se naturalizam, tais julgamentos de valor são

    camuflados como simples ato referencial. Contudo, dado que toda opinião avaliativa

  • 33

    comporta outros lados, a identidade desses sujeitos se constrói na relação com sua

    contraparte.

    Nas palavras do autor, “os mesmos indivíduos que são chamados de terroristas

    ou homens-bomba pela imprensa ocidental são lembrados como ‘mártires’ e ‘soldados

    da guerra santa’ pela imprensa árabe” (RAJAGOPALAN, p. 87, 2003). Acontecimentos

    como esse apontam para as identidades como socialmente construídas.

    Desse modo, elas não são, fundamentalmente, propriedade privada dos

    indivíduos. São construções sociais, suprimidas e promovidas de acordo com os

    interesses políticos da ordem social dominante, imbricada que está com as estruturas de

    poder e dominação (MOITA-LOPES, 2003).

    O grande número de estudos realizados nos últimos anos (CORACINI, 2006,

    2009; NETTO, 2009; HALL, 2003; MOITA LOPES, 2003, 2010), com diferentes

    enfoques teóricos sobre identidade, evidencia a preocupação em questionar e

    compreender a configuração social no mundo contemporâneo.

    Se bem assim, apesar do avanço dessas pesquisas, ainda são em número

    reduzido os trabalhos (ARTUZO, 2011; JESUS, 2009) que se preocupam em descrever

    práticas identitárias de professores em ambiente digital.

    Tendente a compreender como ocorre o processo de constituição identitária de

    professores de língua inglesa, Artuzo (2011) investigou e descreveu os traços

    predominantes que se evidenciaram ao longo do processo de (re)constituição das

    identidades profissionais de professores de LI durante a participação em um curso de

    formação continuada em ambiente digital.

    Para esse propósito, a autora analisou autobiografias e entrevistas narrativas

    realizadas com as professoras participantes do curso, não sem tomar em conta os traços

    subjetivos que afloraram e as transformações provocadas pelas novas experiências de

    ensino-aprendizagem.

    Por meio dos traços emergentes nas narrativas das professoras, tais como

    insegurança, incompletude, incerteza, desejo, descoberta, adesão, ação, autoconsciência,

    adaptação, organização e superação, a autora assevera que o processo de constituição da

    identidade docente se dá por meio de um processo dinâmico, com uma movimentação

    frenética e impetuosa.

    À medida que problematizarmos e melhor compreendermos como esses

    construtos contribuem para o centramento dos indivíduos em posições de sujeito,

    poderemos também melhor apreender as estruturas discursivas que amarram a profissão

  • 34

    docente e, assim, refletir sobre suas implicações para o ensino/aprendizagem de língua,

    e na mesma linha, desenvolver cursos de formação para professores entusiasmados em

    se aventurar nesses novos ambientes propiciados pela tecnologia.

    1.2.1 O camaleão moderno: da sala de aula ao ambiente digital

    Desde que as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) começaram

    a se expandir, muitas mudanças ocorreram na dinâmica da sociedade e das instituições

    que a compoem, incluindo o campo da educação no que se refere a aprender e ensinar

    (KENSKI, 2010, p. 85).

    Ainda que Pierre Lèvy (2010), em sua obra “Cibercultura”, não se dirija à

    aprendizagem de idiomas, ele menciona o ciberespaço como favorecedor de novas

    formas de acesso à informação e de novos estilos de raciocínio e de construção do

    conhecimento.

    Ele afirma também que em meio a onda de informação que essa tecnologia

    propicia, as instituições que eram responsáveis pela construção do sentido, como as

    universidades, a mídia, etc. começam a perder esse espaço e os indivíduos devem se

    responsabilizar pela fabricação do sentido, filtrando-lhe de acordo com seus propósitos

    e os aprendizes precisam se responsabilizar pela fabricação do conhecimento que

    desejam (LÉVY, 2010).

    Por acréscimo, independentemente do uso mais ou menos intenso dessas

    tecnologias na sala de aula, ou mesmo como sala de aula, professores e alunos entram

    em contato com essas tecnologias em outras esferas da sociedade e trazem consigo

    marcas desse contato (Idem, ibidem).

    Guardam em sua memória, informações e vivências que foram incorporadas das

    experiências com filmes, programas de rádio, televisão, clips e/ou outras atividades

    realizadas na internet. Essas experiências não raro produzem implicações para a prática

    social realizada no interior das salas presenciais e, consequentemente, para a identidade

    de seus integrantes (KENSKI, 2010, p. 85).

    Muitas dessas informações se transformam em referência e servem como âncora

    para novas descobertas e aprendizagem sistemática em ambiente formal. Essas

    ponderações são suficientes para mostrar que, na sociedade da informação, se torna

    impossível pensar que as práticas de ensino/aprendizagem que se distanciam das

  • 35

    atividades práticas do quotidiano possam ocorrer exclusivamente em ambientes

    presenciais (Idem, ibidem).

    É inconcebível pensar que as atividades educacionais permaneçam restritas ao

    ambiente escolar presencial, pois, dia a dia, alunos entram na escola com mais

    conhecimento adquirido de forma independente pelos mais diversos meios de

    comunicação que medeiam as interações na sociedade atual (KENSKI, 2010, p. 85).

    Além desse impacto indireto provocado pelas tecnologias no quotidiano escolar,

    elas também se fazem presentes no interior da escola. Contudo, diferentemente do uso

    que comumente se faz delas, a autora afirma que no interior de instituições educacionais

    esse uso é planejado. Em suas palavras, “os fins a que se destinam são determinados e

    estão diretamente articulados com os objetivos do ensino e da aprendizagem”.

    Em outras palavras, embora seja possível o aprendizado com um filme ou

    documentário assistido na televisão, ele não está inserido ou articulado em um plano

    pedagógico. Sua apresentação deve ser condicionada ao tipo de aluno, ao conteúdo que

    se deve trabalhar, etc., a fim de canalizar a atenção dos alunos àquilo que se encontra

    em pauta.

    A simples exposição de filmes ou programa de televisão, de forma desarticulada

    de algum plano pedagógico, apenas centra professores e alunos em uma forma de

    ensino/aprendizagem pouco ativa e sem direcionamento crítico. Além disso, quando não

    trabalhados pedagogicamente em aulas posteriores, esse conteúdo pode cair no terreno

    do esquecimento.

    Em síntese, a autora assevera que, com o uso intensivo desses procedimentos e

    tecnologias, ainda que a sala de aula permaneça fixada ao espaço físico, “a aula se

    expande e incorpora novos ambientes e processos, por meio dos quais a interação

    comunicativa e relações de ensino-aprendizagem se fortalecem” (KENSKI, p. 90,

    2010).

    Nota-se, portanto, que o ambiente educacional, conforme se abre para o uso mais

    intenso das TICs, tem sofrido algumas alterações. Vistos inicialmente com certa

    desconfiança e como modismo, os computadores, em especial, foram ganhando espaço

    em projetos experimentais e atividades isoladas do ensino sem muita interação com

    programas e projetos pedagógicos de instituições escolares (KENSKI, p. 91, 2010).

    Assim como as aulas de artes, ou ainda, as de educação física, as aulas de

    informática dificilmente eram incorporadas nos projetos e propostas pedagógicas como

    momento de reflexão crítica e aquisição de conhecimento.

  • 36

    Contudo, assim que incorporadas às atividades intraescolares, passaram a ser

    vistas com outros olhos e, associadas à internet, permitam o acesso a uma enorme

    quantidade de banco de dados localizados em diversos lugares do mundo e a

    possibilidade de interatividade entre computadores transformou, ainda que

    brandamente, a maneira que professores e coordenadores começavam a perceber a

    potencialidade dessa máquina (KENSKI, p. 91, 2010).

    Com o tempo, com a percepção das possibilidades que essa máquina poderia

    propiciar, muitas escolas resolveram acolher essa tecnologia como o passo inicial de

    implantar laboratórios de informática. A princípio, o computador era percebido apenas

    como uma máquina de escrever aperfeiçoada e com memória. Foi seu uso que revelou

    novas possibilidades com o passar do tempo (KENSKI, p. 91, 2010).

    Embora a gama de sites, blogs e fóruns de discussão sobre os mais inusitados

    temas colaborassem para a aprendizagem de alunos e professores, a Educação deixou

    claro requerer mais do que acesso à tecnologia e fluência em seu uso. Era preciso

    formação para seu uso pedagógico (KENSKI, p. 91, 2010).

    Um exemplo desse uso das tecnologias digitais é o projeto Teletandem Brasil.

    Embora ainda se restrinja ao nível universitário de ensino, esse projeto foi possibilitado

    apenas com o advento das redes de computadores e visa a auxiliar aprendizes de línguas

    estrangeira a aprender outra língua de forma colaborativa (GARCIA, 2010; VASSALO,

    2010).

    A finalidade desse projeto é estimular a interação de alunos brasileiros com

    estudantes de outras nacionalidades que desejam aprender língua portuguesa. Assim, os

    participantes, em determinado momento, interagem em português, e outros na língua

    estrangeira na qual seus interlocutores são proficientes (VASSALLO, 2010).

    Esse projeto é apenas um entre aqueles que emergiram da percepção da

    necessidade de desenvolvimento de conhecimento pedagógico para o desenvolvimento

    da prática educacional mediada por computador.

    No contexto de ensino digital, as aulas se deslocam dos horários e espaços

    rígidos das salas de aula presenciais e começam a criar vida de forma cada vez mais

    intensa no ciberespaço. O ensino mediado pelas tecnologias digitais pode redimensionar

    os papéis daqueles envolvidos no processo educacional e exigir novas práticas sociais.

    Neste capítulo, a fim de esclarecer ao leitor os pressupostos teóricos que

    subsidiaram este estudo, busquei apresentar, brevemente que seja, algumas discussões

  • 37

    teóricas sobre a identidade e a influência das TICs na educação. No próximo capítulo,

    discorro sobre os pressupostos metodológicos que orientam a análise.

  • 38

    2 Metodologia da pesquisa: o compasso camaleônico

    Sou todos os rostos do mundo;

    Em cada face me vejo,

    Estou desde o ser imundo,

    Projetando-me no que desejo.

    Às vezes me surpreendo,

    Assumindo certas posturas,

    Recompensam-me, pois, assim fazendo,

    Fujo de algozes agruras.

    E neste morfismo inerente,

    Encontro então meu alento;

    Buscando refúgio na mente,

    Superando os traumas que enfrento.

    (Riedaj Azuos)

    Este capítulo relata a abordagem metodológica empregada neste estudo e o

    percurso empreendido até as considerações finais. A abordagem metodológica foi

    adotada levando em conta o ambiente onde os sujeitos desempenharam suas práticas

    sociais, e os meios disponíveis para observá-las e analisá-las, com o objetivo de

    responder às questões propostas por esta pesquisa.

    Por meio de estudo qualitativo, optei por lançar um olhar interpretativista nos

    fenômenos observados, por concordar com Erickson (1985) de que toda leitura do

    ambiente que nos cerca é uma leitura triada pela subjetividade daquele que contempla.

    Contudo, gostaria de explicitar que, por me distanciar consideravelmente dos

    apontamentos de Erickson sobre o interpretativismo, de primeira mão explicito ao leitor

    os pressupostos dessa abordagem, como surgiu e o modo que dela me aproprio.

    Em seguida, descrevo o processo de geração do corpus, desde o contato inicial

    com os sites até a seleção final do conteúdo que o constitui. Em consonância com a

    perspectiva teórico-metodológica adotada, a análise do site e a seleção do conteúdo para

    constituição do corpus se deram de forma contígua. O material que constitui o corpus

  • 39

    deste estudo não foi coletado e posteriormente analisado. À medida que as

    interpretações ocorriam, o material analisado passava a integrar o estudo.

    Embora esteja apresentada de forma separada, a segmentação entre corpus e

    análise é utilizada apenas como estratégia didática para a explicitação da forma como o

    primeiro foi formado.

    A análise procedeu de acordo com as indicações de Erickson (1985), que

    aconselha várias leituras do material selecionado para a geração de temas emergentes.

    Com base nesses temas é que a análise foi assentada, e o material analisado passou a

    constituir o corpus. Não parti da convicção de uma realidade dada, mas construída por

    meio de minha interpretação.

    Finalmente, discuto como os procedimentos analíticos e interpretativos usados

    no estudo originaram o texto que compõe as diferentes seções desta pesquisa.

    2.1 O tom escolhido: que método é este?

    Antes de iniciar, gostaria que o leitor reparasse que a leitura pode ser um

    exercício passivo, principalmente quando se refere ao texto de caráter científico. Diante

    disso, leitores não raro se posicionam como receptores e dele não se aproximam para

    criticar, analisar, fazer cruzamentos de referências, confrontando aprendizagens prévias

    e experiências próprias. Contudo, em consonância com a perspectiva metodológica que

    adoto neste estudo, peço ao leitor que se aproxime do texto atentando às perguntas

    retóricas que lhe encaminho.

    Embora inscreva este estudo sob o rótulo interpretativista, é importante destacar

    que há muita dissonância entre os interpretativistas sobre a maneira de conduzir estudos

    desse tipo. Por isso, não seria de bom tom me posicionar em nome dos interpretativistas,

    genericamente falando.

    Além disso, parto do princípio que a metodologia de um estudo não pode ser

    limitada aos modelos pré-existentes pelo simples motivo de não circunscrevê-la ao já

    percorrido, menosprezar outros caminhos aparentemente sem relevância. São por essas

    razões que lanço mão de explanações de vários autores, como as de Frederick Erickson

    (1985), Jonh Ziman (1996), Moita-lopes (2003), Thompson (2002), Bulawski (2004),

    Uwe Flick (2009) e Zigmunt Bauman (2010), para explicitar os pressupostos

  • 40

    epistemológicos mais significativos aos meus propósitos, sem entrar em contradição

    com minhas próprias escolhas.

    Mas, enfim, como surgiu o modo interpretativista de fazer pesquisa? A pesquisa

    interpretativista (ERICKSON, 1985) se tornou de particular relevância ao estudo das

    relações sociais devido, principalmente, ao surgimento de novas esferas da vida social,

    seja exemplo o ambiente digital. Termos-chave para a definição dessa pluralização são

    as novas “obscuridades” que emergem juntamente com essas esferas e a intensa

    “individualização” das formas de vivê-las (FLICK, 2010).

    Nesse andar, as velhas relações sociais, agora dissipadas em nova atmosfera,

    precisam de outra sensibilidade para seus estudos empíricos, implicando aos

    pesquisadores o enfrentamento constante de recentes contextos e novas situações que

    mudam constantemente (FLICK, 2009, p. 21).

    Entre elas, destaca-se o ciberespaço como uma realidade desconhecida até o

    surgimento da internet. Os sites destinados ao ensino de língua, por exemplo, também

    são característica desta nascente realidade e se apresentam como terreno sedento de

    interpretação.

    Assim, dado o fim da era de grandes teorias, como aponta Flick (2009, p. 21),

    os pesquisadores precisam se apropriar de meios indutivos para a abordagem do que se

    propõem a estudar, embasando-se em teorias sensibilizantes para a aproximação do

    contexto a ser estudado.

    É por essas razões que, ao realizar este estudo, me utilizo do pensamento político

    e social relevante (BAUMAN, 2001, 2003, 2009, 2010; GIDDENS, 2002; HALL, 2005;

    MOITA-LOPES, 2003; SILVA, 2009) para interpretar as práticas sociais dos

    professores de língua inglesa no site English Experts. O intuito é perceber como se

    desenrola a identidade docente.

    Consonante Erickson (1985), essa metodologia de pesquisa pode ser

    alternativamente chamada de etnográfica, qualitativa, observação participante, estudo de

    caso, construtivista, ou fenomenológica. Contudo, apesar de desempenharem grande

    semelhança, suas sutis diferenças resultam em implicações que podem se reunir sob o

    termo interpretativista.

    O autor se vale desse termo por considerá-lo mais amplo e para não fugir à

    análise quantitativa, afastando-se do modo puramente qualitativo de se fazer pesquisa.

    Contudo, embora aberta à quantificação, a validade de suas asseverações não pode ser

  • 41

    previamente definida pela quantidade de observações ou recorrência a um determinado

    evento.

    Nesse sentido, torna-se evidente o caráter objetivo-subjetivo pelo qual as

    reflexões deste estudo estão conduzidas. Afinal, como diria Paul Ricouer: “O sujeito

    humano é subjetividade” (BULAWSKI, 2004).

    Mas o que quero dizer com objetivo-subjetivo? Naturalmente que os processos

    de compreensão e interpretação, consonante Thompson (2002), “devem ser vistos, pois,

    não como uma dimensão metodológica que exclua radicalmente uma análise formal ou

    objetiva [convenções, tabelas], mas, antes, como uma dimensão que é, ao mesmo

    tempo, complementar e indispensável a eles.” Assumir minha subjetividade é

    inegavelmente o reconhecimento de convenções. Afinal, negá-las seria a dispensa da

    própria linguagem.

    Mais propriamente, busquei ampliar os horizontes de compreensão sobre a

    identidade docente com vista a perceber possíveis implicações para o processo de

    ensino-aprendizagem de língua inglesa, com uma ideia de interpretação questionável,

    por igual capaz de se tornar mais sólida e resistente, não necessariamente universal.

    Em síntese, afirmo que nunca saberemos com certeza se nossas verdades

    factuais coincidem com a realidade histórica. Mas por meio dos fatos se chega a

    conclusões, aceitas ou não como verdades.

    Assumo, com estas palavras, o caráter subjetivo deste estudo, filtrado pela

    triagem de minha subjetividade. Ora, mas não seria isso senso comum? Contesto com

    esta indagação: seria tão simples delimitar as fronteiras entre uma verdade dita científica

    e o senso comum?

    Todos nós sabemos que o conhecimento científico é produzido por meio da

    racionalização e sistematização da realidade observada. Contudo, afirmar isso seria o

    mesmo que forçar uma porta aberta. Estaríamos nesta afirmação negando a organização

    do conhecimento tácito produzido pelo senso comum? Negar isso não seria negar a

    concatenação universal dos fatos?

    Diferencio o conhecimento do senso comum apenas por seu caráter tácito capaz

    de orientar nossa conduta sem que sejamos, necessariamente, capazes de expressar

  • 42

    como e por que ele opera de determinadas maneiras. De outro modo, o saber do senso

    comum é prático, o conhecimento científico é ideológico1.

    Zigmunt Bauman (2010) exemplifica bem isso ao afirmar que, se fôssemos

    questionados sobre quais códigos usamos para nos comunicar, que regras gramaticais

    nos proporcionam a interação e como deciframos o significado de ações ou mensagens a

    nós direcionadas, poderíamos até não compreender a pergunta. Todavia, ele deixa

    evidente que esse saber é exigido para que possamos dar forma às nossas tarefas

    cotidianas e, mesmo que não possamos enunciar essas regras que nos permitem agir,

    rotineiramente demonstramos habilidades que dependem de sua existência.

    A partir disso, indago ao leitor: que fundamentos podem atribuir superioridade a

    um ou outro tipo de conhecimento, seja ele da esfera acadêmica, seja do cotidiano? É

    justamente essa resposta, brevemente aludida acima, um dos pressupostos que me

    guiaram nas arguições ao longo deste estudo.

    Acredito, palmilhando o mesmo caminho de Fairclough (2010), que a única base

    para tal superioridade é sua capacidade de prover explicação com grande potencial

    explanador, consorciando o quantitativo ao qualitativo, isto é, o número de evidências à

    habilidade em justificar as asseverações.

    Penso que não há conhecimento natural do mundo que se reflita em diferentes

    disciplinas acadêmicas ou formas de produzi-lo. Por isso, ancorado em minha

    experiência de vida, leituras e discussões em contexto acadêmico, afirmo ser bastante

    difícil discorrer sobre a validade de determinado conhecimento. Não conheço modelos

    que forneçam critérios seguros para estabelecer a distinção entre a veracidade e seu

    oposto.

    Ziman (1996) relata que grandes avanços na ciência foram feitos, muitas vezes,

    por cientistas que atravessaram as fronteiras disciplinares convencionais e, portanto, não

    tinham mais autoridade do que leigos, já que o eram também. Desse modo, o ponto de

    vista que acudo é que todos os métodos científicos de pensamento e de argumentação

    são, essencialmente, os mesmos usados na vida cotidiana e que sua aparente

    formalidade e rigor são resultado de sua especialização.

    Em síntese, o importante para a legitimidade deste estudo é manter um

    raciocínio fundamentado, deixando questões mais aprofundadas sobre o tema da

    1 O termo “ideológico”, neste estudo, não descende da corrente marxista. Assim, ele não é

    compreendido como realidade distorcida, mas como a forma pela qual percebemos a realidade.

  • 43

    confiabilidade do conhecimento ao capricho de debates diretamente relacionados com

    ele.

    2.1.2 Do interpretativismo à interpretação: as cores envolvidas

    Em passo anterior evidenciei meu pressuposto, perseguindo o pensar de

    Erickson (1985), de que toda interpretação é social e historicamente situada e filtrada

    por minha subjetividade. Afirmo isso apoiado na evidência empírica de que não

    podemos escolher sermos brasileiro, francês, espanhol ou branco de classe média, isto é,

    ser pertencente a determinada realidade sócio-histórica que preenche nosso imaginário.

    Em outras palavras, quero enfatizar que, muito antes de aprendermos sobre

    prótons, elétrons, genes, economia, somos seres humanos, nascidos e criados na vida

    comum de nossa época, e tal sorte podemos apenas aceitar com tranquilidade e

    resignação, tornarmo-nos orgulhosos de quem efetivamente somos e das expectativas

    lançadas sobre nós, ou nos rebelar contra isso.

    O que quero dizer com esse entendimento é que, consonante Thompson (2002,

    p. 360), “a experiência humana é sempre histórica, no sentido de que uma nova

    experiência é sempre assimilada aos resíduos do que passou, e no sentido que, ao

    procurar compreender o que é novo, nós sempre e necessariamente construímos sobre o

    que já passou”.

    Desejo em sequência chamar atenção para o fato de que minhas interpretações se

    dão sobre um campo – ciberespaço – emergente no período moderno e em constante

    crescimento, constituído, entre outras coisas, de indivíduos como nós, e suas práticas

    que moldam esse espaço à medida que são por ele moldados.

    O leitor deve ter notado que, ao fazer essas asseverações, em certos pontos,

    assumo um posicionamento fundamentalmente diferente daquele sugerido por Erickson

    (1985). Enquanto, para ele, o ponto central da interpretação é o significado local e

    imediato das ações do ponto de vista dos pesquisados, no caso deste estudo, os

    significados são gerados sempre pelo intérprete, que atribui significado às coisas e ações

    ao seu redor a partir do lugar que ocupa social e historicamente (BAUMAN, 2010).

    As evidências que sustentam esse posicionamento são os relatos,

    substantivamente diferentes, elaborados por observadores dos mesmos objetos e ações.

    Embora muitas vezes o lugar geográfico onde esses pesquisadores se encontram e os

  • 44

    objetos ou ações observadas sejam semelhantes, seus posicionamentos se diferem

    consideravelmente.

    O ponto central em que me afasto de Erickson (1985) é exatamente este: a

    direção de onde parte os significados nas pesquisas são opostas. Bem por isso, a

    substituição da expressão coletar dados por gerar dados. As pressuposições e conclusões

    desse tipo de estudo se distanciam dos patrocinados por Erickson (1985),

    consideravelmente.

    Esse posicionamento é bem conhecido na sociologia e na psicologia social. O

    entendimento básico é de que os objetos não são dados no mundo, mas são construídos,

    negociados, ajustados, modelados e organizados pelo homem em seu esforço de dar

    sentido à realidade que o circunda (MOITA-LOPES, 2003).

    Essa compreensão, evidentemente, é o ponto culminante em que me afasto da

    visão de Erickson (1985). Aqui o objeto de investigação é tido como construído, e o

    pesquisador passa a ser imbricado no conhecimento que produz.

    Desse modo, ao ler o capítulo de análise, o leitor logo perceberá que, ao invés de

    focalizar imediatamente o modo pelo qual os indivíduos apreendem os objetos e

    identidades à sua volta, estou mais detido em analisar como eles desenvolvem e

    sustentam certas maneiras de ser e de se relacionar. É assentado nesse foco que

    descrevo como se desenrola a identidade dos sujeitos professor e aluno e possíveis

    implicações para o processo de ensino-aprendizagem.

    Em síntese, me distancio em certos pontos da abordagem interpretativista a fim

    de adequá-la aos objetivos que me proponho, a saber: investigar um site voltado ao

    ensino-aprendizagem de língua inglesa, com foco especial em marcas discursivas e

    interações relevantes para a construção identitária desses sujeitos.

    Busco compreender a direção que a prática educacional está tomando no

    constante reconfigurar da contemporaneidade. Afinal, a compreensão de uma nova

    cultura tecnológica se fundamenta no estudo dos meios técnicos em sua relação com o

    social.

    Conforme esta discussão, vale destacar os seguintes pontos sensíveis desta

    abordagem teórica no tocante ao objeto estudado:

    - A indissociabilidade entre pressupostos teóricos e a escolha dos caminhos

    metodológicos da investigação;

  • 45

    - a concepção de sujeito pesquisador como inevitável interferência na construção e

    interpretação do dado empírico;

    - o tratamento do dado empírico como efeito de uma criação ou produção, e não de uma

    descoberta.

    2.2 A delimitação do site analisado

    Para a análise dos elementos que permeiam a prática social do professor de

    língua inglesa em ambiente digital, optei por focalizar a reflexão sobre interações

    realizadas no site “English Experts: um guia para quem estuda inglês por conta própria”,

    os quais passaram a constituir o corpus deste estudo.

    Dada a ef