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UNIVERSIDADE GAMA FILHO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO FÍSICA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EDUCAÇÃO FÍSICA & CULTURA Vannina de Oliveira Assis OS REFERENCIAIS CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE ESTADUAL BRASILEIRA: Uma Análise Teórico-Metodológica. Março, 2008

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UNIVERSIDADE GAMA FILHO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO FÍSICA

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EDUCAÇÃO FÍSICA & CULTURA

Vannina de Oliveira Assis

OS REFERENCIAIS CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE ESTADUAL BRASILEIRA: Uma Análise

Teórico-Metodológica.

Março, 2008

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OS REFERENCIAIS CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE ESTADUAL BRASILEIRA: UMA

ANÁLISE TEÓRICO-METODOLÓGICA

por

Vannina de Oliveira Assis

__________________________________________

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação Física

Universidade Gama Filho

Como requisito à obtenção do

Título de Mestre em Educação Física,

Área de Concentração Educação Física & Cultura.

Março, 2008

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ASSIS, Vannina de Oliveira. Os referenciais curriculares para a educação física na escola do Ensino Fundamental da rede estadual brasileira: uma análise teórico-metodológica. (Mestrado). Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho. 2008. 128p.

RESUMO Este estudo faz parte da Linha de Pesquisa denominada Análise e Intervenção Profissional em Educação Física, Esporte & Lazer, desenvolvida no Programa de Pós-graduação Stricto-sensu em Educação Física da Universidade Gama Filho, vinculada à área de concentração em Educação Física & Cultura. Teve por objetivo identificar e analisar as orientações de ordem teórico-metodológicas (referencial teórico, objetivo da educação física na escola, conteúdos propostos, metodologia e avaliação) encontradas nos Referenciais Curriculares para o ensino da Educação Física no Ensino Fundamental do Sistema Estadual de Educação brasileira. A decisão de estudar estes documentos deu-se a partir das normatizações educacionais (LDB no 9394/96, DCNs), justificando-se a necessidade de investigar como os mesmos estão configurados orientar o ensino-aprendizagem da Educação Física nas escolas da rede estadual. Realizar uma análise desses documentos decorrido um considerável tempo para o desenvolvimento propositivo dos mesmos (cerca de 12 anos) e diante de um fértil contexto de proposições e debates de natureza teórico-metodológica na área Educação Física brasileira, pode servir como balizador para avaliar os possíveis avanços e dificuldades revelados pelos referidos ‘referenciais curriculares’. A metodologia utilizada pautou-se na técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1977). Deste modo, a seleção dos documentos, que constituiu o corpus de análise do presente estudo foi de 09, desenvolvidos por equipes técnico-pedagógicas de Secretarias de Estado de Educação, que concluíram e disponibilizaram seus 'referenciais curriculares' até o ano de 2007. Como base para nossas análises, o referencial teórico desenvolvido apóia-se nas Teorias do Currículo, nas Normatizações e Concepções Educacionais e suas influências para Educação Física na escola. Realizar um mapeamento deste tipo, mais de dez anos após a aprovação da nova LDB no 9.394/96, assim como após o fértil e disseminado debate crítico-renovador da Educação Física brasileira, serviu para identificar como as propostas de ensino para a Educação Física estão oficialmente documentadas, revelando as convergências e divergências na concepção curricular da Educação Física na educação básica. Percebemos que na tentativa de definição do currículo oficial para a Educação Física na escola, há problemáticas na indefinição dos objetivos de ensino-aprendizagem, e da perspectiva de avaliação. As metodologias de ensino propostas não se baseiam em produções acadêmicas da área. Onde também não foi possível identificar claramente em alguns documentos sob que concepções teórico-metodologicas se apóiam para o trato da Educação Física na escola.

Palavras-chaves: currículo – referenciais curriculares – educação física escolar

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO.................................................................................................... 04

1.1 Apresentação do Estudo.................................................................................................... 04

1.2 A Construção do Estudo: Problematizando o Objeto de Investigação ......................... 07

CAPÍTULO II – REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................ 13

2.1 Introdução............................................................................................................................ 13

2.2. Currículo: a Organização do Conhecimento Escolar...................................................... 14

2.2.1 – Currículo: conceitos e significados..................................................................... 15

2.2.2 – As teorias do currículo....................................................................................... 19

2.2.2.1 – As Teorias Tradicionais do Currículo...................................................... 21

2.2.2.2 – As Teorias Críticas ou Transformadoras do Currículo............................ 22

2.2.2.3 – As Teorias Pós-críticas ou Pós-modernas.............................................. 24

2.2.3 – Cultura, Poder, Identidade e Ideologia: os condicionantes sociológicos do currículo e sua

relação com o conhecimento................................................... 26

2.3. As Normatizações e Concepções Educacionais e suas Implicações na Educação

Física........................................................................................................................................... 31

2.3.1 – Os ‘referencias curriculares’: noções gerais e referências para sua análise..... 37

2.3.1.1 – Noções gerais dos ‘referencias curriculares’.......................................... 37

2.3.1.2 – Os ‘referenciais curriculares’: referências para a sua análise................ 38

2.3.2 – A Educação Física enquanto Componente Curricular: entre o Legal e o Legítimo; entre as

Concepções Tradicionais e as Crítico-Renovadoras....................... 42

2.3.2.1 – As Concepções Tradicionais e as Crítico-Renovadoras para a Educação

Física..................................................................................................... 46

CAPÍTULO III – METODOLOGIA DA PESQUISA..................................................................... 53

3.1 Características da Pesquisa............................................................................................... 53

3.2 Corpus de Análise............................................................................................................... 54

CAPÍTULO IV – ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS............................................... 57

4.1 Caracterizando e Explorando os ‘Referencias Curriculares’ de Educação Física propostos pelas

Secretarias Estaduais de Educação.......................................................... 58

‘Referencias Curriculares’ de Educação Física da Secretaria de Estado de Educação do Acre (RC-

AC)........................................................................................... 58

‘Referencias Curriculares’ de Educação Física da Secretaria de Estado de Educação de Alagoas

(RC-AL)..................................................................................... 63

‘Referencias Curriculares’ de Educação Física da Secretaria de Estado de Educação de Minas

Gerais (RC-MG)..................................................................... 66

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‘Referencias Curriculares’ de Educação Física da Secretaria de Estado de Educação do Paraná (RC-

PR)...................................................................................... 72

‘Referencias Curriculares’ de Educação Física da Secretaria de Estado de Educação do Rio de

Janeiro (RC-RJ)............................................................................ 75

‘Referencias Curriculares’ de Educação Física da Secretaria de Estado de Educação de Rondônia

(RC-RO)................................................................................... 79

‘Referencias Curriculares’ de Educação Física da Secretaria de Estado de Educação e do Desporto

de Santa Catarina (RC-SC).................................................. 83

‘Referencias Curriculares’ de Educação Física da Secretaria de Estado de Educação e do Desporto

e Lazer de Sergipe (RC-SE)................................................. 86

‘Referencias Curriculares’ de Educação Física da Secretaria de Estado de Educação de São Paulo

(RC-SP)............................................................................ 89

4.1.1 – Os currículos oficiais da Educação Física no Brasil: pontos convergentes e

divergentes................................................................................................................... 95

4.2 O currículo oficial da Educação Física no Brasil: uma análise teórico-metodológica dos ‘Referenciais

Curriculares’ das Secretarias Estaduais de Educação........................... 102

4.2.1 – Concepção/Pressuposto Teórico Metodológico de Educação Física............... 103

4.2.2 – Finalidade/Objetivos da Educação Física no Contexto da Educação Escolar... 105

4.2.3 – Os Conteúdos de Ensino-Aprendizagem para a Educação Física na Escola... 107

4.2.4 – Os Princípios e Orientações Metodológicas para o Trato da Educação Física na

Escola...................................................................................................................... 111

4.2.5 – A Perspectiva e o Objetivo da Avaliação do Ensino-Aprendizagem para a Educação Física no

Contexto da Educação Escolar.................................................. 114

CAPÍTULO V – CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 116

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................... 188

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CAPÍTULO I

INTRODUÇÃO

1.1. Apresentação do Estudo

Este estudo está inserido na Linha de Pesquisa denominada ‘Pensamento

Pedagógico e Intervenção Profissional em Educação Física’, desenvolvida pelo

Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação Física da Universidade

Gama Filho, vinculada à Área de Concentração de Estudo denominada Educação

Física & Cultura.

Entre os objetivos desta Linha de Pesquisa destaca-se o propósito de

identificar e analisar os fundamentos teórico-metodológicos de documentos

curriculares oficiais que orientam o ensino-aprendizagem da Educação Física no

contexto da educação básica.

O presente estudo está em consonância com tais propósitos, considerando

que seu objetivo foi identificar e analisar as orientações de ordem teórico-

metodológicas (concepção/função da escola, concepção/pressuposto teórico que

fundamenta o 'referencial curricular', finalidade/objetivos da Educação Física no

contexto da educação escolar, seus conteúdos de ensino-aprendizagem, seus

princípios e orientações metodológicas, e a perspectiva e o objeto de avaliação do

ensino-aprendizagem) encontradas nos ‘referenciais curriculares’1 para o ensino da

Educação Física no Ensino Fundamental dos Sistemas Estaduais de Educação.

A finalidade dos 'referenciais curriculares’ estaduais é nortear o

planejamento e a intervenção pedagógica dos professores que atuam no ensino-

aprendizagem da Educação Física da rede escolar sob a responsabilidade das

Secretarias de Estado de Educação das diferentes unidades federativas do Brasil.

1 Estamos denominando de ‘referenciais curriculares’ o documento oficial propostos pelas equipes

técnicas das Secretarias de Educação que reúne as orientações de ordem teórico-metodológica dos componentes curriculares, apresentando uma base para o projeto pedagógico curricular de cada unidade escolar, bem como os planejamentos de ensino-aprendizagem desenvolvidos individual ou coletivamente pelos professores de cada componente curricular (disciplinas).

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Com o Artigo 210 da Constituição Federal (1988), que assegura o direito a

uma formação básica comum no Ensino Fundamental, com a promulgação da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), que estabelece competências e

diretrizes norteadoras dos currículos e conteúdos mínimos para os diferentes

segmentos da educação básica e com as decorrentes Diretrizes Curriculares

Nacionais (1998), que orientam as escolas sobre os princípios, os fundamentos e os

procedimentos da educação básica, possibilitando a organização, a articulação, o

desenvolvimento e a avaliação de suas propostas pedagógicas, estabelece-se aos

entes federativos (Conselhos Estaduais e Secretarias Estaduais e Municipais de

Educação) e às unidades escolares, a tarefa organizar e implementar seus

'referenciais curriculares'.

Tendo como referência este contexto, justificou-se a necessidade de

investigar como estão configurados os 'referenciais curriculares' para orientar o

ensino-aprendizagem da Educação Física nas escolas dos Sistemas Estaduais de

Educação no Brasil. Realizar uma análise desses documentos decorrido um

considerável tempo para o desenvolvimento propositivo dos mesmos (cerca de 12

anos) e diante de um fértil contexto de proposições e debates de natureza teórico-

metodológica na área Educação Física brasileira, poderá servir como balizador para

avaliar os possíveis avanços e dificuldades revelados pelos referidos ‘referenciais

curriculares’.

Esta pesquisa também vem ao encontro das minhas motivações e

necessidades de natureza acadêmico-profissional. Desde que assumi a

responsabilidade de ministrar a disciplina ‘Currículos e Programas de Ensino em

Educação Física Escolar’ num curso de licenciatura em Educação Física, venho

realizando estudos exploratórios sobre os modos de organização e sobre as

matrizes teórico-metodológicas orientadoras de projetos pedagógicos curriculares de

unidades escolares e de planejamentos de ensino-aprendizagem formulados por

professores de Educação Física2. A intenção acadêmica dessas observações foi

analisar possíveis avanços e dificuldades na explicitação das matrizes teórico-

metodológicas, bem como a articulação entre os projetos pedagógicos curriculares e

os planejamentos para o ensino-aprendizagem da Educação Física na escola. 2 Cabe esclarecer que se tratava de observações sistemáticas, porém de caráter exploratório e para fins didáticos.

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No entanto, os referidos estudos exploratórios necessitavam de um

necessário rigor acadêmico, além de estarem circunscritos ao contexto do estado de

Alagoas e, mais especificamente, ao município de Maceió. Porém, foi a partir deste

exercício didático de análise dos projetos pedagógicos curriculares e dos programas

de ensino de algumas escolas da cidade de Maceió que foram surgindo questões

sobre as matrizes conceituais dos ‘referenciais curriculares’ e sobre a especificidade,

a definição e a organização dos conhecimentos da Educação Física na escola, que

resultaram na idéia do presente estudo.

Partindo desse contexto, consideramos a possibilidade desta pesquisa

subsidiar o desenvolvimento de disciplinas que tratam, no âmbito da graduação, dos

conhecimentos pertinentes aos currículos e programas de ensino em Educação

Física, pois a intenção acadêmica desta pesquisa é revelar o que se está planejando

e a partir de que premissas conceituais e didático-metodológicas de ensino-

aprendizagem estas propostas são desenvolvidas.

Como base para nossas análises, o referencial teórico desenvolvido apóia-

se nas Teorias do Currículo, nas Normatizações e Concepções Educacionais e suas

influências para Educação Física na escola.

A metodologia proposta para o desenvolvimento da pesquisa pauta-se na

técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1977). Deste modo, a seleção

dos 'referenciais curriculares' para a Educação Física no Ensino Fundamental, que

constitui o corpus de análise do presente estudo é de 09 documentos desenvolvidos

por equipes técnico-pedagógicas de Secretarias de Estado de Educação, que

concluíram e disponibilizaram seus 'referenciais curriculares' até o ano de 2007.

Na seção de Análise e Interpretação dos Dados, apresentamos

primeiramente a estrutura organizacional de cada um dos 'referenciais curriculares'

obtidos; à medida que realizamos uma análise em relação às convergências e

divergências do conjunto de documentos.Posteriormente definimos como núcleos

temáticos de análise, as marcas caracterizadoras de sentido comuns em cada

'referencial curricular' (concepção/pressuposto teórico de Educação Física que

fundamenta o 'referencial curricular', finalidade/objetivos da Educação Física no

contexto da educação escolar, seus conteúdos de ensino, seus princípios e

orientações metodológicas, e a perspectiva e o objeto de avaliação do ensino-

aprendizagem).

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1.2. A Construção do Estudo: Problematizando o Objeto de Investigação

A promulgação da Lei no 9.394/96 objetivou mudanças e aperfeiçoamentos

no cenário da educação brasileira a partir do estabelecimento de novas diretrizes e

bases da educação nacional (daí a denominação Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDB). Ela tem como finalidade expressar a política, a

organização e o funcionamento da educação nacional, fundamentada nos princípios

enunciados no Artigo 206 da Constituição Federal3. A LDB não é um documento

legal de caráter resolutivo; trata-se de um documento indicativo dos aspectos

operacionais da educação nacional. Aborda, portanto, as questões da educação de

forma genérica e sintética, necessitando de detalhamento por meio de decretos,

pareceres, resoluções e portarias.

Nesta perspectiva, a LDB prevê no seu Artigo 9, inciso IV, que entre as

incumbências da União está o estabelecimento, em colaboração com os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios, de competências e diretrizes conceituais para os

diferentes segmentos da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental

e Ensino Médio), que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a

assegurar uma formação básica comum.

A legislação delega ao Conselho Nacional de Educação (CNE) a

responsabilidade de exercer a sua função deliberativa sobre as Diretrizes

Curriculares Nacionais (DCNs), reservando-se aos entes federativos e às próprias

unidades escolares a tarefa que lhes compete em termos de implementações

curriculares. O Conselho Nacional de Educação tem e teve, portanto, a

responsabilidade de definir o paradigma curricular para a Educação Infantil, o Ensino

Fundamental e o Ensino Médio.

3 Consta no artigo 206 da Constituição Federal: O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência, de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade.

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As DCNs para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio contemplam os

componentes curriculares que devem integrar a Base Nacional Comum,

complementada por uma Parte Diversificada - LDB, Artigo 26 -, a ser detalhada nos

‘referenciais curriculares’ desenvolvidos pelas equipes de especialistas de cada ente

federativo e nos projetos pedagógicos curriculares de cada unidade escolar do País.

As DCNs consideram a questão da autonomia da escola e do projeto

pedagógico curricular, incentivando as instituições a elaborar seu currículo,

selecionando, dentro das áreas de conhecimento, os conteúdos que lhe convêm

para a formação das competências que estão explicitadas nas DCNs. Dessa forma,

a escola deve trabalhar esses conteúdos nos contextos que lhe parecerem

necessários, considerando o tipo de pessoas que atende, a região em que está

inserida e outros aspectos locais relevantes.

A partir das determinações legais sobre a educação nacional e das DCNs, o

Ministério da Educação (gestão 1994-2002), a fim de nortear os projetos

pedagógicos curriculares e os planejamentos de ensino-aprendizagem das escolas

brasileiras sob a gestão federal, elaborou e promoveu ampla divulgação dos seus

‘referenciais curriculares’ denominados de ‘Parâmetros Curriculares Nacionais’

(PCNs). À exemplo do Ministério da Educação, ao longo desses anos, as equipes

pedagógicas de especialistas da educação e das diferentes áreas do conhecimento

escolar de várias unidades da federação, também vêm se ocupando da tarefa e

responsabilidade de desenvolver seus ‘referenciais curriculares’.

Cabe esclarecer que as DCNs se diferem dos PCNs. Enquanto as DCNs

são documentos legais, explicitando as metas e os objetivos a serem alcançados em

cada segmento da Educação Básica, os PCNs são apenas referências curriculares,

que podem ou não ser adotados ou utilizados. Portanto, não tem força de lei.

Expressam apenas a ótica conceitual e operacional que um grupo de especialistas

selecionados pelo governo federal (Ministério da Educação) apreenderam das DCNs

em consideração ao cenário educacional brasileiro e as expectativas de

desenvolvimento nacional.

Ao definir seus projetos pedagógicos curriculares e seus regimentos, as

unidades escolares passam a ser co-responsáveis pelo processo de ensino-

aprendizagem, porém autônomas no direito de definição dos seus respectivos

referenciais teórico-metodológicos para a intervenção pedagógica.

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No caso específico da Educação Física, o tratamento pedagógico na

perspectiva de um componente curricular, integrado ao projeto pedagógico da

escola, implica a demarcação do seu corpo de conhecimento de ensino-

aprendizagem. Contudo, ainda há cisão na área quanto à especificidade de seu

conhecimento e a seleção dos conteúdos de ensino-aprendizagem a serem

trabalhados no âmbito da educação básica. Existem várias concepções de ensino

para o trato da Educação Física na escola que se diferenciam na seleção e na forma

de organização dos conteúdos de ensino-aprendizagem.

Neste sentido temos a necessidade de investigar as seguintes questões:

• Sob que bases teórico-metodológicas apóiam-se os ‘referenciais

curriculares’ para orientar o ensino-aprendizagem da Educação Física nas

escolas de diferentes estados brasileiros?

• Em que concepções de Educação Física eles se apóiam e que

conhecimentos privilegiam?

• Em relação aos objetivos, aos conteúdos propostos, à metodologia e

avaliação da educação física na escola, quais os aspectos consensuais e

divergentes encontrados entre os ‘referenciais curriculares’ para o ensino da

Educação Física no Ensino Fundamental do Sistema Estadual de

Educação?

Todas estas questões a investigar são decorrentes do problema central

desencadeador desta pesquisa, a saber: quais são as orientações de ordem

teórico-metodológicas que fundamentam os ‘referenciais curriculares’

desenvolvidos pelos Sistemas Estaduais de Educação para nortear o ensino-

aprendizagem da Educação Física no Ensino Fundamental?

Para a fase de Análise e Interpretação dos Dados agrupamos e

interpretamos as marcas caracterizadoras de cada 'referencial curricular', compondo

desta forma os núcleos temáticos de análise, a saber:, concepção/pressuposto

teórico da Educação Física que fundamenta o 'referencial curricular',

finalidade/objetivos da Educação Física no contexto da educação escolar, seus

conteúdos de ensino-aprendizagem, seus princípios e orientações metodológicas, e

a perspectiva e o objeto de avaliação do ensino-aprendizagem.

Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi identificar e analisar as

orientações de ordem teórico-metodológicas (referencial teórico, objetivo da

educação física na escola, conteúdos propostos, metodologia e avaliação)

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encontradas nos ‘referenciais curriculares’ para o ensino da Educação Física no

Ensino Fundamental do Sistema Estadual de Educação.

Mas antes de darmos continuidade, cabe, desde já, chamar a atenção para

o fato de ser comum encontrar em documentos, textos e trabalhos sobre o tema,

expressões como ‘diretrizes curriculares’, ‘projetos pedagógicos’, ‘projetos

curriculares’, ‘propostas pedagógicas’, ‘propostas curriculares’, entre outras

designações. Algumas vezes, diferentes expressões são utilizadas para se referir a

um mesmo documento, assim como outras vezes, documentos de diferentes

naturezas recebem as mesmas denominações. Sendo assim, estamos adotando

neste trabalho as mesmas expressões e termos utilizados nos respectivos

documentos legais.

Por ‘referenciais curriculares’ estamos concebendo o conjunto de reflexões

de cunho educacional sobre objetivos, conteúdos e orientações didáticas,

desenvolvidos para aproximar da prática escolar às orientações expressas nas

DCNs; referem-se ao documento oficial que reúne as orientações de ordem teórico-

metodológica dos componentes curriculares, apresentando uma base para o projeto

pedagógico curricular de cada unidade escolar, bem como os planejamentos de

ensino-aprendizagem desenvolvidos individual ou coletivamente pelos professores

de cada componente curricular (disciplinas). Neste estudo optamos pela utilização

do termo ‘referencial curricular’ para caracterizar os documentos que iremos

analisar.

Nossa preocupação em analisar os ‘referenciais curriculares’, está em

percebermos que estes documentos são, como denomina Goodson (2002, p. 21), ao

se referir sobre proposta curriculares, “um testemunho visível, público e sujeito a

mudanças”, que, no contexto desta pesquisa, têm o papel de justificar determinadas

intenções para a Educação Física na escola. Mesmo sendo considerados

documentos que ‘ninguém lê’ e que ‘ninguém aplica’, eles não são feitos ao acaso,

eles são referências para a ação pedagógica do professor, e são elaborados a partir

de situações/testemunhos sobre esta ação pedagógica. Acreditamos que ao analisar

os ‘referenciais curriculares’ para a Educação Física aumentamos a nossa

compreensão a respeito dos interesses/objetivos, potencialidades e influências que

incidem sobre este componente curricular, de maneira a localizarmos como está

construído o currículo oficial de Educação Física para as escola estaduais do país.

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A decisão de estudar os ‘referenciais curriculares’ propostos pelas equipes

de especialistas das Secretarias Estaduais de Educação deve-se primeiramente,

pela orientação da própria organização legal, explicitada, por exemplo, na LDB, no

parágrafo único do Artigo 11, quando explicita que “os municípios poderão optar [...]

por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor com ele um sistema único

de educação básica”. No mesmo sentido, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Ensino Fundamental orientam as escolas, ao implementar suas propostas

pedagógicas, seguir as propostas curriculares de seus Estados e posteriormente, do

Município.

As três últimas décadas foram caracterizadas por expressivos debates nas

esferas política, econômica, social e cultural do país, acarretando significativas

mudanças em vários setores da sociedade brasileira (a exemplo da Educação

Nacional e da Educação Física em particular), é de se esperar então do meio

acadêmico o surgimento de pesquisas que se propõem a investigar os documentos

doutrinários, as políticas públicas decorrentes, os seus projetos e programas de

operacionalização, sob os diferentes ângulos de análise possíveis.

Considerando este contexto de mudanças, estas normatizações motivaram

e ainda vêm motivando debates e produções acadêmicas no campo educacional

(CURY, 1996; BONAMINO; MARTINÉZ, 2002; SAVIANI, D., 2002, DEMO, 2003),

assim como no âmbito particular da Educação Física4. É neste contexto de

mudanças e produções acadêmicas, que se localiza esta pesquisa, destacando

como estão sendo organizados e interpretados os conhecimentos que compõem os

documentos oficiais para orientar o processo de planejamento e desenvolvimento do

ensino-aprendizagem da Educação Física na escola, assim como suas justificativas,

finalidades e especificidades para a educação escolar.

Realizar um mapeamento deste tipo, mais de dez anos após a aprovação

da nova LDB no 9.394/96, assim como após o fértil e disseminado debate crítico-

renovador da Educação Física brasileira, serviu para identificar como as propostas

4 Na área da Educação Física, tais debates foram fomentados por instituições científicas como o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, que discutiu em âmbito nacional tais normatizações e lançaram o livro: Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (Org.). Educação física escolar frente à LDB e aos PCNs: profissionais analisam renovações, modismos e interesses. Ijuí: Sedigraf, 1997. É possível encontrar também o tratamento acadêmico deste tema em Teses e Dissertações disponibilizadas no portal CAPES no site: http://www.capes.gov.br que está atualizado até o ano de 2004), como por exemplo: RODRIGUES (2001); AMORIM (2002); IANUSKIEWTZ (2003).

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de ensino para a Educação Física estão oficialmente documentadas, revelando as

convergências e divergências na concepção curricular da Educação Física na

educação básica. Afinal, há na área diversas propostas de ensino sob diferentes

visões quanto à concepção curricular da Educação Física para a escola, à

especificidade de seu conhecimento e a seleção dos conteúdos de ensino-

aprendizagem a serem pedagogizados no âmbito da educação básica.

No próximo capítulo, esboçaremos o referencial teórico norteador das

análises e inferências desta pesquisa. Ele foi desenvolvido com base nas Teorias do

Currículo, nas Normatizações e Concepções Educacionais e suas influências para

Educação Física na escola.

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CAPÍTULO II

REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. Introdução

O referencial teórico de fundamentação do presente estudo está subdividido

em duas partes – a primeira, versa sobre currículo, enquanto que a segunda parte

trata das normatizações e concepções educacionais e suas implicações junto a

Educação Física na escola.

Na primeira parte ‘Currículo: a Organização do Conhecimento Escolar’

mostramos os diversos conceitos de currículo, para logo após expor as diversas

teorias que os caracterizam, assim como o contexto em que foram produzidas. Em

seguida, apresentamos os fatores que interferem e se relacionam com o currículo:

cultura, poder, identidade e ideologia, denominados por Moreira e Silva (2000) de

condicionantes sociológicos do currículo. A intenção desta exposição é mostrar

como o conhecimento escolar é organizado e que fatores afetam esse processo de

construção, seleção e organização dos saberes tratados nos ‘referenciais

curriculares’.

A segunda parte do referencial teórico é intitulada ‘As Normatizações e

Concepções Educacionais e suas implicações para a Educação Física na Escola’.

Primeiramente situaremos o leitor no tocante à legislação educacional, resultante de

políticas educacionais e de políticas curriculares, abordando seus conceitos e

propósitos a partir da Constituição Federal, com destaque para a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (LDB no 9.394/96) e as Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Fundamental (DCNs). Abordaremos também os Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs)5, dada a sua repercussão no cenário nacional e,

portanto, sua influência nos ‘referenciais curriculares’ dos entes federativos.

5 Os PCNs representam a proposta pedagógica do Ministério da Educação, com o intuito de subsidiar os projetos político-pedagógicos das unidades escolares, sob a esfera de influência do governo federal (gestão 1994-2002). Enunciam um marco conceitual propondo de maneira detalhada conteúdos mínimos de cada componente curricular, bem como concepções de ensino, orientações didático-metodológicas e temas transversais. Serão tratados em nosso estudo com um exemplo de

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Pretendemos, a partir desse ordenamento legal, relacionar como se deu o

percurso da Educação Física na Lei, e que fatores asseguraram sua presença na

escola, para desta forma, apresentar os ‘referenciais curriculares’ para a Educação

Física.

Sobre as Concepções Educacionais expomos de forma sintética as teorias

da educação e suas concepções pedagógicas revelando as diferentes maneiras de

conceber a educação, sua função político-social e as possibilidades metodológicas

de intervenção educativa.

A partir da exposição dessas concepções educacionais, apresentamos as

concepções específicas que têm orientado a intervenção pedagógica no contexto da

Educação Física na escola, a fim de subsidiar as análises sobre os marcos

conceituais e metodológicos dos ‘referenciais curriculares’.

2.2. Currículo: a Organização do Conhecimento Escolar

Entender o currículo como forma de organização do conhecimento escolar

requer, primeiramente, expor seus diversos conceitos; em seguida, analisar suas

vertentes teóricas; e por fim, demonstrar sua relação com as questões de poder,

cultura, identidade e ideologia. Estes são os três pontos norteadores desta primeira

parte do Capítulo.

Os conceitos assumem diversos significados e podem ser agrupados em

algumas dimensões. Considerando esta premissa, apresentamos os diferentes

olhares do campo de estudos sobre o termo currículo, pois, definir currículo ou

assumir um dos possíveis conceitos não é uma tarefa simples, considerando sua

perspectiva multifacetada. Afinal, suas tentativas de definição têm sido formuladas,

negociadas e renegociadas em vários níveis e campos, seja de ordem social,

cultural, econômica e/ou política (GOODSON, 2002).

Por meio das teorias curriculares mostramos as possibilidades de como o

currículo pode ser conhecido e compreendido. Ao analisar os estudos e textos

política curricular devido ao marco temporal que situamos as análises das normatizações (pós LDB no 9394/96).

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destas vertentes teóricas identificamos que as teorias curriculares são divergentes,

por vezes antagônicas, por possuírem perspectivas epistemológicas, educacionais,

políticas e culturais diferenciadas, sendo classificadas como Tradicionais ou

Conservadoras, Críticas ou Transformadoras e Pós-Críticas ou Pós-Modernas.

Não podemos conceituar nem analisar o currículo isoladamente. É preciso

entender os fatores que interferem na seleção e organização do conhecimento,

afetando e moldando a construção do currículo, sendo eles influenciados pelos

seguintes condicionantes sociológicos: cultura, poder, ideologia e identidade.

As obras de Moreira (1994, 1997, 2002), Goodson (2002) e Silva (2003a,

2003b, 2003c) serviram de fundamentação principal para as análises, assim como

constituíram o fio condutor da nossa exposição sobre currículo e organização do

conhecimento.

2.2.1. Currículo: conceitos e significados

O que se entende precisamente por currículo? O termo pode adquirir

diferentes conceitos dependendo do modo como for empregado. Forquin (1993)

esclarece que o termo currículo não é muito aceito no vocabulário francês, onde se

prefere usar ‘plano de estudos’ ou ‘programa de estudos’. Já na riqueza semântica e

na variedade de usos do termo em inglês, curriculum é usado de modo a abranger

outros significados, assumindo sentidos mais específicos como os ‘programas

escolares’ e sentidos mais amplos, como por exemplo, ‘fenômeno educativo’.

A palavra currículo vem da palavra latina scurrere, que significa correr,

admitindo o sentido de curso a ser seguido. Portanto, o termo currículo assume,

primeiramente, a definição de um conjunto de saberes estudados pelos alunos ao

longo de um curso (GOODSON, 2002).

Moreira e Silva (2000, p. 07-08), reconhecidos teóricos brasileiros no campo

de estudos sobre currículo, o consideram como:

[...] um artefato social e cultural. Isso significa que ele é colocado na moldura mais ampla de suas determinações sociais, de sua história, de sua produção contextual. O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação.

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O currículo é considerado pelos autores como artefato social e cultural, pois

tanto a área curricular quanto os conteúdos que compõem o currículo são uma

construção social resultantes de um processo histórico – por exemplo, o projeto

político pedagógico e os próprios 'referenciais curriculares'. Portanto, enquanto

construção social o currículo deve ser entendido a partir das relações de poder que

produziram e produzem determinadas estruturas curriculares e não outras, e que

formaram e formam os currículos compondo determinados tipos de conhecimento e

não outros (SILVA, 2003a).

Moreira (1997, p. 60) nos ajuda a compreender a configuração curricular a

partir da metáfora da moldura de um quadro exposta na citação anterior,

considerando que

ao examinar um quadro tanto podemos nos ater à pintura em si quanto podemos levar nosso olhar para além dela e perguntar sobre a sua relação com as demais obras daquele artista – ou, indo além, perguntar sobre até mesmo as condições concretas em que ela foi produzida -, também podemos, ao estudar cada configuração curricular e cada teoria sobre currículo, adotar ou uma posição interna ou externa.

Dessa forma, uma posição interna sobre a configuração curricular requer

observar apenas seus conteúdos e a forma como podem ser aplicados. Já na

posição externa, o currículo e a teoria que o sustenta são entendidos num contexto

que vai além de conteúdo e forma, considerando questões históricas, sociais,

políticas, econômicas e culturais sob a configuração curricular.

Procura-se entender o currículo como constituído e constituinte de um

contexto mais amplo. Por isso ele não é transcendente, considerando o fato de não

estar acima das idéias e dos conhecimentos ordinários; ele também não é

atemporal, pois está vinculado a determinados momentos históricos e às mudanças

que ocorrem na sociedade. Ao mesmo tempo não se pode desvincular do contexto

mais restrito, ao nível das práticas curriculares que acontecem no âmbito escolar. O

currículo reflete a mediação desses dois contextos (amplo e restrito), onde à medida

que interferem no currículo, também sofrem interferências do mesmo.

Nereide Saviani (2003), destaca os seguintes sentidos de currículo: (a) como

controle do processo pedagógico, (b) como o estabelecimento de prioridades

segundo as finalidades da educação e de acordo com os interesses dos atores a

que se destina, e (c) como ordenação, seqüenciação e dosagem dos conteúdos de

ensino.

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Cada sentido que o currículo assume parte de sua relação com o contexto

no qual está envolvido. Para Sacristán (2000), o currículo pode ser analisado a partir

de vários âmbitos formalmente diferenciados: social, projeto educativo, campo

prático e atividade acadêmica.

No âmbito ou contexto social, o currículo é considerado como a ponte entre

a sociedade e a escola. Os currículos são a articulação entre escola e cultura.

Portanto, a escola não só reproduz, como também produz a cultura e a sociedade

em que se situa.

O currículo como projeto ou plano educativo é a expressão formal e material

das orientações para a prática pedagógica, que deve conter, sob determinado

modelo, seus conteúdos, suas orientações e seqüências pedagógicas para que seja

efetivado. O currículo desta forma está explicitado, por exemplo, nos projetos

político-pedagógicos, nos diversos planejamentos de ensino, assim como nos

‘referenciais curriculares’.

O currículo concebido como campo prático é o local de interações onde

ocorrem as relações entre professor/aluno, aluno/aluno, escola/aluno,

proporcionando o diálogo entre estes agentes sociais que vivem o currículo.

Por fim, o currículo pode assumir o significado de uma área de estudo e

produção do conhecimento, sendo concebido como um tipo de atividade acadêmica

de investigação científica. Há a formação de especialistas, de disciplinas e

departamentos nas universidades, assim como a institucionalização de programas

de pós-graduação6 e setores especializados sobre currículo em nível estatal7.

Segundo Moreira (2002), podemos aglutinar os conceitos e significados do

currículo nas seguintes dimensões: Currículo Formal ou Oficial, Currículo Real ou

em Ação, e Currículo Oculto ou Implícito.

6 Entre eles: Núcleo de Estudos do Currículo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Cotidiano Escolar e Currículo e Currículo: sujeitos, conhecimento e cultura da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); Escola, Identidades e Culturas da Universidade Católica de Petropólis; para consultar outros grupos ver: http://www.cnpq.br/gpesq/apresentacao.htm. 7 Como por exemplo: O Ministério da Educação como provedor dos PCNs; a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação; gestores das DCNs para o Ensino Fundamental; assim como também as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação.

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O Currículo Formal ou Oficial é o ‘currículo como fato’8. Está materializado

em planos, programas e propostas de ensino que devem expressar definições e

referências para que o trabalho pedagógico aconteça. É o produto de um trabalho de

seleção e de re-organização do conhecimento no interior da cultura acumulada. O

currículo formal é uma produção real; é uma construção cultural feita por pessoas

que formam opiniões e que se baseiam também na realidade. Ele é um processo de

construção coletiva, sendo o resultado de negação e de aceitação de determinados

conhecimentos, onde “nos proporciona um testemunho, uma fonte documental, um

mapa do terreno sujeito a modificações; constitui também um dos melhores roteiros

oficiais para a estrutura institucionalizada da escolarização” (GOODSON, 2002, p.

21).

O Currículo Real ou em Ação é o ‘currículo de fato’ ou o ‘currículo como

prática’. É o que de fato acontece nas escolas e nas salas de aula. É a ação

docente, assim como também o processo de ensino-aprendizagem.

Já o Currículo Oculto ou Implícito é o conjunto de saberes ensinados na

escola sem estarem explicitados nos planos, programas e propostas de ensino. É

tido como aquilo que é ensinado e aprendido sem estar explicitamente

documentado. “É constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que,

sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para

aprendizagens sociais relevantes” (SILVA, 2003a, p. 79). É implícito, pois tem a ver

com normas, com valores, com comportamentos, com papéis sociais e com gênero,

por exemplo. O Currículo Oculto abre caminhos para estudos de valores,

hierarquias, ideologia e política dentro da escola, trabalhando com as noções e com

os conhecimentos prévios que os alunos trazem e “auxiliando a compreender o

papel do currículo na produção de determinados tipos de personalidade” (MOREIRA;

SILVA, 2000, p. 31).

Contudo, chamamos a atenção para o fato de que essas três formas de

conceber o currículo não são totalmente distintas uma das outras. O Currículo

Formal não é necessariamente o currículo que é aprendido pelo aluno, pois o que se

planeja para a prática pedagógica, na maioria das vezes, não é o que acontece

(GOODSON, 2002). Assim como também, o Currículo Formal vem de experiências

8 As nomeações de ‘currículo como fato’ e ‘currículo de fato’ são termos utilizados por Young e Whitty (1977) e podem ser encontrados também em Goodson (2002).

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do que dá ou não certo no Currículo Real, onde estas experiências trazem a marca

também do Currículo Oculto.

Dessa maneira, devemos procurar estudar e entender o currículo como um

conceito multifacetado (GOODSON, 2002), sendo uma instância mediadora e

mediada por vários fatores, pois

O currículo faz parte na realidade, de múltiplos tipos de práticas que não podem reduzir-se unicamente à prática pedagógica de ensino; ações que são de ordem política, administrativa, de supervisão, de produção de meios, de criação intelectual, de avaliação, etc., e que enquanto são subsistemas em parte autônomos e em parte independentes, geram forças diversas que incidem na ação pedagógica. Todos esses usos geram mecanismos de decisão, tradições, crenças, conceitualizações, etc. que, de uma forma mais ou menos coerente, vão penetrando nos usos pedagógicos [...]. (SACRISTÀN, 2000, p. 22).

Foi preciso até o momento abordar o currículo em seus conceitos e

significados, para que se possa ter clareza do imenso campo e da gama de

possibilidades a que o estudo do currículo remete. Porém, conceituar e buscar os

sentidos e as idéias sobre o currículo não demonstra, precisamente, o que ele é,

“[...] uma definição nos revela o que uma determinada teoria pensa o que o currículo

é” (SILVA, 2003a, p. 14). É imprescindível, portanto, saber como as diferentes

teorias concebem e tratam o currículo.

2.2.2. As Teorias do Currículo

Os interesses de estudo e pesquisa sobre currículo foram desencadeados

mais sistematicamente nos anos 20, nos Estados Unidos (EUA). Foi um momento

histórico caracterizado pelo incremento do processo de industrialização e dos

movimentos migratórios. Neste contexto, o aumento de estudantes provocou, em

grande parte, uma forte demanda e pressões sociais em prol da massificação da

escolarização, tornando a escola “[...] uma forma institucional para resolver os

problemas de administração social e de educação, produzidos por [estas] múltiplas

transformações [...]” (POPKEWITZ, 1993, p. 187).

Foi preciso então, ajustar as escolas à nova ordem, às novas necessidades

da economia e do mercado de trabalho, de modo a formar os recursos humanos

necessários a esta nova demanda política, econômica e social. A partir deste novo

cenário, o currículo passou a ser concebido, analisado ou criticado como um

instrumento de controle social, com a “especificação precisa de objetivos,

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procedimentos e métodos para a obtenção de resultados que possam ser

precisamente mensurados” (SILVA, 2003a, p. 12).

Somente no final dos anos 60 é que este modelo de currículo passou a ser

sistematicamente contestado. Surgem novas abordagens críticas em superação aos

estudos de caráter técnico-prescritivo, cujas características explicitaremos mais

adiante. A partir deste momento o currículo preocupa-se com o conhecimento

escolar como forma de entender as relações entre:

[...] a estratificação do conhecimento e a estratificação social, os pressupostos subjacentes aos processos de seleção e de organização do conhecimento escolar, bem como as relações entre as formas de organização do currículo e do ensino e as formas dominantes de poder e de controle social presentes na sociedade. (MOREIRA, 2002, p. 14).

A partir dos anos 70 as abordagens sociológicas e críticas ganham força

simultaneamente nos EUA e na Europa. É neste momento que as críticas ganham

consistência como resultado da movimentada década de 609. Nesse contexto surge

nos EUA o Movimento de Reconceptualização do Currículo. Na Europa o movimento

é tido como Nova Sociologia da Educação.

Esta nova tendência teórica – A Nova Sociologia da Educação – surge na

Inglaterra, e diferentemente dos EUA, seus fundamentos partiram da sociologia.

Buscavam uma nova sociologia do conhecimento que consistia em “destacar o

caráter socialmente construído das formas de consciência e de conhecimento, bem

como suas estreitas relações com estruturas sociais, institucionais e econômicas”

(SILVA, 2003a, p. 66).

A Nova Sociologia da Educação está preocupada com as conexões entre a

seleção, a organização e a distribuição do conhecimento escolar e com os princípios

de distribuição dos recursos financeiros e sociais. Seu foco está nas relações entre

currículo e poder; mais precisamente, entre a organização do conhecimento e a

distribuição do poder. Foi a primeira corrente da sociologia que focou seus estudos

no campo do currículo, gerando, conseqüentemente, a Sociologia do Currículo.

9 A década de 60 foi um momento de grandes agitações e transformações sociais, como relata Silva (2003a, p. 29): “Os movimentos de independência das antigas colônias européias; os protestos estudantis na França e em vários outros países; a continuação do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos; os protestos contra a guerra do Vietnã; os movimentos de contracultura; o movimento feminista; a liberação sexual; as lutas contra a ditadura militar no Brasil: são apenas alguns dos importantes movimentos sociais e culturais que caracterizaram os anos 60”. É neste contexto, e não por coincidência, que surgem as novas teorizações sobre currículo.

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Já nos Estados Unidos, os Reconceitualistas, fundamentados na filosofia

marxista, preocupavam-se com a investigação das relações do currículo com a

estrutura social, a cultura, o poder, a ideologia e com o controle social. Entretanto, o

maior foco de análise consistia em desvelar ‘a favor de quem’ o currículo é político e

pedagogicamente tratado e como organizá-lo e desenvolvê-lo a favor das classes e

grupos oprimidos. Desta forma, discute-se o que contribui no currículo para a

reprodução de desigualdades sociais, identificando e valorizando as contradições e

as resistências presentes neste processo (MOREIRA; SILVA, 2000).

Este panorama configura a existência de correntes teóricas sobre o currículo

que, didaticamente, apresentaremos a seguir em três grupos: (a) Teorias

Tradicionais ou Conservadoras de Currículo; (b) Teorias Críticas ou

Transformadoras do Currículo e (c) Teorias Pós-críticas ou Pós-Modernas do

Currículo.

2.2.2.1. As Teorias Tradicionais do Currículo

As Teorias Curriculares Tradicionais ou Conservadoras concebem o

currículo como “um corpo de conhecimentos predeterminados e organizados

hierarquicamente, resultantes de um suposto consenso cultural” (SAVIANI, N., 2003,

p. 50). Demonstram assim uma concepção conservadora de cultura, sendo a cultura

concebida como algo estável, herdado e, portanto, imutável. O currículo é tido então

como uma organização de transmissão dessa cultura incontestada e

desinteressada, concebido como um meio neutro de transmissão de conhecimento.

Nesta perspectiva, o currículo foi rotulado de tecnicista, por ressaltar as dimensões

instrumentais, utilitárias e econômicas da educação10.

O currículo configura-se a partir de um enfoque técnico, voltado para

questões de procedimentos e métodos. Ordem, racionalidade, eficácia e eficiência

são palavras que caracterizam esta teoria, com ênfase e valorização no

planejamento, na implementação e no controle dos currículos.

10

Dentre as fontes estudadas para a construção deste referencial teórico, apenas uma - SILVA, 2003b - faz a separação entre Teoria Curricular Tradicional e Teoria Curricular Técnica. Contudo, destaca que esta última se assemelha à primeira, sendo assim comumente usada no meio acadêmico. Portanto, abordamos ambas como similares.

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A questão ‘o que ensinar’ já está postulada; resta apenas, segundo esta

vertente teórica, a preocupação em ‘como organizar’ o conteúdo de ensino, de

maneira a discutir apenas as melhores e mais eficientes formas de organizar e

transmitir o conhecimento postulado.

A partir dos anos 70, as Teorias Tradicionais do Currículo passaram a ser

muito criticadas devido a sua abordagem tecnicista, que tende a simplificar o

currículo a uma lógica técnico-operacional, não explicando ou não dando a devida

consideração à realidade dos fenômenos curriculares. Sendo assim, dificilmente

poderá contribuir para mudá-los, porque ignoram que o valor real do mesmo

depende dos contextos nos quais se desenvolve e ganha significado (SACRISTÀN,

2000).

Neste cenário de críticas, inquietação e renovação é que surgem as Teorias

Críticas do Currículo, advindas da Nova Sociologia da Educação e do Movimento de

Reconceptualização destacados anteriormente.

2.2.2.2. As Teorias Críticas ou Transformadoras do Currículo

As Teorias Críticas vêm contestar a teorização do currículo iniciada nos anos

20. Fundamentam-se em pressupostos e princípios do neomarxismo,

essencialmente aqueles desenvolvidos por intelectuais da Escola de Frankfurt11.

Buscam na sociologia, na economia, na política, na teoria cultural e na história,

bases para suas críticas.

Questionam o conhecimento corporificado no currículo e argumentam que

nenhuma teoria é neutra, imparcial e desprovida de interesses. Preocupam-se em

perguntar, analisar e criticar o conhecimento, considerando o contexto social e

histórico, hegemonicamente condicionados aos interesses da dinâmica política,

econômica, social e cultural identificada com o modo de produção capitalista.

São questionamentos da Teoria Crítica do Currículo: que conhecimentos são

negados ou abordados na escola? Quais são os interesses e relações de poder que

fazem com que determinado conhecimento, e não outro seja privilegiado no

11 Para fazer crítica à escola e ao currículo, as análises marxistas contemporâneas (neomarxismo), como as da Escola de Frankfurt, “enfatizavam o papel das estruturas econômicas e políticas na reprodução cultural e social através da educação e do currículo”, dando ênfase às estruturas como ideologia, capitalismo e dominação de classe (SILVA, 2003a, p. 38).

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currículo? Por que alguns conhecimentos são considerados mais válidos que

outros? Por que os conhecimentos são abordados sob uma lógica analítica em

detrimento de outras? Esta vertente teórica desconfia do ‘o que ensinar’, e tem como

questão principal ‘o porquê’ ensinar este conhecimento em detrimento de outro

(SILVA, 2003a).

Diferentemente das Teorias Tradicionais que se concentram em questões

técnicas, as Teorias Críticas dão ênfase nas relações entre ideologia, cultura e

poder. Quando se argumenta o porquê de ensinar este ou aquele conhecimento,

busca-se entender a relação entre o saber e o poder, pois é principalmente ‘pela’ e

‘na’ relação de poder que se define o conhecimento.

As Teorias Críticas consideram que o currículo não é composto apenas dos

conhecimentos válidos, mas sim dos conhecimentos considerados como

socialmente válidos, pois entendem as relações entre as formas de organização do

currículo e do ensino, relacionadas com as formas dominantes de poder e de

controle social. O currículo passa então a ser concebido, segundo Moreira e Silva

(2000), como uma área contestada, vista como passível de mudanças e

transformações. É entendido como um mecanismo essencial de constituição de

identidades individuais e sociais, atravessadas por relações de poder.

A contribuição dos conhecimentos advindos da Teorização Crítica do

Currículo serviu como ponto de cisão ao entendimento tradicional de currículo pelos

conceitos técnicos de ensino e eficiência, das categorias psicológicas de

aprendizagem e desenvolvimento, e do entendimento estático de grade curricular ou

listagem de conteúdos (SILVA, 2003a). O currículo na Teorização Crítica é

decisivamente entendido como espaço de poder e de construção social.

Porém, estudos mais recentes, suspeitam desta perspectiva de Teorização

Curricular Crítica que trata o currículo como espaço de poder e construção social

pautado nos conceitos de Ideologia e Classe Social. Estes estudos mais recentes,

que seguem no próximo tópico, são denominados de Teorias Pós-Críticas ou Pós-

Modernas do Currículo, onde “ampliam e, ao mesmo tempo, modificam aquilo que

as teorias críticas nos ensinaram” (SILVA, 2003a, p.148), pois consideram outras

dimensões como o papel da linguagem e do discurso enquanto constituintes do

currículo, assim como complementam o entendimento dos processos de dominação,

da concepção de identidade cultural e social focados na raça, etnia, gênero e

sexualidade.

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2.2.2.3. As Teorias Pós-críticas ou Pós-Modernas do Currículo

Os estudos mais recentes sobre currículo desenvolvidos nas décadas de 80

e 90 sofrem as influências teóricas de elementos e categorias do pensamento Pós-

moderno e dos Estudos Culturais12 – sendo então conhecidos como Teorias Pós-

críticas ou Pós-Modernas do Currículo.

Segundo Silva (2003a), o Pós-modernismo é um movimento intelectual que

anuncia que estamos vivendo uma nova época, a Pós-modernidade, radicalmente

diferente da anterior, a Modernidade. Giroux (1993, p.46) argumenta que o Pós-

modernismo é “uma mudança de direção a um conjunto de condições sociais que

estão reconstituindo os mapas social, cultural e geográfico do mundo e produzindo,

ao mesmo tempo, novas formas de crítica cultural”.

De acordo com Moreira (2002, p. 15), no Pós-Modernismo

analisam-se as questões de significado, identidade e política sob novo prisma; acentua-se o caráter socialmente construído da linguagem; passa-se a interpretar os objetos culturais como textos. Dentre tais objetos inclui-se o currículo, passível de ser concebido e interpretado como um todo significativo, como um texto, como um instrumento privilegiado de construção de identidades e subjetividades. (grifo do autor).

As Teorias Pós-Críticas podem ser consideradas como um desdobramento

das Teorias Críticas. Em alguns pontos elas compartilham, por exemplo, das

análises relacionadas às questões de poder, além de considerar as conexões entre

significação e identidade envolvidas no processo de formação da seleção e

organização do conhecimento, pelo qual nós nos tornamos o que somos.

No entanto, as Teorias Pós-Críticas baseiam-se em formas textuais ou

discursivas de análise, dando ênfase aos ‘conceitos de discurso’ em vez do ‘conceito

de ideologia’, este abordado pelas Teorias Críticas (SILVA, 2003a). 12 Os Estudos Culturais são um campo de pesquisa e uma tendência metodológica interdisciplinar para estudos na área da cultura. Surgiram com a preocupação de questionar a cultura dominante, que era um privilegio de determinado grupo de pessoas, portanto dessa maneira era incompatível a relação cultura e democracia. “Concebem a cultura como campo de produção de significados no qual diferentes grupos sociais, situados em posições diferenciais de poder, lutam pela imposição de seus significados à sociedade mais ampla” (SILVA, 2003a, p. 133-134). Os Estudos Culturais estão preocupados com questões que se situam entre cultura, significação, identidade e poder, abordando as mais diferentes temáticas como, gênero e sexualidade, identidades nacionais, pós-colonialismo, etnia, cultura popular e seus públicos, políticas de identidade, práticas político-estéticas, discurso e textualidade, pós-modernidade, multiculturalismo e globalização, entre outros. Vale a pena aprofundar a temática e sua relação com o currículo em Silva 2003a e 2003c.

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A diferenciação entre a Teoria Crítica e a Teoria Pós-Crítica do Currículo

está nas formas de compreender o conhecimento e a linguagem13.

Na Teorização Crítica o conhecimento e a linguagem são tidos como

representação e reflexo da realidade social, enquanto que as Teorias Pós-críticas

desconfiam dessas concepções, colocando em questão o papel das grandes

narrativas e do entendimento de razão e racionalidade. A linguagem e o discurso

ganham centralidade na composição da sociedade14 (SILVA, 2003a).

O currículo para as Teorias Pós-Críticas ou Pós-Modernas é concebido

como prática cultural ou como prática de significação. Portanto, para esta vertente

teórica, o currículo deve ser analisado como um discurso e visto como uma prática

discursiva e produtiva, pois é considerado como um objeto cultural, socialmente

construído pela linguagem (SILVA, 2003b). Os debates do currículo englobam

questões de classe, raça, gênero, ideologia, individualismo, ecologia e teologia,

entre outros.

As Teorias Pós-Críticas do Currículo questionam determinados

pressupostos das Teorias-Críticas, como vimos acima. Porém, como explica Silva

(2003a, p.147):

Sendo “Pós”, ela não é, entretanto, simplesmente superação. [...] A teoria pós-crítica deve se combinar com a teoria crítica para nos ajudar a compreender os processos pelos quais, através de relações de poder e controle, nos tornamos aquilo que somos. Ambas nos ensinaram, de diferentes formas, que o currículo é uma questão de saber, identidade e poder. (grifo do autor).

Mais uma vez, evidencia-se o quanto é abrangente a área de estudos sobre

currículo. Entendemos que não é possível tratar de currículo sem construí-lo e/ou

examina-lo à luz das questões culturais, de poder, de identidade e de ideologia.

Estes são os condicionantes sociológicos que afetam a construção do currículo.

Assim concebendo, vamos abordar estas questões de modo a entender como esses

13“A linguagem [...] não se refere apenas a palavras e afirmações. As regras e padrões pelos quais a fala é construída são produzidos em instituições sociais, enquanto as práticas sociais moldam e modelam aquilo que é considerado verdadeiro e falso. Nos sistemas de linguagem estão embutidos valores, prioridades e disposições que são elementos ativos na construção do mundo” (POPKEWITZ, 1993, p. 195). 14 São características da literatura pós-moderna: “(a) o abandono das grandes narrativas; (b) a descrença em uma consciência unitária, homogênea, centrada; (c) a rejeição da idéia de utopia; (d) a preocupação com a linguagem e com a subjetividade; (e) a visão de que todo discurso está saturado de poder; e (f) a celebração da diferença” (Moreira, 2002, p. 10). Essas características começam a surgir nos textos de currículo das Teorias Pós-Críticas.

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27

fatores, de forma cíclica, afetam a seleção e a organização do conhecimento

escolar.

2.2.3. Cultura, Poder, Identidade e Ideologia: os condicionantes sociológicos do currículo e sua relação com o conhecimento

Parece ser consensual o fato da educação escolar ter como finalidade a

formação cultural e, portanto, a transmissão sistematizada da cultura. Segundo

Forquin (1993, p.14), “uma não pode ser pensada sem a outra e toda reflexão sobre

uma desemboca imediatamente na consideração da outra”. No entanto, não se pode

falar numa cultura universal. Sendo assim, a educação não transmite a cultura, ou

uma cultura – ela transmite algo da cultura.

Essa transmissão sistematizada da cultura seria o conteúdo da educação e

a função da escola, sendo essencialmente a transmissão de “[...] um patrimônio de

conhecimentos e competências, de instituições e valores e de símbolos, constituído

ao longo de gerações e característico de uma comunidade humana particular [...]”

(Ibidem, p. 12).

A educação, de uma forma geral, e a educação escolar, em particular, fazem

uma seleção e uma reelaboração dos conteúdos da cultura. É pelo currículo que a

escola transmite o conhecimento advindo desta seleção cultural e que deve ser

aprendido – afinal, é na cultura e pela cultura que os conhecimentos são produzidos,

transmitidos e também reformulados.

Pois bem, tratar de currículo é também tratar de cultura15. De acordo com

Forquin (1993, p. 10):

Incontestavelmente, existe, entre a educação e a cultura, uma relação íntima, orgânica. Quer se tome a palavra ‘educação’ no sentido amplo, de formação e socialização do indivíduo, quer se restrinja unicamente ao domínio escolar, é necessário reconhecer que, se toda a educação é sempre educação de alguém por alguém, ela supõe sempre também, necessariamente, a comunicação, a transmissão, a aquisição de alguma coisa: conhecimentos, competências, crenças, hábitos, valores, que constituem o que se chama precisamente de ‘conteúdo’ da educação. (grifo do autor).

15 O propósito não é desenvolver uma discussão sobre o conceito de cultura; discussão esta que é o objeto central de vários debates no meio acadêmico, até por ser um tema que extrapola as questões específicas do campo educacional, onde várias áreas buscam entender o mundo a partir da cultura. Vamos centrar nossas análises na relação da cultura com o conhecimento escolar.

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Assim sendo, o ‘o que ensinar’ remete à critérios de seleção. Os tipos

diversos de propostas de ensino, entre elas os ‘referenciais curriculares’, são

sempre o produto de uma seleção: escolhem-se os saberes, os conhecimentos de

um universo mais amplo – a cultura – e, então, seleciona-se aqueles que vão

compor, precisamente, o currículo.

Como resultado desse processo de seleção, a escola tende a trabalhar

apenas com uma parcela, técnica e/ou ideologicamente, arbitrada das experiências

desenvolvidas e acumuladas pela humanidade. De certa forma, o conjunto de

conteúdos selecionados é parte constituinte de uma versão autorizada pelos grupos

hegemônicos e julgada como legítima da cultura. Com isso, excluem-se a(s)

cultura(s) de outros grupos sociais (SANTOS; LOPES, 2002). As culturas que são

excluídas desse processo de seleção tendem a ser substituídas ou re-significadas

pela cultura hegemônica.

Isso nos leva a refletir sobre o conhecimento que estamos recebendo e para

que serve este conhecimento. No contexto desta pesquisa, caberia indagar sobre

qual é o conhecimento que deve ser ensinado na Educação Física na escola? Com

que finalidade devem ser tratados os conteúdos de ensino da Educação Física? A

partir de qual perspectiva teórico-metodológica devem ser ensinados os conteúdos

de ensino da Educação Física?

A questão sobre ‘o que ensinar na Educação Física na escola’ remete a uma

série de propostas de ensino que, em função de diferentes contextos históricos e

demandas socioculturais, privilegiaram determinados conteúdos de ensino, bem

como os sentidos e as intencionalidades a eles atribuídos. Este conhecimento está

difundido num amplo debate e em produções acadêmicas da área, assim como está

explicito nos documentos oficiais, a exemplo dos ‘referenciais curriculares’.

É nesses documentos que se explicitam e se travam as relações de poder,

onde se faz a indicação dos conteúdos selecionados a partir de determinados

critérios teóricos, técnicos e/ou ideológicos para serem ensinados. Por isso é tão

importante analisar e discutir os ‘referenciais curriculares’, que são ou deveriam ser

um processo de construção coletiva, onde nesse processo incluem e excluem

determinados conhecimentos. Sendo um tipo de currículo formal, os ‘referenciais

curriculares’ são, portanto, um projeto de mediações, e no quadro de mediações,

incorporam-se as discussões.

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O grau e o tipo do saber que os indivíduos alcançam nas instituições

escolares, admitido e legitimado por elas, “têm conseqüências no nível de seu

desenvolvimento pessoal, em suas relações sociais e, mais concretamente no status

que esse indivíduo possa conseguir dentro da estrutura profissional de seu contexto”

(SACRISTÀN, 2000, p. 20).

Sendo assim, é o conhecimento que possibilita ou não a participação dos

sujeitos sociais nos processos culturais e econômicos da sociedade. O

conhecimento escolar, como qualquer outro conhecimento, é imbricado pela cultura,

significando a legitimação de verdades sociais e historicamente construídas. A

escola é a instituição social responsável legal e politicamente encarregada de

promover a cultura letrada, específica e regulada pelo Estado como um valor

universal.

O tipo de conhecimento considerado importante para ser ensinado é

delimitado também a partir de descrições sobre o perfil de indivíduo desejável para

um determinado tipo de sociedade. Questiona-se, portanto, para quem ensinar

determinado conhecimento? Que outros conhecimentos serão negados?

Para cada ‘perfil’ de indivíduo – racional, otimizador, competitivo, crítico –

corresponderá um conjunto de conhecimentos, determinadas formas de tratá-lo

pedagogicamente e um tipo de currículo. “Afinal, um currículo busca precisamente

modificar as pessoas que vão ‘seguir’ aquele currículo. Essa modificação vai se dar

por meio da aquisição do conhecimento” (SILVA, 2003a, p.15).

Então ‘o tipo de pessoa a ser formada’, estabelece ‘o que ensinar’ e ‘o como

ensinar’ para tal fim. Fazendo uma analogia com a Educação Física somos levados

a refletir sobre que perfil de pessoa/aluno pretendemos formar com a Educação

Física na escola: Um atleta? Um aluno saudável? Um aluno que se torne crítico e

culturalmente emancipado em relação à cultura das práticas corporais? Então, que

tipo de conhecimento devemos eleger para ensinar este aluno? Ao selecionar as

manifestações e expressões corporais típicas do esporte, da dança, da ginástica ou

do jogo, não estaríamos privilegiando alguns conteúdos de ensino em detrimento de

outros? Portanto, fica a questão sobre a partir de quais premissas são selecionados

e organizados os conhecimentos de ensino-aprendizagem nos 'referenciais

curriculares' para a Educação Física na escola.

Desta maneira, o currículo não pode ser visto simplesmente como um

espaço de transmissão de conhecimentos. “O currículo está centralmente envolvido

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naquilo que somos, naquilo que nos tornamos, naquilo que nos tornaremos. O

currículo produz. O currículo nos produz” (SILVA, 2003b, p. 27). Portanto, o currículo

forma identidades.

As identidades só são definidas devido ao processo de produção da

diferença, processo este que é fundamentalmente cultural e social (SILVA, 2003b).

Por estar inserido na cultura, o currículo deve respeitar as diferenças, deve se

constituir dessas diferenças, dessas identidades.

Atrelada à questão da seleção do conhecimento e do poder que circunda

nesta relação, está a noção de ideologia16. Quando se define que conhecimento

ensinar, nesse processo é julgado qual o conhecimento vale mais do que um outro,

com o propósito de definir determinada proposta de ensino. Essa definição é

imbuída de valores, crenças e tradições, ou seja, de ideologia.

Concluindo nossa discussão sobre os condicionantes sociológicos, Apple

(1999, p. 104) explicita que a relação entre Estado, política, conhecimento e cultura

configura-se no currículo da seguinte maneira:

[...] O conteúdo do currículo e o processo de tomada de decisões que o cerca não podem ser simplesmente resultados de um ato de dominação. O “capital cultural” declarado como conhecimento oficial, é, então um conhecimento comprometido, conhecimento que passa por um conjunto complexo de filtros e decisões políticas antes de ser declarado legítimo. Isso afeta o conhecimento que é selecionado e como este se apresenta, à medida que é transformado para ser ensinado aos alunos [...]. Deste modo, o Estado age como agente recontextualizador [...] no processo de controle simbólico, uma vez que estabelece acordos que permitem a criação do ‘conhecimento de todos’. (grifo do autor).

O conhecimento oficial é o conhecimento declarado nos diversos

documentos públicos e é resultante das relações de poder numa dada sociedade e

num dado momento histórico. Passa a ser considerado como ‘capital cultural’

quando adquire prestígio e valor social, sendo assim um conhecimento dominante,

que pode ser consumido, vendido, trocado e reproduzido.

16 A noção de ideologia abordada aqui se refere à explicitada por Moreira e Silva (2000, p. 23): “A ideologia [...] está relacionada às divisões que organizam a sociedade e às relações de poder que sustentam essas divisões. O que caracteriza a ideologia não é a falsidade ou verdade das idéias que veicula, mas o fato de que essas idéias são interessadas, transmitem uma visão do mundo social vinculada aos interesses dos grupos situados em uma posição de vantagem na organização social. A ideologia é essencial na luta desses grupos pela manutenção das vantagens que lhes advêm dessa posição privilegiada. É muito menos importante saber se as idéias envolvidas na ideologia são falsas ou verdadeiras e muito mais importante saber que vantagens relativas e que relações de poder elas justificam ou legitimam”.

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Para que esse conhecimento torne-se de valor, ele deve admitir sentidos e

significados que advém do domínio simbólico, apresentados como o resultado da

seleção do que deve ser de melhor ensinado e apreendido por todos componentes

de determinado contexto social. Não se declara nos documentos oficiais os

conhecimentos que não foram selecionados, nem o motivo desta negação; eles são

apenas excluídos, renegados, assim como a cultura e os sujeitos para o qual esse

conhecimento pertence e é produzido.

O currículo não é apenas uma grade de disciplinas ou algo que norteia os

procedimentos educacionais. Ele é educação. Educação é política. Política implica

em relações de poder. É pela relação de poder que os diferentes grupos, com

diferentes valores, interesses, visões políticas, econômicas e culturais tentam definir

os meios e os fins para a construção da sociedade que almejam. Os currículos são o

resultado dessas negociações, conflitos e tentativas de construção e reconstrução

do controle, no qual o conhecimento é discutido, selecionado e institucionalizado.

Instâncias como o Estado, a sociedade, a educação e a economia, norteiam

de forma cíclica, a construção e a aplicação dos currículos nas instituições

educacionais. Assim, a partir do momento que uma dessas instâncias sofre

modificações, o currículo nas instituições é atingido.

Uma das formas de percebermos as modificações nas instâncias do Estado,

da sociedade, da educação e da economia em face aos condicionantes sociológicos

(o poder, a cultura, a identidade e a ideologia) que, conseqüentemente, interferem

no currículo, é pelas normatizações e concepções educacionais. Portanto, a partir de

agora, vamos destacar na segunda parte deste Capítulo, a trajetória política das leis

e diretrizes que devem nortear a construção dos ‘referenciais curriculares’ para a

educação de forma geral e, mais especificamente, para a Educação Física na

escola; como também as concepções de educação e de Educação Física que

nortearam essa construção.

2.3. As Normatizações e Concepções Educacionais e suas Implicações na Educação Física

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As políticas sociais, as políticas públicas, as políticas educacionais e as

políticas curriculares, em diferentes instâncias, compõem a organização das

normatizações educacionais. São leis, decretos, resoluções e pareceres que

expressam determinada concepção de Estado17 e, conseqüentemente, determinado

projeto político e cultural para a sociedade.

As políticas sociais dizem respeito à interferência do Estado nas diversas

instâncias sociais como a educação, a saúde, a previdência, a habitação, o

saneamento, a segurança, entre outras. As políticas públicas são de

responsabilidade do Estado, cujo propósito é implantar ações através de projetos e

programas aplicados pelo governo e voltados para setores específicos da

sociedade, como por exemplo, a educação (HÖLFING, 2001). As políticas

educacionais têm por finalidade a orientação da organização e re-organização dos

sistemas de ensino e das práticas educativas.

Sacristán (2000, p. 109), conceitua política curricular como:

[...] um aspecto específico da política educativa, que estabelece a forma de selecionar, ordenar e mudar o currículo dentro do sistema educativo, tornando claro o poder e a autonomia que diferentes agentes têm sobre ele, intervindo, dessa forma, na distribuição do conhecimento dentro do sistema escolar e incidindo na prática educativa [...].

A política curricular é uma especificidade da política educacional, sendo “a

expressão de uma legitimidade e de um poder relacionados com tomadas de

decisões sobre seleção, organização e avaliação de conteúdos de aprendizagem,

[...]” levando em consideração o papel desempenhado por cada representante

educativo na construção do projeto formativo do aluno (PACHECO, 2000, p.140).

A década de 90 é palco de mudanças do cenário sócio-econômico mundial,

advindas do processo de globalização e das transformações no mundo do trabalho.

É neste contexto que ganha força a necessidade de reordenação do sistema

educacional, com destacada ênfase na revisão e fortalecimento das políticas

curriculares. Como indicadores deste cenário, podemos mencionar a divulgação dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em 1996, sendo sua versão final

17 Faz-se importante ressaltar a diferença entre Estado e Governo, onde em conformidade com Hölfing (2001, p. 31) “é possível se considerar o Estado como o conjunto de instituições permanentes – como órgãos legislativos, tribunais, exército [...] – que possibilitam a ação do governo; e Governo, como o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período”.

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disponibilizada em 1997. Em 1996 também é promulgada a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/96). Em 1998 são aprovadas as

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e

o Ensino Médio.

Todos estes documentos legais, entre inúmeros outros, constituem uma

possibilidade de respostas decorrentes do Artigo 210 da Constituição Federal (CF),

promulgada em 1988, que determina a garantia de uma formação básica comum ao

Ensino Fundamental, a partir do estabelecimento de conteúdos mínimos. Por meio

dos Artigos 215, 225, 242, a Constituição Federal orienta direta ou indiretamente as

possibilidades para a fixação dos

conteúdos mínimos para o ensino fundamental dentro dos princípios de igualdade e de diversidade, com vistas a assegurar uma formação básica comum e a coexistência de registros culturais diferenciados, em qualquer proposta curricular e nos diferentes níveis de governo e nas unidades escolares. (BONAMINO; MARTÍNEZ, 2002, p.370).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB no 9.394/96), por

sua vez, estabelece as orientações e os princípios para o sistema educacional

brasileiro, buscando operacionalizar tal direito constitucional e assegurando em seu

Artigo 9, § 1o e 4o, a incumbência da União de “elaborar o Plano Nacional de

Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios” a fim

de estabelecer as “competências e as diretrizes para a educação infantil, o ensino

fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos

mínimos, de modo a assegurar formação básica comum” (grifo nosso).

A Constituição Federal, assim como a LDB no 9.394/96, determinam a

existência de diretrizes norteadoras das ‘propostas pedagógicas’18 e de definição

dos conteúdos mínimos que devem ter uma base comum de conhecimentos para

todas as regiões do país, assim como a orientação para uma parte diversificada que

considere as características locais, a diferenciação cultural, os grupos afins, entre

outros aspectos particulares.

No entanto, para orientar a elaboração das referidas ‘propostas

pedagógicas’ desenvolvidas, via de regra, pelas equipes técnicas dos governos

federal, estadual e municipal, o Conselho Nacional de Educação (CNE) – órgão de 18 Estamos usando a expressão ‘proposta pedagógica’ para sermos fiéis a referência feita nas DCNs. No entanto, no contexto desta pesquisa, a expressão ‘propostas pedagógicas’ significa ‘referenciais curriculares’.

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Estado – tem a responsabilidade estatutária de definir, a partir de audiências

públicas, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), implementando a base

nacional comum dos conhecimentos que devem ser organizados e transmitidos em

cada um dos diferentes segmentos da educação básica, bem como das diferentes

modalidades de educação19.

Mais especificamente, nos interessam as Diretrizes Curriculares Nacionais

para o Ensino Fundamental, cujo propósito foi traçar linhas gerais de ações

pedagógicas para nortear este segmento da Educação Básica. A Resolução

CNE/CEB no 2 , de 7 de abril de 1998, define as DCNs como:

O conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos na Educação Básica, expressas pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino, na organização, na articulação, no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas pedagógicas. (BRASILb, 1998, p. 01).

Portanto, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental

propõem um paradigma curricular20 para este segmento de ensino da Educação

Básica, que congrega uma Base Nacional Comum, complementada por uma Parte

Diversificada, que concretizará a elaboração dos ‘referenciais curriculares’ dos entes

federativos, bem como os projetos pedagógicos curriculares de cada unidade

escolar do país.

A Base Nacional Comum diz respeito ao conjunto de conteúdos mínimos

das Áreas de Conhecimento (entre elas a Educação Física), que deve se articular

com os aspectos da Vida Cidadã (saúde, sexualidade, vida familiar e social, meio

ambiente, trabalho, ciência e tecnologia, cultura e diferentes linguagens).

A Parte Diversificada diz respeito aos conteúdos complementares, definidos

por cada sistema de ensino e unidades escolares, onde integrados à Base Nacional

Comum, devem respeitar as características regionais e locais da sociedade, da

cultura, da economia e da clientela fazendo parte do projeto pedagógico curricular

da escola.

19 O CNE foi criado a partir da Lei 9.131/95, e tem como função ser um órgão representativo da sociedade brasileira, tendo dentro do MEC um papel consultivo e deliberativo, competindo ao CNE decidir, por exemplo, as DCNs, após consultas, reflexões e discussões com a participação da sociedade. 20 Quando as DCNs propõem um paradigma curricular, estão se referindo “a uma forma de organizar princípios Éticos, Políticos e Estéticos que fundamentam a articulação entre as Áreas de Conhecimento e aspectos da Vida Cidadã” (BRASILa, 1998, p. 06).

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O documento que constitui as DCNs para o Ensino Fundamental estabelece

sete diretrizes gerais que devem ser respeitadas na elaboração dos ‘referenciais

curriculares’, desenvolvidos pelos entes federativos, e dos projetos pedagógicos

curriculares, desenvolvidos pelas equipes pedagógicas e de docentes das unidades

escolares.

As diretrizes versam sobre: (1) as questões norteadoras para as ações

pedagógicas das escolas, fundamentadas em princípios éticos, políticos e estéticos;

(2) o reconhecimento das diversidades presentes nos alunos, seja em relação ao

gênero, etnia, faixa etária, regionalidade e variação sócio-econômica, a fim de

garantir seus direitos e deveres legais; (3) consideram como processo constituinte

dos atos de aprender e ensinar a relação indissociável entre conhecimentos,

linguagens e afetos, expressada através de múltiplas formas de diálogo; (4) os

alunos devem ter igual direito ao acesso de uma Base Nacional Comum e a uma

Parte Diversificada de conteúdos; (5) os sistemas educacionais e as unidades

escolares têm a responsabilidade de “atualização de conhecimentos e valores,

dentro de uma perspectiva crítica, responsável e contextualizada” (BRASILa, 1998,

p. 11); (6) deve-se utilizar da Parte Diversificada de forma a enriquecer a Base

Nacional Comum, atendendo as especificações de projetos e atividades de

interesses das comunidades locais, respeitando-se assim a autonomia; e por fim, (7)

para que todas as diretrizes sejam realizadas com êxito é necessária a garantia de

condições de funcionamento das estratégias educacionais.

Tais colocações contidas nas DCNs expressam a tentativa de representar as

orientações das práticas educacionais no país, no esforço de organizar um currículo

nacional comum. Deixam clara a flexibilidade na aplicação dos princípios e bases da

LDB (Lei no 9.394/96) afirmando que deve existir uma ação conjunta dos Entes

Federativos (Secretarias e Conselhos Estaduais, do Distrito Federal e Municipais de

Educação), onde os ‘referenciais curriculares’ e os projetos pedagógicos curriculares

devem compartilhar

princípios de responsabilidade, num contexto de flexibilidade teórico/metodológica de ações pedagógicas, em que o planejamento, o desenvolvimento e a avaliação dos processos educacionais revelem a qualidade e respeito à eqüidade de direitos e deveres de alunos e professores. (BRASILa, 1998, p. 03).

Desta maneira, destaca-se a importância da autonomia das unidades

escolares no sentido de assumirem a responsabilidade de “refletir o projeto de

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sociedade local, regional e nacional desejado, a ser definido por cada equipe

docente em colaboração com os usuários e outros membros da sociedade”

(BONAMINO; MARTÍNEZ, 2002, p. 370), devendo-se respeitar as “variedades

curriculares já existentes em Estados e Municípios, ou em processo de elaboração”

(BRASILa, 1998, p. 04).

Afinal, as realidades contextuais e constitutivas das unidades escolares

brasileiras não são iguais; suas condições de funcionamento são diversificadas, seja

por regiões e/ou por classe social, devendo apresentar, portanto, propostas

pedagógicas variadas (CURY, 1996).

Kramer (1997, p. 22) afirma que “uma proposta pedagógica precisa trabalhar

com as contradições e especificidades da realidade brasileira [...], por isso, não se

pode falar de uma proposta, mas, sim, de várias, porque são múltiplas as situações

que o Brasil congrega [...]”. (grifo da autora).

Contudo, deve-se atentar que essa autonomia não deve ser confundida com

uma inesgotável diversidade; é preciso haver uma harmonia onde a unidade

nacional passe pelo enfretamento da diversidade contra a desigualdade (CURY,

1996; KRAMER, 1997). É através desta unidade que são garantidos os direitos de

acesso ao conhecimento produzido na educação e na cultura em geral.

Esta premissa está explicitada nas DCNs quando destacam que:

[...] para elaborar suas propostas pedagógicas, as Escolas devem examinar, para posterior escolha, os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Propostas Curriculares de seus Estados e Municípios, buscando definir com clareza a finalidade de seu trabalho, para a variedade de alunos presentes em suas salas de aula. Tópicos regionais e locais muito enriquecerão suas propostas, incluídos na Parte Diversificada, mas integrando-se à Base Nacional Comum. (BRASILa, 1998, p. 10).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais são instrumentos normativos de

caráter mais específicos dos diversos componentes curriculares. Trata-se de uma

proposta de governo com o intuito de converter em ‘referenciais curriculares’ as

DCNs (que é um instrumento de caráter mais geral), dando ênfase nos componentes

curriculares que compõem a base nacional comum.

A guisa de exemplo, os PCNs são os ‘referenciais curriculares’ propostos

pelo Ministério da Educação (gestão 1994-2002), com o intuito de subsidiar os

projetos pedagógicos curriculares das unidades escolares sob a esfera de influência

do governo federal, o que não impede que os Sistemas Estaduais e Municipais,

envolvendo escolas públicas e privadas, sigam por opção estes documentos para o

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desenvolvimento de seus projetos pedagógicos curriculares e decorrentes

planejamentos de ensino-aprendizagem.

No entanto, cabe ressaltar que ao elaborar e iniciar a divulgação dos PCNs,

o Ministério da Educação na gestão de 1994-2002 propõe um norteamento

educacional à todas as escolas brasileiras. Esta intenção é confirmada por Menezes

e Santos21, quando afirmam que os PCNs não constituem uma imposição de

conteúdos a serem ministrados nas escolas, mas são propostas nas quais as

equipes técnico-pedagógicas das Secretarias de Educação e das unidades

escolares podem se basear para elaborar seus próprios ‘referenciais curriculares’,

projetos pedagógicos curriculares e planejamentos de ensino.

Os PCNs explicitam, portanto, um marco conceitual, o detalhamento dos

conteúdos mínimos22, orientações didático-metodológicas e alguns temas

transversais23 que devem ser desenvolvidos na perspectiva da formação cidadã

concebida. Em seus volumes (Introdução aos Parâmetros, Convívio Social e Ético,

Documentos de Área e Documento de Convívio Social e Ética), não se desconsidera

a iniciativa do governo em buscar ‘nortear’ o ensino e a comunidade escolar,

rompendo com as tradições e apresentando propostas de pretensões inovadoras em

termos de forma e de conteúdo.

Assim como o Sistema Federal de Ensino idealizou e propôs os PCNs, é da

competência de cada unidade da federação e cada município a elaboração e a

implementação de seus próprios ‘referenciais curriculares’ para os diversos

componentes curriculares que compõem a Base Comum Nacional, contemplando

aqueles eleitos para comporem a Parte Diversificada. Portanto, cabe uma análise de

como estão configurados os ‘referenciais curriculares’ propostos pelas Secretarias

de Estado de Educação para a Educação Física na escola. Para tal, vamos tratar na

próxima seção sobre os 'referenciais curriculares', destacando suas características,

21 MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. "PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais)" (verbete). Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, <http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=117>. Acesso em: 27 set. 2006. 22 Os conteúdos mínimos são apresentados em três blocos: Conhecimento sobre o corpo, Esportes, jogos, lutas e ginásticas e Atividades rítmicas e expressivas, devendo ser trabalhados nas dimensões conceitual, atitudinal e procedimental. 23 Os PCNs propõem como temas transversais o trabalho pedagógico versando sobre ética, saúde, meio ambiente, trabalho e consumo, pluralidade cultural e orientação sexual, deixando claro que outros temas podem ser trabalhados de acordos com o contexto da comunidade.

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suas partes constitutivas, assim como o suporte teórico, os marcos conceituais e

metodológicos que os fundamentam.

2.3.1.Os ‘referenciais curriculares’: noções gerais e referências para sua análise

2.3.1.1. Noções gerais dos ‘referenciais curriculares’

No contexto desta pesquisa, os ‘referenciais curriculares’ são documentos

oficiais elaborados pelas equipes técnico-pedagógicas das Secretarias Estaduais e

Municipais de Educação e se caracterizam por reunir as orientações de ordem

teórico-metodológica dos componentes curriculares24. A finalidade dos ‘referenciais

curriculares’, como o próprio nome sugere, é servir de referência para que os

colegiados das unidades escolares possam desenvolver e documentar seus projetos

pedagógicos curriculares, de modo a orientar os planejamentos de ensino-

aprendizagem de cada disciplina escolar.

Os ‘referenciais curriculares’ são a materialização do currículo oficial,

elaborados a partir das correlações de forças, de interesses e de necessidades por

parte do governo e/ou dos grupos de especialistas (especialistas de educação,

professores, pesquisadores, comunidades, etc.) responsáveis por sua idealização e

desenvolvimento. Devem ser construídos e implementados visando, em tese,

atender às necessidades da comunidade escolar, respeitando suas diversidades e

buscando uma unidade pedagógica possível. Eles são pontos mediadores entre as

políticas públicas e a prática pedagógica, pois,

desde sua gênese como macro texto de política curricular até sua transformação em microtexto de sala de aula [...] (guias, diretrizes, livros didáticos), vão ficando registros no currículo os traços das disputas por predomínio cultural, das negociações em torno das representações dos diferentes grupos e das diferentes tradições culturais, das lutas entre, de um lado, saberes oficiais, dominantes e, de outro, saberes subordinados, relegados, desprezados. Essas marcas não deixam esquecer que o currículo é uma relação social. (SILVA, 2003b, p. 22).

Em geral, alguns itens não podem deixar de constar nos ‘referenciais

curriculares’, a saber: a concepção de educação e a função social da escola; a

concepção, a finalidade e os objetivos da Educação Física no contexto da educação

24 Como já mencionamos no início deste estudo, nem todas as equipes de especialistas denominam seus ‘referenciais curriculares’ com este termo.

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escolar, seus conteúdos de ensino-aprendizagem, seus princípios e orientações

metodológicas, e a perspectiva e o objeto de avaliação do ensino-aprendizagem.

Convém, portanto, a seguir, fazer uma sintética exposição sobre as ‘Teorias

da Educação’ e as ‘Concepções Pedagógicas’ a elas relacionadas, assim como

expor as ‘Concepções de Educação Física’ que possam, em alguma medida, estar

servindo de suporte teórico aos marcos conceituais e metodológicos dos ‘referencias

curriculares’ que constituem o objeto da presente pesquisa.

2.3.1.2. Os ‘referenciais curriculares’: referências para sua análise

No cenário geral do pensamento pedagógico da educação brasileira alguns

intelectuais se empenharam na caracterização das teorias e das concepções

pedagógicas veiculadas a partir dos discursos e das práticas de especialistas e/ou

professores que estudam, administram e atuam como docentes na educação

escolar.

Entre os intelectuais, cujos trabalhos causaram algum tipo de impacto

acadêmico, podemos citar Paulo Freire (1974) com sua análise crítica à Pedagogia

do Oprimido, no sentido de propor uma Pedagogia da Autonomia; Pedro Benjamim

Garcia (1977) com a sua tese sobre a Teoria da Dependência e a Teoria da

Modernização; Dermeval Saviani (1983) com o ensaio crítico que caracterizou as

Teorias Não-críticas, Crítico-Reprodutivistas e Críticas da Educação Brasileira;

Moacir Gadotti (1983) com a proposição de uma Concepção Dialética da Educação;

Beno Sander (1984) com seu trabalho desenvolvido de crítica à Pedagogia do

Consenso e de proposição de uma Pedagogia do Conflito; José Carlos Libâneo

(1985) com demarcação das Pedagogias Liberais e das Pedagogias Progressistas;

entre outros.

De acordo com Luckesi (1991), estas teorias ou concepções de educação

podem ser associadas a três perspectivas: (1) a educação à serviço da ‘redenção da

sociedade’; (2) a educação à serviço da ‘reprodução da sociedade’; (3) a educação à

serviço da ‘transformação da sociedade’.

Na primeira perspectiva, a educação é concebida como instância social que

tem como finalidade a formação da personalidade dos indivíduos, para o

desenvolvimento de suas habilidades e para veiculação de valores necessários à

convivência social. Nesta perspectiva, a sociedade é concebida como um conjunto

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de seres humanos que vivem e sobrevivem num todo orgânico e harmonioso,

embora seja inevitável o desvio de grupos e de indivíduos que ficam à margem

desse todo. Daí a interpretação de Luckesi (1991) de que, nesta perspectiva, a

educação está à serviço da redenção da sociedade, configurando-se numa visão

liberal de educação, como também interpreta Libâneo (1985, p.21):

A doutrina liberal apareceu como justificação ao sistema capitalista, que ao defender a predominância da liberdade e dos interesses individuais na sociedade, estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, também denominada sociedade de classes. A pedagogia liberal, portanto, é uma manifestação própria desse tipo de sociedade. (grifo do autor).

Nesta visão liberal de educação, Libâneo (1985) aponta quatro concepções

pedagógicas que, em alguma medida, influenciaram ou influenciam o pensamento e

a prática pedagógica da educação brasileira: Pedagogia Tradicional; Pedagogia

Renovada Progressivista; Pedagogia Não-Diretiva; e Pedagogia Tecnicista.

Na Pedagogia Tradicional a escola é concebida como uma preparação

intelectual e moral dos alunos para assumir uma posição de reconhecimento social,

onde os conteúdos de ensino são tidos como conhecimentos enciclopédicos e

valores sociais conservadores acumulados pelas gerações e repassados como

verdades. A metodologia de ensino é, fundamentalmente, a exposição verbal e/ou

demonstração, e a avaliação quase se reduz à quantificação e à mensuração do

desempenho do aluno, determinando o grau de aquisição dos conteúdos

transmitidos.

Na Pedagogia Renovada Progressivista o papel da escola é a preparação

dos indivíduos visando sua inserção na sociedade, considerando seus interesses e

necessidades. Nesta perspectiva, há um deslocamento da centralidade do conteúdo

para o processo de ensino-aprendizagem. Os conteúdos são estabelecidos em

função das experiências, das potencialidades e das motivações dos alunos. Passa-

se a valorizar as metodologias de ensino em pequenos grupos, visando à pesquisa,

a solução de problemas e a experimentação. A concepção de avaliação passa a ser

de caráter cumulativo e qualitativo, com ênfase na dimensão atitudinal do educando

por meio da auto-avaliação.

Na perspectiva da Pedagogia Não-Diretiva, a escola tem o papel da

formação de atitudes adequadas às normas de convívio social. Há uma ênfase ainda

mais acentuada na formação de atitudes, onde a transmissão e a apropriação de

conteúdos, não é abandonada, mas é secundarizada. As metodologias de ensino

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são determinadas em função dos interesses dos alunos. A avaliação também é

centrada na auto-avaliação.

Na Pedagogia Tecnicista o papel da escola passa a ser a formação de

caráter técnico-instrumental, com foco nas demandas do mercado de trabalho. A

referência para a seleção dos conteúdos de ensino são os conhecimentos

produzidos pelas ciências objetivas, aqueles necessários a um saber instrumental

orientado para a preparação e inserção dos educandos no mundo do trabalho

produtivo. Os meios de ensino-aprendizagem são fundamentados numa visão

ontológica de que a formação integral do educando se dá a partir do controle

pedagógico e metodológico das partes que o caracteriza – pressuposto da

abordagem ‘tecnicista’. A avaliação decorre da definição de objetivos

operacionalizados, realizada de forma linear e associativa ao longo de cada etapa

de ensino-aprendizagem (funções diagnóstica, formativa e somativa).

Vejamos agora a segunda perspectiva de educação configurada por Luckesi

(1991) - a educação à serviço da ‘reprodução da sociedade’: esta forma de analisar

a educação reconhece que a função político-social da educação escolar é contribuir

para a construção social orientada e regrada pela ordem hegemônica estando,

portanto, à serviço da reprodução do modelo de sociedade vigente. Esta concepção

assume uma visão ‘crítica’ na medida em que analisa a educação a partir das suas

determinações históricas; mas é ‘reprodutivista’ porque a compreende como

mecanismo destinado a reproduzir seus próprios condicionantes. Os intelectuais

responsáveis por esta interpretação sobre a função da educação escolar são

identificados com uma interpretação marxista da realidade político-social.

Dermeval Saviani (1983) aponta três teorias que caracterizam esta

perspectiva crítico-reprodutivista: a Teoria do Sistema de Ensino enquanto Violência

Simbólica, desenvolvida na clássica obra de Bourdieu e Passeron – “A Reprodução”;

a Teoria da Escola enquanto Aparelho Ideológico de Estado, desenvolvida por

Althusser na obra “Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado”; a Teoria da Escola

Dualista – Obra “L’École Capitaliste en France”, de Baudelot e Establet.

Na terceira perspectiva de educação configurada por Luckesi (1991), a

educação à serviço da ‘transformação da sociedade’, a educação escolar é concebida

como mediadora de um projeto político-social emancipador, em crítica à educação de

orientação liberal e como possibilidade alternativa à perspectiva crítico-reprodutivista.

Uma educação à serviço da ‘transformação da sociedade’ é compreendida, a partir da

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identificação e compreensão de seus condicionantes, com um agir estrategicamente

na perspectiva da emancipação política, econômica e sociocultural dos indivíduos.

Compreende-se que a educação é um dos pilares da formação cidadã democrática e,

portanto, emancipada (DEMO, 1985). É preciso considerar também que os intelectuais

identificados com esta perspectiva de educação argumentam que a escola à serviço de

uma educação crítica, democrática e emancipadora passa pela necessária superação

do modo de produção capitalista (LUCKESI, 1991).

Nesta visão autonomeada de progressista de educação, Libâneo (1985)

aponta três concepções pedagógicas que, em alguma medida, influenciaram ou

influenciam o pensamento e a prática pedagógica da educação brasileira: Pedagogia

Libertadora; Pedagogia Libertária; Pedagogia Crítico-social dos Conteúdos.

Na Pedagogia Libertadora a função social da escola é a conscientização do

indivíduo para a sua atuação crítica na sociedade, visando a transformação das

relações histórico-culturais nela existente. Os conteúdos de ensino são

determinados considerando as experiências e as necessidades reais de

emancipação dos indivíduos (os conteúdos tradicionais são recusados). Como

metodologia de ensino privilegiam-se as técnicas de debates organizadas em grupos

de discussão. A avaliação deve ser por meio da auto-avaliação, considerando-se o

progresso do grupo em função da prática vivenciada entre educador-educandos.

A Pedagogia Libertária concebe que o papel da escola é exercer “uma

transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário”

(LIBANÊO, 1985, p. 26). Os conteúdos de ensino considerados importantes são

aqueles advindos de experiências vividas pelo grupo, resultantes de suas

necessidades e interesses pela participação crítica na sociedade e não,

necessariamente, os conhecimentos tradicionais que compõem as disciplinas

escolares. A metodologia de ensino é baseada na ação grupal e na autogestão,

onde os alunos têm “liberdade de trabalhar ou não, ficando o interesse pedagógico

na dependência de suas necessidades ou das do grupo” (Ibidem, p. 37). Nesta

concepção não tem sentido a avaliação formal dos conteúdos de aprendizagem.

Para a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos a escola assume o papel de

difusão crítica dos conteúdos universais ligados à realidade social, visando uma

participação organizada e ativa na democratização da sociedade. Os conteúdos de

ensino devem ser aqueles produzidos historicamente pela humanidade, sendo

permanentemente reavaliados face à realidade histórico-cultural. As metodologias

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de ensino são definidas face às circunstâncias e necessidades de ensino-

aprendizagem dos conteúdos. As modalidades de avaliação são realizadas de forma

interativa, sendo aplicada numa perspectiva de diagnóstico continuado e

participativo.

Esta síntese revela as diferentes maneiras de conceber a educação, sua

função político-social e possibilidades metodológicas de intervenção educativa que,

em alguma medida, embasam e orientam teórica e metodologicamente os

‘referenciais curriculares’ que se constituem no objeto desta investigação. Porém,

ressaltamos que:

A escola, não possui poderes e nem instrumentos de, isoladamente, provocar as transformações políticas, econômicas, sociais e culturais tão almejadas. No entanto, as mudanças, se representativas da coletividade, dependem sobremaneira da qualidade e efetividade do processo educativo, em conjunto com as intervenções desencadeadas pelo conjunto das Instituições políticas, econômicas, sociais e culturais. (RESENDE et al., 1997, p. 27).

O mesmo ocorre em relação ao papel que a Educação Física deve

desempenhar na escola. Parece não haver polêmicas quando se afirma que ela

deve estar em consonância com as finalidades da educação escolar (SOARES et

al., 1992; RESENDE et al., 1997; VAGO, 1999; SOUZA JÚNIOR, 1999, 2001;

BRACHT, 2001, entre outros). No entanto, a relação Educação Física e Educação

Escolar também vem sofrendo re-significações de natureza teórico-metodológicas

face às circunstâncias históricas e conjunturais.

Temos, portanto, que retratar esta relação, assim como a especificidade da

Educação Física no contexto da educação escolar.

2.3.2. A Educação Física enquanto Componente Curricular: entre o Legal e o Legítimo; entre as Concepções Tradicionais e as Crítico-Renovadoras

Segundo o § 3o do art. 26 da LDB no 9.394/96, a Educação Física, “integrada

à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da educação básica,

ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo

facultativa nos cursos noturnos”. Devido à interpretação errônea, por parte de

dirigentes educacionais e de muitos especialistas e profissionais da área, de que a

Educação Física deixara de ser obrigatória, considerando a omissão desta palavra

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imperativa25, foi promulgada em 12 de dezembro de 2002, a Lei no 10.328, que

introduziu a palavra ‘obrigatório’ após a expressão ‘curricular’, constante do § 3º do

art. 26 da LDB no 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação

nacional. A partir da retificação da lei, seu texto passou a ser o seguinte:

A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da Educação Básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos. (grifo nosso).

Vários especialistas26 destacam que a concepção de Educação Física

veiculada pela nova LDB (Lei no 9.394/96) representou um avanço em relação ao

restrito tratamento pedagógico que tinha na antiga LDB (Lei no 5.692/71), onde a

Educação Física na escola era concebida e pedagogicamente tratada como

‘atividade curricular’, o que significava que a Educação Física privilegiava o ensino-

aprendizagem da dimensão procedimental do seu conhecimento; ou seja, a

aquisição de habilidades e destrezas motoras.

A nova LDB no 9.394/96, no seu artigo 26, § 3º, explicita ainda que a

Educação Física deve assumir a condição de componente curricular, onde de

acordo com Souza Júnior (2001, p. 83):

Um componente curricular é, no sentido de matéria de ensino, [...] um elemento da organização curricular da escola que, em sua especificidade de conteúdos, traz uma seleção de conhecimentos que organizados e sistematizados, devem proporcionar ao aluno uma reflexão acerca da dimensão da cultura e que, aliado a outros elementos dessa organização curricular, visa à contribuir com a formação cultural do aluno.

Sendo componente curricular obrigatório, a Educação Física deve ter um

conhecimento específico que a diferencie dos outros componentes curriculares

dentro da escola, em que a organização e sistematização desses

conhecimentos/conteúdos de ensino contribuam, “enquanto parte, para a

25 Na Lei no 5.692, de 11 de agosto de 1971, a palavra obrigatória fazia parte do texto. Daí, provavelmente, a polêmica gerada sobre a obrigatoriedade ou não da Educação Física na atual LDB. 26 Estaquia Salvadora de Souza e Tarcísio Mauro Vago, foram os autores em nossa área que obtiveram destaque ao tratar da discussão sobre a LDB e os PCNs e seu impacto na Educação Física, entre as obras podemos citar: SOUZA, Eustáquia Salvadora de.; VAGO, Tarcísio Mauro. A nova LDB: repercurssões no ensino da Educação Física. Presença Pedagógica. Belo Horizonte: Editora Dimensão. v. 3, n. 16, jul/ago, 1997. SOUZA, Eustáquia Salvadora de.; VAGO, Tarcísio Mauro. A Educação Física e as diretrizes curriculares para o ensino fundamental. Presença Pedagógica. Belo Horizonte: Editora Dimensão. v. 5, n. 26, mar/abr, 1999. A discussão da Educação Física enquanto componente curricular é bem tratada por Marcílo Barbosa de Mendonça de Souza Júnior, na Dissertação de Mestrado (UFPE) “A Educação Física como componente curricular...? Isso é história! Uma reflexão acerca do saber e fazer” (1999).

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apropriação, pelos alunos, de uma totalidade de conhecimentos que lhes possibilita

a leitura crítica do mundo que os cerca” (SOARES et al., 1993, p. 213). Sendo

função deste componente curricular,

possibilitar aos alunos a vivência sistematizada de conhecimentos/habilidades da cultura corporal, balizada por uma postura reflexiva, no sentido da aquisição da autonomia necessária a uma prática intencional, que considere o lúdico e os processos sócio-comunicativos, na perspectiva do lazer, da formação cultural e da qualidade coletiva de vida. (RESENDE et al., 1997, p. 03).

Enfim, a legislação reconhece que a Educação Física é um componente

curricular obrigatório na escola. Para Vago (1999), a LDB (Lei no 9.394/96) não

delimita critérios para a organização do ensino da Educação Física, o que resulta no

aparecimento de formas diferentes de operacionalizar o ensino da Educação Física

na escola.27

Na perspectiva apresentada pela LDB, a Educação Física não pode

continuar, como afirma Souza Júnior (2001, p. 84-85), a ser tratada como:

Um ‘curinga curricular’, pois suas aulas são tomadas/negligenciadas em função de outras atividades curriculares, por exemplo, ensaios para festividades de datas comemorativas. Porém, há piores hipóteses, as quais levam à Educação Física uma caracterização de ‘interferência curricular’, por exemplo, no esforço de, no horário escolar, encaixar as aulas de Educação Física de maneira que atrapalhe o mínimo possível os componentes curriculares que exigem ‘concentração intelectual’. (grifo do autor).

Entre estas diferentes formas de operacionalizar o ensino da Educação

Física na escola, podemos destacar: a) a substituição e conseqüente dispensa das

aulas de Educação Física por outras práticas corporais realizadas fora do ambiente

escolar; b) como é comum também a terceirização dos serviços, com a

implementação de escolinhas esportivas ou convênios com academias de ginástica;

c) a Educação Física é colocada como atividade complementar nas escolas com

segmentos da educação infantil e do primeiro ciclo do ensino fundamental, quando

aparece em propagandas como se fosse uma atividade extracurricular; d) as aulas

de Educação Física são, por vezes, ministradas por professores regentes de turmas

de Educação Infantil e do primeiro segmento do Ensino Fundamental, ou ainda, por

psicomotricistas.

27 Porém, destacamos que não é função da LDB estabelecer critérios para a organização e sistematização dos componentes curriculares. Cabe à LDB estabelecer diretrizes e princípios orientadores do sistema educacional. A organização e implementação de um currículo nacional comum cabe às DCNs, como já explicitamos anteriormente.

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Na maioria das vezes, esses fatores estão vinculados a interesses e

necessidades econômicas de redução de despesas com corte de profissionais e de

investimento em instalações e recursos materiais. Estes problemas têm suas raízes

na própria trajetória da Educação Física, quando seus especialistas tentaram

justificar sua inserção na educação escolar a partir da transposição e defesa de

referenciais teórico-metodológicos de outros países ou de adaptações de propostas

pedagógicas inspiradas em outras instituições não escolares – a instituição militar, a

instituição médica e a instituição esportiva (RESENDE, 1994; BRACHT, 1999).

Desta forma a Educação Física corre o risco de ser descaracterizada de sua

função enquanto componente curricular, que possui um conhecimento específico a

ser sistematizado e socializado pelo professor, na perspectiva de ser assimilado

reflexivamente pelos alunos, nas suas dimensões conceitual, procedimental e

atitudinal28.

Já nas DCNs podemos perceber que quando a Educação Física é indicada

como área de conhecimento, reconhece-se que este componente curricular tem

objeto de estudo e conhecimento específicos e de inequívoca importância cultural.

“As Diretrizes confirmam a obrigatoriedade da Educação Física na educação básica,

estabelecida pela LDB em 1996, [...] [e] não dão margem para a descaracterização

da Educação Física como disciplina escolar” (VAGO, 1999, p. 42).

No inciso IV do Artigo 3° das DCNs está explícito que “em todas as escolas,

deverá ser garantida a igualdade de acesso dos alunos a uma Base Nacional

Comum, de maneira a legitimar a unidade e a qualidade da ação pedagógica na

diversidade nacional [...]” (BRASILa, 1998, p. 07). Então, se a Educação Física é

indicada como área de conhecimento e deve compor essa Base Nacional Comum,

28

Zabala (1998) amplia o entendimento sobre os conteúdos de ensino ao discutir suas três naturezas: Procedimental, Atitudinal e Conceitual. Para a Natureza Procedimental os conteúdos devem abranger as vivências nas diferentes práticas educacionais, levando a aprendizagem por meio da realização de ações e reflexão sobre as mesmas, de maneira a proporcionar a execução das mesmas em ambientes diferenciados. Para a Natureza Atitudinal, os conteúdos devem abranger a aprendizagem de valores, princípios e idéias éticas, relacionados à elementos de conhecimentos e crenças, sentimentos, preferências, ações e intenções. A aprendizagem nesta natureza se dará quando o aluno pensa, sente e age de maneira coerente, estando configurada por de atitudes e normas para atuar de determinada forma. Já na Natureza Conceitual os conteúdos devem abranger conceitos, informações e premissas para o entendimento do conhecimento abordado. A aprendizagem nesta natureza se dá quando o aluno é capaz de utilizar o conhecimento para compreensão, análise e exposição de determinada situação e não apenas decorar e repetir conceitos e definições.

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as escolas devem ser obrigadas a “incluir o ensino da Educação Física, oferecendo-

lhe tratamento curricular sob os mesmos critérios respeitados para as demais áreas

do conhecimento” (VAGO, 1999, p. 42).

Ressaltamos a necessidade da Educação Física legitimar-se na escola pela

especificidade, autonomia e significância cultural do seu corpo de conhecimento,

que precisa ser definido e sistematizado para ser pedagogicamente transmitido pelo

professor e assimilado pelos alunos. Nesta perspectiva não é desejável que sua

legitimidade se dê por aparatos legais, mas por um reconhecimento do que lhe é

próprio e da sua importância para a formação do educando.

O tratamento pedagógico da Educação Física na perspectiva de um

componente curricular, integrado ao projeto pedagógico da escola, pressupõe, como

vimos frisando, a definição do seu corpo de conhecimento de ensino-aprendizagem.

Por sua vez, entender o arbítrio dos especialistas da área sobre esta definição, nos

remete à caracterização das diferentes concepções de Educação Física que

justificaram determinados conhecimentos como legítimos para serem socializados

na educação escolar.

Há ainda divergências na área quanto à especificidade de seu

conhecimento e a seleção dos conteúdos de ensino-aprendizagem a serem

pedagogizados no âmbito da educação básica. Existem várias abordagens de

ensino29 para o trato da Educação Física na escola que vão se diferenciar na

seleção e na forma de organização dos conteúdos de ensino-aprendizagem. Assim

como concepções pedagógicas que influenciam as produções acadêmicas, os

discursos e prática pedagógica de especialistas e professores que serão pontuadas

no próximo item.

2.3.2.1 As Concepções Tradicionais e as Crítico-Renovadoras para a Educação Física

29 Sobre as diversas abordagens para o ensino da Educação Física na escola podemos citar: BETTI (1991), CAPARROZ (1997); SOARES et al. (1992), DARIDO (1999, 2003), DAOLIO (2004); FREIRE (2003), KUNZ (2001, 2003) RESENDE (1992,1997), além do já citado SOUZA JÚNIOR (1999, 2001). E ainda: Desenvolvimentista (TANI, Go et al., 1988) Humanista (OLIVEIRA, 1985), Psicomotricidade (LE BOUCH, 1986), Progressista (GHIRALDELLI JUNIOR, 1992), Sistêmica (BETTI; ZULIANI, 2002), Concepções Abertas (HILDEBRANDT; LAGING, 1986, HILDEBRANDT, 1998), Revolucionária (MEDINA, 1996), Fenomenológica (MOREIRA, 1992) e Plural (DAOLIO, 1995).

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De acordo com o contexto político-social e econômico, as tendências e as

concepções da Educação Física foram sendo transformadas. Conseqüentemente,

foi-se diferenciando os objetivos e as propostas educacionais para este componente

curricular, que como em todos os outros que compõem o currículo escolar, existem

diversas formas de pensar e de realizar a prática pedagógica (RESENDE, 1994;

DARIDO; SANCHEZ NETO, 2005).

Analisando a trajetória histórica da Educação Física na educação escolar,

autores como Kunz (1997) e Resende (2006) afirmam que atualmente coexistem no

discurso e na prática pedagógica de especialistas e professores de Educação Física

algumas concepções pedagógicas que, de acordo com Resende (2006), podem ser

organizadas em dois grupos: as tradicionais (Biológico-funcional, Técnico-esportivo,

e Formativo-recreativo) e as renovadoras (Desenvolvimentista; Promoção da Saúde,

e Sociocultural).

Vale ressaltar que as concepções de Educação Física expostas a seguir são

classificadas do ponto de vista do construto didático-pedagógico da Educação

Física, e não sob o ponto de vista teórico-ideológico como fizemos como as

concepções de Educação. Portanto, as concepções de Educação Física, da maneira

aqui colocadas, revelam um consenso sobre aquilo que vai se constituir o objeto de

ensino-aprendizagem para este componente curricular, mesmo que orientado por

concepções ideológicas contrapostas.

A ‘Concepção Biológico-Funcional’ caracteriza o discurso e a prática dos

professores cuja intenção pedagógica é exercitar as capacidades músculo-

esqueléticas e cárdio-respiratórias nas perspectivas do desenvolvimento da aptidão

física, da aquisição de hábitos e de condutas higiênicas e saudáveis, e da prevenção

de doenças. O conhecimento privilegiado nesta concepção de Educação Física é a

‘ginástica’ (analítica e global). Esta concepção pedagógica tem sua raiz no

pensamento ‘higienista’ (sentido da eugênica, da educação e da assepsia corporal)

que atravessou a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX.

A ‘Concepção Técnico-esportiva’ ganha força nos anos 50-60 do século XX

e se consolida como proposta oficial por meio do Decreto-lei n° 59.450/71. Na

atualidade, caracteriza a intenção pedagógica dos professores que concebem como

finalidade da Educação Física na escola o desenvolvimento e o aprimoramento das

habilidades físicas, técnica e tática, tematizadas nas diferentes modalidades

esportivas, nas perspectivas do fomento e da descoberta de talentos esportivos. O

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conhecimento privilegiado passa a ser o ‘esporte’, sendo, mais especificamente, as

diferentes modalidades esportivas típicas da cultura nacional selecionadas como

conteúdos de ensino-aprendizagem. A ‘ginástica’ deixa de ser o foco principal em

termos de conhecimento, tornando-se um importante co-adjuvante na formação

esportiva – ela passa a ser trabalhada no sentido da aquisição das estruturas

psicomotoras de base e das capacidades físicas necessárias ao desempenho

esportivo.

A ‘Concepção Formativo-recreativa’ passa a justificar o trabalho da

Educação Física na escola em crítica à concepção Técnico-esportiva, desenvolvida

por um expressivo segmento de especialistas da Educação Física brasileira. Este

movimento crítico teve início no final da década de 70 do século passado,

impulsionado por um contexto político, econômico e social de mobilização dos

segmentos políticos e sociais organizados contra o governo militar, contra a ditadura

e as políticas públicas existentes. Segundo Resende (1994, p.12), este movimento

crítico

acontece no bojo da reorganização e remobilização do movimento de oposição ao governo de regime militar, que tentava imprimir e consolidar seu ideário tecnoburocratizante, materializando-se no campo da educação através de proposições e ações inspiradas na pedagogia tecnicista. O paradigma da desportivização dá, em alguma medida, suporte a essa tendência pedagógica através da exacerbação de situações "educativas" que privilegiavam a competitividade seletiva, a racionalização produtiva e a eficácia, dentre outras. (grifo do autor).

A concepção Formativo-recreativa foi gradativamente ganhando força de

argumento e de inserção nas aulas de Educação Física a partir da apropriação dos

discursos dos especialistas críticos da educação. Visando contribuir para a ‘formação

integral dos educandos’30. O propósito da Educação Física nesta perspectiva

conceitual passou a ser o de possibilitar a prática de diferentes atividades físico-

recreativas nas perspectivas da vivência lúdica e do lazer. Diante da profanação do

‘esporte’, o ‘jogo’ passa a ser o conhecimento privilegiado nos discursos e nas práticas

pedagógicas dos defensores desta concepção de Educação Física.

Estas três concepções se assemelham na perspectiva do conhecimento.

Todas elas privilegiam como conhecimento da Educação Física parte do rol de

30

Chavão muito utilizado pelos especialistas da Educação Física como argumento justificador e legitimador da sua co-existência na educação escolar.

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manifestações e expressões da cultura de práticas corporais historicamente

construídas pela humanidade (a ginástica, ou o esporte, ou o jogo).

Mas com o amadurecimento acadêmico do debate pedagógico da Educação

Física brasileira, os especialistas identificados com as matrizes teórico-metodológicas

auto-definidas de crítico-renovadoras foram desenvolvendo outras concepções que co-

existem e que elegem a cultura do movimento humano31 como conhecimento da

Educação Física na Educação Básica.

A educação física escolar tem de assumir para si o compromisso e o desafio de ensinar (e ensinar bem!) [...] os diversos temas da cultura corporal, entendida como o conjunto de práticas corporais que se tornaram patrimônio da humanidade (como o jogo, a ginástica, a dança, o esporte, a luta, entre outras), as quais foram sendo construídas pelo seres humanos, com determinados significados conferidos pelos diferentes contextos histórico-culturais. (AYOUB, 2003, p 112).

Ayoub (ibidem) continua defendendo que

Aprender a educação física na escola significa, portanto, vivenciar, conhecer, estudar, compreender, confrontar, interpretar, problematizar, compartilhar […] as inúmeras linguagens da cultura corporal para, com base nesse aprendizado, buscar novos significados e criar novas possibilidades de expressão corporal. Sob essa ótica, a educação física escolar pode conquistar uma dimensão diferente das épocas anteriores, tanto no que se refere à organização dos seus conhecimentos, quanto aos seus objetivos.

Na perspectiva de reconhecer a ‘cultura do movimento humano’ como o

conhecimento a ser sistematizado, transmitido e apropriado na educação escolar,

podemos, de acordo com Resende (2006), caracterizar as concepções crítico-

renovadoras (Desenvolvimentista; Promoção da Saúde, e Sociocultural).

A ‘Concepção Desenvolvimentista’ enfatiza a necessidade dos alunos

vivenciarem e dominarem as diferentes habilidades motoras básico-fundamentais e

especializadas no contexto temático da cultura do movimento humano, com propósitos

recreativos, competitivos e de utilização permanente na vida. Nesta perspectiva, deve

ser planejado o ensino-aprendizagem dos movimentos básico-fundamentais

(estabilizadores, manipulativos e locomotores) e dos movimentos especializados

aplicados no contexto das ginásticas, dos jogos, dos esportes e das danças, cujo grau

31 A expressão ‘cultura do movimento humano’ não é consensual entre este grupo de especialistas. Diferentes expressões têm sido utilizadas algumas vezes para dar identificação a uma proposta teórico-metodológica de Educação Física, outras vezes são utilizadas indistintamente. Entres as expressões recorrentes nos discursos de especialistas e professores de Educação Física podemos citar a ‘cultura física’, ‘cultura físico-esportiva’, ‘cultura corporal’, ‘cultura corporal de movimento’, entre outras.

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51

de complexidade deve ser determinado em função dos estágios de desenvolvimento

motor, cognitivo e social dos educandos (daí o rótulo desenvolvimentista).

Na ‘Concepção da Promoção da Saúde’, a intenção pedagógica é levar os

alunos e alunas a vivenciarem as diferentes habilidades motoras básico-fundamentais

e especializadas no contexto temático da cultura do movimento humano com objetivos

de desenvolvimento das capacidades físicas associadas à promoção da saúde, bem

como conscientizá-los para a importância de adoção de um estilo de vida fisicamente

ativo. Os argumentos dos especialistas identificados com esta concepção é que a

Educação Física na escola deve ser orientada para a educação e a prática de

exercícios físicos no sentido de prevenir contra a aquisição e/ou a prevalência de

doenças crônico-degenerativas, doenças estas associadas ao sedentarismo e a

hábitos inadequados de vida.

Na ‘Concepção Sociocultural’, a intenção pedagógica é orientar a formação

dos alunos e alunas para a apropriação e vivência sistematizada da cultura do

movimento humano, balizado por uma postura reflexiva, no sentido da aquisição da

autonomia necessária a uma prática intencional, que considere o lúdico e os processos

sócio-comunicativos, nas perspectivas da formação e ampliação cultural e da opção

pela adoção de um estilo de vida saudável e eticamente orientado.

Os professores identificados com a concepção sociocultural, além de

estimularem e oportunizarem a vivência corporal da ginástica, do esporte, do jogo e

da dança, preocupam-se com a apropriação e reflexão crítica sobre os seus

fundamentos histórico-culturais e biodinâmicos. As aulas de Educação Física não se

limitam à ‘prática pela prática’; é fundamental assegurar a reflexão crítica acerca dos

fundamentos, possibilidades, limitações, paradoxos e mitos que se manifestam nas

opiniões e nas práticas da cultura do movimento humano; devem elucidar as

relações existentes entre a prática social global e a prática da cultura do movimento

humano; devem promover a reflexão sobre o conjunto de valores sociais, morais,

éticos e estéticos subjacentes à cultura do movimento humano, em crítica àqueles

que reproduzem a marginalização, os estereótipos, o individualismo, a competição

discriminatória, a intolerância com as diferenças, as desigualdades, o autoritarismo.

Mesmo com tantas concepções norteadoras do ensino-aprendizagem da

Educação Física na escola que se autodefinem como abordagens críticas e

progressistas, vale destacar que isso não significa ainda o abandono das

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intervenções que seguem os modelos biológico-funcional, técnico-esportivo e

formativo-recreativo.

Apesar das concepções renovadoras já estarem amplamente difundidas,

exigem um “esforço de análise investigativa para verificar a viabilidade de seus

fundamentos e intenções pedagógicas, explorando seus limites e possibilidades”

(SILVA, 2005, p. 93). Afinal, definir uma proposta pedagógica para a escola não é

uma tarefa legal, mas uma ação educativa, onde,

cada projeto pedagógico ou concepção de educação física constitui-se a partir de uma concepção de corpo e de movimento e, portanto, fundamenta-se numa concepção ontológica e numa percepção do mundo tanto daquele que se tem como daquele que se quer construir, também, por meio de um projeto de educação institucional. (SILVA, 2005, p. 91).

Para isso Souza Júnior (2001, p. 90), diz que na Educação Física “a

seleção, a organização e a sistematização de seus conteúdos deve possibilitar aos

alunos o acesso a uma dimensão da cultura humana de forma mais reflexiva e

elaborada [...]” sendo estes conteúdos “sistematizados diante de suas peculiaridades

– o saber advindo de uma cultura corporal, estabelecendo coerência com a função

da escola”.

Quanto aos princípios metodológicos e avaliativos, destacamos que a

Educação Física como prática sociocultural é concebida como uma forma de

linguagem e de expressão corporal comunicativa, que a partir de um rico patrimônio

de conteúdos (ginástica, dança, esporte, jogo, entre outros) deve ser trabalhada na

perspectiva de contribuir para o desenvolvimento da personalidade e das

potencialidades dos alunos (RESENDE et al., 1997).

Temos a responsabilidade e o desafio de justificar, em nossa prática

pedagógica, os valores educacionais e sociais que competem à Educação Física

(RESENDE, 1994). A comunidade de pesquisadores, professores e estudantes vem

refletindo e questionando sobre a quantidade e qualidade na produção do

conhecimento específico na área, surgindo novos esforços que buscam sustentar a

legitimidade deste componente curricular na escola32. Questionam-se os

32 De acordo com Vago (1999, p. 22), essa produção é resultado da “organização política e científica de estudantes e professores(as); na qualificação acadêmica em programas de especialização, mestrado e doutorado; na realização ininterrupta, desde 1980, de Encontros Nacionais de Estudantes de Educação Física; na publicação de periódicos, na realização de encontros, seminários e congressos, como os promovidos pelo Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE)” que possui

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conhecimentos produzidos: por que ensiná-los, como ensiná-los, a quem se aplicam,

que forças incidem sobre o mesmo. Com base nestas questões é que a Educação

Física vem se legitimando atualmente nas escolas, onde os argumentos que

sustentam a intervenção pedagógica do professor de Educação Física na escola

constituem-se bandeira de luta para o real reconhecimento e conseqüente

legitimidade deste componente curricular.

A própria elaboração dos ‘referenciais curriculares’ é reflexo dessa

necessidade de organização dos saberes que caracterizam esta disciplina, de modo

que estes documentos possibilitem aos alunos uma organização do pensamento

sobre os conhecimentos específicos da Educação Física, contribuindo dessa

maneira com a reflexão crítica desses indivíduos para uma prática lúdica, saudável e

eticamente orientada (RESENDE, 1994; SOUZA JÚNIOR, 2001).

Portanto, cumpre a este estudo, saber como estão configurados teórica e

metodologicamente os ‘referenciais curriculares’ para orientar a intervenção

pedagógica do professor de Educação Física com o foco direcionado para o ensino

fundamental.

Cabe agora, conhecer especificamente estes ‘referenciais curriculares’ para

a Educação Física na escola, analisar como se configuram e qual é a proposição de

conhecimento da Educação Física no Ensino Fundamental.

um Grupo de Trabalho Temático (GTT) em Escola, cuja função é reunir pesquisadores com interesses comuns na busca pela reflexão, produção e difusão de conhecimento.

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54

CAPÍTULO III

METODOLOGIA DA PESQUISA

3.1. Características da Pesquisa

Esta pesquisa é de natureza qualitativa do tipo descritiva,

considerando que seu objetivo é identificar e analisar as orientações de ordem

teórico-metodológicas (referencial teórico, objetivo da educação física na

escola, conteúdos propostos, metodologia e avaliação) encontradas nos

‘referenciais curriculares’ para o ensino da Educação Física no Ensino

Fundamental do Sistema Estadual de Educação.

Foi utilizada a técnica de documentação indireta, considerando que o

corpus de análise é um conjunto de documentos, denominado nesta pesquisa

de ‘referenciais curriculares’, produzidos pelas equipes de especialistas em

Educação Física de diferentes Secretarias de Estado de Educação. Segundo

Marconi e Lakatos (2003, p. 174) numa pesquisa documental “a fonte de coleta

de dados [...] é restrita à documentos, escritos ou não, constituindo o que se

denomina de fontes primárias”.

Como procedimento metodológico de análise e interpretação dos

dados foi utilizada a técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1977,

p.42):

A Análise de Conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

Como indica a referenciada técnica, a análise dos ‘referenciais

curriculares’ permitiu uma explicitação e sistematização do conteúdo destes

documentos, de forma que foi possível apontar características particulares e

comuns em cada um deles. Para isso foram realizadas as três fases planejadas

para a Análise de Conteúdo: ‘pré-análise’, ‘exploração do material’ e

‘tratamento dos resultados’.

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A ‘pré-análise’ é a fase da organização do material que constitui o

corpus de análise. Foram selecionados os documentos a serem analisados a

partir de critérios pré-definidos e plausíveis, para assim constituir um corpus de

análise – no caso da presente pesquisa, os ‘referenciais curriculares’

conseguidos a partir de um conjunto de ações mencionadas adiante.

Na fase de ‘exploração do material’, destaca-se o que existe de

singular em cada ‘referencial curricular’, apresentando-os individualmente, de

acordo com a estrutura metodológica de caracterização de cada documento.

Para a fase denominada por Bardin (1977) de ‘tratamento dos

resultados’, mas que aqui convencionamos chamar de Análise e Interpretação

dos Dados, definimos os núcleos temáticos de análise que correspondem à

identificação dos núcleos de sentido comuns em cada 'referencial curricular',

para o qual optamos em realizar uma análise em relação às convergências e

divergências do conjunto de documentos.

3.2.Corpus de Análise

O corpus de análise do presente estudo foi constituído pelos

‘referenciais curriculares’ de Educação Física, relativos ao Ensino

Fundamental, desenvolvidos por equipes técnico-pedagógicas de Secretarias

de Estado de Educação.

A seleção dos ‘referenciais curriculares’ foi feita de forma não

probabilística, tipo acidental (CONTANDRIOPOULOS et al., 1994), não tendo

havido definição prévia do número de documentos a serem analisados. De um

total de 27 possíveis documentos de análise relativos a todas as Unidades da

Federação e o Distrito Federal, foi possível obter nove ‘referenciais

curriculares’, produzidos pelas equipes técnico-pedagógicas dos estados do

Acre, Alagoas, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, Santa

Catarina, São Paulo e Sergipe.

Para a obtenção desses documentos recorreu-se a cinco estratégias de

coleta: num primeiro momento fizemos consultas aos sites das Secretarias

Estaduais de Educação (ANEXO 1) para checar a disponibilidade on-line dos

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respectivos ‘referenciais curriculares’. Com esta estratégia foi possível ter

acesso aos ‘referenciais curriculares’ na íntegra dos estados do Acre, do

Paraná e de Santa Catarina. O estado de São Paulo apresenta uma proposta

preliminar que também foi incorporada ao corpus de análise.

Como segunda estratégia recorremos ao contato direto com

professores de Educação Física que, sabidamente, possuíam exemplares dos

documentos referentes aos estados de Alagoas, Rio de Janeiro e Sergipe.

A terceira estratégia foi contatar, via e-mail e/ou fax, as Secretarias de

Estado de Educação dos demais estados. No entanto, não obtivemos

respostas em relação à disponibilidade dos documentos.

Recorreu-se, então, a uma quarta estratégia: o levantamento nos Anais

de eventos acadêmicos da área da existência de trabalhos que utilizaram os

‘referenciais curriculares’ como corpus de análise. A partir desta identificação,

entramos em contato (via e-mail) com os respectivos autores. Este recurso

também foi em vão, pois os autores destes trabalhos também utilizaram

documentos de 'referenciais curriculares' que já tínhamos adquiridos.

A última estratégia foi solicitar os ‘referenciais curriculares’ na listas de

discussão do Centro Esportivo Virtual (CEV)33, que dá acesso a milhares de

estudantes e profissionais da área, abrangendo todas as Unidades da

Federação. Obtivemos alguns retornos, porém os ‘referenciais curriculares’

foram praticamente os mesmo, acrescentando-se apenas o ´referencial

curricular` do estado de Rondônia ao nosso corpus de análise.

Acreditamos que estes cinco mecanismos adotados tenham esgotado

nossas possibilidades para a obtenção de um maior número de ‘referencias

curriculares’, motivo que determinou a dimensão do corpus de análise desta

pesquisa.

Vale ressaltar que os ‘referenciais curriculares’ apresentam

características e estruturas de organização diferentes. Os ‘referenciais

curriculares’ de alguns estados são constituídos por um único documento,

enquanto que em outros estados trata-se de um conjunto de documentos

33 O Centro Esportivo Virtual (CEV) é uma organização não-governamental que comporta além de outras informações, listas de discussão via-emails que reúnem pessoas interessadas em assuntos relacionados à Educação Física, Esporte, Lazer, e áreas afins. O endereço eletronico é: http://www.cev.org.br.

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interdependentes, como textos, decretos e portarias, que em seu conjunto,

apresentam as características de um 'referencial curricular'. Os documentos de

algumas Secretarias de Estado de Educação reúnem todos os componentes

curriculares do Ensino Fundamental numa única publicação, enquanto que

outros apresentam os referenciais de cada componente curricular em volumes

separados. Alguns documentos apresentam as orientações para a Educação

Física desde o primeiro ano do ensino fundamental até o último ano do ensino

médio. Porém, de acordo com o objetivo do nosso estudo, centraremos nossa

apresentação e análise nos referenciais curriculares que contemplam a

Educação Física no Ensino Fundamental.

Sendo assim, julgamos prudente apresentar no próximo capítulo –

Análise e Interpretação dos Dados - as características e a estrutura

organizacional de cada ‘referencial curricular’ obtido, sendo esta a fase de

‘exploração do material’, apresentando-os individualmente, de acordo com a

estrutura metodológica de caracterização de cada documento e destacando a

singularidade de cada ‘referencial curricular’. Posteriormente, a partir das

unidades de significação, analisamos as convergências e congruências do

conjunto de documentos.

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CAPÍTULO IV

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

O presente Capítulo destina-se à Análise e Interpretação dos

‘referenciais curriculares’ de Educação Física para a o Ensino Fundamental

produzidos e divulgados pelas Secretarias Estaduais de Educação34.

Seguindo as fases planejadas de análise expostas no Capítulo

anterior, os referidos documentos foram apreciados por meio da técnica

proposta por Bardin (1977).

As fases de ‘pré-análise’ e ‘exploração do material’, caracterizam-se

aqui numa apresentação de cada um dos ‘referenciais curriculares’,

considerando o fato de termos realizado uma apreciação particular de cada um

deles no tocante à proposta curricular adotada para a organização da

Educação Física na escola, exposta a seguir no item 4.1. Ainda neste item 4.1

destacaremos os pontos de convergência e divergência entre os documentos.

Para a ‘Análise e Interpretação dos Dados’, agrupamos e

interpretamos as marcas caracterizadoras de cada 'referencial curricular',

compondo desta forma os núcleos temáticos de análise, a saber:

concepção/pressuposto teórico que fundamenta o 'referencial curricular',

finalidade/objetivos da Educação Física no contexto da educação escolar, seus

conteúdos de ensino-aprendizagem, seus princípios e orientações

metodológicas, e, a perspectiva e o objeto de avaliação do ensino-

aprendizagem. Estas identificações dos núcleos temáticos de análise constam

no item 4.2.

34

A partir da Resolução nº 3 de 3 de Agosto de 2005, publicada no Diário Oficial da União de 08/08/2005, seção I, pág 27 e o Artigo 32 da LDB n. 9.394/96, modificaram-se a nomenclatura das séries para o Ensino Fundamental, devido sua ampliação para nove anos, com matrícula aos seis anos de idade no primeiro ano (antiga Alfabetização denominada agora como 1º ano). Entretanto, como os RCs foram publicados antes destas modificações, eles serão expostos de acordo com o texto de cada documento, ou seja, o Ensino Fundamental apresentado de 1ª a 8ª Série.

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4.1. Caracterizando e Explorando os ‘Referenciais Curriculares’ de Educação Física propostos pelas Secretarias Estaduais de Educação

• ‘Referenciais Curriculares’ de Educação Física da Secretaria de Estado de Educação do Acre (RC-AC)

O 'referencial curricular' em Educação Física da Secretaria de Estado

de Educação do Acre é um documento impresso, composto por 51 páginas. Foi

publicado em 2004, sendo denominado de ‘Referencial Curricular de Educação

Física – Ensino Fundamental – 5ª a 8ª série’, está disponível na íntegra no site

da Secretaria (conforme Anexo I). O RC-AC só faz referência ao segundo

segmento do Ensino Fundamental e está subdividido em seis partes descritas a

seguir.

A primeira parte é destinada à ‘Apresentação’ do documento. Inicia

fazendo uma contextualização das transformações políticas, sociais,

econômicas, culturais e tecnológicas que a sociedade vem passando,

destacando que estas transformações mobilizaram educadores a repensar o

papel da escola, discutindo questões como a fragmentação dos conteúdos e

sua dissociação dos acontecimentos sociais e das experiências da vida.

Neste sentido o O RC-AC (2004, p.09) destaca que

A contribuição da escola é desenvolver um projeto de educação comprometido com desenvolvimento de capacidades que permitam aos alunos pensar e relacionar o conhecimento escolar com o contexto de vida pessoal, de modo a estabelecer uma relação ativa com o objeto do conhecimento.

A segunda parte do documento é denominada de ‘Pressupostos

Teóricos’, e subdivide-se apresentando três itens que que servem de premissa

para os RC-AC: ‘a Educação Física na visão dos PCNs, ‘Os Princípios

Norteadores da Educação Física para o Ensino Fundamental - princípios da

inclusão e da diversidade’ e a ‘Educação Física como Cultura Corporal’.

O 'referencial curricular' baseia-se nos PCNs, nos princípios da

inclusão e da diversidade e na Cultura Corporal do Movimento, na medida em

que considera que eles podem ampliar a concepção do professor de Educação

Física, diversificando as formas de ensino e contribuindo para a formação de

[...] cidadãos com autonomia, que cooperem e participem socialmente afirmando seus valores e princípios democráticos, enfocando os aspectos éticos e sociais sobre as posturas preconceituosas e

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discriminatórias no que diz respeito às diferentes expressões culturais. (ACRE, 2004, p. 18).

Em relação à cultura corporal do movimento35, o RC-AC utiliza este

conhecimento que deve ser sistemático e pedagogicamente tratado no ensino-

aprendizagem da Educação Física na educação básica, por considerar que,

Algumas produções da cultura corporal são conteúdos da Educação Física escolar, como os jogos, o esporte, a dança, a ginástica, as lutas, bem como as atividades rítmicas e expressivas, [...]. Quando se localiza esse conhecimento na comunidade, como parte do conhecimento cultural que o aluno traz consigo, cabe ao educador favorecer a inclusão desse conhecimento em suas aulas, buscando socializá-lo para todos os alunos, para que façam parte da formação pedagógica e pessoal dos educandos, através de reflexões sobre seu surgimento, e qual a sua função enquanto instrumento de ação e transformação social. (ACRE, 2003, p.17-18).

Aqui cabe uma ressalva para o fato de não existir na literatura algum

autor que tenha desenvolvido e proposto um marco teórico-metodológico

denominado de ‘Cultura Corporal’. O mesmo ‘equívoco’ ocorre nos PCNs. A

‘Cultura Corporal’ foi a expressão que Soares et al. (1992) cunharam para

designar o conhecimento que deve ser sistemática e pedagogicamente tratado

no ensino-aprendizagem da Educação Física na educação básica. O marco

teórico-metodológico desenvolvido e proposto por este coletivo de autores é

denominado de crítico-superador. No entanto, observa-se que vários

especialistas promoveram uma espécie de dissociação entre este referencial

teórico (crítico-superador) e o conhecimento de ensino-aprendizagem da

Educação Física (cultura corporal). Portanto, talvez influenciado pelos PCNs,

tem sido comum especialistas mencionarem, defenderem ou criticarem um

suposto marco teórico-metodológico denominado de Cultura Corporal, sem que

exista algum trabalho acadêmico que o tenha desenvolvido ou proposto.

O RC-AC se baseia nos PCNs por considerarem que se trata de uma

proposta avançada na medida em que definiu e ampliou os conhecimentos de

ensino-aprendizagem da Educação Física, antes praticamente limitada ao trato

do conhecimento esportivo. Justifica, portanto, a necessidade da Educação

Física contemplar outros temas da cultura corporal do movimento, como jogos,

lutas, dança e ginástica. 35 As expressões ‘Cultura Corporal’ e ‘Cultura do Movimento Humano’ são tratadas como sinônimos ao longo do RC-AC.

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61

O documento defende que

A Educação Física como parte integrante da Proposta Curricular da escola deve ter uma visão ampla e diversificada de conteúdos e de seus diversos enfoques [...], bem como deve dar oportunidade a todos os alunos participarem democraticamente do processo de ensino-aprendizagem. (Ibidem, p.14).

Partindo deste entendimento, o RC-AC justifica que os princípios de

inclusão e de diversidade devem nortear a Educação Física, destacando a

importância de envolver todos os alunos no processo de ensino-aprendizagem,

desde a “discussão do planejamento prévio do professor até a avaliação”

(ACRE, 2004, p.15), diversificando as formas de ensino para que o aluno possa

“conhecer, analisar, discutir e vivenciar as várias formas de produção de cultura

corporal do movimento” (Ibidem, p.16).

Outro ponto de destaque no RC-AC, ao utilizar também como

Pressupostos Teóricos para a Educação Física os PCNs e os Princípios da

Inclusão e Diversidade é que indagamos se estes podem ser considerados

como pressupostos. Afinal, os PCNs são documentos de caráter normativo e

não se assemelham com fundamentos teóricos para qualquer disciplina

escolar. Além de que os Princípios da Inclusão e Diversidade são orientações

para as ações metodológicas do professor.

Os ‘Objetivos’, os ‘Conteúdos’ e o trato com os ‘Temas Transversais’

para o trabalho da Educação Física na escola estão explicitados na terceira

parte do documento.

Os objetivos se subdividem em objetivos gerais da Educação Física

para o ensino fundamental e objetivos específicos para a 5ª a 8ª séries.

Os objetivos gerais da Educação Física no Ensino Fundamental são os

mesmos propostos nos PCNs (transcritos ipisis literis). Eles versam sobre: (a) o

estabelecimento de relações equilibradas e construtivas pela participação das

atividades corporais levando ao reconhecimento e respeito de características

físicas e de desempenho de si e dos outros, sem descriminação; (b) o

conhecimento, a valorização e o respeito pela pluralidade de manifestações da

cultura corporal do Brasil e do mundo; (c) o reconhecimento pelo aluno de sua

integração com o meio ambiente, na adoção de hábitos de higiene,

alimentação e atividades corporais relacionadas à própria saúde, à

recuperação, à manutenção e à melhoria da saúde coletiva; (d) o

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reconhecimento das condições de trabalho e sua relação com o

comprometimento dos processos de crescimento e desenvolvimento na

reivindicação para si e para os outros de condições de vida digna; (e) a

compreensão crítica da diversidade dos padrões de saúde, beleza e estética

corporal no tocante a sua inserção na cultura em que são produzidos a fim de

evitar o consumismo e o preconceito; e (f) o conhecimento, a organização e a

participação na reivindicação de locais adequados para promover atividades

corporais de lazer, sendo este reconhecido como uma necessidade básica do

ser humano e um direito do cidadão (ACRE, 2004).

Quanto aos objetivos específicos, o RC-AC estabelece que ao final do

Ensino Fundamental os alunos sejam capazes de: (a) realizar atividades

corporais com autonomia e valorizá-las como situações relacionais, de forma

que venham aplicá-los com discernimento em situações do cotidiano; (b)

analisar, interferir e alterar as regras convencionais dos esportes, adequando-

as ao grupo, de forma que favoreça a inclusão, onde ao compreender e

manipular os elementos que compõem as regras percebam o processo de

criação e transformação das mesmas.

Os conteúdos de ensino-aprendizagem da Educação Física são

apresentados genericamente destacando, porém, sua identificação com a

cultura corporal do movimento e organizados da forma como sugerem os

PCNs, considerando três blocos de conteúdos: (a) conhecimentos sobre o

corpo, onde devem ser transmitidas noções de anatomia, fisiologia, bioquímica

e biomecânica; (b) nos esportes, jogos, lutas e ginásticas, devem ser

enfatizados, respectivamente, regras oficiais dos esportes e sua relação com o

espaço físico e equipamentos da escola; a flexibilização das regras do jogo; a

disputas nas lutas a partir das técnicas de desequilíbrio, imobilização e

combinação de movimentos de ataque e defesa, e, o trabalho corporal da

ginástica, onde o documento ressalta que este conteúdo está diretamente

ligado ao bloco de conhecimentos sobre o corpo; e (c) as atividades rítmicas e

expressivas.

O último tópico desta terceira parte trata dos ‘temas transversais’

identificados com aqueles indicados e desenvolvidos nos PCNs (ética, saúde,

meio ambiente, trabalho e consumo, pluralidade cultural e orientação sexual).

O texto orienta que outros temas podem ser eleitos face à realidade e às

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necessidades locais. O RC-AC orienta e exemplifica também como os ‘temas

transversais’ podem ser sistematizados e abordados nas aulas de Educação

Física.

A quarta parte do RC-AC trata do que o documento denomina de

‘Métodos’ para o ensino-aprendizagem da Educação Física na escola. Esta

seção está subdividida da seguinte maneira: ‘Orientações didáticas’,

‘Orientações didáticas para 5ª a 8ª séries’; ‘Trabalhando com projetos em

Educação Física’; ‘O trabalho de Educação Física com deficientes’ e ‘Avaliação

em Educação Física no Ensino Fundamental’.

Porém , não há no documento uma explicitação de Métodos de Ensino,

correspondendo mais à orientações didático-metodológicas como as

destacadas à seguir, onde as aulas de educação física devem ocorrer de

[...] forma democrática, onde os alunos terão oportunidade de expressar suas idéias em um ambiente onde se sintam seguros, sem frustração e constrangimento, tomando decisões de forma autônoma, individualmente e em grupos [...].A ação do professor tem grande importância nesse processo, sendo ele o mediador que conduzira as atividades, levando em conta os conhecimentos anteriores individuais e coletivos [dos alunos] [...] (ACRE, 2004, p.34)

A quinta parte do documento reúne vários anexos. O Anexo 1 é

constituído pela Resolução no 06/2000, que fixa as normas para que Educação

Física nos sistemas estadual e municipal de ensino do estado do Acre, face à

Lei Federal no 9.394/96. O Anexo 2 apresenta o texto do artigo 26, § 3o da LDB

que versam respectivamente, sobre a base nacional comum e a parte

diversificada compondo os currículos do ensino fundamental e médio, e à

respeito da Educação Física enquanto componente curricular integrada à

proposta pedagógica da escola. O Anexo 3 disponibiliza o texto do Artigo 196

da Constituição do Estado do Acre, que trata do fomento à Educação Física

visando a construção de praças de esporte adequadas às necessidades locais.

O Anexo 4 apresenta um modelo bastante sucinto de distribuição dos

conteúdos de ensino-aprendizagem da Educação Física, organizados por

unidades didáticas. Finalmente, o Anexo 5 veicula um esquema de organização

dos conteúdos da Educação Física para o ensino fundamental, diferenciando-

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se do anexo anterior por contemplar projetos, temas transversais, atividades e

eventos interdisciplinares e esportivos.

Finalizando, a última parte do documento apresenta as Referências

Bibliográficas, além de sites para consulta relacionados a Instituições de

Ensino Superior, periódicos e artigos na área.

• Referencial Curricular de Educação Física – Secretaria de Estado de Educação de Alagoas (RC-AL)

O documento que veicula o 'referencial curricular' em Educação Física

da Secretaria de Estado de Educação do Alagoas está impresso em 28

páginas, tendo sido publicado no ano de 2002. O documento recebe o título de

‘Referencial Curricular de Educação Física para o Ensino Fundamental do

Estado de Alagoas’, estando subdividido em dez seções.

A primeira seção do RC-AL é destinada a uma breve ‘Apresentação’

do documento, endossada pela Assessoria Pedagógica do Programa de

Educação Física e Desporto Educacional da Secretaria Estadual de Educação.

Esta apresentação chama atenção para o fato do RC-AL ser resultado de uma

construção coletiva dos professores36, ressaltando ainda ter sido um fato

histórico e um grande desafio para a Rede Estadual de Ensino do Estado.

Na ‘Apresentação’ o RC-AL explicita que entende a Educação Física

como área de conhecimento e elege a Concepção da Cultura Corporal37,

considerando

o aluno como ser sujeito, determinando a expressão corporal enquanto linguagem e objeto, numa lógica significativa que estabelece a análise e o equilíbrio entre o apreender do conhecimento científico, o reflexionar e o agir. (ALAGOAS, 2002, p. 08).

36 O documento apresenta uma listagem com os nomes dos professores participantes do processo de construção coletiva do RC em Educação Física da Secretaria de Estado de Educação do Alagoas. 37

Ao tratar a Cultura Corporal como uma concepção, o RC-AL, comete o mesmo equívoco do o RC do Acre, pois a Cultura Corporal, é uma terminologia utilizada para designar o trato do conhecimento que deve ser sistematizado e pedagogicamente tratado no ensino-aprendizagem da Educação Física na educação básica. Desta forma, voltamos a destacar que não se trata de uma concepção, ou marco teórico-metodológico ou pressuposto teórico como se percebe em alguns RCs.

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O documento enfatiza que o entendimento da Educação Física

enquanto componente curricular implica

não só em “dominar, ou conhecer o corpo” mas, em ter consciência de que “somos um corpo” numa perspectiva cultura, social, humana e política, na medida em que qualquer intervenção pedagógica é eivada de valores morais, éticos e estéticos e que correspondem a determinadas visões de mundo, num processo sistemático de reflexão histórica não só para que a sociedade se aproprie dos sentidos, valores e significados a ela subjacente, mas também para que possa se socializar e intervir no seu processo de execução, criação e recriação. (ALAGOAS, 2002, p.08). (grifo do autor).

Na segunda seção do RC-AL são feitas considerações iniciais sobre o

objetivo do documento, assim como ‘A Função Social da Escola’ norteadora do

mesmo:

A escola enquanto espaço social de relações tem a função precípua de assegurar o processo de transmissão, sistematização e assimilação de conhecimentos/habilidades construídos pelo homem [...], objetivando nas ações de conservação dos patrimônios científicos, técnicos, estéticos, artísticos ou culturais de modo a contribuir para a formação do cidadão, possibilitando que este venha a interagir e intervir na sociedade, pautado em valores de justiça, de solidariedade, cooperação, de tolerância às diferenças, de liberdade, e de fraternidade entre todos os povos. A escola deverá oportunizar que os indivíduos contextualizem inúmeras experiências, contribuindo para o desenvolvimento do homem, para o exercício de uma cidadania emancipada e de sua qualificação para o trabalho. [...]. É função da escola instrumentalizar os indivíduos para que possam participar de forma plena na vida pública, exercendo sua cidadania. (ALAGOAS, 2002, p. 09).

Coadunando com esta perspectiva ‘A Função da Educação Física na

Escola’ é apresentada e justificada na terceira seção do documento

destacando-se que este componente curricular deve atuar no “desenvolvimento

das potencialidades do indivíduo, contribuindo para sua socialização através

[...] de diferentes atividades corporais” atendendo a todo o universo escolar em

consonância com o projeto político pedagógico da escola (Ibidem, p. 10).

A quarta seção do documento é destinada à exposição dos ‘Objetivos

Gerais para a Educação Física no Ensino Fundamental’, contemplando o

ensino fundamental como um todo, onde mesmo sem fazer referência à obra,

adota em ipisis literis os objetivos contidos nos PCNs.

Os ‘Conhecimentos/Habilidades’ a serem desenvolvidos nas aulas de

Educação Física são tratados na quinta seção do 'referencial curricular' em

Educação Física da Secretaria de Estado de Educação do Alagoas. Os

conteúdos indicados são ginástica, esportes, lutas, dança, jogos e brincadeiras

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populares, sendo cada um deles detalhados em sub-temas38, e destacando-se

que devem ser abordados nas dimensões conceitual, procedimental e

atitudinal39.

A sexta seção do RC-AL versa sobre os ‘Temas Transversais’. O texto

chama atenção para o fato dos ‘Temas Transversais’ serem tratados ao longo

de todo o ensino fundamental, adequando-os ao nível de complexidade de

cada grupo ou série escolar. No documento existe a indicação de que os

‘Temas Transversais’ devem contemplar aqueles indicados nos PCNs sem, no

entanto, se limitar a eles. Finalizando esta seção, o documento apresenta uma

listagem de temas que podem ser contemplados pela Educação Física na

escola, entre eles: atividade física e sua relação com a saúde, com qualidades

físicas, com condicionamento físico, composição corporal e nutrição.

A forma de ‘Avaliação’ é apresentada na sétima seção do RC-AL

destacando-se que ela deve ser processual e contínua: com caráter

participativo, tendo como função um diagnóstico continuado, apontando

o nível de mudanças qualitativas e quantitativas no processo de apropriação dos conhecimentos, habilidades e esforço crítico e criativo dos alunos, bem como [...] na identificação e superação dos conflitos inerentes ao ensino aprendizagem [onde] o professor de Educação Física deverá estar a todo o momento identificando, refletindo e tomando decisões acerca das experiências do ensino-aprendizagem. (ALAGOAS, 2002, p. 20). (grifo do autor).

38 Este detalhamento é colocado, tendo como referencia o texto ‘RESENDE, Helder Guerra de; SOARES, Antonio Jorge et al. Elementos constitutivos de uma proposta curricular para o ensino-aprendizagem da educação física na escola: um estudo de caso. Revista Perspectivas em Educação Física Escolar. Niterói: EDUFF, 1(1): p. 26-35, 1997’, onde há uma transição da proposta que o texto contém. Isso é um fato interessante porque demonstra que o RC-AL foi além da proposta dos PCNs, no sentido de fundamentar e exemplificar o trato com o conhecimento para a Educação Física no âmbito da educação básica. 39 Zabala (1998) amplia o entendimento sobre os conteúdos de ensino ao discutir suas três naturezas: Procedimental, Atitudinal e Conceitual. Para a Natureza Procedimental os conteúdos devem abranger as vivências nas diferentes práticas educacionais, levando a aprendizagem por meio da realização de ações e reflexão sobre as mesmas, de maneira a proporcionar a execução das mesmas em ambientes diferenciados. Para a Natureza Atitudinal, os conteúdos devem abranger a aprendizagem de valores, princípios e idéias éticas, relacionados à elementos de conhecimentos e crenças, sentimentos, preferências, ações e intenções. A aprendizagem nesta natureza se dará quando o aluno pensa, sente e age de maneira coerente, estando configurada por de atitudes e normas para atuar de determinada forma. Já na Natureza Conceitual os conteúdos devem abranger conceitos, informações e premissas para o entendimento do conhecimento abordado. A aprendizagem nesta natureza se dá quando o aluno é capaz de utilizar o conhecimento para compreensão, análise e exposição de determinada situação e não apenas decorar e repetir conceitos e definições.

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A oitava seção do documento apresenta os ‘Princípios Didático-

Pedagógicos para o Ensino da Educação Física’, entendendo-se: (a) a

Educação Física enquanto disciplina curricular de enriquecimento cultural é

fundamental para o processo de socialização de valores sociais, morais, éticos

e estéticos consubstanciando princípios humanistas e democráticos

fundamentais à formação da cidadania; (b) o planejamento das atividades deve

ser aberto e continuamente reelaborado, centrado em um processo de co-

decisão efetivo entre professores e alunos; (c) os procedimentos de ensino

voltados às “experiências de ação-reflexão dos alunos acerca das dificuldades

e conhecimentos referentes à cultura corporal” (Ibidem, p. 21). O documento

ainda retrata que as “metodologias de ensino devem estar sempre

subordinadas à relação objetivo/conteúdo de ensino e as características da

turma”, onde o professor deve intervir com situações de ensino centrada nas

suas próprias decisões, a partir do processo co-decisório em conjunto com os

alunos e/ou ainda centrada nas decisões do aluno (Ibidem, p.22); (d) a

organização das aulas “deve romper com modelos tradicionais de estruturação

em partes, bem como o caráter de terminalidade”, desatrelando-se da

fragmentação dos “domínios de aprendizagem (psicomotor, cognitivo e afetivo-

social)”. As aulas devem evidenciar o “conjunto de ações efetivas e

essencialmente esperadas dos alunos” de acordo com sua tematização e

seqüencia planejada a partir de uma dinâmica de participação. (ALAGOAS,

2002, p. 21).

A nona e décima seção do RC-AL referem-se, respectivamente, à

apresentação de ‘Anexos’ ao documento (Anexo 1 – Orientações Didáticas;

Anexo 2 – Alguns Procedimentos para Discussão e Operacionalização dos

Temas Transversais; Anexo 3 – Avaliação e Procedimentos) e as ‘Referências

Bibliográficas’.

• Referencial Curricular de Educação Física da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (RC-MG)

O 'referencial curricular' em Educação Física da Secretaria de Estado

de Educação de Minas Gerais, intitulado de Conteúdo Básico Comum (CBC),

está disponível na íntegra no site da Secretaria (conforme Anexo I), contendo

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41 páginas, subdivididas em 10 partes. O documento não faz nenhuma

menção à data de publicação/divulgação.

As partes que compõem o RC-MG são: ‘Introdução’, ‘Educação Física

– uma construção histórica’, ‘Razões que justificam o ensino da Educação

Física na escola’, ‘Finalidades da Educação Física’, ‘Diretrizes para o ensino da

Educação Física’, ‘Orientações metodológicas’, ‘Avaliação do processo ensino-

aprendizagem’, ‘Conteúdo Curricular’, ‘Conteúdo Básico Comum (CBC) no

ensino de Educação Física da 5ª a 8ª séries’ e ‘Bibliografia’.

A ‘Introdução’ expõe que o documento consiste numa revisão do CBC

anterior, sendo fruto de uma avaliação contínua do seu processo de

implantação, resultante da participação dos professores e das análises dos

especialistas responsáveis pelo seu desenvolvimento.

A segunda parte do RC-MG que aborda ‘Educação Física – uma

construção histórica’, discorre sobre o processo de instituição deste

componente curricular na história da escola moderna, dialogando com as idéias

de vários autores da área (BRACHT, 1999, SOARES, 2001, e VAGO, 2002),

contextualizando a função assumida pela Educação Física de acordo com o

momento histórico-político-social que o Brasil atravessava, vinculada aos

interesses das instituições militar, médica, religiosa (catolicismo) e

representativas das formas produtivas. Esta parte apresenta também uma

trajetória legal da Educação Física enquanto componente curricular,

destacando seu percurso desde as DCNs, passando pela LDB 9394/96,

chegando aos PCNs, assim como exploramos no Capítulo II deste estudo.

As ‘Razões que justificam o ensino da Educação Física na Escola’

compõem a terceira parte do RC-MG e são assim destacadas: a) contribuir

com um processo de formação humana que valorize a formação estética,

política e ética dos alunos, além do domínio de conhecimentos, competências e

habilidades intelectuais e motoras; b) buscar estratégias que considerem a

corporeidade como elemento de formação humana, assegurando aos alunos

os conhecimentos que garantam autonomia em relação ao seu corpo; e, c)

tratar das práticas corporais construídas ao longo dos tempos – esporte,

ginástica, jogos, brincadeiras, dança, movimentos expressivos, etc.

Ainda nesta parte a função da escola é destacada pelo RC-MG

extrapolando o âmbito da atividade intelectual, onde a escola é vista como

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tempo e espaço de vivência sociocultural, aprendizado de saberes e desenvolvimento do sujeito, considerando a pluralidade das potencialidades humanas, valorizando o conhecimento, a arte, a estética, a identidade, o sentimento, a emoção e as múltiplas linguagens; [...] cabendo a ela assegurar aos alunos acesso aos bens culturais, aos conhecimentos que garantam autonomia em relação ao seu corpo e o exercício da cidadania”. (MINAS GERAIS, [200-], p.05)

A quarta parte do RC-MG destaca as ‘Finalidades da Educação Física’

a partir da proposta da UNESCO40 para a educação no século XXI, apoiando-

se em quatro pilares: a) aprender a conhecer e a perceber; b) aprender a

conviver; c) aprender a viver e, d) aprender a ser. Para cada pilar o documento

relaciona estas finalidades ao contexto da Educação Física na escola, que

deve propiciar ao aluno:

Aprender a conhecer e a perceber, de forma permanente e contínua, seu corpo, suas limitações, na perspectiva de superá-las, e suas potencialidades, no sentido de desenvolvê-las, de maneira autônoma e responsável. Aprender a conviver consigo, com o outro e com o meio ambiente [...] por meio de vivências corporais e interações sociais éticas [...]. Aprender a ser cidadão consciente, autônomo, responsável, competente, crítico, criativo, sensível. Aprender a viver plenamente sua corporeidade, de forma lúdica, tendo em vista a qualidade de vida, promoção e manutenção da saúde. (MINAS GERAIS, [200-], p. 06).

São sete as ‘Diretrizes para o ensino da Educação Física’ que o RC-

MG aborda, compondo a quinta parte do documento. Baseiam-se nas

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e Médio, como

também nas diretrizes propostas para a formação de professores da educação

básica, buscando orientar as ações educativas e os processos de tomada de

decisões dos professores de Educação Física nas séries finais do Ensino

Fundamental; são elas: a) Corpo concebido na sua totalidade; b) A qualidade

de vida como requisito para a vivência corporal plena; c) As práticas corporais

como linguagem; d) A ludicidade como essência da vivência corporal; e) A

escolarização como tempo de vivência de direitos; f) A democracia como

fundamento do exercício da cidadania; e, g) A ética e a estética como

princípios norteadores da formação humana. O RC-MG explica, detalha e

exemplifica cada uma dessas diretrizes, o que contribui para fundamentação e

suporte do professor. 40 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

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É interessante destacar essa influência das DCNs no RC-MG,

refletindo a lógica do que dispõe os documentos normativos como a LDB e as

próprias DCNs, no tocante a articulação entre as diversas instâncias legais

educacionais para a formulação de propostas pedagógicas e regimentos das

unidades escolares.

As ‘Orientações Metodológicas’ para o trato da Educação Física na

escola são expostas na sexta parte do RC-MG, destacando-se os seguintes

princípios metodológicos norteadores do processo de ensino-aprendizagem:

a) Reconhecimento e valorização das experiências e conhecimentos

prévios dos alunos, de forma que o conhecimento popular possibilite o

reinventar do mundo cultural; b) Consideração da diversidade cultural como

ponto de partida da educação inclusiva, onde a Educação Física deve

desenvolver uma prática pedagógica “não discriminatória entre meninos e

meninas, independentemente da classe social, do grupo étnico e do credo

religioso a que pertencem ou do nível de aptidão física ou mental que

possuem”. (MINAS GERAIS, [200-], p.13); c) Integração teoria-prática, levando

o aluno a aprender pelo processo de ação-reflexão-ação, onde “as práticas

corporais deixam de ser vistas como um ‘fazer pelo fazer’, [...] como uma

atividade desprovida de significado e intencionalidade educativa, e passem a

serem percebidas como conhecimentos importantes e necessários na

formação humana do educando” (ibidem) (grifo do autor); d)

Interdisciplinaridade, não só articulando as disciplinas entre si, mas também

relacionando-as com o cotidiano da vida dos alunos, desenvolvendo-se por

exemplo, projetos de trabalho; e) Articulação coerente entre conteúdos,

métodos e recursos didáticos, onde o RC-MG lista uma série estratégias

metodológicas enfatizando que o professor deve ter uma postura de

pesquisador, estando atento “àquilo que está acontecendo à sua volta para

relacionar esses acontecimentos com suas aulas” (ibidem, p.14); f)

Ressignificação da concepção dos espaços e tempos, onde “os espaços

destinados às aulas de Educação Física precisam ser compreendidos pela

escola como "salas de aula", e, como tal, devem ser respeitados” enfatizando

que os conteúdos não podem ser determinados pelos espaços. (ibidem); g)

Avaliação processual e permanente das ações educativas; e, h) Aprendizagem

continuada, onde professores e alunos possam se atualizar permanentemente.

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O RC-MG, ao abordar o princípio metodológico da ‘Ressignificação da

concepção dos espaços e tempos’, destaca que as ‘salas de aula’ da Educação

Física “sejam espaços dinâmicos, abertos às experiências teórico-práticas, aos

diálogos interdisciplinares e às possibilidades de reorganização dos tempos

educativos”, ressaltando que a realidade de grande parte das escolas públicas

brasileiras, exige do professor “bom senso e criatividade para adaptar certos

conteúdos aos espaços disponíveis”. Porém, atenta que os conteúdos não

devem ser determinados pelos espaços físicos disponíveis na escola. (MINAS

GERAIS, [200-], p.14).

Esse destaque do RC-MG nos faz perceber a preocupação do

documento em relacionar à proposta curricular com a realidade da escola

pública, onde o 'referencial curricular' não é pensado sem associação com o

cotidiano escolar, pois qualquer proposta pedagógica deve levar em

consideração as condições, contradições e necessidades da comunidade

escolar a que se destina.

Essa orientação metodológica nos faz refletir nos espaços ocupados

pela Educação Física na escola e nos materiais didáticos que esta disciplina

possa utilizar. Nossas ‘salas de aulas’ são as quadras e piscinas, os pátios, os

laboratórios, os ginásios, os parques e campos, entre outros; mas nem sempre

as escolas públicas têm estes espaços disponíveis em condições de uso. Cabe

ao professor além de reivindicar por estes espaços, também não ficar

esperando ter uma quadra ou uma bola ‘oficial’ para dar aula. Usar a

criatividade, como coloca a proposta do RC-MG, quer dizer utilizar outros

espaços disponíveis, como praças, jardins, a sombra de uma árvore e

localidades próximas as escolas que favoreçam as práticas corporais.

Ressaltamos também que quando o documento coloca que os conteúdos não

podem ser determinados pelos espaços, refere-se indagar porque não

trabalhar com a dança na quadra? Ou a ginástica na praça? Ou o esporte no

campo?

A ‘Avaliação do Processo Ensino-Aprendizado’, exposta na sétima

parte do RC-MG, é para considerada para este 'referencial curricular' por

desempenhar

diversas funções e serve a vários objetivos não só para os alunos, como para os professores, para a instituição escolar, a família e o sistema social. Possibilita a criação de uma cultura de

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responsabilidade pelos resultados, utilizando-os em ações de realimentação e ressignificação das práticas educativas escolares e políticas educacionais. (MINAS GERAIS, 2006, p.15).

Neste sentido são pontuadas as seguintes questões: a) O que avaliar

no ensino da Educação Física?; b) Para que avaliar?; c) Mas quem avalia?; d)

Quando se deve avaliar?; e) Como avaliar?; e, f) O que fazer com os

resultados? Para cada um dos pontos acima são contextualizadas e descritas

orientações que superam a perspectiva de avaliação voltada apenas à

atribuição de notas ou de situações de aprovação/reprovação, enfatizando-se a

perspectiva da forma sistemática de avaliação do processo de ensino-

aprendizagem, diferenciando-se os enfoques dados à medida da avaliação

com ‘referência à normas’ e com ‘referência à critérios’41.

O item ‘Conteúdo Curricular’ compõe a oitava parte do RC-MG e trata

da organização dos conteúdos de ensino-aprendizagem da Educação Física. O

documento os subdivide em conteúdos básicos e conteúdos complementares,

ressaltando que eles devem ser abordados no sentido de que o aluno

desenvolva competências e habilidades, considerando-se e articulando-se as

três naturezas do conteúdo – procedimental, atitudinal e conceitual, de acordo

com Zabala (1998).

O documento denomina de eixos temáticos os conteúdos de ensino

básicos que devem estruturar e definir a área de conhecimento da Educação

Física enquanto componente curricular, sendo eles: esportes, jogos e

brincadeiras, ginástica, dança e movimentos expressivos. O RC-MG tem a

preocupação de fazer uma fundamentação teórica para cada um desses eixos

temáticos. Em seguida subdivide cada eixo em temas, que por sua vez

subdividem-se em tópicos. No que concerne aos conteúdos complementares, o

RC-MG apresenta algumas sugestões, deixando claro que estes devem ser

definidos de acordo com a necessidade da comunidade escolar.

O documento adota Corpo e Lazer como conhecimentos estruturadores

da Educação Física e, dessa forma, devem ser contemplados em todos os

41 A Avaliação com referencias às normas trata dos “instrumentos de medida [...]utilizados para selecionar alguns indivíduos de determinado grupo ou para classificá-los em ordem crescente de desempenho para detectar quem são os melhores”. A avaliação com referencia a critérios deve ser utilizada quando se necessita “estimar o nível de desempenho do individuo em relação às suas potencialidades ou a algum critério padronizado (padrão de conhecimento, conduta, habilidade esperado)”. (MINAS GERAIS, [200-], p. 17-18).

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eixos temáticos; neste sentido o RC-MG explica, detalha e exemplifica a

respeito do Corpo e do Lazer abordando estudos, autores e conceitos

relevantes. Da mesma forma, esta parte do RC-MG é finalizada destrinchando-

se cada um dos eixos temáticos (esporte, jogos e brincadeiras, ginástica,

dança e movimentos expressivos).

A nona parte RC-MG trata do ‘Conteúdo Básico Comum (CBC) no

Ensino de Educação Física da 5ª a 8ª séries’, apresenta os eixos temáticos

pontuando seus respectivos temas e tópicos, destacando as habilidades

objetivadas em cada um; além dos temas complementares relacionados a cada

eixo temático.

A última parte do documento, ‘Bibliografia’, apresenta uma vasta

relação de títulos, assim como legislações relacionadas à Educação Física na

escola.

• Referencial Curricular de Educação Física – Secretaria de Estado de Educação do Paraná (RC-PR)

O documento que tivemos acesso está disponível, na íntegra, no site

da Secretaria de Estado de Educação do Paraná (conforme Anexo I), cujo título

é ‘Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental – Educação Física’. O

documento é composto de 46 páginas, subdividido em 7 partes: ‘Introdução’,

‘Concepção de Educação Física’, ‘Algumas reflexões acerca da hegemonia da

Psicomotricidade e do Esporte’, ‘Eixos orientadores para a o ensino da

Educação Física’, ‘Palavras finais’, ‘Referências’ e ‘Anexos’.

Na ‘Introdução’ é descrito o processo de construção do RC-PR, que

ocorreu a partir de iniciativas conjuntas da Secretaria de Estado de Educação,

dos professores da rede e de assessores pedagógicos convidados para

subsidiar os trabalhos.

O documento destaca a participação do coletivo de professores na sua

construção. Relata um conjunto de ações para a efetivação do documento,

sendo elas: encontros de assessoria pedagógica, encontros em subgrupos,

reuniões técnicas, estudo de fontes bibliográficas, realização de um seminário,

construção de um documento preliminar e construção do documento definitivo

a partir de reuniões entre os professores da equipe técnico-pedagógica e um

professor assessor pedagógico do ensino superior. O documento em toda sua

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Introdução tem a preocupação de afirmar a importância da reflexão sobre as

práticas escolares que norteia o RC-PR, entendendo que um 'referencial

curricular'

[...] tem a prerrogativa de permitir aos docentes que reflitam sobre o seu fazer e optem por aquelas alternativas mais adequadas às suas necessidades e anseios cotidianos. Nenhuma nova diretriz se implanta em semanas ou meses. Toda reflexão, assim como a proposição de novas práticas, precisa ser submetida aos imperativos das situações concretas das escolas. (PARANÁ, 2006, p. 03).

A segunda parte trata da ‘Concepção de Educação Física’, onde o RC-

PR destaca sua identificação com a concepção sociocultural de Educação

Física, baseada na corporalidade. O documento fundamenta esta escolha a

partir da reflexão dos professores em relação à ação docente, onde o modelo

de ensino que privilegiava o fenômeno esportivo e uma visão fragmentada e

reducionista de homem e de cultura já não mais atende as necessidades dos

professores e dos alunos. O RC-PR, por sua vez, ao eleger a corporalidade

como eixo principal da proposta entende que este enfoque permite ampliar as

possibilidades de intervenção pedagógica e o interesse desse componente

curricular, sendo entendida como:

A expressão criativa e consciente do conjunto das manifestações corporais historicamente produzidas, as quais pretendem possibilitar a comunicação e a interação de diferentes indivíduos com eles mesmos, com os outros, com seu meio social e natural. Essas manifestações baseiam-se no diálogo entre diferentes indivíduos, em um contexto social organizado em torno das relações de poder, linguagem e trabalho. (PARANÁ, 2006, p. 06).

O documento faz uma extensa exposição sobre esta ‘Concepção de

Educação Física’, justificando-a, fundamentando-a e destacando que é

imprescindível identificar e ampliar as práticas educativas organizadas e

fundamentadas, onde qualquer iniciativa educacional fundada na corporalidade

requer sempre, uma intencionalidade.

A noção de corporalidade adotada pelo RC-PR está intimamente

relacionada à noção de cultura escolar e o fazer cotidiano do professor. Nesta

perspectiva, a cultura escolar é entendida como o resultado da relação do que

é específico a cada comunidade (cidade, bairro, escola) com a “produção

cultural humana dotada de alguma universalidade”, possibilitando compreender

porque grupos distintos têm práticas e costumes corporais também distintos

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(PARANÁ, 2006, p. 09). Portanto, a relação ‘corporalidade - cultura escolar -

fazer pedagógico’, possibilita

o enriquecimento das formas de atuação dos professores, oportunizando uma maior valorização da cultura como lugar de produção de sentido e de potencialização da riqueza da experiência humana, eminentemente corporal – aspecto fundamental para a Educação Física. (Ibidem).

Partindo da ‘Concepção de Educação Física’ fundada na

Corporalidade e da Cultura como uma expressão da diversidade, no sentido de

oferecer novos sentidos às práticas escolares, o RC-PA enfatiza a ‘Cultura

Corporal de Movimento’, onde colocam o entendimento de que

merecem destaque as ações pedagógicas que intensifiquem a compreensão do aluno sobre nossa diversidade cultural em termos corporais, com o intuito de que possa tanto respeitar as diferenças identificadas, como também se posicionar frente a elas de modo autônomo, realizando opções. (PARANÁ, 2006, p. 17).

A terceira parte do RC-PA é destinada a abordar ‘Algumas reflexões

acerca da hegemonia da Psicomotricidade e do Esporte’, fazendo um breve

retrospecto e uma profunda crítica de como estas mediaram e ainda mediam a

concepção e a prática da Educação Física na escola.

Na quarta parte RC-PR são apresentados os quatro ‘Eixos

orientadores para o ensino da Educação Física’. Os eixos são: ‘O corpo que

brinca e aprende: manifestações lúdicas’; ‘Potencial expressivo do corpo’;

‘Desenvolvimento corporal e construção da saúde’; e ‘Relação do corpo com o

mundo do trabalho’. O RC-PA destaca que esses eixos não são conteúdos,

mas orientações temáticas que ganham maior ou menor ênfase de acordo com

contexto que a Educação Física está inserida e servem de apoio à organização

do trabalho pedagógico.

Em relação aos conteúdos de ensino da Educação Física na escola, o

RC-PR destaca que o documento, por se basear nas noções de cultura escolar

e corporalidade,

[...] implica reconhecer o que é específico de cada comunidade, [onde] não faz sentido pensar em definir “a priori” os conteúdos por série para o Ensino Fundamental, muito menos um modelo único para todo o estado, ainda que todas as comunidade estejam reunidas em torno de uma unidade política maior, qual seja, o próprio Estado do Paraná. (PARANÁ, 2006, p. 28). (grifo do autor).

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A quinta parte do RC-PR é destinada às ‘Palavras Finais’, que

abordam questões à respeito da ampliação do entendimento das práticas

corporais como forma de reorientar a prática pedagógica da Educação Física

na escola, sugerindo o desenvolvimento de temas como: ‘Manifestações

esportivas’; ‘Manifestações ginásticas’; ‘Jogos, brincadeiras e brinquedos’; e,

‘Manifestações estético-corporais na dança e no teatro’. Para cada um desses

temas o RC-PA sugere sua abordagem pautada sobre: origem, princípios,

sentidos, tipos, manifestações, diferenças e relações sócio-culturais. O

documento ainda ressalta que outras temáticas podem e devem ser abordadas,

relacionando-se com os quatro eixos orientadores.

A sexta parte do documento é destinada à uma vasta listagem das

referências bibliográficas utilizadas, assim como à apresentação de outras

bibliografias separadas por assunto (‘cultura escolar’, corporalidade’, ‘ensino de

Educação Física’, ‘conhecimento do corpo’, ‘manifestações esportivas’,

‘manifestações ginásticas’, ‘jogos, brincadeiras e brinquedos’, ‘manifestações

estético-corporais na dança e no teatro’), além de indicação de revistas e

periódicos científicos e uma listagem de sites.

A última parte do RC-PR traz como ‘Anexo’ o texto que trata das

‘Questões norteadoras do debate sobre a corporalidade’.

• Referenciais Curriculares em Educação Física – Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (RC-RJ)

Em relação ao estado do Rio de Janeiro, tivemos acesso a um

documento sob a forma de arquivo word, contendo 33 páginas. Este

documento, denominado de ‘Reorientação Curricular de Educação Física -

Proposta de Diretriz Curricular’, é datado de 2004 e foi republicado no ano de

2006. O RC-RJ foi obtido através de contato com uma professora da rede

estadual de ensino público. Além desta proposta, a Secretaria de Estado de

Educação do Rio de Janeiro, publicou também em 2006, um documento

intitulado ‘Reorientação Curricular – Curso de Atualização para Professores

Regentes – Educação Física – Ensino Fundamental e Ensino Médio – Sucesso

Escolar’. Apresentaremos, portanto, estes dois documentos em conjunto.

O primeiro documento, ‘Reorientação Curricular de Educação Física -

Proposta de Diretriz Curricular’ está subdividido em cinco seções, embora o

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documento numere apenas três delas. O que estamos considerando com

primeira seção do RC-RJ refere-se a uma rápida apresentação da estrutura do

documento.

A segunda seção trata do ‘Jogo e a Ludicidade’, concebidos como

princípios metodológicos – destaca a importância da Educação Física trabalhar

com os conteúdos jogos, ginásticas, lutas, brinquedos populares e esportes,

valorizando a sua ludicidade.

É interessante notar que não há coerência no RC-RJ ao destacar como

Princípios Metodológicos o Jogo e a Ludicidade, pois o entendimento de

principio metodológico são as fundamentações que nortearão as ações do

processo de ensino-aprendizagem do professor e não o que ele deve ensinar

(conteúdo), que neste caso deveria ser o Jogo com enfoque na ludicidade.

A terceira seção do RC-RJ trata o ‘Movimento corporal e as

abordagens pedagógicas’, comentando sobre diversos autores da área que

tratam das concepções pedagógicas e orientações didático-metodológicas para

o ensino-aprendizagem da Educação Física na escola.

A quarta seção do RC-RJ tece orientações acerca da ‘Prática

Pedagógica’ do professor, sendo subdividida em partes que versam sobre os

‘Objetivos gerais da Educação Física na escola’, ‘Sugestões de conteúdos e

atividades’, e ‘Princípios dos procedimentos metodológicos e avaliativos’.

Na parte que reporta aos objetivos gerais, destaca que a Educação

Física na escola deve possibilitar aos alunos:

Descobrir múltiplas possibilidades de se expressar corporalmente de forma crítica no mundo; Compreender o mundo do jogo vivido real e imaginariamente para vivenciar a prática lúdica; Desvelar o próprio corpo como um signo, despertando seu lado visível e invisível; Participar de práticas dialógicas visando o entendimento de sua prática corporal; Entender a prática corporal envolvendo a compreensão dos aspectos cognitivos, motores, afetivos - sociais de forma prazerosa e consciente; Compreender as múltiplas atividades (corporais) que são vivenciadas no processo ensino e aprendizagem para alcançar a autonomia da prática corporal no seu cotidiano; Conhecer as diferentes manifestações corporais relacionadas à saúde, à beleza e à qualidade de vida, analisando criticamente suas implicações; Participar de práticas de lazer, divulgando-as e compreendendo-as como atividade lúdica, capaz de promover a harmonia do ser; Distinguir os diferentes campos de atuação profissional do esporte e lazer para ampliar seu olhar sobre o mundo. (esse seria em relação ao profissional do esporte); Adquirir valores que o conduzam a um convívio social harmônico e prazeroso, distanciando-o de ambientes de conflito; Explorar o espaço físico destinado à prática da Educação Física propondo diferentes formas de utilização do mesmo.(RIO DE JANEIROa, 2006, p.12-13).

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Na seção referente às ‘Sugestões de Conteúdos e Atividades’, os conteúdos são

entendidos como “toda manifestação cultural que corresponda à dimensão lúdica ou à

construção de técnicas de desenvolvimento corporal” (RIO DE JANEIROa, 2006, p. 13). As

atividades são as expressões do jogo entendidas nas formas de brincadeira, de luta, de dança,

de ginástica, de esporte ou de exercício corporal. O RC-RJ ainda destaca que as três

dimensões do conhecimento humano devem ser contempladas: a motricidade, os sentidos e os

símbolos. Os conteúdos de ensino-aprendizagem são organizados em temas e sub-temas, com

base e a exemplo do que sugere o livro ‘Educação como Prática Corporal’ de Freire e Scaglia

(2003). Os RC-RJ sugerem este livro como principal fonte de referência a fim de “facilitar a vida

do professor” (RIO DE JANEIROa, 2006, p.14).

Para nortear os ‘Princípios dos Procedimentos Metodológicos e Avaliativos’, o RC-RJ

destaca que não é apenas selecionando algum método de ensino e procedimento de

avaliação, que haverá garantia de uma “formação humana e a aquisição da competência

técnica do que está sendo ensinado” (RIO DE JANEIROa, 2006, p. 30).

Neste sentido, o documento alerta que os professores devem aprender a lidar com

questões como a individualidade, os erros, as motivações, as prontidões e os questionamentos

dos alunos, de maneira que haja uma “co-participação no planejamento ao eleger o método de

ensino e os procedimentos de avaliação de acordo com os objetivos e os conteúdos na

aprendizagem de uma determinada habilidade” (ibidem).

Para que se tenham situações estimuladoras para a aprendizagem, onde a criança

viabilize a compreensão do movimento manifestando seus sentimentos e utilizando as

experiências motoras em seu meio social, o RC-RJ indica que a metodologia de ensino-

aprendizagem seja baseada no princípio da problematização, como sugere em Kunz (2001),

entendendo que

A problematização pode fomentar um processo permanente de criação e descoberta, a partir das buscas de soluções, em que o aluno “vivencia um agir de forma independente, uma cooperação e uma comunicação com o grupo e com o professor”, possibilitando um saber, experiências e conhecimentos de maior relevância para sua vida. (KUNZ, apud RIO DE JANEIROa, 2006, p. 31).

No que tange à avaliação, o RC-RJ sugere que esta “passe a ser vista

com alegria e aliada na aprendizagem das habilidades, e não como punição,

comparação ou ferramenta de seleção. Ela faz parte do ambiente em que se dá

aprendizagem – a aula, não deve existir um dia específico de avaliar”. (RIO DE

JANEIRO, 2006, p. 31). O documento também estimula a realização da auto-

avaliação, o respeito às limitações dos outros, a percepção das emoções

diante das dificuldades encontradas e a interação e colaboração com o grupo.

A última seção do primeiro documento do RC-RJ é destinada à

apresentação das ‘Referências Bibliográficas’.

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O segundo documento que compõe os RC-RJ denomina-se

‘Reorientação Curricular – Curso de Atualização para Professores Regentes –

Educação Física – Ensino Fundamental e Ensino Médio – Sucesso Escolar’.

Ele é resultante de uma parceria entre a Secretaria de Estado de Educação do

Rio de Janeiro e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, que promoveram

no ano de 2005, cursos para os professores de Educação Física da rede

estadual, a partir do qual foram coletadas informações para a fundamentação

teórico-metodológica do RC-RJ. O documento trata-se portanto, de uma

coletânea de atividades de ensino apresentadas sob a forma de relato de

experiência, tendo sua autoria compartilhada por um coletivo de 36

professores.

O segundo documento que compõe os RC-RJ está subdividido em

‘Apresentação’, ‘Ensino Fundamental’, ‘Ensino Médio’ e ‘Resumo do

documento de reorientação curricular de Educação Física’. Dessas quatro

partes, analisaremos apenas o conteúdo da ‘Apresentação’ e o referente ao

‘Ensino Fundamental’, considerando que o ‘Resumo’ é uma síntese do primeiro

documento do RC-RJ analisado anteriormente. A seção que diz respeito ao

‘Ensino Médio’ também não foi analisada por não ser foco deste estudo.

A seção denominada ‘Apresentação’, expõe como se deu o ‘Curso de

Atualização de Professores Regentes de Educação Física do Programa

Sucesso Escolar 2005’, que teve como objetivo

reconhecer e trabalhar temas importantes para o nível de escolaridade em que o professor atua, contribuindo para seu avanço conceitual e didático [...] levando-os a conhecer de forma mais profunda o documento de Reorientação Curricular (RIO DE JANEIROb, 2006, p.15).

A partir desse curso e das orientações curriculares (apresentadas

acima no primeiro documento do RC-RJ), os professores elaboraram planos de

aula onde deveriam “colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao longo

[...] [do curso], retornando com o relato de sua experiência” (RIO DE

JANEIROb, 2006, p.15).

A seção referente ao ‘Ensino Fundamental’ expõe o relato de

dezenove experiências (planos de aula) relacionadas ao ensino da Educação

Física neste segmento de ensino. De cada relato de experiência constam tema

e sub-tema da aula, a descrição das atividades aplicadas, uma breve

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introdução sobre as mesmas, os objetivos de ensino de cada atividade, o

desenvolvimento da aula e, por fim, uma análise crítica feita pelo professor,

relacionando o plano de aula com a proposta de Reorientação Curricular de

Educação Física.

• Referencial Curricular em Educação Física da Secretaria de Estado de Educação de Rondônia (RC-RO)

O RC-RO é um documento de 33 páginas denominado ‘Matriz

Curricular de Educação Física – Rondônia’. O documento é organizado em

nove partes denominadas: ‘Apresentação’, ‘Histórico’, Fundamentação Legal’,

‘Avaliação’, ‘Objetivos’, ‘Conteúdos: Ensino Fundamental (1ª a 4ª série)’,

‘Conteúdos: Ensino Fundamental (5ª a 8ª série)’, ‘Conteúdos: Ensino Médio’,

‘Referências Bibliográficas’.A seção sobre ‘Conteúdos: Ensino Médio’ não foi

analisada, considerando este estudo está delimitado ao ensino fundamental.

Na primeira parte do RC-RO é feita uma breve ‘Apresentação’ do

documento, destacando-se que o 'referencial curricular' tem a “finalidade de

sistematizar as ações dos professores, [...] respeitando as diversidades de

condições, frente às realidades do Estado[...]”. Neste sentido, percebe-se no

RC-RO uma preocupação com as condições estruturais da escola pública. O

'referencial curricular' assume, a tarefa de “operacionalizar os conteúdos da

Educação Física [...] sem prejuízo da sua identidade e de sua legitimidade”

(RONDÔNIA, 2002, p.05).

A segunda parte do RC-RO é destinada à apresentação de um

‘Histórico’. Apresenta o percurso de construção do documento, que iniciou no

ano de 2001, através do ‘Projeto de Reformulação da Proposta Pedagógica da

Educação Física’, em conjunto com o corpo docente do Estado, tendo por

objetivo problematizar e atualizar a Educação Física na escola. Para tal, foi

constituída uma equipe de professores especialistas com o papel de prestar

consultoria e organização científica do processo de construção do RC-RO,

ocorrido nos Encontros Estaduais dos Profissionais de Educação Física.

Esses encontros oportunizaram reflexões sobre a prática pedagógica e

seu significado no processo formativo e informativo da educação escolar. O

texto destaca que para repensar e reorganizar as propostas curriculares deve

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haver participação aberta dos professores, que são convocados “à

responsabilidade pedagógica da Educação Física” (RONDÔNIA, 2002, p. 06).

A segunda etapa de elaboração do RC-RO, desenvolvida no ano de

2002, contou com o envolvimento e aval dos professores, para o

desenvolvimento de uma proposta de sistematização dos conteúdos,

considerada, segundo o documento, de ousada, pois foi feita a partir do

recolhimento das “diversas experiências dos docentes de todo o Estado de

Rondônia” (Ibidem).

A terceira parte do RC-RO – ‘Fundamentação Legal’ – destaca que a

Educação Física sendo considerada como componente curricular, de acordo

com a LDB (Lei no 9.394/96), deve ser ofertada a todos os segmentos de

ensino e reivindicam que esta obrigatoriedade seja efetivada. Tal reivindicação

é decorrente da Resolução no 138/99 /CEE/RO, de fevereiro de 2000, que

regulamenta o oferecimento da Educação Física no Estado apenas a partir da

5ª série. Dessa forma, os professores entendem que há, por parte do Estado, o

descumprimento do que determina a LDB.

Tal resolução foi levada à consulta junto ao Conselho Nacional de

Educação, que concluiu que “não precede [...] a alegação de suposta

contrariedade com a Lei 9394/96” (Ibidem p.08). Assim sendo, indagamos

como uma ação deste tipo é regulamentada pelo próprio CNE que geriu as

DCNs, que tratam a Educação Física como Área do Conhecimento devendo

estar presente em todas as séries escolares?

A quarta parte do RC-RO ressalta que a ‘Avaliação’ em Educação

Física deve ocorrer no sentido de verificar se os alunos

Construíram, reconstruíram e reelaboraram os conhecimentos; promoveram a interação entre o fazer e o saber-fazer, seus efeitos, relações e coordenações; analisaram, refletiram e abstraíram sobre seu corpo, percebendo-se corpo, corpo possível e em movimento. (Ibidem, p.10).

O documento destaca que a avaliação deve ser processual, permitindo

ao professor ajustar, aprofundar e elaborar o conteúdo.

O RC-RO no item da avaliação destaca que a Educação Física deve

ser tratada como área de conhecimento, desenvolvendo os conteúdos

inerentes à mesma, sendo utilizada para

A construção da motricidade, por meio da produção de abstrações pelo aluno, levando-o a [...] usar o mesmo movimento em diversas e

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diferentes situações. [...]. Assim, o movimento trabalhado na disciplina deve [ser] compreendido pelo professor como uma manifestação viva e complexa da corporeidade. (RONDÔNIA, 2002, p.10).

Percebemos, com esta passagem que há uma exposição do que o RC-

RP considera ser o papel da Educação Física e do professor, assim como seu

pressuposto – a corporeidade.

No que tange ao ‘Objetivo Geral do Componente Curricular’, este é

colocado com o intuito de “dominar os conhecimentos relativos ao movimento

humano em sua complexidade estrutural e como elemento de convívio e

construção cultural, por meio de ações integradas e participantes, para desfrute

de uma vida saudável e harmoniosa”, sendo o ‘Objetivo Geral para o Ensino

Fundamental’, “explorar e analisar o mundo motor por meio das manifestações

da cultura corporal visando o entendimento social e a estimulação ao

desenvolvimento das potencialidades motoras”. Tais objetivos compõem a

quinta parte do RC-RO, onde também são subdivididos e apresentados os

objetivos gerais da 1ª a 4ª e da 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental. (Ibidem,

p. 11).

Em seguida aos objetivos, mas ainda compondo a quinta parte do RC-

RO, são destacados os ‘Conteúdos’ para cada série do Ensino Fundamental.

Tanto os objetivos para cada segmento do Ensino Fundamental, quanto a

proposição dos conteúdos para cada série são organizados em ‘núcleos’.

Para a 1ª série, no núcleo I, são apresentados como conteúdos:

Esquema Corporal, Lateralidade, Equilíbrio Corporal, Habilidades Motoras de

Base, Estruturação Espaço-Temporal, e Coordenação Motora. No Núcleo II são

propostos Jogos Populares do Mundo Infantil, Atletismo e Ginástica Geral. No

Núcleo III, Brinquedos Cantados, Danças Folclóricas, Danças Populares,

Mímicas e O Corpo como Elemento Rítmico. No Núcleo IV, Atividade Física e

Higiene Pessoal, Atividade Física e o Meio Ambiente, Alimentação, Sistema

Cárdio-Respiratório e, Postura e Atividade Física.

Para a 2ª, 3ª e 4ª séries os conteúdos abordados em cada núcleo se

diferenciam e se ampliam em relação à série anterior, como também são

agregados novos conteúdos ao Núcleo I, Capacidades Físicas; ao Núcleo II

Futsal/Futebol de Campo e Lutas; ao Núcleo III, Ritmo e Ginástica Geral, e ao

Núcleo IV, Primeiros Socorros e Maturação Biológica.

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Os núcleos de conteúdo para o segundo segmento do Ensino

Fundamental são assim compostos: para a 5ª série, no Núcleo I, os conteúdos

apresentados são as Bases Anatômicas do Movimento, as Habilidades Motoras

e Capacidades Físicas, e as Bases Fisiológicas do Movimento. No Núcleo II,

deve-se abordar as Atividades Esportivas, a Ginástica Geral, o Atletismo, o

Voleibol, o Futebol de Campo/Futsal, o Basquete e o Handebol. No Núcleo III,

as Noções e Conceitos de Ritmo e Expressão Corporal, a Dança como

Manifestação Sócio-Cultural e as Danças Folclóricas da Região Norte. No

Núcleo IV, o Exame Antropométrico, os Primeiros Socorros, a Higiene, a

Alimentação, a Atividade Física e o Exercício Físico e suas relações com a

Saúde, e as Habilidades e Capacidades Físicas Relacionadas à Saúde.

Para a 6ª, 7ª e 8ª séries os conteúdos abordados em cada núcleo se

diferenciam e se ampliam em relação à série anterior, como também são

agregados novos conteúdos ao núcleo I, Bases Bio-antropológicas do

Movimento; ao Núcleo IV, Atividade Física e a Postura Corporal, A Atividade

Física e a sua Relação com a Prevenção e Controle de Doenças, Noções

sobre Metabolismo, Maturação Sexual e Desempenho Físico, Funções

Orgânicas Relacionadas com Atividade Física, a Questão de Gênero e os

Desempenhos Físicos, As Drogas Legais e Ilegais e seus efeitos quando da

realização de Atividades Físicas.

Chamamos a atenção para um equivoco nesta organização do

conhecimento para a Educação Física quando o RC-RO apresenta como

conteúdo de ensino as estruturas psicomotoras de base, como Esquema

Corporal, Lateralidade, Equilíbrio Corporal, Habilidades Motoras de Base,

Estruturação Espaço-Temporal, e Coordenação Motora. Enfatizamos que estas

estruturas psicomotoras de base não são conteúdos da Educação Física na

escola. Trata-se de objetivações qualitativas que tendem a ser aperfeiçoadas

com a prática da ginástica, do esporte, do jogo e da dança, entre outros

conteúdos. A coordenação motora, assim como as citadas estruturas

psicomotoras de base são desenvolvidas e aprimoradas a partir da vivência

procedimental de práticas corporais que, no âmbito da Educação Física,

compõe a cultura corporal, denominação utilizada nos próprios 'referenciais

curriculares' em análise.

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Ainda neste 'referencial curricular', são propostos como conteúdo de

ensino: ‘Atividade Física e Higiene Pessoal’, ‘Atividade Física e o Meio

Ambiente’, ‘Alimentação’, ‘Sistema Cárdio-Respiratório’ e, ‘Postura e Atividade

Física’. Destacamos que estas temáticas não são conteúdos, mas que

caracterizam-se como uma dimensão conceitual que pode ser desenvolvida em

qualquer elemento da cultura corporal.

O RC-RO menciona a expressão ‘atividade física’ sem, no entanto,

defini-la e delimitá-la. Segundo Hoffman e Harris (2002), atividade física é todo

e qualquer movimento corporal voluntário, intencional e realizado em função de

um determinado objetivo. Tocar piano, por exemplo, é uma atividade física,

assim como dirigir um carro, subir escada, jogar futebol, etc. Assim concebido,

nem toda atividade física é objeto de ensino-aprendizagem da Educação

Física. Por isto, vários especialistas da área definem que o conhecimento de

ensino-aprendizagem da Educação Física é a Cultura Corporal (SOARES et

al., 1992), ou Cultura de Movimento (KUNZ, 1994). No entanto, o RC-RO usa a

expressão cultura corporal, além de outras expressões concorrentes como

atividades físicas, o que evidencia uma fragilidade teórica desta proposta.

A última parte do RC-RO trata das Referências Bibliográficas.

• Referencial Curricular em Educação Física – Secretaria de Estado da Educação e do Desporto de Santa Catarina (RC-SC)

Os 'referenciais curriculares' em Educação Física da Secretaria de

Estado da Educação e do Desporto de Santa Catarina apresenta uma

organização diferente dos demais. Eles compõem um contexto de quatro

volumes, com o seguinte título comum: ‘Proposta Curricular de Santa Catarina

– Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio’. Além deste título

comum, o primeiro dos quatro volumes tem o subtítulo ‘Disciplinas

Curriculares’; o segundo tem o subtítulo ‘Temas Multidisciplinares’; o terceiro,

‘Estudos Temáticos’, o quarto volume traz como subtítulo ‘Magistério’. Estes

documentos foram publicados nos anos de 1998 e 2005 e encontram-se

disponíveis, na íntegra, no site da Secretaria de Estado da Educação e do

Desporto de Santa Catarina (conforme Anexo I).

Neste estudo, só os dois primeiros volumes fizeram parte do nosso

corpus de análise (‘Disciplinas Curriculares’ e ‘Temas Multidisciplinares’). O

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'referencial curricular' em Educação Física da Secretaria de Estado da

Educação e do Desporto de Santa Catarina está contido no primeiro volume,

da página 219 a 231. Este volume também reúne os 'referenciais curriculares'

dos demais componentes curriculares. No entanto, além da seção específica

que versa sobre o 'referencial curricular' da Educação Física, deste volume é

preciso considerar também as seções intituladas de ‘Prefácio’, ‘Introdução’,

‘Eixos norteadores da proposta curricular’.

O ‘Prefácio’ ressalta que o documento é o resultado de mais de dois

anos de trabalho de um grupo multidisciplinar, composto por professores da

rede estadual de ensino e por consultores vinculados a Universidades.

A ‘Introdução’ contextualiza a influência política e teórica das reformas

educacionais que ocorreram no país, desde a colonização portuguesa até o

atual período republicano. Partindo deste contexto situa a necessidade e o

processo de construção da proposta do Estado.

A seção sobre os ‘Eixos Norteadores da Proposta Curricular’ explicita a

identificação conceptual do RC-SC com a concepção de educação histórico-

cultural de aprendizagem, também chamada de sócio-histórica e sócio-

interacionista.

A parte referente ao RC-SC está subdividida nos seguintes tópicos:

‘Introdução’, ‘Educação Física numa Perspectiva Histórico-Cultural’,

‘Corporeidade’, e ‘Temas da Educação Física’.

Na ‘Introdução’ faz-se uma sintética apresentação do 'referencial

curricular' e salienta que as orientações pertinentes à ‘Avaliação’ são tratadas

no segundo volume intitulado de ‘Temas Multidisciplinares’. A ‘Avaliação’ é

colocada como constituinte e subsidiadora do processo ensino-aprendizagem.

No tópico referente à ‘Educação Física numa Perspectiva Histórico-

Cultural’ são abordados os fatores que fundamentam o processo ensino-

aprendizagem: a produção histórica do conhecimento, o desenvolvimento do

aluno como ser social, o movimento humano e a seleção dos conteúdos e

metodologias como meio educacional. Neste sentido, todos os temas da

Educação Física devem ser concebidos e pedagogicamente tratados numa

perspectiva histórica, onde na intencionalidade da intervenção pedagógica, os

alunos devam ser “capazes de aprender a partir da mediação do professor e

dos demais participantes do grupo [...]” (SANTA CATARINAa, 2005, p. 220),

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sendo as diversas formas de manifestações do movimento humano

orientadoras da ação pedagógica do professor, que deve reconhecer o aluno

como um ser eminentemente cultural, que traz consigo vivências deste

contexto sócio-cultural. Dessa forma a Educação Física é tida como

parte do conhecimento historicamente produzido, acumulado e transmitido às novas gerações, deve reunir o que for mais significativo ligado ao movimento humano, para ser vivida, compreendida e, via reelaboração, contribuir na formação do cidadão. Este componente curricular, portanto, é um direito de todos que passarem pela escola. (Ibidem, p. 219). (grifo do autor)

O terceiro tópico do RC-SC traz uma fundamentação, a partir de uma

abordagem histórica, sobre a ‘Corporeidade’, ressaltando que o ensino do

movimento humano deve levar em consideração as seguintes características: a

linguagem, a historicidade, a intencionalidade e o sentido/significado.

O RC-SC conceitua corporeidade como sendo a “presença no mundo

via corpo que sente, que pensa, que age, corpo que, ao expressar-se na

história, traz suas marcas, desvelando-as” (SANTA CATARINAa, 2005, p.221),

destacando que o movimento é a “razão de ser da Educação Física” (Ibidem,

p.223), onde

O ensinar/aprender deste componente curricular, de acordo com a Proposta Curricular de Santa Catarina, deverá estar centrado numa práxis transformadora, buscando a autonomia de um ser em movimento, tendo, desta forma, como objeto de estudo, o próprio Movimento Humano, o qual permeará todos os saberes da Educação Física. (grifo do autor).

Em relação ao processo de ensino-aprendizagem, o quarto tópico do

RC-SC destaca que os ‘Temas da Educação Física’ devem ser o Jogo e o

Esporte. Tratando do Jogo, o documento ressalta a dificuldade em relação às

definições e interpretações que este tema abrange e expõe várias delas, ao

mesmo tempo em que contextualiza e questiona a forma concreta e

reprodutora de se trabalhar com este tema. Em relação ao Esporte, este tema

é também contextualizado como fenômeno social, e há uma abordagem

histórica do papel social que o mesmo assumiu na decorrente história do país.

O RC-SC destaca que é preciso considerar acerca do Jogo

o desenvolvimento da criança enquanto ser social e a produção histórica do conhecimento [...], e dos diversos elementos da cultura corporal, considerando o referencial de experiência que a criança traz de sua comunidade, a possibilidade de mudar as regras e produzir novos jogos, favorecendo a reflexão e a produção coletiva. (Ibidem, p.225). (grifo do autor).

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Sobre o Esporte, este deve ser trabalhado de forma a promover uma

ação pedagógica participativa, em que o professor seja

mediador do conhecimento [...] [e] deve estar consciente de que o processo ensino/aprendizagem do esporte na escola ocorre pela apropriação (internalização) do conhecimento referente às diferentes modalidades esportivas, e não pela imitação (repetição) de gestos mecânicos. [...]. Portanto, os diferentes esportes deverão ser abordados a partir da realidade presente (realidade do aluno, do professor e da escola). (SANTA CATARINAa, 2005, p. 229).

A respeito de outros possíveis conteúdos/temas a serem trabalhados nas

aulas de Educação Física, o RC-SC diz que

as posições desenvolvidas sobre corporeidade/movimento, jogo e esporte devem sustentar todos os demais temas da Educação Física, com o intuito de torná-la mais dinâmica, ampliando sua ação de modo a desenvolver os aspectos político, educativo, contextualizando-os no tempo presente. (Ibidem, p.230).

Não há uma seção específica sobre metodologia de ensino. Esta

aparece dentro do tema Jogo, tida como metodologia adequada,

aquela que interage com o conteúdo e coloca o professor como mediador no processo de conhecimento, favorecendo a discussão das dificuldades e/ou das sugestões para superá-las. Professor e aluno são seres que se produzem na busca constante de conhecimento. Por isso, juntos, devem refletir suas ações para avançar na compreensão de fatos e acontecimentos próximos ou remotos. (Ibidem, p.225).

• Referenciais Curriculares em Educação Física – Secretaria de Estado da Educação e do Desporto e Lazer do Estado de Sergipe (RC-SE)

Da Secretaria de Estado da Educação e do Desporto e Lazer do

Estado de Sergipe conseguimos três documentos que, em seu conjunto,

caracterizam uma proposta de 'referencial curricular'. Os três documentos são

assim denominados: ‘Considerações e Proposições Curriculares para a

Educação Física Escolar’; ‘Seriação de Conteúdos para o Ensino Fundamental

– 5ª a 8ª séries’ (disponível no site da Secretaria Estadual de Educação); e

‘Portaria nº 0401/2004’, que versa sobre a normatização do ensino da

Educação Física nas escolas do Estado (também disponível no site que consta

no Anexo 1 deste estudo).

O primeiro documento é um texto, que serviu de subsídio para os

professores da rede, intitulado ‘Considerações e Proposições Curriculares para

a Educação Física Escolar’. Este texto foi publicado na coletânea de trabalhos

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do IV Encontro Estadual de Educação Física no ano de 2001, promovido pela

Secretaria e está organizado em oito partes: ‘Introdução’; ‘Função da Escola’;

‘Objetivos da Educação Física Escolar’; ‘Conhecimentos da Educação Física

Escolar’; ‘Caminhos do Processo Ensino-aprendizagem’; ‘Avaliação’;

‘Considerações Finais’ e ‘Referências Bibliográficas’.

A ‘Introdução’ apresenta o documento como sendo o resultado do

processo de discussão das propostas curriculares para a Educação Física no

estado, que vinha sendo desenvolvida desde 1998. Destaca que o texto foi

desenvolvido a partir das sugestões dos conteúdos propostos pelas Diretorias

Regionais de Educação do Estado e discutida pelos professores de Educação

Física. Apresenta sinteticamente algumas abordagens pedagógicas para o

trato da Educação Física na escola: Abordagem Desenvolvimentista,

Abordagem Construtivista-Interacionista, Abordagem Crítico-Superadora e

Abordagem Educação Física Plural. Adota como orientação o conceito de

Educação Física proposto por Soares et al. (1992, p. 50), onde a Educação

Física é entendida como

uma prática pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de atividades expressivas corporais como: jogo, esporte, ginástica, dança, formas estas que configuram uma área de conhecimento que podemos chamar de cultura corporal.

A segunda seção deste texto trata da ‘Função da Escola’,

manifestando, no entanto, a preocupação de esclarecer que o termo ‘função’

não seja confundido com funcionalidade, entendendo-se por função “um atuar

a serviço de algo que nos ultrapassa” (PASSOS, apud MENEZES; LIRA, 2001,

p. 07). Neste a ‘Função Social da Escola e da Educação Física’ “será a

transmissão e assimilação de conhecimentos/habilidades produzidos pela

humanidade considerados como patrimônio cultural” (MENEZES; LIRA, 2001,

p. 08).

Os ‘Objetivos da Educação Física Escolar’ são colocados de forma

geral, destacando que os mesmos devem ser especificados de forma a ampliar

os conhecimentos da cultura corporal dos alunos, superando a ênfase

tradicionalmente conferida à sua dimensão biológica.

Sobre os ‘Conhecimentos da Educação Física Escolar’, o texto destaca

que estes devem estar em consonância com as práticas da cultura corporal

significativas do contexto que o aluno está inserido.

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Os conhecimentos propostos são divididos em temáticas de ensino, a

saber: Ginástica (ginástica de base, formas de ginástica sistematizadas, formas

de ginástica de competição, noções básicas de treinamento), Jogos, Esportes

(institucionalizados), Dança e Lutas (capoeira, judô e karatê).

Na parte referente aos ‘Caminhos do Processo Ensino-Aprendizagem’

são feitas sugestões do que deve ser considerado primordial na escolha dos

métodos de ensino-aprendizagem para a Educação Física no âmbito escolar,

os quais devem ter como prioridade:

a possibilidade de um trabalho que permita aos alunos uma relação com a sua própria cultura; partir da realidade como algo dinâmico levando-se em conta uma nova compreensão dessa realidade por parte do aluno e inclusive um acesso a referências mais amplas da realidade, com posições cada vez mais críticas e intencionalmente para reestruturar o seu meio social com isso, a melhoria das relações humanas. (MENEZES; LIRA, 2001, p.20).

Para a ‘Avaliação’ o texto orienta que ela deve privilegiar a abordagem qualitativa,

assumindo o

papel de reflexão do processo de ensino-aprendizagem, para orientar o professor nos problemas que vão surgindo no decorrer do ano letivo”, permitindo ao aluno “criar subsídios para sua própria avaliação e a avaliação da coletividade (Ibidem, p.22). (grifo do autor).

Nas ‘Considerações Finais’ os especialistas responsáveis pela

elaboração do documento destacam que as diretrizes devem ser consideradas

como sugestão para a prática pedagógica do professor. Há, portanto,

autonomia para adequá-las à realidade na qual está inserido. Atenta-se ainda

para questões à respeito da elaboração do planejamento a fim de que alguns

conteúdos não se tornem repetitivos e outros não sejam negligenciados ao

longo da vida escolar.

A última parte do texto corresponde a listagem das ‘Referências

Bibliográficas’.

O segundo documento trata de uma ‘Seriação de Conteúdos para o

Ensino Fundamental – 5ª a 8ª séries’, onde é apresentada uma listagem com

os seguintes conteúdos de ensino: Elementos históricos da Educação Física,

Jogos, Lutas, Dança, Esporte, Ginástica e Atividade física e saúde.

O terceiro documento, ‘Portaria nº. 0401/2004’ trata da normatização

do ensino da Educação Física, trazendo, além de questões de ordem

estrutural, organizacional e operacional, o objetivo da Educação Física

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enquanto componente curricular. Segundo o documento, a Educação Física

tem

[...] como objetivo principal, socializar os conhecimentos da cultura corporal abordado na perspectiva sócio-histórico-cultural, proporcionando ao aluno a sua apreensão e reconstrução, com vistas à aquisição da autonomia. (SERGIPE, 2004, p. 01).

O documento coloca ainda que a Educação Física deve estar atrelada

ao projeto político pedagógico da escola, em que cada unidade escolar deve

definir sua proposta curricular especificando os aspectos físicos, biológicos,

psíquicos, culturais, sociais e históricos incluindo a formação ética, o

pensamento crítico e a cidadania, que serão abordados nas aulas de Educação

Física.

• Referenciais Curriculares em Educação Física – Secretaria de Estado de Educação de São Paulo (RC-SP)

A Secretaria de Estado de Educação de São Paulo disponibiliza no site

(conforme Anexo I), um texto sintético de 11 páginas indicado como sendo uma

proposta preliminar do 'referencial curricular’ de Educação Física, denominado

de ‘Proposta Curricular de Educação Física – Introdução – Versão Preliminar’.

O texto contempla o ensino fundamental e médio.

Além deste texto genérico, fomos informados por especialistas que

trabalharam na divulgação do 'referencial curricular' em Educação Física da

Secretaria de Estado de Educação de São Paulo que os professores da rede

receberam um segundo texto mais substantivo, que serviu de referência

operacional do RC-SP. Apresentaremos, portanto, estes dois documentos em

conjunto. Apenas o texto referente à proposta preliminar faz menção sobre a

data de publicação – 2005.

O texto referente à proposta preliminar está subdividido em três partes:

‘Introdução’, ‘Um retrospecto sucinto’ e ‘Uma nova visão da área de Educação

Física’.

A seção ‘Introdução’ destaca que a proposta não é uma imposição

curricular, mas sim “um conjunto de [...] referências [...] nos quais cada escola,

cada professor possa elaborar e desenvolver um currículo capaz de atingir as

finalidades do processo de educação escolarizada[...]” (SÃO PAULO, 2005

p.01), sendo resultado de um processo contínuo de participação e discussões

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promovidas pela Secretaria Estadual de Educação de modo a mobilizar os

professores da rede para esta realização.

Ainda na ‘Introdução’ menciona-se a preocupação de orientar e

estruturar a Educação Física na escola de modo a promover um ensino que

evidencie a relação entre este componente curricular e a área de conhecimento

correspondente. Para isso “o conteúdo da proposta incorpora as sugestões das

várias abordagens apresentadas nos últimos anos para a Educação Física

escolar” (Ibidem, p.02).

A segunda parte deste documento preliminar do RC-SP trata-se de

‘Um retrospecto sucinto’ do primeiro documento elaborado pela Secretaria de

Estado da Educação no final da década de 70 e início da década de 80

(chamados na época de ‘Guias Curriculares Nacionais’), destacando os

avanços e as críticas que o mesmo recebera. Descreve também o processo de

construção da nova proposta e de capacitação dos professores a partir do ano

2000, que contemplou docentes de todos os componentes curriculares.

Menciona o caso particular da Educação Física destacando que a partir de

2003 ela também foi implantada nas séries iniciais do ensino fundamental, o

que ocasionou fóruns e discussões com o propósito de discutir sobre o trabalho

a ser desenvolvido e, conseqüentemente, desencadear uma proposta de

‘referencial curricular’ para todo o ensino fundamental e médio.

‘Uma nova visão da área de Educação Física’ é a terceira e última

parte desta versão preliminar. Nesta seção destaca-se o objeto de estudo da

área – o movimento humano, ou como destaca o documento, “mais

especificamente a cultura do movimento” (SÃO PAULO, 2005, p.09).

O documento traz o esporte, o jogo, a ginástica e a dança como

categorias de movimento que compõem a cultura do movimento, ressaltando

que a Educação Física na escola deve “disseminar e socializar um saber

relativo à cultura do movimento, instrumentalizando o aluno para otimizar e

potencializar suas capacidades de movimento e assim melhor interagir no meio

físico, social e cultural em que vive” (Ibidem, p. 09).

Este primeiro documento do RC-SP destaca que essas categorias de

movimento se bem aplicadas, devem “potencializar o estímulo para a sua

prática regular e sistemática ao longo da vida, adotando conscientemente um

estilo de vida ativo na busca de uma melhor qualidade de vida” (Ibidem, p. 10).

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O RC-SP coloca ainda que a Educação Física tem um desafio muito

grande que é “fomentar a disseminação do conhecimento acerca do movimento

humano, promovendo situações no processo ensino-aprendizagem que

contribuam para a conquista da autonomia e consciência como cidadão crítico”.

(Ibidem, p.11).

Um ponto que chama atenção no RC-SP é o objetivo que versa sobre o

estímulo da Educação Física à aderência ou não à prática de atividades físicas,

onde o documento coloca que é grande o interesse por parte da população

pela prática regular de exercícios físicos. Porém, alega faltar consciência em

uma parcela significativa da população, que sofre as conseqüências do

sedentarismo, da prática da atividade de maneira errônea ou ainda é

prejudicada em suas relações sociais (lazer) em virtude de um pobre repertório

motor; onde destaca que

constata-se a existência de um grande interesse por parte da população em praticar atividades físicas regularmente visando à manutenção ou melhoria da saúde, haja vista a adesão das pessoas às campanhas de esclarecimentos e de prática de atividades físicas em parques, centros de lazer, escolas e outras instituições congêneres. [...] Por outro lado, uma parcela significativa da população ainda não tomou consciência da importância da prática regular e sistemática de atividade física, sofrendo conseqüências danosas à saúde causadas pelo sedentarismo [...]. (SÃO PAULO, 2005, p. 10). (grifo nosso).

A partir dessa relação ‘Atividade Física-Saúde-Educação Física na

escola’ feita no RC-SP refletimos no sentido de destacar que há uma

culpabilização da vítima que não tem consciência para a prática de exercícios

regulares, como se este hábito estivesse atrelado apenas a uma questão de

consciência ou não. Afinal, a consciência para a prática de atividade física, está

sujeita, dentre outros fatores às “convicções de cada um, dos julgamentos do

que é bom ou ruim [...]; os modos de vida [...] são influenciados pelo ambiente

social e físico, [...] as escolhas oferecidas aos indivíduos são limitadas pelo

meio em que vivem”. (SÃO PAULO, 2005, p. 10).

Para Farinatti (2002) a expressão culpabilização da vítima parte do

entendimento de que o indivíduo é total e unicamente responsável por suas

ações e cuidados consigo, destacando noções de independência e igualdade

de oportunidades (precisa desenvolver mais). O RC-SP pontua as relações da

saúde/qualidade de vida com questões da ‘transformação da realidade social’,

da ‘luta por uma sociedade mais justa’, da ‘diminuição de desigualdades nas

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oportunidades sociais’ e do ‘pleno exercício da cidadania na busca de uma

melhor qualidade de vida’. Porém usa esses termos descontextualizados, sem

a preocupação de revelar que essas questões não assumem uma relação

linear com a consciência e aderência do indivíduo à prática de atividades

físicas.

Neste sentido, destacar como função da Educação Física na escola “a

transmissão aos alunos de conhecimentos relacionados à prática de atividade

física quanto a sua dimensão biológica” (SÃO PAULO, 2005, p. 26) para que se

tome consciência da prática de atividade física sem destacar que isso está

atrelado à outras questões é remeter a uma concepção pedagógica biológico-

funcional de Educação Física.

O segundo texto a que nos referimos, é denominado de ‘Educação

Física, Vida e Movimento’ e contêm 50 páginas. Trata-se de uma proposta que

engloba todos os segmentos da educação básica. O texto está subdividido em

sete módulos, além de uma seção introdutória e uma seção de referências

bibliográficas. Serão apresentados, portanto, somente os módulos que se

relacionam, em alguma medida, com o Ensino Fundamental.

A seção denominada ‘Introdução à Educação Física Escolar’ está

dividida em ‘Considerações Iniciais’ e ‘Proposta Pedagógica’. São feitas

‘Considerações Iniciais’ sobre o salto qualitativo da Educação Física brasileira

partindo do contexto do avanço das publicações, debates, eventos e da

formação profissional na área. Faz, no entanto, uma ressalva de que este salto

não alcançou mudanças expressivas na prática pedagógica dos professores de

Educação Física nas escolas, sendo ainda necessária a elaboração de

propostas com roteiros completos.

O RC-SP destaca que esse roteiro completo deve abranger desde

princípios filosóficos sobre o significado e objetivo da Educação Física na

escola, passando pela proposição de conteúdos devidamente estruturados e

abordando orientações sobre metodologias de ensino e avaliação. É preciso

mostrar a viabilidade de sua implementação e a antecipação de suas possíveis

conseqüências, além de apresentar sugestões claras de operacionalização

para auxiliar o professor.

O segundo ponto desta seção apresenta a ‘Proposta Pedagógica’,

ressaltando que a função da Educação Física na escola até hoje ainda não

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está bem definida, por ainda persistirem dificuldades em relação: a) à confusão

dos termos ‘atividade física’ e ‘educação física’, sendo necessário expor suas

diferenciações e definições; b) a ausência de reflexão mais profunda para que

não se confunda as finalidades da educação com os objetivos da educação

escolar; e c) à falta de distinção entre Educação Física e Educação Física

Escolar.

O documento em pauta destaca que a função básica da Educação

Física na escola seria “possibilitar o acesso ao conhecimento sistematizado e

acumulado historicamente acerca da atividade física (movimento humano,

cultura do movimento) e não oferecer simplesmente oportunidades para a sua

prática” (Go TANI, [200-], p.04).

Ainda sobre os ‘Fundamentos da Proposta Pedagógica, a Educação

Física na escola é entendida como

uma disciplina curricular que tem como meta a disseminação do conhecimento sistematizado e acumulado historicamente sobre o movimento humano. Para alcançar essa meta, promove, fundamentalmente, três tipos de aprendizagem: aprendizagem do movimento, através do movimento e sobre o movimento. (Go TANI, [200-], p.05)

Ainda nesta seção há a apresentação dos ‘Princípios Gerais’ que se

referem a temas que não são necessariamente específicos da Educação

Física, porém fundamentais para o desenvolvimento deste componente

curricular no processo de escolarização. Os temas são: ‘Ambiente de

aprendizagem’; ‘Aprender a ser e conviver’ e ‘Aula ativa, vida ativa’.

Os Módulos 2 e 3 do texto referem-se, respectivamente, à ‘Pedagogia

do Movimento: 1ª a 4ª série do ensino fundamental’ e à ‘Pedagogia do

Movimento: 5ª a 8ª série do ensino fundamental’ abordando as ‘Finalidades’, os

conhecimentos a elas relacionados e os ‘Objetivos Gerais’. O Módulo 4 refere-

se ao Ensino Médio.

Os ‘Objetivos Gerais’ são organizados em quatro tópicos, respeitando-

se a especificidade de cada segmento: a) Adquirir conhecimento acerca de

como melhorar a qualidade do movimento; b) Ampliar o repertório de

movimento e melhorar a sua qualidade; c) Adquirir conhecimentos sobre as

dimensões e implicações do movimento e d) Ter e permitir acesso à cultura do

movimento. Cada tópico é contextualizado e exemplificado minuciosamente.

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Para o tópico 1, a Finalidade da Educação Física na escola é

“melhorar a qualidade da aprendizagem do movimento [...] especialmente

quando se considera a realidade do sistema de ensino quanto a dias e hora de

aulas semanais, número de alunos por classe, espaços e materiais didáticos

disponíveis” (Go TANI, [200-], p.10).

No tópico 2, os conhecimentos sugeridos são: locomoção,

manipulação, equilíbrio e controle postural, combinação de movimentos,

atividades rítmicas e linguagem do movimento (1ª a 4ª série) e habilidades

motoras específicas e atividades rítmicas (5ª a 8ª série).

Ao tópico 3 compete adquirir conhecimentos biológicos,

comportamentais e socioculturais sobre as dimensões e implicações do

movimento.

O tópico 4 refere-se aos elementos da cultura do movimento

relacionados ao jogo, a dança, a ginástica e ao esporte.

O Módulo 5 apresenta os fundamentos, os conceitos, as implicações e

as orientações sobre como trabalhar com as ‘Dimensões e Implicações

Biológicas do Movimento Humano’, sugerindo, explicando e exemplificando

temas que podem ser trabalhados em cada segmento de ensino, evitando-se

“padronizar os conteúdos para todas as escolas e regiões” (Ibidem, p.26).

O Módulo 6 é destinado às ‘Dimensões e Implicações

Comportamentais do Movimento Humano’. Neste módulo há fundamentos

teóricos, orientações e exemplos sobre movimento, ação motora, habilidade,

aprendizagem e desempenho.

O Módulo 7 versa sobre as ‘Dimensões e Implicações Socioculturais

do Movimento Humano’, destacando as relações a) o homem e a cultura, b)

sociedade, corpo e práticas corporais, c) dimensões culturais do movimento

humano na aula de Educação Física e d) dimensões sociais do movimento

humano na aula de Educação Física.

Para as dimensões culturais do movimento humano, o documento

destaca que o significado social e cultural do esporte, da ginástica, da dança,

do jogo e do exercício deve ser identificado, descrito, experimentado,

demonstrado, reconhecido, compreendido e discutido nas aulas de Educação

Física.

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Nas dimensões sociais do movimento humano, enfatiza-se o ‘Aprender

a ser e a conviver nas aulas de Educação Física’, onde devem ser oferecidas

atividades, que o aluno por meio da identificação, descrição, experimentação e

demonstração das mesmas seja capaz de gerar atitudes e valores positivos

(respeito, cooperação, atenção, responsabilidade, colaboração, participação,

resolução de conflitos, organização e autonomia) em relação a si mesmo, aos

outros e à própria atividade. Neste sentido, o RC-SP destaca: “é certo que levar

o aluno a aprender a ser e conviver com os outros, não é objetivo específico da

Educação Física, mas como disciplina curricular, ela não pode desconsiderá-

Ios, nem deixar de explicitá-Ios” (Go TANI, [200-], p.47).

A última seção do texto é destinada à apresentação das ‘Referências

Bibliográficas’.

4.1.1 Os currículos oficiais da Educação Física no Brasil: pontos convergentes e divergentes.

Feita a apresentação e caracterização dos 'referenciais curriculares',

não podemos deixar de levantar algumas apreciações no tocante aos pontos

convergentes e divergentes que permeiam as propostas de currículo oficial

para a Educação Física nos estados do Brasileiros, a saber: denominação e

função dos 'referenciais curriculares', participação dos professores na

construção do documento, influência dos PCNs, referências bibliográficas

adotadas nos 'referenciais curriculares', preocupação com a estrutura física das

escolas, período de construção dos documentos e data de publicação, texto

que subsidia o 'referencial curricular', problemas que permeiam a Educação

Física na escola e o sentido de currículo que assume, entre outras questões

que explicitaremos a seguir.

Percebemos que os 'referenciais curriculares' independente das

diferentes denominações que apresentam, assumem o mesmo sentido de ser

um documento que apresenta orientações de ordem teórico-metodológica para

o trato dos componentes curriculares. Quanto à função deste documento , o

RC-RO destaca que tem a “finalidade de sistematizar as ações dos

professores...” (RONDÔNIA, 2002, p. 05). A Secretaria Estadual de Educação

de São Paulo trata o 'referencial curricular' como “um conjunto de [...]

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referências [...] nos quais cada escola, cada professor, possa elaborar e

desenvolver um currículo capaz de atingir as finalidades do processo de

educação escolarizada [...]” (SÃO PAULO, 2005, p.01).

Percebe-se dessa forma um entendimento de 'referencial curricular'

com o sentido de ‘guia’ a ser seguido, que busca nortear as práticas

educativas, onde os documentos têm a preocupação de colocar que não se

tratam de documentos impositivos, mas que vem auxiliar a prática pedagógica

do professor. Como exemplo, destacamos o RC-PR que tem a preocupação de

afirmar a importância da reflexão sobre as práticas escolares que norteia o RC-

PR, entendendo que um 'referencial curricular'

[...] tem a prerrogativa de permitir aos docentes que reflitam sobre o seu fazer e optem por aquelas alternativas mais adequadas às suas necessidades e anseios cotidianos. Nenhuma nova diretriz se implanta em semanas ou meses. Toda reflexão, assim como a proposição de novas práticas, precisa ser submetida aos imperativos das situações concretas das escolas. (PARANÁ, 2006, p. 03).

Dessa forma a importância que é dada ao currículo oficial, aqui tratado

de 'referencial curricular', assume a função de contribuir com alternativas de

suporte para uma ação pedagógica que acompanhe as expectativas e as

necessidades da educação escolar.

Neste sentido, retomamos a idéia de Young (apud Goodson, 2002,

p.18) a respeito da importância do currículo formal, ou currículo como fato,

onde

O “currículo como fato” precisa ser considerado não como mera ilusão, camada superficial da prática escolar de alunos e professores, mas como uma realidade social, historicamente específica, expressando relações de produção particulares entre pessoas [...] (grifo do autor).

Uma questão que vale a pena abordar é o destaque feito por todos os

'referenciais curriculares' quanto à participação do coletivo de professores das

respectivas redes estaduais de ensino na construção da proposta. Destaca-se,

portanto, a preocupação das Secretarias Estaduais de Educação para que os

professores conheçam o 'referencial curricular' e assim possam interpretá-lo e

adaptá-lo ao contexto educacional que estão inseridos.

O RC-PR destaca a participação do coletivo de professores na sua

construção e relata um conjunto de ações para a efetivação do documento,

sendo elas: encontros de assessoria pedagógica, encontros em subgrupos,

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reuniões técnicas, estudo de fontes bibliográficas, realização de um seminário,

construção de um documento preliminar e construção do documento definitivo

a partir de reuniões entre os professores da equipe técnico-pedagógica e um

professor assessor pedagógico do ensino superior.

O RC-PR em todo seu texto dialoga com os interesses e necessidades

dos professores que participaram do processo de construção do 'referencial

curricular' e destaca que

Se a atuação do professor é na quadra e em outros lugares do ambiente escolar, seu compromisso é com a escola, com o projeto de escolarização [...] sempre em favor da formação humana. [...] Os professores reconhecem que este intento não se concretizará de forma simples ou fácil. Daí a importância que o conhecimento assume como sustentáculo dessa iniciativa de ressignificação da Educação Física na escola. A experiência do professor e o aprofundamento do conhecimento que detêm são peças fundamentais na formulação dessas diretrizes, [desses 'referenciais curriculares'] (PARANÁ, 2006, p. 07-08).

Neste sentido, ao envolver os professores a proposta curricular deve

conter os interesses e ser formulada por sua base, sendo instrumento de

transformação escolar. Dessa forma o currículo é visto como um processo,

como resultado de uma construção coletiva.

O RC-AL, por exemplo, divulga uma lista com os nomes dos

professores participantes da construção do documento. Percebemos que este

documento com esta ação, parte do entendimento de que a prática pedagógica

não é modificada apenas por propostas bem construídas, mas de que “toda

proposta é situada, traz consigo o lugar de onde fala e a gama de valores que a

constitui, traz também as dificuldades que enfrenta, os problemas que precisam

ser superados e a direção que a orienta” (KRAMER, 1997, p. 19); neste

sentido, ao destacar o grupo de professores, o RC-AL, valoriza as proposições

dos mesmos, considerando a realidade na qual estão inseridos, onde a

experiência docente e aprofundamento do conhecimento do cotidiano escolar

são elementos fundamentais que devem ser levados em consideração na

elaboração de qualquer proposta curricular. Afinal os currículos devem refletir

os elementos das propostas formais e organizadas com as possibilidades de

implantação das mesmas.

Destacamos também que nos 'referenciais curriculares' dos estados do

AC e de AL, há explicitamente o reflexo da influência que os PCNs tiveram na

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área, pois estes documentos citam, baseiam e fazem suas propostas

fundamentadas nos PCNs, quando adotam os Princípios da Inclusão e da

Diversidade, os Temas Transversais, os objetivos e conteúdos da Educação

Física na escola propostos pelos PCNs.

No tocante as ´Referencias Bibliográficas´ propostas nos 'referenciais

curriculares', o RC-AC e o RC-RO, não indicam obras vinculadas diretamente

com os pressupostos teóricos da proposta. Já nos 'referenciais curriculares'

dos estados de MG e do PR há uma lista vasta de referências para os

professores, no RC-PR há ainda a separação das referencias por temáticas

(‘cultura escolar’, corporalidade’, ‘ensino de Educação Física’, ‘conhecimento

do corpo’, ‘manifestações esportivas’, ‘manifestações ginásticas’, ‘jogos,

brincadeiras e brinquedos’, ‘manifestações estético-corporais na dança e no

teatro’), além de indicação de revistas e periódicos científicos e uma listagem

de sites, refletindo uma preocupação com a fundamentação da prática

pedagógica do professor. Os 'referenciais curriculares' dos estados do PR, SE

e SP, apresentam ainda um texto que subsidia o documento. Isto é importante

porque demonstra uma preocupação de fundamentar os pressupostos e

orientações pertinentes a cada 'referencial curricular', representando uma

mudança em relação há propostas curriculares emanadas pelas Secretarias de

Educação que não passavam de uma listagem de objetivos e conteúdos de

ensino-aprendizagem. Já MG e SC não apresentam textos complementares,

mas todo o 'referencial curricular' é construído com fundamentações teóricas

no sentido de explicar e respaldar o documento.

Os estados de MG e RO destacam a realidade das escolas públicas no

tocante às condições de ensino, à estrutura física e até à segurança, alertando

como estes aspectos podem afetar no processo de ensino-aprendizagem da

Educação Física. Dessa forma estes documentos não dissociam o cotidiano

escolar e como isso pode influenciar a efetivação da proposta curricular.

Os 'referenciais curriculares', em especial o RC-AC e o RC-PR, chamam

atenção para alguns problemas que permeiam a Educação Física na escola,

entre eles: a ausência dos professores de Educação Física no planejamento

das atividades a serem desenvolvidas pela escola; a Educação Física tratada

como um instrumento de ensino dos conteúdos de outras disciplinas, ou como

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um momento compensatório de alívio para as outras aulas em sala (ACRE,

2004; PARANÁ, 2006). Neste sentido o RC-PR destaca que

a Educação Física é parte do projeto geral de escolarização e, como tal, tem que estar submetida apenas ao Projeto Político Pedagógico da escola. Se a atuação do professor é na quadra e em outros lugares do ambiente escolar, seu compromisso é com a escola, com o projeto de escolarização ali instituído, sempre em favor da formação humana.

Este fato sugere o reconhecimento de que a qualidade do processo

educativo em relação à Educação Física deve atuar em função das finalidades

escolares, em consonância com os demais componentes curriculares, para tal

urge a necessidade de uma organização dos conhecimentos pertinentes à

Educação Física na escola, além de uma seleção hierárquica dos conteúdos de

ensino de acordo com o nível de desenvolvimento do alunado, organizado

progressivamente nas séries, bem como objetivos, metodologias e avaliações

que considerem as várias manifestações da cultura corporal, “[...] orientados

por um processo de co-decisão e tendo, como critério de mediação, a realidade

histórico-cultural, as experiências os alunos e a competência político-

pedagógica do professor”. (RESENDE, 1994, p.27). Os RCs aqui analisados

são uma tentativa deste esforço, configurando-se como currículo oficial para o

trato da Educação Física brasileira.

Exemplo desta tentativa é a preocupação com a seleção e organização

dos conteúdos, alguns documentos organizam detalhadamente os conteúdos

por série, como no caso dos RCs dos estados de SE, RJ, RO, SP, o que

diverge dos RCs dos estados do AC, AL, MG, PR, SC, que apenas agrupam os

conteúdos em grandes blocos temáticos.

No tocante ao trato do conhecimento com os elementos da cultura

corporal, todos os documentos destacam os jogos, danças, lutas, esportes e

ginásticas como conhecimento que deve ser tratado pela Educação Física no

âmbito da educação básica42. Neste sentido percebemos um ponto de

convergência entre os RCs quando se trata de conteúdos de ensino para a

42 Há uma particularidade no RC-SC que não destaca os temas ginástica e dança, justificando haver uma restrita bibliografia que os subsidiem na perspectiva histórico-cultural. Ora, é de se estranhar que um documento fundamentado numa concepção que defende que produção histórica do conhecimento e o desenvolvimento do aluno como um ser social, não contemple em sua proposta duas manifestações fundamentais da cultura corporal.

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Educação Física na escola, porém há uma divergência na terminologia

utilizada: em alguns 'referenciais curriculares' como RC-AC e RC-SP, há

equívocos teórico-metodológicos observados no uso de termos pertinentes à

produção acadêmica da Educação Física. O RC-AC trata como sinônimos os

termos ‘Cultura Corporal’ e ‘Cultura Corporal de Movimento’, onde não há uma

preocupação em explicitar a diferenciação e a corrente teóricas de ambos. As

expressões ‘cultura do movimento humano’, ‘cultura física’, ‘cultura físico-

esportiva’, ‘cultura corporal de movimento’ são utilizadas de maneira indistinta,

à exemplo do RC-SP.

É interessante notar que mesmo se configurando como currículos

oficiais, dos 'referenciais curriculares' analisados, apenas o RC-MG expõe o

sentido de currículo que permeia o documento, quando explicita que

o currículo é entendido como um conjunto de experiências organizadas e sistematicamente em dada realidade concreta, historicamente situada, destinado à formação de sujeitos autônomos, capazes de intervir na realidade e transformá-la segundo a ética democrática” (MINAS GERAIS, [200-], p.18)

A partir deste conceito, percebemos o respaldo da Teoria Crítica de

Currículo no tocante à preocupação de organizar as experiências,

questionando-se, analisando-se e criticando-se o conhecimento, considerando

o contexto social e histórico, onde as Teorias Críticas do Currículo

compreendem as relações entre as formas de organização do currículo e do

ensino, relacionadas com as formas dominantes de poder e de controle social.

Dentre os condicionantes sociológicos do currículo, o RC-PR destaca a

cultura relacionada à corporalidade e o fazer cotidiano do professor. Nesta

perspectiva o documento entende a cultura escolar como o resultado da

relação do que é específico a cada comunidade (cidade, bairro, escola) com a

“produção cultural humana dotada de alguma universalidade”, possibilitando

compreender porque grupos distintos têm práticas e costumes corporais

também distintos (PARANÁ, 2006, p. 09). Portanto, a relação ‘corporalidade -

cultura escolar-fazer pedagógico’, possibilita

o enriquecimento das formas de atuação dos professores, oportunizando uma maior valorização da cultura como lugar de produção de sentido e de potencialização da riqueza da experiência humana, eminentemente corporal – aspecto fundamental para a Educação Física. (Ibidem).

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102

Neste enfoque, a cultura é condicionante sociológico do currículo, pois

ela não é neutra, afinal, “pensar a cultura significa criticar relações de poder,

exclusão, dominação. No entanto, pensar em culturas escolares permite

entender as diferentes formas que a dominação assume em tempos e lugares,

diferentes e diversos” (PARANÁ, 2006, p. 14).

Em síntese, os 'referenciais curriculares' pela maneira como

selecionam e organizam o conhecimento para a Educação Física na escola,

são considerados como currículos oficiais, pois proporcionam “um testemunho,

uma fonte documental, um mapa do terreno sujeito a modificações; constitui

também um dos melhores roteiros oficiais para a estrutura institucionalizada da

escolarização” (GOODSON, 2002, p. 21). Os curriculos oficiais devem ir além

de uma organização técnica de conteúdos, considerando questões de ordem

sociais, políticas, culturais e ideológicas na formulação de suas propostas.

Contudo, estas questões não são claramente explicitadas em alguns

RCs, apenas os RCs dos estados de SC e SE destacam a concepção

Histórico-Cultural e Sócio-Histórico-Cultural como pressuposto teórico e a

fundamentam enquanto principio norteador e fundador do documento, onde o

RC-SC (2005, p. 219) destaca que

A concepção histórico-cultural, [...] estuda o ser humano a partir da prática social e da evolução histórica da sociedade através dos tempos, vendo-o enquanto produto e processo de contradições e transformações. Nesta concepção, todo o sistema educacional tem o compromisso com um indivíduo crítico, participativo, consciente e politizado, deixando clara a opção de buscar a superação das condições reinantes em nossa sociedade.

Já para o RC-SE, (2004, art. 1º.)

A Educação Física, enquanto componente curricular obrigatório da educação básica, tem como objetivo principal, socializar os conhecimentos da cultura corporal abordado na perspectiva sócio-histórico-cultural, proporcionando ao aluno a sua apreensão e reconstrução, com vistas à aquisição da autonomia;

Pela data de publicação apresentada em alguns 'referenciais

curriculares' (AC-2004, AL-2002, MG-2006, RJ-2006, RO-2002, SC-2005,)

percebemos que o processo de construção desses documentos se dá a partir

da conjuntura pós-LDB e conseqüentes DCNs. Desta maneira os 'referenciais

curriculares' são reflexos da política educacional e conseqüente política

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103

curricular prevista como ações nas próprias DCNs, que destacam a importância

das Secretarias Estaduais de Educação articularem suas propostas

curriculares. Em todos os 'referenciais curriculares' analisados o argumento

que norteia a construção de uma proposta curricular é o de renovação e de

atendimento as demandas sociais e culturais.

4.2. O currículo oficial da Educação Física no Brasil: uma análise teórico- metodológica dos 'Referenciais Curriculares' das Secretarias Estaduais de Educação.

Esta seção destina-se à realização de uma análise comparativa entre

os ‘referencias curriculares’ que serviram de fonte de estudo da presente

pesquisa. Com este propósito, a seção está organizada por núcleos temáticos

de análise, a saber:

• Concepção/Pressuposto Teórico-metodológico de Educação Física:

a intenção acadêmica é situar os ‘referencias curriculares’ a partir da

identificação teórico-metodológica que os fundamentam, tendo como

referencial de análise as concepções de educação e de Educação

Física;

• Finalidade da Educação Física no Contexto da Educação Escolar: a

intenção acadêmica é situar os ‘referencias curriculares’ a partir das

declaradas finalidades e objetivos que devem nortear os projetos

pedagógicos e planejamentos de ensino-aprendizagem da Educação

Física na educação básica e, quando foi possível, no ensino fundamental

em particular;

• Os Conhecimentos de Ensino-Aprendizagem para a Educação

Física na Escola: a intenção acadêmica é identificar os conhecimentos

de ensino-aprendizagem indicados para serem trabalhados como

conteúdos de ensino-aprendizagem da Educação Física na educação

básica e, quando foi possível, no ensino fundamental em particular;

• Os Princípios e Orientações Metodológicas para o ensino-

aprendizagem da Educação Física na Escola: a intenção acadêmica é

categorizar os ‘referencias curriculares’ tendo como referência os

princípios e orientações de caráter metodológico para orientar o

desenvolvimento das atividades de ensino-aprendizagem;

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104

• A Perspectiva e o Objeto de Avaliação do Ensino-Aprendizagem

para a Educação Física no Contexto da Educação Escolar: a

intenção acadêmica é situar os ‘referencias curriculares’ em termos de

princípios e objeto de avaliação do ensino-aprendizagem.

• 4.2.1. Concepção/Pressuposto Teórico-metodológico de Educação Física

Considerando as concepções pedagógicas de Educação Física, os

‘referenciais curriculares’ analisados podem ser agrupados conforme ilustra o

Quadro 1:

Concepções Pedagógicas Referencias Curriculares

Biológico-funcional - Técnico-esportiva - Formativo-recreativo RJ Desenvolvimentista SP Renovada de saúde -

Sociocultural SC, SE, AL, PR, MG, PR, AC

Híbrida AC, RJ Quadro 1 – Distribuição dos ‘referenciais curriculares’ em função das concepções pedagógicas de Educação Física

De acordo com as Concepções de Educação Física apresentadas no

Referencial Teórico deste estudo, a ‘Concepção Sociocultural’ foi a única

destacada explicitamente nos documentos dos estados de SC e SE. Nenhum

dos outros 'referenciais curriculares' expuseram outras concepções crítico-

renovadoras (Desenvolvimentista e Promoção da Saúde).

Isso reflete uma problemática da área: ainda há indefinição no tocante

às diferentes Concepção/Pressuposto Teórico-metodológico de Educação

Física norteadores da prática pedagógica. Confundem-se as

Concepções/Pressupostos (Biológico-funcional, Técnico-esportiva, Formativo-

recreativo, Desenvolvimentista, Renovada de saúde e Sociocultural) com objeto

de estudo (Cultura Corporal, Cultura Corporal de Movimento, Movimento

Humano, Corporalidade/Corporeidade).

Percebe-se que há consenso nos 'referenciais curriculares' sobre o

conhecimento de que trata este componente curricular – a Cultura Corporal,

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105

porém, fica claro que a os elementos da Cultura Corporal podem ser utilizados

sob diferentes perspectivas ideológicas. Neste sentido é importante destacar

que,

[...] não se pode perder de vista que as tendências conceituais são predominantes numa dada época, que não significa dizer que foram exclusivas, [...]. À propósito, aquelas idéias que deixam de ser predominantes, também não desaparecem; é possível que permaneçam na dinâmica acadêmica de forma mais tênue, que sejam incorporadas às emergentes, ou ainda reelaboradas,incorporando fundamentos de outros matizes. (RESENDE, 1994, p.13)

• 4.2.2. Finalidade/Objetivos da Educação Física no Contexto da Educação Escolar

Para este núcleo de análise temática foram considerados tanto

objetivos gerais quanto específicos destacados pelos 'referenciais curriculares'.

As marcas que mais se destacam nos objetivos enunciados pelos diferentes

RC’s são foram agrupadas por sentido comum no quadro abaixo:

Finalidades da Educação Física Referencias Curriculares

Desenvolvimento da aptidão física AC, AL, Aquisição de habilidades esportivas AC, AL

Estímulo às práticas recreativas e de formação atitudinal AC, AL, MG, RJ, RO

Aquisição de habilidades motoras básicas e especializadas RJ, SP, RO

Desenvolvimento das capacidades físicas associadas à promoção da saúde AC, AL, MG, RO

Vivência da cultura do movimento humano AC, AL, SE, SP,MG, PR,SC, RO

Quadro 2 – Distribuição dos ‘referenciais curriculares’ em função das finalidades da Educação Física

É interessante notar que mesmo fundamentados em concepções de

Educação Física diferentes, como explicitado no item anterior, os 'referenciais

curriculares' coadunam em algumas finalidades que este componente curricular

deve cumprir no âmbito escolar. Talvez, pela similariedade no tocante ao

consenso dos conteúdos utilizados e pelo avanço no entendimento do papel da

Educação Física na escola como um componente curricular, como podemos

citar o RC-SP, “[...] tem como função básica possibilitar o acesso ao

conhecimento sistematizado e acumulado historicamente acerca da atividade

física (movimento humano, cultura do movimento) e não oferecer simplesmente

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oportunidades para a sua prática” (Go TANI, [200-], p.04), destacando-se

ainda que “[...] o aluno deverá, através das aulas de Educação Física, ser

capaz de compreender as implicações e as dimensões sociais e culturais das

práticas corporais presentes na cultura do movimento”. (Go TANI, [200-], p.46)

Já o RC-MG detalha, explica e fundamenta minuciosamente cada

objetivo do processo de ensino-aprendizagem; outros 'referenciais curriculares',

como RC-PR e RC-SC são mais generalistas na exposição dos objetivos; e

ainda há 'referenciais curriculares' como o do estado de Sergipe que apenas

destaca um objetivo geral para este componente curricular:

[...] socializar os conhecimentos da cultura corporal abordado na perspectiva sócio-histórico-cultural, proporcionando ao aluno a sua apreensão e reconstrução, com vistas à aquisição da autonomia. (SERGIPE, 2004, p. 01).

Isso reflete a diversidade das propostas, porém alertamos para o fato

de que há ainda certo dissenso no que concerne aos objetivos da Educação

Física na escola, no tocante à grande quantidade colocada pelos documentos.

Alertamos que ao tentar definir objetivos para o papel da Educação Física na

escola, estamos definindo o que nos especifica e diferencia dos demais

componentes curriculares, o objetivo define o ‘para que ensinar?’. Ora, se

diante desta vasta possibilidades de objetivos diferente não conseguimos

definir o que de comum nos caracteriza, como iremos nortear nossa ação

pedagógica? Neste sentido as Teorias Críticas do Currículo alertam para

questionarmos a favor de quem e do que pretendemos com a Educação Física

na escola.

Um exemplo dessa indefinição está no RC-RO que destaca como

objetivo geral para a Educação Física no Ensino Fundamental, “explorar e

analisar o mundo motor por meio das manifestações da cultura corporal

visando o entendimento social e a estimulação ao desenvolvimento das

potencialidades motoras” (RONDÔNIA, 2002, p.11. Neste sentido vale a pena

destacar que o texto fala da exploração de um ‘mundo motor’ (fim) com algo a

ser explorado por meio das manifestações da cultura corporal (meio). O foco

não é a apropriação da cultura corporal, mas de um mundo motor mencionado

sem maiores explicações sobre ‘o que seja’, ‘seu significado’ e ‘abrangência’.

Trata-se de um texto evasivo que não define claramente a contribuição do

ensino da Educação Física para a formação dos alunos.

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107

É importante destacar que ao se definir os objetivos para a Educação

Física estes devem estar atrelados aos objetivos da escola e da educação,

porém devem manter a especificidade deste componente curricular.

Ao definir os objetivos para o trato da Educação Física, os 'referenciais

curriculares' procuram, em certa medida definir a especificidade da Educação

Física na escola, de forma que esta não seja tida como um curinga curricular43,

ou coadjuvante do processo de escolarização, e que não fique portanto, a

serviço de outras disciplinas curriculares para a efetivação de seus objetivos

específicos ou como um elemento assistencial na busca de outras metas não

compatíveis com o processo de escolarização. Afinal, é a Educação Física a

disciplina responsável por trabalhar com as práticas corporais produzidas pelo

patrimônio cultural da humanidade.

• 4.2.3. Os Conteúdos de Ensino-Aprendizagem para a Educação Física na Escola

Para a análise deste núcleo temático é importante destacar que os

'referenciais curriculares' apresentam formas distintas de denominar os

conteúdos sugeridos para o ensino da Educação Física na escola, entre elas:

‘Eixos Orientadores’, ‘Categorias de Movimento’, ‘Temáticas de Ensino’ e

‘Conhecimentos/Habilidades’.

Dentre os conteúdos sugeridos para o desenvolvimento da Educação

Física no âmbito escolar, listados no quadro abaixo, o Jogo e o Esporte são

contemplados na totalidade dos 'referenciais curriculares' analisados, isso

remete a analisarmos que esta ‘hegemonia’ do esporte e do jogo enquanto

conteúdos de ensino está atrelada a própria trajetória da disciplina de acordo

com os papéis sociais que assumiu ao longo de sua trajetória histórica. e as

diversas concepções pedagógicas da Educação Física.

Conhecimento de ensino-aprendizagem

Referencias Curriculares

Cultura gímnica (exercícios físicos) AC, AL, MG, PR, SE, SP, RJ, RO.

Cultura esportiva AC, AL, MG, PR, SC, SE, SP, RJ, RO.

Cultura dos jogos AC, AL, MG, PR, SC, SE,

43

Expressão utilizada por Souza Júnior (2001)

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108

SP, RJ, RO.

Cultura das danças AC, AL, MG, PR, SE, SP, RJ, RO.

Cultura do movimento humano AC, AL, MG, PR, SC, SE, SP, RJ, RO.

Quadro 3 – Distribuição dos ‘referenciais curriculares’ em função dos conhecimentos de ensino-aprendizagem da Educação Física

A Ginástica e a Dança também são apresentadas na maioria dos

documentos. Chamamos atenção especial para o conteúdo Dança, onde

alguns 'referenciais curriculares' abordam a dança junto ao bloco de esportes,

lutas, ginásticas, ou a trazem incluída como atividades ou movimentos rítmicos

e expressivos.

Ressaltamos que ao destacar como conteúdo as ‘Atividades rítmicas e

expressivas’, desconsidera-se que todos os conteúdos mencionados têm sua

ritmicidade e expressividade, neste caso, entendemos haver uma incoerência

quando alguns 'referenciais curriculares' trazem a dança como sinônimo de

atividade rítmica e expressiva.

Para consubstanciar nossas indagações, Brasileiro (2005, p.02),

reconhece que “quando falamos de Expressões Rítmicas, esta é parte

constitutiva de diferentes conteúdos (Ginástica, Esporte, Jogos, Lutas), mas é

no conteúdo Dança seu campo de maior expressão”

Desta forma, percebem-se nos 'referenciais curriculares' que a dança é

colocada sob duas perspectivas: uma perspectiva considerada reducionista,

pois tem a dança como uma prática corporal considerando “apenas as suas

possibilidades de exercitar habilidades motoras”, onde nesta perspectiva

distancia-se a dança “de seu universo de conhecimento próprio e [retira-se]

dela o seu sentido/significado para [...] [delimitar] apenas suas possibilidades

de movimento”. (BRASILEIRO, 2005, p. 03). Outra perspectiva é a dança

“enquanto possuidora de uma linguagem própria e expressiva, bem como

representativa de um conhecimento que conta/representa a história da

humanidade [...], localiza-se no universo da linguagem corpórea do homem,

que possui códigos universais.” (BRASILEIRO, 2005, p. 03)

Vale destacar que os RCs dos estados de MG, SP e AL documentos

enfatizam que os conteúdos devem ser abordados em suas dimensões

conceituais, procedimentais e atitudinais, o que já demosntra que a Educação

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Física já se preocupa além do apenas saber-fazer, “superando a compreensão

de conteúdos curriculares como mera listagem de atividades com um fim em si

mesmo” (MINAS GERAIS, [200-], p.19). Um exemplo da dimensão atitudinal

do conteúdo é destacada pelo RC-SP, quando

Nas dimensões sociais do movimento humano, enfatiza-se o ‘Aprender a ser e a conviver nas aulas de Educação Física’, onde devem ser oferecidas atividades, que o aluno por meio da identificação, descrição, experimentação e demonstração das mesmas seja capaz de gerar atitudes e valores positivos (respeito, cooperação, atenção, responsabilidade, colaboração, participação, resolução de conflitos, organização e autonomia) em relação a si mesmo, aos outros e à própria atividade. (Go TANI, [200-], p.32)

Neste sentido, alertamos de acordo com o RC-SP: “é certo que levar o

aluno a aprender a ser e conviver com os outros, não é objetivo específico da

Educação Física, mas como disciplina curricular, ela não pode desconsiderá-

Ios, nem deixar de explicitá-Ios” (Go TANI, [200-], p.47).

O RC-AC destaca sua identificação com a dimensão teórico-

metodologica da cultura corporal de movimento, porém ao apresentar seus

conteúdos, pauta-se na dimensão técnico-pedagógica, onde o conhecimento

sobre o corpo é colocado a partir do entendimento biológico e o esporte

enfatizando-se regras pré-estabelecidas. Dessa forma, percebemos que o RC-

AC oscila entre estas duas dimensões, havendo então uma incoerência na

relação do pressuposto teórico-metodológico (sociocultural) almejado com a

proposição de conteúdos a serem desenvolvidos nas aulas de Educação

Física.

O detalhamento dos conteúdos do RC-AL e o RC-SE transcrevem uma

proposta de organização de conteúdos de um texto acadêmico científico44. O

interessante é que o RC-AL mesmo apresentando seus objetivos pautados nos

PCNs, vai além destes na proposição e organização dos conteúdos para o

ensino-aprendizagem da Educação Física; como também é interessante

destacar a contribuição dos especialistas no tocante a divulgação de propostas

de ensino.

Vários 'referenciais curriculares', entre eles, RC-AL, RC-MG, RC-RO,

RC-SP, RC-SE, trazem o detalhamento dos conteúdos em temas, sub-temas, 44 Helder Guerra de; SOARES, Antonio Jorge et al. Elementos constitutivos de uma proposta curricular para o ensino-aprendizagem da educação física na escola: um estudo de caso. Revista Perspectivas em Educação Física Escolar. Niterói: EDUFF, 1(1): p. 26-35, 1997

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tópicos, exemplos, como também apresentam sugestões de trabalho com os

temas transversais propostos pelos PCNs, além de conteúdos complementares

mais específicos característicos de cada estado. Isso é um reflexo do proposto

nas DCNs que estabelecem uma Base Nacional Comum de conteúdos a serem

ensinados, neste caso, a Base Nacional Comum para os conteúdos da

Educação Física na escola, dar-se por meio do Jogo, do Esporte, da Dança, da

Ginástica e dos Brinquedos/Brincadeiras Populares

O RC-SC destaca que os ‘Temas da Educação Física’ devem ser o

Jogo e o Esporte, onde

as posições desenvolvidas sobre corporeidade/movimento, jogo e esporte devem sustentar todos os demais temas da Educação Física, com o intuito de torná-la mais dinâmica, ampliando sua ação de modo a desenvolver os aspectos político, educativo, contextualizando-os no tempo presente. (SANTA CATARINAa, 2005, p.230). (grifo nosso).

Porém há uma incoerência no 'referencial curricular' que pauta-se na

perspectiva histórico-cultural do conhecimento e só reconhece o jogo e o

esporte enquanto conteúdos fundamentais, onde nem cita que outros temas

devem ser tratados pela Educação Física. Ora, como pautar-se na perspectiva

histórico cultural, que considera o conhecimento historicamente produzido,

acumulado e transmitido e não considerar as outras manifestações humanas

como as lutas, ginásticas, danças, etc?

O RC-PR aborda eixos temáticos (corpo que brinca e aprende;

potencial expressivo do corpo; desenvolvimento corporal e construção da

saúde e relação do corpo com o mundo do trabalho) e destaca que estes não

devem ser considerados conteúdos mas sim “apoio necessário à organização

do trabalho do professor. [...] Deles poderão emergir aqueles elementos da

cultura que constituirão os conteúdos de ensino”. Este 'referencial curricular'

diferencia-se dos demais pois destaca que estes eixos possibilitam o

“alargamento da compreensão das práticas corporais” (PARANÁ, 2006, p. 25).

Contudo o 'referencial curricular' apresenta como conteúdo, o que o documento

trata como temáticas, sendo elas: manifestações esportivas, manifestações

ginásticas e manifestações estéticas-corporais na dança e no teatro, além dos

jogos, brincadeiras e brinquedos já contemplados na categorização deste

núcleo de sentido.

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111

Percebemos pelo quadro apresentado acima que os conteúdos

propostos para o trato da Educação Física na escola, e a especificação e

detalhamento destes nos 'referenciais curriculares', assim como o enfoque

problematização dos conceitos, historicidade, sentidos, significados e

relevância social dos conteúdos, representa um avanço na visão de uma

disciplina prioritariamente ‘prática’, que chegou a ser considerada como

atividade, responsável apenas pela mera execução de movimentos e gestos

motores.

Neste sentido, podemos entender que os 'referenciais curriculares'

apresentam o que a Educação Física tem para ensinar, preocupando-se em

analisar e criticar estes conhecimentos, atrelando ao contexto histórico e social

que os constituem. No entanto, partindo dos questionamentos da Teoria Crítica

do Currículo, desconfiamos de que interesses há na predominância dos

conteúdos Jogo e Esporte? Por que outros conhecimentos como as lutas, por

exemplo, são menos presentes nos 'referenciais curriculares'? E ainda, a partir

da seleção destes conhecimentos que perfil de aluno eles irão formar? O

esporte ainda hegemônico enquanto conteúdo da Educação Física, mesmo

com o avanço nas proposições de outros conhecimentos, não é reflexo de uma

concepção técnico-esportiva que ainda permeia este componente curricular?

Sabemos que este estudo não dá conta de responder estas questões,

porém é importante estarmos atentos a estas problemáticas a fim de

consolidarmos propostas curriculares eficazes.

• 4.2.4. Os Princípios e Orientações Metodológicas para o Trato da Educação Física na Escola

A partir da definição dos conteúdos a serem trabalhados pela

Educação Física na escola, é necessário saber o que os 'referenciais

curriculares' propõem enquanto metodologia de ensino-aprendizagem para

este componente curricular.

É interessante notar que nenhum documento se referiu a Métodos de

Ensino propostos na literatura da área45. Os documentos apresentam

45 Entre os Métodos de Ensino propostos para a Educação Física na escola, temos: Xavier (1986), com os Métodos Parcial, Global e Misto, para o enfoque nas destrezas motoras e

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indicações de posturas metodológicas dos professores conduzirem a aula,

onde podemos entender que os Métodos de Ensino dependem,

[...] dos objetivos elaborados, tendo em vista o processo ativo de transmissão-assimilação-reflexão acerca dos conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias à formação das crianças e adolescentes, [...] diz respeito às ações de organização das atividades de ensino, visando conduzir os alunos à consecução dos objetivos de ensino através da assimilação ativa dos conteúdos. (RESENDE, 1992).

Neste sentido as Intenções Metodológicas presentes nos ‘referenciais

curriculares’ são apresentadas a seguir.

O reconhecimento e valorização das experiências e conhecimentos

prévios dos alunos e a participação do aluno na construção do processo de

ensino e aprendizagem, foram as orientações metodológicas mais enfatizadas

nos 'referenciais curriculares' analisados. Isso reflete que o ensino deve ser

efetivado pela relação professor-aluno-conhecimento.

Há o enfoque para a Educação Física faça seus projetos de trabalho

temáticos de acordo com sua especificidade.O que diferencia-se de

orientações para o trabalho interdisciplinar. Na interdisciplinaridade, a

Educação Física é tida como uma área de conhecimento multidisciplinar, com

condições de efetivar ações pedagógicas relacionando-se com os diferentes

campos do saber e com o cotidiano dos alunos.

O RC-SC destaca que “a postura do professor frente aos conteúdos e

métodos da Educação Física, deve ser a de um pesquisador incansável, com

profundo conhecimento específico e uma visão de totalidade” (SANTA

CATARINAa, 2005, p. 220). Sendo um professor que indaga, questiona, reflete

e modifica sua realidade, buscando nas especificidades dos conteúdos e

metodologias da Educação Física a aplicação e constante transformação

revisão de sua prática pedagógica. Porém o termo pesquisador não é

adequado, pois este não é o perfil de um pesquisador, mas de um professor

que possui uma atitude científica diante do campo de intervenção profissional,

do conhecimento que é identificador de sua área de intervenção pedagógica e movimentos esportivos generalizados. Mooston &Ashworth (1990), com os Estilos de ensino da Educação Física. Dietrich et alli. com a proposição de metodologias de ensino para os jogos, entre elas o Método Parcial e o Método de Confrontação. As Concepções Abertas ao ensino da Educação Física , com a de proposição Métodos Criativos em Educação Física, de Dieckert (1985), na busca de uma alternativa a calistenia e aos movimentos esportivizados aplicados nas aulas de Educação Física. (RESENDE, 1992)

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do objeto de ensino-aprendizagem, assim como das necessidades e

possibilidades de intervenção didático-pedagógica deste componente

curricular, entre outros aspectos relacionados com sua missão educativa.

Os 'referenciais curriculares' dos estados de AL e MG sugerem vários

recursos didático-metodológicos que podem auxiliar o professor no processo

de ensino-aprendizagem: Análise de imagens e sons (filmes, vídeos,

fotografias, desenhos, pinturas, propagandas, músicas, charges, murais,

documentários); de objetos (troféus, flâmulas, medalhas, certificados, diplomas,

brinquedos, maquetes, cenários, fantasias); de textos, livros, contos, crônicas,

jornais, revistas, poesias, histórias, paródias, dentre outros; Pesquisa;

Entrevista; Júri simulado; Seminário; Palestra; Debate com profissionais e

atletas convidados; Visita à comunidade, em especial aos espaços de esporte

e lazer; Teatro e cinema; Oficina de brinquedos e brincadeiras; Feira e eventos

artísticos e culturais; Campeonatos; Visitas e excursões diversas, além de

diferentes recursos audiovisuais. É interessante pontuar que dentre os 09

documentos analisados, apenas estes dois se preocuparam em sugerir tais

recursos.

É interessante destacar que estas proposições metodologias

constituem-se como sugestões de plano de ação, não se tratam de ‘receitas’,

cabe ao professor adequar, modificar, intervir e mediar este processo.

• 4.2.5. A Perspectiva e o Objeto de Avaliação do Ensino-Aprendizagem para a Educação Física no Contexto da Educação Escolar

A avaliação ainda é uma questão que gera muitos debates no meio

acadêmico e na atuação do professor na escola. Isso devido à própria trajetória

histórica da área, tida como atividade curricular, o que consequentemente

concebia a avaliação apenas como atribuição de notas, critérios de reprovação

ou aprovação.

Portanto, o que avaliar? como avaliar? porque avaliar? são questões

que ainda não estão bem definidas na área. Neste sentido, os 'referenciais

curriculares' representam um avanço pela tentativa de nortear, justificar e

propor perspectivas e objetos de avaliação para este componente curricular.

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114

Alguns 'referenciais curriculares' como os dos estados de AL, AC, RJ,

RO e SE preocupam-se em propor objetos de avaliação para o processo de

ensino aprendizagem da Educação Física na escola como: Debates,

Seminários, Pesquisas, Organização de atividades pesquisadas, Painéis,

Elaboração de Textos, Dramatizações, Auto-avaliação escrita do rendimento do

grupo e individual, Observação e discussão dos pontos avaliados, Fichas de

registro, Gravação em vídeo, Testes, e Testes físicos ou motores.

Em relação a forma de avaliar, encontramos nos RCs dos estados do

AC, AL, MG, RO, SE e SC o entendimento de avaliação enquanto constituinte

e subsidiadora do processo ensino-aprendizagem (processual), já para os RCs

dos estados AC, AL, MG e PR ela também é tida como Formativa (Contínua,

Sistematizada), Diagnóstica (Conhecimentos Prévios dos Alunos) e Somativa.

A participação dos alunos no processo de avaliação é colocada nos RCs de AL

e RO. O que é destaque nos documentos em geral é a critica à avaliação

punitiva e descriminatória.

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116

CAPITULO V

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo propôs fazer uma análise de como se configuram os

currículos oficiais para o trato da Educação Física enquanto componente

curricular.

Os ‘referenciais curriculares’ trazem marcas caracterizadoras das

indicações de propostas curriculares previstas na LDB e DCNs, no sentido de

tentativa de organizar o conhecimento para a Educação Física na escola. São

reflexo de que deve haver essa articulação das diversas instâncias

educacionais.

Como toda proposta, apresenta avanços e dificuldades, onde a partir

destas caracterizações teórico-metodologicas percebemos que na tentativa de

definição do currículo oficial para a Educação Física na escola, há

problemáticas na indefinição dos objetivos de ensino-aprendizagem, e da

perspectiva de avaliação. As metodologias de ensino propostas não se

baseiam em produções acadêmicas da área. Não é possível identificar

claramente em alguns documentos sob que concepções teórico-metodologicas

se apóiam para o trato da Educação Física na escola.

Porém não podemos deixar de considerar a validade e importância

destas iniciativas de organização do conhecimento escolar para a Educação

Física. Cabe aos professores de cada unidade escolar, discuti-la, efetivá-la na

medida do possível e transformá-la, na possibilidade de recriá-la.

Somos um componente curricular relativamente novo, se compararmos

a outras disciplinas escolares. Urge a necessidade de definição de conteúdos,

objetivos, metodologias, e avaliação. Os currículos oficiais aqui apresentados

são uma tentativa, um esforço coletivo dos sujeitos envolvidos - professores,

gestores, especialistas. As propostas ainda são poucas, nove estados apenas

buscam organizar o que entendem como pré-requisitos para que a Educação

Física na escola aconteça de maneira diferenciada de tempos atrás.

Os RCs vêem com a iniciativa ao debate, ao questionamento de

praticas tradicionais e enraizadas na área. A Educação Física busca se

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consolidar de maneira diferente de seus vieses militaristas, higienistas e

desportivizantes. Estes currículos oficiais aqui documentados são uma tentativa

de construir essa nova Educação Física. O consenso não deve existir, mas sim

a busca de argumentos teórico definidos que consubstanciem as diferenças.

Porém na busca dessa definição devemos ter o cuidado para a não

confundir bases teórico conceituais com o conjunto de conhecimentos

pertinentes a área. Estes, na verdade, é o principal ponto de convergência dos

documentos das diferentes regiões do país. Podemos perceber e destacar o

que se esta demarcando enquanto conhecimento inerente a este componente

curricular – a Cultura Corporal.

Ao analisar os ‘referenciais curriculares’ para a Educação Física

destacamos o que as Secretarias Estaduais de Educação no debate coletivo

propuseram como interesses/objetivos, potencialidades e influências que

incidem sobre este componente curricular, de maneira que o currículo oficial de

Educação Física para as escolas estaduais do país está construído

perspectivando orientações didáticas diante de uma área de proposições

amplas e divergentes.

Dessa forma o currículo como projeto ou plano educativo para a

Educação Física na escolar materializa-se nas definições apresentadas nos

RCs, afinal no processo de construção coletiva ele foi mediado pelas negações

e aceitações de determinados conhecimentos.

Resta agora que estas propostas sejam apropriadas e atinjam

significados nos contextos que podem ser desenvolvidas, a escola, a

comunidade, a área, os sujeitos envolvidos na seleção e organização do

conhecimento escolar.

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ANEXO 1

Lista dos sites das Secretarias Estaduais de Educação

ESTADO ENDEREÇO ELETRÔNICO Acre http://www.ac.gov.br/see/ Alagoas http://www.see.al.gov.br/ Amapá http://www.seed.ap.gov.br/ Amazonas http://www.seduc.am.gov.br/ Bahia http://www.sec.ba.gov.br Ceará http://www.seduc.ce.gov.br/ Distrito Federal http://www.se.df.gov.br/cedf/links.asp Espírito Santo www.sedu.es.gov.br Goiás http://www.educacao.go.gov.br/portal/default.asp Maranhão http://www.educacao.ma.gov.br/ Mato Grosso http://www.seduc.mt.gov.br/ Mato Grosso do Sul http://www.sed.ms.gov.br/ Minas Gerais http://www.educacao.mg.gov.br/site/ Pará http://www.seduc.pa.gov.br/ Paraíba http://www.sec.pb.gov.br/index.php Paraná http://www.seed.pr.gov.br/portals/portal/home.php Pernambuco http://www.educacao.pe.gov.br/ Piauí http://www.seduc.pi.gov.br/ Rio Grande do Norte http://www.educacao.rn.gov.br/ Rio Grande do Sul http://www.estado.rs.gov.br/ Rio de Janeiro http://www.see.rj.gov.br/index5.aspx Rondônia http://www.seduc.ro.gov.br/ Roraima http://www.educacao.rr.gov.br/ Santa Catarina http://www.sed.rct-sc.br/ São Paulo http://www.educacao.sp.gov.br/ Sergipe http://www.seed.se.gov.br/ Tocantins http://www.seduc.to.gov.br/