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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Faculdade de Direito “Polícia Militar” é um oximoro: a militarização da segurança pública no Brasil Júlia Leite Valente Belo Horizonte 2012

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Desmilitarização das polícias

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Direito

“Polícia Militar” é um oximoro: a militarização da segurança pública no Brasil

Júlia Leite Valente

Belo Horizonte 2012

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JÚLIA LEITE VALENTE

“Polícia Militar” é um oximoro: a militarização da segurança pública no Brasil

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Túlio Lima Vianna

Belo Horizonte 2012

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, professor Túlio Lima Vianna, que se entusiasmou pelo

tema e me obrigou refazer o projeto inúmeras vezes, pois sem ele o resultado não

seria o mesmo. Ao Fernando Nogueira, companheiro de pelejas, que desde sempre

me encorajou a enveredar por esses caminhos.

Ao Grupo Casa Verde, lugar onde nascem tantos incômodos e temas de

pesquisa. Ao amigo Rômulo Tesch Santana, pelo incansável apoio intelectual e à

amiga Marcela Rodrigues Santos, por estar do mesmo lado que eu.

Aos meus pais, pelo apoio e pelas discussões e ao Rodolpho, meu melhor

crítico, pela paciência e pelo carinho.

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“Talvez nas Forças Armadas eu não tivesse

essa oportunidade. (...) Eu estou participando

de uma guerra, acontece que eu tô voltando

pra casa todo dia. É a única diferença.”

(Capitão Pimentel1)

“Parapapapapapapapapa

Paparapaparapapara clack bum

Parapapapapapapapapa”

(Rap das Armas2)

1 Fala do então Capitão do BOPE no documentário “Notícias de uma Guerra Particular”, de João Moreira Salles e Kátia Lund (1999). 2Funk de MC Cidinho e MC Doca.

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RESUMO

A partir da constatação da falência do modelo militarizado de polícia existente no

Brasil, pretende-se explicar suas origens e elaborar sua crítica, tendo em vista sua

incompatibilidade com a democracia e os direitos humanos. Preliminarmente, são

apresentadas algumas definições e conceitos acerca da polícia e, em seguida, se

esboça uma breve história das polícias no Brasil, em um processo de militarização

da segurança pública, que teve seu ponto alto durante a última ditadura.

Posteriormente, é feita uma análise dos aspectos da militarização, sua origem

autoritária e suas consequências na atuação das Polícias Militares ainda hoje.

Defende-se, então, a natureza civil da atividade policial, sendo o adjetivo militar

contraditório com os objetivos de uma polícia em um contexto democrático. Por fim,

apresentados os mais recentes movimentos de reforma da instituição, argumenta-se

que existe uma ameaça à remilitarização, manifesta no aumento da demanda

repressiva. A pesquisa leva à afirmação do momento presente como crítico para a

mudança e à defesa de um ideal de polícia cidadã.

Palavras-chave: Polícia Militar. Militarização. Segurança pública. Democracia.

Violência.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................6

2 POLÍCIA E SEGURANÇA PÚBLICA.....................................................................10

3 BREVE HISTÓRIA DAS POLÍCIAS NO BRASIL: O PROCESSO HISTÓRICO DE

MILITARIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA........................................................15

3.1 Os embriões da polícia no Brasil colônia........................................................15

3.2 O Império: Guarda Nacional e Corpos das Províncias...................................18

3.3 A Polícia na República........................................................................................20

3.3.1 Getúlio Vargas e sua Polícia.............................................................................21

3.3.2 Breve período democrático...............................................................................26

3.3.3 Ditadura militar: o novo papel da PM................................................................27

3.3.4 Os debates da redemocratização e a transição inacabada..............................32

4 AUTORITARISMO, REPRESSÃO E VIOLÊNCIA: CRÍTICA À MILITARIZAÇÃO

DA POLÍCIA...............................................................................................................37

4.1 Os aspectos da militarização............................................................................38

4.2 Polícia e Exército: outras polícias militares e a particularidade brasileira...45

4.3 Natureza civil da atividade policial: Polícia Militar é um oximoro.................46

5 MUDANÇAS E PERSPECTIVAS...........................................................................50

5.1 Os movimentos de reforma...............................................................................50

5.2 Por outro lado, a remilitarização.......................................................................54

5.3 O ideal de uma polícia cidadã...........................................................................58

6 CONCLUSÃO.........................................................................................................62

REFERÊNCIAS..........................................................................................................65

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1 INTRODUÇÃO

Apesar de segurança pública ser assunto em voga, ainda é um tema marginal

nas Ciências Sociais e, sobretudo, no Direito. Antes dos anos 1980, praticamente

tudo o que havia sido escrito sobre segurança e polícias, o fora pelos próprios

policiais. É somente em meados dos anos 1980, época que coincide com um

aumento significativo nos índices de criminalidade em todo o mundo, que o campo

deixa de ser ignorado pela Academia. Nos últimos anos, no entanto, graças ao

fortalecimento de uma cultura de formação acadêmica dos oficiais, verifica-se um

significativo aumento das produções sobre o tema. A respeito do tema militarização,

entretanto, a bibliografia é ainda escassa, talvez devido ao fato de que o modelo

militarizado está profundamente enraizado na cultura brasileira e tem muitos

defensores, pois serve a interesses específicos.

Segurança pública, em definição dada pela Secretaria Nacional de Segurança

Pública3, é “uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um

todo, realizada com o fito de proteger a cidadania, prevenindo e controlando

manifestações da criminalidade e da violência, efetivas ou potenciais, garantindo o

exercício pleno da cidadania nos limites da lei”. Diz ainda que “os serviços de

segurança pública de natureza policial e não policial devem buscar estabelecer,

aperfeiçoar e manter, conjunta e permanentemente, um sentimento coletivo de

segurança”.

É a polícia o personagem mais emblemático da segurança pública, sendo em

nosso país relevante o papel das Polícias Militares dos Estados. Cabe a estas a

“preservação da ordem” nas comunidades. Entretanto, sua evolução histórica deu

origem a uma cultura organizacional militarizada, voltada para a rigidez castrense e

para o combate ao inimigo, priorizando a preservação da ordem e do Estado, em

detrimento da segurança dos cidadãos. Ao longo de sua história, foram poderosos

instrumentos de repressão e preservação da ordem social vigente. Sendo a

instituição que exerce o monopólio da força em nome do Estado, a polícia tem a

função de controle social, em especial das classes consideradas perigosas – se 3 BRASIL. Ministério da Justiça. Segurança Pública. Órgãos de segurança. Conceitos básicos. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/senasp/data/Pages/MJ1BFF9F1BITEMIDE16A5BBC4A904C0188A7643B4A1DD68CPTBRNN.htm. Acesso em: 31 março 2012.

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presume que as classes superiores devem ser protegidas e não policiadas. Os

inimigos são fabricados segundo as conveniências do poder e introduzem a

dinâmica da guerra no Estado de Direito (ZAFFARONI, 2007). O inimigo mudou ao

longo do tempo: dos vadios aos subversivos. Nas últimas décadas, são perseguidos

os jovens dos bairros precários, os favelados, estereotipados como potencialmente

criminosos.

Com a redemocratização brasileira, o modelo de segurança pública baseado

na repressão perdeu seu sentido, mas como não houve mudança substancial na

cultura policial – tampouco na própria Constituição –, permanece a mentalidade

belicista que constrói inimigos a serem combatidos. O discurso da insegurança

atinge a opinião pública e contribui para a perpetuação desse modelo inadequado à

democracia. É vendida a ilusão de que apenas o aumento da repressão policial é

capaz de aumentar a segurança urbana contra o delito comum, ideia que legitima

todo gênero de violência.

As PMs, supostas garantidoras da paz social, realizam ações lamentáveis. A

PM do Rio de Janeiro, por exemplo, matou 427 civis em 2000, 592 em 2001, 900 em

2002 e 1195 em 20034; A PM de São Paulo matou 1470 civis em 1992 (RATTON,

2007). É um genocídio. A violência policial tem caráter instrumental, funciona como

método de trabalho e a vitimização de civis inocentes costuma ser registrada como

“resistência à prisão seguida de morte”.

A sucessão de chacinas praticadas por policiais, a formação de grupos de extermínio, o hábito de entregar cadáveres em hospitais de pronto-socorro de forma a desconstituir a cena do crime, a prática tão corriqueira de relatar mortes em ‘autos de resistência’ e as excursões punitivas e tantas vezes assassinas em morros e vilas populares- cujos resultados são muito frequentemente objeto de comemorações públicas por parte dos ‘policiais justiceiros’ -, ao lado das práticas, infelizmente ainda tão comuns, de espancamentos e torturas de suspeitos e de abusos sexuais e estupros, acompanham a instituição policial como uma maldição. Temos uma longa tradição de subordinação das polícias à razão de Estado. (ROLIM, 2006: p. 46)

4LEMGRUBER; MUSUMECI e CANO (2003) citam pesquisa realizada no Rio de Janeiro que demonstrou que nos primeiros anos do século XXI, aproximadamente 10% dos homicídios dolosos na cidade foram cometidos por policiais. Para cada policial morto em “confronto”, houve mais de 10 mortes de “opositores” civis – o número de mortos era até 3 vezes superior ao de feridos. Esses dados demonstram que muitas intervenções policiais, particularmente em favelas, têm como objetivo a eliminação dos suspeitos. Os dados médicos-legais confirmam o quadro de uso excessivo da força e a existência de execuções sumárias: 46% dos cadáveres apresentavam 4 ou mais disparos; 61% com pelo menos um disparo na cabeça; 65% com pelo menos um disparo pelas costas; um terço com lesões além das provocadas por arma de fogo e 40% das vítimas receberam disparos à queima-roupa, o que evidencia execução.

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A Polícia Militar de Minas Gerais declara ser sua missão “assegurar a

dignidade da pessoa humana, as liberdades e os direitos fundamentais, contribuindo

para a paz social”5. Entretanto, esse discurso de direitos – que tem se ampliado na

retórica policial desde o fim da última ditadura militar – não se reflete nas práticas da

PM. A ela cabe a proteção da cidadania, mas, na maioria das vezes, é a própria

condição dos cidadãos que se nega por suas ações violentas – cite-se como

exemplo recente a repressão à manifestação dos professores estaduais em greve

em setembro de 2011.

As polícias militares continuam a executar sumariamente suspeitos e

criminosos como estratégia de repressão ao crime. O filme “Tropa de Elite” e sua

continuação, embora não tivessem esse propósito, acabaram por glorificar a polícia

militarizada que reprime e mata os “bandidos”. O Cap. Nascimento se tornou um

herói nacional. Os últimos eventos demonstram que o Brasil aderiu, a partir do

Governo Federal, a uma remilitarização da segurança pública em plena democracia.

A ocupação militarizada das favelas se justifica com o discurso de acabar com o

tráfico e trazer a paz para os morros, mas esconde seu objetivo maior de abrir

caminho para os grandes negócios e grandes eventos. As vítimas de tudo isso

permanecem sendo os socialmente vulneráveis.

A segurança pública no Brasil, é inegável, está em crise com o esgotamento

do modelo em curso. Tal questão foi sistematicamente negligenciada por sucessivos

governos e qualquer tentativa de reforma esbarra em entraves políticos de toda

sorte. Entretanto, uma polícia cidadã, protagonista dos direitos humanos é possível e

a questão deve ser amplamente debatida. Hoje o problema maior é que à tendência

democratizante se contrapõe uma tendência fortemente autoritária que possui um

discurso legitimante que ameaça os que preconizam uma polícia cidadã.

Estamos às vésperas da realização de uma Copa do Mundo no Brasil e essa

é a mais nova desculpa para reforçar a militarização da segurança pública e o

aprisionamento em massa dos pobres através de medidas nitidamente higienistas:

os mendigos, os meninos de rua, os vendedores ambulantes, os usuários de drogas,

as ocupações urbanas etc. incomodam. Neste momento, o poder público mais que

nunca serve a interesses privados e surgem nas cidades que sediarão jogos 5 PMMG. Missão e Valores. Disponível em https://www.policiamilitar.mg.gov.br/portal-pm/conteudo.action?conteudo=1285&tipoConteudo=itemMenu. Acesso em: 31 mar. 2012.

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verdadeiras zonas de exceção6. Por trás das políticas de higienização social há o

claro intuito de reservar os locais públicos para cidadãos das primeiras classes e, no

caso, turistas.

Essas são as questões que inspiram este trabalho. Demonstraremos o

desenvolvimento e a consolidação desse modelo de polícia militarizada e veremos

como a segurança pública no Brasil possui uma tendência autoritária desde a origem

do policiamento, o que foi confirmado e fortalecido com o último regime militar, no

qual se consolidou a concepção de repressão como sinônimo de segurança.

Argumentaremos que esse modelo impede a consolidação da democracia e atenta

contra os Direitos Humanos. Por fim, apresentaremos o ideal de democratização das

polícias, ao qual se contrapõem, perigosamente, novas forças militarizantes.

6 ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULARES DA COPA. Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil. Dossiê completo. Disponível em: <http://comitepopulario.files.wordpress.com/2011/12/dossie_violacoes_copa_completo.pdf>. Acesso em 30 abr. 2012.

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2 POLÍCIA E SEGURANÇA PÚBLICA

Antes de qualquer coisa, é necessário estabelecer alguns conceitos sobre a

polícia e dizer algumas palavras sobre seu surgimento. Etimologicamente, o termo

“polícia” deriva da expressão grega politeia, pela qual se designava a arte de

governar a cidade, de tratar da “coisa pública”. Latinizada, a expressão virou politia,

que nas línguas modernas se transformou em police, polizia, politzei, polícia

(ROLIM, 2006: p. 24).

Partiremos de conceitos de David H. Bayley, grande referência no estudo do

tema, que emprega o termo polícia para se referir a “pessoas autorizadas por um

grupo para regular as relações interpessoais dentro deste grupo através da

aplicação de força física” (BAYLEY, 2006: p. 20). São, portanto, três elementos que

definem a polícia: o uso de força física, a atuação interna e a autorização coletiva. A

partir dessa definição, pode-se dizer que sempre que a aplicação de coerção física

em uma comunidade é por ela considerada legítima, existe algum tipo de

policiamento. O policiamento, nessa concepção, é praticamente universal e, ainda

que seja possível imaginar sociedades sem ele, elas são extremamente raras.

Os policiais são agentes executivos da força e recebem autorização da

comunidade para tal, mas esse uso deve respeitar limites que serão mais ou menos

amplos de acordo com o cenário. O uso interno é um importante elemento, pois é o

que diferencia a polícia do Exército7. A autorização por um grupo é pressuposto

necessário para que se exclua do conceito de polícia as pessoas que utilizam de

força dentro da sociedade para propósitos não-coletivos.

A polícia, portanto, considerando essa definição, apresentou uma grande

diversidade histórica ao redor do mundo, já que o conceito abarca um sem-número

de organizações existentes ao longo de toda a história da humanidade. Entretanto, o

policiamento moderno possui caráter próprio. A polícia moderna, ainda segundo

Bayley, se caracteriza pela combinação única dos atributos de ser pública,

especializada e profissional.

O caráter público diz respeito ao pagamento e à orientação da agência

policial. Ele surge quando a polícia “se torna paga por e controlada pelas 7 Quando o exército é usado para manutenção da ordem dentro da sociedade, deve ser visto como força policial.

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comunidades, agindo coletivamente” (BAYLEY, 2006: p. 36). Em sentido contrário, a

polícia é privada se a comunidade que a autoriza não paga por ela nem a direciona.

O caráter público não depende da existência do Estado, mas se torna mais visível

após o surgimento deste, uma vez que são os governos que delegam à instituição

policial a autoridade para agir pela comunidade. Historicamente, o policiamento

público teria substituído o privado quando a insegurança na sociedade se tornou

maior do que a capacidade dos grupos particulares de prover uma ação protetora

eficiente.

A especialização é a exclusividade no exercício de força física dentro da

comunidade. Nesse sentido, um aspecto importante na história da especialização da

polícia foi a remoção dos militares da tarefa de manutenção da ordem interna com a

diferenciação das forças policiais e forças armadas. Pode-se dizer que nos locais em

que a ligação com os militares ainda é forte a especialização é incompleta.

A profissionalização diz respeito a uma preparação específica dos policiais

para a realização de funções exclusivas da atividade policial e conota uma atenção a

padrões de qualidade no desempenho. A profissionalização surge quando se torna

necessária a consolidação de instrumentos confiáveis e eficazes de controle social

pelo uso de força, independente na da natureza do sistema político que esteja em

vigor.

Rolim (2006: p. 30) observa que no processo de organização da polícia

moderna, “a estrutura hierárquica e disciplinar das Forças Armadas foi, em geral,

vista como um modelo a ser imitado, o que assegurou uma formação ‘militar’ ou

‘paramilitar’ para muitas polícias no mundo”, o que é patente na história da polícia no

Brasil, como veremos no capítulo seguinte.

Cabe também observar que a evolução das polícias acompanhou um

processo histórico de transformação da ordem pública em bem coletivo. Durante

muito tempo, a questão da ordem foi tratada como problema de cunho privado, com

grupos particulares mais ou menos organizados realizando a persecução e a

aplicação da justiça criminal. O próprio conceito de “segurança pública” não fazia

qualquer sentido para além da ideia de “manutenção da paz” (ROLIM, 2006: p. 24).

É apenas na modernidade que a questão se torna pública, de forma que a provisão

de segurança e ordem adquire caráter de bem coletivo (SAPORI, 2007: p. 18).

Nesse processo histórico-sociológico, o Estado foi assumindo o monopólio na

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provisão de mecanismos de controle social e foram se consolidando instituições

policiais profissionais dedicadas à segurança pública.

Com a expansão do poder do Estado, a violência física exercida por

particulares se torna ilegítima e o monopólio da força física passa a ser reservado

àqueles legitimados pela autoridade central. Passa a ser necessária a consolidação

de instituições voltadas à preservação da ordem interna do Estado. As forças de

segurança pública, nesse propósito, vão se tornando especializadas. Assim, retira-

se a violência física do contexto privado e instituições legitimadas pela autoridade

passam a exercê-la. É então que a polícia se distingue do Exército e a este passa a

ser atribuída a prerrogativa de uso da força física exclusivamente para a defesa

externa, como esclarece Sapori:

A polícia é uma organização autorizada pela coletividade para regular as relações sociais via utilização, se necessário, da força física. Seu mandato, nas sociedades modernas, distingue-se daquele atribuído ao Exército. Este último tem também a prerrogativa de uso da força física, mas sua jurisdição é externa à coletividade. (SAPORI, 2007b: p. 99)

Entre 1660 e 1890, quase todos os países europeus constituíram formas de

polícia que podem ser considerada como modernas. Os historiadores consideram

que a transformação das forças policiais se deve, sobretudo, à emergência de

revoltas populares e desordens na maior parte dos países europeus, associada à

incapacidade dos governos para continuar lidando com elas através da convocação

de tropas do Exército.

O surgimento das modernas organizações policiais baseadas no profissionalismo, na estruturação burocrática e sob o controle do Estado reflete, assim, uma mudança do privado para o público, da organização descentralizada para a organização centralizada, da autoridade feudal para a autoridade estatal. A estruturação dos sistemas policiais modernos é a expressão mais marcante do papel decisivo assumido pelo Estado na garantia da ordem interna. (SAPORI, 2007: p. 28)

Os dois sistemas policiais clássicos mais paradigmáticos na história foram o

francês e o inglês. O modelo francês, estatal e centralizado, que inspirou os

sistemas de vários outros Estados, é dual: por um lado, há a Maréchausée das

áreas rurais, por outro, a Lieutenance de Police de Paris. A primeira, intrinsecamente

militarizada em sua origem, surge de um regimento de elite do Exército, possuindo

as funções de vigiar populações itinerantes, prender bandidos e assegurar regras

comerciais, ela se torna a Gendarmerie em 1791, perdendo aos poucos sua

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vinculação ao Exército. A Lieutenance, criada em 1667, possui atribuições na

repressão da criminalidade, mas também é encarregada do socorro em acidentes,

da salubridade das ruas e prevenção de epidemias, da provisão de alimentos, da

vigilância sobre as publicações e também da realização de enquetes e pesquisas.

Depois da Revolução francesa, a Lieutenance é substituída pela Garde Nationale.

Apesar de o modelo francês possuir duas corporações policiais, ambas são polícias

de ciclo completo, ou seja, encarregadas tanto da manutenção da ordem pública

quanto da investigação criminal, ao contrário do que existe no Brasil, onde cabe às

Polícias Militares a primeira função e às Polícias Civis, nossas polícias judiciárias, a

segunda.

Já na Inglaterra, em 1829 a Home Secretary do Parlamento assume a

responsabilidade pelo policiamento de Londres e é criada uma organização policial

profissionalizada, concebida em termos civis, no que se diferencia do modelo da

Gendarmerie, a Polícia Metropolitana de Londres. Os ingleses temiam justamente o

exemplo francês de uma polícia a serviço da política e ameaçadora das liberdades

individuais (o que se evidencia em sua atuação no período napoleônico). Ao longo

do século XIX, disseminou-se pelo Reino Unido o modelo de policiamento

eminentemente comunitário, que busca na sociedade a legitimidade de sua ação,

abolindo o sistema herdado da Idade Média. Rolim (2006: p. 25-26) afirma que

O projeto de um policiamento feito mediante o uso de um uniforme (sobrecasaca e cartola) que simbolizasse a ideia de um serviço público como tantos outros, a partir de servidores com fortes vínculos com a comunidade e realizado – por incrível que isso possa parecer – sem o uso de armas, dotou as polícias britânicas de uma marca inconfundível e abriu espaços para uma nova visão de policiamento.

As atribuições designadas às polícias variaram ao longo da história e diferem

de um lugar ao outro. Originalmente na Europa continental, como se observa na

Lieutenance francesa, o policiamento coincide com a administração civil. Nesse

primeiro momento, não se via como missão policial exclusiva, ou mesmo a mais

importante, o combate ao crime. Aos poucos as polícias foram desinvestidas das

funções administrativas auxiliares até que o patrulhamento se tornasse a

competência policial mais importante. Com os novos recursos tecnológicos do

século XX (o carro de patrulha, o telefone, o rádio de intercomunicação), o

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policiamento foi se afastando da comunidade8: ao longo das décadas, foi sendo

criado um modelo de policiamento cuja principal característica seria a de responder

às ocorrências criminais após a comunicação do fato pelas vítimas ou por

testemunhas (ROLIM, 2006: p. 30). Um modelo reativo, portanto.

Segundo Bayley a diferença entre as polícias e Estados autoritários e

democráticos reside, em parte, em sua característica mais ou menos reativa:

enquanto aqueles preferem atribuições proativas da sua polícia, isto é, investem em

repressão, os governos democráticos tendem a valorizar as atribuições reativas

(BAYLEY, 2006: p. 157). Preferimos, no entanto, afirmar que as diferenças principais

entre as organizações em governos democráticos ou autoritários estão no seu

direcionamento principal ao Estado ou aos cidadãos, sendo este último uma

característica das polícias democráticas.

A estrutura da segurança pública no Brasil sofreu inúmeras transformações

ao longo de sua história, ao sabor dos interesses políticos e da tendência mais ou

menos autoritária de cada época. O modelo dicotômico de polícia existente hoje se

aproxima mais do francês, considerando a coexistência de uma polícia civil (a

Guarda Nacional, na França e a Polícia Civil nos Estados brasileiros) e uma polícia

militar (a Gendarmerie e a PM). O modelo francês teria influenciado o de Portugal e

daí para o Brasil, como veremos. Hoje, as Polícias Civis e as Militares brasileiras

exercem funções complementares, na ausência de uma polícia de ciclo completo9.

8 Antes, o policiamento era exclusivamente a pé. 9 Existe ainda, no âmbito federal, uma Polícia Federal e outra Rodoviária, que tratam de crimes específicos. A Polícia Federal, organizada e mantida pela União, é encarregada, de acordo com o §1º do art. 144 da Constituição da República, da apuração de infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União, bem como de infrações de repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, da prevenção e repressão ao tráfico ilícito de drogas, ao contrabando e ao descaminho, além das funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras e de polícia judiciária exclusiva da União. A Polícia Rodoviária Federal, também organizada e mantida pela União, é encarregada do patrulhamento ostensivo das rodovias federais (art. 144, §2º, CR).

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3 BREVE HISTÓRIA DAS POLÍCIAS NO BRASIL: O PROCESSO

HISTÓRICO DE MILITARIZAÇÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA

As Polícias Militares dos Estados brasileiros são estruturalmente violentas,

especialmente contra as classes desprivilegiadas, sendo que essa característica

está intimamente ligada ao modelo adotado, inspirado no Exército. Muitos acreditam

que a militarização das polícias é herança da última ditadura. Para estes, segundo

Lemgruber, Musumeci e Cano (2003: p. 51),

A subordinação direta das PMs ao Exército, a prevalência da doutrina de segurança nacional e a mobilização de ambas as polícias para a repressão política, num contexto de suspensão dos direitos civis, teriam deixado marcas profundas, ainda não superadas, na lógica, na organização e nas práticas das instituições brasileiras de segurança. Além do legado fortemente negativo para a imagem social dessas instituições, o autoritarismo teria comprometido a profissionalização das atividades de policiamento, atrasando em décadas o processo de adequação dos serviços policiais às demandas contemporâneas de ordem pública, à crescente complexificação das atividades criminosas e à verdadeira revolução tecnológica e organizacional ocorrida na área da segurança em outros países do mundo.

Mas a ditadura é apenas a origem mais próxima de problemas que possuem

raízes na origem das polícias brasileiras. Pesquisas históricas mais recentes

revelam que as forças de segurança pública, desde a colônia, foram concebidas

como instrumentos para a proteção do Estado e das classes dominantes.

Demonstraremos neste capítulo que a Polícia Militar que hoje conhecemos surge

apenas na ditadura militar, mas que, antes dela, as forças públicas já eram

militarizadas, sendo “pequenos exércitos estaduais”.

3.1 Os embriões da polícia no Brasil colônia

O policiamento no Brasil surge de forma privada. No início da colonização, o

sistema de administração territorial instaurado pela Coroa portuguesa foi o de

capitanias hereditárias, que foram distribuídas para nobres donatários com o dever

de fundar vilas. Os donatários, por sua vez, doavam sesmarias a particulares e a

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estes, os sesmeiros, cabia constituir e manter sua força miliciana, a fim de proteger o

território contra ameaças e invasões.

Martim Afonso de Souza, em sua expedição colonizadora, traz para o Brasil a

tradição de milícias, já existente em Portugal. Na década de 1560, o Governador-

Geral Tomé de Souza determinou o primeiro policiamento militar nas estradas

próximas às vilas. Com o crescimento populacional e desenvolvimento da Colônia,

cresceu também a demanda por segurança interna e externa. As milícias eram

insuficientes e, na ausência de um verdadeiro corpo de polícia, as forças militares

frequentemente ficavam encarregadas não só dos serviços militares, mas também

do policiamento para manutenção da ordem interna das capitanias (MENDES, 2012:

p. 11).

A estrutura militar portuguesa que se transferiu para o Brasil era organizada

em tropas com diferentes funções. Explicam Marcos Baptista Mendes (2012) e

Elizabeth Cancelli (1993) que as tropas de 1ª linha eram os Corpos Regulares, o

Exército propriamente dito, composto de portugueses pagos pela Coroa e sob

ordens diretas do Governo Geral do Brasil. As tropas de 2ª linha eram as Milícias ou

Corpo de Auxiliares e exerciam funções de polícia administrativa, sendo organizadas

nas cidades, vilas e povoados, por meio de um sistema de recrutamento universal

que obrigava a todos os vassalos a se empenharem na defesa da ordem e da

tranquilidade pública e também, auxiliarmente, nos casos de conflitos com forças

estrangeiras. Seu comando era exercido pelos Capitães-Mores, mantendo rígida

obediência ao poder político local. Por fim, existiam tropas de 3ª linha, denominadas

Companhias de Ordenanças, que também exerciam funções de polícia

administrativa, sendo constituídas de oficiais inferiores de justiça que atuavam

preventivamente contra criminosos, vadios, indivíduos de má fama e estrangeiros,

reprimindo a organização ilegal de prostíbulos, casas de jogo etc. As 2ª e 3ª linhas,

portanto, não eram corpos regulares do Exército, mas agrupamentos que, por

delegação do poder concedente, exerciam a segurança das novas vilas, de acordo

com o interesse dos dominadores portugueses. Considera-se esta organização a

primeira forma de policiamento existente no Brasil. Destaca-se que, nesse primeiro

momento, essas tropas vinculadas às tropas regulares do Exército serviam aos

interesses privados dos colonizadores, de forma que não se pode ainda falar

propriamente em segurança pública.

Page 18: VALENTE, Júlia Leite - Polícia Militar é um oximoro - a militarização da segurança pública no Brasil

17

Francis Albert Cotta (2006) narra sobre a chegada ao Brasil, em 1719, dos

primeiros Dragões militares portugueses, que deram origem a unidades militares

como os Dragões Reais de Minas. Em função de sua dinâmica econômica e

geopolítica particulares, considera-se que em Minas Gerais, onde ainda não haviam

sido organizadas tropas regulares, os corpos militares sofreram um processo de

especialização precoce com a presença dos Dragões (COTTA, 2006: p. 45). Por

isso, durante todo o século XVIII, Minas Gerais teve políticas de ordem próprias e

seus Dragões recebiam quatro vezes mais. Em Vila Rica, eram eles os

encarregados de impedir a extração clandestina de ouro, manter a arrecadação dos

impostos e a conservação da ordem pública, atendendo aos interesses da Coroa.

As tropas das Companhias de Ordenanças, principais encarregadas da

preservação da ordem na Colônia, existiram no Brasil até 22 de março de 1766,

quando, em reforma da legislação militar portuguesa determinada pelo Marquês de

Pombal, foram transformadas em Corpos Auxiliares (MENDES, 2012: p. 12). Estes,

por sua vez, com o passar do tempo, foram substituídos pelas Companhias de

Dragões, formadas por soldados profissionais organizados e encarregados de impor

a ordem interna, realizando o patrulhamento e a condução de presos, sob ordens

dos governadores.

Posteriormente, com o objetivo de racionalizar administrativa e

financeiramente as forças policiais, foram criados os Regimentos Regulares de

Cavalaria, dentre os quais o da Capitania das Minas Gerais, criado em 09 de junho

de 1775. A narrativa da criação deste Regimento corresponde ao mito da fundação

da Polícia mineira, com a presença do alferes Joaquim José da Silva Xavier, o

Tiradentes, em seus quadros (COTTA, 2006: p. 13). Os Regimentos Regulares já

possuíam características de uma força policial, uma vez que eram encarregados da

prevenção e da repressão ao crime. Entretanto, segundo Cotta (2006), eram forças

que possuíam organização militar, realizando dupla função: militarmente,

enfrentavam insurreições e a defesa da colônia; civilmente possuíam função policial,

tudo isso em um contexto de insatisfação contra aumento dos preços dos víveres,

desabastecimento, elevação dos impostos, medo de um levante escravo, repressão

aos garimpeiros ilegais, extraviadores e contrabandistas. Devido ao contingente

reduzido dos Regimentos Regulares, a estratégia era focar suas ações nos locais

onde se pagavam os tributos e regiões extratoras de ouro e diamante.

Page 19: VALENTE, Júlia Leite - Polícia Militar é um oximoro - a militarização da segurança pública no Brasil

18

Com a vinda da família real portuguesa em 1808, surge a necessidade de

organizar os espaços da cidade e disciplinar os costumes da população de forma

civilizada. D. João organiza, então, uma polícia regular de caráter administrativo no

Rio de Janeiro, a Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil,

considerada o embrião da Polícia Civil, seguindo o modelo da Intendência Geral de

Polícia da Corte e do Reino existente em Portugal. O intendente nomeado por D.

João, Paulo Fernandes Viana (1808-1821), era considerado um “agente civilizador”,

atuando no processo de urbanização e saneamento da cidade do Rio de Janeiro e

na difusão de valores e códigos de comportamento social (COTTA, 2006).

Em 1809, D. João instituiu a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, força

policial de tempo integral, organizada militarmente e encarregada de promover o

policiamento da Corte e combater comportamentos que afetavam as finanças reais,

como o contrabando e o descaminho. Seus oficiais e praças eram provenientes dos

regimentos de infantaria e cavalaria da Corte. Essa nova organização reflete a

própria dinâmica portuguesa, já que em Lisboa, em 1801, havia sido criado o Corpo

Real de Polícia, inspirado no modelo policial militar francês. Foi, então, inserida no

Brasil, a dicotomia policial, uma vez que as duas instituições – a Divisão Militar da

Guarda Real da Polícia e a Intendência Geral da Polícia da Corte – possuíam

naturezas distintas: uma militar e a outra civil.

3.2 O Império: Guarda Nacional e Corpos das Províncias

Quando o Brasil se torna independente do Reino Unido de Portugal e

Algarves e é outorgada sua primeira Constituição, é necessário reorganizar as

forças públicas e torná-las adequadas ao novo estatuto do país. A Constituição de

1824 estabelece no art. 145 que “todos os Brazileiros são obrigados a pegar em

armas” para defender o Império “de seus inimigos externos, ou internos”.

Com a renúncia de D. Pedro I e a instauração da Regência Trina Permanente,

foi criada em cada Distrito de Paz, em 14 de junho de 1831, uma Guarda Municipal.

A nova Guarda foi temporariamente extinta em lei 18 de agosto, juntamente com os

Corpos de Milícias e os serviços de Ordenanças, sendo criada a Guarda Nacional,

Page 20: VALENTE, Júlia Leite - Polícia Militar é um oximoro - a militarização da segurança pública no Brasil

19

inspirada na francesa. A Guarda Nacional possuía caráter civil e era subordinada

aos Juízes de Paz, aos Juízes Criminais, aos presidentes das Províncias e ao

Ministro da Justiça, sendo, entretanto, força auxiliar do Exército.

Em 10 de outubro de 1831, foram reestabelecidos os Corpos de Guardas

Municipais, subordinados ao Ministro da Justiça e ao Comandante da Guarda

Nacional. Estes seguiam os moldes das tropas de infantaria do Exército, com

estruturas rígidas de oficiais e praças. A elas cabia o patrulhamento com autorizado

emprego de força. A mesma Carta autorizou aos presidentes das Províncias a

criação de Corpos nas respectivas comarcas.

A Lei de Meios do Império, de 30 de novembro de 1841, autorizou o

Imperador D. Pedro II a reorganizar o Corpo de Guardas Municipais da Corte do Rio

de Janeiro, o que foi feito no Regulamento n. 191, de 10 de julho de 1842, quando

foi estruturado o Corpo de Guardas Municipais Permanentes da Corte, aí já

denominado “Corpo Policial”. Esse Regulamento foi também aplicado aos Corpos

das Províncias, dando origem a polícias militares estaduais. Minas Gerais teve seu

Corpo Policial criado em 1858, mas considera o ano de 1775 como o ano de

nascimento de sua Polícia Militar (COTTA, 2006)10. Segundo Mendes (2012: p. 16),

a atuação desses corpos era voltada aos interesses da aristocracia escravocrata

(praticavam, inclusive, o açoitamento contra escravos) e fortemente militarizada,

sobretudo após a participação na Guerra do Paraguai. A atividade civil de segurança

pública não era prioridade naquele momento.

Também a Guarda Nacional, originalmente criada para conter levantes

internos durante a Regência, se consolidou como força policial, mesmo com a

coexistência dos Corpos Policiais, uma vez que era encarregada da manutenção da

ordem nas cidades e da repressão às insurreições e fugas de escravos. A Guarda

Nacional era fortemente ligada às elites políticas locais, pois estas compunham suas

fileiras e exerciam seu comando, já que o governo regencial desconfiava do

Exército, partidário da volta de D. Pedro I. Dessa forma, a Guarda Nacional era um

instrumento de dominação, vínculo entre governo e proprietários rurais: seus oficiais,

não remunerados, compravam suas patentes e desembolsavam recursos para

organizar suas tropas, dando apoio ao Governo e controlando a população local

(MENDES, 2012). É daí que surge a figura do coronel e o fenômeno do coronelismo,

10 Ano da criação do Regimento Regular de Cavalaria da Capitania das Minas Gerais.

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20

que serão relevantes na República Velha – o vocábulo decorre da patente de

coronel da Guarda Nacional, seu posto mais elevado.

3.3 A Polícia na República

O Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889, proclamou a República, já

tratando de indicar uma reorganização das forças de segurança pública para atender

à nova forma de governo. Os governos locais foram autorizados a organizar guardas

cívicas destinadas ao policiamento do território de cada um dos novos Estados. As

forças policiais passam então a ser as milícias cívicas e a Guarda Nacional, esta

mantida como força de segunda linha do Exército, no propósito de agradar às

oligarquias estaduais.

Com a Constituição estadual de Minas Gerais de 1891, a força pública

mineira passa a se organizar em Corpos Militares de Polícia de Minas e, em 1893,

recebe o nome de Brigada Policial11. Em 1909 é criada e organizada a Guarda Civil,

com as atribuições de vigilância, garantia da ordem, segurança e tranquilidade

pública.

Durante a Primeira República, as forças públicas são verdadeiros exércitos

estaduais. Com o fortalecimento dos Estados Federativos no início do século XX, os

mais poderosos dentre eles trouxeram missões policiais do exterior: franceses em

São Paulo e suíços em Minas Gerais12. Em 1912, chega a Minas Gerais o capitão

suíço Robert Drexler, que passa a dirigir tecnicamente a força pública mineira com

seus manuais e treinamento militar. A doutrina e o conhecimento técnico

propagados pelas polícias de Minas e São Paulo influenciaram na estrutura e

militarização das forças policiais de todo o país.

A República Velha foi uma época de intensa agitação política e social na qual

abundaram as greves e movimentos sociais, tratados sempre como caso de polícia

e combatidos pelo conflito armado. Era a luta contra as classes dangereuses. Como

exemplo de movimentos, citamos a Revolta da Armada (1893-1894), a Revolução

Federalista (1893-1895), a Guerra de Canudos (1893-1897), a Revolta da Vacina 11 O nome Polícia Militar do Estado de Minas Gerais surgiu somente em 1946 (COTTA, 2006). 12

COTTA, 2006.

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(1904), a Revolta da Chibata (1910), a Guerra do Contestado (1912-1916), as

greves operárias (1917), a Revolta dos Dezoito do Forte (1922), a Revolução

Libertadora (1923) e a Coluna Prestes (1925-1927). Nessa época, então, as forças

policiais permaneceram “de prontidão, lutando ao lado das tropas das forças

federais ou reprimindo manifestações nas ruas” (MENDES, 2012: p. 24).

Segundo Oliveira Junior (2007: p. 68), no início do século XX, a polícia não

tinha muito prestígio popular, se comprada com o Exército. É com a elaboração dos

almanaques de oficiais e da Revista Policial, a partir de 1903, que começa a se criar

uma identidade dos policiais. Exemplo da impopularidade da polícia é o episódio no

qual, na revolta da vacina do Rio de Janeiro, em 1904, a polícia foi atacada pela

multidão, que só se acalmou quando o Exército assumiu o patrulhamento das ruas.

Em 1915, o Decreto n. 11.497 regulou a convocação de forças estaduais,

estabelecendo que estas fossem organizadas de forma similar ao Exército e a eles

se incorporariam em caso de mobilização ou por ocasião de grandes manobras. O

Decreto n. 12.790 de 1918 estabeleceu definitivamente a situação das Polícias

Militares como forças auxiliares do Exército. A legislação federal, neste momento,

não se preocupa com as atividades de policiamento e as PMs se encontram

aquarteladas, à semelhança do Exército, recebendo um adestramento puramente

castrense.

3.3.1 Getúlio Vargas e sua Polícia

O período da Era Vargas possui particular importância na história policial,

merecendo destaque. Após a Revolução de 1930, Getúlio Vargas tornou-se chefe do

Governo Provisório inaugurando seus quinze anos de governo que seriam

conhecidos com Era Vargas.

O ano de 1930 chegara. Nas ruas, homens, mulheres, crianças, e principalmente soldados, aclamavam Getúlio Vargas. Era a promessa de uma nova era, da moralização dos costumes políticos e sociais. A República Velha estava fadada ao sepultamento. (...) Multidões aclamavam o novo líder, um tipo de messias moderno que deveria readaptar o Brasil ao século XX e aos novos avanços tecnológicos. Um tipo que deveria imprimir nova dinâmica econômica e social ao país. Um homem que conduziria a nação inteira a uma nova mentalidade. Enfim, o tipo de ditador talhado para o

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exercício do poder, esperado por amplos setores da população. (CANCELLI, 1993: p. 75)

Os anos 1930 são marcados pela presença de multidões de trabalhadores

nas grandes cidades e pela consequente redefinição do espaço urbano. O objetivo

do projeto varguista, impregnado do sentimento de regeneração nacional

(CANCELLI, 1993: p. 47) era fazer com que as pessoas se reconhecessem como

trabalhadores e membros orgânicos do corpo nacional, e por isso era necessário

disciplinar a população. Nesse contexto, o projeto político do Estado dependia de

novas estratégias de dominação e a polícia, como braço executivo do regime, se

torna cada vez mais presente.

A criminologia positivista em voga à época estabelecia o criminoso como

anormal que devia ser afastado do corpo social. Nesse sentido, a polícia era o

principal agente da profilaxia determinada por essa ciência tão em sintonia com esse

projeto político. A Escola Positiva se encarregava de determinar os inimigos,

potencialmente perigosos, que se tornavam prioridade na ação repressiva. Por isso

se dá a perseguição aos desocupados, vagabundos, vadios e mendigos13.

Com relação à organização da polícia, uma das questões a ser enfrentada era

a desigualdade de forças entre os Estados. A Revolução Constitucionalista de 1932

ilustra tal situação, pois a força pública do Estado de São Paulo havia demonstrado

possuir a capacidade de ameaçar o regime político instalado. Foi então que, após a

Revolução de 1932, se estabeleceram mecanismos de controle sobre as instituições

Policiais Militares dos estados, passando a União a controlar seu armamento e o

aumento de seus efetivos. Buscou-se também institucionalizar a instrução nos

moldes do Exército nas já militarizadas polícias estaduais. Em 1933, Vargas deixou

a chefia de polícia subordinada ao Ministério da Justiça, mas sob a supervisão da

Presidência da República, tornando impossível ao Ministério qualquer controle, pois,

em última instância, este dependia das conveniências do exercício da presidência.

A Constituição Federal de 1934, em seu art. 5º, XIX, l, estabelece a

competência da União para legislar sobre “organização, instrução, justiça e garantias

das forças policiais dos Estados e condições gerais da sua utilização em caso de

mobilização ou de guerra” e, em seu art. 167, que “as polícias militares são

consideradas reservas do Exército, e gozarão das mesmas vantagens a este

13

Como ensinam Gabriel Ignacio Anitua (2007) e Vera Malaguti Batista (2011), dentre outros.

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23

atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União”. É também criado o Conselho

Superior de Segurança Nacional, sendo que os crimes de caráter subversivo seriam

julgados pelo Tribunal de Segurança Nacional, criado em 1936. Tudo isso revela,

segundo Mendes, a

(...) característica nitidamente militarizada da Força Pública estadual naquele momento da história, fato que contribuiu para a manutenção de uma cultura organizacional voltada para a rigidez castrense e para o “combate ao inimigo”, em detrimento de uma postura de “preservação da ordem e segurança do cidadão” (MENDES, 2012: p. 27)

A Lei n. 192 de 17 de janeiro de 1936 foi consequência do enrijecimento do

governo e uma tentativa de aumentar o controle do Exército sobre as PM. A Polícia

Militar permanece sendo vista como um exército estadual, mas é essa lei que

começa a definir as atribuições propriamente policiais, dividindo a PM em dois tipos

de organização: uma para atividade policial e outra para atividade militar. São

definidas as missões das PMs: exercer as funções de vigilância e garantia da ordem

pública; garantir o cumprimento da lei, a segurança das instituições e o exercício dos

poderes constituídos; atender à convocação do governo federal em casos de guerra

externa ou grave convulsão intestina (art. 2º). Para isso, são constituídas “de

Serviços e Corpos, das armas de infantaria e cavallaria, semelhantes aos do

Exercito, e em Unidades especiaes com organização, equipamentos e armamento

proprios ao desempenho de funcções policiaes” (art. 3º). Os postos dos policiais

passam a ter as mesmas denominações e hierarquias dos do Exército e os

comandos das PM passam a ser atribuídos “em commissão, a officiaes superiores e

capitães do serviço activo do Exercito, ou a officiaes superiores das proprias

corporações” (art. 6º). Prevê a Lei também a aplicação dos regulamentos de

instrução militar vigentes no Exército, e do Regulamento Interno dos Serviços

Geraes dos Corpos e da Tropa nas Polícias Militares. Por fim, estabelece também:

Art. 26. A instrucção dos quadros e da tropa, que obedecerá á orientação do Estado Maior do Exercito, será obrigatoriamente dirigida por officiaes do Exercito activo que tenham, pelo menos, o curso da Escola de Armas e sejam postos pelo Ministro da Guerra á disposição dos Governadores dos Estados, por propostas destes e com a annuencia do Estado Maior do Exercito.

A militarização da polícia foi reforçada com a Lei de Segurança Nacional,

promulgada após a Intentona Comunista (1935). Com a Polícia Política e o Tribunal

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de Segurança Nacional, repressão era a palavra de ordem. A doutrina policial era

completamente voltada para atividades belicistas e de combate, fundada em

hierarquia e disciplina. Imediatamente após a Revolta Vermelha, foi decretado

Estado de Sítio e a polícia aumentou as suas atribuições: banimentos e detenções

sem determinação judicial, a censura de correspondência e de publicações em

geral, a suspensão da liberdade de assembleia e pronunciamentos públicos, as

prisões em domicílio, a suspensão da liberdade de locomoção. Em 23 de março de

1936, 90 dias depois da decretação do Estado de Sítio, foi decretado Estado de

Guerra, que preparou o caminho para que Getúlio Vargas decretasse o Estado Novo

em 1937.

O projeto do Estado Novo (1937-1945) comandado por Getúlio Vargas

buscava construir uma sociedade unificada e uniforme. Para a preservação do

espírito de ordem, era necessário usar a violência. A sociedade fora colocada sob

vigilância constante e o aparato policial estava à disposição para disciplinar o dia-a-

dia dos trabalhadores a partir de parâmetros comuns de comportamento e

sentimento (CANCELLI, 1993: p. 26) e ainda perseguir, aprisionar e eliminar

determinadas categorias da população: os comunistas, os liberais, os estrangeiros,

os sem trabalho etc.

Utilizando-se da polícia, foram montadas as estratégias de dominação com a utilização do terror. Tratou-se de liquidar as resistências dos antagonistas do governo, seus inimigos objetivos e fazer crer a toda a população que cada pessoa fazia parte do serviço de vigilância do regime. (CANCELLI, 1993: p. 36-37)

Dessa forma, instaura-se um clima de terror no qual a polícia tem a

prerrogativa de se colocar acima das leis exercendo qualquer tipo de prática ilegal

que fosse necessária aos interesses do governo.

Sendo o aparato policial elemento essencial para a manutenção da ditadura

varguista, a renovação da polícia foi um dos fundamentos de todas as

transformações estruturais da época. O reaparelhamento parte do princípio de que o

Estado Novo, a fim de viabilizar um projeto de unificação social e ideológica, requer

uma nova polícia.

O Estado Novo, portanto, é um período de forte repressão política e social

com uma polícia extremamente militarizada e também violenta, com perseguição a

todo inimigo do pensamento getulista. As liberdades públicas desaparecem, dando

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25

lugar a um estado policial. A polícia é equipada tecnicamente para o combate aos

inimigos políticos e os comunistas foram tomados como inimigos exemplares:

Os comunistas representavam o inimigo a combater, a fim de servirem como argumento capaz de justificar a coesão em função da presença de um agente nocivo. Ao mesmo tempo em que deveriam ser mantidos pelo governo para sustentar o mito da conspiração, sua eliminação também era necessária. Ao negarem a cooperação social apregoada pelo imaginário totalitário, os comunistas impediam a imagem de uma sociedade orgânica e harmoniosa. (CANCELLI, 1993: p. 82)

Uma das técnicas utilizadas pela polícia era a vigilância sobre as

manifestações organizadas por comunistas e socialistas e a manipulação das

informações a respeito desses eventos, de forma a transformá-los em distúrbios

públicos, o que autorizava a prisão de líderes e manifestantes. A conspiração anti-

comunista é, à época, ilimitada e internacional – o governo realiza uma série de

acordos internacionais e a cooperação se dá, sobretudo, com os EUA e a Gestapo

alemã.

Na Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, não há grande

mudança com relação à organização definida na Constituição anterior, entretanto, os

Estados, nessa época, começam a consolidar a estrutura de suas instituições

policais. Elas são

organizadas com base numa estrutura militar, fundada na hierarquia e na disciplina, mantendo características de uma força voltada à defesa do Estado, considerando seu armamento (fuzis, metralhadoras, granadas, etc), os equipamentos específicos de uma tropa de combate, sua instrução com base em manuais de campanha, entre outros componentes de sua rotina diária, que se assemelhava aos procedimentos administrativos e operacionais do Exército. (MENDES, 2012: p.29)

Na época da segunda Guerra Mundial foram adotadas medidas ainda mais

restritivas das liberdades individuais. Em 29 de janeiro de 1942 foi restringida a

liberdade de locomoção, através das normas estipuladas pela polícia. Era também a

polícia que exercia a censura da correspondência internacional.

Em 1945 se inicia um período ainda mais extremado de autoritarismo e

violência por parte das polícias estaduais contra qualquer movimento interpretado

como contrário aos interesses governamentais. A PM emprega seu equipamento de

guerra para dissolver manifestações e a Polícia Civil mata pessoas suspeitas de

serem oposicionistas ao regime.

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Até então, o patrulhamento das ruas e o trânsito, bem como a prevenção e

repressão ao crime, cabia exclusivamente à Polícia Civil com seus guardas

fardados. O policiamento não era ainda atribuição da Polícia Militar, que era

essencialmente uma força voltada aos interesses do Estado. Os policiais militares

eram formados exclusivamente para combater, fazer a guarda de prédios públicos e

cadeias e patrulhar, esporadicamente, ruas e estações de trens, mas foi nessa

época que a PMMG começou suas experiências de policiamento nas ruas de Belo

Horizonte (COTTA, 2006).

Sob o governo de Getúlio Vargas, também se operou a reforma da legislação

criminal. Em 1932 foi feita a Consolidação das Leis Penais e, em 1940, o Estado

Novo aprovou o Código Penal, que entrou em vigor em 1942: “tratava-se de

incorporar os princípios da Escola Positiva, de demonstrar o dinamismo, movimento,

e adequar o cenário às novas matrizes ideológicas, de tal forma que abrisse espaço

maior para a ação da nova polícia” (CANCELLI, 1993: p.77-78).

3.3.2 Breve período democrático

Com o fim do governo de Vargas, a polícia pôde passar a priorizar a

segurança pública. A Constituição Federal de 1946 reafirma o controle da União

sobre as PMs e explicita as missões de segurança interna e manutenção da ordem

nos respectivos Estados (art. 183) a elas atribuídas pela Lei n. 192, sendo que

As expressões ‘segurança interna’ e ‘manutenção da ordem’ eram interpretadas pelo Estado-Maior do Exército como estando numa relação de intensidade. Inicialmente seriam empregadas as forças estaduais. Incapazes ou insuficientes essas, as forças federais seriam empregadas para reforçá-las ou substituí-las. (SILVA, 2003: p. 164)

A Constituição prevê também a condição das PM como forças auxiliares e

reservas do Exército, o que não é novidade. É também em 1946 que a força policial

mineira se torna a Polícia Militar do Estado de Minas Gerais.

Apesar da tentativa de democratização, nesse contexto de guerra fria, os

Estados Unidos possuem grande influência nas questões de segurança nacional e

segurança pública. Nos anos de 1956 e 1957, os EUA patrocinaram, no canal do

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Panamá, cursos de polícia que foram frequentados por oficiais brasileiros. Em 1964,

instrutores americanos estiveram no Brasil.

A tímida transformação das práticas policiais que se operava naquele

momento, no sentido de priorizar o combate à criminalidade e não mais a defesa dos

interesses do Estado, teve que ser interrompida com o advento do regime militar.

3.3.3 Ditadura militar: o novo papel da PM

Em 31 de março de 1964, as Forças Armadas derrubaram o presidente

eleito João Goulart. O golpe contou com apoio das Polícias Militares. Narra Cotta

acerca da participação da PM mineira no golpe de Estado:

Em 29 de março, representantes do governo de Minas, oficiais do Exército e da PM se reuniram em Juiz de Fora para acerto de detalhes sobre o Movimento. Estabeleceu-se que o dia ‘D’ seria 31 de março de 1964, A ordem para o deslocamento das tropas seria feita pelo governador de Minas Magalhães Pinto e pelo general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, sediada em Juiz de Fora.

Nessa época, o efetivo da PM, cerca de 18.000, foi colocado de prontidão, acelerou-se o período de recrutamento, atualizaram-se as relações de endereços dos policiais da reserva para convocação, recolheram-se os delegados especiais bem como os contingentes dos destacamentos e postos policiais, cassaram-se as férias, suspenderam-se os cursos de aperfeiçoamento de oficiais e as principais rodovias foram colocadas sob vigilância. Formaram-se cinco destacamentos, constituídos de tropas da PM e de unidades do Exército.

As tropas comandadas pelo general Mourão Filho deslocaram-se rumo à Guanabara. Os soldados mineiros foram transportados em caminhões e os embates somente não ocorreram porque os generais comandantes do 1º Exército (Rio de Janeiro) e do 2º Exército (São Paulo) aderiram ao general Mourão Filho. Após 72 horas de atividades, o governador Magalhães Pinto, do Palácio da Liberdade, através de uma cadeia de rádio e televisão, fez a proclamação anunciando a vitória do Movimento. (COTTA, 2006: p. 127-128)

Demonstramos até aqui que a segurança pública no Brasil sempre foi

militarizada. Foi na ditadura militar, no entanto, que se deram os passos definitivos

para a consolidação desse modelo com a transformação radical da organização das

polícias. Antes da ditadura, as PMs, a não ser quando empregadas a serviço da

razão de Estado, eram marcadamente aquarteladas e acentuadamente ociosas

(SILVA, 2003) e se empenhavam, sobretudo, na vigilância de “pontos sensíveis”

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28

como estações, torres de transmissão de energia, instalações de tratamento de

água etc. Durante o regime militar, esse papel foi alterado, concomitantemente a um

processo de centralização do controle das Polícias Militares e intensificação da

militarização. Nesse sentido, veremos que as principais mudanças com relação à

organização policial serão: a extinção das polícias fardadas outras que as Polícias

Militares; a atribuição com exclusividade do policiamento ostensivo às Polícias

Militares e a atribuição às Polícias Civis da polícia judiciária; o aumento do controle

da União sobre as políticas estaduais de segurança; e a criação do IGPM com o

objetivo de enquadrar os governos estaduais e as corporações policiais aos

interesses federais.

A militarização neste momento da história do Brasil vai além da presença de

oficiais do Exército no comando das Polícias Militares ou como titulares das

Secretarias de Segurança, pois é a “construção de um novo modelo teórico para as

polícias de segurança que se caracteriza pela submissão aos preceitos da guerra e

que consiste na implantação de uma ideologia militar para a polícia” (CERQUEIRA,

1996: p. 142). A ditadura militar constituiu fase importante na formatação da cultura

institucional da PM com a presença das polícias na própria implantação do regime.

Em um contexto em que as Forças Armadas eram o principal protagonista político e

o regime tinha como base teórica a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), as

polícias, controladas pelo governo Federal, foram usadas para todas as atitudes

repressivas e antidemocráticas impostas pelo governo. A DSN fez com que o

conceito de segurança pública estivesse, neste período, atrelado ao de segurança

interna. Jorge da Silva (2003: p. 81-83), cita as consequências desse quadro:

1º O ensino das polícias militares – que historicamente já era de cunho militar – passou a ser padronizado em todo o Brasil, com um componente novo, o do inimigo interno, o do subversivo comunista, na linha ideológica da doutrina de segurança nacional, repassada pelo National War College americano aos países da América Latina (...) (Este invariavelmente continuou a privilegiar o uso da força como solução para os assuntos policiais). Nos currículos, as próprias disciplinas destinadas à atuação da PM como polícia comum partiam da ótica da doutrina de segurança nacional. Para as polícias militares, a segurança pública era um aspecto da segurança interna. (...)

2º Os órgãos de informações das policias militares foram

superdimensionados mas, ao invés de procurarem conhecer os meandros da criminalidade comum e do crime organizado, deixaram esta área intocada e concentraram os seus esforços no atendimento das demandas da segurança interna

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29

Algumas características das PMs as tornavam aptas na ação urbana em favor

do regime de exceção e justificam as transformações de suas atribuições e o

aumento de sua importância durante a ditadura: seu contingente era maior do que o

das Forças Armadas, seu armamento era adequado à repressão das perturbações

da ordem e a sua atuação permitia o controle próximo das forças de oposição. A

PMMG era especialmente interessante para o regime, pois era bem equipada, com

um efetivo de cerca de 18.000 homens treinados nos moldes do Exército, em um

território geograficamente estratégico e era comandada pelo Coronel José Geraldo

de Oliveira, “revolucionário de primeira hora”. Nesse sentido, em 1963, havia sido

desenvolvido um programa de treinamento visando transformar a PMMG em força

de combate. A polícia mineira manteve, durante a ditadura, a guarda sobre

sindicatos, órgãos de imprensa, instituições bancárias, depósitos de combustível e

casas de armas e munição.

A resistência ao regime, por outro lado, também foi forte em Minas. Para

enfrentar os militares, foi necessário adotar táticas à altura do adversário, no que se

organizaram as guerrilhas. Em novembro de 1966, o Movimento Nacional

Revolucionário organizou a Guerrilha do Caparaó, formada principalmente por ex-

militares e instalada na divisa entre Minas Gerais e o Espírito Santo. O movimento

foi descoberto quando os guerrilheiros se preparavam para futuros combates em

treinamentos na região do Pico da Bandeira e a PMMG prendeu quatorze

guerrilheiros em 5 de abril de 1967, levando à sua desarticulação. As tentativas de

resistência armada, então, se multiplicaram por todo o país com ações de outros

grupos de esquerda, como a Guerrilha do Araguaia e as guerrilhas urbanas.

A Constituição de 1967, posteriormente alterada pelos Atos Institucionais,

previa em seu art. 13, §4º que as Polícias Militares eram “instituídas para a

manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito

Federal”. Foi nesta Carta que se atribuiu às Polícias Militares, pela primeira vez, uma

identidade propriamente policial, com a competência exclusiva pelo “policiamento

ostensivo fardado”. Em seguida, veio o Decreto-Lei n. 314, de 13 de Março de 1967,

a Lei de Segurança Nacional, formalização jurídica dos princípios da doutrina de

segurança nacional, que declarou guerra aos inimigos internos do regime.

A doutrina da segurança nacional partia do pressuposto da divisão do mundo em dois blocos adversários – comunista e capitalista –,

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30

considerando o dissidente como inimigo interno. O princípio do bem e do mal é facilmente incorporado neste contexto. Os inimigos, alvos da segurança interna, identificados inicialmente como simpatizantes da doutrina marxista, são logo transferidos para a categoria de criminosos quando suas ações podem afetar a ordem interna (CERQUEIRA, 1996: p. 163).

Para esse objetivo, nessa época começaram a ser organizados os “grupos de

operações especiais” das polícias militares, especialmente treinados e preparados

para o combate à guerrilha urbana e rural.

Também em 1967, o Decreto-Lei n. 317, que substituiu a Lei n. 192 de 1936,

popularmente conhecido como “Lei Orgânica da Polícia” reorganizou as Polícias e

os Corpos de Bombeiros Militares. O termo vigilância da lei anterior é substituído por

policiamento ostensivo. Foi esse dispositivo que criou a Inspetoria Geral das Polícias

Militares (IGPM), órgão do Estado-Maior do Exército com competência para dirigir

diretamente as Polícias Militares, de forma a efetivar o controle da União sobre elas

– uma vez que era uma ameaça à União a existência de “pequenos exércitos

estaduais”. Nesse contexto, os governadores dos Estados não detinham autonomia

de seus atos sobre a sua Polícia Militar sem o aval do Estado-Maior do Exército, por

meio da IGPM. Cabia à Inspetoria centralizar e coordenar todos os assuntos da

alçada do Ministério da Guerra relativo às PMs e controlar a organização de seus

efetivos e armamento.

O controle exercido pela IGPM constituiu, na prática, numa inegável

subordinação das polícias. Nessa época, aos governadores dos Estados não cabia

definir suas políticas de segurança, pois era uma questão nacional. Em alguns

Estados, o Comandante-Geral da Polícia Militar era um oficial do Exército que se

articulava diretamente com os órgãos federais. Essa subordinação implicou que os

órgãos de informações das Polícias Militares passassem a atuar seguindo

orientação dos órgãos de informações do Exército, estes obviamente mais

preocupados com as questões da ordem interna do que com assuntos policiais.

Foi também o Decreto-Lei n. 317 que determinou a subordinação das PMs às

Secretarias de Segurança Pública, sendo que antes predominava a liberdade

administrativa e operacional dos Comandantes-Gerais. O objetivo era integrar as

PMs no campo da segurança pública estadual e separar a competência

administrativa da PM da competência judiciária da Polícia Civil.

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31

O treinamento conferido aos policiais militares até o início da década de 1980

era baseado em manuais do Exército. Apenas em 1982 a IGPM elaborou o Manual

Básico de Policiamento Ostensivo. Tal situação durante a ditadura militar

(...) levou as Forças Públicas a militarizarem-se ainda mais em sua cultura interna e subordinou, efetivamente, seus órgãos de inteligência aos órgãos de inteligência do Exército, focando de forma muito mais intensa os problemas de segurança interna, em detrimento das questões de segurança pública. Voltadas ao cumprimento da Lei de Segurança Nacional e à preocupação do combate ao inimigo interno, as Polícias Militares viram-se destituídas de sua identidade policial, que busca controlar a criminalidade e luta para minimizar os índices de violência, com enfoque privilegiado à prevenção, à negociação e à administração de conflitos, em lugar da repressão. (MENDES, 2012: p. 36)

Os Atos Institucionais decretados durante o regime conferiram amplos

poderes aos militares, legitimando suas ações contrárias à própria Constituição de

1967. O Ato Institucional n. 1 criou os Inquéritos Policiais Militares, de forma a

autorizar e reforçar os arbítrios cometidos pela polícia. O Ato Institucional n. 5

suspendeu as garantias constitucionais, consolidando o Estado policial, fundado na

Doutrina de Segurança Nacional e consequente guerra contra a subversão interna.

A Emenda Constitucional n. 1 de 17 de outubro de 1969 suprimiu a expressão

“segurança interna” das atribuições da Polícia Militar. No mesmo ano, o Decreto-Lei

n. 667 – que ainda está em vigor – revogou o polêmico Decreto-Lei n. 317 e, mais

uma vez, reorganizou as Polícias Militares, atualizando suas missões com conceitos

e definições mais adequados ao preconizado na Doutrina de Segurança Nacional.

Este Decreto-Lei estabeleceu de forma clara a exclusividade das PMs no

policiamento ostensivo fardado – determinando a extinção de outras guardas

fardadas ou uniformizadas e consolidando o sistema binário. Foi então que as

Polícias Militares assumiram definitivamente atribuições de garantia da ordem

pública, alterando de forma substantiva sua missão organizacional.

Em 8 de julho de 1970 surge o Decreto n. 66.862 que aprovou o Regulamento

para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (R-200). O Regulamento

estabelece princípios e normas para aplicação do Decreto-Lei n. 667/1969 e define

com clareza alguns termos como “policiamento ostensivo”, que seria a “ação policial

em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de

relance, quer pela farda, quer pelo equipamento, armamento ou viatura” (art. 2º, 13).

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32

Entretanto, apesar de serem encarregadas do policiamento ostensivo, as Polícias

Militares não deixaram de ser “forças auxiliares do Exército”.

À medida que se aproximava o fim da guerra fria, o inimigo subversivo,

comunista ou terrorista foi deixando de ser instrumental ao regime. O Governo norte-

americano, então, conclamou a América Latina a declarar guerra às drogas. Essa

nova guerra criou novos inimigos permitiu a manutenção de um alto nível de

repressão.

Ao final do regime militar, a agenda de reivindicações da sociedade civil no

campo dos direitos humanos incluía a inviolabilidade do domicílio, a proibição de

prisões ilegais, o instituto do habeas corpus, a garantia de ampla defesa aos

acusados, a extinção de foros privilegiados ou tribunais especiais para julgamento

de crimes de abuso de poder praticados por autoridades e policiais etc. (ADORNO,

1999: p. 133). Mas apenas com a promulgação da Constituição de 1988 seriam

criados os mecanismos de defesa dos civis contra o arbítrio do Estado.

3.3.4 Os debates da redemocratização e a transição inacabada

A transição para a democracia no Brasil – como em toda a América Latina

pós-ditaduras militares – procurou desmilitarizar a política, levando os militares a se

concentrar em sua atividade profissional extroversa: a defesa das fronteiras do

Estado (ZAVERUCHA, 2001: p. 76). Mas além da desmilitarização da política,

espera-se que um país que passa por um processo de redemocratização também

desmilitarize seu aparato de segurança, já que em uma democracia não há

necessidade de organizações com caráter militar na manutenção, pela força, de uma

ordem interna.

Entre os anos de 1979 e 1989, várias etapas pontuaram o retorno dos civis à

direção dos negócios públicos (em 1º de janeiro de 1979, chegou ao fim o AI-5; em

29 de agosto de 1979, foi dada a anistia; em novembro de 1989, ocorreu a primeira

eleição direta). Os governadores passaram a ser eleitos diretamente em 1982,

momento em que as FFAA ainda estavam à frente do governo federal, a Polícia Civil

estava sob a tutela dos governadores e a Polícia Militar permanecia, em virtude do

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33

Decreto-Lei n. 667/69, sob tutela do Ministério do Exército. Tal fato deu origem a

uma situação política conturbada, pois em ambiente autoritário era impossível aos

governadores realizar reformas democráticas.

Conclui Adorno a respeito das marcas deixadas na organização policial pelo

regime militar:

Ao longo de pelo menos duas décadas, esse processo de centralização de controles e de militarização da segurança pública acabou por produzir ao menos três conseqüências institucionais: primeiramente, transformou o controle da criminalidade comum em problema de segurança interna, estimulando – intencionalmente ou não – uma sorte de confusão entre o controle civil da ordem pública e o controle da segurança nacional; em segundo lugar, os problemas relacionados com a repressão do crime comum transfiguraram-se cada vez mais em problemas afetos à órbita das agências policiais, em especial das polícias militares. Conseqüentemente,é cada vez maior a militarização da segurança e cada vez mais os problemas do setor passam a ser vistos como pertinentes às estratégias e táticas de guerra contra um inimigo comum – o bandido, esse personagem freqüentemente mal definido e mal identificado. Não sem motivos, ao longo do regime autoritário e mesmo no curso do processo de redemocratização as polícias militares conquistaram autonomia e poder a ponto de se sentirem legitimadas junto a expressivos segmentos da população quando abatiam cidadãos, suspeitos de haver cometido crimes, sob alegação de resistência à ordem de prisão. Em terceiro lugar, além da flagrante distorção segundo a qual toda a política de segurança passa a gravitar em torno do desempenho policial, abstraindo- se dos demais segmentos do sistema de justiça penal – Ministério Público, Poder Judiciário e sistema prisional –, os governos estaduais recém-eleitos após a abertura do regime tiveram de enfrentar delicadíssimo problema político, até hoje mal equacionado: o de reenquadrar suas polícias militares e reconquistar o controle civil sobre a segurança pública. (ADORNO, 1999: p. 133)

Eram esses os desafios a serem enfrentados na transição democrática.

Com o fim da ditadura e no contexto da Assembleia Nacional Constituinte,

intensificou-se a discussão sobre as Polícias Militares, tendo em vista que, para

alguns, sua ligação com o poder no período anterior inviabilizaria sua permanência

numa sociedade democrática. Segundo Cotta (2006), não havia, por parte da polícia

a intenção de ruptura com o pensamento estruturante anterior, sendo as propostas

limitadas a:

a) unificar a doutrina de emprego das organizações policiais em nível nacional; b) manter a condição de força auxiliar do Exército Nacional; c) excluir a condição de reserva do Exército em razão de outra destinação profissional das Polícias Militares; d) manter a exclusividade do policiamento ostensivo fardado, evitando o paralelismo de outras forças fardadas e a consequente prestação de serviço. (COTTA, 2006: p. 138)

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34

Paralela ao debate sobre a organização policial estava a discussão mais

ampla sobre segurança pública, que opunha militantes de direitos humanos e grupos

conservadores. Aqueles criticavam severamente as instituições herdadas do regime

autoritário, em particular a polícia. Estes, contrários aos movimentos de luta por

direitos e com forte apoio midiático, trataram de reascender o autoritarismo existente

da sociedade, mobilizando sentimentos coletivos de insegurança e atraindo a seu

favor opiniões favoráveis a uma intervenção autoritária no controle da ordem pública

(ADORNO, 1999: p. 134).

Essas discussões se deram em um contexto em que o tema da violência

havia sido introduzido com grande alarde no debate público, já que a

redemocratização coincidiu com um momento de intensificação sem precedentes da

criminalidade. As taxas de criminalidade das cidades brasileiras já haviam

aumentado nos anos 70, mas nos anos 80, quando se iniciava a abertura política, o

crescimento das taxas de homicídio se acelerou. Em 1980, a taxa de homicídios era

de 11,68 por 100 mil habitantes; passou a 22,20 por 100 mil em 199014.

Predominava o pensamento de que era necessário intensificar a repressão, inclusive

com o emprego direto das FFAA em funções de polícia. A opinião pública se

mostrou altamente favorável ao emprego de métodos violentos pela polícia, à

instauração da pena de morte ou ao recurso a métodos de justiça ilegal. Essa

campanha, diga-se de passagem, foi tão bem sucedida, que até hoje se tem a

concepção de que os direitos humanos serviriam à proteção dos bandidos em

detrimento dos “cidadãos de bem”.

Por fim, foi promulgada a Constituição apelidada cidadã, em 1988, que

estabeleceu que segurança pública é um dever do Estado, direito e responsabilidade

de todos (art. 144). Seu reconhecimento como um direito social (art. 6º), indicaria um

novo modelo de segurança pública, fundado em isonomia, legalidade, cidadania,

respeito aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa humana. Foi finalmente

retirado do Exército o controle direto das Polícias Militares, transferindo-o para os

governadores dos Estados. A Constituição também promoveu a diferenciação entre

defesa nacional e segurança pública, atribuindo a primeira às Forças Armadas e a

segunda às polícias, o que foi um avanço com relação à Carta anterior.

14 PERALVA, 2000.

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35

Embora a atual Constituição tenha avançado em alguns aspectos do

tratamento conferido à segurança pública, é significativo o fato de ela ter insistido em

manter os dispositivos sobre as instituições policiais dentro do título “Defesa do

Estado e das Instituições Democráticas”, onde também se trata de Estado de

Defesa, o Estado de Sítio e Forças Armadas. Além disso, as PMs e os Corpos de

Bombeiros Militares foram mantidos como forças auxiliares e reservas do Exército,

sendo seus membros militares (arts. 42 e 144, §6º).

Como se sabe, a redemocratização foi uma transição negociada entre as

elites civis e militares. As Forças Armadas mantiveram suas prerrogativas após o

lobby realizado na Assembleia Constituinte15 e o resultado foi uma Constituição

ambígua, com artigos liberais entre artigos com forte inclinação à ingerência militar

(NÓBREGA JÚNIOR, 2010: p. 120). Para Cerqueira (1996: p. 155), a Constituição

de 1988 incorporou e legitimou toda a visão equivocada de ordem pública que se

construiu no período ditatorial sob a tutela da Doutrina de Segurança Nacional.

Segundo o autor, dispositivos autoritários foram mantidos e aperfeiçoados na nova

Constituição e, além disso, ela inovou no quesito autoritarismo ao permitir que as

Forças Armadas atuem nos Estados na manutenção da ordem pública, criando a

figura de uma “quase intervenção” sem qualquer controle do legislativo.

A Constituição de 1988, portanto, misturou questões de segurança externa

com questões de segurança pública, tornando a militarização da segurança algo

constitucionalmente válido (ZAVERUCHA, 2005: p. 74). Pode-se dizer que o

constituinte, em grande medida, preservou o modelo estabelecido durante a

ditadura, ignorando a contradição deste com o Estado democrático de Direito e

perdendo a oportunidade de superar os vários debates existentes sobre o tema,

como a questão do caráter militar da PM e a dicotomia das polícias estaduais, por

exemplo.

Zaverucha (2005: p. 54) afirma que os civis

15A Comissão de Organização Eleitoral Partidária e Garantia das Instituições, presidida pelo Senador Jarbas Passarinho, o mesmo que participou do AI-5 em 1968, ficou encarregada dos capítulos ligados às Forças Armadas e à Segurança Pública. O Deputado Ricardo Fiúza, responsável pela Subcomissão de Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança, apoiou as demandas militares nos debates constitucionais, chegando a rejeitar a criação do Ministério da Defesa e trabalhando contra a tentativa de dar-se fim ao controle do Exército sobre as PMs. (ZAVERUCHA, 2005: p. 60)

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ao formalizarem as prerrogativas militares constitucionalmente, deram aos amplos poderes dos militares um verniz democrático. Em termos procedurais, o processo de redação da Constituição foi democrático. Contudo, a essência do resultado não o foi.

No fim das contas, os militares saíram do governo, mas mantiveram suas

prerrogativas em diversos assuntos do Estado brasileiro16, em especial na

segurança pública. Dessa forma, não ocorreu no Brasil a desmilitarização das

polícias. Podemos dizer, portanto, que a transição democrática é um processo

inacabado, já que o país insiste em preservar um modelo de polícia que ainda está

fortemente atrelado à defesa do Estado e à ideia de segurança nacional e não à

defesa do cidadão. As metáforas cotidianas ligadas à segurança são ainda militares:

combater o crime, ocupar a favela etc.

16Zaverucha (2005: p. 15) lembra que diversos dispositivos autoritários permaneceram em vigor, mesmo após a promulgação na Constituição de 1988: a Lei de Segurança Nacional, os Códigos Penal e Processual Militar, o Decreto estipulando que os serviços reservados das Polícias Militares façam parte do sistema de informação do Exército, a Lei de Imprensa, o Estatuto dos Estrangeiros e o Decreto que dispõe sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado no âmbito da Administração Pública.

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4 AUTORITARISMO, REPRESSÃO E VIOLÊNCIA: CRÍTICA À

MILITARIZAÇÃO DA POLÍCIA

A ausência de transformações profundas no sistema policial brasileiro durante

a transição democrática condenou as polícias à reprodução de uma cultura própria,

na qual violência, tortura e corrupção são fatos comuns, além da seletividade da

repressão e da criminalização. Pinheiro (1991) defende que em todos os regimes

políticos os órgãos de segurança pública brasileiros funcionaram num “regime de

exceção paralelo”, gozando de poderes extralegais e ampla margem de autonomia,

independentemente do arcabouço jurídico formalmente em vigor. Enquanto nos

períodos de exceção propriamente ditos a repressão se concentrou nos opositores

do regime, a todo tempo ela se exerceu principalmente contra suas vítimas habituais

– os pobres, os negros, as minorias – sendo a brutalidade policial justificada em

nome da “eficácia” no combate ao crime. Ademais, o controle judicial sobre as

polícias sempre foi débil, possibilitando o uso da violência na repressão ao crime,

desde que ela recaísse sobre as classes subalternas.

As práticas violentas são, em geral, legitimadas socialmente devido à

prevalência de uma visão despótica da ordem pública em vastos segmentos da

sociedade. Lemgruber; Musumeci e Cano (2003: p. 55) observam que

Parcela muito significativa, se não majoritária, da sociedade brasileira – atravessando todos os estratos sociais - rejeita visceralmente a noção de direitos universais e divide binariamente os seres humanos em “cidadãos de bem” (ou “cidadãos” tout court), merecedores de direitos, e “não-cidadãos”, aqueles que “fizeram por desmerecer” qualquer espécie de direito ou de proteção legal. Num gradiente de autoritarismo, essa moral binária pode destituir de cidadania apenas os delinquentes e suspeitos de delinquência, os grupos socialmente “desviantes”, ou as “classes perigosas” em seu conjunto. Mas, de um modo ou de outro, ela oferece suporte à continuidade das práticas policiais ilegais, em nome da pretensa necessidade de se travar uma “guerra” sem trégua, por todos os meios, contra o crime e a desordem.

Nesse sentido, as penas impostas pela polícia (maus tratos, torturas,

execuções), ainda que ilegais, são aceitas, toleradas ou incentivadas por aqueles

que acreditam que são instrumentos necessários à repressão do crime17 ou

17Nesse raciocínio, os crimes cometidos pelos policiais podem se justificar como “estrito cumprimento do dever”.

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substitutos necessários à justiça legal, uma vez que esta consagra a impunidade dos

criminosos. A mentalidade predominante é que o problema de segurança pública é

simplesmente um problema de polícia; e, sendo problema de polícia, há que se usar

a força e a violência (SILVA, 2003: p. 11). A opinião pública e a mídia, então,

clamam por mais repressão, mesmo que à margem do Estado de Direito.

Zaffaroni (2011) fala que as mortes por execuções sem processo são

naturalizadas na mídia e na opinião pública uma vez que atingem sempre eles, os

outros, os inimigos, os criminalizados, o jovem negro da favela – que se pressupõe

criminoso. As execuções são “disfarçadas de mortes em enfrentamentos,

apresentadas como episódios da guerra contra o crime, em que se mostra o cadáver

do fuzilado como símbolo da eficácia preventiva, como o soldado inimigo morto na

guerra18” (ZAFFARONI, 2011: p. 375). O nível de violência, às vezes, alcança os

limites de um massacre19.

A questão da violência policial e do abuso no uso da força que se revela em

diversas práticas da Polícia Militar tem por plano de fundo uma cultura autoritária da

repressão. Veremos neste capítulo como o modelo policial militarizado existente no

Brasil faz com que os policiais sejam despreparados para lidar com seu trabalho

cotidiano sem a perspectiva do confronto, o que resulta em violência e

arbitrariedade. Veremos, ainda, que a atividade de policiamento é eminentemente

civil, de forma que o modelo militarizado se contradiz com o Estado democrático de

Direito.

4.1 Os aspectos da militarização

As Polícias Militares brasileiras são o reflexo de uma herança autoritária. Por

trás de suas práticas violentas e desrespeitosas aos direitos dos cidadãos, está a

18 “(...) ejecuciones sin proceso disfrazadas de muertes en enfrentamientos, presentadas como episodios de la guerra contra el crimen, en que se muestra el cadáver del fusilado como signo de eficacia preventiva, como el soldado enemigo muerto en la guerra.” 19 Zaffaroni (2011: p. 431) define massacre, em um sentido criminológico, como “toda prática de homicídio de um número considerável de pessoas por parte de agentes de um estado ou de um grupo organizado com controle territorial, em forma direta ou com clara complacência destes, levada a cabo em forma conjunta ou continuada, fora de situações reais de guerra que importem forças mais ou menos simétricas” (tradução nossa). Nesta concepção, os homicídios causados pelos policiais configuram, claramente, um massacre.

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questão de sua militarização. A militarização possui sentido amplo e é definida por

Cerqueira como “um processo de adoção e emprego de modelos, métodos,

conceitos, doutrina, procedimentos e pessoal militares em atividades de natureza

policial, dando assim uma feição militar às questões de segurança pública”

(CERQUEIRA, 1998: p. 140).

A partir desse conceito, é possível identificar uma série de aspectos da

militarização da segurança pública no Brasil, que passamos a analisar:

• A estrutura e organização das Polícias Militares seguem o modelo militar

A organização das Polícias Militares brasileiras reproduz o modelo dos

batalhões de infantaria do Exército, o que em sua história foi justificado como o

recurso capaz de garantir o controle sobre uma força mal paga e cuja maioria dos

componentes se origina das próprias “classes perigosas” que visam combater20. A

estrutura militar seria necessária para assegurar a integridade e o bom

funcionamento da instituição policial.

Dessa organização decorre a existência de uma hierarquia inflexível e a

exigência de uma disciplina militar. Hierarquia e disciplina estão entre os valores

fundamentais expressos nos Regulamentos das Polícias Militares e dizem respeito

ao “acatamento da sequência de autoridade” e das leis que fundamentam a

organização policial. Devido ao sistema de duplo ingresso na carreira policial, os

praças têm baixíssima possibilidade de se tornarem oficiais. Os oficiais, por sua vez,

muitas vezes confundem hierarquia e humilhação, de modo que os futuros praças

em sua formação, devido à contaminação da ideologia militar entre os oficiais, são

submetidos a violento estresse psicológico, com o objetivo de criar raiva contra o

“inimigo”. Pesquisa realizada por LEMGRUBER, MUSUMECI e CANO (2003: p. 80)

revelou que os praças, entre os fatores que os induziram a transgressões, forçando-

os a agir contra as leis e o Regulamento, destacavam “as falhas do treinamento e as

diversas formas de violência, humilhação e violação de direitos sofridas (...) além de

pressões por parte de superiores hierárquicos”. A violência reproduzida no seio da

20 Zaffaroni (2011: p. 515) fala de um processo de policização, análogo à criminalização: “Quando observamos atentamente a forma em que opera o modelo policial, vemos que seu pessoal, em particular o de menor nível, é selecionado nos setores sociais mais humildes e treinado em um processo de medos que é, em parte, bastante análogo à deterioração pela criminalização” (tradução nossa).

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organização se reflete, portanto, nas práticas policiais e no tratamento com os

cidadãos.

Além disso, o fosso entre essas duas carreiras estanques – oficialato e praças

– resulta em coesão institucional muito precária, sendo um dos problemas dessa

estrutura a extrema burocratização e centralização dos processos decisórios, que

resulta em ineficácia na atuação da polícia:

Ocorre que o transplante literal do modelo castrense para atividades de polícia produz, com frequência, efeitos diametralmente opostos aos pretendidos. Como grande parte das minuciosas regras disciplinares não tem nenhuma relação (ou até entra em conflito) com a rotina policial nas ruas, e como os oficiais intermediários, responsáveis pelo controle, não participam das atividades fora do quartel, estas acabam se desenvolvendo ‘despolicializadas’, ao sabor do amadorismo e da informalidade, orientadas pelo senso comum dos próprios policiais. O espaço de interação cotidiana entre policiais e cidadãos, extremamente capilarizado, permanece, assim, ‘invisível’, aberto a toda sorte de interpretações e negociações privadas, cujos piores produtos, sabemos, são a violência arbitrária, o abuso de poder, a discriminação e a corrupção. (LEMGRUBER; MUSUMECI e CANO, 2003: p. 65)

As PMs, à semelhança do Exército, são regidas pelos Código Penal e de

Processo Penal Militar. Existe, então, o foro especial da Justiça Militar para aqueles

que atuam na área de policiamento. Embora desde 1996, com a Lei n. 9.299, os

homicídios dolosos cometidos por policiais militares em serviço sejam passíveis de

julgamento pela justiça comum, os policiais militares ainda estão submetidos à

justiça castrense.

Além disso, os Regulamentos Disciplinares das PMs são redigidos à

semelhança do Regulamento do Exército, por força do art. 18 do Decreto-Lei n.

667/6921. Tal fato, nas palavras de Lemgruber, Musumeci e Cano (2003: p. 263),

implica em:

(...) uma concepção de disciplina totalmente obsoleta, que desmoraliza os esforços de estabelecer um efetivo controle sobre as atividades dessas polícias. Além de inconstitucionais sob vários aspectos, os regulamentos da PM continuam orientados por um modelo militar estrito, completamente inadequado às atividades de policiamento numa sociedade democrática e contraproducente para a própria tarefa de controlar essas atividades. Frouxos na punição dos desvios mais graves, omissos na definição de padrões e limites para o uso da força policial, paupérrimos na normatização das técnicas específicas de polícia, tais regulamentos, entretanto, punem com absurdo rigor infrações de duvidosa importância, como usar cabelo

21 A Polícia Militar de Minas Gerais já avançou neste aspecto, pois possui seu próprio Código de Ética e Disciplina, Lei estadual n. 14.310/2002.

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comprido, levantar a voz, questionar um superior hierárquico e outras do gênero. Punições que podem manter preso por até trinta dias um policial e que se aplicam muito mais frequentemente às praças, segundo o arbítrio dos superiores. Punições muitas vezes injustas, que contribuem antes para ‘embrutecer’ os policiais do que para capacitá-los a se relacionar civilizadamente com a população, a usar a força de maneira comedida e a respeitar os direitos alheios.

A respeito dessa organização, há quem defenda – sobretudo dentre os

próprios policiais – sua compatibilidade com a democracia, uma vez que a

militarização da estrutura policial não se confunde com a cultura militarizada, esta

sim incompatível com o Estado democrático. Esta é a posição de Cerqueira, que

reconhece possível a estrutura militar desde que se compreenda a natureza civil da

atividade policial e sua necessária submissão ao poder civil, tal como ocorre em

outros países:

tenho sustentado que a organização das polícias militares brasileiras não é adequada para o exercício da atividade policial; pelo fato delas copiarem o modelo dos batalhões de infantaria do Exército. Isto não significa dizer que a estrutura militar seja incompatível com a função policial. (...) Creio que se pode compatibilizar a organização militar com a atividade policial, desde que ela não se torne obstáculo para a incorporação de modelos democráticos de gestão. (CERQUEIRA, 1998: p. 147-148).

• A penetração das Forças Armadas na organização das Polícias Militares

As Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares, juntamente com as

Polícias Civis, subordinam-se aos Governadores dos Estados (art. 144, §6º da

Constituição Federal). Entretanto, é competência privativa da União legislar sobre

“normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e

mobilização das policias militares” (art. 22, XXI, CF). Os dois dispositivos

constitucionais citados estabelecem, de certa forma, um duplo comando das

polícias, já que, se ao governador cabe o ônus de pagar os salários, o mesmo não

tem independência para decidir qual tipo de armamento deve ser comprado, como

as tropas devem ser alinhadas ou onde devem ser construídos novos quartéis, pois

tudo isso dependeria de aprovação da IGPM.

Uma análise conjunta do art. 144, §6º da Constituição, e dos dispositivos do

Decreto 88.777/83, que aprovou o Regulamento das Polícias Militares (R-200) e do

Decreto-lei 667/69 com posteriores modificações, leva à conclusão de que o Exército

é responsável pelo “controle e a coordenação” das Polícias Militares, enquanto os

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42

governos estaduais têm autoridade sobre sua “orientação e planejamento”. Não fica

claro o que exatamente compete ao Exército e o que compete ao governo estadual e

se observa que a IGPM permaneceu sendo um órgão importante para a relação da

polícia com o Estado.

Em 1998 a IGPM foi substituída pelo Comando de Operações Terrestres

(Coter). Enquanto aquela era um órgão burocrático, este é um órgão operacional e

dirigido por um general do Exército. Desse ponto de vista, é possível dizer até

mesmo que o controle do Exército sobre as PMs aumentou no período democrático

(ZAVERUCHA, 2005: p.70).

O problema maior da militarização é que a filosofia operacional das Polícias

Militares ainda é fortemente ligada à do Exército. A formação dos policiais militares é

semelhante à formação para a guerra, com uma doutrina que confunde defesa

externa e defesa interna. É adotado o modelo de guerra para o combate ao crime,

sendo o criminoso percebido com inimigo a ser eliminado, os policiais são vistos

como combatentes e a favela como território a ser ocupado. O policiamento é, então,

realizado com a adoção de estruturas e conceitos militares. Nas academias há

pouco treinamento específico policial, sendo reproduzida a doutrina do Exército

herdada do regime militar.

O fato de as Polícias Militares serem, por força da Constituição Federal,

auxiliares e reservas do Exército é outro dado revelador da militarização. Enquanto

em outros países as polícias possuem um status do mesmo nível das forças

militares, por força dessa determinação as PM brasileiras possuem status inferior,

são a ele subordinadas. Essa é, segundo Zaverucha (2005: p. 69), uma

característica comum nos regimes autoritários e que não deve existir nas

democracias.

• A policização das Forças Armadas

O Exército brasileiro, em sua história, jamais se dedicou exclusivamente à

defesa externa. Nos últimos anos, o Exército, cada vez mais, por pressão popular e

internacional22, tem assumido papeis de policiamento. O art. 142 da Constituição

Federal foi regulamentado pela Lei Complementar n. 69 de 1991, que prevê a 22 Os Estados Unidos, que não admitem que suas forças armadas exerçam atividades de polícia, estimulam que as FFAA latinas o façam.

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43

atuação das FFAA nas questões de lei e ordem de acordo com as diretrizes do

Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação

da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no

art. 144 da Constituição. Observa-se, portanto, que no Brasil é constitucionalmente

permitido o emprego de militares na segurança pública exercendo papel de polícia.

Entretanto, a indefinição do que seja lei e ordem cria espaço para a livre

interpretação por parte do Estado.

Devido à descrença nas Polícias Militares e ao agravamento da insegurança,

em especial nos grandes centros urbanos, observa-se a banalização do emprego

das Forças Armadas em ações de segurança pública. Essa policização se dá com a

disseminação da ideia de crise de segurança, que levou os presidentes Fernando

Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva a adotarem as Forças Armadas como

reforço nos casos em que a força policial não era considerada suficientemente

numerosa ou capaz de lidar com a situação23. Surgiram as famosas Operações de

Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO).

O Decreto n. 3897/2001 baixado por Fernando Henrique Cardoso conferiu,

pela primeira vez, o poder de polícia em ações de competência constitucional e legal

das Polícias Militares. Nesse sentido, na década de 1990 e nos anos 2000, as

Forças Armadas foram várias vezes empregadas em ações contra movimentos

sociais. Segundo Zaverucha:

O linguajar usado pelo Exército para ações de GLO é o de guerra. A Força Terrestre em vez de executar uma ação de segurança pública, é preparada para combater as Forças Adversas, que podem ser bandidos ou integrantes de movimentos sociais. As ações e medidas de Garantia da Lei e da Ordem podem ser preventivas ou operativas. As ações e medidas preventivas têm caráter permanente e, normalmente, restringem-se às atividades de inteligência e comunicação social. Portanto, os movimentos sociais estão sob constante vigilância da inteligência do Exército. (ZAVERUCHA, 2007: p. 201)

Em agosto de 2010, o então presidente Lula sancionou a Lei Complementar

n. 136, que atribuiu poder de polícia às Forças Armadas nas regiões de fronteira e

na atuação pela segurança pessoal das autoridades nacionais e estrangeiras em

missões oficiais.

23 Essa situação, aliás, dá a justificativa para que o Exército barganhe maiores verbas para manter suas tropas aptas a substituir as Polícias Militares.

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44

A respeito do emprego das Forças Armadas na segurança pública, Cerqueira

(1996) fala de um processo de remilitarização, citando o exemplo da Operação Rio,

ocorrida em 1994. Outras operações têm, desde então, utilizado as FFAA ao lado

das Polícias Militares, como ocorreu nos anos de 2007 e 2010 no complexo de

favelas do Alemão, no Rio de Janeiro. Sobre o episódio de 2010, Nóbrega Júnior

afirma:

A partir do momento em que o uso da força ultrapassa a linha (tênue) do Estado de Direito, a democracia passa a sofrer ameaças internas que podem levá-la a sucumbir. O Estado autoritário pôde ser visto nas tarefas das forças de segurança (polícias e Forças Armadas) do Estado brasileiro naquelas operações executadas no final de 2010, no Rio de Janeiro. (NÓBREGA JÚNIOR, 2011: p. 21)

Loïc Wacquant (2008: p. 56) analisa a situação pela perspectiva de um

processo de militarização da marginalidade urbana:

A estratégia da contenção punitiva favorecida pelas elites políticas como um complemento para o desregulamento da economia dos anos 1990, leva da penalização à militarização da marginalidade urbana, sob a qual os moradores das favelas decadentes são tratados como virtuais inimigos da nação, a polícia é suplantada pelo Exército, a tênue confiança nas instituições públicas diminui e a espiral da violência acelera. (Tradução nossa)24

Podemos, por fim, dizer que quando o poder público aciona as Forças

Armadas para questões de segurança pública, o Exército é utilizado como uma

espécie de polícia nacional de reserva, numa inversão que distorce seus preceitos

institucionais. Assim, as competências entre polícia e Exército se mesclam cada vez

mais, ao mesmo tempo em que aumentam as possibilidades do uso excessivo da

força, considerando o despreparo e a inadequação das Forças Armadas para lidar

com questões desse gênero.

24“The strategy of punitive containment favored by political elites as a complement to the deregulation of the economy in the 1990s leads from the penalization to the militarization of urban marginality, under which residents of declining favelas are treated as virtual enemies of the nation, the police supplanted by the army, tenuous trust in public institutions undermined, and the spiral of violence accelerated.”

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45

4.2 Polícia e Exército: outras polícias militares e a particularidade brasileira

A autorização para o uso da força sempre foi vista como elemento fundador

comum à polícia e ao Exército. Entretanto, nos debates atuais, não é mais tão

somente a questão da força que define a noção e a prática de polícia, justamente

pelo fato dessa definição manter a proximidade conceitual da polícia com o Exército.

As fronteiras entre as duas instituições perigosamente se confundiram ao longo de

suas histórias, embora as competências institucionais da polícia e das Forças

Armadas sejam diferentes. A polícia é caracterizada pela ausência do uso

sistemático da força, enquanto para o Exército a força é o instrumento dissuasório

por excelência. O Exército está ligado à proteção do Estado, enquanto a polícia deve

proteger os cidadãos. Ao Exército cabe a manutenção da soberania nacional pela

proteção contra inimigos externos; à polícia cabe a manutenção da ordem pública e

da paz social pela prevenção e combate ao crime e pela gestão dos conflitos sociais.

A doutrina, o armamento, a instrução e o treinamento da polícia e do Exército são

necessariamente distintos e a polícia não deve aprender nem usar táticas de guerra.

Uma polícia que segue o modelo do Exército não tem cabimento em uma

democracia.

Segundo Cerqueira (1998: p. 141), existem em outros países forças de polícia

com estrutura militar, o que faz com que a coexistência de forças militares com

forças civis na atividade policial não seja exclusividade brasileira. O autor cita como

exemplos as organizações policiais militares da França (Gendarmeria Nacional), de

Portugal (Guarda Nacional Republicana), da Itália (Carabineiros) e Espanha (Guarda

Civil). Entretanto, diferentemente do modelo brasileiro, todas essas organizações

executam as duas funções básicas de polícia, isto é, o policiamento e a investigação

criminal, juntamente com as polícias civis. Outra característica importantíssima

dessas polícias estrangeiras é

o fato dos militares fazerem polícia sem adotar a filosofia operacional de guerra; distinguem claramente as diferenças de uma atuação bélica e de uma outra atuação no campo da segurança pública. Sabem que a atividade de polícia é uma atividade civil que deve ser administrada pelos ministérios civis. Para as questões policiais as organizações militares se submetem ao poder civil e judiciário. (CERQUEIRA, 1998: p. 142)

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46

Nesses países é indiscutível a natureza civil da atividade policial e sua

submissão ao poder civil, embora seja discutida a conveniência de se ter ou não

uma polícia com estrutura militar. Na análise de Cerqueira, França, Portugal, Italia e

Espanha são países que possuem polícias com estrutura militar, mas que não são

polícias militares, enquanto no Brasil, pode-se dizer, há uma estrutura militar

fazendo papel de polícia, uma estrutura que é mais tropa do que polícia.

A partir dessa análise comparativa internacional, vemos que o problema maior

é menos a estrutura militar do que a concepção bélica que o militarismo brasileiro

pressupõe, pois se vislumbra possível a existência de estruturas militarmente

organizadas, mas que não atuem a partir de uma visão de guerra contra os

criminosos. O militarismo, no modelo brasileiro, imerso em ideologia autoritária,

fecha o campo da segurança pública para possibilidades democráticas.

O discurso que define o papel das polícias como “forças de combate ao

crime”, em vez de “forças para a garantia da lei” autoriza as práticas violentas das

polícias à margem do direito:

(...) quando se constrói um imaginário social em que os próprios policiais se definem como “combatentes” e no qual se promove um enfoque absoluto na necessidade de “derrotar o crime”, os próprios policiais são estimulados a perceber os valores legais muito mais como restrições à sua eficiência do que como objetivos aos quais devam se vincular. (ROLIM, 2006: p. 48)

O militarismo, portanto, condiciona as instituições a manterem a lógica da

guerra, da manutenção da “ordem” pelo uso incondicional da força desmedida

(NÓBREGA JÚNIOR, 2011: p. 21), o que resulta na violência e nas incontáveis

mortes que configuram um verdadeiro genocídio.

4.3 Natureza civil da atividade policial: Polícia Militar é um oximoro25

A polícia exerce um serviço público de natureza civil, e não militar. Zaffaroni

(2011: p. 513), por isso, ironiza a persistência do modelo militarizado de polícia: “há

muitas atividades que requerem hierarquias, estrito cumprimento de ordens e nas

25 Figura de linguagem em que se combinam palavras de sentido oposto que parecem excluir-se mutuamente.

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47

quais estão em jogo vidas humanas, como as atividades hospitalares, entretanto,

ninguém pensaria em militarizar os hospitais26”. Zaverucha (2005: p. 76) observa

que o termo Polícia Militar é um oximoro, uma junção de palavras que se

contradizem, e acrescenta:

Doutrinariamente, a Polícia como órgão incumbido de prevenir a ocorrência da infração penal e, se ocorrida, exercendo as atividades de repressão, é uma instituição de caráter civil. Não há necessidade de acrescentar a palavra militar ao substantivo policial. Adicionar o termo civil é um pleonasmo. Tanto é que a polícia militar da Espanha chama-se Guardia Civil. Só que civil neste caso não é o contrário de militar, mas sim originário de “civitas”. Ou seja, uma guarda que protege o cidadão.

Cerqueira (1998) propõe o reconhecimento da natureza civil da atividade

policial como princípio constitucional. Desse reconhecimento, decorreria a

dependência das PM dos ministérios civis, o necessário fim da justiça militar para os

policiais militares27 e a necessária independência e autonomia das PMs com relação

ao Exército (deixando, inclusive, de serem consideradas forças auxiliares e

reservas). Num contexto democrático, devem ser abandonados a ideologia militar

como filosofia operacional das polícias, o uso das FFAA na segurança pública, bem

com os modelos militares de organização e gestão nas atividades de policiamento.

Isso por que:

(...) a polícia militar, como seu nome diz, é polícia e não uma força armada orientada para defesa do território e a segurança nacional. O exército tem como missão eliminar o risco e o inimigo, para preservar a segurança nacional e a integridade do território – o território como modalidade de expressão da própria segurança nacional. Já a polícia militar tem que zelar pelo cumprimento da lei, respeitando a cidadania – mais ainda: com o fito precípuo de proteger os cidadãos. Porque é este o mandato conferido pela Constituição à polícia militar: o uso comedido da força, de modo adequado, tecnicamente, e em conformidade constitucional com as leis penais, protegendo direitos e liberdades. (SOARES, 2007: p. 12)

Por enquanto, a polícia militar continua organizada em “marcos legais

ambíguos, como um pequeno exército em desvio de função, a serviço da segurança

pública” (SOARES, 2007; p. 12). Ainda é incipiente, para os próprios policiais

inclusive, a noção da natureza civil da atividade policial e a sua consequente 26 “Hay multiples actividades que requieren jerarquias, estricto cumplimiento de ordenes y en las que estan en juego vidas humanas, como hospitalaria, y sin embargo a nadie se le ocurriría militarizar los hospitales.” 27 Bem como para os militares em atividade de policiamento.

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subordinação ao poder civil. Segundo Rolim (2006: p. 28), essa situação dá origem a

uma cultura policial em que

(...) para a maioria dos policiais em todo o mundo, existiria um ‘verdadeiro trabalho da polícia’: prender ‘criminosos’. Todas as demais atividades desempenhadas no dia-a-dia do policiamento – como as tarefas de pacificação ou de assistência – são normalmente vistas como ‘perda de tempo’ e são, quando muito, toleradas pelos policiais. No fundo, eles gostariam que outras instituições as realizassem porque não se sentem ‘policiais’ quando estão envolvidos com elas.

Defendemos, portanto, que a transformação mais fundamental pela qual a

segurança pública no Brasil deve passar – fundamental por indispensável e por

atingir seus alicerces, sua base – seja a desmilitarização das polícias, com assunção

de uma orientação pela noção de serviço público e foco na proteção dos direitos dos

cidadãos, o que pressupõe a revisão e adequação democrática dos regulamentos

disciplinares e o reordenamento pedagógico da formação dos policiais. É necessário

passar a pensar a polícia como serviço público, e não como força pública

(CERQUEIRA, 1998: p. 175).

Nesse sentido, subscrevemos as diretrizes para a desmilitarização das

polícias propostas na Primeira Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg)

realizada em 200928:

• Realizar a transição da segurança pública para atividade eminentemente civil;

desmilitarizar as polícias; desvincular a polícia e corpos de bombeiros das

Forças Armadas; rever regulamentos e procedimentos disciplinares; garantir

livre associação sindical, direito de greve e filiação político-partidária; criar

código de ética único, respeitando a hierarquia, a disciplina e os direitos

humanos; submeter irregularidades dos profissionais militares à justiça

comum;

• Criar e implantar carreira única para os profissionais de segurança pública,

desmilitarizada, com formação acadêmica superior e especialização com

plano de cargos e salários em nível nacional, efetivando a progressão vertical

e horizontal na carreira funcional.

28MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Segurança Pública. Conselho Nacional – Conasp. Acompanhamento da Conseg. Relatório final. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJ337926C4ITEMIDEE1D83ABC3E74F04A2FB7A21B5454D02PTBRIE.htm> . Acesso em: 12 abr. 2012.

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49

A sociedade brasileira é marcada por um ethos autoritário e a desmilitarização

das polícias é mais um passo a ser tomado no sentido da superação do

autoritarismo e, consequentemente, da consolidação da democracia.

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50

5 MUDANÇAS E PERSPECTIVAS

Hoje, nas polícias brasileiras, presenciamos uma tensão “entre um passado

perverso que não foi ainda rejeitado e uma possibilidade mais generosa de futuro

sobre a qual ainda não se pode ter qualquer certeza” (ROLIM, 2006: p.49). Entre a

herança autoritária e um futuro democrático, é possível vislumbrar a existência de

duas forças opostas na evolução das polícias. Por um lado, um movimento no

sentido do reconhecimento do caráter civil da atividade de policiamento e da

construção de práticas respeitosas aos direitos humanos. Por outro lado, no entanto,

assistimos a uma preocupante tendência à remilitarização das polícias, através de

políticas repressivas dos governos estaduais. Por esse motivo, o momento atual é

importante na definição dos rumos a serem tomados para a construção de uma

polícia cidadã.

5.1 Os movimentos de reforma

A elaboração de políticas públicas de segurança é novidade no Brasil. Até o

fim da ditadura militar, nunca havia sido formulado um plano de ações coordenadas,

com metas e fins determinados e os governos se limitavam a manter suas forças e

conter o crime segundo a cultura organizacional das próprias agências policiais

(ADORNO, 2008: p. 14). O crescimento da criminalidade urbana e os debates sobre

os direitos humanos fizeram imprescindível a inclusão da segurança pública na

agenda política governamental. A partir de então, começaram a surgir programas

governamentais que, com variados graus de resultados, têm buscado alterar a

clássica estratégia de “combate” à criminalidade através da violência policial.

Também desde o fim da ditadura militar, tem sido possível encontrar dentro das

próprias polícias setores mais sintonizados com uma concepção democrática de

ordem pública e convencidos da necessidade de mudanças estruturais.

No primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), foi

elaborado o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), a partir da

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recomendação da Conferência de Viena (1993) e após um processo que contou com

audiências públicas e com o diálogo entre entes governamentais, representantes da

sociedade civil e universidades. Foi também criada, em 1997, a Secretaria Nacional

de Direitos Humanos e, em 1998, a Secretaria Nacional de Segurança Pública. No

segundo governo de FHC (1999-2002), foi editado o II Programa Nacional de

Direitos Humanos e promulgado, em 2001, o Plano Nacional de Segurança Pública,

com o objetivo de aperfeiçoar o sistema de segurança pública brasileiro, por meio da

integração ente políticas de segurança, políticas sociais e ações comunitárias. Uma

de suas inovações foi a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP),

para ser aplicado em projetos apresentados pelos Estados dentro das diretrizes

contidas no Plano Nacional. A partir de então, o Governo Federal passou a se

preocupar em estabelecer propostas em amplos campos de ação: reforma do

sistema policial, controle externo da polícia, prevenção da violência, controle do uso

de armas de fogo, reforma do sistema prisional, reformas legais, violência contra

minorias etc.

No primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), foi

implementado o Plano Nacional de Segurança Pública, tendo como principal

programa o Sistema Unificado de Segurança Pública, criado com o objetivo de

articular ações federais, estaduais e municipais na área da segurança pública e da

justiça criminal. Também foi determinada e criação de Conselhos de Segurança

Pública na esfera federal, estadual e municipal. No segundo governo de Lula (2007-

2010), foi editado o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

(Pronasci), buscando a articulação de diferentes órgãos e níveis de governo e

reunindo políticas repressivas e sociais, com atuação focada nas raízes

socioculturais do crime. Para além dos profissionais do sistema de segurança

pública, o Pronasci tem o foco no resgate da cidadania dos jovens de 15 a 24 anos,

dada a elevada taxa de criminalidade e de vitimização entre os mesmos.

Em Minas Gerais, por muito tempo, a política de segurança se limitou à

realização de concursos para recrutamentos de policiais, compra de viaturas e

equipamentos, implantação de batalhões e delegacias no interior, construção de

penitenciárias e cadeias públicas. Em 2003 foi criada a Secretaria de Estado de

Defesa Social, da fusão da Secretaria de Estado da Justiça e Direitos Humanos e a

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52

Secretaria de Estado da Segurança Pública, com o objetivo de estabelecer diretrizes

e prioridades da política estadual de segurança.

Uma das diretrizes surgidas dos planos federais e estaduais de segurança

pública desde os anos 1990 foi o estímulo à implantação do modelo de polícia

comunitária. A ideia de policiamento comunitário faz parte de uma modificação

doutrinária em curso entre as polícias do mundo inteiro e em muitos países já se

transformou em discurso oficial. É um modelo que pressupõe a transformação da

relação entre a polícia e a comunidade na qual ela se insere, partindo da ideia de

que as tarefas de manutenção da paz e de conquista da segurança devem ser

concebidas como algo a ser compartilhado entre o Estado e a sociedade29. O

policiamento comunitário reforça a relação da polícia com a realidade e os

problemas locais, altera a imagem pública da polícia e gera confiança na sua

atuação.

Nos últimos anos, em vários Estados do Brasil, têm proliferado projetos que

se denominam polícia comunitária30. Em Minas Gerais, os Conselhos Comunitários

de Segurança (CONSEPs), foram criados com o objetivo de viabilizar o novo

modelo31. Mas esses projetos significam mudanças genuínas nas práticas policiais

ou apenas se utilizam do nome policiamento comunitário para rotular programas

tradicionais, “um caso clássico de colocar vinho velho em garrafas novas”32? De toda

forma, não tem havido redução significativa das taxas de criminalidade e nenhum

Estado adotou o modelo de polícia comunitária como modelo geral para sua Polícia

Militar33.

29Skolnick e Bayley (2002: p. 19) afirmam que, embora muito se fale sobre policiamento comunitário, a realidade é que não se tem nem ao menos consenso acerca de seu significado. Os autores propõem então que apenas se possa referir a policiamento comunitário quando estejam presentes as seguintes características: organização da prevenção do crime tendo como base a comunidade; reorientação das atividades de patrulhamento para enfatizar os serviços não-emergenciais; aumento da responsabilização da polícia; descentralização dos comandos. 30 O Cel. Carlos Magno Nazareth Cerqueira é reconhecido como precursor da filosofia do policiamento comunitário no Brasil, pelo trabalho realizado enquanto Comandante-Geral da polícia carioca, nos anos de 1983-1987 e 1991-1994. 31 Os CONSEPs têm por objetivo o desenvolvimento de parcerias comunitárias para implementação de programas de prevenção, tendo como base os princípios do policiamento comunitário. 32 SKOLNICK e BAYLEY, 2006: p. 16. 33 Um alerta a respeito da polícia comunitária é feito por Zaffaroni (2011: p. 314), que diz que o reforçamento da comunidade e do controle social comunitário pode ser uma faca de dois gumes: se por um lado a participação da comunidade reforça a democracia, por outro há o risco de se cair em uma ditadura moral conservadora por parte de setores autoritários da própria sociedade. Não obstante, o modelo comunitário é preferível ao militarizado.

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53

Outra mudança diz respeito ao controle externo da polícia. O Ministério

Público, com a Constituição de 1988, ganhou amplas atribuições de ‘fiscal da lei’,

entre elas a de controlar as polícias e defender os direitos dos cidadãos contra

abusos cometidos por policiais (art. 129, VII). O desempenho do MP, nesse aspecto,

entretanto, está até hoje muito aquém de seu papel constitucional. No vácuo por ele

deixado, foram criadas nos últimos anos, em alguns Estados da federação, as

Ouvidorias de Polícia, que são órgãos de controle externo com a missão de receber

denúncias de abusos cometidos por policiais. No entanto, a maioria das Ouvidorias

funciona precariamente, sem funcionários e orçamento próprios. Além disso, não

possuem poder de investigação, devendo repassar as denúncias às Corregedorias.

O incipiente grau de institucionalização associado ao corporativismo existente nas

Corregedorias resulta em um baixo índice de punição dos acusados e considerável

insatisfação dos denunciantes34.

Promissor avanço se observa nas iniciativas que buscam retirar o monopólio

das academias de polícia no treinamento dos policiais. Nos últimos anos têm

proliferado as parcerias entre organizações policiais militares e universidades,

institutos de pesquisa e organizações não governamentais. Dessa forma, busca-se a

institucionalização de uma doutrina democrática de policiamento e a aproximação do

saber acadêmico à prática da segurança pública. A esse respeito, Sapori (2007: p.

118) afirma:

Não se pode afirmar que tais parcerias tenham o potencial de incrementar a eficiência das polícias militares, mas tendem a induzir e fortalecer o grau de democratização das polícias no que concerne à ampliação da transparência e à redução do insulamento organizacional, bem como favorecem o processo de desmilitarização. (...) abre-se a possibilidade de socialização e consequente formação de uma nova elite organizacional em termos de valores e visão de mundo adequados aos parâmetros normativos da democracia.

Tem-se também buscado modificar os critérios de admissão nas carreiras

policiais de forma a incluir profissionais mais capacitados. Nesse sentido, em Minas

Gerais passou-se a exigir o diploma de bacharel em direito para a carreira de oficial

da Polícia Militar e diploma de ensino superior para os praças.

34 A precariedade do controle externo da polícia no Brasil também se deve ao medo que a população tem da polícia e consequente medo de denunciar os abusos policiais. Os próprios praças têm medo de denunciarem os abusos de seus superiores (LEMGRUBER; MUSUMECI; CANO, 2003).

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54

Apesar de não ter ocorrido a desmilitarização das polícias, não se pode negar

o valor das mudanças e evoluções ocorridas desde o fim da ditadura militar, dentre

as quais, em síntese, destacamos:

• As experiências de polícia comunitária em vários Estados;

• A criação de Ouvidorias de Polícia;

• O uso de técnicas mais modernas de policiamento, como o geo-

referenciamento para mapear áreas e horários de maior incidência

criminal e redirecionar o patrulhamento preventivo;

• O desenvolvimento de programas para redução da violência em áreas

marginais35;

• Os avanços no tratamento de informações policiais, através da

informatização, racionalização e arquivo de denúncias e dados de

inteligência;

• As tentativas de integração entre a Polícia Civil e a Militar.

5.2 Por outro lado, a remilitarização

Há oito anos, os moradores da ocupação Pinheirinho, em São José dos

Campos, interior de São Paulo, lutam pela sua permanência na área ocupada, que

tem uma dívida milionária de IPTU com a prefeitura. O processo de negociação da

regularização fundiária do terreno estava em curso e buscava-se uma saída pacífica

para a questão, até que o governo de São Paulo decidiu armar uma operação de

guerra para encerrar o assunto36. Às 6h da manhã de um domingo, 22 de janeiro de

2012, iniciou-se a reintegração de posse do assentamento onde viviam 5.000

famílias. Homens, mulheres, crianças e idosos moradores da ocupação foram

surpreendidos pelo cerco formado por helicópteros, carros blindados e mais de

1.800 policiais militares armados da PM de São Paulo ordenando a retirada das

famílias. A resistência deu origem a uma atuação violenta da polícia que se

35 Como o GPAE no Rio de Janeiro e o “Fica Vivo” em Belo Horizonte. 36 Desrespeitando a decisão do judiciário de suspender a reintegração de posse.

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55

prolongou durante todo o dia e teve como resultado famílias desabrigadas, pessoas

feridas, detenções e rumores sobre estupros e homicídios por parte dos policiais.

Como Pinheirinho, inúmeras outras ocupações urbanas estão sob ameaça ou

sofrendo despejos em operações que contam sempre com a presença da Polícia

Militar com suas tropas de choque fortemente armadas. Apenas na região

metropolitana de Belo Horizonte, podemos citar as ocupações de Vila Braúnas, Zilah

Spósito/Helena Greco, Torres Gêmeas, Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy que

se encontram em situação semelhante. Trata-se de ocupações legítimas em

terrenos que não cumprem sua função social. No centro do Rio de Janeiro e de São

Paulo também têm ocorrido, nos últimos, anos truculentas desocupações por parte

das PMs dos respectivos Estados.

Em São Paulo, diversas intervenções das Polícias Militares e da Guarda Civil

Metropolitana têm sido realizadas como parte de uma série de projetos da prefeitura

para “revitalização” do centro da cidade. Em uma de suas fases, no dia 3 de janeiro

de 2012, na região da Luz, centro de São Paulo, a polícia iniciou uma ação de

“limpeza” na região apelidada Cracolândia. Em poucos dias, centenas de usuários

de drogas e frequentadores da região foram presos pela polícia com uso da

cavalaria, spray de pimenta e muita truculência. Centenas de outras pessoas foram

internadas compulsoriamente.

Os discursos oficiais apresentam quase sempre as ações desse tipo como

formas de intervenção sobre populações vulneráveis e em situação de risco. Na

verdade, trata-se de puro higienismo, da remoção dos corpos inconvenientes

(pessoas em situação de rua, usuários de drogas) do espaço “saudável”. Os

eufemismos “encaminhamento” e “proteção social” escondem o real propósito de

retirar as populações indesejáveis de circulação através de ações ostensivas de

vigilância e repressão.

No dia 8 de novembro de 2011, às 05h10 da manhã, no campus da

Universidade de São Paulo, a Polícia Militar iniciou a desocupação da Reitoria, onde

estavam centenas de estudantes em protesto contra a presença da PM no campus.

Estudantes foram rendidos, a tropa de choque entrou no prédio e não deixou

ninguém mais entrar nem sair, tudo com muita truculência. O cerco foi formado por

mais de 300 policiais militares da tropa de choque e da cavalaria, acompanhados

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por camburões e helicópteros. Depois de horas de ação violenta, foram presos mais

de 73 estudantes.

A Unidade de Polícia Pacificadora, conhecida pela sigla UPP, é um projeto da

Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro que tem por objetivo

desarticular o tráfico de drogas e instituir polícias comunitárias em diversas favelas

do Estado. De novembro de 2008 a maio de 2012 foram implementadas vinte e três

UPPs. A instauração de cada UPP é precedida de uma operação ocupação do

território por parte tropas do Exército. Nas UPPs, como na Cracolândia, a guerra às

drogas legitima a presença das forças de segurança e a repressão violenta que tem

por alvo populações específicas. Trata-se de uma concepção de segurança pública

que busca controlar populações marginalizadas por meio de uma estratégia de

ocupação territorial com o uso de forças militares.

Os episódios listados são apenas alguns exemplos ilustrativos que nos fazem

questionar os limites da aparente democratização das polícias operada nas duas

últimas décadas. Não obstante as reformas empreendidas no campo da segurança

pública, tais eventos demonstram uma tendência à remilitarização da segurança

pública, com a aposta em respostas militares, no lugar de políticas, para diferentes

questões sociais. O uso da força militar tem se tornado cada vez mais um

instrumento governamental privilegiado de intervenção no meio urbano. Legislações

de exceção, contrárias à própria Constituição Federal, têm ampliado em diversos

Estados os poderes da Polícia Militar. Simultaneamente, está em curso um processo

de militarização das Guardas Municipais que, no lugar de exercerem seu papel de

guardas patrimoniais, passam a ter as PMs como horizonte de atuação.

Trata-se de um Estado com um projeto político moldado no controle e na

repressão, no qual surgem novas formas de atuação das forças policiais e dos

aparatos repressivo. O velho discurso autoritário das classes perigosas persiste

disfarçado de “proteção às populações vulneráveis” que significa atuação da polícia

voltada para territórios e populações específicos, considerados de “risco”. O aplauso

de vastos setores da sociedade em cada um desses episódios comprova que a

população está disposta abrir mão de direitos e liberdades em troca de uma suposta

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57

ordem e que o discurso da insegurança e as políticas de repressão têm importantes

resultados econômicos e eleitorais37.

A crítica mais recente a respeito do modelo de segurança pública atualmente

adotado está ligada à questão dos megaeventos a serem realizados no Brasil nos

próximos anos – a Copa do Mundo de futebol de 2014 e as Olimpíadas no Rio de

Janeiro em 2016. Às vésperas desses megaeventos, quando o poder público mais

que nunca serve a interesses privados, surgem nas cidades que sediarão jogos

verdadeiras zonas de exceção. É a mais nova desculpa para a remilitarização do

policiamento. Por trás de todas essas políticas de higienização social há o claro

intuito de construir uma imagem positiva do Brasil e reservar os locais públicos para

cidadãos das primeiras classes e, no caso, turistas.

A Copa do Mundo, ao que tudo indica, importará no aumento da presença

ostensiva da Polícia Militar no trato com a população e a possibilidade de o Exército

vir a intervir em distúrbios civis caso a polícia seja insuficiente. É igualmente

preocupante a constituição de forças especiais e estruturas de exceção para cumprir

a função constitucional que incumbe aos órgãos de segurança dos estados. Os

“Centros Integrados de Comando e Controle” que serão criados em níveis nacional,

estadual e local, são tidos como a parte mais importante do planejamento de

segurança dos megaeventos. Trata-se, na verdade, de um modelo de controle

criado na II Guerra Mundial com o objetivo de unificar o comando de ação militar em

operações de guerra38.

No Rio de Janeiro as instalações de UPPs revelam bem essa concepção de

segurança pública voltada a interesses específicos, pois elas têm sido realizadas

exclusivamente em locais estratégicos: comunidades do entorno do Maracanã, da

Zona Sul carioca e nos corredores de transito dos principais aeroportos a esses

locais. As ocupações e a permanência dos militares no local fazem parte do plano

de segurança para os megaeventos, mas que colocam em risco os direitos dos

37 Pesquisas do Datafolha revelam que 82% dos paulistanos concordam com as ações da Polícia Militar na Cracolândia (DATAFOLHA, 27 jan. 2012) e que 58% dos alunos da USP são favoráveis ao convênio da Universidade com a PM (DATAFOLHA,12 nov. 2011). 38 ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULARES DA COPA. Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil. Dossiê completo. Disponível em: <http://comitepopulario.files.wordpress.com/2011/12/dossie_violacoes_copa_completo.pdf>. Acesso em 30 abr. 2012.

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moradores das comunidades afetadas que sofrem inúmeras violações39. O sucesso

do modelo de UPP, que está sendo exportado para outros Estados, para o fim do

tráfico somente será revelado após a Copa e as Olimpíadas.

As políticas de segurança pública em curso em vários Estados brasileiros,

pelo que vimos, parecem negar todas as tentativas de instituição de uma doutrina

democrática no seio das polícias que estão em curso desde os anos 1980. O

caminho da democracia, que antes parecia certo e seguro, se encontra ameaçado

pela atuação autoritária de governos e suas polícias. Na atual perspectiva, não

obstante a constatação do fracasso do modelo militarizado da polícia, sua superação

parece cada vez mais incerta. Este é, portanto, o momento crítico para a realização

de reformas profundas no sentido de construir um modelo de polícia adequado à

sociedade na qual queremos viver.

5.3 O ideal de uma polícia cidadã

O atual modelo militarizado de segurança pública, caracterizado por Zaffaroni

(2011) de suicida, está falido. A concepção bélica de polícia era funcional a uma

sociedade estratificada e oligárquica, mas, como demonstramos no capítulo anterior,

não faz sentido em uma sociedade democrática. Apesar do patente descompasso

entre a atuação das polícias e os anseios democráticos, o poder público tem se

limitado, quase sempre, a propostas de mudanças que revelam uma espécie de

“isomorfismo reformista” (ROLIM, 2006: p.44), no sentido de que, no lugar de se criar

uma nova receita, são aumentados os ingredientes da antiga (aumentam os

investimentos em armamentos e viaturas, aumentam os contingentes, dão novos

nomes às velhas práticas). Entretanto, o que é necessário não é a reforma do

modelo, nem o aumento das verbas nele investidas, mas construção de um novo

modelo, dotado de uma nova racionalidade.

O Brasil precisa buscar um modelo de polícia próprio, adequado à sua

realidade, a partir de uma nova concepção de ordem pública cujos referenciais

39 São comuns as práticas como a busca e apreensão no interior das residências sem mandado judicial, as revistas vexatórias de moradores, o toque de recolher e diversas outras regras impostas como a necessidade de permissão prévia para a realização de festas.

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sejam a colaboração e a integração comunitária. A segurança pública deve ser

discutida e assumida como tarefa e responsabilidade permanente tanto do Estado

quanto da sociedade. É necessário reformar a polícia a partir de políticas públicas e

sociais que revistam a segurança pública de cidadania. Nesse sentido, o ideal a ser

perseguido é a constituição de uma polícia cidadã.

A partir da superação do antagonismo entre “sociedade civil” e “sociedade

policial” – afinal, o policial faz parte da sociedade civil – deve-se fomentar o diálogo e

aproximar a polícia aos demais segmentos da sociedade. É preciso romper o

paradigma do “nós e eles”. Segundo Rolim (2006: p. 83), os policiais, em vez de “se

refugiarem atrás dos seus procedimentos técnicos e de suas patentes, ou de

evitarem o ‘olhar profano’ e o convívio com os civis”, devem buscar a interação com

a comunidade, de forma que esta reconheça a polícia como a sua polícia. Devem

ser estabelecidos canais de diálogo entre os órgãos de segurança pública e a

sociedade civil, de forma que, a partir da colaboração entre os diferentes atores

sociais, possam ser identificados os problemas e estabelecidas as estratégias para

sua resolução. O trabalho policial deve ser equânime, garantindo o mesmo

tratamento às elites e aos desprivilegiados, aos moradores de condomínios e aos

moradores de favelas, à classe média e ao morador de rua, de acordo com os

princípios constitucionais e com respeito às leis.

Esse modelo deve romper radicalmente com o velho paradigma militar e fazer

com que a polícia se torne protagonista de direitos e cidadania. Os policiais devem

ser reconhecidos como sujeitos históricos e políticos e, portanto, potenciais agentes

de transformação. Isso é o que defendem vários autores, como Balestreri, segundo

quem:

a polícia é o vetor potencialmente mais promissor no processo de redução de violações dos Direitos Humanos. Pela autoridade moral e legal que possui, até com o respaldo popular pra o uso da força necessária, a polícia pode jogar o papel de principal violadora de direitos civis e políticos mas pode, igualmente, transformar-se na maior promotora de uma cultura que não possa prescindir desses direitos (BALESTRERI, 2002: p. 19-20).

Isso pressupõe, é claro, o reconhecimento dos direitos dos próprios policiais

enquanto cidadãos, pois, caso contrário, as diversas normas que colocam o policial

como promotor de direitos humanos se tornam ineficazes (COTTA, 2006: p.141). É

necessário ter em conta que os policiais, embora sejam muitas vezes perpetradores

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60

de violações aos direitos humanos, têm também seus próprios direitos

desrespeitados, enfrentando péssimas condições de trabalho, baixos salários, falta

de incentivo e valorização profissional.

O ponto central do novo modelo deve ser a prevenção, em contraposição ao

atual foco na repressão. As inadequadas políticas de segurança repressivas se

direcionam ao aparelhamento da polícia, ao maior rigor na aplicação da pena, ao

incremento da criminalização e do encarceramento40. O que importa, nessa

concepção, são os resultados, demonstrados em dados estatísticos. É necessário

superar o marco da repressão e atribuir à polícia o papel de prevenção e mediação

de conflitos com base no respeito à justiça, à igualdade e aos direitos humanos.

A desmilitarização passa pelo reconhecimento da natureza civil da atividade

policial e do reforço do controle civil sobre as polícias. Nesse sentido, os

mecanismos de controle interno e externos são de fundamental importância para

garantir o comedimento, a legalidade e a legitimidade do uso da força policial. O

controle sobre as polícias é parte do processo de conquista e consolidação da

democracia por revela a preocupação que a polícia preste contas do seu trabalho e

responda pelas consequências dos seus atos irregulares ou ilegais. É importante,

portanto, valorizar e articular o papel das Ouvidorias e de outras formas de controle

por parte do Estado e da sociedade, num esforço conjunto de reverter os padrões

históricos de atuação violenta.

No nível das políticas públicas, a segurança, hoje, é preocupação dos

governos federal, estadual e municipal, de forma que a promoção da segurança

pública cidadã deve envolver todos esses agentes. O governo federal deve se

pautar pela aplicação de uma política nacional que proporcione meios para a

efetivação da cooperação entre as instituições e com o estabelecimento de

exigências de qualidade na provisão dos serviços de segurança pública pautada por

critérios de respeito às leis e aos direitos humanos. Os Estados devem desmilitarizar

suas polícias a partir de critérios de policia cidadã e comunitária, além de buscar a

aproximação entre as polícias civis e militares e a articulação com os municípios. A

40 Segundo Bayley (2006: p. 203), a polícia repressiva é elemento revelador de um governo autoritário.

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61

ausência de forças policiais municipais não impede que o município seja um agente

da segurança pública41.

Defendemos a realização de mudanças estruturais na segurança pública em

detrimento de soluções imediatas improvisadas como cercar as favelas e erguer

altos muros, armar a população, estimular a brutalidade policial, convocar o Exército,

investir em soluções privadas, reduzir a idade de imputabilidade penal, defender a

pena de morte etc. Estas, além de serem medidas autoritárias, apenas reproduzem

a violência. No entanto, defender a mudança de todo um paradigma de segurança

não significa crer que nada possa ser feito enquanto não se operarem as mudanças

estruturais. É urgente investir também em soluções de curto prazo, de forma a

conter a violência, salvar vidas, reduzir o sofrimento.

O ideal que aqui sugerimos importaria em uma revolução no pensamento

policial. Nessa nova concepção, prender criminosos deixaria de ser a “causa de ser”

da polícia e se tornaria mera consequência diante da missão primordial de proteger

os direitos humanos da sociedade (BALESTRERI, 2002: p. 46). Defendemos que o

paradigma no qual o trabalho policial é definido pelo uso da força com autorização

do Estado

poderia ser substituído com vantagem pela ideia de que cabe à polícia ‘proteger as pessoas’ ou ‘assegurar a todos os exercício dos seus direitos elementares’. Entre esses direitos estariam o direito à vida, à integridade física, à liberdade de opinião e à propriedade. Missões para as quais, como se sabe, é preciso, eventualmente, empregar a força ou deixar claro que se pode empregá-la. Em vez de uma definição a partir do poder concedido à autoridade policia, teríamos, então, uma definição a partir daquilo que se espera que a polícia faça. Uma definição desse tipo tornaria possível que o papel da polícia fosse percebido como mais importante ainda e, ao mesmo tempo, projetaria uma moldura na qual a noção de direito é destacada. (ROLIM, 2006: p. 28)

A polícia cidadã, portanto, significa a superação do modelo militarizado e a

instauração de um marco civil para a atividade policial. É a re-significação de polícia,

de segurança, em consonância como o Estado democrático de Direito, uma

mudança de ideologia e de práticas.

41 O município, ao invés de buscar a militarização de sua guarda municipal, pode elaborar políticas públicas preventivas. Citamos como exemplo as políticas de prevenção social, consubstanciadas em projetos de valorização e capacitação da juventude, visando reduzir sua vulnerabilidade, e políticas de prevenção situacional, como reformas urbanísticas de áreas degradadas para aumentar a sensação de segurança dos cidadãos.

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62

6 CONCLUSÃO

O tema da segurança pública tem ganhado crescente importância na agenda

social e política brasileira tendo em vista o fracasso das políticas tradicionais de

controle da criminalidade baseadas na repressão militarizada. Procuramos neste

trabalho realizar uma análise crítica do modelo policial existente no Brasil. Partimos

da definição de polícia como instituição autorizada pela coletividade para atuar na

segurança pública com o uso legítimo (que deve ser comedido) da força física.

Narramos seu surgimento a partir do momento em que a ordem pública passou a ser

considerada um bem coletivo e sua gradual consolidação nas sociedades de todo o

mundo, que se deu na medida em que se diferenciou do Exército.

Retomamos, em seguida, a história das polícias no Brasil, observando que

estas, historicamente, sempre foram instrumento de proteção do Estado e das elites

contra as “classes perigosas”, aquelas que, em cada momento, representaram uma

ameaça ao status quo. Afirmamos que a Constituição de 1988, apesar de ter

inovado em diversos sentidos, preservou uma cultura autoritarista no que tange as

instituições de controle social. Esta cultura, como demonstramos, existe no Brasil

desde os tempos da colônia, tendo sido reforçada durante o Estado Novo e

consolidada na ditadura militar.

Examinamos a questão da militarização (a feição militar dada às questões de

segurança pública), sua origem autoritária e sua consequência na repressão

violenta, que se direciona precipuamente a determinados setores da sociedade.

Elencamos os diversos aspectos problemáticos da militarização policial no Brasil:

sua estrutura aos moldes do Exército, a ideologia militar adotada e inclusive o

crescente papel das Forças Armadas em questões de segurança pública. A atuação

policial, reafirmamos, ainda se baseia em um modelo de guerra, com o objetivo de

aniquilar o “inimigo”. A sua estrutura, doutrina, formação, estratégias e táticas são

militarizadas. Em um Estado que se pretende democrático, as metáforas quotidianas

legadas à segurança pública são ainda militares: combater o crime, ocupar a favela

etc.

Argumentamos que a proximidade ideológica e material entre polícia e

Exército é equivocada e que, nesse aspecto, o modelo brasileiro é peculiar mesmo

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em comparação a outros Estados que possuem polícias militares. Afirmamos então

que polícia e militar são palavras cujos sentidos se opõem, dada a natureza

eminentemente civil da atividade policial. Vimos, por fim, as mudanças e

perspectivas vislumbradas no momento que se situa entre um passado ainda

presente e um futuro utópico. A transição de um modelo de uma polícia de controle

do cidadão para uma polícia de proteção das pessoas e dos direitos ainda não foi

concluída.

Reconhecemos a situação presente como tempo de transição, refletimos

sobre as mudanças em curso e o caminho a ser traçado, que se encontra rodeado

de ameaças. Como vimos, desde a democratização tem havido movimentos de

reforma e tímidos avanços, mas o otimismo é freado a todo momento, a cada notícia

que relata uma atuação violenta e abusiva por parte das polícias. Escrevemos em

um momento particularmente sombrio, de recrudescimento do autoritarismo por

parte dos governos e da demanda repressiva. Nesse sentido, alertamos para os

perigos de uma remilitarização da segurança pública, reafirmando o presente como

o momento crítico para mudança.

Não há mais sentido em insistir no modelo militarizado. Uma polícia que gera

mais temor do que segurança só pode ser consequência de uma visão equivocada

de segurança pública. Os recentes dados do Índice de Confiança na Justiça

Brasileira (ICJBrasil) para o primeiro trimestre de 2012 elaborados pela DIREITO

GV42 revelam a total falta de confiança dos brasileiros na atuação da polícia. A

pesquisa ouviu 1.550 pessoas de seis estados do país (Rio Grande do Sul, São

Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco) e Distrito Federal, entre

capital e interior. A população, revela a pesquisa, não confia na polícia. O índice de

desconfiança entre a população com renda inferior a dois salários mínimos é de

77%. Os mais ricos e mais escolarizados confiam mais na atuação da polícia, mas

os números não deixam de ser alarmantes: entre a população com renda superior a

10 salários mínimos, 59% não confia na atuação da polícia. Os mais pobres têm

todos os motivos para sua falta de confiança, sendo eles que convivem com a

atuação policial mais de perto por residirem e frequentarem lugares considerados de

maior risco. A violência policial, como se sabe, é seletiva, ela “se faz presente 42 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Relatório ICJBrasil n. 13, Direito GV, 1º trimestre 2012. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/9799/Relat%C3%B3rio%20ICJBrasil%201%C2%BA%20Trimestre%20-%202012.pdf?sequence=1> Acesso: 15 maio 2012.

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quando as vítimas são pobres e humildes; quando os próprios policiais intuem que

elas situam-se tão a margem da sociedade que seus eventuais e improváveis

protestos não serão ouvidos” (ROLIM, 2006: p. 48). Para eles, sobretudo, a polícia é

vista mais como uma ameaça do que como garantia de segurança.

A pesquisa revela ainda que apenas 36% dos entrevistados que procuraram a

polícia ficaram satisfeitos, o que indica a falta de qualidade do serviço público

essencial que a polícia deve prestar. Tal grau de insatisfação e desconfiança afeta a

legitimidade da instituição policial no Brasil, sendo mais um dado revelador da

falência do modelo de segurança pública aqui adotado, fortalecendo nossa tese.

Além da inadequação do modelo, é necessário profissionalizar a tarefa de

policiamento. Não existe grande estímulo para os policiais serem bons em um

contexto em que não são valorizados nem bem preparados. Os baixos salários,

enfrentados principalmente pelos escalões inferiores das polícias, os obrigam a

buscar fontes alternativas de arrecadação, seja em “bicos” em segurança privada ou

frequentemente pela corrupção.

Em maio de 2012, a Organização das Nações Unidas recomendou o fim da

Polícia Militar do Brasil. Trata-se de uma das 170 recomendações presentes no

relatório do Grupo de Trabalho sobre o Exame Periódico Universal, do Conselho de

Direitos Humanos da ONU. A abolição da Polícia Militar foi defendida pela

Dinamarca e os demais países ressaltaram a inadequação do modelo e das práticas

policiais no Brasil e as violações aos direitos humanos43.

Tudo aponta pela necessidade de superar o paradigma repressivo da

segurança e de passar a lidar com a questão a partir de outra abordagem, construir

uma nova concepção de polícia. O sistema militarizado é, por sua natureza,

conservador, avesso à mudança, contrário à democracia. Por questões de hierarquia

e disciplina, os bons policiais não têm voz, têm seu pensamento tolhido. A mudança

que pretendemos depende, portanto, em grande medida, da pressão da sociedade,

da academia, dos movimentos sociais, de todos aqueles que forem contrários a uma

polícia encarregada de manutenção da ordem, enquanto a ordem a ser mantida for

injusta.

43

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