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FATEBRA FACULDADE TEOLÓGICA DO BRASIL “Entidade Educacional Com Jurisdição Nacional” Professor Dr. Antony Steff Gilson de Oliveira Reverendo da Igreja Presbiteriana em Renovação do Brasil – IPRB www.fatebra.com.br APOSTILA – 12 ESTUDOS SOBRE – FESTAS TOTAL – 28 PAGINAS 4 - ASSUNTOS! Einstein e os caminhos da criação: A cosmogonia judaica e o conceito espaço-tempo em Gênesis Um Gênesis Um e a Explosão da Vitrine Levando a sério a imagem de Deus Tarde e Manhã em Gênesis 1 Einstein e os caminhos da criação: A cosmogonia judaica e o conceito espaço-tempo em Gênesis Um ESTUDO SOBRE GÊNESIS Professor Dr. Antony Steff Gilson de Oliveira Reverendo da Igreja Presbiteriana em Renovação do Brasil – IPRB www.fatebra.com.br Aos olhos de Hitler e de seus fiéis, conforme descreve Raphaël Draï [La Pensée Juive et L'Interrogation Divine, Exégèse et Épistémologie (Paris: Presses Universitaires de France, 1966) 1], existia um perigoso pensamento judaico, caracterizado por sua essência maléfica, 1 Professor: Rev. Antony Steff Gilson de Oliveira, Pastor da Igreja Presbiteriana em Renovação do Brasil, Psicanalista Clínico, Mestrando em Teologia www.fatebra.com.br www.iprb.com.br [email protected] [email protected] [email protected]

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FATEBRA

FACULDADE TEOLÓGICA DO BRASIL

“Entidade Educacional Com Jurisdição Nacional”

Professor Dr. Antony Steff Gilson de Oliveira

Reverendo da Igreja Presbiteriana em Renovação do Brasil – IPRB

www.fatebra.com.br

APOSTILA – 12

ESTUDOS SOBRE – FESTAS

TOTAL – 28 PAGINAS

4 - ASSUNTOS!

Einstein e os caminhos da criação: A cosmogonia judaica e o conceito espaço-tempo em Gênesis Um

Gênesis Um e a Explosão da Vitrine

Levando a sério a imagem de Deus

Tarde e Manhã em Gênesis 1

Einstein e os caminhos da criação:A cosmogonia judaica e o conceito espaço-tempo em Gênesis UmESTUDO SOBRE GÊNESISProfessor Dr. Antony Steff Gilson de Oliveira

Reverendo da Igreja Presbiteriana em Renovação do Brasil – IPRB

www.fatebra.com.br

Aos olhos de Hitler e de seus fiéis, conforme descreve Raphaël Draï [La Pensée Juive et L'Interrogation Divine, Exégèse et Épistémologie (Paris: Presses Universitaires de France, 1966) 1], existia um perigoso pensamento judaico, caracterizado por sua essência maléfica, inspiradora da física de Einstein, da literatura de Kafka, da música de Schoenberg e da psicanálise de Freud. Deixando de lado os delírios hitlerianos, podemos dizer que há um criativo e fecundo pensamento judaico, que através dos séculos soube combinar Torah e conhecimento, ética e epistemologia. Nosso propósito é, numa primeira aproximação, mostrar que os estudos judaicos dos conteúdos de Gênesis Um produziram uma epistemologia que interliga o conceito espaço/tempo em Gênesis Um com a teoria da relatividade. Essa dialética tem especial importância para a teologia cristã, já que a partir dela podemos entender melhor a realidade de Gênesis Um.

No começar Deus criando o fogoágua e a terra.E a terra era lodo torvo e a treva sobre o rosto do abismoE o sopro-Deus revoa sobre o rosto da água.[Tradução de Augusto de Campos in Bere'shith, A Cena da Origem, SP, Perspectiva, 1988, p. 45].

O desafio maior para quem analisa significações é o próprio exercício da leitura. O desejo de conservar a linguagem pode levar a uma solução oposta àquela se pretende. Considerar o simbólico como abstrato e irrelevante é, em última instância, separar signo e objeto. Assim quando um texto passa a ser apenas e somente um conjunto fechado costumamos dizer que compreendemos o referido texto. Mas ao fazer isso, na verdade, eliminamos a possibilidade de restaurar sua intenção original e de ultrapassar a letra para captar o sentido primeiro de seu autor. Logicamente, esse midrash tem como ponto de partida, e exige como garantia, a compreensão do primeiro discurso.

Em novembro de 1942, o poeta e crítico Ezra Pound afirmava que "o mistério profundo da vida é descobrir porque os outros não compreendem aquilo que se escreve e diz. A coisa parece simples e clara ao escritor, mas outros o tomam em sentido diferente. E se gastam anos para saber porque e como" [Ezra Pound, Lettere 1907-1958, Milão, Feltrinelli Editore, 1980, p. 7]. Logicamente, como autor e crítico, Pound falava de hermenêutica em seu sentido laico, que não implica na inesgotabilidade do texto sagrado. Produto não inspirado, esse texto, fruto da inteligência e arte de um homem, pode ser percorrido por outro homem em sua totalidade, arrancando do discurso poético os elementos lógicos que lhe deram constituição, interpretando-o com tal maestria e clareza quanto poderia fazê-lo seu próprio autor. Mas mesmo assim, como alerta Pound, isso pode transformar-se em tarefa de anos.

Interpretar o texto bíblico, decifrá-lo, arrancar dele significações é um desafio que não se resume a um homem ou a um curto período de anos. É nosso pressuposto que Gênesis Um enquanto palavra/ordem do Deus criador apresenta mais conteúdos do que é perceptível na leitura de toda uma geração. Aqui há uma dialeticidade que permanecerá no equilíbrio de seus contrários, sem solução ou síntese enquanto houver história: a revelação do que é perfeito dá-se através de um instrumento imperfeito, a linguagem humana. Nossa necessidade histórica de interpretar nasce daí, dessa inadequação entre significante e significado. "A tarefa do intérprete consiste, pois, na explicitação da mensagem divina, através do raciocínio bem dirigido. As conclusões a que se chega nada acrescentam ao significado do texto, pois já estavam contidas ali desde sempre; embora para ele sejam novas, uma vez que diferem do que está escrito, em si mesmas não o são, porque estavam gravadas no subsolo do texto que se interpretou. Contudo, sendo a Bíblia obra de um ser infinito, as interpretações jamais se esgotam. Cada novo corte no texto aprofunda o seu sentido, mas é sempre possível avançar mais. Elas se sucedem através do tempo, porém, por mais surpreendentes que pareçam, têm a garantia de se situarem no mesmo campo inicial". [Renato Mezan, Freud: A Trama dos Conceitos, SP, Perspectiva, 1982, p. 342].

Exatamente, por isso, parto do pressuposto de que a teologia judaica nos últimos mil e novecentos anos apresenta uma hermenêutica bastante criativa do Gênesis Um. Essa hermenêutica ou midrash não ficou restrita aos círculos rabínicos, mas fez parte da tradição e da cultura do judaísmo através dos séculos. Escritores, artistas e cientistas judeus utilizaram esses conhecimentos em seus campos de trabalho. Einstein conhecia essas fontes, em parte desconhecidas para o mundo cristão, mas ricas e cheias de significados para todo intelectual judeu. Por isso, esta releitura da teoria do caos tem como roteiro a cosmogonia judaica e as idéias centrais da teoria da relatividade.

Albert Einstein era judeu, acreditava em Deus criador, mas não aceitava o conceito bíblico de Deus pessoal. Foi um sionista militante durante toda sua vida, a ponto de em 1952 lhe ser oferecida a presidência de Israel. Não aceitou. Estava casado com a física. "As equações são mais importantes para mim porque a política é feita para o presente, ao passo que uma equação é algo para toda a eternidade". [Stephen W. Hawking, Uma Breve História do Tempo, RJ, Rocco, 1988, pp. 240-241].

DO TZIMTZUM AO PROCESSIO DEI AD EXTRAApesar de seus matizes, o judaísmo mostrou uma coerência em relação à hermenêutica de Gênesis Um, a defesa da criação ex nihilo. Assim, o recuo de Deus para permitir que surgisse o vazio, o nada, e nele o universo finito, é desenvolvido na teoria da contração, em hebraico tzimtzum. Essa teoria formalizada pelo rabino Luria (1534-1572) é uma das concepções mais surpreendentes do pensamento judaico. Isaac Luria, um dos maiores expoentes da tradição mística no judaísmo, nasceu no Cairo, mas desenvolveu seu ministério em Safed, na Palestina.

A expressão tzimtzum significa originariamente concentração, mas acabou sendo entendida como retirada. Segundo Scholem, Luria partiu de textos do Midrash, onde encontramos que Deus concentrou sua Shekiná, sua presença divina, no Santo dos Santos, assim todo seu poder retraiu-se num único ponto. É assim que surge a expressão tzimtzum. [Exod Raba ao Êx 25:10, Lev. Raba ao Lv 23:24; Pessikta de Rab Kahana, Ed. Buber 20 a; Midrasch Schir Ha-Schidim, Ed. Griinhut (1899), f. 15b, citado por Gershom Scholem, A Mística Judaica, SP, Perspectiva, 1972, p. 263].

Infelizmente, as duas expressões, concentração e retirada, que deveriam ser entendidas como complementares, já que Deus se retira e então concentra a sua luz sobre este ponto, passa a dividir os estudiosos em dois grandes grupos: os que defendem o tzimtzum como base para a doutrina da creatio ex nihilo e também para aqueles que defendem a doutrina da emanação (em hebraico atsilu) ou processio Dei ad extra.

Dessa maneira, o próprio Luria, apesar de partir de uma expressão que naturalmente deve levar à creatio ex nihilo, torna-se o principal expositor dentro do misticismo judaico do processio Dei ad extra, que tem por base não um processo no tempo, mas uma estrutura da realidade, enquanto emanação, criação, formação e ação. Assim, para esses rabinos, níveis inferiores de realidade emanaram de níveis superiores que, por sua vez, tiveram origem em Deus. Dentro dessa concepção há um midrash, a teoria do vaso quebrado, que trabalha com a hipótese de que o mundo foi feito de remanescentes de mundos anteriores, que Deus havia destruído. Uma conhecida lenda rabínica explica esse processo como o desprender de uma chama de carvão da roupa de Deus.

"No princípio (Gênesis 1:1), a vontade do Rei começou a gravar signos na esfera superior. Do recesso mais oculto, uma negra chama brotou do mistério do ein sof, o Infinito, como um novelinho de massa informe, como que inserido no aro dessa esfera, nem branca nem preta, nem vermelha nem verde, de nenhuma cor. Somente depois de distender-se como um fio, produziu ela cores para luzir em si. Do âmago da chama, jorrou uma fonte da qual brotaram cores e se espalharam sobre tudo embaixo, oculto na ocultação mais misteriosa do ein sof. Mal rompeu ela, inteiramente irreconhecível, seu círculo de éter, sob o impacto da irrupção, um ponto oculto, superno fulgiu da irrupção final. Aquém desse ponto está excluído todo conhecimento e por isso ele é chamado reschit, princípio, a primeira palavra do Todo". [O Princípio, Sefer ha-Zohar (Livro do Esplendor), in J. Guinsburg, Do Estudo e da Oração, SP, Perspectiva, 1968, p. 605]. Apesar de sua riqueza teológica, não estaríamos longe da verdade ao classificar a doutrina da emanação como um panenteísmo, que define o mundo material como o desdobramento de Deus em diferentes níveis. E porque o mundo existe dentro de Deus, os defensores do processio Dei ad extra consideram necessário descobrir o que há de divino nos fenômenos do cotidiano.

Se entendermos, porém, a teoria do tzimtzum, como a relação dialética de dois movimentos, o da retirada e o da concentração ficará mais fácil aproveitar os estudos de Luria. O tzimtzum explica o recuo de Deus para permitir que surgisse o vazio, o nada, e nele o universo finito. Como Deus é infinito, sem o tzimtzum não haveria o nada no qual pudesse produzir a estrutura espaço/tempo de uma criação separada. É interessante notar, que se por um lado a dialética da autocontração e concentração divinas deu origem ao mundo material, o choque entre o movimento restritivo e o transbordante amor de Deus criou também a possibilidade do mal. Nesse sentido, a cosmogonia judaica, vê a criação em primeiro lugar como consciente autolimitação e na seqüência como revelação e julgamento. E como julgamento é entendida a imposição de limites, ele faz parte da revelação, que se expressa pela primeira vez como criação de Deus. Em outras palavras: se o mal é uma probabilidade que surge da dialética amor divino e retração, o julgamento passa a ser inerente a tudo na criação, já que todas as coisas estão determinadas enquanto limites.

A tradição do debate sobre a creatio ex nihilo é antiga no pensamento judaico. Na verdade, podemos dizer que começa a ser realizada no segundo século. Por isso, não é de estranhar que encontremos reflexões profundas sobre Gênesis Um nos séculos posteriores. Assim, em um dos textos mais representativos do pensamento caraíta, movimento medieval de retorno à letra da Escritura, considerado por muitos um protestantismo judeu de coloração pietista, a "Explanação dos Mandamentos", de Aha Nissi ben Noah de Bassorá, que ensinou em Jerusalém na segunda metade do século IX, lemos:

"No primeiro dia, Deus criou sete coisas: o céu, a terra, as trevas, a luz, a água, o abismo e o vento (Gn.1:1-12). Primeiro criou tohu e bohu (a solidão e o caos), dos quais surgiu a terra (Gn.1:1-2). Criou as trevas: 'Ele formou a luz e criou as trevas' (Isaías 45:6). Criou o vento, conforme a palavra: 'e criou o vento'. Criou a água, pois com a criação da terra havia água. Criou o abismo, para que a água tivesse uma profundidade e uma submersão. Criou a luz (Gn.1:3). Para a criação do mundo foram necessárias quatro coisas: a ordem, o trabalho, a determinação e a proclamação" [Nissi ben Noach, Explanação dos Mandamentos, in J. Guinsburg, op. cit., p.309]. Nesse texto aparentemente tão simples, encontramos dois conceitos muito importantes: tohu e bohu fazem parte da criação e para que haja criação é necessário ordem.

Outro grande teólogo judeu, que fez oposição ao pensamento caraíta, foi Saadia Gaon (892-942). Influenciado pela efervescente teologia do Islã e pelo pensamento helenístico clássico, Gaon combateu a presença heterodoxa, de tendência maniqueísta, os remanescentes de Filo e a crítica gnóstica. Seu texto sobre a doutrina da creatio ex nihilo é de uma profunda beleza, apesar de apresentar imperfeições normais ao conhecimento da época, como, por exemplo, sua visão geocêntrica. Mas, de forma brilhante enfrenta opositores bem parecidos aos que encontramos hoje em dia.

"Aqueles que acreditam na eternidade do mundo procuram provar a existência de algo que não tem começo nem fim. Por certo, nunca depararam com uma coisa que percebessem, pelos sentidos, sem ser começo nem fim, mas procuram estabelecer sua teoria por meio de postulados da razão. Semelhantemente, os dualistas empenham-se em provar a coexistência de dois princípios separados e opostos, cuja mistura fez que o mundo viesse a ser. Sem dúvida, nunca testemunharam dois princípios separados e opostos, nem o pretenso processo da mistura, mas tentaram suscitar argumentos derivados da razão pura em favor de sua teoria. De maneira similar aqueles que acreditam numa matéria eterna consideram-na como um hilo, isto é, algo em que não há originalmente qualidade de quente ou frio, de úmido ou seco, mas que se transforma por uma determinada força e assim produz aquelas quatro qualidades. Indubitavelmente, seus sentidos nunca perceberam uma coisa carente de todas essas quatro quantidades, nem jamais perceberam um processo de transformação e a geração das quatro qualidades como é sugerido. (...) Assim sendo, é claro que todos concordam em admitir alguma opinião concernente à origem do mundo que não tem base na percepção sensorial". [Saadia Gaon, Criação Ex-Nihilo in J. Guinsburg, op. cit., p. 316].

Para sua defesa da criação ex-nihilo, Gaon trabalha com quatro argumentos, três dos quais muito bem expostos: de finitude do universo, estrutura e acidentalidade. "(...) continuou a afirmar que nosso Senhor, louvado e enaltecido seja, informou-nos que todas as coisas foram criadas no tempo, e que Ele as criou do nada (...). Ele nos comprovou essa verdade por meio de sinais e milagres, e nós a aceitamos. Examino ainda mais nesta matéria com o intuito de saber se ela podia ser comprovada por especulação como foi comprovada por profecia. Achei que era este o caso por um certo número de razões, da quais, devido à brevidade, selecionei as quatro seguintes: 1. A primeira prova baseia-se no caráter finito do universo (...). 2. A segunda prova é derivada da união de partes e da composição de segmentos. Vi que os corpos consistem de partes combinadas e de segmentos ajustados entre si (...). 3. A terceira prova baseia-se na natureza dos acidentes. Verifiquei que nenhum dos corpos são desprovidos de acidentes que os afetem direta ou indiretamente. Animais, por exemplo, são gerados, crescem até que alcançam sua maturidade, então, definham e se decompõem. Então eu disse a mim mesmo: Será que a terra como um todo é livre destes acidentes? (...) 4. A quarta prova baseia-se na natureza do tempo. Sei que o tempo é triplo: passado, presente, futuro. Embora o presente seja menor do que qualquer instante, tomo o instante como se toma um ponto e digo: Se um homem tentasse em seu pensamento ascender deste ponto no tempo ao ponto mais elevado, ser-lhe-ia impossível fazê-lo, porquanto o tempo é agora admitido como infinito e é impossível ao pensamento penetrar no ponto mais remoto daquilo que é infinito." [Saadia Gaon, Quatro Argumentos para a Criação, idem, op. cit., pp. 317-320].

De todos os pensadores judeus medievais, talvez o mais conhecido fora dos meios judaicos, seja o talmudista francês Shlomo bar Itzhak, o rabi Rashi de Troyes (1040-1105). Exegeta, Rashi apresenta uma tradução para o versículo um de Gênesis que leva em conta estrutura e acidentalidade: "No princípio, ao criar Deus os céus e a terra, a terra era vã..." E segundo seu midrash, o texto não está preocupado em mostrar a ordem da criação, mas em afirmar o ato criador de Deus. Rashi mostra-se preocupado com o sentido literal, mas define claramente sua hermenêutica: "Todo texto se divide em muitos significados, mas, afinal nenhum texto está destituído de seu sentido literal" [Herman Hailperin, Rashi and the Christian Scholars, Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 1963].

A DIALÉTICA DA ESTRUTURA E ACIDENTALIDADEDessa maneira, tanto para expositores da creatio ex nihilo como para os defensores do processio Dei ad extra a intenção primeira de Gênesis-Um é apresentar Deus como criador, que utiliza tohu e bohu como matéria prima para a formação do universo. E é a partir dessa relação entre criação e revelação, que os estudiosos judeus entenderão a redenção, já que o fim messiânico ou estágio final do mundo revelado significa uma volta ao começo, uma nova criação.

"A Redenção deveria ser conseguida não por um movimento tempestuoso na tentativa de apressar crises e catástrofes históricas, mas antes pela remarcação do caminho que conduz aos primórdios da Criação e da Revelação, ao ponto em que o processo do mundo (a história do universo e de Deus) principiou-se a desenvolver-se dentro de um sistema de leis. Aquele que conhecia a senda pela qual viera podia ter esperanças eventualmente de poder retornar sobre seus passos". [Gershom Scholem, A Mística Judaica, SP, Perspectiva, 1972, p. 248].

Assim, mais do que qualquer intencionalidade em apresentar a cronologia da criação, Gênesis Um apresenta uma ordem enquanto dialética da estrutura e acidentalidade. Esse processo é interpretado por Scholem como "o primeiro ato, o ato do tzimtzum, no qual Deus determina e (...) limita a Si mesmo, é um ato de julgamento que revela as raízes dessa qualidade em tudo o que existe. Essas raízes do julgamento divino subsistem em mistura caótica com o resíduo da luz divina que remanesceu, após a retirada ou retraimento original, dentro do espaço primário da criação de Deus. Então um segundo raio de luz emanado da essência do Ein-Sof traz ordem ao caos e põe o processo cósmico em movimento, ao separar os elementos ocultos e moldá-los em nova forma" [Iossef ibn Tabul in Gershom Scholem, Kiriat Sefer, vol. XIX, pp. 197-199].

E dois escritos antigos nos mostram que a doutrina da creatio ex nihilo tem suas bases tanto no Tanach, como apócrifos intertestamentários. Lemos em Isaías: "Assim diz Iahveh, teu redentor, aquele que te modelou desde o ventre materno. Eu, Iahveh, é que fiz tudo, e sozinho estendi os céus e firmei a terra. Com efeito, quem estava comigo?" (Is.44:24). E em II Macabeus 7:28: "Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra e observa tudo o que neles existe. Reconhece que não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que também o gênero humano surgiu da mesma forma". Esta, aliás, é a primeira afirmação explícita da criação ex nihilo.

A primeira vista, a cosmogonia judaica define a centralidade de Gênesis-Um no ato criativo de Deus apenas enquanto espacialidade. Seria uma busca do lugar, da centralidade espacial. O que leva muitos a afirmarem que não há nenhum elemento espaço-temporal em Gênesis. Mas, isso não é verdade. Em 1740, Anton Lazzaro Moro, cristão novo, geólogo e exegeta italiano, desenvolveu uma sofisticada defesa da hipótese espaço-temporal em Gênesis Um. Dizia ele que tudo que está "envolto e fechado" precisa de um tempo para libertar-se e tornar-se evidente, e que Deus, ao criar a natureza, colocou-se com administrador das leis criadas. Daí conclui: "Quando a Escritura afirma que 'Spiritus Dei ferebatur super aquas (...)' indica uma função que traz consigo sucessão de tempo" [Anton Lazzaro Moro, De Crostacei e degli altri Corpi Marini che si Truovano su Monti, 1740, in Paolo Rossi, A Ciência e a Filosofia dos Modernos, São Paulo, Editora Unesp, 1992, p. 345].

Desenvolvendo sua tese espaço-temporal, explica que toda a criação sofreu duas produções diferentes, que precisam ser cuidadosamente separadas: "a primeira é a do nada pela mão imediata do criador; a outra provém do seio das segundas causas acionadas pelo administrador da natureza. A primeira produção é instantânea e é ato divino proporcionado pela onipotência e eternidade de Deus; a segunda [produção] implica que o ato divino seja adaptado às exigências da natureza que Deus estabeleceu em cada coisa" [Idem, op. cit., p. 345]. A partir daí sua cosmogonia é surpreendente. Explica que é Deus quem moveu circularmente "a celeste matéria de todo o planetário vórtice", obrigando essa matéria que formaria o Sol a colocar-se no lugar que lhe era destinado. Constatando que seja qual for a velocidade que se queira atribuir ao movimento diário do Sol e de seu vórtice, "isso não aconteceu num só dia e em só vinte e quatro horas". A formação do Sol, assim como a produção dos planetas, afirma Moro, "comprova que aqueles seis dias não foram de medida igual aos dias modernos, mas que foram espaços de tempo de duração muito mais longa, ou seja, de uma duração proporcional à atividade das causas segundas e à exigência dos efeitos produzidos; espaços esses que foram chamados dias, conforme o costume freqüentemente usado nas Escrituras de exprimir com o nome de dias certos espaços de tempo longos e indeterminados" [Idem, op. cit., p. 347]. É interessante ver como a física do século vinte, principalmente aquela que sofreu influências dessa mesma cosmogonia, traduziu para uma nova linguagem antigos conceitos.

É verdade, que desde Aristóteles a ciência avaliou equivocadamente o conceito tempo, considerando-o absoluto, sem relação imediata e causal com o espaço. Pensou um tempo sem ambigüidades, achando que se fosse medido corretamente, entre dois espaços ou eventos, o intervalo de mensuração seria sempre igual. Durante séculos, inclusive para Newton, o tempo foi independente do espaço. Mas, em 1905, Einstein tornou pública uma nova teoria de espaço, tempo e movimento, que ele chamou de relatividade especial. Comprovada em experiências de laboratório, essa teoria, aceita pela grande maioria dos físicos atuais, levanta algumas hipóteses simplesmente impressionantes, como a equivalência da massa e da energia, a elasticidade do espaço e do tempo e a criação e destruição da matéria. Dez anos depois, na seqüência da teoria anterior, Einstein publica a sua teoria da relatividade geral, com novas e surpreendentes previsões: a curvatura do espaço e do tempo, a possibilidade de que o universo seja finito, mas ilimitado e a possibilidade de o espaço e o tempo se esmagarem, deixando de existir.

"(...) estas considerações levou-nos a conceber teoricamente o universo real como um espaço curvo, de curvatura variável no espaço e no tempo, de acordo com a densidade de distribuição da matéria, susceptível porém, quando considerada em larga escala, de ser tomado como um espaço esférico. Esta concepção tem, pelo menos, a vantagem de ser logicamente irrepreensível, e de ser aquela que melhor se cinge ao ponto da teoria da relatividade geral". [Albert Einstein, Considerações Cosmológicas sobre a Teoria da Relatividade, in O Princípio da Relatividade, H. A Lorentz, A. Einstein, H. Minkowski, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1958, pp. 239-240].

E ao criticar a teoria do tempo absoluto, Einstein vai mostrar que à medida que o deslocamento de um objeto se aproxima da velocidade da luz, sua massa aumenta mais rapidamente, de forma que gasta mais energia para aumentar sua velocidade. Por isso, muito possivelmente nunca possa atingir a velocidade da luz, pois deixaria de ter massa intrínseca. O importante dessa teoria é ter modificado a compreensão de tempo e de espaço. Antes, considerava-se que a velocidade da luz era a distância que ela percorre, dividida pelo tempo que leva para fazer isso. Agora, compreendemos que a velocidade pode ser a mesma, mas não a distância percorrida. A partir da teoria da relatividade, o conceito de simultaneidade, ou seja, da existência de um mesmo momento em dois lugares diferentes, deixou de ter qualquer significado em termos de universo.

O TEMPO ENQUANTO NÃO-DETERMINAÇÃOEm linguagem da física da relatividade o tempo gasto é a velocidade da luz multiplicada pela distância que a luz percorreu. Temos então várias medidas de tempo, ou seja, medições diferentes entre dois eventos ou espaços. Gênesis nos apresenta este conceito de tempo com

Dessa maneira, à medida que a luz percorre verticalmente o campo gravitacional da Terra perde energia e sua freqüência diminui. Em outras palavras, espaço e tempo são quantidades dinâmicas. Quando um corpo se move no universo afeta a curva do espaço-tempo e, por sua vez, a curva do espaço-tempo afeta a forma como os corpos se movem e as forças atuam. Só que, e esse conceito é importantíssimo para a relatividade geral, não há como falar de espaço-tempo fora dos limites do universo. Essa premissa é interessante, pois descarta a idéia de um universo imutável, que sempre existiu, para trabalhar com a possibilidade de um universo que teve início, é plástico e encontra-se em expansão.

Ora, o que Gênesis está mostrando é que o universo teve um início, que a criação não é um mito. "Não há nenhum paralelo bíblico aos mitos pagãos que relatam a morte de deuses mais velhos (ou poderes demoníacos) pelos mais jovens; não se acham presentes nos tempos primevos quaisquer outros deuses. As batalhas de Iahveh com monstros primevos, aos quais é feita ocasionalmente alusão poética, não são lutas entre deuses pelo domínio do mundo. As batalhas de Iahveh com Raabe, o dragão, Leviatã, no mar, a serpente veloz, etc., não são esclarecidas pela referência ao mito da derrota de Tiamat por Marduc e sua subsequente tomada do poder supremo". [Yehezkel Kaufmann, A Religião de Israel, São Paulo, Perspectiva, 1989].

Assim, para a teoria da relatividade o universo tem começo como singularidade, que ficou conhecida como Big Bang e deverá ter um final também singular, o colapso total ou Big Crunch. Mesmo sem querer forçar, o Big Crunch nos leva ao texto de Pedro: "Ora, os céus e a terra estão reservados pela mesma palavra ao fogo (...) O dia do Senhor chegará como ladrão e então os céus se desfarão com estrondo, os elementos, devorados pelas chamas se dissolverão e a terra, juntamente com suas obras, será consumida" (II Pedro 3.7 e 10). Só que, como o espaço-tempo é finito, mas sem limites, o Big Crunch poderia levar a uma concentração de energia tal, que muito possivelmente possibilitaria a formação de um novo universo. E essa formulação nos leva a outro texto bíblico: "Vi então um céu novo e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra se foram (...)" Apocalipse 21.1.

"De forma semelhante, se o universo explodisse novamente, deveria haver um outro estado de densidade infinita no futuro, o Big Crunch, que seria o fim do tempo. Mesmo que o universo como um todo não entrasse novamente em colapso, haveria singularidades em algumas regiões determinadas, que explodiriam para formar buracos negros. Essas singularidades seriam o fim do tempo para quem ali caísse. Na grande explosão e demais singularidades todas as leis são inoperantes. Então, Deus ainda teria tido completa liberdade para escolher o que aconteceu e como o universo começou". [Stephen Hawking, op. cit., p. 236].

Ora, como a expansão do universo implica em perda de temperatura, que é uma medida de energia, quando o universo dobra de tamanho, sua temperatura cai pela metade. Assim, quando Deus cria o universo, supõe-se que tinha tamanho zero e temperatura infinitamente quente. Mas à medida que se expande, a temperatura cai. Isso explica porque o universo é tão uniforme, e parece igual mesmo nos mais diferentes pontos do espaço. Uma das consequências, caso consideremos o fiat divino como o Big Bang, é que a partir da grande explosão não houve tempo de a luz se deslocar por ilimitadas distâncias. É por isso que Gênesis apresenta em primeiro lugar tohu e bohu, as trevas e o abismo, e só no versículo três o surgimento da luz.

É interessante ver que uma das possibilidades que alguns físicos baralham, um pouco a contragosto, é a de que Deus escolheu a configuração inicial do universo por razões que não temos condições de compreender. Consideram que os acontecimentos do surgimento do universo não se deram de forma arbitrária, mas refletem um ordem comum. Hawking, como não é teólogo, opta por uma variável que chama limitação caótica ou escolha ao acaso. Dentro desse ponto de vista, o universo primordial surgiu como caos. Ora a segunda lei da termodinâmica mostra que há essa tendência no universo, e que a ordem e o equilíbrio, ou seja, a vida, que é a forma mais organizada da matéria, surge como oposição a este caos.

"Einstein uma vez formulou a pergunta: 'Que nível de escolha Deus teria tido ao construir o universo?' Se a proposta do não limite for correta, ele não teve qualquer liberdade para escolher as condições iniciais. Teria tido, ainda naturalmente, a liberdade de escolher as leis a que o universo obedece. Isto, entretanto, pode não ter sido um grau assim tão elevado de escolha. Pode ter sido apenas uma, ou um pequeno número de teorias completas unificadas, tal como a teoria do filamento heterótico, que são autoconsistentes e permitem a existência de estruturas tão complexas quanto os seres humanos, que podem investigar as leis do universo e fazer perguntas acerca da natureza de Deus". [Stephen Hawking, op. cit., p. 237].

"Toda variação de entropia no interior de um sistema termodinâmico pode ser decomposta em dois tipos de contribuição: a entrada exterior de entropia, que mede as trocas com o meio e cujo sinal depende da natureza dessas trocas, e a produção de entropia, que mede os processos irreversíveis no interior do sistema. É essa produção de entropia que o segundo princípio define como positiva ou nula". [Ilya Prigogine e Isabelle Stengers, Entre o Tempo e a Eternidade, São Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 53].

"(...) as leis científicas não distinguem entre as direções para frente e para trás do tempo. Entretanto, há pelo menos três setas de tempo que distinguem o passado do futuro, que são a seta termodinâmica, direção do tempo em que a desordem aumenta; a seta psicológica, direção do tempo na qual se recorda o passado e não o futuro; e a seta cosmológica, direção do tempo em que o universo se expande mais do que se contrai. Demonstrei que a seta psicológica é essencialmente a mesma que a termodinâmica, de modo que ambas sempre apontam para a mesma direção. A proposta do não limite para o universo prevê a existência de uma seta termodinâmica do tempo bem definida, porque o universo deve começar num estado plano e ordenado. E a razão por que se observa esta seta termodinâmica se adequar à cosmologia é que os seres inteligentes só podem existir na fase de expansão". [Stephen Hawking, idem, op. cit., pp. 210, 211].

Coerente com sua visão de que Deus não joga dados com o universo, Einstein dará um feroz combate às teses de acausalidade na mecânica quântica, defendidas pelas escolas de Copenhagem e Gottingen. "Não posso suportar a idéia de que um elétron exposto a um raio de luz possa, por sua própria e livre iniciativa, escolher o momento e a direção segundo o qual deve saltar. Se isso for verdade, preferia ser sapateiro ou até empregado de uma casa de jogos em vez de ser físico". Citado por Franco Selleri, Paradoxos e realidade, Ensaios sobre os Fundamentos da Microfísica, Lisboa, Fragmentos, 1990, p. 41. Em 1944, voltaria à carga: "Nem sequer o grande sucesso inicial da teoria dos quanta consegue convencer-me de que na base de tudo esteja o indeterminismo, embora saiba bem que os colegas mais jovens considerem esta atitude como um efeito de esclerose. Um dia saber-se-á qual destas duas atitudes instintivas terá sido a atitude correta". [Ibidem, op. cit. p. 59].

Guardadas as devidas proporções, Agostinho, pai e mestre da igreja cristã, também considera que o caos transcende o tempo. "E por isso o Espírito, Mestre do vosso servo, quando recorda que no princípio criaste o céu e a terra, cala-se perante o tempo. Fica em silêncio perante os dias. O céu dos céus, criado por Vós no princípio, é, por assim dizer, uma criatura intelectual, que apesar de não ser coeterna convosco, ó Trindade, participa contudo da vossa eternidade. (...) Sem movimento nenhum desde que foi criada, permanece sempre unida a Vós, ultrapassando por isso todas as volúveis vicissitudes do tempo. Porém, este caos, esta terra invisível e informe não foi numerada entre os dias. Onde não há nenhuma forma nem nenhuma ordem, nada vem e nada passa; e onde nada passa, não pode haver dias nem sucessão de espaços de tempo" [Santo Agostinho, Confissões, XII, 9, SP, Abril, 1973, pp. 264, 265].

O bispo de Hipona faz claramente uma separação, não somente neste texto, entre os céus dos céus, uma dimensão além dos limites da ciência, e "o nosso céu e a nossa terra" (universo), que segundo ele é terra. Para ele é totalmente compreensível que essa terra fosse "invisível e informe", pois estava reduzida a um abismo sem luz, exatamente porque não tinha forma. Diríamos hoje, não há espaço-tempo. E, de maneira brilhante, tenta uma definição, apesar de alertar para suas limitações: "um certo nada, que é e não é". Interessante, Nissi ben Noach diria praticamente a mesma coisa.

"O conceito de tempo não tem significado antes do começo do universo. O que foi apontado pela primeira vez por Agostinho, quando indagou: 'O que Deus fazia antes de criar o universo?'"[Stephen Hawking, op. cit., p. 27].

Conhecemos as três principais teorias cristãs sobre a criação: tudo é criação original, teoria da brecha e teoria do caos. A partir do que vimos, gostaria de fazer alguns acréscimos à teoria do caos:

1. O versículo primeiro de Gênesis-Um está fora do espaço-tempo. Nesse sentido refere-se à dimensão divina do céus dos céus conforme explicita Agostinho. A criação do espaço-tempo começa com o próprio caos, que não deve ser entendido como negação ou pura ausência, mas como entropia. É ex-nihilo enquanto universo-espaço-temporal que surge, mas não enquanto realidade de Deus, que repousa naqueles quatro conceitos enumerados por Noach: determinação, proclamação, trabalho e ordem.

2. O tempo não pode ser medido pois não é cronológico, é o tempo da ordem/organicidade de Deus, ou se quisermos kairoV, ou. Isso é explicável porque não há um tempo, mas diversos tempos. A criação implica na expansão do espaço-tempo. Assim o espaço-tempo de Gênesis 1:3 é totalmente diferente do espaço-tempo de Gênesis 1:12.

3. Toda discussão que tente uma polaridade entre evolução teísta ou criação de seis dias de vinte e quatro horas não procede. Isto porque o espaço-tempo entre os seis dias não são iguais e porque não há evolução, uma teoria do progresso aplicada à natureza. Há criação e expansão da massa, o que na Bíblia traduz-se em criação e sustentação. "És tu, Iahveh, que és o único! Fizeste os céus, os céus dos céus, e todo o seu exército, a terra e tudo o que ela contém, os mares e tudo o que eles encerram. A tudo isso és tu que dás vida, e o exército dos céus diante de ti se prostra". (Neemias 9.6).

Gênesis Um e a Explosão da VitrineESTUDO SOBRE GÊNESISProfessor Dr. Antony Steff Gilson de Oliveira

Reverendo da Igreja Presbiteriana em Renovação do Brasil – IPRB

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Se tivéssemos diante de nós uma vitrine de loja danificada, por uma explosão no seu interior, ninguém diria que ela, quando foi construída, fora terminada assim. Seria estranho perguntar, por exemplo, como se conseguiu construir rachaduras tão simétricas, fragmentos tão precisos, ou, ainda, deslocamentos tão perfeitos? No entanto, é isto o que temos feito, historicamente, no estudo do primeiro capítulo de Gênesis: esperamos que ele nos diga como se deu a construção do mundo que conhecemos; ou como se criou toda a natureza que entendemos, hoje, um pouco melhor, graças às ciências naturais.

Procedendo assim, cometemos uma injustiça com o texto da criação já que, nos capítulos seguintes, se informa, também, que outras coisas importantes sobrevieram ao mundo criado e, misturando-se com ele, deixaram nele suas marcas: o pecado, a morte, o desaparecimento do paraíso, o arco-íris na lembrança do dilúvio, etc.; coisas que não foram criadas na primeira semana, mas que, atualmente, fazem parte do cenário natural que conhecemos.

Algumas observações recentes, entretanto, procuram considerar, com maior atenção, os diversos momentos da história da criação. No guia de estudo No Princípio... [traduzido do inglês From Nothing to Nature, por Artur J. G. Faya, Fiel, São Paulo, 2a ed., 1987, pp. 118 e 119], E. H. Andrews cita a possibilidade de o próprio tempo ter mudado desde a criação!

No ensaio Tarde e Manhã em Gênesis 1, Os Dias, o Tempo e a Relatividade (Revista Teológica do Seminário Presbiteriano do Sul, Campinas, ano LVII, no 43, pp. 28-45, fev. 1996) este autor, entre outros, escreve, no item 3.3 da p. 40: "a descrição do Dia Criativo parece indicar, (...), que o perfil do tempo nos primeiros seis dias era outro". E, finalmente, Jorge Pinheiro apresenta o estudo Einstein e os Caminhos da Criação: A Cosmogonia Judaica e o Conceito Espaço/Tempo em Gênesis Um. Ao trazer para a análise da primeira semana a noção física do espaço-tempo, o autor avança, em muito, no trabalho de buscar uma leitura mais justa e coerente do primeiro capítulo de Gênesis.

UMA VISÃO DO PROBLEMANo livro XI, capítulos VI e VII, da Cidade de Deus (segundo volume, pp. 24 e 25, trad. de Oscar P. Leme, Vozes, Petrópolis, 2a ed., 1990) Agostinho descreve, com seriedade e precisão, o problema que arrumamos ao interpretar os dias da primeira semana com a mente fixada nos dias atuais:

"Vemos que os dias conhecidos não têm tarde, senão em relação com o pôr do sol, nem manhã, senão em relação com seu nascimento. Pois bem, os três primeiros dias transcorreram sem sol, pois sua criação, segundo o Gênese, se deu no quarto dia.(...) Mas de que luz se trata e de que movimento alternativo? Sejam quais forem a tarde e a manhã feitas, é certo que nos escapam aos sentidos e, não podendo entendê-lo tal qual é, deve, sem a menor vacilação, ser crido".

Agostinho, antes de mais nada, deixa claro que, apesar das dificuldades de interpretação, o texto deve, sem a menor vacilação, ser crido. Um pouco antes ele diz, também com segurança, que a tarde e a manhã feitas nos escapam aos sentidos. Porque ele diz isso, que elas nos escapam aos sentidos? Uma resposta satisfatória poderia ser: porque é através dos sentidos que conhecemos o passar dos dias e formamos o conceito de tempo; e esse conceito de tempo, assim apreendido, não se ajusta com a maneira de passar dos seis primeiros dias.

COMPREENDENDO MELHOR O TEMPOEsse conceito natural do tempo, entretanto, valeu também para a ciência durante séculos. Igor Novikov diz: "É que de acordo com as nossas noções intuitivas o tempo é duração -- aquela coisa universal que é inerente a todos os processos. É semelhante a um rio que flui continuamente.(...) Assim se pensava no campo da ciência na época de Aristóteles, na época de Newton e também mais tarde, até aparecer Einstein (...); só Einstein demonstrou que não existe qualquer tempo absoluto (Os Buracos Negros e o Universo, p. 21, trad. de Manoel S. Loureiro, Elfos, Rio de Janeiro, 1990).

No artigo publicado, Pinheiro faz um breve histórico a respeito da mudança na compreensão do tempo, que teve início neste século, com a teoria da relatividade de Einstein. Por ora, interessa-nos apenas duas observações, também de Igor Novikov, sobre algumas conseqüências da relatividade: 1) O seu autor mostrou que as propriedades do espaço e do tempo não só se podem modificar, mas também que o espaço e o tempo se unem formando um todo - "o espaço-tempo" quadridimensional; e 2) que o tempo pode correr de maneiras diferentes (op. cit., pp. 20 e 23).

Temos hoje, portanto, uma comodidade que Agostinho não tinha: o módulo espaço-tempo; uma unidade plástica, mutável, que permite conceber outros tipos de tempo, diferentes deste, com aparência de único e absoluto, que conhecemos pela via dos sentidos.

O TEMPO CONFORME O ESPAÇO-TEMPOVoltemos ao exemplo da explosão da vitrine. Que ela foi construída, não fica nenhuma dúvida; e também é claro que sua construção não se deu no "tempo" do acidente, mas num "tempo" anterior a ele. No "tempo" da explosão, além das rachaduras e deslocamentos, o cenário vai mostrar ainda feridos e médicos, bombeiros e policiais, indo e vindo, tratando de atender os danos e verificar as causas do acidente.

No "tempo" da construção, todavia, o cenário esperado é bem outro: a partir do "nada" que existia sobre o terreno engenheiros, pedreiros e auxiliares, levantam aos poucos, com calma, planejamento e ordem, um edifício: primeiro a planta, depois as fundações, paredes e a cobertura; mais adiante, sob a proteção do teto, outras equipes, com trabalhos e materiais diversos, terminam a obra; finalmente, depois de montada a loja, estilistas e decoradores deixam na vitrine o perfil de seu conteúdo.

No universo imaginário de nossa loja, diremos que as ocorrências no ambiente da explosão foram determinadas pelo "espaço-tempo" próprio de um acidente. Inversamente, na época do levantamento do prédio, precisamos imaginar outra espécie de ambiente, com ocorrências próprias, determinadas pelo "espaço-tempo" característico de uma construção, que se desenvolve, por sua vez, na sucessão de "espaços-tempos" distintos, conforme vai avançando a obra: o "espaço-tempo" das fundações, o "espaço-tempo" do alicerce, o "espaço-tempo" das paredes, o "espaço-tempo" do acabamento, etc., cada um deles com um cenário diverso, ocupado por materiais e serviços também diversos.

Utilizando a ilustração para tratar, agora, do próprio tempo, desde sua origem até o presente, comparemos 1) a construção da loja com a criação dos seis dias, 2) o acidente da explosão com o pecado no paraíso, e 3) o tempo seguinte à explosão com o tempo que segue a partir desse pecado. Sendo assim, é preciso considerar, para cada período da criação, ambientes e dinâmicas naturais próprias, com espaços-tempos respectivos e distintos. Referindo-se à primeira semana, Pinheiro afirma: "A criação implica na expansão do espaço-tempo. Assim o espaço-tempo de Gênesis 1:3 é totalmente diferente do espaço-tempo de Gênesis 1:12".

O ESPAÇO-TEMPO CONFORME O ESPAÇO Vimos, na figura da vitrine, que ocorrências e ambiente, tempo e espaço, não se apresentam isoladamente, mas, ao contrário, existem ligados um ao outro, formando um todo coeso, de maneira que, havendo mudanças em qualquer um deles afeta-se inteiramente o todo e havendo mudanças no todo afeta-se também cada um deles. A importância desse conceito pode ser avaliada, por exemplo, considerando o início da questão apresentada por Agostinho: "Vemos que os dias conhecidos não tem tarde, senão em relação com o pôr do sol, nem manhã, senão em relação com o seu nascimento. Pois bem, os três primeiros dias transcorreram sem sol, pois sua criação, segundo o Gênese, se deu no quarto dia.(...)".

Em primeiro lugar, Agostinho leva para a primeira semana um "material" próprio do espaço-tempo de nossos dias: o sol. A palavra sol não aparece no cenário dos primeiros dias; no espaço-tempo da primeira semana o astro do dia tem outro nome: Grande Luzeiro. Em segundo lugar, trata a tarde e a manhã existindo em relação ao astro do dia. Ora, Gênesis Um descreve justamente o inverso: quando o astro do dia é introduzido no cenário da criação, pela primeira vez no quarto dia, as tardes e manhãs já existiam no firmamento, sozinhas, há três dias! E mesmo depois que aparece o astro, afim de sinalizar o dia, continuaram no mesmo papel que exerciam antes do surgimento dele: o de representar toda a luz que existe no dia. Ou seja, na primeira semana não são as tardes e manhãs que existem em relação ao astro, mas o astro é que existe em relação a elas: quando ele surge, a manhã já inicia o dia e, com ou sem ele, quem encerra o dia é a tarde.

O exame dos segmentos do dia, como se viu, separa, portanto, três configurações de espaço distintas: na primeira, o firmamento tem apenas tardes e manhãs; na segunda, tardes, manhãs e Grande Luzeiro; e na terceira, tardes, manhãs e sol. Se as mudanças no dia indicam mudanças no espaço, isto significa, também, mudanças no espaço-tempo que, por sua vez, modifica a maneira de ser do tempo. Assim, como "vitrines" do espaço e do tempo, os dias deixam ver o espaço-tempo a que pertencem.

VERIFICANDO AS MUDANÇAS:A FORÇA DE UMA IDÉIA SIMPLESAs mudanças, de uma forma geral, fazem parte da natureza dos dias. Eles podem ser mais longos ou mais curtos, frios ou quentes, com chuva ou sem chuva, etc. Estas mudanças, que mudam sempre da mesma maneira, repetindo sempre as mesmas coisas, são características do espaço-tempo presente, gerador e produto das leis que aprendemos em geografia e física. Mas não são com estas mudanças que temos de nos ocupar. O que precisamos ver são as mudanças que ocorreram durante a primeira semana, até o sexto dia, e seguiram acontecendo, depois do sexto dia, até que surgisse o espaço-tempo vigente, formador dos dias atuais. São mudanças, como veremos, de outra natureza, que introduzem o que ainda não havia, ou mudam para o que ainda não existia.

Dos muitos eventos que deveriam ser considerados na primeira semana discutiremos apenas, a fim de abreviar a exposição, as ocorrências de interesse mais próximo. Depois da organização da luz, no primeiro dia, inicia-se a contagem dos dias e do tempo; no segundo e terceiro dia é aberto um vão no meio das águas criando-se uma massa de água em cima e outra em baixo; as águas de baixo são reunidas, em seguida, de tal maneira que vem à luz a terra firme, e, nela, a vegetação; no quarto dia é trazido, para o céu visível, os astros do dia e da noite; no quinto e no sexto dia é ordenado o surgimento dos animais, dos homens e mulheres e, a essa altura, avalia-se o que fora construído até ali: tudo aprontado "muito bom".

Em seguida descansa Deus da obra de criar e, ainda numa época em que não havia chuva na terra, nem havia quem lavrasse o solo, trata-se da feitura de determinado homem, um primeiro Adão, a quem é dado o paraíso e um mandamento: não comer o fruto da árvore que foi plantada no meio do jardim. Na fidelidade a esse mandamento, a promessa de uma vida perpétua; na infidelidade, o hiato da morte. Pouco depois esse Adão peca, comendo o fruto, e perde o paraíso; agora, sob a morte, que até então não havia, ele volta ao solo de onde fora tirado; e mais: este solo lhe será hostil, característica que também não existia antes dele comer o fruto. Depois de algumas gerações cai a chuva do dilúvio: um imenso volume de água que vem sobre a terra; e ao fim desse dilúvio, em outro cenário, surge algo que até ali ainda não havia: o arco-íris.

Pinheiro escreve em seu artigo: "Quando um corpo se move no universo afeta a curva do espaço-tempo e, por sua vez, a curva do espaço-tempo afeta a forma como os corpos se movem e as forças atuam".

Pois bem, a contagem dos dias e do tempo inaugura-se, no primeiro dia, com o início da movimentação da luz; mais adiante, a instituição do ano só vai ocorrer, no quarto dia, quando os astros são trazidos para a proximidade visível do céu. A presença destes astros é arrumada de tal maneira que a movimentação anterior, que vinha livre de ciclos, passa a seguir, agora, girando em ciclos que se completam no segmento de um ano. Ou seja, antes de virem os astros os dias seguiam livres da "amarração" do ano; com a chegada deles modificam-se espaço e movimento, tempo e dias, que passam a existir, então, presos ao círculo do ano.

A seqüência do texto associa a entrada da morte ao pecado de Adão. Se a morte não existia na criação e passou a existir, isto significa, necessariamente, que vieram à criação mudanças, de tal grandeza, capazes de dar realidade à morte. Não sendo assim, resta escolher entre duas possibilidades: 1) ou a morte foi criada antes do pecado e a história de Adão perde a importância, ou 2) atribuímos importância à história de Adão mas deixamo-la sem conseqüência, já que, sem mudanças, não há como admitir dano à criação. Ora, se a mesma Palavra que ordenou criar, de fato criou, quando anunciou mudanças, então de fato mudou: o paraíso deixa de existir; o homem, que vinha sustentado acima do solo, tem que voltar ao solo; e o solo, que não era hostil, passa a produzir dificuldades. A relação paradisíaca entre homem e mulher é substituída, dali em diante, por outra, pontuada por conflitos, dores, etc.

Entre o pecado e o dilúvio não existem menções claras acerca do tempo e dos dias. O que se tem é um curso de anos tal que, apesar da morte, se permite um tempo de vida mais longo. Mas a comparação dos dias que sucederam o dilúvio com os dias que precederam o pecado fornece elementos de distinção bem precisos.

O escritor de Gênesis tem o cuidado de atribuir nomes diferentes para duas visões diferentes dos astros maiores do dia e da noite: antes de caírem as águas do dilúvio, grande e pequeno luzeiro; depois que caíram as águas, sol e lua. O texto dá a entender que a queda de tanta água, capaz de inundar a terra inteira, diminui a quantidade de água colocada no alto, no segundo dia, pelo vão criado entre as águas. Essa mudança física traz consigo duas ocorrências novas: uma é o arco-íris e a outra, uma visão direta, e mais nítida, dos astros maiores. Sem a interposição da massa de água, o que era grande e pequeno luzeiro, recebem os nomes de sol e lua. O arco-íris testemunha, portanto, essa última mudança na configuração do espaço, desencadeada pelo dilúvio, que dá início à era natural em que vivemos.

CONCLUSÃOO ajuste na compreensão do tempo, conforme avaliamos, pode nos ajudar muito no estudo de Gênesis Um. Em primeiro lugar porque permite reconhecer realidade no texto: a criação como fato e não mito (cf. comentário de Jorge Pinheiro). Em segundo, porque deixa entender como repercutiu, num mundo criado "muito bom", os eventos relatados, entre outros, por Paulo, sobre a entrada da morte, em Romanos 5.12 (o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte ...) ou por Pedro, sobre as conseqüências do dilúvio, em 2Pe 3.3-5 ("há muito tempo, pela palavra de Deus, existiram céus e terra, esta formada da água e pela água. Por meio destas águas o mundo daquele tempo foi submerso e destruído"). E terceiro, porque deixa ver, finalmente, como surgiram os nossos dias, produtos imperfeitos da primeira semana, desde que foram reduzidos pela morte e remodelados na crise do dilúvio.

LEVANDO A SÉRIO A IMAGEM DE DEUSESTUDO SOBRE GÊNESISProfessor Dr. Antony Steff Gilson de Oliveira

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"E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se arrasta sobre a terra. Criou, pois, Deus o homem a sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra. E viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom.E foi a tarde e a manhã, o dia sexto." (Gn 1.26-28,31)

Somos um incrível mistério. Talvez haja mais mistério dentro de cada um de nós, seres humanos, que em qualquer outro ponto da Criação. Sim; porque podemos compreender com muita facilidade quando Deus fez a separação entre a terra e a água (Gn. 1.9,10), podemos entender com rapidez sobre quando Deus criou os peixes e os animais marinhos (v. 20) podemos perceber sem maior relutância o fato de que Deus criou os répteis, criou as aves, que Ele criou os animais selvagens e os domésticos (vv. 21-25). Mas quando lemos a respeito da criação do ser humano, temos um mistério, por isso que diz o texto bíblico: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança, domine ele sobre os peixes do mar...", e segue o texto com todo um programa de vida dado por Deus para cada um (cf. 2,26).

Somos um mistério, podemos afirmá-lo. E a verdade é que continuamos sendo um mistério, mesmo quando queremos estar afastados de qualquer relacionamento com o Criador.

CONSCIÊNCIA

Mas o fato é que devemos estar plena e absolutamente conscientes de nós mesmos e de nossos relacionamentos, e de que temos problemas e podemos resolvê-los, e como enfrentamos os nossos receios, os nossos medos, os nossos temores, e quais são as nossas esperanças, os sonhos para esta vida, e para o além.

É neste ponto que entra em ação a teologia como ciência do relacionamento do ser humano com Deus, e de Deus com Sua criatura, e como dá respostas a questões de fé que levantamos, e como nos encaminha a levar a sério a imagem de Deus em nós.

Como seres humanos, estamos enquadrados em duas ordens extremamente importantes. Estamos envolvidos numa ordem que é perfeita e completamente natural. Isso significa que cada um de nós tem uma identificação com os outros animais. Os biólogos, os antropólogos fazem estudos nessa área, e alguns chegam a querer encontrar um "elo perdido" , a ser encontrado unicamente em Deus! É Ele Quem forma esse traço de união entre a criatura natural, mas irracional, e a criação perfeitamente criada à Sua imagem e semelhança. Há pouco tempo, foram encontrados os restos de uma ossada, datada bem mais avançadamente que a de Lucy, considerada a mais antiga. Mas o desenho do que seria a reconstituição do nosso suposto antepassado mostrava uma figura grotesca, não muito mais que um oragotango, chimpanzé ou gorila (cf. Gn 2,7; Sl 103,14).

Estamos enquadrados nessa ordem natural, por isso que a nossa constituição física se identifica com a de outros animais. A mesma química é encontrada nos outros animais. No entanto, diz a Escritura que vamos voltar ao pó de onde fomos tirados (cf. Gn 2.7; Ec 12.7; Jó 34.14,15). Não diz, porém, que qualquer animal da ordem inferior vai render o seu espírito a Deus, somente nós. Você e eu um dia prestaremos conta da nossa vida, pois o pó vai voltar ao pó, mas o espírito vai voltar a Deus que o deu.

Realmente, temos na nossa composição, tanto quanto na composição das plantas, do solo, e dos outros animais; os mesmos elementos em diferentes proporções, é verdade, mas os mesmos elementos. Estamos, então, envolvidos numa ordem que é absolutamente natural.

Outra coisa: diz a Bíblia que somos criados para viver acima da natureza, além da natureza, na sobrenatureza! Temos uma ordem natural, mas temos uma sobrenatural para a nossa vida, e isso é o que nos diferencia. Se temos raízes na ordem natural, temos destino na ordem sobrenatural, o que forma uma diferença de abismo entre o animal inferior e cada um de nós!

Somos seres livres, mas não somos Deus. Temos uma sobrenatureza, mas não somos Deus. Somos simples e meras criaturas, mas somos a coroa da Criação. É o que afirma a Sagrada Escritura, e o que ensina, igualmente, a ciência.

A ciência declara que somos a coroa da criação. Os cientistas mais antigos não faziam seus estudos num cadáver humano, porque o corpo era visto com tanta sacralidade que não tinham coragem de abri-lo para fazer o estudo dos órgãos. No momento, em que, pela primeira vez, estudantes de medicina abriram uma mão ou o peito de alguém para estudar, para examinar como estavam colocadas as veias, as artérias, como as fibras, como os músculos se sobrepunham, houve uma tremenda revolução. Éramos estudados em carcaças de animais! Um gato, ou um cachorro, um cavalo ou um boi servia de modelo para que se compreendesse como o nosso corpo funcionava?! Era algo insólito abrir um ruminante e encontrar quatro estômagos:! Como era difícil compreender o que ia por dentro de nós...

Mas, compreendamos; não somos deuses! Somos dependentes do Criador, somos seres livres, é verdade, somos uma criação especial de Deus, pois, como registra a Sua palavra"Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou" (Gn. 1,27).

ISH E ISHAH

Queremos fazer aqui uma pequena dissecação deste texto para ajudar a compreender porque o escritor sagrado começou dizendo "Criou Deus o homem..." e depois disse "homem e mulher os criou" (cf. v. 27). A tradução não ajuda muito. O que está sendo dito é o seguinte: "Criou, pois, Deus o ser humano à Sua imagem; a imagem de Deus o criou; varão e varoa os criou". Quer dizer que o ser humano foi criado como varão e varoa, homem e mulher, macho e fêmea. Esse é exatamente o sentido do que está dito, e apenas por causa de uma palavra. É que quando o escritor sagrado colocou "Criou Deus o homem", usou a palavra 'adam que significa "humanidade", "ser humano". É palavra ligada a 'adamah, que quer dizer "barro, argila".

Dá para compreender quando diz que Deus criou do barro, da argila, do pó da terra (cf. Gn 2,7; Is 64,8): Então, o ser humano, retirado do húmus é o homem (observem o lindo jogo de palavras). Mas esse ser humano foi criado da seguinte maneira ish e ishah, palavras, respectivamente, masculina e feminina. Ish é o ser humano no gênero masculino (varão) e ishah é o ser humano no gênero feminino (varoa). É uma filigrana lingüística para compreender que, como um todo, nós, seres humanos, fomos criados à imagem espiritual e semelhança moral de um Deus Vivo e Verdadeiro que é moral e espiritual.

LEVANDO A SÉRIO E FAZENDO ESCOLHAS

Por isso, somos dotados de vontade independente, e, deste modo, somos responsáveis, temos que dar respostas a nossas escolhas. Qual tem sido a escolha da sua vida? Que você tem escolhido no dia a dia? É verdade que diariamente temos escolhas a fazer: " Não sei se uso este sapato clássico, ou este esporte", " Será que devo usar esta camisa de manga comprida ou esta de manga curta?", " Vou de gravata ou não?" " Este vestido está bom? Será melhor aquele?" "Tenho que ir à festa de sábado na casa da Fulana, mas não posso usar este vestido porque Beltrana, que vai estar também, já me viu usando na casa da Sicrana" (e as mulheres têm um arquivo na cabeça que é algo impressionante!) Esse tipo de escolha é feita diariamente.

É óbvio, temos que responder a Deus pelas escolhas que fazemos com relação a atitudes. Qual a resposta que você vai dar de uma atitude que lhe está sendo exigida? Mas foi essa vontade livre que fez com que nossos primeiros pais pecassem. Criados à imagem e semelhança de Deus, pecaram, caíram, deram ouvidos à serpente!

A serpente, um animal, portanto, é um símbolo muito claro das religiões pagãs que estavam em volta de Israel: enquanto Israel rendia louvores a Deus, ao Deus Criador, ao Deus da Revelação, havia nações ao redor que cultuavam um peixe. Eram os filisteus que cultuavam a Dagon, o peixe. Havia outras que cultuavam a um boi?! O magnífico Egito cultuava o boi Ápis?! Mas havia também a religião de Canaã, essa mesma que está ressurgindo cada vez com mais forte através da Nova ("Velhíssima") Era! Era aquela, exatamente aquela, que cultuava a natureza, a serpente, considerada um animal sagrado para os cananeus. Portanto, foi apropriadissimo como o Espírito Santo colocou na pena do escritor.

Essa serpente que se insinuava em Israel, que se insinuava no meio do povo de Deus, e que se insinuou a nossos primeiros pais levando-os ao pecado! Até o nome em hebraico é impressionante: nahash! E se insinuando e falando com voz melíflua para a nossa primeira mãe "é-assssim-que-Deussss-disssse-que-vocêsssss-iam-morrrrer:... Cooooissssa-nenhuuuuma! Deixxxxe-de-serrrr-tola! Vocêssss-não-vão-morreeer-não! Vocêssss-vao-ssssser-como-Deusssss-conhecccendo-o-bem-e-o-mal-conheccccendo-tuuuuudo!" (Gn 3,3-5)

Eva (Hava, "Vida" em hebraico) ficou encantada!... Dizem que a sucuri chega na beira do rio e encanta o animalzinho, e até pessoas. Alguém me contou de uma senhora que estava lavando roupa num dos rios do Amazonas, e uma enorme sucuri saiu da água, e encantou a senhora que ficou parada, vendo a cobra se aproximar cada vez mais, e ela não podia tirar os olhos da cobra, e não saía do lugar! Acho que Eva ficou dessa maneira. E, nesse momento, a vida (Eva) ia se acabando porque a "velhíssima era" estava entrando na vida dela querendo destruí-la! E não é que aconteceu!..

E não é que ela caiu debaixo do encanto da serpente! E não é que ela foi ao nosso primeiro pai, dizendo " Aqui está o fruto-da-árvore-que-está-no-meio-do-jardim, mas diz que não tem problema nenhum, não! Não tem calorias!

Mas vamos ficar sabendo cada vez mais! Os dois se rebelaram, caíram, e por isso estamos nessa tão grande miséria espiritual! Isso se chama Queda. E aconteceu por causa de uma desobediência.

Eles tinham que dar uma resposta a Deus; tinham que ser responsáveis diante de Deus; e quando foram dar resposta a Deus, se esconderam; e Deus à tardinha os visitava (cf. Gn 3,8), mas agora a visita virou terror, e eles tiveram medo, e se esconderam, porque a primeira coisa que faz quem está em pecado é se esconder e fugir. Como se alguém pudesse fugir de Deus! (cf. Sl 139,7-12).

Somos seres únicos, em toda a criação de todas as espécies conhecidas de animais não existe uma que possa merecer das Escrituras Sagradas uma expressão tão feliz como esta: "pouco abaixo de Deus o fizeste; de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo dos seus pés" (Sl 8,5,6) E temos que corresponder a essa vocação!

Pois é; os relacionamentos foram quebrados; já não temos mais o relacionamento correto com Deus, mas medo e pavor! Não é o que acontece com o homem natural! Medo de Deus! E ele se esconde! Sabe o que mais acontece Nós nem nos compreendemos, e perdemos a consciência de que fomos criados a imagem e semelhança de Deus: o relacionamento com nos mesmos foi quebrado.

Foi quebrado o relacionamento entre o homem e a mulher, com a degradação da mulher no mundo. A Folha de S. Paulo trouxe uma matéria sobre a prostituição no Porto de Santos em São Paulo. E vem falando que daquelas aproximadamente seis mil mulheres que operam na área, a imensa maioria, 60% ou 70%, se compõe de meninas de 10 a 18 anos. A que ponto degradaram a mulher!

Foi quebrado o relacionamento também entre a família e a sociedade. E não é verdade que a família está estragada, e vem se estragando, e vem piorando a sua situação dia após dia. Até mesmo essa bênção que encontramos em Gênesis 1,28 ("Frutificai... e sujeitai-a"), tem sido pervertida porque já se perdeu a conta do que significa "frutificar" e "multiplicar. Há quem pense que o "sujeitar a terra" seja explorá-la, examinar os seus recursos, prejudicar a terra, acabar com o que ela pode produzir, destruir completamente o meio-ambiente!

A realidade é que, debaixo do pecado, o ser humano é distintamente diferente daquele propósito que Deus colocou para a sua vida. Porque Deus tem um propósito para nossa vida, e se dele fugirmos, vai acontecer o seguinte: " Ele te declarou, õ homem , o que é bom; e que o Senhor requer de ti, senão que pratiques a justiça, e ame a benevolência, e andes humildemente com o teu Deus!" (Mq 6,8). Isso não tem acontecido, e, no entanto, temos a possibilidade de voltar a essa justiça, a caminhar na benevolência e humildemente com o Senhor nosso Deus! E a resposta se chama Jesus Cristo!

Por isso que você pode em Jesus Cristo encontrar a solução para o drama que vive no seu coração, na batalha que se desenrola dentro de você mesmo. E aí, sim, você vai compreender, com Jesus Cristo na vida, o significado dessa expressão tão bonita que lemos em primeiro lugar: "Façamos o homem à nossa imagem", e levá-la a sério, porque essa imagem de Deus vai ser restaurada em você.

TARDE E MANHÃ EM GÊNESIS 1Os Dias, o Tempo e a Relatividade ESTUDO SOBRE GÊNESISProfessor Dr. Antony Steff Gilson de Oliveira

Reverendo da Igreja Presbiteriana em Renovação do Brasil – IPRB

www.fatebra.com.br

ResumoO ensaio busca discutir os dias na Criação. Reavalia a interpretação usual, segundo a noção comum do tempo, e propõe um método de estudo alternativo, a partir das noções desenvolvidas, na física, pela Relatividade. Estuda as descrições dos dias, como se apresentam no Pentateuco, referindo-as a três sistemas coordenados, identificados nesse mesmo conjunto de textos; de acordo com essa estrutura de referências, avalia o primeiro capítulo de Gênesis como expressão inicial desse ordenamento descritivo, que pode indicar, para a primeira semana, uma concepção diferenciada do tempo.

Introdução e JustificativaAs menções tarde e manhã, características dos dias na primeira semana da Criação, não se deixam explicar pela noção clássica do tempo. Uma boa amostra das dificuldades de interpretação que elas nos impõem pode ser encontrada no artigo Does the Day Begin in the Evening or Morning?, publicado em 1966 por H. R. Stroes. Referência obrigatória para o estudo dos dias bíblicos, o artigo apresenta uma ampla revisão da literatura disponível e discute os diversos pontos de vista sob duas teorias básicas: de um lado, com a teoria da noite, estão as opiniões que advogam o início da contagem dos dias pelo pôr-do-sol; e de outro, com a teoria da manhã, estão as opiniões que defendem o início da contagem dos dias pelo nascer- do-sol. O artigo mostra que as duas teorias reúnem pontos favoráveis e desfavoráveis, não havendo lugar, portanto, para uma conclusão definitiva, em prol de uma ou de outra teoria.

O presente estudo (a) também concorda que a questão não está fechada e pode acolher novas contribuições. (b) Avalia que, em grande parte, as dificuldades de interpretação ainda existentes decorrem de um tratamento indistinto dos dias; e (c) propõe que os Dias Criativo, Comum e Cúltico sejam reconhecidos em molduras bem distintas: o Dia Criativo não deve ser entendido na moldura em que se conhece o Dia Comum e o Dia Cúltico, por sua vez, deve ser entendido de maneira diferente de ambos.

Bibliografia Fundamental e MétodoO Trabalho confronta a descrição dos dias na Criação com as demais descrições dos dias no Pentateuco. A escolha dos cinco primeiros livros, sem perder de vista o restante da Escritura, foi motivada pela co-incidência, nesses textos, das seguintes características: 1) conjunto relativamente pequeno de narrativas; 2) origem a partir do mesmo complexo histórico e redacional; 3) apresentação dos principais temas da Escritura; 4) narrativas densas e multiformes; e 5) ênfase freqüente nas descrições dos dias.

O método consiste em aplicar, na leitura dos dias, duas idéias que foram progressivamente se tornando mais claras: 1) Com o discernimento trazido pela Carta aos Romanos, pode-se reconhecer, no Pentateuco, várias situações em relação ao pecado: inicialmente, com o Primeiro Pecado, duas situações básicas são definidas - fora dele (Ø) e dentro dele (#); depois do Primeiro Pecado (e dentro dele), duas outras situações ainda serão possíveis -uma com pecados (+) e outra sem pecados (-). 2) Com o método de estudo exposto por Einstein e Infeld -em A Evolução da Física, é possível reconhecer também, nesse mesmo conjunto de livros, uma estrutura interna de referências orientando a composição dos dias. De acordo com essa estrutura, aquelas várias situações em relação ao pecado (Ø,#,+,- ) se mostram configuradas de maneiras diversas, perfazendo três sistemas coordenados (Ø-, # +, # -) que irão distinguir as descrições: os dias serão descritos, assim, conforme o sistema aos quais se referem.

Estrutura de Referências (a) , em Três Composições Diferentes (b)

l Primeiro Pecado

Ø - Fora do Pecado,sem pecados

Ø Fora do Pecado

# Dentro do Pecado

# + Dentro do Pecado,com pecados

+ com pecados

- sem pecados

# - Dentro do Pecado,sem pecados

Objetivos

1) Discutir os dias na Criação; 2) Oferecer um método de trabalho alternativo, que possa auxiliar na compreensão (a) das menções tarde e manhã, (b) dos processos criativos e (c) das realidades pré e pós-pecado.

Desenvolvimento

1. O método:

1.1) Desvincula para estudo os três principais conceitos envolvidos: o dia, os crepúsculos e o tempo. Avalia separadamente cada um deles e verifica como é possível que existam dias e tempos diferentes. Reconhece inicialmente que o termo dia, longe de significar uma duração determinada, encerra uma idéia bem mais ampla: a ocorrência na mesma unidade, de duas condições sucessivas e opostas; assim, a claridade é chamada dia porque, nela, a manhã é sucedida pela tarde; o total das vinte e quatro horas pode continuar sendo chamado dia porque, nelas, o claro e o escuro se sucedem; e em Gênesis 2:4b, o termo dia (no original hebraico yõm) aparece com o mesmo sentido: nesse dia, a criação do céu e da terra sucedeu a ausência anterior de céu e terra. Reconhece que os dois crepúsculos pertencem ao dia (já que ambos mostram luz) e vê neles o principal significado para manhã e tarde. Entretanto, como existiram dias em que o sol não figurava no firmamento, substitui a referência habitual sol (crepúsculo matutino: antes do sol; crepúsculo vespertino: depois do sol) pela referência luz (comum a todos os dias, desde o primeiro em Gn 1:5) e entende os crepúsculos, simplesmente, como a presença de luz sem sol no firmamento. E sobre o tempo, admite que ele não é único e muito menos absoluto; como um produto do movimento, o tempo não ocorre por si mesmo e pode se apresentar de maneiras diferentes, desde que, para isso, existam situações diferentes de movimento.

1.2) Associando descrições afins, separa, no conjunto do Pentateuco, dois grupos descritivos distintos: no primeiro grupo, os segmentos tarde e manhã são repetidamente enfatizados e no segundo, todos os segmentos do dia são tratados indistintamente, sem enfatizar, com repetições, os segmentos da tarde e da manhã.

1.3) Verifica que no primeiro grupo estão as narrativas que tratam do tema proximidade e favor de Deus e no segundo, as narrativas que tratam do tema afastamento e desfavor.

Grupos Descritivos e Temas

Ênfase (com repetições)nas tardes e manhãs âProximidade e Favor

Sem ênfase nas repetiçõesdas tardes e manhãs â Afastamento e Desfavor

1.4) Avalia que os temas proximidade/favor e afastamento/desfavor são apresentados, alternadamente, sob três cenários distintos, com volumes de textos progressivamente maiores: Paraíso, Exílio do Paraíso e Libertação.

Grupos Descritivos, Temas e Cenários

Ênfase (com repetições)nas tardes e manhãsProximidade e Favor

Sem ênfase nas repetiçõesdas tardes e manhãs Afastamento e Desfavor

Ênfase (com repetições)nas tardes e manhãs Proximidade e Favor

PARAÍSO

à

EXÍLIO DOPARAÍSO

à

LIBERTAÇÃO

1.5) Relaciona os três cenários a três sistemas coordenados. Cada um desses sistemas é obtido por arranjos diferentes entre as várias situações com relação ao pecado (Ø,#,+,-): o Paraíso, no sistema Criação, existe antes do Pecado e é isento de pecados (Ø-); o Exílio do Paraíso, no sistema Decriação, existe depois do Pecado e é gerador de pecados (#+); a Libertação, no sistema Instrução, existe depois do Pecado e oferece a isenção de pecados -pelo exercício da Lei e do Culto (#-). (Cf. Ex 20:20; Lv 5:5,6 -nota 5)

Três Sistemas Coordenados

1.6) À luz da Carta aos Romanos, separa o Primeiro Pecado dos outros pecados. Ainda que, como pecado, possa ser comparado aos demais, o Primeiro Pecado destoa muito dos pecados seguintes, quando avaliado na gravidade e extensão do dano resultante. Além de ocorrer num ambiente que não conhecia o pecado, a atitude de Adão, descumprindo a primeira ordem de obediência, inaugura e dá continuidade à morte, que se infiltra na Criação inteira. Trazendo a morte, o Primeiro Pecado abala e transtorna toda a disposição anterior da Criação, e com isso, finaliza o sistema Criação e desencadeia o sistema Decriação. Neste segundo sistema, que passa a experimentar a morte, o pecado avança progressivamente na geração e multiplicação dos demais pecados, até ser contido pela intervenção do Dilúvio. Resultado, portanto, dessa mescla de ações degenerativas, punitivas ou reparadoras, o sistema Decriação oferece, a partir do Dilúvio, o formato atual da Criação -como é investigado pela ciência comum. O terceiro sistema, menor, ocorre dentro do sistema Decriação: iniciando-se no êxodo do Egito, o sistema Instrução vai acolher, no cenário da libertação, a segunda ordem de obediência, a Lei, à qual serão aferidos os demais pecados. Nessa aliança, estabelecida restritamente com Israel, se conhece sobre a fatalidade do pecado, o qual, realçado pela Lei, é entendido como inevitável na disposição atual da Criação; ou, de outro modo, o mundo que temos diante de nós, é o que resultou da Criação inicial, à maneira de cicatriz, depois do trauma do pecado e do tratamento reparador do Dilúvio.

Limites, Conteúdos e Relações entre os Sistemas

1.7) Propõe que os sistemas Criação, Decriação e Instrução terão, cada um deles, dias que lhes serão próprios e exclusivos. Assim, o Dia Criativo refere-se ao sistema Criação; o Dia Comum ao sistema Decriação, e o Dia Cúltico ao sistema Instrução.

Três Tipos Relativos de Dia

2. Nessa estrutura de referências:

2.1) O Primeiro Pecado divide dois tipos de tempo: antes dele, na Criação e no Paraíso, o tempo evolui sem a morte, sob leis que desconhecemos, numa seqüência tarde®manhã (Cf. Gn 1:5,8,13,19,23,31 –nota 14); depois dele, e como decorrência dele, o tempo comum evolui com a morte, sob leis físicas que conhecemos, numa seqüência manhã®tarde.

2.2) Os demais pecados definem dois tipos de dia, ambos no tempo comum: o Dia Comum vem descrito na seqüência dia-noite e o Dia Cúltico na seqüência noite-dia. Entretanto, além dessa precedência da noite sobre o dia, o Dia Cúltico ainda mostra outra distinção em relação ao Dia Comum: como no Dia Criativo, enfatiza repetidamente os segmentos da tarde e da manhã .

O Tempo e os Dias Conforme o Pecado e a Lei

2.3) Tanto o Dia Criativo, isento do Pecado, como o Dia Cúltico, isento de pecados, realçam os segmentos da tarde e da manhã. Mas, embora o Dia Cúltico possa ser comparável ao Dia Criativo nesse aspecto, difere dele em outros. 1) No Dia Criativo, a extremidade da tarde inicia um dia-luz, que se estende até à extremidade da manhã; no Dia Cúltico, o que a extremidade da tarde inicia é uma noite, que se estende até à extremidade da manhã. 2) Iniciada pela extremidade da tarde e finalizada pela extremidade da manhã, a noite, no Dia Cúltico, se coloca entre uma tarde e uma manhã -no curso habitual do tempo que conhecemos: tarde®[Noite]®manhã®dia. Entretanto, no Dia Criativo, a noite não cabe entre a tarde e a manhã, sinalizando um curso de tempo completamente diferente, já que a tarde, invertida, aparece antes da manhã: noite®tarde®manhã (noite®tarde®[DIA]®manhã).

Tarde e Manhã nos Três Tipos de Dia

DIA CRIATIVO

DIA COMUM

DIA CÚLTICO

TARDE(luz sem sol)

Primeira metadedo Dia-luz

Final do Dia-luz

Início da Noite

TARDE(luz sem sol)

Segunda metadedo Dia-luz

Início do Dia-luz

Final da Noite

2.4) A sequência noite®tarde®manhã para o Dia Criativo, pode ser atestada pelas evidências seguintes, entre outras: 1) O versículo 2 revela que as trevas, chamadas Noite no versículo 5, existiam antes da luz; portanto, noite do Primeiro Dia ocorreu antes do primeiro dia-luz. 2) Não sendo desta maneira, a noite do Primeiro Dia teria de ser entendida entre a Tarde e a Manhã do versículo 5, o que traria algumas situações anômalas. Por exemplo: I) vinda depois da primeira tarde, essa noite, ao suceder a luz, seria, na verdade, a segunda noite (porque a primeira noite -as trevas do versículo 2- aconteceu antes da Luz), e, por isso, como segunda noite, deve pertencer ao Segundo Dia; II) se essa noite for, então, do Segundo Dia, o Primeiro Dia ficaria sem manhã, já que a Manhã relatada no versículo 5, vinda depois da segunda noite, teria que ser do Segundo Dia; III) se a Manhã do versículo 5 for do Segundo Dia, o primeiro dia-luz, de fato, só seria completado com a Tarde relatada no versículo 8!

A posição da noite em Gênesis 1

A) Na Interpretação Usual

Primeiro dia descrito, v. 5

Segundo dia descrito, v. 8

TARDE noite MANHÃ

TARDE noite MANHÃ

Primeiro dia-luz

Reconhecendo-se a noite depois da TARDE, não é possível completar o primeiro dia-luz no v. 5: o primeiro dia, de fato, teria de ser composto com a MANHÃ do v. 5 e a TARDE do v. 8.

B) Na Interpretação Sugerida

Primeiro dia descrito, v. 5 Segundo dia descrito, v. 8

Primeiro dia descrito, v. 5

Segundo dia descrito, v. 8

noite TARDE MANHÃ

noite TARDE MANHÃ

Primeiro dia-luz

Reconhecendo-se a noite antes da TARDE, o primeiro dia-luz é completado no v. 5.

3. Assim:

3.1) Admitindo-se os dias como mostradores e marcadores do tempo, é possível afirmar que o Dia Criativo "invertido" vem sinalizar um tempo também "invertido", se comparado aos dias e tempo que a nossa percepção habitualmente reconhece.

3.2) Com os recursos da Relatividade, na física de campos, pode-se aceitar que o tempo na primeira semana, apesar de invertido, não "correu para trás". O tempo que agora conhecemos segue numa continuação daquele; mas, depois do Pecado, carrega um contexto adverso de forças, que o cenário inicial da Criação provavelmente não conheceu.

3.3) A descrição do Dia Criativo parece indicar, portanto, que o perfil do tempo nos primeiros seis dias era outro. Finalizando, se tomamos como exemplo a segunda lei da termodinâmica, poder-se-ia dizer que o autor do primeiro capítulo de Gênesis, "conhecendo-a", quis excluí-la do mundo da Criação -ou até mesmo "invertê-la"!

Conclusão

A noção comum do tempo não consegue explicar, com nitidez, a evolução dos dias na primeira semana da Criação. Ao apresentar uma ordem física diferenciada, a redação de Gênesis 1 sugere compartilhar da mesma orientação descritiva utilizada posteriormente pela Relatividade: situações diferentes devem ser tratadas de maneiras diferentes. Reconhecendo os dias, à luz desse método, o texto da Criação ganha clareza e deixa entender melhor a realidade que precedeu o pecado.

Apêndice A

Gn 3:14-19 Então Iahweh Deus disse à serpente: "Porque fizeste isso és maldita entre todos os

animais domésticos e todas as feras selvagens. Caminharás sobre teu ventre e comerás poeira todos os dias de tua vida. Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua linhagem e a linhagem dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar. " À mulher, ele disse: Multiplicarei as dores de tuas gravidezes, na dor darás à luz filhos. Teu desejo te impelirá ao teu marido e ele te dominará." Ao homem, ele disse: "Porque escutaste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te proibira comer, maldito é o solo por causa de ti! Com sofrimentos dele te nutrirás todos os dias de tua vida. Ele produzirá para ti espinhos e cardos, e comerás a erva dos campos. Com o suor de teu rosto comerás teu pão até que retornes ao solo, pois dele foste tirado. Pois tu és pó e ao pó tornarás."

Gn 3: 22-24 Depois disse Iahweh Deus : "Se o homem já é como um de nós, versado no bem e no mal, que agora ele não estenda a mão e colha também da árvore da vida, e coma e viva para sempre!" E Iahweh Deus o expulsou do jardim de Éden para cultivar o solo de onde fora tirado. Ele baniu o homem e colocou, diante do jardim de Éden, os querubins e a chama da espada fulgurante para guardar o caminho da árvore da vida..

Gn 4:15 Iahweh lhe respondeu: "Quem matar Caim será vingado sete vezes." E Iahweh colocou um sinal sobre Caim, a fim de que não fosse morto por quem o encontrasse.

Gn 6:3,4,5,6 Iahweh disse:"Meu espírito não se responsabilizará indefinidmente pelo homem, pois ele é carne; não viverá mais que cento e vinte anos." Ora, naquele tempo (e também depois), quando os filhos de Deus se uniam às filhas dos homens e estas lhes davam filhos, os Nefilim habitavam sobre a terra; estes homens famosos foram os heróis dos tempos antigos.

Gn 6:17 "Quanto a mim, vou enviar o dilúvio, as águas, sobre a terra, para exterminar de debaixo do céu toda carne que tiver sopro de vida: tudo o que há na terra deve perecer..."

Gn 7:11 No ano seiscentos da vida de Noé, no segundo mês, no décimo sétimo dia do segundo mês, nesse dia jorraram todas as fontes do grande abismo e abriram-se as comportas do céu.

Gn 8:21,22 Iahweh respirou o agradável odor e disse consigo: "Eu não amaldiçoarei nunca mais a terra por causa do homem, porque os desígnios do coração do homem são maus desde a sua infância; nunca mais destruirei todos os viventes, como fiz. Enquanto durar a terra, semeadura e colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite não hão de faltar."

Gn 9: 1,2,3 Deus abençoou Noé e seus filhos, e lhes disse: "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra. Sede o medo e o pavor de todos os animais da terra e de todas as aves do céu, como de tudo o que se move na terra e de todos os peixes do mar: eles serão entregues nas vossas mãos. Tudo o que se move e possui a vida vos servirá de alimento, tudo isso eu vos dou, como vos dei a verdura das plantas.

Gn 9: 12-15 Disse Deus: "Eis o sinal da aliança que instituo entre mim e vós e todos os seres vivos que estão convosco, para todas as gerações futuras: porei meu arco na nuvem e ele se tornará um sinal da aliança entre mim e a terra. Quando eu reunir as nuvens sobre a terra e o arco aparecer na nuvem, eu me lembrarei da aliança que há entre mim e vós e todos os seres vivos: toda carne e as águas não mais se tornarão um dilúvio para destruir toda carne.

Apêndice B

O papel desempenhado pelo capítulo dois, no conjunto de textos que vai da Criação ao Pecado, aparece decisivo na sustentação desse argumento. Ao invés de tomá-lo como narrativa que repete o tema do capítulo um, na versão de outra fonte literária, ele foi considerado como episódio real e seguinte à criação dos seis dias, exatamente como sugere a progressão da leitura. Os capítulos um e dois não seriam, portanto, duas histórias diferentes do mesmo fato, mas dois fatos diferentes, e sucessivos, na mesma história.

É como se Deus, ao terminar no sétimo dia o projeto de construir um mundo "muito bom", passasse a tratar, na vigência do Repouso, de outro projeto, separado, distinto do primeiro, e ainda melhor: a oferta, especialmente reservada, do Seu Descanso. Apontam nessa direção, por exemplo, (a) uma sequência diferente, invertida, na ordem de surgimento dos seres: na semana se evolui do mundo ao homem; no descanso, do homem ao paraíso. (b) O Deus criador da semana, ainda que seja verdadeiro e pleno de poder, é um Deus formal, pouco conhecido, vago e distante; o Deus criador do descanso, pelo contrário, é um Deus próximo, que se deixa conhecer, tem nome -IAHWEH- e se envolve pessoalmente com a Criação. (c) Todos os seres que são levantados do barro, no capítulo 2, também têm nome; e o homem, recebendo a única vida que vem pela boca achegada de IAHWEH, é sagrado filho de Deus. (d) Essa intimidade entre Deus e o homem, iniciada e revelada por IAHWEH no capítulo 2, tem, entretanto, um custo de manutenção: obediência exclusiva a Ele; na fidelidade absoluta do homem, tornado filho de Deus, coloca-se a chave geral de toda a criação. Desligada em seguida pelo primeiro pecado, a criação inteira entra na morte, perde o paraíso e recebe de volta o primeiro homem que, feito filho, saiu do Repouso de Deus. Sob a morte, enquanto a criação esvazia-se de vida, o pecado avança até um limite determinado e desencadeia o dilúvio. Baixando a água do dilúvio, a criação emerge no seu perfil atual: a deterioração que vinha progressiva, passa a ser periodicamente renovada nos ciclos da nova ordem (Cf. Gn 8:22 -nota anterior). (e) A mesma idéia de separação, que deu a Adão -junto com alguns animais- a singularidade de conhecer duas situações diferentes da criação (antes do pecado no paraíso e depois do pecado na morte), será repetida no restante da Escritura em contextos diferentes: Noé, separado da velha ordem com alguns animais, atravessa o dilúvio e conhece a nova ordem; Israel, especialmente separado das nações, distingue animais puros de impuros, conhece a proximidade e o afastamento de Deus e escreve sobre o Seu favor e desfavor. Em o Novo Testamento, o mesmo Descanso que inicia o capítulo 2, ainda continua reservado aos que foram, separados pessoalmente por Ele, tornados filhos de Deus. E não só o homem entrará nesse Descanso, mas toda a criação, que igualmente anseia por isso, na esperança de ela também ser libertada da escravidão da corrupção, a que foi submetida (Romanos, 8:20,21).

Bibliografia AuxiliarLivros

A Bíblia de Jerusalém. Nova Edição Revista. São Paulo, Edições Paulinas, 1989.

A Bíblia Sagrada. Edição Revista e Corrigida ("Almeida"). Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira,1982.

Bíblia Hebraica Stuttgartensia. Editada por K. Elliger e W. Rudolph. Stuttgart, Deutshe Bibelgesellschaft,1984.

Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas. Tradução da versão inglesa 1961. São Paulo, Editora Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, Revisão de 1986.

AGOSTINHO, A. Confissões. Tradução: Maria Luiza J. Amarante/ Revisão cotejada de acordo com o texto latino: Prof. Antonio da Silveira Mendonça. São Paulo, Edições Paulinas,1986.

CHARDIN, Pierre Teilhard de. O Fenômeno Humano. Introdução, Tradução e Notas de José Luiz Archanjo. São Paulo, Editora Cultrix,1989.

CHEN, Christian. Os Números na Bíblia: Moisés, os números e nós. Vol. I. São Paulo, Imprensa Metodista.

DATTLER, Frederico. Gênesis: Texto e Comentário. Coleção "Comentários Bíblicos". São Paulo, Edições Paulinas,1984.

DARWIN, Charles. A Origem das Espécies. Traduzido por Eduardo Fonseca. São Paulo, Hemus-Livraria Editora,1981.

_______. A Origem do Homem e a Seleção Sexual. Traduzido por Attílio Cancian e Eduardo N. Fonseca. São Paulo, Hemus-Livraria Editora,1974.

DESCARTES, René. Discurso do Método. Tradução de Elza Moreira Marcelina. Brasília/São Paulo, Editoras Universidade de Brasília/Ática,1989.

EINSTEIN, Albert e Leopold Infeld. A Evolução da Física, 4ªed., Tr