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  • JUCLIA MARIA DOS SANTOS

    PODER PARALELO

    Monografia apresentada como exigncia do curso de Especializao Modalidades de Tratamento Penal e Gesto Prisional, para obter o ttulo de Especialista em Gesto Prisional, pela Universidade Federal do Paran.

    Orientador: Prof. Dr. Fbio Th

    CURITIBA

    ABRIL/2003

  • ii

    SUMRIO

    1. INTRODUO...........................................................................................................1

    2. ..COMENTRIO SOBRE A HISTRIA POLTICA DO BRASIL E O SISTEMA

    PENITENCIRIO DO PARAN..................................................................................5

    2.1. BRASIL E O PODER PARALELO NA DEMOCRACIA.................................................................... 9

    2.1.1 DEMOCRACIA OU AUTORITARISMO..........................................................................................10

    2.1.2 ESTRUTURA DE PODER NO BRASIL ............................................................................................11

    3. PODER PARALELO NO SISTEMA PENITENCIRIO DO PARAN...........12

    3.1. ESTABELECIMENTOS PENAIS ..............................................................................................................12

    3.2. SISTEMA PENITENCIRIO DO PARAN E O PSICLOGO.....................................................15

    3.2.1. ....................HISTRICO DO SISTEMA PENITENCIRIO DO PARAN E O PROFISSIONAL DE

    PSICOLOGIA ...........................................................................................................................................................15

    3.2.2. RECURSOS HUMANOS DO DEPARTAMENTO PENITENCIRIO .......................................18

    3.3. PSICOLOGA JURDICA ............................................................................................................................20

    3.3.1. PSICLOGO JURDICO NA PRISO PROVISRIA DE CURITIBA (PPC) ........................21

    3.4. POLARIZAO DO PODER ......................................................................................................................26

    3.5. AGENTE PENITENCIRIO E O SUBJUGO DO PODER ................................................................29

    3.6. VULNERABILIDADE DO PRESO............................................................................................................30

    4. CONCLUSO ..........................................................................................................33

    5. BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................34

  • 1

    1. INTRODUO

    "... somos parte de um mundo cruel e injusto, onde a

    solidariedade escassa e viver continua sendo um grande risco"

    Gilberto Dupas - Coordenador do grupo de Anlise da Conjuntura

    Internacional da USP, agosto de 2002.

    Todos os dias estamos presenciando ou ouvindo acerca de atos de

    violncia, de tragdias. A mais recente tirania e cruel batalha a guerra entre o

    presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, seus aliados e o presidente do

    Iraque, Saddan Hussein e seus comparsas. Percebemos que no se trata de uma

    guerra entre dois pases, mais sim de duas foras que possuem o poder oficial de

    seus pases e se utilizam da sua posio dominante para fazer prevalecer seu poder

    pessoal ou paralelo, que extrapola ao poder oficial.

    Para estes dois presidentes o interesse mostrar quem detm o maior

    poder. O que menos importa so seus pases, o povo que neles vivem, as seqelas

    que permanecero. A guerra para mostrar a onipotncia, ganncia e poder

    absoluto. Em propores diferentes ao exemplo mencionado, a guerra no declarada

    da onipotncia, ganncia e poder absoluto contra o poder oficial acontece no Sistema

    Penitencirio.

    A Lei de Execuo Penal1 trata exaustivamente da disciplina prisional, seus

    procedimentos e deixa clara que existem normas e regras mnimas a cumprir para

    que sejam evitados abusos de poder. Baseado nesta Lei foram definidas Regras

    mnimas para o tratamento do preso no Brasil2. No Ttulo I - Regras de aplicao

    geral, Captulo I - Dos princpios fundamentais, pginas 19 e 20, est escrito no

    Artigo 10 As normas que se seguem obedecem aos princpios constantes da

    Declarao Universal dos Direitos do Homem, e daqueles inseridos nos Tratados,

    1 Lei no. 7.210, de 11 de julho de 1984. 2 Resoluo n0. 14, de 11 de novembro de 1994.

  • 2

    Convenes e regras internacionais de que o Brasil signatrio, devendo ser

    aplicadas sem distino de natureza racial, social, religiosa, sexual, poltica,

    idiomtica ou de qualquer outra ordem. No Artigo 30 assegurado ao preso o

    respeito sua individualidade, integridade fsica e dignidade pessoal.

    Na Declarao dos Direitos Humanos e do Cidado da Revoluo Francesa

    de 1789, nos artigos 01 e 02 est escrito: Os homens nascem e permanecem livres

    e iguais em direitos (...). Esses direitos so a liberdade, a propriedade, a segurana e

    a resistncia opresso. Vemos nesta Declarao que estes dois artigos se referem

    a direitos do homem existentes na sociedade.

    Poderamos citar vrias declaraes de Direitos Humanos e perceberamos

    que todas tem um contedo poltico, com interesses e necessidades protegidos e

    regulamentadas pelo Estado, em defesa da sociedade de modo individual ou coletivo.

    No decorrer do trabalho mostraremos a quebra do poder oficial em favor

    do poder paralelo, este manifestando-se quando algum funcionrio do Sistema

    Penitencirio resolve atuar de modo autoritrio e pessoal contra algum colega ou

    preso.

    Para compreendermos a diferena entre o poder oficial e o poder paralelo,

    faremos algumas consideraes sobre o significado de certos termos. PODER, do

    latim potere, exercer sobre o outro fora fsica ou psicolgica, atravs do domnio,

    influncia, recursos, soberania, poderio, perversidade. LDER, do ingls, leader, to

    lead, conduzir, pessoa que toma a maior parte das iniciativas de um grupo, dirige e

    orienta os outros membros, detm o comando. LIDERANA, funo do lder,

    comando, direo, posio dominante que ocupa, de direito ou de fato. Referimos a

    esse tipo de lder e liderana como PODER OFICIAL. PARALELO, diz-se das retas

    coplanadas ou dos planos que no tem pontos comuns ou so iguais. Duas ou mais

    coisas que marcham a par ou progridem na mesma proporo.

  • 3

    O poder constitudo, legalmente atribudo, que diz respeito ao trabalho

    profissional entendido como o PODER OFICIAL. O PODER PARALELO no um

    poder legalmente constitudo nem atribudo, exercido perversamente com abuso do

    poder oficial para mostrar onipotncia.

    Partimos do pressuposto de que existem direitos humanos nas prises,

    para as pessoas que foram privadas de sua liberdade por algum tipo de delito (ato

    ilcito). Mas no podemos deixar de salientar que os funcionrios do Sistema

    Penitencirio, ano aps ano, vivenciam sistemas e regras que baseiam-se no PODER

    OFICIAL e no PODER PARALELO. Somos conscientes da importncia da liderana

    dentro do poder oficial, pressupondo prevalecer a disciplina e permitindo que os

    funcionrios exeram suas funes com iniciativa, satisfao e responsabilidade.

    Conscientes tambm da ingerncia do poder paralelo ocasionando indisciplina,

    desmotivao, Sndrome de Burnout3, deteriorando a sade mental de muitos

    funcionrios.

    O poder oficial inerente ao cargo pblico, no significando que todos que

    detm esse poder necessariamente extrapolam para o poder paralelo. No Sistema

    Penitencirio encontramos razes desse poder paralelo onde os funcionrios so

    julgados, condenados, estigmatizados, obrigados a desempenhar atividades que no

    vem ao encontro do seu perfil profissional e viver de acordo ou em funo do

    discurso especfico desse poder. Estamos nos concentrando naquelas pessoas que

    prevalecem do seu cargo, quer ele seja de Secretrio de Estado, Coordenador do

    Departamento Penitencirio ou simplesmente Agente Penitencirio, para ter abuso

    do poder, ter como linha de frente a tirania. Nestas pessoas percebemos um trao de

    personalidade peculiar, a perversidade, numa guerra que atinge diretamente a

    pessoa enquanto sujeito, sua individualidade, sendo esquecido o princpio essencial

    da dignidade humana e respeito.

    3 Doena descrita em 1974 pelo mdico Herbert Freudenberger, como uma resposta ao estresse crnico. Ela

    apresenta trs dimenses: a exausto emocional, a despersonalizao e a propenso ao abandono da carreira ou

    falta de realizao profissional.

  • 4

    A influncia psicolgica desse poder paralelo possibilita a deteriorizao da

    personalidade de quem est sob seu domnio. Observamos que quem detm o poder

    paralelo geralmente apresenta uma motivao anti-social, a satisfao em lesar o

    outro (seu colega de trabalho), pelo prazer do ato em si, ou a satisfao de

    destruir (tirar) algo que no lhe pertence, a nvel psicolgico, inclusive com mentiras

    convincentes, se auto-alimentando. Existem casos de que quando o oprimido se

    rebela, acontece a excluso dessa pessoa pelo grupo liderado por quem tem esse

    autoritarismo. Quando o grupo teme esse poderoso, auxilia-o a no incluso desse

    sujeito, que poderia acarretar a sua prpria excluso. Quem faz uso do poder

    paralelo, utiliza critrios polticos prprios ou distorce os existentes. Este poder no

    trata de uma fora institucional, mas de uma fora pessoal, que corrompe, humilha

    aqueles que seu poder alcana.

    Esse tipo de poder paralelo est inserido no contexto social e profissional

    do Sistema Penitencirio, um dogma, onde coloca-se como culpado do mal estar

    do funcionrio somente na prisionizao4 e no na patologia do poder. Como

    conseqncia o funcionrio oprimido estigmatizado, para no ameaar a imagem

    do pseudo bem estar do grupo.

    O mesmo poder que manda respeitar os direitos humanos, toma todas as

    medidas para que eles no sejam respeitados. O poder paralelo subjuga os

    funcionrios levando-os supostamente ao sofrimento fsico e mental e deteriorando

    sua atuao.

    4 Prisionizao segundo Clemmer: o preso adapta-se as formas de vida, usos e costumes impostas

    pelos prprios internos no estabelecimento penitencirio. Adota uma nova forma de linguagem,

    desenvolve hbitos novos no comer, vestir, aceita papel de lder ou papel secundrio nos grupos de

    presos, faz novas amizades, etc.

  • 5

    2. COMENTRIO SOBRE A HISTRIA POLTICA DO BRASIL E O

    SISTEMA PENITENCIRIO DO PARAN

    A forma do governo expressar-se no final da ditadura (1980), no perodo

    de transio para um governo civil, apresentava nao brasileira uma maneira de

    governo no qual o poder seria procedente do povo e em seu nome constitudo,

    havendo a soberania popular. Instaurou-se aqui a DEMOCRACIA.

    Numa retrospectiva buscamos as razes da histria poltica do Brasil na

    poca do sistema colonial, Getlio Vargas, ditadura e democracia. No sistema

    colonial o comportamento de superioridade e inferioridade de raas, ficou marcada

    com a compra e venda de escravos, as imposies de trabalho registradas pela

    degradao humana, ficando uma relao desigual e com compromissos sociais

    diferentes. O escravo preservou suas razes culturais nas senzalas, alimentando-se

    da pobreza, enquanto os senhores, preocupavam-se com a produo da riqueza,

    atravs da posse de terras. Para os escravos no lhe era dada a condio humana e

    para os senhores o poder sobre a vida do outro.

    A primeira administrao de Getlio Vargas (com a revoluo de 1930 e a

    instalao do governo provisrio) se caracterizou pela abertura, a concesso da

    anistia aos opositores presos, a difuso do ensino pblico, a instituio do Ministrio

    do Trabalho , dos atos visando redistribuir a terra, que na poca se concentrava nos

    grandes latifundirios, a reforma poltica. Para essa reforma dissolveu todas as

    assemblias legislativas dos estados, destituiu os governadores e imps interventores

    militares, fato que gerou oposio cerrada. Surgiram movimentos revolucionrios,

    como o de 1932 (que durou trs meses).

    Crescia a necessidade de dar legitimidade ao poder. Foi assim eleita a

    assemblia constituinte, encarregada de criar a constituio de 1934. Com as idias

    fascistas na moda instalou-se um regime de autoritarismo, em que o povo j no

    elegeria o presidente, e sim a Assemblia, que naturalmente elegeu Getlio Vargas,

    o novo presidente sob o novo regime constitucional. Ao mesmo tempo era dada

  • 6

    autonomia aos Estados, renascia a vida poltica e se formavam os partidos. Surgia o

    integralismo, inspirado em Hitler e em Mussolini, ao qual se opunha Lus Carlos

    Prestes, formando a Aliana Nacional Libertadora, ligada aos ideais comunistas; seu

    movimento em 1935, chamado de Intentora Comunista foi sufocado e o partido

    posto na ilegalidade. Legalizava-se a direita, adotando-se o lema "Deus, Ptria e

    Famlia", surgia a Ao Integralista Brasileira, que adotou uniforme, smbolo e

    saudao prpria.

    A agitao dos polticos ao se aproximarem as prximas eleies

    presidenciais (de 1938) precipitou o golpe de 1937, com a inveno de um suposto

    plano dos comunistas, que pretenderiam tomar o poder pela fora. Foi pretexto para

    fechar o Senado e a Cmara dos Deputados e implantar o Estado Novo. Acusava-se

    os chamados "agitadores profissionais" de pretenderem estimular a "discrdia civil" e

    colocar em perigo a existncia da nao.

    Nova Constituio foi formada em 1937. Pretendia acabar com todos os

    antagonismos e rivalidades com a anulao de todas as autonomias. Os antigos

    grupos de influncia voltavam a intervir nos rumos polticos. Pretendia-se a

    unificao nacional. Centralizao e nacionalismo, a formao de uma conscincia

    patritica, o culto aos heris foram fatores de manuteno do poder. Por decreto

    instalou-se a Educao Moral e Cvica da Infncia e Juventude em 1940. Surgiu a

    cerimnia chamada "formatura da juventude brasileira", com a parada do dia 07 de

    setembro. O ensino antes regionalizado foi unificado e o Estado passou a gerir

    sozinho todos os assuntos relativos s fontes de energia. Dissolveu-se o grupo

    integralista, o que provocou um levante, com ataque ao palcio Guanabara.

    Como a Constituio de 1937 previa a decretao do estado de

    emergncia, este foi posto em vigor por Getlio Vargas, que implantou ento a

    censura e suprimiu o direito da reunio, passou a dirigir o pas sem partidos nem

    cmaras.

  • 7

    Em 1943 o governo foi obrigado a tomar partido na 2 Guerra Mundial,

    exigia-se a volta Constitucionalidade. Em 1945 voltaram as eleies em todos os

    nveis, formaram-se partidos entre os quais a Unio Democrtica Nacional, de

    extrema direita, reunindo adversrios de Vargas, ressurge o Partido Comunista

    Brasileiro, os integralistas fundavam o Partido de Representao Popular, Partido

    Socialista Brasileiro, o Partido Social Democrtico, Partido Social Progressista

    apareciam tambm. Os Getulistas se mantinham fiis ao Partido Trabalhista

    Brasileiro. A proliferao repentina dos partidos foi prejudicial, pois estes no tinham

    grande expresso poltica nem programas de governo.

    Nova crise e possibilidade de golpe em 1945 resolvida com a eleio de

    Eurico Gaspar Dutra. Nos anos seguintes as questes ligadas Guerra Fria

    dominaram o cenrio poltico. Em 1950 Getlio Vargas eleito novamente

    presidente, pelo PTB, mas o eleitorado comeava a votar em homens e no em

    partidos e o governo no tinha maioria na cmara. Havia instabilidade poltica,

    agitao em torno de poltica salarial, de corrupo, da insatisfao dos militares e

    de outras classes. A imprensa teve importante papel na instalao de nova crise

    poltica, que se precipitou com o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda

    (05/08/54) . Vrios grupos exigiram a renncia de Getlio Vargas, que afirmou que

    "s sairia morto do Catete". Cumpriu a promessa, deixando ao pas estarrecido uma

    carta- testamento (24 de agosto de 1954).

    Juscelino Kubitschek eleito presidente em 1955. Seu governo privilegia os

    setores de energia, transporte, alimentao, indstria de base e educao. Aps

    cinco anos Braslia inaugurada, sendo a nova capital do Brasil. As foras Armadas

    depem o ento presidente Joo Goulart em 31 de maro de 1964. O regime militar

    assume a Presidncia e fica marcado pela supresso dos direitos constitucionais

    perseguio policial e militar e censura prvia dos meios de comunicao. Com a

    destituio dos partidos polticos em 1965 cria-se o bipartidarismo, com a Aliana

    Renovadora Nacional (Arena), governista e o Movimento Democrtico Brasileiro, de

    oposio. A Sexta Constituio brasileira foi aprovada no ano de 1967,

    institucionalizando o regime e com eleies indiretas para Presidncia. Com o general

  • 8

    Arthur da Costa e Silva no poder, em dezembro de 1968, fecha o congresso e

    decreta o Ato Institucional n5 (AI-5), que lhe d poderes para fechar o parlamento,

    cassar mandatos e suprimir o habeas-corpus. Amplia-se a ao de grupos de luta

    armada nas cidades e, posteriormente no campo.

    O perodo de maior recesso aconteceu em 1969, com o general Emlio

    Garrastazu Mdici, Presidente, marcado por prises, torturas, exlios , mortes e o

    desaparecimento de centenas de pessoas. Dez anos depois, o general Joo Baptista

    Figueiredo torna-se presidente e sanciona a anistia, que liberta presos polticos e

    propicia a volta dos exilados e restabelece o pluripartidarismo.

    Nos anos de 1980 os novos regimes polticos se confrontam mostrando o

    seu poderio, prevalecendo o poder paralelo dentro de padres de legalidade.

    Podemos constatar que estas fases de transio aconteceram, mas no seu mago

    elas no se modificaram, no evoluram. O regime de ditadura continua sendo

    executado de forma perversa e o Sistema Penitencirio segue a mesma linha de

    atuao.

    Mesmo nesses dois lados, poltico e penitencirio, existem pessoas com

    pensamentos nobres de realmente interessarem-se por uma mudana, mas os

    paradigmas existentes formam alicerces que contribuem para que tudo permanea

    estagnado, para que no haja eco, quando o clamor pelos direitos humanos pede,

    implora para que sejam respeitadas as leis, normas e regras que a prpria

    humanidade elaborou.

    Para muitos oportunistas do poder podemos dizer que instauro-se a

    austeridade sobre o povo, com ideologias jamais concretizadas. Esses oportunistas

    que detm o poder paralelo so dissimulados mascarando a violncia com roupagem

    do poder oficial, e utilizando-se do poder que ultrapassa as regras e normas da lei,

    interpretando-as de acordo com sua vontade e seu querer, muitas vezes o poder

    desses dissimulados ultrapassa barreiras inimaginveis.

  • 9

    O sistema penitencirio nos possibilita uma reflexo sobre a histria poltica

    brasileira e os presdios do Paran. Sabemos que o sistema penitencirio na sua

    essncia totalmente poltico e que a predominncia do autoritarismo paralelo

    distorcido da filosofia poltica atual (democracia), prevalecendo-se da inobservncia

    das leis, normas e regras.

    2.1. BRASIL E O PODER PARALELO NA DEMOCRACIA

    Com a transio do poder da ditadura para democracia, imaginvamos que

    mudanas ocorreriam, ledo engano. A democracia foi estabelecida, mas no

    garantida, por no haver modificao do Estado nas suas relaes com as classes

    populares, no que mais importante, o enquadramento, a normalizao e controle

    institucional da violncia.

    O Brasil tem tradio autoritria e dogmas de austeridade poltica que

    descaracterizam o que democracia e o que sobressai a organizao do poder, as

    limitaes do povo, sendo que aparentemente parece existir uma pacificao das

    transies polticas, com traos de benevolncia.

    Este legado do autoritarismo continua at nossos dias. Imbudo nesta

    herana da ditadura existe o poder paralelo mascarado como democracia, e que so

    reforados pelos governos austeros, onde encontramos os donos do saber na sua

    onipotncia do poder. Como dizia Scrates somente os inteligentes deveriam

    governar, mas os intelectos no so to numerosos quanto os narizes.

    A perversidade do poder paralelo, a onipotncia do saber e do poder ora

    instituda mais rgida e mais violenta do que as prticas polticas, porque ela atinge

    toda a estrutura do sujeito. Esta violncia contra uma ou mais pessoas

    dissimulada, camuflada pela palavra democracia - o governo: do povo, pelo povo e

    para o povo.

  • 10

    2.1.1 DEMOCRACIA OU AUTORITARISMO

    Na fase de transio poltica do autoritarismo para a democracia, torna-se

    invivel uma transformao da estrutura organizacional dos aparelhos de Estado pela

    dissimulao do prprio objetivo da democracia, o que assegura o poder paralelo e

    sua manuteno. Tendo como aliada a Constituio de 1988, onde foi reiterada a

    organizao dos aparelhos repressivos formulada durante a ditadura: a constituinte

    rescreveu o que os governos militares puseram em prtica.

    Os movimentos de direitos humanos, tem sofrido com esse legado, porque

    ele dificulta a concretizao de seus objetivos. Principalmente tendo como seu

    oponente a pedagogia do medo, aplicada sistematicamente s classes populares

    (invaso de domiclio, espancamentos, seqestros, massacres) e no Sistema

    Penitencirio a quase inexistncia dos direitos humanos para os reclusos e

    funcionrios.

    O Brasil com seus regimes autoritrios tem agido com omisso,

    ocasionando negligncia, imprudncia e impercia na estrutura prisional. Esta cena

    s poder ser mudada quando houver um envolvimento profissional no trabalho,

    com reconhecimento do trabalho dos funcionrios. Podemos dizer que trata-se de

    uma utopia, porque a dissimulao est presente nas relaes de poder, e atuam

    com autoridade e esta a concepo de disciplina para ter poder.

    Este poder paralelo est implcito nas Unidades penais nos microcontextos

    (Agente Penitencirios), numa escala hierrquica que se inicia nos centros da cena

    poltica, chamados aqui de macrocontextos (Chefes de Estado e Secretrios de

    Estado).

  • 11

    2.1.2 ESTRUTURA DE PODER NO BRASIL

    A estrutura de poder no Brasil nega os direitos humanos da populao,

    significando que apenas houve um trocadilho de palavras senhor por patro,

    escravo por trabalhador. Com apenas duas classes, a dos dominantes e dos

    dominados, e ficando claro o desprezo pelas leis. Paulo S. Pinheiro5(1991, pg.52),

    diz que a lei jamais serviu para inibir o arbtrio das aes dos governantes. Esta

    situao ficou mais clara aps a Segunda Guerra Mundial.

    Tanto a democracia, quanto a transio democrtica no interferiram na

    prtica da violncia no Brasil, como exemplo, os militares com suas ditaduras, a

    polcia militar nas ruas, a polcia civil nas delegacias, ambas praticando torturas

    inadmissveis e abusos fsicos, sendo que estas permanecem impunes. Alm desses

    h os esquadres da morte, grupos de justiceiros, bandos de extermnio. No Sistema

    Penitencirio encontramos o domnio do saber e do poder, com seus dogmas e

    rituais e os defensores de direitos humanos tem sempre encontrado ao longo dos

    anos uma barreira na estrutura do poder.

    5 Professor de Cincia Poltica na Universidade de So Paulo e diretor do Ncleo de Estudos da Violncia - USP.

  • 12

    3. PODER PARALELO NO SISTEMA PENITENCIRIO DO PARAN

    Como o Brasil vive uma pseudo democracia, era de esperar que o Sistema

    Penitencirio do Paran fizesse parte desse contexto, mesmo que a especificidade do

    trabalho seja to distinta das demais atividades do Estado. Ela apresenta uma

    identidade prpria e o poder paralelo se faz presente sobrepondo-se ao poder oficial,

    procurando manter o controle absoluto sobre as prticas dos funcionrios.

    Percebemos a inexistncia de metas, objetivos, planejamentos anuais, com

    relao ao trabalho desenvolvido pelos 1828 servidores pblicos (pgina oficial na

    Internet do departamento Penitencirio do Estado do Paran), em prol da massa

    carcerria. Frente a esta situao de indiferena, as diretrizes inexistem, h o

    descaso com o trabalho tcnico, o autoritarismo fica evidente e a necessidade de

    mostrar algum trabalho recai sobre os funcionrios que esto sob o julgo do poder

    paralelo.

    Enlaado em todo o trabalho desenvolvido pelos tcnicos, funcionrios

    administrativos, agentes penitencirios e presos, existe uma intimidao advinda do

    poder paralelo sob o oficial, que no se preocupa com o profissionalismo e sim com o

    interesse pessoal, numa mescla de status e poder.

    A sutileza com que o poder paralelo se infiltra e se estabelece, faz parte de

    uma forma particular de astucia, no qual o Sistema Penitencirio sobrevive.

    3.1. ESTABELECIMENTOS PENAIS

    Nas Regras Mnimas para o Tratamento do Preso no Brasil, pg. 21, Captulo

    IV - Dos locais destinados aos presos, no Art. 9o, est escrito: os locais destinados

    aos presos devero satisfazer as exigncias de higiene, de acordo com o clima,

    particularmente no que se refere superfcie mnima, volume de ar, calefao e

    ventilao.

  • 13

    Em 1997, foi solicitado ao Setor de Engenharia de Segurana e Medicina do

    Trabalho, da Diviso de Medicina e Sade Ocupacional, da Secretaria do Estado do

    Paran, um levantamento de Insalubridade e Periculosidade das Unidades Penais do

    Estado, com o objetivo de apresentar um laudo tcnico das condies de trabalho

    dos diversos setores das Unidades Penais.

    Foram usados no levantamento critrios qualitativos e quantitativos com

    visitas aos locais de trabalho, com inspeo visual e levantamento dos seguintes

    dados: condies fsicas do local, mtodos de trabalho, presena de agentes

    agressivos e utilizao de equipamentos de proteo individual.

    A determinao de periculosidade e dos graus de insalubridade, baseou-se

    na anlise dos dados levantados em campo, confrontando-se com parmetros

    determinados pela Lei 10.692 de 27 de dezembro de 1993, que tem como base a

    Portaria no 3.214, de 8 de junho de 1978. Esta definiu as Normas Regulamentadoras

    15 e 16 que tratam das atividades e operaes perigosas, respectivamente.

    Foram encontrados agentes agressivos caracterizadores de insalubridade

    em seu grau mximo no setor de odontologia, enfermaria e medicina. Os demais

    setores das Unidades Penais apresentaram agentes agressivos, e portanto geradores

    de insalubridade em grau mdio.

    A sugesto dos peritos era que fossem organizadas comisses com

    parmetros similares a uma Comisso Interna de Preveno de Acidentes (CIPA) em

    todo o Sistema Penitencirio do Paran; visando observar e relatar condies de

    risco nos ambientes de trabalho e solicitar a quem de direito, medidas para reduzir e

    at eliminar os riscos existentes e/ou neutralizar os mesmos.

    Desde que o laudo tcnico de insalubridade e periculosidade foi realizado,

    h seis anos, as Unidades Penais vem sofrendo um aumento significativo de

    insalubridade, superlotao de presos, presos com doenas infecto-contagiosas, etc..

  • 14

    Os locais tem se tornado cada dia mais imprprios para o cumprimento da pena e

    tratamento dos apenados.

    At a presente data o Sistema Penitencirio tem sofrido rebelies e motins,

    onde so feitos alguns reparos, sem a devida ateno e respeito Lei de Execuo

    Penal no 7210 de 11 de julho de 1984, artigo 82, que exige dos estabelecimentos

    penais obedecerem os conhecimentos modernos das cincias penitencirias e da

    arquitetura, para que seja facilitada a realizao dos programas de tratamento e de

    reinsero social.

    A omisso do Estado evidente, mesmo estando ciente que os presos so

    tutelados pelo Estado e que os funcionrios esto ali para trabalhar e no para

    cumprir pena. Enquanto as pessoas que detm o poder sentirem a necessidade de

    ostentao, autoritarismo, voltarem seus objetivos somente para novos presdios

    administrados por tercerizadas, o poder paralelo estar presente, com o mesmo

    afinco, subjugando a todos que seu poder puder atingir.

    Como ilustrao trouxemos uma parte de um texto escrito pelo preso N.N.

    (nome fictcio): ... o meu valor tem aumentado e propriamente eu estou me

    valorizando com minha sade. Neste momento que escrevo, desejo para mim

    mesmo, sorte, fora e que eu continue lutando para que em breve eu possa ser eu

    mesmo, no dependente de algumas drogas, N.N. 17/05/2002.

    Esta pessoa foi presa por furto, artigo 155. Furtou R$ 55,00 para comprar

    drogas. Havia participado de Acompanhamento Psicolgico e Exame Criminolgico,

    recebendo o benefcio pleiteado de Livramento Condicional por unanimidade de

    votos em reunio da Comisso Tcnica de Classificao. Aps dois meses que

    escreveu esta carta faleceu de leptospirose nas instalaes do Sistema

    Penitencirio. Durante um ano e sete meses recebeu tratamento devido as drogas.

  • 15

    3.2. SISTEMA PENITENCIRIO DO PARAN E O

    PSICLOGO

    Em 11 de julho de 1984, foi instituda a Lei de Execuo Penal, No. 7.210,

    o artigo 1ro tem por objetivo, efetivar as disposies de sentena ou deciso criminal

    e proporcionar condies para a harmnica integrao social do condenado e do

    internado. Com base neste artigo ficou efetivada a participao do psiclogo no

    trabalho do Sistema Penitencirio, assessorando os juizes e promotores com

    informaes e avaliaes referentes aos presos e contribuindo para programas de

    tratamento penal.

    3.2.1. HISTRICO DO SISTEMA PENITENCIRIO DO

    PARAN E O PROFISSIONAL DE PSICOLOGIA

    Foi criada em 19 de novembro de 1811, a comarca de Paranagu e

    Curitiba, integrada capitania de So Paulo. Mesmo depois da Independncia do

    Brasil em 7 de setembro de 1822, a regio continuou submetida a So Paulo. Uma lei

    provincial de So Paulo elevou Curitiba categoria de cidade em 6 de fevereiro de

    1842. Em 9 de agosto de 1853 foi, enfim, aprovado o projeto de criao da provncia

    do Paran. Curitiba tornou-se capital e Zacarias de Gis e Vasconcelos foi o primeiro

    presidente da provncia.

    Nesta poca havia uma grande expanso da produo de erva-mate. Por

    ser muito pequena a populao da provncia, deu-se incio a um programa oficial de

    imigrao europia, principalmente poloneses, alemes e italianos, contribuindo para

    a expanso do povoamento e o surgimento de novas atividades econmicas.

    Com a implantao de ferrovias, nas ltimas dcadas do sculo XIX, houve

    o crescimento da indstria madeireira, j que algumas ferrovias ligavam as regies

    das florestas de araucrias aos portos, como Paranagu e de So Paulo. Ao mesmo

  • 16

    tempo, o desaparecimento do transporte com muares ocasionou uma crise na

    sociedade pastoril.

    Neste sculo XIX, ficou estabelecido de maneira mais efetiva o vnculo

    entre indivduo e Estado, em que ambos tm direitos e deveres a serem respeitados

    e cumpridos. Com as leis e normas impostas pelo Estado, as pessoas que no se

    submetiam a elas cumpriam pena de priso em instalaes existentes em Companhia

    da Polcia Militar.

    Com o crescimento demogrfico em Curitiba, D. Pedro II, no ano de 1881

    ao visitar esta cidade, ouviu os anseios da comunidade e resolveu construir uma

    maternidade, localizada no bairro do Ah. Posteriormente, esta maternidade foi

    transformada em hospital psiquitrico. Como havia necessidade em ter uma priso

    em Curitiba, foi feita uma adaptao no hospital e uma das alas da segurana

    externa ficou a cargo da Polcia Militar para abrigar os detentos.

    Como a rea cedida pelo hospital psiquitrico para abrigar os presos estava

    pequena, o ento Presidente do Estado do Paran Vicente Machado da Silva Lima e o

    Provedor da Santa Casa de Misericrdia Monsenhor Alberto Jos Gonalves, em 28

    de abril de 1905, lavraram em cartrio o contrato de aquisio, por parte do Estado

    do Paran, do prdio onde funcionava este hospital psiquitrico para instalar o

    presdio, sendo autorizada a transferncia do hospital psiquitrico para outra

    localizao. A rea da nova priso compreendia cerca de 42.000 m2 e as instalaes

    remodeladas para ser uma Unidade Penal.

    A primeira Penitenciria do Estado do Paran, localizada no bairro do Ah

    na cidade de Curitiba, tem origem na data de 5 de janeiro de 1909, no tendo

    notcias de inaugurao formal. Sua capacidade inicial era de 52 celas individuais e

    foram alocados 55 presos, sendo 49 homens e 6 mulheres.

  • 17

    Em 26 de fevereiro de 1925, inaugurada a Casa de Deteno, localizada

    na Rua Visconde de Guarapuava, para abrigar presos no condenados. Foram

    recolhidos ali 22 indivduos, uns submetidos a processo, outros j pronunciados,

    aguardavam os respectivos julgamentos. Em 1928 a Penitenciria do Estado passou

    a contar com mais 40 celas, perfazendo um total de 92 celas, porm, sua lotao j

    era de 122 presos, sendo impossvel manter o regime imposto.

    Atravs do Decreto N 253, de 7 de fevereiro de 1934, o Interventor

    Manoel Ribas, visando reduzir despesas, simplificar e reorganizar o Estado,

    determina a instalao da Casa de Deteno numa parte que lhe fosse destinada no

    edifcio da Penitenciria do Estado.

    Somente com o Decreto N 2.043, de 9 de fevereiro de 1945, o ainda

    Interventor do Estado, Manoel Ribas, aprovava, juntamente com o Capito Fernando

    Flores, da Chefatura de Polcia, o Regulamento das Prises Provisrias, passando a

    denominar-se Penitenciria Central e Priso Provisria do Estado.

    A Penitenciria Central do Estado, inaugurada em 1 de dezembro de 1954,

    e localizada em Piraquara, foi a 3 unidade penal construda no Paran. Sua

    construo iniciou-se em maio de 1944, com diversas paralisaes. Teve sua obras

    reiniciadas em 1951, na gesto do Dr. Jos Muniz de Figueiredo, na poca Diretor

    Geral do Departamento de Estabelecimentos Penais do Estado, que a concluiu e

    inaugurou, sendo tambm seu primeiro Diretor. Esta Unidade Penal passou a

    desenvolver as atividades de Penitenciria Central do Estado, liberando a Unidade

    Penal do Ah para os servios de priso provisria a qual, posteriormente, recebeu o

    nome de Priso Provisria de Curitiba.

  • 18

    Com a superlotao da Priso Provisria de Curitiba foi construda uma

    nova ala em 1958, com esta obra a priso permitiu alojar 350 presos. Hoje ela est

    adaptada para alojar 584 presos.

    No ano de 1979, houve a contratao dos trs primeiros psiclogos no

    Sistema Penitencirio. Contudo, importante ressaltar que antes da implantao do

    quadro de Psiclogos, parte das funes eram desempenhadas por estagirios.

    Em 1981 foi construdo o prdio em frente a Priso Provisria de Curitiba,

    pelos detentos, com a finalidade de reduzir o ndice de ociosidade, alm de baratear

    a obra. Nesta obra instalou-se o Departamento Penitencirio (DEPEN), que uma

    unidade de execuo programtica da administrao direta da Secretaria da Justia e

    Cidadania. Esta supervisiona e coordena os estabelecimentos penais e demais rgos

    do Sistema Penitencirio, conforme Lei de Execuo Penal, Lei Federal no 7.210/84,

    referente custdia, segurana e assistncia aos presos provisrios, condenados e

    submetidos medida de segurana preventiva, bem como aos apenados que

    cumprem pena em regime aberto.

    Em 1983, houve a juno da Secretaria da Justia com a Secretaria da

    Sade e do Bem Estar Social, sendo realizado um concurso em agosto desse ano,

    ampliando o quadro funcional de tcnicos ligados sade. Nos anos seguintes houve

    um reduzido nmero de novas contrataes .

    3.2.2. RECURSOS HUMANOS DO DEPARTAMENTO

    PENITENCIRIO

    O Departamento Penitencirio do Estado do Paran dispe atualmente

    (maio de 2002) um total de 1.828 funcionrios, dos quais 69% so Agentes

    penitencirios, 21% Administrativos e 10% de Tcnicos, segundo mostra a Tabela 1.

  • 19

    Para uma melhor visualizao destes nmeros, no Grfico 1, mostramos o

    comportamento descrito do quadro de pessoal.

    Unidade Penal Agentes Penitencirios

    Administrativos Tcnicos

    Complexo Mdico-Penal 177 109 49

    Centro de Observao Criminolgica e Triagem 59 13 9

    Colnia Penal Agrcola 181 53 18

    Departamento Penitencirio do Estado 24 44 27

    Escola Penitenciria 1 4 2

    Patronato Penitencirio de Curitiba 2 10 13

    Penitenciria Central do Estado 216 39 10

    Penitenciria Estadual de Londrina 165 30 13

    Penitenciria Estadual de Maring 123 26 12

    Penitenciria Feminina de Regime Semi-Aberto 23 4 2

    Penitenciria Feminina do Paran 82 14 5

    Priso Provisria de Curitiba 199 38 23

    Patronato Penitencirio de Londrina 3 3 3

    Tabela 1. Recursos humanos do Departamento Penitencirio do Estado do Paran. Quadro demonstrativo de Pessoal. Posio em 30 de abril de 2002. Fonte: pgina oficial na Internet do Departamento Penitencirio do Estado do Paran http://www.pr.gov.br/depen

    Grfico 1. Perfil do servidor no Sistema Penitencirio.

    Fonte: pgina oficial na Internet do Departamento Penitencirio do Estado do Paran http://www.pr.gov.br/depen

  • 20

    Os psiclogos nas Unidades Penais do Estado distribuem-se segundo

    mostrado na Tabela 2. Conforme esta tabela, no Sistema Penitencirio (excluindo as

    Unidades Penais tercerizadas), o nmero de Unidades Penais onze. Sete delas de

    regime fechado, duas de regime semi-aberto e duas de regime aberto. A capacidade

    de presos no regime fechado e semi-aberto de 4.272. O nmero de presos,

    contando os egressos, de 6.680 e um total de 24 psiclogos.

    Regime Unidade Penal Capacidade de Presos

    Nmero de Presos

    Nmero de Psiclogos

    Fechado Complexo Mdico-Penal 280 350 5

    Fechado Centro de Observao Criminolgica e Triagem 110 110 1

    Semi-aberto Colnia Penal Agrcola 810 920 1

    Aberto Patronato Penitencirio de Curitiba - 500 2

    Fechado Penitenciria Central do Estado 1320 1300 4

    Fechado Penitenciria Estadual de Londrina 504 520 3

    Fechado Penitenciria Estadual de Maring 504 360 3

    Semi-aberto Penitenciria Feminina de Regime Semi-Aberto 40 23 0

    Fechado Penitenciria Feminina do Paran 120 157 0

    Fechado Priso Provisria de Curitiba 584 790 4

    Aberto Patronato Penitencirio de Londrina - 350 1

    Tabela 2. O Psiclogo nas Unidades Penais do Estado. Fonte: pgina oficial na Internet do Departamento Penitencirio do Estado do Paran http://www.pr.gov.br/depen

    3.3. PSICOLOGIA JURDICA

    O ttulo profissional de Especialista em Psicologia Jurdica foi institudo pelo

    Conselho Federal de Psicologia, na resoluo n14, de 20 de dezembro de 2000.

    Conforme a psicloga Sonia Rovinski6, a psicologia jurdica a psicologia aplicada ao

    campo da prtica judicial, constituindo-se em uma das reas de estudo resultante

    das relaes entre a psicologia e a lei.

    6 Sonia Rovinski. Mestre em Psicologa Social e da Personalidade, pela Universidade Catlica do Rio

    Grande do Sul. Coordenadora e professora do curso de especializao em Psicologia Jurdica da

    Universidade Luterana do Brasil, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

  • 21

    A psicologia jurdica surgiu com a necessidade de auxiliar aos magistrados

    nos trmites jurdicos, relacionados a avaliaes clnicas, por esta razo o psiclogo

    que atua nesta rea deve estar familiarizado com o sistema jurdico.

    O Perito Criminal Federal Fernando de Jesus (2001, pg.68) comenta a

    interveno da psicologia jurdica nos sistemas penitencirios, implica em uma

    atuao planificada e dirigida a promover a mudana das prises para torn-las mais

    eficientes e eficazes na resoluo de seus problemas, na busca de atingir suas metas

    organizacionais. Como problemas e objetivos penitencirios a serem atingidos,

    poderamos falar dos dficits sociais, dos encarcerados e a necessidade de uma

    preparao de seu retorno para a sociedade, como tambm a necessidade de um

    clima organizacional positivo, de segurana, de educao e de motivao tanto dos

    presos como dos funcionrios de penitenciria.

    Todos os psiclogos do Sistema Penitencirio do Paran, Especialistas em

    Psicologia Jurdica, obtiveram este ttulo pela constatao de sua experincia

    profissional na rea , conforme resoluo n 014/00, do Conselho Federal de

    Psicologia e atualmente encontram dificuldades em seu reconhecimento pelo Estado,

    devido a ingerncia da Comisso de Avaliao de Ttulos da Secretaria de Estado da

    Administrao e da Previdncia do Paran .

    3.3.1. PSICLOGO JURDICO NA PRISO PROVISRIA DE

    CURITIBA (PPC)

    A Priso Provisria de Curitiba se caracteriza por ser uma instituio penal

    eminentemente punitiva, num contexto que inclui a maneira da execuo da pena

    privativa de liberdade e medidas de segurana, assim como um conjunto de normas

    jurdicas relativas ao tratamento penal do detento, que se encontram no Estatuto

    Penitencirio do Estado do Paran7. Este estatuto uma adaptao da Lei de

    7 Decreto no 1.276, de 31 de outubro de 1995.

  • 22

    Execuo Penal e de regras recomendadas pela Organizao das Naes Unidas e

    pelo Conselho Penitencirio Nacional.

    Para explicar o trabalho do psiclogo jurdico no Sistema Penitencirio,

    utilizaremos como referncia as atividades desenvolvidas na Priso Provisria de

    Curitiba.

    Atividades:

    3.4 Entrevista preliminar

    Quando o sujeito entra no presdio estamos recebendo um indisciplinado, muitas vezes

    desobediente e desumano, se tivesse humanidade saberia respeitar o outro. Existem normas que ele deve seguir

    e com isso ele no pode ser contra o grupo do presdio, a lei se faz presente de duas maneiras a lei do presdio

    e a lei do preso.

    Tem que ser tambm submisso sano disciplinar, que em seguida explicarei. Neste primeiro

    momento feita uma entrevista preliminar, onde so colhidos dados gerais desta pessoa. Este primeiro contato

    realizado no Centro de Observao Criminolgica e Triagem.

    Quando ele encaminhado para as Unidades Penais, passa por nova entrevista, onde poderemos

    constatar a veracidade dos dados colhidos, pois teremos em mos informaes precisas com relao a este preso

    e ao delito cometido. submetido a teste de personalidade. Esta coleta de dados da vida do recluso sero

    necessrias para o acompanhamento do preso durante a execuo da pena. Todas as semanas realizada uma

    reunio interdisciplinar, onde os tcnicos de psicologia , servio social, terapia ocupacional, pedagogia ,segurana

    e direo da Unidade, trocam informaes a respeito dos presos que esto ingressando no presdio, para

    traarem um perfil tcnico, que ir auxiliar no planejamento de tcnicas para o trabalho na Unidade.

    3.4 Acompanhamento Psicolgico

    O acompanhamento psicolgico realizado de acordo com a demanda, atendendo solicitao do

    preso, do prprio setor de psicologia, psiquiatria , demais setores tcnicos e segurana. Quando necessrio so

    realizados testes psicolgicos. Este acompanhamento visa o crescimento pessoal do apenado, atendendo-o em

    suas crises, conflitos, trabalhando o processo de reinsero social, observando sua evoluo prisional, seus

    interesses, perspectiva de vida, como ocupa seu tempo em recluso, seus vnculos afetivos, tipos de

    relacionamento, etc.

    3.4 Exame Criminolgico

    Atividade prevista na Lei de Execuo Penal para atender mandados judiciais da Vara de Execues

    Penais referentes aos benefcios requeridos a presos com direito progresso de regime e ao livramento

    condicional. O exame criminolgico consiste em entrevistas especficas realizadas pelas reas tcnicas assim

    como aplicao de testes de personalidade, consulta e pesquisa criminolgica nos autos, em estudo de caso e

    consulta disciplinar no setor de segurana. realizada uma reunio interdisciplinar da Comisso Tcnica de

    Classificao para discusses e apreciaes dos casos relacionados na pauta semanal. Com informaes precisas

    o juiz informado se o preso poder ou no receber o benefcio pleiteado. Esta Comisso Tcnica de

    Classificao uma exigncia da Lei de Execuo Penal.

  • 23

    3.4 Comportamento Disciplinar

    Os presos que cometem infraes na Unidade Prisional, sero julgados pelo Conselho Disciplinar,

    formado por representantes de todas as reas tcnicas e segurana. O psiclogo que participa deste Conselho,

    procede da seguinte forma: entrevista especfica para apurao dos fatos, tipo de envolvimento, grau de

    comprometimento psicolgico. Caso haja testemunhas o mesmo procedimento efetuado.

    A reunio do Conselho Disciplinar tem como objetivo discutir, avaliar e julgar o(s) caso(s),

    enquadrando-os ou no no tipo de falta e aplicao da sano . O conselho tambm executa as reabilitaes dos

    sancionados.

    O Psiclogo Jurdico, assume e administra seu papel de facilitador do

    acompanhamento disciplinar, exigido no trabalho com a sade mental do preso,

    propondo estratgias de ao para combater problemas existentes e solues

    adequadas s situaes imediatas, buscando manter o elo de integrao entre as

    pessoas e seu ambiente. Durante o trabalho com os detentos, o psiclogo jurdico

    trata com pessoas psicolgica e psiquiatricamente comprometidas, incluindo

    oligofrenia, epilepsia, neurose, anti-sociais e psicoses, todos com o agravante

    chamado CRIME.

    Os valores, cultura, educao que os delinqentes trazem consigo constitui

    uma outra situao de complicao no trabalho do psiclogo. Ressaltemos que, ao

    adentrar no Sistema Penitencirio, os delinqentes tero que adaptar-se cultura e

    normas do presdio e que quando saem, a confuso de valores ticos, sociais e

    culturais mostram-se evidentes.

    No Grfico 2, apresentamos o perfil criminal do preso em 2002,

    demonstrando os tipos de crimes e evidenciando quanto rduo o trabalho do

    psiclogo jurdico. O psiclogo jurdico responsvel por verificar a motivao

    criminal associada s caractersticas de personalidade de cada preso, alm de tratar

    da prisionizao. Esta fica evidente no acompanhamento psicolgico do detento

    durante todo o tempo de sano penal imposta pelo juiz, a qual, na maioria dos

    casos de dois at vinte e cinco anos de recluso.

    Alm das atividades descritas, este profissional desempenha tarefas nas

    quais trabalha-se com as famlias dos detentos e, sempre que necessrio, auxilia no

  • 24

    gerenciamento de programas direcionados aos funcionrios. Para a execuo do

    trabalho tcnico existe respaldo de pesquisas sobre questes pertinentes ao Sistema

    Penitencirio, atuaes junto s varas criminais, cveis, justia de trabalho, famlia,

    da criana e do adolescente e elaborao de programas especficos e emergenciais

    da rea de psicologia.

    Grfico 2. Perfil criminal do preso em 2002. Fonte: pgina oficial na Internet do Departamento Penitencirio do Estado do Paran http://www.pr.gov.br/depen

    Nesta seqncia de atividades, o tcnico est frente a seus anseios,

    expectativas, aptides, ansiedades, medos, desejos, ao mesmo tempo que depara

    com uma sobrecarga de atividades e exigncias da organizao atendendo as

    necessidades, demanda e imprevisibilidade, caractersticas da instituio prisional.

    Vivenca frustraes constantes advindas do poder paralelo, que exige desses

    profissionais um grande esforo para ajustar-se ao mando do abuso do poder e

    procura tambm ter o cuidado para que sua sade fsica e mental no deteriore.

    A exausto emocional percebida em pessoas que trabalham no Sistema

    Penitencirio e o psiclogo acaba sendo um suporte para os comportamentos de

    tenso emocional.

  • 25

    Com a sucesso de autoridades desprovidas de critrios tcnicos,

    administrativos e sem conhecimento da realidade peculiar das Unidades Penais, mas

    com a prepotncia de considerarem-se uns sbios nesta rea, acabam provocando

    desentendimentos com seus subordinados pela falta de continuidade de pensamento

    tcnico, administrativo e organizacional, contribuindo significativamente para que

    servidores pblicos que trabalham no sistema penitencirio, apresentem sentimento

    de desqualificao, esgotamento pessoal com interferncia na sua vida privada,

    transtornos psicossomticos resultando em fadiga crnica, freqentes dores de

    cabea e outras desordens orgnicas, conseqncias estas, desencadeadas pela

    tirania encontrada no trabalho.

    Percebemos tambm, a incapacidade de concentrao, conflitos

    interpessoais no ambiente de trabalho e dentro da prpria famlia, ocasionando

    desmotivao na execuo das tarefas e contribuindo para o absentesmo

    ocupacional.

    Temos percebido que a exausto emocional aumenta gradativamente,

    emergindo aps 10 anos ininterruptos na carreira profissional dentro do Sistema

    Penitencirio, em contato sistemtico com os detentos. Estes sintomas adquirem

    uma preponderncia nas mulheres, possivelmente devido carga dupla de trabalho

    que concilia a prtica profissional e a tarefa familiar.

    Cada pessoa age de maneira prpria, no podemos generalizar os

    sintomas. Salientamos que a exausto emocional desencadeia uma srie de

    estmulos negativos dentro de um ambiente de trabalho periculoso por natureza, e

    mesmo assim, existe a procura constante em desenvolver a contento suas

    atividades. A maneira de perceber esses fatores, depende dos valores que cada um

    tem de si, do seu psiquismo, pois sabemos que uma mesma situao pode ser

    interpretada de formas diferentes por vrios indivduos, depende da disposio

    pessoal em relacionar-se com os estmulos internos ou externos.

  • 26

    Podemos observar essas caractersticas pessoais dentro da Unidade Penal,

    quando deparamos com briga de presos no ptio do presdio, um agente

    penitencirio fica na torcida para ver quem vence e quem morre, outro agente fica

    apavorado com a crueldade do acontecimento. As conseqncias emocionais para

    estes agentes, depender da sua estrutura interior e das condies emocionais

    atuais. Nesta, como em vrias outras situaes conflitantes, o psiclogo chamado

    como mediador, tanto em relao aos presos envolvidos, quanto aos funcionrios

    que presenciaram a cena.

    Toda essa bagagem profissional que o psiclogo vivenca, as experincias

    traumticas, ocasionam esgotamento emocional, podendo levar a exausto e

    resultando em transtornos psicossomticos. um processo contnuo, favorecendo a

    interveno medicamentosa, numa busca constante de evitar sua desestruturao.

    Mediante essas variveis a que esto expostos os psiclogos, ainda existe o

    agravante da carga horria exigida, que modificada de acordo com a disposio de

    cada gesto, impossibilitando um planejamento de vida e uma continuidade de

    trabalho. Mesclado a cobrana de carga horria com a inobservncia do trabalho

    executado e sua produtividade, inevitvel a descontinuidade e falta de respeito

    pelo trabalho que est sendo desenvolvido. Essa instabilidade constante

    determinada pelo poder paralelo, emergindo dor e sofrimento contnuo.

    Com estas inobservncias de direitos humanos, de descumprimento da Lei

    de Execuo Penal e o trabalho exercido diretamente com os presos, percebemos

    que o psiclogo jurdico est exposto a falta de sua preservao fsica e emocional,

    podendo ocasionar estresse, Sndrome de Burnout e outros.

    3.4. POLARIZAO DO PODER

    No dia 5 de junho de 2000 aconteceu uma rebelio de presos na

    Penitenciria Central do Estado (PCE) (jornal Estado do Paran, em 06/06/2000),

  • 27

    durante a qual os rebelados apresentaram uma lista de exigncias. Uma das

    exigncias foi a substituio da equipe tcnica, composta por advogados, psiclogos,

    assistentes sociais, pedagogos e psiquiatras (Jornal Estado do Paran em

    07/06/2000). Estes tcnicos eram responsveis pelos exames criminolgicos e

    formavam parte da Comisso Tcnica de Classificao.

    Nos termos da Lei de Execuo Penal, o Exame Criminolgico efetuado

    obrigatoriamente nos condenados a pena privativa de liberdade em regime fechado

    (Art. 8vo, caput) e, facultativamente, naqueles destinados ao regime semi-aberto

    (Art. 8vo, pargrafo nico), cujo objetivo obter os elementos necessrios, primeiro,

    adequada classificao e, segundo, individualizao da execuo. So compostos

    por exames clnicos, psiquitricos e psicolgicos, investigao social e pedagogica

    que ao final oferecer um diagnstico, um prognstico e quando for necessrio, uma

    recomendao de tratamento.

    Este exame compe-se de uma srie de anlises que faro parte de uma

    das atribuies da Comisso Tcnica de Classificao, onde se tratar de examinar as

    condies do condenado, a personalidade do criminoso, sua periculosidade, sua

    disposio para o crime, sua sensibilidade para a pena que vem sofrendo e sua

    disponibilidade de reinsero social. Aps a explanao nessa comisso ser

    verificado se o preso rene condies para receber ou no o benefcio pleiteado,

    sendo conhecido como Progresso de Regime.

    Frente a estas atribuies, a equipe tcnica vinha desenvolvendo seu

    trabalho na PCE, inserido na criminologia clnica, com o objetivo da reinsero social

    do recluso. Uma das reivindicaes dos rebelados era que fossem tomadas

    providncias que possibilitassem a diminuio das penas e na transformao delas

    em prises em regime semi-aberto e liberdade condicional, ou seja, no respeitar os

    critrios tcnicos (jornal Tribuna do Paran, 06 de junho de 2000) do Exame

    Criminolgico e da Comisso Tcnica de Classificao, como tambm a reduo da

    morosidade do trmite entre as Unidades Penais e a Vara de Execuo Penal.

  • 28

    O jornal Estado do Paran de 07 de junho de 2000 confirma que, para

    atender a solicitao dos rebelados de substituio da equipe tcnica da PCE, o

    Coordenador do Departamento Penitencirio na poca, General Marco Antnio Svio

    e o Secretrio de Estado da Justia, Jos Tavares, resolveram dissolver a equipe

    tcnica ficando estes profissionais a disposio do Departamento Penitencirio do

    Paran (DEPEN).

    Estes servidores pblicos estaduais tinham uma experincia de Estado e

    Sistema Penitencirio superior h 10 anos e foram colocados a disposio do DEPEN,

    sem justa causa profissional e sem direito a argumentao ou defesa. Humilhados e,

    ao mesmo tempo, rechaados por diretores de outras Unidades Penais, aconteceu

    uma inverso de valores, onde a voz do preso tornou-se nica, com o dito da lei:

    CUMPRA-SE. Constituindo isto um exemplo das injustias de quem detm o poder

    oficial estrapolando para o poder paralelo, mostrando quanto o poder paralelo dentro

    do Sistema Penitencirio autoritrio e cruel.

    Durante a rebelio do dia 5 de junho de 2000, os presos queimaram

    colches e colocaram fogo no depsito de gs, culminado com 70% de perda do

    prdio da Penitenciria. Nessa mesma rebelio, um Agente Penitencirio foi

    empurrado, pelos rebeldes, do telhado da Penitenciria, de uma altura de 10 metros,

    ficando paraplgico (jornal Gazeta do Povo, 6 de junho de 2000). Somente aps 30

    horas de rebelio, os 17 Agentes Penitencirios que eram mantidos como refns

    foram libertados. Com estes fatos ficou evidente o despreparo dos rebelados para

    progresso de regime.

    Quando a cpula do Departamento Penitencirio e da Secretaria de Justia

    aceitaram a retirada do grupo de tcnicos, no questionou-se o quanto eles estavam

    certos em suas anlises. Pelas notcias dos jornais, citados acima, percebemos a

    periculosidade, a disposio para o crime, as personalidades criminosas e sem

    condies de reinsero social dos rebelados, no entanto, o castigo recaiu sobre

    aqueles que estavam realizando seu trabalho com profissionalismo.

  • 29

    Podemos observar com este acontecimento trgico quanto o poder paralelo

    enigmtico, traioeiro, ao mesmo tempo visvel e invisvel, presente e oculto. A

    classe de dirigentes que fazem uso do poder paralelo torna-se obscura e pouco

    elaborada, dominando com austeridade, dirigindo com opresso, prevalecendo seu

    saber nico e absoluto.

    3.5. AGENTE PENITENCIRIO E O SUBJUGO DO PODER

    No ms de janeiro de 2003, um Agente Penitencirio ao desabafar sua

    preocupao e indignao, relatou que h tempo percebeu que o nmero de colegas

    que apresentam comportamento agressivo est aumentando, sendo canalizado o

    comportamento agressivo nos prprios colegas.

    Continuando seu desabafo, ele se refere em particular a um colega que,

    no querendo acatar a ordem de no liberar os presos naquele momento para irem a

    seus setores de trabalho, por segurana do presdio, respondeu com agressividade

    verbal ao superior e em sua irritabilidade, quase o agrediu fisicamente. O fato foi

    comunicado direo da unidade, mostrando preocupao com o comportamento

    negativo do colega e comunicando tambm que haviam mais colegas com este tipo

    de desencadeamento. Alertava para a necessidade de serem encaminhados para um

    acompanhamento psicolgico, antes que acontecesse alguma coisa pior. A resposta

    que ouviu foi a frase utilizada pelos presos deixe quieto.

    Em seu desabafo diz: a gente sofre vendo tais barbries e no

    encontramos quem nos apoie, quem nos auxilie. Me sinto mal, no sei o que fazer,

    no sei qual atitude tomar para ajudar meu colega. Ele no percebe o que se passa

    com ele. Ser certo nos omitirmos?

    Nesta situao temos a ntida sensao de uma colcha de retalhos com

    fazendas que desfiam e no se emendam. As rachaduras so evidentes, atravs da

    indisciplina, cinismo, falta de respeito e falta de liderana. So fissuras que

    continuaro a existir e maltratar quem fizer parte dela. O poder paralelo procurar

  • 30

    refor-la para no perder seu lugar. Enquanto fornecerem fazendas inapropriadas,

    ou seja, indiferena a situaes srias, no dar para tecer a colcha de retalhos e o

    mal estar, a descrena pelo trabalho, o rancor tende a aumentar ficando ntida a

    falsa representatividade do poder.

    Conforme Michel Foucault (2002, pg.73) ressalta: o que fascinante nas

    prises que nelas o poder no se esconde, no se mascara cinicamente, se mostra

    como tirania levada aos mais nfimos detalhes, e ao mesmo tempo, puro,

    inteiramente justificado, visto que pode inteiramente se formular no interior de uma

    moral que serve de adorno a seu exerccio: sua tirania brutal aparece ento como

    dominao serene do BEM sobre o MAL, da ordem sobre a desordem.

    3.6. VULNERABILIDADE DO PRESO

    Iniciamos esta anlise com o primeiro pargrafo de prefcio Programa

    Nacional de Direitos Humanos, do Ministrio da Justia: No h como conciliar

    democracia com as srias injustias sociais, as formas variadas de excluso e as

    violaes reiteradas aos direitos humanos que ocorrem em nosso pas (Fernando

    Henrique Cardoso).

    A triste realidade que o autoritarismo da ditadura, com violncia e

    crueldade atuando nos estados brasileiros, continua existindo em pleno sculo XXI.

    Inserido neste contexto est o Sistema Penitencirio, com seus dogmas, normas e

    leis que atingem o macrocontexto (chefes de Estado) at o microcontexto (Agentes

    Penitencirios).

    As transies que o Brasil vem passando, ditadura militar nas dcadas 60 e

    70, democracia nos anos 80, no modificaram o despotismo na qual os dirigentes se

    expressam. O legado do autoritarismo violento e como mencionamos, h clareza

    com que essa crueldade est inserida no Sistema Penitencirio e que sobrepe ao

    poder oficial. O Sistema Penitencirio tem vivenciado situaes que representam este

  • 31

    legado de autoritarismo, entre vrias, mencionaremos o isolamento e esquecimento

    de duas celas na Priso Provisria de Curitiba. Antes faremos pequena explanao

    desta Unidade Penal.

    A populao flutuante na Priso Provisria de Curitiba de 790 presos, sua

    capacidade 584 presos, encontramos celas com dois beliches ou dois triliches, desta

    forma so acomodados de seis a onze presos por cela, sem proteo climtica nas

    janelas. Ressaltemos que as celas no tem mais do que 10m2. H inclusive presos

    provisrios junto com presos condenados. No Manual de Treinamento para Pessoal

    Penitencirio, na seo PRESERVAR A DIGNIDADE HUMANA, Seo 2, pg. 21, est

    escrito a pessoa sujeita a qualquer forma de deteno ou priso deve ser tratada

    com humanidade e com respeito da dignidade inerente ao ser humano.

    Nesta Unidade Prisional existem duas celas especiais, tambm de 10m2 de

    rea, cada uma com aproximadamente dez presos. Todos os ocupantes destas celas

    tem medo de possveis represlias de outros presos, cada um com seu motivo

    pessoal. No existe para eles lugar para tomar sol, nem trabalho digno, somente

    alguns possuem atividades laborterpicas8, desenvolvidas nesse espao. Ficam

    trancados 24 horas por dia, durante meses, anos. Apelidaram estas celas de Bateau

    Mouche (o nome do barco que afundou no Reveillon de 1988, na Baa de

    Guanabara, Rio de Janeiro), porque alm de estarem em condies sub-humanas,

    receberam ameaa de morte de outros presos e so conscientes do risco que esto

    correndo com a sada desse local. Caso haja uma rebelio ou motim, eles

    possivelmente sero procurados para serem torturados ou sacrificados. At hoje no

    houveram medidas nem predisposio dos dirigentes do DEPEN para que estas

    pessoas, que esto cumprindo sua sano penal, tenham um lugar digno para viver

    sem esta pena sobre sua prpria pena. Nos referimos neste exemplo apenas a parte

    fsica do ambiente no qual esto sobrevivendo e no mencionamos o que estes

    fatores influenciam para a despersonalizao dessas pessoas. No percebemos por

    parte de quem detm o poder, interesse em preservar a dignidade desses detentos.

    8 Terapia ocupacional

  • 32

    Nas REGRAS MNIMAS PARA O TRATAMENTO DO PRESO NO BRASIL, pg.

    21, Captulo IV Dos Locais destinados aos presos, art. 8 diz salvo razes especiais,

    os presos devero ser alojados individualmente. difcil nas prises e penitencirias

    construdas pelo Estado e no pelas terceirizadas, possurem local para atender este

    requisito. No art. 9 est escrito os locais destinados aos presos devero satisfazer

    as exigncias de higiene, de acordo com o clima, particularmente no que se refere

    superfcie mnima, volume de ar, calefao e ventilao. As celas com a metragem

    10m2, alm de excederem ao nmero de presos, ainda no possuem condies

    mnimas de higiene, no existe manuteno adequada na parte eltrica, hidrulica,

    parte fsica do prdio, etc. . As janelas so apenas com grades, o que favorece a

    entrada de frio, de chuva, sem que os presos possam se proteger. A ventilao

    mnima, quando entramos nos corredores sentimos o cheiro de ocre e pouca

    iluminao.

    Este um exemplo do que acontece com a violao dos direitos humanos e

    de que forma o autoritarismo e a violncia atuam nas prises. Se fizermos uma

    anlise crtica do que respeitado nas REGRAS MNIMAS PARA O TRATAMENTO DO

    PRESO NO BRASIL, observamos que o mnimo dos artigos que so seguidos. Trata-

    se de um problema politicamente sem importncia, sem considerao e sem

    humanidade, onde os direitos humanos no tem acesso. Este desrespeito aos

    princpios de direitos humanos, parece atingir somente os presos, mas no! Ele

    atinge todos os funcionrios que trabalham diretamente com os presos, pois esto

    sujeitos tambm a estresse, doenas fsicas e emocionais, violncia fsica, Sndrome

    de Bournout, etc.

    O Departamento Penitencirio Nacional mostra-se conivente com esta

    prtica enquanto no colocar como rotina a fiscalizao dos presdios, como tambm,

    oferecer subsdios financeiros para suas reformas e manuteno, e no somente

    voltar sua ateno aos novos presdios construdos.

  • 33

    4. CONCLUSO

    Mesmo com as transies ocorridas no Brasil, decorrentes do sistema

    colonial, fim da ditadura militar e passando para a democracia, vivenciamos as

    resistncias estruturais, com razes slidas, do autoritarismo. As lideranas do poder

    oficial na democracia procuram atenuar suas responsabilidades de posio

    dominante, mas abriram espao ao poder paralelo, que se infiltrou rpida e

    efetivamente em vrias reas da sociedade e inevitavelmente estabeleceu-se no

    Sistema Penitencirio.

    O poder poltico brasileiro quem determina normas e regras para a

    sociedade e essa sistemtica democrtica tenta mascarar o despotismo com

    sutileza. No Sistema Penitencirio do Paran verificamos que as conexes de

    autoritarismo esto interligadas, desde o macro poder (Secretrio de Estado) s

    pequenas autoridades (Agente Penitencirio). Tanto no macro como no micro poder,

    quem faz uso do poder paralelo julga possuir a onipotncia do seu saber e do seu

    poder sobre os colegas de trabalho e/ou presos, podendo ocasionar transtornos

    fsicos e psicolgicos a quem est submetido a eles.

    Para haver uma mudana nesse quadro que citamos necessrio mudar

    nossa maneira de sentirmos o mundo, procurar ver o que no visualizamos e ouvir o

    que no escutamos. Como este um processo muito difcil, quase que uma utopia,

    devemos aprender a conviver com este sistema de interdependncia com

    dominantes e dominados.

    Enquanto o ser humano sentir a necessidade de ostentao e autoritarismo

    sobre o outro e, enquanto houver pessoas para submeter-se a este sistema, o poder

    paralelo estar presente. Precisamos sim, ter o cuidado de no sermos aprisionados

    por essa teia perversa de inter-relaes e contribuir para que os direitos humanos

    ecoem perante a justia, para benefcio da prpria integridade da sade fsica e

    emocional.

  • 34

    5. BIBLIOGRAFIA

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    - MINISTRIO DA JUSTIA, Braslia. Regras mnimas para o tratamento do

    preso no Brasil. Conselho Nacional de Poltica Criminal e Penitenciria, 1995.

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    mar/abr/mai/1991, pp. 45-56.