Post on 23-Jul-2020
FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
ANÁLISE DAS CONTRIBUIÇÕES NO SISTEMA FEDERATIVO BRASILEIRO
Valdana Lima Vidal Matr: 0411335-7
Fortaleza - CE Agosto, 2010
VALDANA LIMA VIDAL
ANÁLISE DAS CONTRIBUIÇÕES NO SISTEMA FEDERATIVO BRASILEIRO
Monografia apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação de conteúdo da Professora Doutora Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça e orientação metodológica da Professora Jarisa Maria Medeiros Silva.
Fortaleza-Ceará 2010
___________________________________________________________________________
V648a Vidal, Valdana Lima. Análise das contribuições no sistema federativo brasileiro / Valdana Lima
Vidal. - 2010. 107 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2010. “Orientação: Profa. Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça.” “Co-Orientação: Profa. Jarisa Maria Medeiros Silva.” 1. Federalismo. 2. Direito Tributário. 3. Ordenamento jurídico. I. Título. CDU 342.24 ___________________________________________________________________________
VALDANA LIMA VIDAL
ANÁLISE DAS CONTRIBUIÇÕES NO SISTEMA FEDERATIVO BRASILEIRO
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Profª Dra. Maria Lírida Calou Araújo e Mendonça - Orientadora UNIFOR
_____________________________________________________ Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo – 1o Examinador
CHRISTUS
_____________________________________________________
Prof. Dr. José Júlio da Ponte Neto – 2o Examinador UNIFOR
Dissertação aprovada em 19 / 08 / 2010.
Dedico este trabalho à minha filha, Milena Lima, por toda compreensão e carinho, pela sabedoria inocente e pelas horas sem brincadeiras...
AGRADECIMENTOS
Especialmente à Professora Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça pela paciência,
apoio e carinho dispensados na orientação e realização deste trabalho.
Às Professoras Jarisa Maria Medeiros Silva e Núbia Maria Garcia Bastos pela
orientação e supervisão metodológicas, que deram forma a esta pesquisa.
Aos professores José Júlio da Ponte Neto e Hugo de Brito Machado Segundo que
aceitaram participar da banca examinadora desta monografia de fim de curso de mestrado.
E finalmente à Vice-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação do Programa de Pós-Graduação
em Direito/Mestrado e Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza.
RESUMO
No âmbito do Direito Constitucional Tributário, este trabalho se propõe a realizar um estudo sobre as contribuições no ordenamento jurídico brasileiro. A abordagem foi realizada com base em aspectos legais, doutrinários, jurisprudenciais e principiológicos, com o fulcro de demonstrar a compatibilidade do instituto com preceitos constitucionais fundamentais protetores dos cidadãos brasileiros. Também foram abordados alguns questionamentos sobre temas envolvendo as contribuições, tendo-se como principal parâmetro a Constituição Federal de 1988. Desta forma, faz-se, inicialmente, uma correlação entre o federalismo brasileiro e a discriminação constitucional de rendas tributárias (atribuição de competências e repartição de receitas) entre os entes federados. A partir desse exame, analisa-se a origem e a natureza jurídica particular das contribuições, bem como a competência da União Federal para instituí-las. Nesse tocante, vale ressaltar se a arrecadação obtida com a instituição das contribuições atende às finalidades sociais a que se destinam ou se servem apenas como mais uma fonte arrecadadora do Estado, sem respeitar a divisão constitucional de rendas tributárias e, consequentemente, o princípio federativo. Desta forma, faz-se uma análise de alguns temas controversos acerca das contribuições, levando-se em consideração os aspectos do pós-positivismo. Palavras - chave: Federalismo. Contribuições. Neoconstitucionalismo.
ABSTRACT
In the Constitutional Tax Law, this research conducts a study about contributions in Brazilian legal system. The approach based on legal, doctrinal, jurisprudential and principle, with the focus to demonstrate the compatibility of the institute with fundamental constitutional protectors of citizens. Also discusses some questions involving contributions, having as main parameter the 1988 Federal Constitution. Thus, makes initially a correlation between the Brazilian federalism and constitutional breakdown of tax revenues (allocation of powers and revenue sharing) among the counties. From this review, makes analyzes of origin and legal nature of contributions, and the competence of the Federal Government to institute them. In this regard, it is noteworthy that the revenue gained from the introduction of contributions to meet the social purposes they are intended or are simply used as a source of state tax office, without regard for the constitutional division of tax revenues and therefore the federal principle. Thus, it is an analysis of some controversial issues about the contributions, taking into account the aspects of post-positivism. Key - words: Federalism. Contributions. Neoconstitutionalism.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 9
1 O ESTADO FEDERAL .................................................................................................... 13
1.1 O Federalismo: breves considerações..................................................................... 13
1.2 A Federação Brasileira na Constituição de 1988 .................................................... 19
1.3 O princípio federativo e as características do federalismo brasileiro....................... 22
1.4 A autonomia dos entes federados........................................................................... 26
1.5 Rumos do federalismo constitucional brasileiro ..................................................... 31
2 A DISCRIMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DE RENDAS NO BRASIL......................... 33
2.1 Competência.......................................................................................................... 33
2.2 Competência tributária........................................................................................... 34
2.3 Atribuição constitucional das competências tributárias no Brasil ........................... 39
2.4 Repartição de receitas tributárias na Constituição Federal de 1988......................... 44
2.5 Os limites jurídicos ao exercício da competência tributária no Brasil ..................... 48
3 AS CONTRIBUIÇÕES NO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO .......................... 56
3.1 Contexto histórico e origem das contribuições ....................................................... 56
3.2 Contribuições: Conceito e características ............................................................... 63
3.3 Contribuições: Classificação.................................................................................. 67
4 ANÁLISE DE TEMAS CONTROVERSOS ACERCA DAS CONTRIBUIÇÕES NO BRASIL ........................................................................................................................ 81
4.1 As contribuições sociais gerais e o princípio federativo ......................................... 81
4.2 A lei complementar nº 110, de 2001 ...................................................................... 87
4.3 Emenda Constitucional 33/2001 ............................................................................ 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 100
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 103
INTRODUÇÃO
O tema das contribuições é de grande relevância e deve ser analisado não apenas por
uma perspectiva conceitual, doutrinária, rígida, mas é preciso contrastá-lo com os princípios
constitucionais, os direitos sociais, dentre outros. É o que este trabalho tentará demonstrar.
Ao analisar o instituto das contribuições, no ordenamento jurídico brasileiro, faz-se
necessário uma breve explanação dos conceitos inerentes, do contexto histórico em que estão
inseridas e como foram criadas. E o estudo de um determinado conceito indica a análise de
outro, que o complementa ou o torna viável.
Assim, no âmbito do Direito Constitucional Tributário, foram abordados alguns
aspectos acerca das contribuições, tendo-se sempre como parâmetro a Constituição Federal de
1988.
A instância máxima do Poder Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, tem
por competência precípua a guarda da Constituição Federal, na forma do caput do artigo 102
da Carta Magna. Esta disposição norteia o pensamento do Poder Judiciário, especialmente
daquela Corte, ou, pelo menos, deveria. O que se tem observado é o cunho político das
decisões da Suprema Corte, o que a desvirtua dos preceitos constitucionais, que protegem os
cidadãos.
Neste aspecto, percebe-se que a interpretação do texto constitucional empregada, não
raro, compromete a integridade do ordenamento, posto que distorce a realidade jurídica das
relações em conflito, como é o caso de muitos aspectos referentes às contribuições, objeto
deste estudo.
E assim, o Estado, mediante a criação de leis visivelmente ofensivas ao contribuinte,
recebe a chancela da mais alta Corte do país, dando um desfecho indigno de Guardião da
Constituição, a uma situação jurídica muitas vezes lesiva à população.
A força normativa da Constituição se vê bloqueada pelos representantes,
democraticamente, escolhidos pelo povo para defendê-la, mas isso é um reflexo da evolução
10
política de um País que ainda não tem a consciência da importância dos princípios
democráticos inseridos na Carta Magna.
O STF acaba considerando constitucionais leis que violam, aberta e diretamente,
cláusulas pétreas, a exemplo da EC 20/1998, forçando o sistema jurídico a aceitar absurdos
legislativos.
Como se vê, o tema em apreço requer um estudo detalhado, a fim de possibilitar
maiores esclarecimentos e dirimir dúvidas quanto à caracterização das contribuições que
influem, diretamente, no cotidiano da população.
Neste contexto, o tema das contribuições é daqueles que provocam grandes discussões,
instigam a mente de grandes pensadores e acabam por produzir Direito, que será usufruído
por todos. E é por essas grandes questões que nasce o orgulho de estudar a ciência do Direito,
como diria o Professor Arnaldo Vasconcelos (2000, p. 39, 42): “[...] dada a relatividade da
condição humana, nenhuma teoria poderá, jamais, atingir a verdade plena, pois tal significaria
que o homem se havia tornado absoluto, dispensando, por isso, o conhecimento”. Por isso,
“produzir teorias que apresentem inovações e alargamento de conteúdo, é tudo o que o
cientista pode desejar”.
Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo geral demonstrar e caracterizar as
contribuições no ordenamento jurídico pátrio e, como objetivos específicos, realizar um
estudo sobre os fundamentos teóricos da criação desse instituto, analisando os princípios
constitucionais que legitimam a sua criação, além de fazer uma abordagem dos pontos
controversos que envolvem o tema, à luz do neoconstitucionalismo vigente.
A metodologia utilizada, nesta dissertação, realiza-se por meio de um estudo descritivo-
analítico, desenvolvido com pesquisa bibliográfica, com a utilização de livros, revistas,
publicações especializadas, bem como artigos e dados oficiais publicados na Internet;
documental, por meio do exame de sentenças, peças processuais dentre outros que abordem o
tema; é pura, à medida que tem como único fim a ampliação dos conhecimentos; e qualitativa,
à medida que se aprofunda na compreensão das ações e relações humanas; é descritiva, posto
que busca descrever, explicar, classificar, esclarecer e interpretar referido instituto; e
exploratória, uma vez que procura aprimorar idéias, buscando maiores informações sobre o
tema em foco.
11
Como dito, o presente trabalho apresenta-se de forma a analisar algumas questões
relativas às contribuições no Brasil, mais especificamente, a relação entre o princípio
federativo e a competência constitucional da União para a instituição de contribuições.
Para tanto, é preciso entender quais as dimensões do princípio federativo no Estado
brasileiro, até onde vai a competência tributária de cada ente federado. A Constituição Federal
de 1988 adota o princípio federativo quando assegura, em seu artigo 1º, ser o Brasil uma
República Federativa, “[...] formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal [...]”, bem como, ao longo de toda a Carta Magna, trata de reafirmá-lo.
Assim, fazem-se, no primeiro capítulo, algumas considerações acerca do sistema
federativo, suas origens, características principais, bem como o federalismo, na Constituição
brasileira de 1988, com suas peculiaridades. Aborda-se ainda, a questão da autonomia
municipal, como um traço característico do federalismo no Brasil.
O segundo capítulo trata da discriminação constitucional de rendas no Brasil, abordando
temas como o da competência tributária, da atribuição constitucional das competências
tributárias no Brasil e a repartição de receitas tributárias na Constituição Federal de 1988.
Também, quais são os mecanismos jurídicos de controle do exercício do poder de tributar dos
entes federados. Verifica-se assim, em que medida o princípio federativo influencia o
exercício da competência tributária da União e dos demais entes.
No terceiro capítulo, trata-se, especificamente, das contribuições no ordenamento
jurídico brasileiro, suas origens, natureza jurídica, espécies e características, baseadas no
pensamento de grandes doutrinadores jurídicos e tributaristas, à luz da Constituição Federal
de 1988.
Como é do conhecimento de todos, o Poder Executivo, não só na esfera federal, tem
sede arrecadatória e, com isso, observa-se que nem sempre os objetivos governamentais se
coadunam com os objetivos do poder constituinte originário, surgindo, então, inúmeras
normas inconstitucionais, até mesmo Emendas Constitucionais, que, no âmago, são apenas
um disfarce dos abusos legislativos que violam, constantemente, o Estado Constitucional
brasileiro.
Questiona-se, então, se a arrecadação obtida com a instituição das contribuições atende
às finalidades sociais a que se destinam ou se servem apenas como mais uma fonte
12
arrecadadora do Estado, sem respeitar a divisão de rendas tributárias traçadas pela
Constituição de 1988 e, consequentemente, o princípio federativo.
Diante disso, o quarto capítulo destaca alguns temas correlatos às contribuições, que
geram inúmeros questionamentos, tais como a existência ou não das contribuições sociais
“gerais”, no ordenamento jurídico brasileiro. Faz-se ainda, um paralelo, entre o princípio
federativo e a lei complementar nº 110. E, por último, uma análise da Emenda Constitucional
nº 33, de 2001, no que se refere à instituição das contribuições de intervenção no domínio
econômico no Brasil.
No quinto e último capítulo, faz-se uma breve análise do pós-positivismo e sua relação
com as contribuições no constitucionalismo brasileiro, visto que o principal fundamento da
instituição das contribuições no Brasil é a aplicação de seus recursos em certas finalidades
constitucionalmente definidas, com o intuito de efetivar direitos fundamentais de segunda e
terceira dimensões.
Diante destas notas introdutórias, pretende este estudo responder alguns
questionamentos acerca das contribuições no Brasil:
De que forma o princípio federativo se vincula às contribuições?
É possível a instituição de contribuições sociais “gerais” no Brasil? Por quê?
Seria necessária alguma mudança, na legislação vigente acerca das contribuições, para
se dirimirem as discussões que envolvem o assunto, ou apenas uma correta interpretação
constitucional sobre o tema seria suficiente?
Verifica-se a real efetividade das finalidades constitucionalmente definidas para as
contribuições, ou estas, são apenas mais uma fonte arrecadatória do Estado?
Na conclusão, à luz do que foi explanado, faz-se uma síntese dos conceitos gerais que
foram abordados e os posicionamentos tomados na pesquisa ora exposta, pelos quais,
atualmente, as contribuições se inserem no Ordenamento Jurídico Nacional.
1 O ESTADO FEDERAL
Diante da amplitude do tema, não há, aqui, o mínimo propósito de esgotá-lo, faz-se
necessário, entretanto, antes da análise do federalismo brasileiro, um breve relato dos pontos
mais importantes que cercam as origens do Estado Federal, algumas distinções e
considerações relevantes para que o estudo do caso brasileiro se torne mais objetivo.
1.1 O Federalismo: breves considerações
Entende-se que o Estado Federal moderno nasceu com a primeira constituição
federalista formulada pelos Estados Unidos da América, em 1787. Este é o pensamento de
José Afonso da Silva (2004, p. 99), embora, segundo Paulo Bonavides (1996, p.180), existisse
na Grécia antiga um federalismo “balbuciante”. Neste caso não há que se falar em federação,
mas em confederação, ainda segundo Bonavides (1996), a Antiguidade, a rigor, não conheceu
o fenômeno federativo com as características do Estado moderno. Corroborando com estas
afirmações está Dalmo de Abreu Dallari (1995, p. 215-216):
Etimologicamente, federação (do latim foedus) quer dizer pacto, aliança. O Estado Federal é, portanto, uma aliança ou união de Estados. Entretanto, em qualquer época da história humana encontram-se referências a alianças entre Estados, reconhecendo-se que só algumas constituíram federações, o que demonstra, desde logo, que essa união deve apresentar algumas peculiaridades importantes que a distinguem das demais. Na realidade, conforme se verá, o Estado Federal é um fenômeno moderno, que só aparece no século XVIII, não tendo sido conhecido na Antigüidade e na Idade Média. Sem dúvida, houve muitas alianças entre Estados antes do século XVIII, mas quase sempre temporárias e limitadas a determinados objetivos, não implicando a totalidade dos interesses de todos os integrantes. Alguns autores entendem que o primeiro exemplo dessa união total e permanente foi a Confederação Helvética, surgida em 1291, quando três cantões celebraram um pacto de amizade e de aliança. Na verdade, porém, essa união, que se ampliou pela adesão de outros cantões, permaneceu restrita quanto aos objetivos e ao relacionamento entre os participantes até o ano de 1848, quando se organizou a Suíça como Estado Federal. O Estado Federal nasceu, realmente, com a constituição dos Estados Unidos da América, em 1787. Em 1776 treze colônias britânicas da América declararam-se independentes, passando a constituir, cada uma delas, um novo Estado. Poucos anos depois celebraram entre si um tratado, conhecido como Artigos de Confederação, aliando-se para uma ação conjunta visando, sobretudo, à preservação da independência... (grifou-se)
14
O principal traço distintivo entre federação e confederação refere-se à legislação
unitária existente na primeira e inexistente na segunda, que cria, indiferentemente, direitos e
obrigações imediatas para os cidadãos dos diversos Estados. É o que relata Bonavides (1996,
p.181):
No Estado federal deparam-se vários Estados que se associam com vistas a uma integração harmônica de seus destinos. Não possuem esses Estados soberania externa e do ponto de vista da soberania interna se acham em parte sujeitos a um poder único, que é o poder federal, e em parte conservam sua independência, movendo-se livremente na esfera da competência constitucional que lhes for atribuída para efeito de auto-organização.
A confederação consiste, portanto, na união de Estados-soberanos, por meio de um
tratado internacional dissolúvel, onde os Estados podem se desvincular a qualquer momento,
o que não ocorre na federação. Nesta não existe, portanto, direito de secessão, visto que, se
efetivada a adesão de um Estado, este não pode mais se retirar por meios legais. Em algumas
Constituições, é expressa tal proibição, mas ainda que não o fosse ela é implícita (DALLARI,
1995, p. 218).
Juntamente com a Constituição norte-americana, surgem os famosos escritos de
Madison, Hamilton e Jay, os chamados artigos federalistas, publicados nos anos de 1787 e
1788, sob o nome de Publius, que contribuíram, imensamente, para a interpretação e
consolidação do sistema federativo em vários países. E, de acordo com referidos autores, a
Constituição seria a Lei Fundamental dos Estados Federais, que, segundo eles, deve: “ser o
padrão para a interpretação das leis e, sempre que houver uma evidente contradição,
prevalecerá dispositivo constitucional” (MADISON; HAMILTON; JAY, 1984, p. 148).
Desta forma, Horta (2010, p. 273) assevera que o Estado Federal é criação jurídico-
política e pressupõe, na sua origem, a existência da Constituição Federal, para instituí-lo.
Segundo ele, há uma relação de causalidade entre Constituição Federal e Estado Federal.
Assim, pode-se afirmar que “é a Constituição, instrumento básico sem o qual nenhum
regime federativo há de vingar” (BONAVIDES, 1987, p. 358). Constitui-se a federação, uma
união de Direito Constitucional, baseada em uma única Constituição e a confederação, uma
união de Direito Internacional, baseada em vários tratados internacionais (BONAVIDES,
1995, p. 179).
15
Horta (2010, p. 274) entende, como um dos pressupostos da organização constitucional
do federalismo, a existência de um duplo ordenamento. O da Federação ou da União, que é o
ordenamento central, e o ordenamento jurídico dos Estados-membros, que são parciais e intra-
estatais. O primeiro é unitário, com incidência nacional, atingindo o povo e o território do
Estado Federal; o segundo é plural, correspondendo ao número de Estados-membros. Tendo a
Constituição, a função de assegurar a coexistência entre esses múltiplos ordenamentos.
De acordo com o pensamento de Hugo de Brito Machado Segundo (2005, p. 20), com
relação ao federalismo norte-americano, do ponto de vista do Direito Internacional, surgiu um
Estado único, que “é integrado, internamente, por Estados-membros, estes invisíveis perante a
comunidade internacional, mas autônomos em relação ao poder central. Assegurou-se, com
isso, a unidade, preservando-se a diversidade relativa a cada colônia”.
Em continuidade a este pensamento, Tocqueville (2001, p.130) assevera que a União
tinha “a finalidade de satisfazer a algumas grandes necessidades gerais”, que foram definidas,
constitucionalmente, como as atribuições do governo federal, e “declarou-se que tudo o que
não estava compreendido na definição fazia parte das atribuições do governo dos Estados”.
Trata-se, aqui, do modelo clássico de repartição de competência, introduzido pela
Constituição Norte-Americana de 1787 – poderes enumerados à União e poderes reservados
aos Estados - (há também o modelo dito “moderno”, concebido a partir do constitucionalismo
do pós-guerra 1914/1918, que será analisado ao final deste capítulo). Nas palavras de Dallari
(1995, p. 219):
No Estado Federal as atribuições da União e as das unidades federadas são fixadas na Constituição, por meio de uma distribuição de competências. Não existe hierarquia na organização federal, porque a cada esfera de poder corresponde uma competência determinada. No caso norte-americano os Estados, que estavam organizando a federação, outorgaram certas competências à União e reservaram para si, conforme ficou expresso na Constituição, todos os poderes residuais, isto é, aquilo que não foi outorgado à União. Esta regra tem variado nas Constituições dos Estados Federais, havendo alguns que tornam expressa a competência dos Estados e outorgam à União os poderes residuais, havendo casos, ainda, de atribuição de poderes expressos à União e às unidades federadas. [...] A regra, portanto, no Estado Federal é a distribuição de competências, sem hierarquia.
Embora se tomando como base o federalismo norte-americano, para explicar o Estado
Federal, não significa inexistirem outros Estados Federados, há outros tantos, com suas
peculiaridades e traços distintivos que os diferenciam do modelo americano, mas que não
deixam de ser federados em sua essência. Segundo Carraza (2010, p.136-137):
16
Olvidam-se de que Federação é apenas uma forma de Estado, um sistema de composição de forças, interesses e objetivos que podem variar, no tempo e no espaço, de acordo com as características, as necessidades e os sentimentos de cada povo. É por isto (e não por outras razões) que a Federação Norte-Americana difere da Argentina; a Venezuelana da Austríaca; a Mexicana da Brasileira; e assim por diante.
Fica claro, portanto, que “o Estado federal é um só perante o Direito Internacional, e
que a sua divisão federativa é obra de seu Direito interno, que há de se levar em conta
peculiaridades históricas e culturais [...]” (MACHADO SEGUNDO, 2005, p. 28).
Assim, segundo Manuel Garcia Pelayo (apud HORTA, 2010, p. 274) entende-se que, no
Estado Federal, há uma aliança entre forças opostas: o centralismo da União e o
particularismo dos Estados-membros, que dependem de uma série de fatores
extraconstitucionais de índole natural, econômica, social. E, de acordo com as características
de cada Estado, o federalismo apresentar-se-á de forma diversa em cada um deles, ora mais
centralizado, ora menos, sem, contudo, perder sua identidade federal.
Horta (2010, p. 275-276) assevera ainda que a construção normativa do Estado Federal
pressupõe a adoção de determinados princípios, técnicas e instrumentos operacionais.
Entretanto, tais requisitos são atendidos de forma diversa por cada Estado Federal, dando
origem a modelos múltiplos de federalismo:
1. a decisão constituinte criadora do estado Federal e de suas partes indissociáveis, a Federação ou União, e os Estados-Membros; 2. a repartição de competências entre a Federação e os Estados-Membros; 3. o poder de auto-organização constitucional dos Estados-Membros, atribuindo-lhes autonomia constitucional; 4. a intervenção federal, instrumento para restabelecer o equilíbrio federativo, em casos constitucionalmente definidos; 5. a Câmara dos Estados, como órgão do Poder Legislativo Federal, para permitir a participação do Estado-Membro na formação da legislação federal; 6. a titularidade dos Estados-Membros, através de suas assembléias Legislativas, em número qualificado, para propor emenda à Constituição Federal; 7. a criação de novo Estado ou modificação territorial de Estado existente dependendo da aquiescência da população do Estado afetado; 8. a existência no Poder Judiciário Federal de um Supremo Tribunal ou Corte Suprema, para interpretar e proteger a Constituição Federal, e dirimir litígios ou conflitos entre a União, os estados e outras pessoas jurídicas de direito interno.
Ressalta, entretanto, a repartição de competência constitucional, como um elemento
essencial do Estado Federal, ela definirá a fisionomia deste, se é mais ou menos centralizador,
ou se busca um equilíbrio entre o ordenamento central e os ordenamentos parciais. Segundo
este autor a repartição atende a um “princípio corporativo territorial”, de modo que
determinadas matérias passarão a ter incidência em todo o território federal, enquanto outras
17
ficarão distribuídas aos Estados-Membros e Municípios. Por tudo isso, a repartição de
competências deve ser encarada como a grande questão do federalismo. E continua Horta
(2010, p. 310):
[...] A relação entre Constituição Federal e repartição de competências é uma relação causal, de modo que, havendo Constituição Federal, haverá necessariamente, a repartição de competências dentro do próprio documento de fundação jurídica do Estado Federal. Por isso, a repartição de competências é tema central da organização federal. Na avaliação dos publicistas que lidam diuturnamente com o tema, ora a repartição é qualificada de ‘la grande affaire du féderalisme’, ora de ‘key to the interfederal power structure’, evidenciando a essencialidade da repartição de competências e a razão de sua localização direta no documento constitucional, como parte ineliminável da Constituição Federal material. [...] A repartição de competências é a técnica que, a serviço da pluralidade dos ordenamentos do Estado federal, mantém a (unidade dialética de duas tendências contraditórias: a tendência à unidade e a tendência à diversidade). (grifo original).
Em conformidade com este entendimento Hans Kelsen (1998, p. 451) afirma que o que
caracteriza o Estado Federal é a repartição de competências entre a União e os Estados,
estabelecida pela própria Constituição Federal. É este aspecto do federalismo que deve
garantir aos Estados a participação na ordem jurídica central, bem como, segundo ele, a
existência de um órgão judiciário de cúpula capaz de garantir o primado do Pacto Federativo
estabelecido na Constituição.
Assim, tem-se como característica dominante a descentralização política baseada na
partilha de competências de acordo com os interesses da Federação. De acordo com Jair
Eduardo Santana (1998, p. 22): “O critério que deve ser levado em conta para presidir essa
divisão ou partilha de competências é assentado no princípio da predominância de interesses.
Ao órgão central destacam-se aquelas atividades de predominante interesse geral (interesse
nacional)”.
Bonavides (1996, p.181), por seu turno, defende também a existência de dois princípios
que, segundo ele, são a chave de todo o sistema federativo: a lei da participação e a lei da
autonomia. Na lei da participação, os Estados-membros intervêm no processo de elaboração
da vontade política federal, têm voz ativa nas deliberações de conjunto e contribuem para
formar as peças do aparelho institucional da Federação, participando da soberania. O que
basta para diferenciá-los das coletividades simplesmente descentralizadas, que compõem o
Estado unitário.
Através da lei da autonomia manifesta-se com toda a clareza o caráter estatal das
unidades federadas. Podem estabelecer uma constituição própria, a competência dos três
18
poderes estatais (executivo, legislativo e judiciário) e exercer todos os poderes que decorram
do sistema federativo, observando sempre os princípios da Constituição Federal. Suas
palavras:
A participação e a autonomia são processos que se inserem na ampla moldura da Federação, envolvidos pelas garantias e pela certeza do ordenamento constitucional superior – a Constituição federal, cimento de todo o sistema federativo. Tanto a participação como a autonomia existem em função das regras constitucionais supremas, que permitem ver na Federação, como viu Tocqueville no século XIX, duas sociedades distintas, (encaixadas uma na outra), a saber, o Estado federal e os Estados federados harmonicamente superpostos e conexos.
Outro ponto que merece destaque é a diferenciação com relação ao Estado unitário,
citado anteriormente. Os Estados são considerados unitários quando têm um poder central,
que é a cúpula e o núcleo do poder político; e são federais, quando conjugam vários centros
de poder político autônomo (DALLARI, 1995, p. 215).
Para o referido autor, o federalismo é uma “aliança ou união de Estados”, baseada em
uma Constituição, e onde “os Estados que ingressam na federação perdem sua soberania no
momento mesmo do ingresso, preservando, contudo, uma autonomia política limitada”
(DALLARI, 1995, p. 218). Dessa forma, caracteriza-se o Estado Unitário como sendo
“rigorosamente centralizado, no seu limiar, e identifica um mesmo poder, para um mesmo
povo, num mesmo território", ou seja, possui uma centralização político-administrativa em
um só centro produtor de decisões.
Raul Machado Horta (2010, p. 273) defende, ainda, a existência do Estado Unitário com
descentralização regional (Constituição italiana de 1947 e Constituição espanhola de 1978)
que representaria uma nova forma estatal – o Estado Regional – que, segundo o autor,
localiza-se entre o Estado Unitário e o Estado Federal, sendo esta forma estatal uma tendência
do federalismo moderno.
Pode-se ainda destacar, levando-se em consideração todo o exposto até o momento,
como uma característica implícita de todo o sistema federativo, a questão da solidariedade,
presente em sua configuração desde as origens, como bem explicita Carl J. Friedrich (apud
HORTA, 2010, p. 426), que envolve, segundo ele, permanentes contatos entre a comunidade
central e as comunidades parciais.
Desta forma, sem a pretensão de definição, trata-se o Estado Federal, da união, de
direito constitucional, de vários estados (unidades políticas autônomas) em um Estado
19
soberano, com um poder político único, mantendo, cada um deles, sua autonomia,
preservando as características locais e regionais (tradições, perfis sociais, culturais e políticos
locais), partilhando da soberania estatal, podendo criar sua própria constituição e exigir do
Estado-Federal determinadas obrigações. Ocorre uma contenção do poder do Estado,
assumindo este o papel de regulador e unificador nacional nos assuntos externos e de
segurança, bem como a manutenção do equilíbrio econômico, social e cultural entre as
unidades federadas; aparecendo, aí, o caráter de solidariedade do Estado federado. Tudo em
consonância com a Constituição Federal.
O Brasil adotou o federalismo, a partir da Constituição de 1891, proclamando a
indissolubilidade do vínculo federativo, naquela ocasião. Após as crises do federalismo
brasileiro, com os retrocessos das Cartas de 1937, da CF de 1967 e da Emenda nº 1 de 1969,
as Constituições de 1946 e de 1988 reafirmaram o Brasil como República Federativa. É o que
adiante se passa a expor.
1.2 A Federação Brasileira na Constituição de 1988
A Constituição Federal de 1988 promoveu a reconstrução do federalismo brasileiro,
estabelecendo a relação entre a Federação e os princípios e regras que individualizam essa
forma de Estado, no conjunto das formas políticas (HORTA, 2010, p. 413).
A Constituição brasileira de 1988, em seus artigos 1° a 18°, ao definir a organização
político-administrativa do país, adotou, como forma de Estado, o federalismo, que, segundo
Alexandre de Moraes (2003, p. 266), “gravita em torno do princípio da autonomia e da
participação política e pressupõe a consagração de certas regras constitucionais, tendentes não
somente à sua configuração, mas também à sua manutenção e indissolubilidade”. Desta
forma, o princípio federativo e o republicano, conforme definição expressa, constante em seu
artigo 1°, dão sustentação ao sistema constitucional brasileiro e orientam a interpretação dos
demais princípios constitucionais.
Com relação à repartição de competências, a técnica adotada, originalmente, pela
Constituição Norte-Americana, previa poderes enumerados à União e poderes reservados aos
Estados-Membros. Entretanto, com a passagem do estado liberal do século XIX ao Estado
intervencionista ou dirigista do século atual, houve uma centralização de poderes em torno da
União, o que acabou reduzindo a área de poderes reservados aos Estados-Membros, o que
20
aconteceu não só nos EUA, mas também nos demais Estados Federais (HORTA, 2010, p.
278).
No Brasil, a partir da Constituição de 1934, os Estados perderam substancial
competência legislativa, em favor da União. Apesar disto, baseado na Constituição de 1988, o
federalismo brasileiro caracteriza-se pela repartição de competências, feita
constitucionalmente, onde cada esfera governamental recebe uma parte da soberania estatal.
Horta (2010, p. 424) aduz que a Constituição Federal de 1988 modificou a repartição
das competências da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A clássica
distribuição dos poderes enumerados à União e dos poderes reservados aos Estados, técnica
adotada pela Constituição dos Estados Unidos, se incorporou ao federalismo brasileiro desde
1891, com os breves acréscimos das constituições de 1934, 1946 e 1967. E para admitir
legislação complementar dos Estados, recebeu nova configuração formal e material, a qual
conduziu a uma razoável ampliação dos poderes legislativos dos Estados e dos Municípios
Ainda segundo Horta, a repartição de competências serve para identificar as tendências
do federalismo constitucional, podendo ser este sede tanto da centralização, com o sacrifício
da autonomia, como fortalecimento desta mesma autonomia. E o Brasil seguiu o rumo do
fortalecimento, na Carta de 1988, distribuindo as competências em: competência geral da
União (artigo 21, incisos I a XXV); competência legislativa privativa da União (artigo 22,
incisos I a XXIX); competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios (artigo 23, inciso I a XII, § único); e a competência de legislação concorrente da
União, dos Estados e do DF (artigo 24, incisos I a XVI, §§ 1º a 4º) (HORTA, 2010, p. 414).
Segundo Jair Eduardo Santana (1998, p.138):
O mecanismo da divisão tripartida das competências faz com que a competência municipal não possa ser mutilada por obra de legislação da União ou dos Estados-Membros. Cria-se, assim, uma área onde somente o Município pode livremente transitar. Impede-se com isso qualquer interpenetração das demais esferas de governo na referida seara.
Agora, no que concerne aos entes federados, segundo Nelson Nery Costa (2006, p.
232), no modelo norte-americano de federação, existia, além da União e dos Estados, o
condado e a comuna. O condado era composto geralmente por várias comunas, que por sua
vez, possuía um peculiar sistema administrativo, conduzido, politicamente, por meio de uma
forma de democracia direta, e não representativa, que era utilizada apenas pelos governos da
União e dos Estados.
21
Desta forma, Tocqueville (1977, p. 54) entendia, exatamente, que, nas comunas, as
ações legislativas e governamentais estavam mais próximas dos governados, e, por isso,
valorizava e defendia sua existência. Para ele, a comuna constituía-se como o vetor
fundamental do federalismo norte-americano, capaz de assegurar as liberdades políticas:
Por isso mesmo, é na comuna que reside a força dos povos livres. As instituições comunais são para a liberdade aquilo que as escolas primárias são para a ciência; pois a colocam ao alcance do povo, fazendo-o gozar do seu uso pacífico e habituar-se a servir-se dela. Sem instituições comunais, pode uma nação dar-se um governo livre, mas não tem o espírito da liberdade. Paixões passageiras, interesse de um momento, o acaso das circunstâncias, podem dar-lhe as formas exteriores da independência, mas o despotismo encerrado no interior do corpo social cedo ou tarde aparece de novo à superfície. (TOCQUEVILLE, 1977, p. 54)
Deve-se notar, entretanto, que, no Brasil, além de uma valorização fática da figura dos
Municípios, a Constituição Federal de 1988 elevou-os à categoria de ente federativo (artigos
1° e 18 da CF/88), ao lado dos Estados-membros e da União, o que seria um ponto particular
ou diferenciador do federalismo original americano, conforme acentua Bastos (1988, p. 232):
Desde o momento em que a Constituição brasileira alçou o Município a entidade condômina do exercício das atribuições que, tomadas na sua unidade, constituem a soberania, não poderia, para ser conseqüente consigo mesma, deixar de reconhecer que a própria Federação estava a sofrer um processo de diferenciação acentuada, relativamente ao modelo federal dominante no mundo, que congrega apenas a ordem jurídica central e as ordens jurídicas regionais: a União e os Estados Membros.
Corroborando com este entendimento, está também Raul Machado Horta (2010, p. 413-
414), que, ao discorrer sobre o esforço de reconstrução e retificação do federalismo brasileiro,
tem como mérito inegável da Constituição de 1988, a inclusão do Município como ente
federativo, atribuindo-lhe o poder de auto-organização mediante a elaboração de sua lei
orgânica. São estas suas palavras:
[...] Projetou-se além da edificação reconstruída, para introduzir novos fundamentos e modernizar o federalismo constitucional brasileiro. Entre os novos fundamentos, sobressai a singular inclusão do Município entre os entes que compõem a união indissolúvel da República Federativa, no artigo inicial da Constituição (art. 1º). Essa eminência do Município não dispõe de correspondência nas anteriores Constituições Federais Brasileiras, nem tão pouco nas Constituições Federais dos Estados Unidos, do México, Argentina, Venezuela, Áustria, Alemanha, Canadá, Índia, Suíça e Austrália. A inovação da Constituição adveio da atração sugestionadora do movimento municipalista, que rompeu o quadro da lógica constitucional e erigiu o Município autônomo em componente da República Federativa.
Vale ressaltar que, apenas o Estado Federal brasileiro possui personalidade jurídica de
Direito Público internacional, a União possui personalidade jurídica de Direito Público
interno, sendo, portanto, autônoma em relação aos Estados e Municípios, competente para
22
exercer a soberania do Estado Brasileiro. Já os Estados-membros, os Municípios e o Distrito
Federal são entidades federativas dotadas de personalidade jurídica de direito público interno.
Tem-se ainda como mérito da Constituição de 1988, o favorecimento ao regionalismo,
ao facultar aos Estados a instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões, para tender a funções públicas de interesse comum. Também o fato de haver
diminuído o campo regulatório da intervenção federal (artigos 34, 35 e 36), sendo esta
permitida nos casos extremos de conduta lesiva ao equilíbrio federativo. Alargou-se, ainda, a
autonomia normativa dos Estados com o seu ingresso na legislação concorrente, bem como se
atribuiu às Constituições estaduais, a organização da sua justiça e a definição da competência
dos tribunais estaduais, obedecidos os princípios da CF/88 (HORTA, 2010, p. 415).
Assim, o federalismo constitucional de 1988 exprime uma tendência de equilíbrio na
atribuição de poderes e competências à União e aos Estados. Ofereceu mecanismos capazes
de assegurar o convívio entre os poderes nacionais-federais da União e os poderes estaduais-
autônomos das unidades federadas. Segundo Horta (2010, p. 416): “As bases do federalismo
de equilíbrio estão lançadas na Constituição de 1988”.
1.3 O princípio federativo e as características do federalismo brasileiro
A forma federativa do Estado brasileiro é configurada como uma garantia
constitucional, visto que o legislador constituinte, no artigo 60, § 4º, inciso I, da atual
Constituição, determinou expressamente a impossibilidade de qualquer proposta de emenda
constitucional tendente a abolir a Federação.
O artigo 1° da Constituição Federal afirma que a República Federativa do Brasil é
formada pela união indissolúvel dos Estados, Distrito Federal e Municípios; sendo
completado pelo artigo 18, que prevê que a organização político-administrativa da República
Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
todos autônomos e possuidores da tríplice capacidade de auto-organização e normalização
própria, autogoverno e auto-administração. Conclui Moraes (2003, p. 268):
Dessa forma, inadmissível qualquer pretensão de separação de um Estado-membro, do Distrito Federal ou de qualquer município da Federação, inexistindo em nosso ordenamento jurídico o denominado direito de secessão. A mera tentativa de secessão do Estado-membro permitirá a decretação de intervenção federal (CF, art. 34, I), devendo sempre a Constituição ser interpretada de sorte que não ameace a organização federal por ela instituída, ou ponha em risco a coexistência harmoniosa e solidária da União, Estados e municípios.
23
O princípio federativo no Brasil foi consagrado nas constituições republicanas desde
1891 e tem duas finalidades básicas: a unidade nacional e a necessidade descentralizadora
(MORAES, 2003, p. 268). Corroborando com este entendimento está também Celso Ribeiro
Bastos (1989, p. 249), para o qual, o federalismo tornou-se a forma de organização
predominante do Estado democrático, devido à descentralização do poder, que, segundo ele, é
o meio fundamental para o exercício da democracia:
Quer dizer, quanto mais perto estiver a sede do poder decisório daqueles que a ele estão sujeitos, mais probabilidade existe de o poder ser democrático. Esse é um ponto fundamental: não teremos uma autêntica democracia no Brasil se não houver uma forte tendência descentralizadora. Urge, pois, abrir mão de certas velharias inseridas na Constituição, que confundem a federação com um mecanismo de convivência de Estados carentes de unidade nacional pra abraçar a federação como um instrumento de democracia.
Dentro desse contexto democrático, assume o Município papel essencial, pois além de
concentrar as atividades sociais e políticas de seus habitantes, é nas cidades onde vivem os
cidadãos, onde usufruem seus direitos e exercem seus deveres. Na federação brasileira, não
existe hierarquia entre os entes federados, entretanto diante desta descentralização política,
faz-se necessária uma delimitação de competências, para uma convivência pacífica. É o que
se verá no capítulo seguinte.
Carraza (2010, p.139) ao falar sobre a relevância jurídica do princípio federativo no
Brasil afirma o seguinte:
[...] por exigência do princípio federativo – que o diploma Máximo considerou um dos pilares sobre os quais se assenta o edifício jurídico nacional – nem a União pode invadir a competência tributária dos Estados, nem estes a da União. Do mesmo modo, aos Estados, porque, juridicamente iguais entre si, é defeso se apossarem das competências tributárias uns dos outros.
Complementando este entendimento, Horta (2010, p. 419) afirma que a forma federativa
de Estado é conceito complexo, que envolve um conjunto de elementos, bastando que a
proposta de emenda venha a ferir um deles, para incidir na vedação da irreformabilidade.
Desta forma, além do princípio da indissolubilidade do vínculo federativo, constante no
artigo 1° (entre a União, os Estados, os Municípios e o DF), a Constituição Federal de 1988
estabelece algumas características, modeladoras do federalismo brasileiro, que são peças
constitutivas e configuram a fisionomia da forma federativa de Estado constitucional, não
sendo passíveis, portanto, de reforma por meio de emenda. Somente o Poder Constituinte
24
originário, na elaboração de nova Constituição Federal, poderia alterar essa configuração
federativa. Dentre essas características estão as seguintes (HORTA, 2010, p. 420-421):
- pluralidade dos entes constitutivos (CF, artigo 18);
- possibilidade de criação de novo Estado ou Município, modificação territorial
dependendo da aquiescência da população afetada, mediante plebiscito (CF, artigo 18, §§ 3º e
4º);
- vedações constitucionais para todos os entes federativos (CF, artigo 19);
- soberania da União e autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios (CF,
artigos 21, I, II, 25, 29, 32);
- repartição constitucional das competências entre os entes federados (CF, artigos 21,
22, 23, 24, 30, 32, § 1º);
- intervenção federal nos Estados e no DF (CF, artigo 34); intervenção estadual nos
Municípios (CF, artigo 35), para manutenção do equilíbrio federativo;
- organização bicameral do Poder Legislativo federal, assegurada a existência da
Câmara dos Deputados, órgão dos representantes do povo e do Senado Federal, órgão dos
representantes dos Estados e do DF (CF, artigos 44, 45, 46);
- a igualdade da representação dos Estados e do DF no Senado (CF, artigo 46);
- iniciativa dos poderes estaduais para propor emendas à Constituição Federal (CF,
artigo 60, inciso III);
- Poder Judiciário da União, com a existência de um Supremo Tribunal Federal, para
exercer a função de guarda da Constituição e do Poder Judiciário estadual (CF artigos 92, I,
102, 125);
- Ministério Público, na qualidade de instituição essencial à função jurisdicional do
Estado, de órgão da ação de inconstitucionalidade e da representação, para fins da intervenção
federal da União e da intervenção estadual nos Municípios (CF, artigos 36, III e 139, IV);
25
- poder e competência tributária da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios,
observada a particularização dos tributos atribuídos a cada um deles (CF, artigos 145, 153,
154, 155, 156);
- repartição de receitas tributárias, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico
entre Estados e Municípios (CF, artigos 157, 158, 159 e 161, II).
26
1.4 A autonomia dos entes federados
Diante desta dicotomia entre centralização e descentralização, existente na história
político-constitucional brasileira, verifica-se que esta dialeticidade deve ser absorvida, não
como um momento perturbador, mas sim, como um produto da realidade, evolutivo.
No Brasil, a evolução da autonomia dos entes federados, dentro do Pensamento
Constitucional Brasileiro, é evidenciada, desde o estudo do período colonial, período em que
não havia nenhuma autonomia, para os Municípios, por exemplo. Já na Constituição de 1946,
o federalismo brasileiro passou a dispensar tratamento sistemático ao desenvolvimento
regional, visando corrigir disparidades entre as regiões brasileiras (HORTA, 2010, p. 286).
Atualmente, vive-se o período de maior autonomia dos entes federados com a promulgação da
Constituição Federal de 1988 e suas emendas.
Pode-se conceituar a autonomia com a junção de vários pontos comuns, e todos
importantes, nas definições de inúmeros publicistas renomados, acerca do assunto. Ainda nos
dizeres de Horta (2010, p. 332):
A autonomia é, portanto, a revelação de capacidade para expedir as normas que organizam, preenchem e desenvolvem o ordenamento jurídico dos entes públicos. Essas normas variam na qualidade, na quantidade, na hierarquia e podem ser, materialmente, normas estatutárias, normas legislativas e normas constitucionais, segundo a estrutura e as peculiaridades da ordem jurídica.
No atual ordenamento jurídico brasileiro, tem-se a autonomia como uma prerrogativa
política outorgada pela Constituição a entidades estatais internas (Estados-membros, Distrito
Federal e Municípios), para compor seu governo e prover sua administração (artigo 18 da
CF/88). É a administração própria daquilo que lhe é próprio. Daí, porque a Constituição
assegura a autonomia dos Estados e Municípios pela composição do seu governo e pela
administração própria, em tudo o que concerne ao seu interesse local (CF, artigo 30, inciso I).
A autonomia do Estado-Membro constitui elemento essencial à configuração do Estado
Federal (HORTA, 2010, p. 329). Diante disto, como exposto anteriormente, o federalismo
brasileiro caracteriza-se pela repartição de competências, feita constitucionalmente, que dá a
cada esfera governamental autonomia política, administrativa e financeira, ou seja, distribui
competências administrativas, legislativas e tributárias para os governos locais, como bem
ensina Geraldo Ataliba (2001, p. 37):
27
Exsurge a Federação como a associação de Estados (foedus, foederis) para formação de novo Estado (o federal) com repartição rígida de atributos da soberania entre eles. Informa-se seu relacionamento pela (autonomia recíproca da União e dos Estados, sob a égide da Constituição Federal) (Sampaio Dória), caracterizadora dessa igualdade jurídica (Ruy Barbosa), dado que ambos extraem suas competências da mesma norma (Kelsen). Daí cada qual ser supremo em sua esfera, tal como disposto no Pacto Federal (Victor Nunes).
Pode-se dizer que possui autonomia aquele ente que possuir independência política,
financeira e administrativa, desde que obedeça ao ordenamento jurídico vigente, visto que o
poder de governo, o poder de autodeterminação pertence apenas à Nação e só encontra limites
na determinação do próprio Estado (na federação brasileira a soberania nacional é da União,
que a exerce interna e externamente). Assim, tem-se que os entes federados não têm soberania
(poder exclusivo e absoluto do Estado-Nação, de organizar-se e dirigir-se de acordo com sua
vontade incoercível e incontrastável, sancionada pela força), mas têm autonomia para
imprimir direção própria nos negócios que lhes são próprios (MEIRELLES, 1996, p. 83).
Já o Município deve ser entendido como a base da organização política democrática,
pois é nele que estão as relações mais estreitas do poder público com os governantes. Daí a
importância do interesse local dentro das decisões políticas estatais. Significativa a lição de
Celso Ribeiro Bastos (1989, p. 277), acerca da conformação do interesse local:
Cairá, pois, na competência municipal tudo aquilo que for de seu interesse local. É evidente que não se trata de um interesse exclusivo, visto que qualquer matéria que afete uma dada comuna findará de qualquer maneira, mais ou menos direta, por repercutir nos interesses da comunidade nacional. Interesse exclusivamente municipal é inconcebível, inclusive por razões de ordem lógica: sendo o Município parte de uma coletividade maior, o benefício trazido a uma parte do todo acresce a este próprio todo. Os interesses locais dos Municípios são os que entendem imediatamente com as suas necessidades imediatas, e, indiretamente, em maior ou menor repercussão, com as necessidades gerais.
A idéia de autonomia é o traço fundamental que o município precisa assumir para que
possa ser identificado como uma organização política e não apenas como um órgão da
administração (COSTA, 2006, p. 69).
A Constituição Federal de 1988 inscreveu a autonomia municipal como prerrogativa
intangível, capaz de autorizar até intervenção federal para mantê-la ou restaurá-la, quando
postergada pelo Estado-membro (artigo 34, inciso VII, alínea c), como citado no item
anterior. Assim, enumera alguns princípios, de forma não-taxativa, que assegurem essa
autonomia (artigos 29 e 30 da CF/88), tais como a autonomia política, administrativa e
financeira.
28
A Autonomia Política é o poder de auto-organização. Segundo José Nilo de Castro
(1992, p. 92-95) as Câmaras Municipais possuem diversas funções, que seriam: a função
fundamental organizante, a função legislativa, a função meramente deliberativa, a função
fiscalizadora e a função julgadora. Observa-se, então, que, ao legislarem, e atendendo a
preceito constitucional (CF/88, artigo 29), cada município promulga sua Lei Orgânica, sua
Constituição Municipal.
Costa (2006, p. 15-24) acrescenta, ainda, que a autonomia política se refere à
eletividade do prefeito, do vice-prefeito e dos vereadores; legislação sobre assuntos de
interesse local, ou seja, consiste na eleição dos seus dirigentes. Para ele, os vereadores são os
legisladores municipais, são agentes políticos investidos de mandato legislativo, pelo sistema
partidário de representação proporcional, por voto secreto e direto.
Já a Autonomia Administrativa refere-se à administração própria, relativa à polícia, à
organização dos serviços públicos locais (artigo 30, inciso V), obras e ordenação do território
municipal (artigo 30, inciso IV). E a Autonomia Financeira diz respeito à decretação de
tributos e aplicação das rendas municipais, ou seja, é a capacidade de receber tributos dos seus
habitantes (artigo 30, inciso III).
Assim, têm os entes federados, a tríplice autonomia: política, financeira e
administrativa, dada pela Constituição Federal de 1988 (MORAES, 2003, p. 717-719).
A Constituição da República de 1988 integrou o Município na Federação como entidade
de terceiro grau (artigos 1° e 18), por não se justificar sua exclusão, já que sempre fora peça
essencial da organização político-administrativa brasileira, como resta demonstrado.
Segundo Meireles (1996, p. 42), a característica fundamental da atual Carta é a
ampliação da autonomia municipal, no tríplice aspecto político, administrativo e financeiro,
de acordo com os artigos 29 a 31, 156, 158 e 159. Extinguiu também a nomeação de prefeitos
para qualquer Município, manteve a eleição direta para vereadores (artigo 29) e vedou a
criação de tribunais, conselhos ou órgãos de contas municipais (artigo 31, §4°).
A referida Carta, em seu artigo 30, deu competência privativa ao Município, para
algumas matérias, na qual está incluída a de “legislar sobre assuntos de interesse local” (inciso
I) (expressão que melhor definiu as atribuições privativas da municipalidade), em substituição
29
à tradicional expressão “peculiar interesse”, consagrada em todas as Constituições
Republicanas anteriores (MEIRELLES, 1996, p. 42).
No artigo 23, a Constituição da República trata da competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Esse traço da competência é definido por Silva
(1990, p.415), como “a faculdade de legislar ou praticar certos atos, em determinada esfera,
juntamente e em pé de igualdade, consistindo, pois, num campo de atuação comum às várias
entidades sem que o exercício de uma venha a excluir a competência de outra”.
Já a autonomia financeira municipal está prevista no artigo 30, inciso III. E, com relação
aos tributos, a Constituição vigente ampliou a sua competência impositiva (artigo156) e
aumentou a sua participação nos impostos partilhados (artigos 158 e 159, § 3°).
A posição atual dos Municípios brasileiros caracteriza-se, portanto, pela falta de
intromissão discricionária dos governos federal e estadual. São dotados de renda própria, para
prover os serviços locais; elegem, livremente, seus vereadores e prefeitos; e realizam o self-
government (tão defendido por Visconde de Uruguai, em 1834), de acordo com a orientação
política e administrativa de seus órgãos de governo. Deliberam e executam tudo quanto
respeite ao interesse local, sem consulta ou aprovação do governo federal ou estadual. São
palavras de Meirelles (1996, p. 43):
Decidem da conveniência ou inconveniência da todas as medidas de seu interesse; entendem-se diretamente com todos os poderes da República e do Estado, sem dependência hierárquica à Administração federal ou estadual; manifestam-se livremente sobre os problemas da Nação; constituem órgãos partidários locais e realizam convenções deliberativas; e suas Câmaras cassam mandatos de vereadores e prefeitos no uso regular de suas atribuições de controlo político-administrativo do governo local.
Importa, aqui, um breve comentário acerca do self-government, defendido pelo
Visconde de Uruguai, em 1834 (um contexto político, onde se debatia a centralização e a
descentralização no Brasil). Tratava-se de um princípio também defendido por Tocqueville (e
implantado nos Estados Unidos da América), enfatizando a importância dos usos e costumes
do povo, para sua organização política e administrativa. Ao falar sobre o Ato Adicional de
1834, Uruguai (2002, p. 218) aduz o seguinte: “Demais o self-government não é um talismã
que possa usar quem queira. O self-government é o hábito, a educação, o costume. [...]”. Ele
acreditava que a maior ou menor, centralização ou descentralização dependia das
circunstâncias do país, da educação, dos hábitos e caráter nacionais e não apenas da
legislação.
30
Assim, a sua aplicação no Brasil, segundo Uruguai, dependia de uma estratégia de
controle dos poderes locais e do interesse privado, o que, considerando as condições do país
naquele momento, só seria possível pela centralização política e administrativa, que pudesse
preparar o país para receber tal princípio e, assim, os indivíduos poderiam se autogovernar.
Ele acreditava que a descentralização, naquele momento, poderia levar o país a uma
oligarquia. Segundo ele:
É incontestável que a excessiva centralização, quando se juntam a governamental e a administrativa, não é das coisas mais favoráveis à liberdade dos cidadãos [...] Há muitos assuntos nos quais a ação do interesse particular ou local é mais ativa, mais pronta, mais eficaz, mais econômica que a do governo. A absorção da gerência de todos os interesses [...] pelo governo central, mata a vida nas localidades, nada lhes deixa a fazer, perpetua nelas a indiferença e a ignorância de seus negócios, fecha as portas da única escola em que a população pode aprender e habilitar-se praticamente para gerir os negócios públicos (URUGUAI, 2002, p. 441-442).
Pelo exposto até aqui, pela evolução do pensamento histórico e constitucional da
autonomia no Brasil, pode-se dizer que, há muito tempo, o Brasil tenta evoluir no campo
político, mas parece que, com a Constituição de 1988, atingiu-se o apogeu desta autonomia.
O conceito de Município, por sua vez, foi diversas vezes alterado, de acordo com os
regimes que ora o consideravam como corporação meramente administrativa, ora dando-lhe
liberdade política e financeira. De uma forma ou de outra, todas as Constituições brasileiras
inscreveram, em seus textos, a tão aspirada autonomia municipal. São as palavras de
Meirelles (1996, p.42): “Essa autonomia, entretanto, até a Constituição de 1946, foi apenas
nominal”.
Desta forma, diante das atribuições políticas e de um poder de autogoverno, o
Município não é mais uma entidade meramente administrativa, como nas Constituições
anteriores, trata-se de um ente federativo, com todas suas prerrogativas.
José Nilo de Castro (2006, p. 34), em sua obra, de grande contribuição ao estudo do
municipalismo, peca, no entanto, quando não considera o Município como ente federado. São
estas suas palavras: “[...] nossos Municípios não são entes da Federação, nem gozam de status
federativo [...]”.
Também nesta linha de pensamento estão Silva (1998, p. 475) e Baracho (1982, p. 408-
409), que não consideram o Município como ente da Federação, principalmente, porque o
federalismo não pressupõe o Município como elemento essencial, não possui representação
31
no Senado Federal, não tem um Poder Judiciário próprio, não se lhe reconhece o poder de
apresentação de emendas à Constituição e não é passível de intervenção federal.
Entretanto, com o devido respeito aos referidos autores, ratifica-se que não é esta a
posição aqui adotada, principalmente diante da dimensão federativa dada ao Município pela
Constituição Federal, em seus artigos 1° e 18, sendo esta, pois uma realidade incontestável.
Corroborando com o pensamento de Hely Lopes Meirelles (1996, p. 44), posiciona-se este
trabalho no sentido de que o Município “é peça essencialíssima da nossa atual Federação”. O
que ele evidencia nesta passagem:
A Federação brasileira não dispensa nem prescinde do Município na sua organização constitucional. Segue-se, daí, que o Município brasileiro é entidade político-administrativa de terceiro grau, na ordem decrescente da nossa Federação: União – Estados – Municípios.
Meirelles (1996, p. 44, 45) cita então vários autores para confirmar esta posição, que
resumidamente afirmam ser o Município (brasileiro) entidade intra-estatal rígida, como a
União e os Estados; e ainda que o Município de hoje constitui uma ordem política e
administrativa inerente ao sistema federal brasileiro, inclusive porque a Constituição
estabeleceu entre outros pertinentes à matéria, o princípio da intervenção federal nos Estados
para e defesa da autonomia municipal.
1.5 Rumos do federalismo constitucional brasileiro
Como dito anteriormente, o Estado Federal, levando em consideração suas
características particulares, pode apresentar-se de maneira diversa, em determinado momento
histórico. Horta (2010, p. 274-275), citando Georges Scelle, diz que, se o constituinte se
inclinar pelo fortalecimento do poder federal, formar-se-ia um “federalismo contrípeto”, ou
por agregação; se, ao contrário, houvesse uma preservação maior do poder estadual, surgiria
um “federalismo centrífugo”, ou por segregação. Entretanto, o Estado poderia, optando pelo
bom senso, estruturar um equilíbrio, uma cooperação entre as forças da federação. Sendo este,
talvez, o caminho mais acertado nos rumos do federalismo atual. São as palavras de Horta:
Podendo ainda o constituinte federal voltar sua concepção para o equilíbrio entre as forças contraditórias da unidade e da diversidade, do localismo e do centralismo, concebendo um federalismo de cooperação, o federalismo de equilíbrio entre a União soberana e os Estados-Membros autônomos. A ênfase na supremacia da União fará predominar as relações de subordinação dentro do Estado Federal, enquanto a tônica no equilíbrio conduzirá a um razoável campo para o desenvolvimento das relações de cooperação, sem prejuízo do primado da União Federal nas questões de sua competência de Estado soberano.
32
É no federalismo de equilíbrio que se inspirou o constituinte federal brasileiro, de forma
que o indispensável exercício dos poderes federais não venha inibir os poderes dos Estados.
Os princípios constitucionais da Federação, sendo respeitados pelos Estados, preservam a
supremacia da Constituição Federal, que também é protegida pelo Poder Judiciário, de um
modo geral, e pelo Supremo Tribunal Federal.
Desta forma, o federalismo de equilíbrio preserva a integridade da Nação, a
indissolubilidade do vínculo federativo, o desenvolvimento da União e dos Estados e a
realização dos objetivos de um Governo democrático (HORTA, 2010, p. 287).
Horta (2010, p. 430-431) assevera, ainda, que, configurada a forma de Estado, a tarefa
da reforma constitucional consistiria no fortalecimento das linhas de sustentação do
federalismo de equilíbrio, que o texto de 1988 adotou:
Restaurando as características fundamentais da concepção federal e aperfeiçoando os instrumentos de sua manifestação, o constituinte de 1988 introduziu na formulação constitucional brasileira o federalismo de equilíbrio, que representa o modelo mais avançado de organização do Estado nas Constituições Federais contemporâneas. Por isso, a missão do constituinte da reforma constitucional, no âmbito da forma federativa de Estado, deverá consistir no aprimoramento do modelo, para consolidar na Constituição o federalismo apto a enfrentar os desafios tecnológicos e as soluções globalizantes que assinalarão, em movimentos coincidentes, o crepúsculo do século XX e o alvorecer de um mundo renovado no século XXI.
Assim, dentre vários assuntos passíveis de reformulação constitucional, pode-se
destacar o aumento da autonomia municipal, a preservação da técnica de repartição de
receitas federais e estaduais para os Municípios, bem como a ampliação da competência
comum no que diz respeito à regulação de assuntos de interesse comum, entre os entes
federados, que tenham repercussão interestadual e intermunicipal, tendo sempre em vista o
aprimoramento do federalismo constitucional brasileiro.
2 A DISCRIMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DE RENDAS NO BRASIL
Como explicitado no capítulo anterior, um dos pontos caracterizadores do Estado
Federal é o fato de a repartição de competências entre os entes federados ser estabelecida pela
própria Constituição Federal.
Entretanto, esta competência refere-se ao sentido lato da expressão, abrangendo aí as
competências gerais dos entes federados, que estão no título III – Da Organização do Estado,
nos artigos 21 a 25 da CF/88. Cabendo, neste estudo, apenas uma análise da competência de
legislação concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, tratada no artigo 24, inciso
I, da Carta Magna, no que se refere, especificamente, sobre o Direito Tributário. O que remete
esta pesquisa ao Título VI – Da tributação e do Orçamento, artigos 145 a 169, da CF/88.
Desta forma, para um melhor entendimento do tema, considera-se discriminação
constitucional de rendas expressão genérica, que compreende a atribuição de competência e a
distribuição de receitas tributárias, entre os entes federados (MACHADO, 2004, p. 48).
Assim, faz-se necessário o esclarecimento de alguns temas, tais como: competência e
competência tributária, para se chegar ao tema da atribuição constitucional de competências e
da repartição de receitas tributárias, no ordenamento jurídico brasileiro, propriamente dito. Ao
final, far-se-á uma breve explanação sobre os limites jurídicos estabelecidos aos entes
federados, para exercer a sua competência constitucional, em matéria tributária no Brasil.
2.1 Competência
A autonomia das entidades federativas pressupõe a repartição de competências
legislativas, administrativas e tributárias, sendo, pois, um dos pontos caracterizadores e
asseguradores do convívio no Estado Federal. Para Silva (1998, p. 413), competência é a:
"faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, órgão ou agente do Poder Público para
emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que se servem os
órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções".
34
A própria Constituição Federal estabelecerá as matérias próprias de cada um dos entes
federativos, União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, e, a partir disso, poderá
acentuar a centralização de poder, ora na própria Federação, ora nos Estados-membros.
Segundo Moraes (2003, p. 287), o princípio geral que norteia a repartição de competência
entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse.
Pelo princípio da predominância do interesse, à União caberão aquelas matérias e
questões de predominância do interesse geral; ao passo que aos Estados, referem-se as
matérias de predominante interesse regional, e aos municípios concernem os assuntos de
interesse local. Em relação ao Distrito Federal, por expressa disposição constitucional (CF,
artigo 32, § 1°), acumulam-se, em regra, as competências estaduais e municipais, com a
exceção prevista no artigo 22, XVII, da Constituição Federal de 1988.
2.2 Competência tributária
O estudo da competência tributária é um tema constitucional, na medida em que o
assunto foi amplamente discutido pelo constituinte. A competência tributária está toda
definida nos artigos 145 a 162, da Constituição Federal. É exercida pelas três entidades
políticas autônomas e independentes que compõem a Federação: a União, os Estados e os
Municípios, além do Distrito Federal.
Por inexistir, constitucionalmente, hierarquia entre os referidos entes estatais, a Carta
Magna, de modo explícito, estabeleceu um sistema de repartição de competência legislativa
de cada um. Esse quadro impositivo delimita a área de atuação dessas pessoas jurídicas de
direito público interno, impondo ordem no exercício dessa atividade, onde o contribuinte é
chamado para garantir, com seus recursos, as despesas obrigatórias do Estado.
O complexo da distribuição dessas competências é denominado, pela doutrina, como
discriminação constitucional de rendas tributárias. Em síntese, a discriminação de rendas
tributárias pode ser considerada como sendo um princípio constitucional de natureza absoluta
que, embora atribua o poder tributário a cada pessoa jurídica de direito público contemplada
pela Constituição Federal, impede que o exercício desse poder ultrapasse os limites fixados,
vedando, assim, a invasão de esfera de competência de cada ente federado.
35
O exercício da competência tributária está subordinado a todos os princípios
constitucionais explícitos, enumerados, e aos implícitos, decorrentes da forma republicana de
governo, do sistema federativo e do regime democrático.
* CONCEITO
É a atribuição ou o poder, diretamente haurido da Constituição, para editar leis que
abstratamente instituam tributos, observadas as normas gerais de Direito Tributário. Somente
têm competência tributária, no Brasil, as pessoas que possuem capacidade para legislar, ou
seja, as denominadas pessoas políticas ou entes federados: União, Estados, DF e Municípios.
Segundo Carraza (1986, p.146):
Competência tributária é a aptidão para criar tributos, descrevendo (ou alterando), por meio de lei (no caso, ordinária) seus elementos essenciais (hipótese de incidência, sujeito ativo, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota). Noutro dizer, é a habilitação, a faculdade potencial, que a Constituição confere a determinadas pessoas, para que tributem.
Paulo de Barros Carvalho (2002, p. 116-117) conceitua competência tributária, como
“uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas
políticas, consubstanciada na faculdade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre
tributos.” Ichihara (1994, p. 89), por seu turno, conceitua competência tributária "como o
limite do poder fiscal para legislar e cobrar tributos". Mas, a rigor, a competência tributária é
a aptidão não só para criar, cobrar e fiscalizar tributos, mas também para atingir outros fins,
como aumentar, parcelar, diminuir, isentar. Para Machado (2004, p. 260):
A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados, nas leis orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e o que estabelece o Código Tributário Nacional (art. 6 do CTN).
Em razão do princípio Federativo adotado pelo Brasil, exige-se uma distribuição,
repartição ou mesmo discriminação de competências tributárias (artigo 145 da CF/88),
objetivando prevenir os conflitos e invasões de uma pessoa política por outra.
Somente as pessoas jurídicas de direito público, dotadas de poder legislativo, possuem
competência tributária exercida por lei. Na verdade, quem recebe tal direito, são as pessoas
jurídicas de direito público interno, nos termos dos artigos 153, 154, 155 e 156 da CF/88, uma
vez que os tributos devem ser destinados, exclusivamente, para fins públicos, e nunca
particulares.
36
Nenhuma outra pessoa jurídica possui competência tributária no ordenamento pátrio,
nem mesmo as autarquias (pessoas jurídicas de direito público com atribuições tipicamente
estatais). O que pode ocorrer é que algumas autarquias, como é exemplo o INSS, recebam da
pessoa política que detém a competência tributária (no caso do INSS, quem detém a
competência relativa às contribuições que ele administra é a União), por outorga, atribuições
relativas à arrecadação e fiscalização dos tributos, bem como a execução de atos normativos,
em matéria tributária e prerrogativas processuais.
A pessoa jurídica de direito público que receba da pessoa política competente tais
atribuições, passa a ter capacidade tributária ativa, ou seja, está apta a integrar a relação
jurídica obrigacional tributária no pólo ativo, como sujeito ativo da relação.
O fato de pessoas jurídicas de direito público, como o INSS, poderem ser sujeitos ativos
de relações jurídicas tributárias, não confere a elas competência tributária. A competência é
indelegável e somente a possui quem pode legislar, as pessoas políticas.
Assim, não se pode confundir capacidade com competência:
- Competência: atribuída a um ente estatal dotado de poder legislativo, pela
Constituição. Exercida mediante edição de lei.
- Capacidade: de ser sujeito ativo na relação tributária, atribuída pela Constituição ou
por uma lei, a um ente estatal, não necessariamente dotado de poder legislativo. Exercida
mediante atos administrativos.
O ente estatal dotado de competência legislativa pode ter ou não capacidade tributária.
Com edição de lei exerce a competência, e com a prática de atos administrativos, exerce a
capacidade. Nos dizeres de Machado (2004, p. 262):
[...] (a) a competência tributária é indelegável; (b) as funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, podem ser atribuídas a pessoas jurídicas de direito público; (c) a simples função de arrecadar, função de simples caixa, pode ser atribuída a pessoas de direito privado.
Outro ponto merece destaque, é o fato de que nenhum outro instrumento normativo
pode, no Brasil, estabelecer, limitar ou extinguir competências tributárias, salvo as emendas
constitucionais. Mesmo elas, entretanto, quando se trata de competência tributária, encontram
37
fortes limitações no § 4º, do artigo 60, da CF/88, parágrafo esse que enumera as cláusulas
pétreas.
Não significa, por outro lado, que não sejam possíveis alterações à distribuição de
competências rigidamente traçadas pelo constituinte originário. Prova de que alterações e até
supressões são cabíveis, é o caso da EC nº 3/93. Esta emenda determinou a extinção de
competência para a instituição de dois impostos que haviam sido originariamente previstos na
Carta de 88: o imposto adicional ao imposto sobre a renda (AIR), dos estados e DF; e o
imposto sobre vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos (IVVC), dos municípios e
DF. Esta supressão de competências, todavia, não foi entendida como tendo colocado em
risco a federação, uma vez que a perda da arrecadação decorrente desses impostos não chegou
a prejudicar de forma importante a autonomia financeira dos entes federados.
Vale ressaltar que, a Constituição não cria tributos. Confere, sim, competência às
pessoas políticas para que estas o instituam por meio de lei, regra geral lei ordinária. Desta
forma, quem cria é a pessoa jurídica de direito público interno, titular da competência.
* CARACTERÍSTICAS
A competência tributária, no Brasil, tem como principais características: ser privativa,
incaducável, indelegável, inalterável, irrenunciável e facultativa. Como se expõe a seguir.
A competência tributária é privativa da União, dos Estados-Membros, do Distrito
Federal e dos Municípios, por expressa determinação constitucional. Ao se dizer privativa,
entenda-se exclusiva para instituir, cobrar e fiscalizar o tributo de sua competência. Ex.: a
competência que a União recebeu para instituir o Imposto de Renda exclui os demais órgãos
tributantes de instituí-lo (Estado, Município e Distrito Federal), ou seja, há uma proibição de
seu exercício, por quem não tenha sido consagrado com esse direito. (CARRAZA, 2010, p.
528).
A competência tributária, além de ser privativa, é incaducável, ou seja, não há prazo,
não há um lapso temporal para o seu exercício, ela perdura no tempo. Ex.: imposto sobre
grande fortuna – a União poderá exercer a competência a qualquer momento.
O não-exercício da competência tributária, ainda que prolongado no tempo, não tem a
propriedade de impedir que a pessoa política venha, ao final, criar o tributo que lhe foi
constitucionalmente deferido.
38
Competência tributária nada mais é que competência para legislar sobre tributos. A
competência legislativa tributária é competência legislativa incaducável. Não se pode
confundir incaducabilidade com imprescritibilidade. O que é prescritível é a capacidade
tributária ativa, ou seja, o direito de exigir o tributo, que prescreve em cinco anos, conforme o
disposto no artigo 174, do CTN, e não direito de legislar sobre tributos. (CARRAZA, 2010, p.
691).
Ainda de acordo com Carraza (2010, p. 682), a competência tributária é indelegável,
pois a pessoa política não pode transferi-la a outra, nem mesmo por força de lei. As pessoas
políticas tributam por delegação constitucional, portanto, não se pode delegar o que se
recebeu por delegação (delegatur, delegare, non protest) da própria Constituição Federal.
Admitir delegação de competência para instituir tributo é aceitar que a Constituição seja
alterada por norma infraconstitucional. Tal delegação só seria possível se a própria
Constituição o autorizasse. (MACHADO, 2004, p. 261).
Delegável é a capacidade tributária ativa, isto é, o direito de arrecadar o tributo (artigo
7º, do CTN). A pessoa jurídica de direito público interno poderá delegar a outra pessoa
jurídica também de direito público, mediante convênio, a função de arrecadar e fiscalizar
determinado tributo, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas, em
matéria tributária, sem, no entanto, perder a competência tributária para instituir tal tributo;
não constituindo, neste caso, delegação de competência. A referida delegação compreende as
garantias e os privilégios processuais da entidade que a delegou, podendo ser revogada, a
qualquer tempo, por ato unilateral, porquanto é sempre em caráter precário (CTN, artigo 7º,
§§ 1º e 2º).
Não constitui também delegação da competência tributária a arrecadação de tributo por
pessoa jurídica de direito privado (CTN, artigo 7º, parágrafo 3º). O fato de uma pessoa
jurídica de direito privado vir a arrecadar determinado tributo não caracteriza, para esta, a
transferência da competência tributária. É o que ocorre comumente com os bancos, as
instituições financeiras que recebem dos entes políticos a incumbência para arrecadar os
tributos de suas respectivas competências, trata-se da simples função de caixa (MACHADO,
2004, p. 262).
A competência tributária é inalterável por decisão unilateral da própria entidade
tributante, ou seja, a própria entidade tributante não poderá alargar a sua competência
39
tributária. É incontestável que a alteração de competência só será admissível por meio de
Emenda Constitucional, não se permitindo, assim, que o princípio da Federação seja abalado
por modificações advindas da vontade do legislador infraconstitucional.
De acordo com Carraza (2010, p. 696), a competência tributária é irrenunciável, porque
a pessoa política não pode abrir mão, por definitivo, de sua competência tributária, no todo ou
em parte, pelo fato de ela lhe ter sido atribuída pelo poder constituinte originário, ou seja, foi
dada, a título originário, pela Constituição. Uma lei que o fizesse estaria, também, atentando
contra o livre exercício da função legislativa e seria juridicamente ineficaz. Trata-se de uma
matéria de Direito Público Constitucional e, portanto, indisponível.
A pessoa política é livre para exercitar sua competência tributária, é livre para criar ou
não os tributos que a Constituição lhe outorgou. O não-exercício da competência tributária
pela pessoa política não a defere a outra ou outras pessoas políticas, ou seja, o fato de ela não
exercer sua competência tributária não permite que outra pessoa política possa exercê-la (art.
8º, do CTN).
O não exercício jamais implicará a perda da competência tributária, podendo vir a ser
exercida a qualquer momento. Da mesma forma, não é possível a outro ente vir a exercer uma
competência tributária que não é sua, sob a alegação de que o titular da competência não a
exercita.
A facultatividade do exercício da competência é um dos pressupostos da competência
tributária, “em razão do que a falta de seu exercício não lhes afasta o direito assegurado pela
Constituição, que não estabeleceu qualquer espécie de perda em razão de mera inércia
legislativa”. Assim, o fato de a União não ter instituído o Imposto sobre Grandes Fortunas não
lhe retira a faculdade de exercer a sua competência para tal, em qualquer oportunidade
(RAMOS, 2002, on-line).
2.3 Atribuição constitucional das competências tributárias no Brasil
Diante do exposto, pode-se dizer que o Brasil possui uma estrutura federativa própria,
em que os Municípios integram a Federação e onde a própria Constituição Federal garante
que os entes federados atuem com pleno exercício de suas competências, a partir da técnica de
repartição dessas competências por ela adotada, bem como há uma proibição de invasão de
competências uns pelos outros. É o que adiante se passa a expor.
40
A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal receberam da Constituição um
campo tributário próprio. Segundo Carraza (2010, p. 520), para as pessoas políticas, a
Constituição Federal é a “Carta das Competências”. Ela indica o que podem, o que não podem
e o que devem fazer, inclusive, e principalmente, em matéria tributária.
Como explicado anteriormente, a atribuição de competência tributária compreende a
competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas
Constituições dos Estados e nas leis Orgânicas do DF e dos Municípios, e observado o que
estabelece o Código Tributário Nacional (CTN, artigo 6º). Os Estados, o DF e os Municípios
estão ainda obrigados a obedecer às normas gerais de Direito Tributário, que estão
estabelecidas em leis complementares, conforme o artigo 146, da CF. Também o próprio
legislador federal deve respeitar as estipulações das leis complementares, só podendo revogá-
las por meio de lei complementar (MACHADO, 2004, p. 260). Vale ressaltar que o próprio
CTN, embora tenha sido votado como lei ordinária, tem força de lei complementar e, como
tal, só pode ser alterado por outra LC, visto que regula matéria reservada a LC (CF, artigo
146).
Outro ponto que merece destaque é o fato de que a distribuição de receitas, objeto do
próximo tópico, não afeta a distribuição de competências, ora estudadas, ou seja, os tributos
cuja receita seja distribuída, no todo ou em parte, a outras pessoas jurídicas de direito público
não deixam de pertencer à competência legislativa daquela a que tenham sido atribuídas
constitucionalmente. É o que reza o parágrafo único do artigo 6°, do CTN.
Agora com relação à partilha constitucional das competências, vigora, no sistema
tributário brasileiro, o regime das competências privativas (MACHADO, 2004, p. 281), tanto
para os impostos como para os demais tributos.
Entretanto, com relação às taxas e às contribuições de melhorias, tributos vinculados a
uma atividade estatal específica, a competência tributária decorre da competência para a
realização do serviço, para o exercício do poder de polícia ou ainda para a realização da obra
pública, estando configurada a competência comum ou concorrente, que seria aquela atribuída
pela Constituição Federal aos três níveis de governo, para legislar sobre direito tributário,
consoante a dicção do artigo 24, inciso I.
De acordo com Ichihara (1994, p. 32), baseado no artigo 145, II e III, da Constituição da
República, competência concorrente é aquela atribuída genericamente a uma ou mais
41
entidades políticas, como, por exemplo, a que possibilita a cobrança das “taxas” e
“contribuições de melhorias” pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
evidentemente dentro das respectivas competências de atuação.
Hugo de Brito Machado (2004, p. 285), entretanto, não concorda com esta classificação.
Para ele, a competência tributária é privativa do ente estatal que exercita a atividade
respectiva, podendo este instituir e cobrar o tributo respectivo, não cabendo ao Direito
Tributário a questão de saber se tal ente político é competente para o exercício da atividade a
que se vincula o tributo, sendo esta uma questão de Direito Administrativo:
Indicar-se como de competência comum os tributos vinculados não nos parece adequado. Preferimos dizer que esses tributos são privativos de quem exerce a atividade estatal a que se ligam, sendo a competência para o exercício dessa atividade estatal matéria estranha ao Direito Tributário.
Resumindo, tem competência para instituir e cobrar taxas e contribuições de melhoria, o
ente estatal que é competente para o desempenho da atividade respectiva. Corroborando com
este pensamento está também Carraza (2010, p. 677), para ele, tanto a União quanto os
Estados, os Municípios e o DF podem criar taxas e contribuições de melhoria, mas não as
mesmas taxas, nem a mesma contribuição de melhoria, por isso não pode ser considerada
comum a competência dada aos entes políticos e sim, privativa. Segundo ele:
[...] a criação legislativa da taxa ou da contribuição de melhoria pressupõe a existência da competência administrativa da pessoa política tributante. Dito de outro modo, a competência para instituir tributos vinculados está ligada ao exercício da competência administrativa que a entidade tributante recebeu da Constituição para prestar o serviço, para praticar o ato de polícia ou para realizar a obra pública. Isto significa que se a pessoa política realiza a atuação estatal sem ter competência administrativa para tanto, não pode instituir e arrecadar nenhum tributo vinculado (CARRAZA, 2010, p. 680).
Com relação aos impostos, a Constituição Federal tratou de delimitar-lhes o campo de
incidência, dividindo a competência privativamente para cada ente federativo, visto que são
tributos não-vinculados a uma atividade estatal específica. Desta forma, é a Constituição que
determina quais os impostos que a União, os Estados, o DF e os Municípios podem criar,
sendo a atribuição constitucional de competência para instituir impostos considerada uma
forma de limitação ao poder de tributar no Brasil, pois a Constituição delimita o campo fático
de atuação das pessoas políticas, definindo o âmbito constitucional para a criação de cada
imposto respectivo.
42
Desta forma, não pode o legislador infraconstitucional, de cada pessoa jurídica de
Direito Público, ao criar um imposto, atuar fora dos ditames constitucionais, sob nenhum
argumento (CTN, artigo 110). Assim, a partilha constitucional das competências tributárias,
no Brasil, está elencada nos artigos 153 a 156 da Constituição Federal de 1988, estando a
competência privativa de cada ente disposta da seguinte forma:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III - renda e proventos de qualquer natureza; IV - produtos industrializados; V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI - propriedade territorial rural; VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar. [...] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores. [...] Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
Esta é, portanto, a chamada competência privativa, ou seja, é aquela atribuída específica
e exclusivamente a um ente político. Neste caso, apenas uma pessoa política pode tributar
determinado fato, excluindo-o da competência dos demais entes.
O Distrito Federal pode, dentro de seu território, criar impostos estaduais (CF, artigo
155) e também impostos municipais (CF, artigo 147).
Com relação à União, esta pode ainda, instituir impostos extraordinários de guerra (CF,
artigo 154, II), empréstimos compulsórios (CF, artigo 148) e contribuições (CF, artigo 149)
(tema específico do terceiro capítulo).
Trata-se, no primeiro caso, da competência extraordinária ou excepcional, atribuída a
algum dos entes tributantes, diante de circunstâncias extraordinárias, que demandam maiores
recursos do erário público, para enfrentá-las. No caso, à União, e apenas diante de uma guerra
43
externa (guerra declarada pelo presidente da República – artigo 84, XIX, autorizado ou
referendado pelo Congresso Nacional – artigo 49) ou sua iminência.
Este imposto não se submete ao princípio da anterioridade, mas está submetido ao da
legalidade. Dispõe o artigo 154, inciso II, da CF: “A União poderá instituir na iminência ou
no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua
competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua
criação”.
O mesmo artigo 154, agora em seu inciso I, acolhe a chamada competência residual,
que é o poder de instituir outros tributos não previstos na Carta Magna. E teria como
propósito permitir a criação de um tributo em função de peculiaridades locais, devendo sua
instituição ter sido atribuída aos Municípios, por estarem mais perto das pessoas e terem
maior capacidade de medir sua capacidade contributiva (MACHADO, 2004, p. 284).
No Brasil, entretanto, somente a União detém a competência residual para instituir
impostos, mediante a observância de três requisitos (CF, artigo 154, inciso I): I - que seja por
meio de lei complementar, II - que obedeça ao princípio da não-cumulatividade e, III - que
não tenham fato gerador ou base de cálculo, iguais aos outros já discriminados
constitucionalmente (princípio da originalidade), evitando assim a bitributação.
Ressalte-se, ainda, que a União deve respeitar o princípio da capacidade contributiva, o
qual originou sua competência residual, devendo descrevê-lo na hipótese de incidência dos
novos tributos. O que impede também a invasão de competência impositiva entre as pessoas
políticas União, Estados, Municípios (CARRAZA, 2010, p. 672-673).
Assim, com relação aos impostos, a competência residual é da União, como explicitado
acima. Entretanto, relativamente às taxas e contribuições de melhoria (tributos não
vinculados), a competência residual pertence aos Estados e ao Distrito Federal, conforme
indicam os artigos 25, §1º e 32, § 1º, ambos da CF.
Até o momento, falou-se apenas sobre o critério material de partilha das competências
impositivas dos entes federados, entretanto, apenas aqueles dispositivos mencionados não são
capazes de evitar conflitos de competência. Visto que “há, no Brasil, tantos impostos
estaduais, municipais e distritais quantas são as pessoas políticas autorizadas pela
Constituição Federal a instituí-los”. Desta forma respeitando os princípios federativos, da
44
autonomia municipal e da autonomia distrital, a Constituição Federal adotou, também, o
critério territorial de repartição das competências impositivas, que determina que “a única lei
tributária aplicável seja a da pessoa política em cujo território o fato imponível ocorreu”. São
mais uma vez elucidativas as palavras de Carraza (2010, p. 675-677):
Ao atribuir competências impositivas aos Estados, aos Municípios a ao Distrito Federal, a Constituição valeu-se, além do critério material, também do critério territorial, com o quê inviabilizou eventuais usurpações, por parte destas pessoas políticas, no que atina aos impostos arrolados nos arts. 155 e 156 da Lei Maior. Enfim, a conjugação dos critérios material e territorial de repartição de competências impositivas reafirma que a União, cada um dos Estados, cada um dos Municípios e o Distrito Federal têm impostos privativos.
Como se pode observar, é a Constituição Federal quem atribui competência em matéria
tributária, traçando os contornos gerais do Estado nas suas três esferas de poder, cumprindo o
pacto federativo. “Como expressão pura desse pacto ela distribui as competências tributárias
entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, formando, juntamente com os
princípios e as normas de direito tributário, o Sistema Tributário Nacional” (RAMOS, 2002,
on-line).
2.4 Repartição de receitas tributárias na Constituição Federal de 1988
Como exposto no primeiro capítulo, o federalismo inicia-se com a Constituição norte-
americana de 1787, que traz um sistema baseado, principalmente, na manutenção de autonomia
dos Estados-membros, com a divisão de competências e de rendas, feitas constitucionalmente.
Daí sua importância, conforme ensina Amílcar de Araújo Falcão (1965, p.12):
A razão de ser da importância da discriminação de renda, na federação, é evidente e se consubstancia na circunstância mesma de constituir uma exaltação, um grau superlativo das autonomias, sobretudo as periféricas, cujo convívio equilibrado com a unidade central se quer assegurar. Por isso mesmo é que a discriminação de rendas, nas federações, costuma ser fixada no próprio texto constitucional. Só por exceção assim não acontece.
Com relação à repartição de receitas tributárias no Brasil, a regra geral é a de que a
União fica com o produto da arrecadação de seus tributos (impostos, taxas e contribuição de
melhoria) e da mesma forma ocorre com os Estados, Municípios e Distrito Federal. A União é
responsável ainda pelo produto da arrecadação dos Territórios Federais, dos impostos
estaduais e municipais (se ele não for dividido em municípios), de acordo com o artigo 147,
da CF/88.
45
A União arrecada ainda os empréstimos compulsórios (CF, artigo 148, incisos I e II), as
contribuições (CF, artigo 149) e os impostos extraordinários (CF, artigo 154, inciso II),
estando estes compreendidos, ou não, em sua competência impositiva ordinária.
Como dito no item anterior, relativamente aos impostos, a competência residual é da
União (CF, artigo 154, inciso I). Para as taxas e contribuições de melhoria, a competência
residual é dos Estados e do Distrito Federal (CF, artigos 25, §1º e 32, § 1º), tendo a mesma
divisão o produto da arrecadação respectiva.
De acordo com o § 1º, do artigo 149, da CF/88, os Estados, o DF e os Municípios ficam
com o produto da arrecadação das contribuições que cobrarem de seus servidores para o
custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social. Ficam também
com o produto da arrecadação do imposto da União sobre a renda e proventos de qualquer
natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas
autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem (CF, artigos 157, I e 158, I).
Os Estados e o Distrito Federal recebem ainda, 20% do produto da arrecadação dos
impostos que a União vier a instituir, com base em sua competência residual (CF, artigo 154,
I), de acordo com o artigo 157, II, da CF/88. Os Municípios recebem ainda 50% da
arrecadação do ITR (imposto territorial rural), incidente sobre os imóveis localizados em seus
territórios e a totalidade desta arrecadação, caso queiram, fiscalizá-lo e cobrá-lo, na forma da
lei, como lhes facultam os artigos 158, II e 153, § 4°, III, ambos da CF; o que não retira a
competência da União para instituir o ITR (CF, artigo 153, IV). O que se vê aqui é a
possibilidade de a mesma pessoa política, que partilha a receita tributária, participar
ativamente do lançamento e cobrança da exação, sendo esta uma novidade no sistema
constitucional tributário brasileiro (CARRAZA, 2010, p. 717).
A União deve, ainda, dividir o que arrecadar com o IR (imposto de renda) e com o IPI
(imposto sobre produtos industrializados) da seguinte forma: 21,05%, ao fundo de
participação dos Estados e do DF; 22,05%, ao fundo de participação dos Municípios; 3%,
para aplicação em programas de financiamento, ao setor produtivo das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, por meio de suas instituições financeiras de caráter regional, de
acordo com os planos regionais de desenvolvimento, ficando assegurada ao semi-árido do
Nordeste a metade dos recursos destinados à Região, na forma que a lei estabelecer; 1% ao
fundo de participação dos Municípios, que será entregue no primeiro decênio do mês de
46
dezembro de cada ano (CF, artigo 159, I, a, b, c, d). Fica, entretanto, excluída desta divisão a
parcela da arrecadação do IR pertencente aos Estados, ao DF e aos Municípios, de acordo
com os artigos 157, I; 158, I e 159, § 1º, todos da CF/88.
A Constituição Federal, em seu artigo 153, § 5º, determina que incidirá o imposto sobre
operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativos a títulos ou valores imobiliários, sobre o
ouro, quando definido, em lei, como ativo financeiro ou instrumento cambial, devendo a
União dividir o produto de sua arrecadação da seguinte forma: 30% para o Estado, o DF ou o
Território, conforme a origem, e 70% para o Município de origem.
De acordo com o artigo 159, II, a União deverá entregar 10% da arrecadação do IPI aos
Estados e ao DF, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos
industrializados, o que favorece os Estados exportadores de produtos industrializados, que,
segundo Carraza (2010, p. 719), seria para compensá-los da imunidade ao ICMS das
exportações de produtos industrializados, de acordo com o artigo 155, § 2º, X. Note-se que o
percentual de 10% é sobre o valor integral do IPI que a União vier a arrecadar, sem se
descontar a distribuição aos Fundos de Participação (CF, artigo 159, inciso I), visto que as
exportações de produtos industrializados estão imunes ao IPI (CF, artigo 153, § 3º, III).
A Constituição fixa um limite à partilha, pelos Estados, dos referidos 10% do IPI,
concretamente os Estados que mais exportarem produtos industrializados não poderão receber
mais do que 20% daqueles 10%, o valor que passar este limite será rateado entre os demais
Estados e o DF (CF, artigo 159, § 2º), o que faz com que os Estados que importem menos ou
não importem produtos industrializados recebam parte dos 10% de IPI arrecadado pela União,
ocorrendo aí uma verdadeira distribuição de renda entre os entes federados.
Ainda de acordo com o artigo 159, agora em seu inciso III, a União deverá entregar do
produto da arrecadação da CIDE, prevista no artigo 177, § 4°, 29% para os Estados e o DF,
distribuídos na forma da lei, observada a destinação dos recursos arrecadados para o
financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.
Agora, com relação aos Estados, a Constituição Federal de 1988 manda que estes
também partilhem algumas de suas receitas tributárias com os Municípios localizados em seus
territórios. No artigo 158, inciso III, os Estados deverão repassar aos Municípios 50% do que
for arrecadado com o IPVA (imposto sobre a propriedade de veículos automotores), dos
veículos licenciados em seus territórios. Devem também entregar 25% do ICMS (imposto
47
sobre circulação de bens e serviços) arrecadado, aos Municípios localizados em seus
territórios (CF, artigo 158, IV).
O parágrafo único do artigo 158, da CF, delimita a forma de como estes 25%, do inciso
IV, serão creditados: I - três quartos deste valor correspondem ao valor adicionado, ou seja, ao
valor das mercadorias saídas, acrescido do das prestações de serviços, deduzido o das
mercadorias entradas, em cada ano civil (artigo 3°, § 1º, da LC 63/90); II - até um quarto dos
25% será creditado, segundo o que determinar a lei estadual.
Diante de todo o exposto, entende-se que o Município pode exigir dos Estados, a exata
quantia que lhe é devida, por força de mandamento constitucional e legal, com relação ao
produto arrecadado com o ICMS. É o que rege a súmula 578 do STF. Desta forma, tem-se
como claramente inconstitucional qualquer redução deste valor. É o que leciona Carraza
(2010, p. 724): “[...] o direito constitucional dos Municípios à participação no produto da
arrecadação do ICMS deve ser dimensionado pelo total da arrecadação, seja a que título for,
dos valores que ingressarem nos cofres estaduais”.
Por fim, estabelece o artigo 159, §3° da CF, que os Estados devem repassar aos
respectivos Municípios 25% dos recursos que receberem nos termos do inciso II, ou seja, 10%
do arrecadado com o IPI, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos
industrializados, observados os critérios estabelecidos no artigo 158, da Carta Magna.
Ao contrário do que possa parecer, a discriminação constitucional de rendas tributárias
não interfere no exercício da tributação pelas pessoas políticas (CARRAZA, 2010, p. 727), os
artigos 160, 161 e 162 da CF, têm a finalidade, justamente, de facilitar esta repartição.
Conforme o artigo 160, da CF, é proibida a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao
emprego dos recursos atribuídos aos Estados, ao DF e aos Municípios, neles compreendidos
adicionais e acréscimos relativos a impostos. Ou seja, não pode a União, sob qualquer
alegativa, deixar de repassar o valor exato que é devido aos demais entes federados.
Entretanto, o parágrafo único do respectivo artigo, considerado inconstitucional pela maioria
dos autores, diz que: “A vedação prevista neste artigo não impede a União e os Estados de
condicionarem a entrega de recursos: I – ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas
autarquias; II – ao cumprimento do disposto no art. 198, § 2º, incisos II e III”.
48
Sendo os Estados, os Municípios e o DF conhecidos devedores da União e os
Municípios devedores dos Estados, na prática, o caput do artigo 160 estaria sem eficácia,
visto que a União e os Estados poderiam, simplesmente, não fazer o repasse devido aos
demais entes da Federação, com base no parágrafo único do mesmo artigo, condicionando-o
ao pagamento das dívidas, comprometendo suas autonomias políticas e jurídicas. Faz-se
necessário, portanto, a revogação do referido parágrafo, devendo a União e os Estados se
valerem de outros meios jurídicos para receberem o que lhes é devido, sem negar a
participação no produto de suas receitas tributárias (CARRAZA, 2010, p. 725-726), definidas
constitucionalmente. Já o artigo 161, da Carta Magna, determina que a lei complementar
deve:
I – definir valor adicionado para fins do disposto no art. 158, parágrafo único, I; II – estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municípios; III – dispor sobre acompanhamento, pelos beneficiários, do cálculo das quotas e da liberação das participações previstas nos arts. 157, 158 e 159.
Na sequência, o artigo 162, da CF, diz que as pessoas políticas devem divulgar até o
último dia do mês subsequente ao da arrecadação, os montantes de cada um dos tributos
arrecadados, os recursos recebidos, os valores de origem tributária entregues e a entregar e a
expressão numérica dos critérios de rateio. Aduz ainda o respectivo parágrafo único que os
dados divulgados pela União serão discriminados por Estado e por Município; os dos Estados,
por Município.
Para finalizar, Hugo de Brito Machado (2004, p. 49) ensina, com propriedade que a
técnica de atribuição de competência é de grande importância, porque tem a virtude de
descentralizar o poder político, mas tem o inconveniente de não se prestar como instrumento,
para a minimização das desigualdades econômicas entre os Estados e os Municípios. Segundo
ele, “ao Estado pobre, em cujo território não é produzida, nem circula, riqueza significativa,
de nada valeriam todos os tributos do sistema. Por isto é que se faz necessária também a
distribuição de receitas tributárias”.
2.5 Os limites jurídicos ao exercício da competência tributária no Brasil
A Constituição Federal não é apenas um instrumento político de formação e
organização de uma sociedade institucionalmente constituída, mas é também um meio
49
jurídico, que por meio de suas regras e princípios, norteia e controla o exercício das atividades
estatais, garantindo a manutenção do Estado, a proteção dos cidadãos e a consecução de seus
objetivos.
Desta forma, verifica-se que o controle do poder de tributar, no Brasil, encontra seu
primeiro limite na observância das normas constitucionais. O respeito a tais normas é absoluto
e sua violação pela lei tributária torna esta imediatamente inconstitucional. Desta forma,
pode-se afirmar que “a Lei Maior Tributária – pelo menos no Brasil – é a Constituição”
(CARRAZA, 2010, p. 518).
O legislador encontra outro limite à tributação, nos princípios constitucionais,
comandos que garantem a harmonia e o equilíbrio, na relação jurídica tributária entre os entes
federados, conduzindo a tributação no país e que, por isso, também devem ser observados,
tais como o princípio republicano, federativo, da autonomia municipal e distrital, da
segurança jurídica, da igualdade, da reserva de competência, da anterioridade, etc.
As limitações à competência tributária estão previstas nos artigos 150, 151, 152 da
CF/88, e nos artigos 9º ao 11º, do CTN, e consistem em princípios e normas jurídicas, com a
finalidade de garantir o cidadão contra o abuso do poder de tributar do Estado. Tais
dispositivos da Constituição Federal constituem-se em vedações à entidade tributante, em
defesa do contribuinte. Existem, desta forma, dentre outros, diversos preceitos vinculantes que
limitam o exercício da competência tributária no Brasil, como adiante se passa a expor.
Pelo princípio da reserva de lei ou da legalidade estrita (CF, artigo 150, inciso I),
fica vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, exigir ou aumentar
tributo sem lei que o estabeleça, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte.
Pode-se observar que este princípio garante outro também de suma importância, qual seja, o
princípio da segurança jurídica.
Desta forma, entende-se que, pelo princípio da legalidade, deve ainda a lei informar a
hipótese de incidência, o sujeito ativo, o sujeito passivo, a base de cálculo e a alíquota de cada
tributo, quando da sua criação. Deve-se também, observar se determinado tributo deve ser
instituído por meio de lei ordinária ou de lei complementar, conforme ditames constitucionais.
Existem algumas exceções ao princípio da legalidade, determinadas pela própria
Constituição Federal, desde que atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, é o
50
que diz o artigo 153, § 1º, da CF/88, que permite à União, alterar as alíquotas dos impostos
sobre importação e exportação, do imposto sobre produtos industrializados e do imposto
sobre operações financeiras. Da mesma forma acontece com a CIDE (contribuição de
intervenção no domínio econômico), relativa às atividades de importação ou comercialização
de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível, conforme o
artigo 177, § 4º, I, b da CF/88, incluído pela emenda constitucional nº 33, de 2001.
O princípio da anterioridade da lei está previsto no artigo 150, inciso III, alínea b, da
CF/88. Segundo este artigo, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, cobrar tributos no
mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
O exercício financeiro coincide com o ano civil (1º de janeiro a 31 de dezembro). Desta
forma, exige-se que a lei que crie ou aumente tributos seja anterior ao exercício financeiro em
que o tributo será cobrado, visando à proteção do contribuinte.
Além do princípio da anterioridade, a eficácia da lei tributária se sujeita também ao
princípio da anterioridade mínima ou mitigada (CF, artigo 150, inciso III, alínea c),
introduzido pela emenda constitucional nº 42, de 2003, pelo qual o tributo instituído ou
aumentado só poderá ser cobrado após o prazo de 90 dias da sua publicação.
Desta forma, aplicando-se os dois princípios acima, tem-se que, se uma lei instituir um
tributo no mês de dezembro, por exemplo, esta só poderá valer no exercício seguinte, e ainda,
somente depois de decorridos os 90 dias; do contrário seria inconstitucional. Entretanto,
existem também algumas exceções a este princípio, quais sejam:
- os II, IE, IPI, IOF, além dos impostos extraordinários de guerra ou sua iminência
(artigo 150, § 1º, CF/88);
- os empréstimos compulsórios criados em razão de calamidade pública ou sua
iminência (artigo 148, I, CF/88);
- ato do poder executivo ou lei que alterar a alíquota da CIDE relativa às atividades de
importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e
álcool combustível (artigo 177, § 4º, I, b, CF/88);
51
- ICMS incidentes sobre combustíveis e lubrificantes, definidos em lei complementar,
sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade (artigo
155, § 4º, IV, c, CF/88).
Vale ressaltar que as contribuições (CF, artigo 149), em regra, obedecem ao princípio da
anterioridade, com exceção as de seguridade social, que estão regidas pelo artigo 195, § 6º, da
Carta Magna, obedecendo apenas à anterioridade de 90 dias.
Com relação ao parágrafo 4º, do artigo 177, da CF/88, introduzido pela EC nº 33/2001,
este será amplamente discutido no quarto e último capítulo deste trabalho, analisado como um
dos temas controversos acerca das contribuições no Brasil.
Em continuidade, tem-se o princípio da irretroatividade da lei tributária (CF, artigo
150, inciso III, alínea a). Segundo este princípio é vedado aos entes tributantes, cobrar tributo
em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver
instituído ou aumentado, garantindo assim, o estipulado no artigo 5º, inciso XXXVI, da CF/88
(o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada).
Desta forma, o tributo só poderá incidir sobre fatos geradores ocorridos após a vigência
da lei que o instituir, não cabendo à lei tributária alcançar fato gerador pretérito, sob pena de
ser declarada inconstitucional.
Verifica-se no artigo 150, inciso IV, da CF/88, mais um limite imposto à tributação no
país, como forma de proteger o direito de propriedade dos particulares contra eventuais
ingerências estatais: a Constituição elencou, ainda, o princípio da proibição de confisco. Ao
exercer sua competência tributária, a entidade tributante não pode cobrar do contribuinte valor
desproporcional ao seu patrimônio. Segundo José Afonso da Silva “o tributo não deve subtrair
mais do que uma parte razoável do patrimônio ou da renda do contribuinte”.
Ao lado do princípio da proibição de confisco está o princípio da capacidade
contributiva (CF, artigo 145, § 1º), segundo o qual, o legislador deve graduar a instituição do
tributo, levando em consideração a capacidade econômica do contribuinte, sendo facultado à
administração tributária, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
O princípio da igualdade tributária está inscrito no artigo 150, inciso II, da CF/88,
que assegura ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, instituir
52
tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, estando
proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. Está,
portanto, o princípio da igualdade tributária diretamente ligado ao princípio da capacidade
contributiva. São as palavras de Ichihara (2002, p. 62):
Este salutar princípio, além de ser o ingrediente fundamental na implementação do princípio da isonomia ou da igualdade, aparece como instrumento de realização da justiça fiscal, que acabará por desembocar na realização da justiça social. [...] Tributar com maior ônus o detentor de maior capacidade contributiva, até no plano econômico, aparece como única forma para se buscar a melhor distribuição da renda e diminuir a desigualdade social.
Já o princípio da liberdade de tráfego de pessoas ou bens (CF, artigo 150, inciso V)
veda tributação ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais e
intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo
Poder Público. Este princípio busca ressalvar a unidade federativa, sem a imposição de
bloqueios à livre circulação de pessoas ou bens.
Também ligado ao princípio federativo, está o princípio da uniformidade da
tributação, constante no artigo 151, inciso I, da CF/88, que determina que os tributos
instituídos pela União sejam uniformes em todo território nacional, e que não implique
distinção ou preferência, em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em
detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promoverem o
equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do país. Sobre o
assunto, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1990, p. 172) diz o seguinte:
[...] a preservação da unidade nacional recomenda que a União não distinga entre os que habitam o território brasileiro, em razão do Estado ou do Município a que se vinculam. Do contrário, a diferença de tratamento, ao privilegiar alguns em detrimento de outros, gerará forçosamente a discórdia e as dissidências que animarão propósitos secessionistas.
Ainda com base no artigo 151, agora com relação ao seu inciso II, é também vedado à
União, tributar a renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, bem como os proventos e remuneração de seus agentes públicos, em níveis
superiores aos que fixar para suas obrigações e para seus agentes. Existe ainda, a vedação da
instituição pela União, de tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios
(CF, artigo 151, III).
53
Existe ainda, o princípio da não-discriminação tributária, previsto no artigo 152, da
Carta Magna, que dispõe: “É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua
procedência ou destino”. Desta forma, as unidades da federação não podem estabelecer
preferências a produtos ou serviços uns dos outros.
Até o momento, foram analisados apenas os princípios expressos na Constituição
Federal de 1988. José Afonso da Silva, entretanto, considera existir ainda o princípio da
universalidade, classificado como princípio geral da tributação, que, embora não esteja
expresso na CF, segundo ele, extrai-se da interpretação do artigo 19, inciso III, da Carta
Magna, que versa: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...]
III– criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. Não devendo haver, desta
forma, nenhuma distinção com relação aos contribuintes, visto que, aos olhos da lei todos são
iguais, ou seja, basta que se pratique o fato gerador (a hipótese de incidência prevista na lei)
do tributo, para que haja a incidência deste. A CF prevê o princípio da universalidade
expressamente para o IR (imposto de renda), em seu artigo 153, § 2º, inciso I.
Existem ainda, alguns princípios, conforme prevê a CF, que são aplicáveis apenas em
relação a determinados impostos, são os chamados princípios específicos. São eles: princípio
da progressividade, princípio da não-cumulatividade e princípio da seletividade do imposto.
Não cabendo aqui, entretanto a análise de tais princípios, especificamente, porque não se
aplicam às contribuições.
Com relação às contribuições, objeto deste estudo, os princípios constitucionais
tributários aplicam-se da seguinte forma: as contribuições interventivas e corporativas seguem
os princípios da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade; já as contribuições
previdenciárias (do empregador, sobre a folha de salários, sobre a receita ou faturamento e
sobre o lucro) não seguem o princípio da anterioridade nonagesimal, bem como outras fontes
destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, mediante lei
complementar (artigo 195, §§ 4º e 6º da CF). Entretanto, referidas contribuições serão
amplamente discutidas no próximo capítulo.
Além das já citadas, existem ainda outras limitações ao exercício da competência
tributária no Brasil. As imunidades tributárias, também determinadas pela Constituição
54
Federal, são instituídas por razões de privilégio ou de considerações de interesse geral, e
excluem determinados sujeitos da atuação do poder de tributar.
Faz-se necessária uma distinção entre a imunidade e a isenção. A primeira trata-se de
uma limitação do exercício do poder de tributar, prevista na CF, ou seja, é a exclusão
constitucional do poder de tributar, dirigida ao legislador, que impede o exercício da
competência tributária dos entes nos casos que especifica, sendo aplicável apenas aos
impostos. Inexiste, portanto, o fato gerador da obrigação tributária. Já a isenção é uma forma
de exclusão do crédito tributário que está no campo de incidência, ou seja, os fatos previstos
pelo legislador como necessários e suficientes à ocorrência do fato gerador existiram, mas há
lei que dispensa o pagamento do tributo, conforme se abstrai do artigo 175, do CTN, ou seja,
nesta, o fato gerador ocorre, porém o contribuinte é isento de pagar por determinação legal,
por meio de lei infraconstitucional.
As imunidades estão previstas no artigo 150, inciso VI, da CF/88, que estabelece ser
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Conforme determina a Carta Magna, é ainda vedado à União instituir isenções de
tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, de acordo com
seu artigo 151, inciso III. Impede assim, a invasão de competência tributária pelos entes
federados e garante também, a possibilidade de isenção tributária, conforme as necessidades
particulares de cada um, atendendo assim, aos interesses estaduais ou municipais, sem a
intervenção da União. E, como forma de assegurar mais ainda esta independência federal, a
EC nº 3/93 alterou o § 6º, do artigo 150, da CF, que versa:
§ 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155,§ 2º, XII, g.
Além dos casos de imunidade já citados, existem ainda, outros específicos que são
aplicáveis apenas a determinados impostos, nas hipóteses constitucionalmente indicadas.
55
Assim, não incidirá o IPI sobre produtos destinados ao exterior (artigo 153, § 3º, inciso III);
não incidirá o ITR sobre pequenas glebas rurais definidas em lei, quando as explore o
proprietário que não possua outro imóvel (artigo 153, § 4º, inciso II); não incidirá o ICMS nas
operações de mercadorias e produtos industrializados destinadas ao exterior; operações com
outros Estados, relativamente a petróleo, lubrificantes, combustíveis e energia elétrica; sobre
o ouro, como ativo financeiro, e nas prestações de serviço de comunicação, nas modalidades
de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita, baseados no artigo
155, § 2º, X; e ainda não incide o ITBI sobre bens e direitos incorporados à pessoa jurídica e
decorrentes de fusão, incorporação, cisão e extinção, salvo se esta for a atividade
preponderante do adquirente (artigo 156,§ 2º, I).
3 AS CONTRIBUIÇÕES NO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
Sobre o tema das contribuições, no Brasil, existem grandes discussões e algumas
divergências em relação a determinados aspectos, desde sua caracterização como espécie
tributária, quantas e quais são as contribuições identificadas, no sistema constitucional
tributário brasileiro, quais são as circunstâncias que justificam sua instituição. E uma questão
intrigante é a de se saber se é, constitucionalmente, possível a instituição de contribuições
gerais, ou seja, além das, expressamente existentes nos artigos 149, 195, 212, § 5º, 239 e 240,
se seria possível a instituição de outras mais, justificadas apenas pela necessidade do custeio
de atividades de cunho social, pela União, e se esta instituição estaria respeitando o princípio
federativo. Entretanto, esta questão será discutida no quarto capítulo, cabendo aqui, apenas
algumas elucidações acerca da origem, classificação e principais características das
contribuições, para um melhor entendimento do tema.
3.1 Contexto histórico e origem das contribuições
De acordo com Eduardo Rocha Dias (in: MACHADO, Hugo de Brito, 2003, p. 207),
“as contribuições são fruto do Estado social e interventor”. Diante desta afirmação, faz-se
necessária uma breve passagem pelos conceitos de liberalismo econômico e intervencionismo
estatal, chegando-se ao estado neoliberal, atual, no qual, as contribuições, ora estudadas, estão
inseridas.
Primeiramente, é preciso entender que o capitalismo se sujeita a um fenômeno cíclico, o
que pressupõe, portanto, altos e baixos em sua continuidade. Afinal de contas, trata-se de um
sistema econômico que acompanha a evolução da sociedade nos aspectos sociais e políticos.
O capitalismo moderno começa com a Revolução Industrial e as chamadas revoluções
"burguesas" liberais da Idade Moderna, marcadamente a Revolução Gloriosa inglesa (1640-
60), a Independência dos EUA (1776) e a Revolução Francesa (1789-99). Formou-se assim, o
arcabouço institucional de suporte ao desenvolvimento capitalista. Surgem as primeiras
teorias econômicas modernas: a Economia Política e o correspondente liberalismo.
57
O Liberalismo pode ser definido como um conjunto de princípios e teorias políticas, que
apresenta como ponto principal a defesa da liberdade política e econômica. Neste sentido, os
liberais são contrários ao forte controle do Estado na economia e na vida das pessoas. O
pensamento liberal teve sua origem no século XVII, por meio dos trabalhos sobre política,
publicados pelo filósofo inglês John Locke. Já no século XVIII, o liberalismo econômico
ganhou força, com as idéias defendidas pelo filósofo e economista escocês Adam Smith, além
de outros como Malthus, Ricardo e Mill. É o que ensina Paul Hugon (1995, p. 101):
A Escola Clássica propriamente dita consiste, portanto, naquela corrente científico-econômica iniciada, em 1776, com Smith, continuada particularmente com Malthus e Ricardo e completada, em 1848, por Stuart Mill e seus (Princípios de Economia Política). Todavia, não desaparece nos meados do século a influência exercida por essa escola, tal como a definimos, nem se circunscreverá apenas a Inglaterra. Continuará até nossos dias, sofrendo inflexões aqui e acolá. A autoridade da Escola impõe-se ao mundo: dará nascimento, na França, com Jean Baptiste Say, a importante corrente clássica, cuja expansão vai concorrer para a difusão das idéias de Smith por inúmeros outros países. A Escola Clássica deve a originalidade de suas concepções fundamentais a quatro homens: Adam Smith, Malthus, Ricardo e Stuart Mill.
Os princípios fundamentais do liberalismo são a defesa da propriedade privada, o
primado do indivíduo sobre o Estado, a prevalência da lei e do Direito, uma justiça
independente e eficiente, e uma democracia aberta, que permita a transparência das
instituições e o exercício do espírito crítico, além de uma ampla liberdade econômica (livre
mercado), e a consequente não intervenção do Estado, na economia (governo limitado).
Adam Smith era a favor das liberdades individuais, sem com isso desqualificar o Estado
como representante do bem comum, na ideia de que as ações individuais, movidas
exclusivamente pelo interesse próprio (pretendendo apenas sua própria segurança, seu próprio
ganho) seriam lideradas por uma “mão invisível”, a promover a realização do bem comum.
Ao seguir o seu próprio interesse, o indivíduo frequentemente, promove o da sociedade mais
eficazmente do que quando ele, realmente, tem a intenção de promover o interesse público.
Segundo Reginaldo Moraes (2001, p.13):
Smith afirma que o mundo seria melhor – mais justo, racional, eficiente e produtivo – se houvesse a mais livre iniciativa, se as atitudes econômicas dos indivíduos e suas relações não fossem limitadas por regulamentos e monopólios garantidos pelo Estado ou pelas corporações de ofício. Prega a necessidade de desregulamentar e privatizar as atividades econômicas, reduzindo o Estado a funções definidas, que delimitassem apenas parâmetros bastante gerais para as atividades livres dos agentes econômicos. São três as funções do governo na argumentação de Smith: a manutenção da segurança interna e externa, a garantia da propriedade e dos contratos e a responsabilidade por serviços essenciais de utilidade pública.
58
Porém, com a crise de 1930, houve um enfraquecimento no sistema capitalista, e a partir
do New Deal (1933-1937), o Estado passou a intervir na economia, regulamentando e
direcionando as relações e transações econômicas.
O New Deal foi uma política de intervenção estatal, criada com a finalidade de
recuperar e reformar a economia norte-americana, assistindo aos prejudicados pela grande
depressão, por meio de grandes obras estatais, subsídios a empresas, controle dos bancos e
pelo fordismo, que delimitava uma carga horária de trabalho de 8 horas diárias, para os
trabalhadores, e uma linha de montagem, na produção das indústrias. O que ocasionou uma
superprodução e uma redução dos custos, causando a queda dos preços das mercadorias.
Criou-se então, um pacto entre capital e trabalho, visto que era necessário um mercado
consumidor para aquela produção em grande escala, que foi efetivado pelo aumento dos
salários dos trabalhadores e a divisão do lucro das empresas. Isso que ocorreu também devido
a existência de fortes sindicatos.
Em 1944, ocorreu a conferência de Breton Woods, que estabeleceu regras para as
relações comerciais e financeiras, entre os países mais industrializados do mundo, criando um
gerenciamento econômico internacional, onde os EUA eram o líder. Tratava-se de um sistema
relativamente liberal, onde, primeiramente, vinha o mercado. Tentava-se portanto, uma
diminuição das barreiras ao fluxo de comércio e do capital privado. Foram criados o BIRD, o
FMI e o padrão dólar (ou paridade dólar-ouro).
Essa reforma, para o sistema, teve sustentação teórica e foi desenvolvida por John
Maynard Keynes. Embora defensor do capitalismo, ele afirma que o capitalismo é um sistema
socioeconômico essencialmente instável e tende para o desequilíbrio, necessitando assim, de
uma maior intervenção estatal. Essa nova doutrina originou o Welfare State, ou Estado de
bem estar social, baseado na noção de solidariedade e não mais na de liberdade.
O Estado tem agora maiores atribuições, passa a intervir, além dos temas sociais,
naqueles relacionados com a economia, aumentando a importância da atividade
administrativa, aumentando a atividade legislativa voltada para a disciplina econômica.
Muda-se a forma de agir do poder público, defende-se uma atuação positiva do Estado ligada
à solidariedade e à igualdade (GRECO, 2000, p. 101).
E é, neste contexto intervencionista, que surge a figura da contribuição, sofrendo a
tributação algumas modificações. Acrescenta-se aos impostos e taxas a figura das
59
contribuições sociais, trazendo a idéia da parafiscalidade ao Estado, destinado também, a
atender necessidades não apenas fiscais, mas as ditas "complementares", como a previdência
social e os interesses de categorias econômicas e profissionais. São as palavras de Eduardo
Rocha Dias (in: MACHADO, Hugo de Brito, 2003, p. 210-211):
Como características desta (parafiscalidade) aponta Antônio Theodoro Nascimento: a) delegação do poder fiscal a órgão oficial ou semi-oficial autônomo, de existência paralela ao Estado; b) destinação da receita a fins específicos; c) exclusão de referida receita do orçamento geral do Estado; d) subtração da cobrança e da aplicação de tais receitas à apreciação do Poder Legislativo.
As contribuições são, portanto, fruto do Estado social e interventor, sendo seu
aparecimento, decorrência direta do intervencionismo estatal, originado pelo Welfare State.
Ainda segundo o autor, “as contribuições se revelam um instrumento de intervenção do
Estado na economia e na ordem social” (Dias, in: MACHADO, Hugo de Brito, 2003, p. 211).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3°, adotando os novos fins que
passaram a orientar a atuação estatal, consagrou, como objetivo da República, a busca do
bem-estar social, como se pode observar nos incisos I e IV: construção de uma sociedade
livre, justa e solidária e promoção do bem de todos.
Têm-se como oportuno, entretanto, dar continuidade a este breve histórico. Após
atravessar a crise dos anos 70, países desenvolvidos passam a ter problemas como inflação,
recessão e desemprego, caracterizando a decadência da teoria keynesiana, para a economia, e
do Welfare State, originando a adoção do neoliberalismo ou Estado pós-social.
Na década de 1970, surgiu o neoliberalismo, com a Escola Monetarista, como uma
solução para a crise que atingiu a economia mundial, em 1973, provocada pelo aumento
excessivo no preço do petróleo, sendo, pois, impossível sustentar a conversibilidade do dólar
em ouro; e pela inflação resultante da grande quantidade de impostos, alta cobrança de taxas e
a diminuição da produção. Caracterizou-se assim, a quebra do pacto capital-trabalho, antes
estabelecido. Já não era mais possível manter os pesados investimentos, realizados após a II
Guerra Mundial, pois agora havia déficits públicos, balanças comerciais negativas e inflação.
Trata-se, agora, da aplicação dos princípios liberais, numa realidade econômica pautada
pela globalização e pelos novos paradigmas do capitalismo. Pode-se definir o neoliberalismo
como um conjunto de ideias políticas e econômicas capitalistas, que defende a mínima
participação estatal nos rumos da economia de um país. Pregam a diminuição do tamanho do
60
Estado, tornando-o mais eficiente, a abertura da economia para o capital internacional;
desburocratização do Estado; contra tributos excessivos; a favor do aumento da produção,
como objetivo básico, para atingir o desenvolvimento econômico e social.
Os críticos ao sistema afirmam que a economia neoliberal só beneficia as grandes
potências econômicas e as empresas multinacionais. Os países pobres ou em processo de
desenvolvimento (Brasil, por exemplo) sofrem com os resultados de uma política neoliberal.
Nestes países, são apontadas como consequências do neoliberalismo: desemprego, baixos
salários, aumento das diferenças sociais, monopólios e dependência do capital internacional.
Como contraponto às críticas, Milton Friedman (1984), em sua obra Capitalismo e
Liberdade, defende que o liberalismo enfatiza a liberdade como objetivo último e o indivíduo,
como entidade principal da sociedade. Segundo seu pensamento, a sociedade que coloca a
igualdade à frente da liberdade irá terminar sem igualdade e sem liberdade. Argumenta que a
liberdade econômica é uma condição essencial para a liberdade das sociedades e dos
indivíduos.
Para Nozick (1991) o bem-estar é maximizado, quando a coerção sobre a liberdade
individual, no exercício das escolhas, é minimizado. Seu trabalho enfatiza a importância da
liberdade, na medida do desenvolvimento econômico. Para ele, portanto, a liberdade tem
precedência na determinação do bem-estar. Desse modo, a contribuição dos bens e serviços
para o bem-estar deve ser condicionada à definição e à efetiva garantia dos direitos
individuais. Incluindo-se, a partir daí, a liberdade econômica, política e social, em estudos
sobre desenvolvimento econômico.
O liberalismo ou o neoliberalismo, embora preguem a mínima intervenção estatal e, por
isso, sofram duras críticas de autores preocupados com o os direitos humanos, sociais e a
necessidade da igualdade, deixam claro que o Estado Liberal não pode, nem deve, ser
considerado anárquico. Para isso, basta-se aprofundar a leitura e ver que, ao longo de suas
ideias liberais, vários autores sugerem medidas, propõem alternativas, para melhorar a vida
em sociedade, são abordados vários assuntos, tais como a distribuição de renda, o problema
da pobreza, a educação, a responsabilidade do capital e do trabalho, bem como diretrizes para
o bem-estar social.
Desta forma, não é o liberal, isento de qualquer sentimento social ou humano, é sim, um
defensor da liberdade, antes de tudo, que luta contra a opressão. Existe uma tentativa de
61
conciliar o livre mercado mundial ou a tendência global que é imposta ao países periféricos do
sistema capitalista, com suas reais necessidades, com os anseios sociais que são peculiares de
cada região do mundo. Neste sentido, Eduardo Rocha Dias (in: MACHADO, Hugo de Brito,
2003, p. 217), ao falar sobre o Estado pós-social, afirma:
Não deixou o Estado porém, no contexto da privatização e da regulação, de estar vinculado aos direitos fundamentais, inclusive os que asseguram o oferecimento de prestações aos cidadãos. A seguridade social segue sendo uma tarefa de responsabilidade estatal, muito embora se possa reconhecer um maior espaço a ser preenchido por esquemas privados de proteção social. O princípio da dignidade da pessoa humana impõe, portanto, que se mantenham com o Estado determinadas responsabilidades (assegurar uma proteção social mínima, integrar os desamparados, fiscalizar entidades privadas de previdência e outras) associadas a tal tarefa de prestação, as quais justificam a cobrança de contribuições. Isto principalmente em um país como o Brasil, marcado por grandes desigualdades sociais [...].
Ainda segundo esse autor (2003, p. 212), o reconhecimento e a proteção dos direitos
fundamentais constituem elementos indissociáveis do Estado de Direito, entendido em uma
perspectiva material e não apenas formal, como Estado Constitucional, em que a
normatividade não mais se restringe à lei, mas compreende também regras e princípios
decorrentes da Constituição. Assumindo, neste contexto, posição preeminente o princípio da
dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil (inciso III, do
artigo 1°, da Constituição de 1988).
Dentro deste contexto social, surgem então as contribuições como o meio, pelo qual,
pode-se garantir a eficácia dos direitos fundamentais de segunda e terceira dimensões
(seguridade social, educação, intervenção na economia etc.), servindo para custear essa
atividade social e obrigando o Estado a assegurar tais direitos, pois do contrário não poderiam
ser validamente exigidas (MACHADO SEGUNDO, 2005, p. 85), em observância às suas
finalidades constitucionalmente definidas, que serão amplamente discutidas no próximo item.
Faz-se necessário questionar: que sistema é completamente perfeito, capaz de
desenvolver ao mesmo tempo o capital e o humano? Talvez esta seja a busca travada pela
maioria dos autores, levando em consideração que as teorias são estanques, mas a sociedade
não. Busca-se então, o melhor a ser feito. Entretanto, a resposta a este questionamento foge
aos objetivos deste trabalho, merecendo um estudo exclusivo acerca do tema, cabendo aqui,
apenas algumas considerações.
Robert Reich (2007, p. 12), em seu livro “Supercapitalism”, afirma que capitalismo e
democracia são os dois pilares ideológicos capazes de trazer prosperidade e liberdade sem
62
precedentes para o mundo. Visto que a democracia reflete o que a maioria quer para a
sociedade como um todo e o papel do capitalismo é apenas fazer o bolo econômico crescer,
nada mais.
Evidentemente, a democracia significa muito mais do que o processo de eleições livres
e justas. É um sistema para conseguir o que só pode ser alcançado por parte dos cidadãos,
quando se unem para promoverem o bem comum.
Mas, embora os mercados livres tragam prosperidade sem precedentes para muitos, têm
sido acompanhados do aumento das desigualdades de rendimentos e da riqueza, aumento da
insegurança no trabalho e riscos ambientais, como o aquecimento global. A democracia é
projetada para permitir que os cidadãos possam resolver estas questões de forma construtiva,
permite aos cidadãos debater, coletivamente, como as fatias do bolo devem ser divididas e
para determinar quais regras se aplicam a bens privados e a bens públicos.
Reich assevera que o capitalismo pode viver sem a democracia, contudo a democracia
pode não subsistir sem o capitalismo. Corroborando com este pensamento Norberto Bobbio
(1994, p. 43) afirma que há um encontro entre liberalismo e democracia. Para ele, o
liberalismo não só é compatível com a democracia, como esta pode ser considerada o
desenvolvimento natural do Estado liberal, se tomada não pelo lado do ideal igualitário, mas
pelo lado da sua forma política, que é a soberania popular. São suas estas palavras:
Existem boas razões para crer: a) que hoje o método democrático seja necessário para a salvaguarda dos direitos fundamentais da pessoa, que estão na base do Estado liberal; b) que a salvaguarda desses direitos seja necessária para o correto funcionamento do método democrático. O melhor remédio contra o abuso do poder é a participação direta dos cidadãos, do maior número de cidadãos, na formação das leis. Ideais liberais e métodos democráticos vieram gradualmente se combinando, de tal forma que hoje apenas os Estados nascidos das revoluções liberais são democráticos, e apenas os Estados democráticos protegem os direitos do homem: todos os Estados autoritários do mundo são ao mesmo tempo antiliberais e antidemocráticos (BOBBIO, 1994, p. 43).
O ideal liberal baseia-se no princípio fundamental de que, na relação do indivíduo com
o Estado, a liberdade do indivíduo é o bem supremo, que, enquanto tal, tem preponderância
sobre qualquer outro. Defender o liberalismo, ou neoliberalismo, portanto, é defender a
liberdade, é defender o humanismo.
A justiça social, na óptica liberal, constrói-se com a liberdade. A justiça social aumenta,
na mesma proporção que a intervenção estatal diminui, o que permite um desenvolvimento
63
mais eficiente das forças produtivas da sociedade. Para Hayek (1990) o mercado livre e a
ordem espontânea são as bases da prosperidade social e da democracia. É a liberdade
econômica que gerará riqueza, desenvolvimento e bem estar. Corroborando com este
entendimento está também Eduardo Rocha Dias (in: MACHADO, Hugo de Brito, 2003, p.
208):
O propalado absenteísmo estatal no período do liberalismo constitui, na verdade, um mito, por desconsiderar que Estado e mercado encontram-se intimamente entrelaçados: o Estado moderno é, em grande parte, decorrência do desenvolvimento do capitalismo e o capitalismo não pode prescindir do direito produzido pelo Estado. [...] A oposição entre Estado e mercado constitui, portanto, uma simplificação errônea, assim como a afirmação de um progressivo intervencionismo estatal na economia, na transição do século XIX “liberal” ao século XX.
Portanto, para o liberalismo ou o neoliberalismo, na sua designação atual, a liberdade de
mercado e a democracia andam de mãos dadas, por isso se faz necessária a participação
popular, democrática, no desenvolvimento social e econômico de um Estado.
Diante de todo o exposto, o Estado dito “ideal” seria aquele Estado Democrático de
Direito, que conseguisse conjugar em parcelas iguais liberdade e democracia, como pilares
fundamentais e tivesse um patamar mínimo de garantia de direitos sociais, tendo como base
uma sociedade homogeneamente constituída.
Para, no entanto, não fugir ao tema das contribuições, objeto deste trabalho, faz-se
necessário terminar este tópico e prosseguir, sem, contudo, esgotar esta discussão, mas sim
levantar mais questionamentos.
3.2 Contribuições: Conceito e características
As contribuições podem ser chamadas de paraestatais, sociais ou de previdência, por
não terem como função primordial, a arrecadação de recursos financeiros para o Estado. E
suscitam algumas discussões, por possuírem características ora de taxas ora de impostos.
Alguns autores questionam até mesmo o seu caráter tributário. Entretanto, com a Constituição
Federal de 1988, pôde-se conceituar e entender melhor as contribuições e os limites do poder
de tributar no Brasil, que devem ser respeitados pelos entes federados.
Confirmando o caráter tributário das contribuições, está Paulo de Barros Carvalho
(2005, p. 43), quando diz que o legislador constituinte, manifestamente, afirma que as
contribuições são entidades tributárias, estando subordinadas às linhas definitórias do regime
64
constitucional peculiar aos tributos. Neste sentido, está também Roque Carrazza (2010, p.
595), que, referindo-se ao artigo 149, da Constituição Federal, afirma que basta a sua leitura
para a percepção de que as contribuições têm natureza nitidamente tributária, devido à
expressa alusão feita, pelo legislador, aos artigos 146, III e 150, I e III, ambos da CF, ficando
óbvio que “deverão obedecer ao regime jurídico tributário, isto é, aos princípios que
informam a tributação, no Brasil”.
Já Marco Aurélio Greco (2000, p. 80-81), ao discordar dessa linha de pensamento,
sustenta que o texto constitucional aponta para uma natureza não tributária das contribuições:
De fato, se o art. 149 determina seja aplicada a disciplina típica do Direito Tributário, se manda aplicar as normas gerais de Direito Tributário, se impõe limitações da legalidade, anterioridade e irretroatividade para as contribuições, é porque elas não estão dentro do âmbito tributário. Não pertencem a este gênero. Se estivessem, não precisaria mandar observar tais ou quais regras e critérios; se a intenção fosse dar-lhes a natureza tributária, bastaria incluir um item IV ao art. 145 e toda a sistemática e regime tributário seriam automaticamente de observância obrigatória. Ou então, bastaria determinar a aplicação integral do regime tributário e prever as exceções que julgasse pertinentes, como faz com os impostos.
Não sendo esta, portanto, a posição predominante na doutrina pátria, e pela falta de
argumentos, posiciona-se este trabalho no sentido de que as contribuições têm natureza
eminentemente tributária, apoiadas no sistema constitucional brasileiro e na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, que já pacificou serem, a partir da Constituição de 1988, as
contribuições, tributos, entendendo que a CF/88 acabou com qualquer polêmica sobre o
assunto, in verbis:
De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, taxas e contribuições de melhoria) a que se refere o art. 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas. (STF, Tribunal Pleno, RE 146.733-9-SP, Rel. Min Moreira Alves, j. 29.06.1992, DJ 06.11.1992).
A partir daí, evidencia-se a relação entre o princípio federativo e a competência
constitucional da União para a instituição de contribuições no Brasil. A Constituição Federal,
em seu artigo 149, atribuiu, exclusivamente, à União Federal, a competência para a instituição
das contribuições, com a ressalva única da instituição de contribuições previdenciárias e de
assistência social pelos Estados, DF e Municípios, em benefício de seus servidores e deles
cobrada, prevista no atual § 1º desse artigo, in verbis:
65
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) III - poderão ter alíquotas: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) § 3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) § 4º A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
Agora, faz-se uma tentativa de delimitação da natureza jurídica das contribuições, no
ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com Marco Aurélio Greco (2000, p. 229) as
contribuições só podem ser instituídas, em função de determinadas finalidades
constitucionais. É o que acertadamente expõe:
Afirmar que a finalidade é o traço fundamental das contribuições também não significa que basta a existência de previsão de uma finalidade para que possam ser instituídas. Ao contrário, não podem ser criadas em função de qualquer finalidade. A criação de contribuições somente poderá ocorrer em relação a finalidades previstas constitucionalmente e relativamente às quais a própria constituição tenha autorizado a criação de contribuições.
Complementando este entendimento acerca das contribuições, Misabel Abreu Machado
Derzi, em nota à obra de Aliomar Baleeiro (2001, p. 68-69) afirma o seguinte:
[...] Mas ressalvas devem ser feitas ao art. 4° do Código Tributário Nacional, no ponto em que considera irrelevante, de forma generalizada, a destinação do produto arrecadado para a definição da espécie tributária. É que a destinação, efetivamente, será irrelevante para distinção entre certas espécies (taxas e impostos, p. ex.), mas é importante no que tange à configuração das contribuições e dos empréstimos compulsórios. A Constituição de 1988, pela primeira vez, cria tributos finalisticamente afetados, que são as contribuições e os empréstimos compulsórios, dando à destinação que lhes é própria relevância, não apenas do ponto de vista do Direito Financeiro ou Administrativo, mas, igualmente, do Direito Constitucional (Tributário).
66
Somente a União tem competência para criar contribuições ou empréstimos compulsórios, conforme estabelecem os artigos 148 e 149. Mas, enquanto o Texto Magno proíbe que o legislador vincule a arrecadação de impostos a órgão, fundo ou despesa (art. 167, IV), a afetação do produto a certas despesas ou serviços é requisito necessário para o exercício da competência federal, no que tange às contribuições e aos empréstimos compulsórios.
Ainda segundo Derzi as contribuições são tributos finalísticos afetados: “Assim, a
destinação assume relevância não só tributária como constitucional e legitimadora do
exercício da competência federal. O contribuinte pode se opor à cobrança de contribuição que
não esteja afetada ao fins, constitucionalmente, admitidos”.
Diante do exposto até o momento e da análise do artigo 149, pode-se dizer que as
contribuições sociais são, portanto, espécies tributárias definidas constitucionalmente, que se,
caracterizam por sua correspondente finalidade, diferentemente dos impostos e das taxas. É o
que ensina Machado (2004, p.397):
Isto significa dizer que essas contribuições sociais caracterizam-se pela correspondente finalidade. Não pela simples destinação do produto da respectiva arrecadação, mas pela finalidade de sua instituição, que induz a idéia de vinculação direta: a) do órgão do Poder Público incumbido da intervenção no domínio econômico; ou b) da entidade gestora dos interesses da categoria profissional ou econômica.
Desta forma, a natureza jurídica específica dessas contribuições, ou seja, a característica
que permite distingui-las como espécie tributária diversa das demais é determinada pelo fato
de estar o produto de sua arrecadação vinculado a fins específicos, como o custeio da
seguridade social, o exercício das atividades de fiscalização, pelos respectivos conselhos, de
profissões regulamentadas, ou, ainda, certas intervenções no domínio econômico.
Corroborando com este entendimento está também Hugo de Brito Machado Segundo (2002,
p. 171):
Nesse contexto, deve-se admitir que as contribuições são, sem dúvida, espécie tributária distinta, submetida a regramento em alguns aspectos diferente daquele aplicável a impostos e taxas. Não se pode esquecer, contudo, que não houve extinção da figura dos impostos e das taxas, que subsistem em nosso Sistema Tributário, e, especialmente, que a forma adotada pelo Estado Brasileiro continua sendo a federativa, a qual foi fortalecida, e não mitigada, pela Constituição Federal de 1988. Esses dois elementos são da maior importância no exame de quaisquer problemas relacionados às contribuições.
Conclui-se, assim, que não é o fato gerador ou a base de cálculo que conferem a
natureza jurídica específica dessa espécie de tributo. Em verdade, somente estão
expressamente previstas bases econômicas de incidência no texto constitucional, para algumas
67
das contribuições de seguridade social e para uma contribuição de intervenção no domínio
econômico (nos artigos 149, § 2º, II, e 177, § 4º – a CIDE dos combustíveis).
Como acima exposto, o critério de distinção de tributos em vinculados e não-
vinculados, baseado no fato de suas hipóteses de incidência descreverem, ou não, atividades
estatais especificamente relacionadas ao contribuinte, não é válido para a identificação dessas
contribuições. Observa-se que, tanto podem as contribuições ter por fato gerador atividades
estatais específicas, como podem suas hipóteses de incidência ser fatos econômicos relativos
ao contribuinte, desvinculados de qualquer atuação do Estado. Da mesma forma, o STF já
pacificou a possibilidade de possuírem as contribuições, base de cálculo idêntica à de
impostos (RE 228.321). O que realmente as diferencia é a vinculação do produto de sua
arrecadação a determinados órgãos, ou finalidades específicas.
Portanto, como tributos, o artigo 149, da CF, estabeleceu, ainda, que as contribuições
devem observar as normas gerais do Direito tributário, bem como os princípios da legalidade
e da anterioridade (artigos 146, III, e 150, I e III), ressalvada, quanto a este último, a regra
especial pertinente às contribuições de seguridade social (artigo 195, § 6º). Estando ainda
submetidas a todas as limitações constitucionais ao poder de tributar, ressalvados os casos de
limitações aplicáveis, restritamente, a determinada espécie tributária, como é o caso da
imunidade dos impostos prevista no artigo 150, inciso VI, da Carta Magna.
Desta forma, com base na vigente Constituição, pode-se conceituar a contribuição,
como espécie de tributo com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no
domínio econômico, interesse de categorias profissionais ou econômicas e seguridade social
(MACHADO, 2004, p. 398).
3.3 Contribuições: Classificação
O artigo 149, da CF, enuncia três tipos de contribuições: as corporativas, as
interventivas e as sociais. Sendo esta, portanto, a classificação doutrinária, adotada com base
na Constituição, dividem-se as contribuições, em três espécies: (a) contribuições de interesse
de categorias profissionais ou econômicas; (b) contribuições de intervenção no domínio
econômico e (c) contribuições sociais. Essa divisão tripartite é também adotada pelo STF, em
votos de diversos julgados. Sem sentido, portanto está a idéia de denominar todas as
contribuições do artigo 149, como "contribuições sociais", como ainda insistem alguns
autores.
68
(a) Contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas: também
chamadas de contribuições corporativas, têm como função custear entidades (pessoas
jurídicas de direito público ou privado) que têm por escopo, fiscalizar, regular e representar,
coletiva ou individualmente, categorias profissionais ou econômicas, defendendo seus
interesses (CARRAZA, 2010, p. 624). Tem-se, como exemplo, as contribuições dos
advogados à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), dos médicos ao Conselho Regional de
Medicina (CRM), dos contabilistas ao Conselho Regional de Contabilidade (CRC), dentre
outras. Segundo José Eduardo Soares de Melo (2003, p. 270).
Com relação às contribuições à OAB, a jurisprudência afirma possuírem natureza sui
generis, não contributiva, entretanto, este trabalho se posiciona no sentido de que são
contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, como adiante se passa a
expor.
São assim denominadas as contribuições sociais, arrecadadas, de seus filiados, pelos
sindicatos, quando se destinam à organização dessas categorias, fornecendo recursos
financeiros para a manutenção da entidade associativa. Entretanto, não se trata de destinação
de recursos arrecadados, é apenas uma vinculação da própria entidade representativa da
categoria profissional, ou econômica, com o contribuinte, sendo o sujeito ativo da relação
tributária a referida entidade. É o que explica Machado (2004, p. 401):
A esta conclusão se chega através da interpretação do art. 149, combinado com o art. 8º, inciso IV, da vigente Constituição. Realmente, este último dispositivo estabelece que a assembléia geral fixará a contribuição que , em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independente da contribuição prevista em lei. A contribuição prevista em lei, no caso, é precisamente a contribuição social a que se refere o art. 149, restando claro, portanto, que a ressalva está a indicar a entidade representativa da categoria profissional, ou econômica, como credora das duas contribuições. Uma, a contribuição fixada pela assembléia geral, de natureza não tributária. A outra, prevista em lei, com fundamento no art. 149 da Constituição, é a espécie de contribuição social de que se cuida.
Assim, a contribuição de que trata o artigo 8°, inciso IV (primeira parte), da CF/88 é de
natureza não tributária, ou melhor, trata-se de uma “figura de direito privado”, segundo
Carrazza (2010, p. 596), estando desprovida, portanto, de natureza tributária, principalmente
com o fundamento de que são devidas apenas pelos trabalhadores sindicalizados, ou seja, que
estejam filiados ao respectivo sindicato, não podendo ser cobrada de trabalhador não
vinculado ao sindicato. E entender de modo diverso é negar efetividade à liberdade que todo
69
trabalhador tem de filiar-se ou não a um sindicato (artigo 5°, inciso XX e artigo 8°, inciso V,
ambos da CF/88). (MACHADO, 2004, p. 402).
Neste sentido, está a decisão do Supremo Tribunal Federal (RE n° 198.092-3), que
decidiu que a contribuição sindical cobrada no interesse de categorias profissionais é tributo,
de acordo com o artigo 149 da CF, sendo uma contribuição corporativa, diferentemente da
contribuição confederativa, do artigo 8º, inciso IV, da CF/88, que não possui natureza
tributária, visto que não é compulsória, in verbis:
CONSTITUCIONAL - SINDICATO - CONTRIBUIÇÃO INSTITUÍDA PELA ASSEMBLÉIA GERAL: CARÁTER NÃO TRIBUTÁRIO – NÃO COMPULSORIEDADE - EMPREGADOS NÃO SINDICALIZADOS: IMPOSSIBILIDADE DO DESCONTO - CF, ART. 8º, IV - I. A contribuição confederativa sindical, instituída pela assembléia geral - CF, art. 8º, IV - distingue-se da contribuição sindical, instituída por lei, com caráter tributário - CF, art. 149 - assim compulsória. A primeira é compulsória apenas para os filiados do sindicato. II. RE não conhecido. (STF - RE 198.092-3-SP - 2ª T. - Rel. Carlos Velloso - J. 27.08.96).
Existe ainda, uma questão que merece destaque, com relação às contribuições de
interesse das categorias profissionais, ora estudadas. Para Carrazza (2010, p. 625), os
conselhos profissionais praticam “atos de polícia”, já que deliberam sobre inscrições em seus
quadros, decidem sobre assuntos relacionados à ética profissional, aplicam penalidades e
aferem a habilitação profissional. Todas estas atividades caracterizadoras de autêntico poder
estatal de polícia, razão pela qual teriam ditas contribuições a natureza de “taxa de polícia”.
Reafirmando seu entendimento de que as contribuições, “conforme as hipóteses de incidência
e bases de cálculo que tiverem, podem revestir a natureza jurídica de imposto ou de taxa”,
como dito anteriormente.
Diante do exposto, entende-se que as contribuições de interesse das categorias
profissionais ou econômicas são tributos, contribuições (com natureza jurídica de taxa -
referente aos conselhos profissionais), com a finalidade, constitucionalmente definida, de que
o sujeito passivo (contribuinte) seja integrante de uma entidade profissional ou econômica.
Sendo esta o sujeito ativo da relação tributária, ou seja, a contribuição especial será exigida e
destinada à referida entidade. São as palavras de Carrazza (2010, p. 625):
Evidentemente, as (contribuições de interesse das categorias profissionais) só poderão ser exigidas de quem efetivamente vier a beneficiar-se atuando num dado setor profissional. Noutras palavras, o legislador federal só poderá eleger o sujeito passivo de tais (contribuições) dentre os que estiverem diretamente envolvidos com a atividade profissional que se pretende disciplinar. Nunca terceiros estranhos à tal atividade. Estas idéias deverão ser levadas em conta, de modo especial, pelos aplicadores e intérpretes da legislação pertinente. Nenhuma analogia, dose de bom
70
senso, objetivo de ampliar a arrecadação, poderão ampliar o elenco de sujeitos passivos das contribuições de interesse das categorias profissionais.
(b) contribuições de intervenção no domínio econômico: ou contribuições
interventivas, caracterizam-se por serem instrumentos de intervenção direta no domínio
econômico. É certo que todos os tributos interferem no domínio econômico, até mesmo
aqueles com função predominantemente fiscal, pois a simples transposição de recursos
financeiros do setor privado para o setor público se configura como intervenção no domínio
econômico. Entretanto, as chamadas CIDEs (contribuições de intervenção no domínio
econômico) são instituídas com este fim específico, nos termos da lei, o de regular o domínio
econômico no país, sendo, portanto um tributo com função extrafiscal. (MACHADO, 2004, p.
399).
Carraza (2010, p. 606) entende que “domínio econômico” é o campo reservado à
atuação do setor privado, ou reservado ao desempenho da atividade econômica, em sentido
estrito. Para ele, a regra, no Brasil, é a não intervenção no domínio econômico, ou seja, o
Estado não deve desempenhar atividades econômicas, fato este evidenciado na própria
Constituição Federal, que reservou as atividades econômicas à iniciativa privada.
Trata-se, aqui, do liberalismo econômico ou neoliberalismo, amplamente discutido no
início deste capítulo, do qual o Brasil é adepto, onde se defende a completa liberdade de
mercado, ou mesmo uma redução da ação do Estado na economia, no qual o Estado se
preocupa apenas em preservar a ordem política e econômica, deixando as empresas privadas
livres, para investirem como quiserem. De acordo com esta doutrina, deve haver total
liberdade de comércio (livre mercado), pois este princípio garante o crescimento econômico e
o desenvolvimento social de um país. Pode-se definir o neoliberalismo como um conjunto de
ideias políticas e econômicas capitalistas, que defende a mínima participação estatal nos
rumos da economia de um país.
Entretanto, levando-se em consideração valores importantes, como a segurança nacional
e o interesse coletivo, nos casos em que a iniciativa privada falhar ou não se interessar em
atuar, hipóteses em que os maiores prejudicados serão o povo e o próprio Estado, nestes casos
excepcionais, é dado ao Estado, constitucionalmente, o dever de intervir na economia.
Sendo assim, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 173, dispõe: “Ressalvados
os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado
71
só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante
interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Devendo, portanto, a União, ao instituir as
CIDEs, observar os princípios gerais da atividade econômica, dispostos nos artigos 170 a 181,
da CF/88, que tratam da “Ordem Econômica” e dizem respeito ao setor privado.
A intervenção se dará, portanto, para garantir os interesses coletivos e terá por objetivo
corrigir ou estimular determinados comportamentos econômicos, visando à proteção dos fins
relacionados nos citados artigos do texto constitucional. Assim, quando a atividade privada,
de acordo com os mecanismos de mercado que lhes são inerentes, for de encontro à
Constituição, configura-se a necessidade da intervenção estatal, conforme o § 4°, do artigo
173, da CF/88. Da mesma forma, baseado no mesmo artigo, o Estado poderá intervir na
ordem econômica, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo as
funções de fiscalização, incentivo e planejamento (artigo 174, da CF/88).
Desta forma, segundo Carraza (2010, p. 610), as contribuições interventivas podem ser
criadas e exigidas: “a) quando a União, disciplinando determinada atividade econômica, causa
especial benefício a dada categoria de contribuintes; ou, inversamente, b) quando dada
categoria de contribuintes, desempenhando determinada atividade econômica, causa especial
despesa à União”. Sendo, portanto, o sujeito passivo de tais exações a pessoa que,
diretamente, está envolvida com estes eventos, ou seja, quem explora, sob regime de direito
privado, a atividade econômica objeto da regulação estatal, a base de cálculo seria uma
medida desse especial benefício (ou dessa especial despesa), tendo como limite global, o
custo da atuação estatal.
Ainda segundo o referido autor, a intervenção no domínio econômico se dará, por
exemplo, para assegurar a livre concorrência, para defender o consumidor, para preservar o
meio ambiente, para garantir a participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
no resultado da exploração, nos respectivos territórios, de recursos minerais, etc., devendo
toda esta intervenção ter bases constitucionais.
As contribuições interventivas têm como finalidade a ser seguida, além de serem um
instrumento de intervenção estatal no domínio econômico, como explicitado anteriormente, a
de que a destinação dos recursos, por ela arrecadados, só poderão ser aplicados no
financiamento da intervenção que justificou sua instituição. Trata-se, aqui, da destinação do
produto da arrecadação, que, conforme o artigo 4°, do CTN (que considera irrelevante para a
72
determinação da natureza jurídica específica do tributo), entretanto este dispositivo não tem
aplicação aqui, pois se trata de tributo inserido no ordenamento jurídico, pela Constituição
Federal (o CTN não trata das CIDEs). Desta forma, caracteriza-se sim, pela destinação do
produto de sua arrecadação, sendo esta, determinante da sua natureza jurídica específica,
prevista constitucionalmente. São as palavras de Machado (2004, p. 400):
Ocorre que a contribuição de intervenção no domínio econômico tem perfil constitucional próprio. Ela não se destina a suprir os cofres públicos de recursos financeiros necessários para o custeio das atividades ordinariamente desenvolvidas pelo Estado. Ela não é um instrumento de arrecadação de meios financeiros, simplesmente. É um instrumento de intervenção no domínio econômico. No Direito Brasileiro podemos dizer que todos os tributos têm os seus âmbitos constitucionais. Em face do âmbito constitucional de cada tributo é que ele se individualiza e se faz diferente dos demais.
Defende também Carraza (2010, p. 613) que as contribuições interventivas devem ter o
produto de sua arrecadação direcionado ao efetivo atingimento da finalidade que ensejou sua
criação in abstracto. Essa finalidade deve, pois, ser perseguida, sob pena de desvirtuamento
do tributo e cessação de sua exibilidade.
Desta forma, o artigo 149, da CF/88, determina competência exclusiva à União, para
instituir as contribuições de intervenção no domínio econômico no país. E que devem ser
interpretados juntamente com os demais dispositivos constitucionais atinentes ao tema, tendo
como função primordial, a regulação da economia brasileira e não apenas a arrecadação de
recursos financeiros aos cofres públicos.
Vale dizer, mais uma vez, que a definição das contribuições como espécies tributárias
definidas constitucionalmente e que se caracterizam por sua correspondente finalidade, ou
seja, a instituição das contribuições de intervenção no domínio econômico, pressupõe, uma
necessidade de intervenção real do Estado na economia, com razões concretas, para corrigir
falhas ou distorções, nos diversos setores da atividade econômica no país, e representam uma
possibilidade jurídica para implementá-la, tudo de acordo com a Constituição Federal. Não se
trata, portanto, de atividade rotineira, ordinária, permanente do Estado, mas sim atividade
excepcional, temporária. (MACHADO, 2004, p. 400). Dito isto, resta, portanto:
[...] incontornável a necessidade de correlação lógica entre as causas e fundamentos da intervenção no domínio econômico e a instituição do tributo ora em estudo. É que são justamente elas que justificam a própria instituição da contribuição interventiva. [...] Com efeito, quando desaparecidos ou superados as causas e os fundamentos invocados, desaparecida, ipso facto, estará também a possibilidade de seu lançamento e arrecadação. (CARRAZA, 2010, p. 612).
73
Assim, em regra, as contribuições interventivas são temporárias, deixando de ser
exigíveis, quando a finalidade que as motivou for atingida.
Desta forma, a lei que instituir esta contribuição deve definir sua hipótese de incidência
exatamente de acordo com a atividade econômica que vai atuar como instrumento de
intervenção estatal, bem como deve indicar, expressamente, a destinação dos recursos a serem
arrecadados. Estes não poderão ultrapassar o âmbito da atividade interventiva, visto que,
segundo Machado (2004, p.401):
Admitir a instituição de tributo sobre quaisquer fatos de relevância econômica com o nome de (contribuição de intervenção no domínio econômico) e sem essas características essenciais é admitir a total destruição do sistema constitucional tributário, com supressão das limitações constitucionais ao poder de tributar e da própria Federação. É admitir que a União fique liberada para substituir aos poucos os impostos que arrecada para partilhar com os Estados e Municípios por contribuições não sujeitas a essa partilha, e até para invadir a competência tributária daqueles, supondo contribuições ditas de intervenção no domínio econômico aos impostos estaduais e municipais.
Está aqui, mais uma vez, evidenciada a estreita relação existente entre as contribuições e
o federalismo no Brasil. Tal relação, entretanto, aqui se baseia em uma quebra ao princípio
federativo, visto que, com a emenda constitucional n° 33, de 2001, as contribuições de
intervenção no domínio econômico podem se transformar em um mero instrumento de
arrecadação de recursos financeiros para a União, com evidente prejuízo para o Estado
brasileiro. (MACHADO, 2004, p. 401). Resta aqui evidenciado o crescente interesse da União
por essa espécie tributária.
O artigo 149, da CF, alterado por referida emenda, possibilitou a criação de uma CIDE
incidente sobre operações com combustíveis, que será objeto de discussão no próximo
capítulo.
Finalmente, como exemplos de contribuição de intervenção no domínio econômico, no
Brasil, além da CIDE dos combustíveis, instituída pela lei n° 10.336, de 2001, tem-se o
Adicional de Tarifa Portuária – ATP, o qual, como firmou o STF, “possui a natureza jurídica
de contribuição de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149), tendo em vista a
vinculação de sua receita a investimentos para melhoramento, reaparelhamento, reforma e
expansão de instalações portuárias.” (RREE 209.365-SP e 218.061-SP, Rel. Min. Carlos
Velloso, 04.03.99). Também, a lei nº 10.168, de 2000, instituiu uma CIDE devida pela pessoa
jurídica adquirente de conhecimentos tecnológicos, visando a “estimular o desenvolvimento
74
tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa
entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo”. O produto da arrecadação desta
contribuição será destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
– FNDCT.
(c) contribuições de seguridade social: trata-se agora da terceira espécie de
contribuição social, as contribuições de seguridade social, destinadas à manutenção ou
expansão da seguridade social, onde o produto de sua arrecadação deve ser destinado ao
custeio dos serviços relacionados à previdência social, à assistência social e à saúde. Seu
regime jurídico está bem definido na Constituição Federal de 1988, especialmente nos artigo
195, incisos I a IV e §§ 4º, 6°, 9º, 12 e 13; artigo 165, § 5 ° e artigo 194, inciso VII, como se
passa a expor:
Art. 195 – A Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II – do trabalhador e dos demais segurados da Previdência Social, não incidindo a contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral da Previdência Social de que trata o art. 201; III – sobre a receita de concursos de prognósticos; IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
No caput deste artigo está presente o princípio da solidariedade social, segundo o qual a
Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, estabelecendo, aqui, a CF/88, o dever
solidário de todos os integrantes da sociedade, para o financiamento do sistema de Seguridade
Social do país. Mostrando-se como uma característica particular desta espécie de
contribuição, a de que todos poderão ser chamados a contribuir, independentemente de
pertencerem a determinado grupo, diretamente relacionado com a atuação estatal (PAULSEN,
2003, p. 382).
Discute-se o fato de não haver uma ação estatal específica para o contribuinte, no caso
das contribuições ora estudadas, visto que se trata de uma espécie de contribuição também
regida pelo artigo 149, da CF (mesmo que parcialmente), tendo a característica de ser
finalisticamente afetada. Necessitando, desta forma, que, ao sujeito passivo desta
75
contribuição, esteja referida uma atuação estatal, mesmo que indiretamente ou
potencialmente.
Entretanto, admite-se que toda a sociedade pode, ainda que potencialmente, obter a
vantagem da atuação estatal, visto que todos teriam condições jurídicas de figurarem como
sujeitos passivos dessa exação, restando pois, resolvida tal controvérsia.
As contribuições de seguridade social, como dito anteriormente, também se submetem
às regras do artigo 149, da Constituição Federal, porém, têm características específicas por
estarem inseridas no capítulo da Seguridade Social, com regras e princípios próprios, como se
depreende dos artigos 194 e 195 da Carta Magna.
Desta forma, as contribuições sociais sujeitam-se às normas gerais de direito tributário
previstas no artigo 146, III, obedecem ainda ao princípio da legalidade (CF, artigo 150, inciso
I) e ao princípio da irretroatividade da lei tributária (CF, artigo 150, inciso III, alínea a).
Entretanto, distingue-se das demais contribuições, no que tange a não sujeição ao chamado
princípio constitucional da anterioridade (CF, artigo 150, inciso III, alínea b), obedecendo ao
§ 6°, do artigo 195, que estabelece regramento específico a respeito, no sentido de que só
poderão ser exigidas, após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver
instituído ou modificado. Obedecem, neste caso, as contribuições sociais, apenas à
anterioridade nonagesimal (CF, artigo 150, inciso III, alínea c).
Outra característica peculiar do regime jurídico das contribuições sociais de seguridade
social é a delimitação constitucional do seu âmbito de incidência, previstas no artigo 195, da
CF, que descreve a materialidade dos fatos geradores de cada uma das contribuições sociais,
em seus incisos, o que não ocorre com as demais contribuições do artigo 149. Ângela Maria
da Motta Pacheco (2003, p. 82-83) assevera:
As contribuições de custeio da Seguridade Social são as mais relevantes, pois tratam de todo o universo dos cidadãos brasileiros. As demais referem-se a categorias profissionais ou setores econômicos em particular. A Seguridade Social está intimamente ligada à segurança de cada indivíduo nas condições básicas para a sua sobrevivência: saúde, previdência e assistência social. Eis o porquê da sua importância. A solidariedade é o grande princípio que informa a Seguridade Social, compreensiva de um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da Sociedade. [...] Todos contribuem para a Seguridade Social. Os recursos provêm do Orçamento da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das contribuições do empregador e do empregado. [...] Assim, entende-se o cuidado do Constituinte em traçar, em completude, a sua regra-matriz de incidência tributária. Não há falhas. Não há dúvidas.
76
Realmente isto as distingue das demais contribuições. As outras, de intervenção no domínio econômico e do interesse das categorias profissionais não têm norma-matriz delineada na Constituição. Mas só se legitimarão se cumprirem o seu destino constitucional: realmente serem criadas de forma a realizar a intervenção naquele setor da economia ou se tratarem do interesse de categorias profissionais.
Sendo esta uma contribuição que está relacionada com uma atividade estatal referente a
toda a sociedade, o constituinte, para dar maior segurança e impedir eventuais abusos quando
da sua instituição, preferiu definir certas bases para a incidência das mesas, particularidades
que não descaracterizam sua natureza jurídica das demais contribuições do artigo 149, da CF.
De acordo com Machado (2004, p. 402), as contribuições de seguridade social
caracterizam-se pelo fato de ingressarem, diretamente, no orçamento a que se refere o artigo
165, § 5º, inciso III da CF: “o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades
e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e
fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público”. Ou seja, a receita decorrente das
contribuições sociais integra diretamente o orçamento do INSS (autarquia com status
constitucional), não fazendo parte do Tesouro Nacional ou da União Federal, por assim dizer.
Segundo este autor, o referido orçamento ganhou autonomia, visto que tal orçamento
não se confunde mais com o orçamento do Tesouro Nacional, e sua execução não constitui
atribuição do Poder Executivo, posto que a seguridade social há de ser organizada com base
em princípios constitucionalmente estabelecidos. Entre estes destaca-se o “caráter
democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com
participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos
colegiados” (artigo 194, parágrafo único, inciso VII). Desta forma, conclui Machado (2004, p.
403):
As contribuições, com as quais os empregadores, os trabalhadores e os administradores de concursos de prognósticos financiam diretamente a seguridade social, não podem constituir receita do Tesouro Nacional precisamente porque devem ingressar diretamente no orçamento da seguridade social. Por isto mesmo, lei que institua contribuição social com fundamento no art. 195 da Constituição Federal indicando como sujeito ativo pessoa diversa da que administra a seguridade social viola a Constituição. Ressalte-se que não se trata de saber qual o destino das contribuições de seguridade social. Não se trata, apenas, de um problema de Direito Financeiro. Trata-se de saber quem é o sujeito ativo dessas contribuições – e, a nosso ver, o sujeito ativo das mesmas é a entidade responsável pela gestão do orçamento a que se refere o art. 165, § 5º, inciso III, da CF. Em outras palavras, o INSS, autarquia que ganhou o patamar constitucional e que deve ser aperfeiçoada de modo a realizar completamente o preceituado no art. 194 da Constituição.
77
Outra questão que merece destaque neste trabalho é a respeito do exercício da
competência tributária da União, no que se refere ao § 4º, do artigo 195, da CF, segundo o
qual, a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da
seguridade social desde que obedecido o disposto no artigo 154, inciso I, que trata da
competência residual e diz que a União poderá instituir, “mediante lei complementar,
impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato
gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição”.
Acontece que a União, quando lhe convém, cria contribuições baseadas no artigo 195,
inciso I da Constituição Federal, para integrar o Tesouro Nacional, o que viola os artigos 165,
§ 5º e 194, § único, inciso VII, que determinam tenha a seguridade social orçamento próprio e
gestão descentralizada, como explicitado anteriormente (MACHADO, 2004, p. 408). E ainda,
com o advento da EC 20/1998, ampliou-se a regra-matriz dos incisos I e II, do artigo 195, e
com a EC 42/ 2003, acrescentou-se o inciso IV e os §§ 12 e 13 ao mesmo artigo. Referidas
emendas são consideradas, especialmente em face de sua destinação ao orçamento fiscal da
União, por alguns autores, dentre eles Carraza (2010, p. 630), como inconstitucionais, visto
que, no que se refere ao § 4º do artigo 195 da CF:
[...] por meio do exercício do poder constituinte derivado, possibilitou-se a criação de novas contribuições sociais para a Seguridade Social sem observância do aludido § 4º. Com isto, atropelou-se direito constitucional subjetivo dos contribuintes, malferindo-se cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV, da CF).
Assim, segundo o referido autor, a EC 20/1998 pretendeu atribuir à União a
possibilidade de criar novas contribuições por meio de lei ordinária, sem observância do
princípio da não-cumulatividade, com eventuais hipóteses de incidência ou bases de cálculo
idênticas às dos impostos previstos nos artigos 153, 155 e 156, da Carta Magna, e sem
repartição das receitas obtidas (artigo 157, I, da CF), com os Estados e Municípios ferindo,
desta forma, o princípio federativo. Sobre este assunto, assevera Machado Segundo (2002, p.
120):
A previdência segue deficitária, sendo sua falência a justificativa para toda sorte de arbitrariedades e restrições de direitos aos que dela dependem, e o Tesouro Nacional obteve acréscimo de aproximadamente 100% de sua arrecadação. Acréscimo que, a propósito, não foi partilhado com Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.
Para finalizar, Machado (2004, p. 409) questiona: “Como se pode acreditar que a
seguridade social esteja falida?” e em resposta afirma que seria mais fácil acreditar que suas
receitas, ora arrecadadas pelo Tesouro Nacional, com a chancela do STF, estejam sendo
78
desviadas para outras finalidades. E pior ainda é a criação de novos tributos com a desculpa
de que a seguridade está deficitária, principalmente a saúde pública.
Desta forma observa-se o cunho político das decisões da instância máxima do Poder
Judiciário brasileiro, que se desvirtua dos preceitos constitucionais que protegem os cidadãos,
como é o caso em questão, onde o STF acaba considerando constitucionais leis que violam
diretamente cláusulas pétreas. Percebe-se assim, que a interpretação do texto constitucional
empregada compromete a integridade do ordenamento jurídico, desvirtua a finalidade da
criação das contribuições, qual seja a garantia dos direitos fundamentais de segunda e terceira
gerações.
* Outras contribuições sociais
Utilizando a competência prevista no artigo 149, da CF/88, a União pode, ainda,
instituir outras contribuições sociais, não destinadas à seguridade, mas a algum outro serviço,
relacionado ao Título VIII, da Constituição, que trata “Da Ordem Social”.
Exemplo pacífico de contribuição social não destinada à seguridade é a contribuição do
salário-educação, prevista no artigo 212, § 5º, da CF. Essa contribuição é fonte adicional de
financiamento do ensino público fundamental, e a educação não integra o conceito de
seguridade social.
Também costumam ser apontadas como contribuições sociais não relacionadas à
seguridade as contribuições para os serviços sociais autônomos: SESC, SESI, SENAI. Esses
serviços atuam, comumente, nas áreas de educação e aperfeiçoamento profissional, e as
contribuições a eles destinadas encontram-se mencionadas no artigo 240, da Constituição. Há,
entretanto, quem classifique essas contribuições como contribuições do interesse de categorias
profissionais ou econômicas.
Seja qual for a classificação adotada, o certo é que as contribuições sociais não
destinadas à seguridade social não estão sujeitas ao regime jurídico específico do artigo 195,
da Constituição, mas ao regime jurídico tributário em geral, especialmente no que respeita ao
princípio da anterioridade. Ou seja, a contribuição do salário-educação, bem como as
contribuições para os serviços sociais autônomos estão sujeitas ao princípio da anterioridade,
descrito no artigo 150, inciso III, alínea b, sendo vedada a produção de efeitos, no mesmo
exercício de sua publicação, da lei que as institua ou aumente.
79
Vale ressaltar ainda, como mais uma contribuição destinada ao seu custeio da
seguridade social, a polêmica contribuição provisória sobre a movimentação ou transmissão
de valores e de créditos e direitos de natureza financeira – CPMF, instituída pelo artigo 74, do
ADCT, que, apesar das inúmeras prorrogações, atualmente encontra-se extinta, e por este
motivo não será objeto de discussão neste estudo.
* Contribuição de iluminação pública
A Emenda Constitucional n° 39/2002 acrescentou à Constituição Federal o artigo 149-
A, que atribuiu aos Municípios e ao Distrito Federal a competência para instituir a
contribuição para custeio do serviço de iluminação pública, in verbis:
Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.
Referida contribuição tem levantado alguns questionamentos, acerca de sua natureza
tributária, bem como se esta contribuição tem fato gerador próprio de outra espécie tributária
e ainda, sendo cobrada na fatura de energia elétrica, se seu pagamento seria condição para o
pagamento da tarifa correspondente. Outra questão é a de saber quais são os contribuintes
dessa exação, observados os princípios constitucionais da impessoalidade e da igualdade. Faz-
se, portanto, necessária, uma maior reflexão sobre o seu regime jurídico.
De acordo com o artigo 149-A, tal contribuição deve obedecer aos princípios da
legalidade, da irretroatividade e da anterioridade tributária. Diante disto, pode-se dizer que
possui natureza tributária a referida contribuição de iluminação pública, visto que, segundo
Carraza (2010, p. 660), tipifica uma obrigação compulsória de dar moeda, que não se constitui
em sanção de ato ilícito, instituída por meio de lei e cobrada em seus estritos termos,
ajustando-se em tudo ao conceito de tributo inscrito no artigo 3º, do CTN. Desta forma, deve
esta contribuição obedecer a todos os princípios, regras e limitações pertinentes ao sistema
constitucional tributário brasileiro.
Entretanto, apesar de ser considerada como um tributo, tal exação não cabe nos
contornos jurídicos das contribuições, de acordo com o pensamento de Hugo de Brito
Machado Segundo (2005, p. 101):
80
Não existe finalidade (social) a ser atendida, nem existe um grupo específico interessado no atendimento dessa finalidade (a ela indiretamente referido), que a rigor beneficia toda a sociedade. Não se trata, pois, de contribuição, mas de imposto atribuído ao Município, em total quebra à racionalidade do sistema tributário.
De acordo com este entendimento, está também Carraza (2010, p. 660). Segundo ele
trata-se de um imposto, já que tem por materialidade o fato de uma pessoa física ou jurídica
estar fixada no local (município ou DF) onde é prestado o serviço de iluminação pública, trata-
se de um tributo não vinculado a uma atuação estatal. Conclui, portanto, que a única
materialidade que se ajusta à referida “contribuição” é a propriedade, a posse do imóvel situado
no município ou no DF, verificando-se aí, o nascimento de um adicional do IPTU e do ITR. Um
absurdo jurídico, visto que, atribuiu-se competência aos Municípios e ao DF para criar e
arrecadar um adicional de um imposto federal (ITR), com destinação específica: o custeio do
serviço de iluminação pública, o que de qualquer forma resta inconstitucional a EC 39/2002.
4 ANÁLISE DE TEMAS CONTROVERSOS ACERCA DAS CONTRIBUIÇÕES NO BRASIL
Embora já esclarecidas, até o momento, várias questões que envolvem as contribuições
no Brasil e temas correlatos, restam ainda algumas considerações a serem feitas, tais como as
que envolvem as chamadas contribuições “gerais”, objeto de muita discussão doutrinária e as
contribuições “sociais” que foram instituídas pela lei complementar nº 110, de 2001, que, para
a maior parte dos autores, está eivada de inconstitucionalidades. Outro ponto que merece
destaque são as modificações introduzidas pela EC 33/2001, no âmbito do direito tributário
constitucional. É o que adiante se passa a expor.
4.1 As contribuições sociais gerais e o princípio federativo
As contribuições sociais gerais, pelo entendimento da doutrina atual sobre o assunto,
seriam as contribuições não citadas no texto constitucional, ou seja, além das já
expressamente existentes, alguns autores defendem a possibilidade da instituição de novas
contribuições, ditas “gerais”, sob o argumento de finalidade social diversa da
constitucionalmente exigida.
Como amplamente discutido, no capítulo anterior, as contribuições são espécies
tributárias, distintas dos impostos e das taxas, com características próprias e peculiares, mas
com capacidade de gerar grandes questionamentos.
De acordo com o artigo 149, da Constituição Federal, como dito no capítulo anterior, as
contribuições se dividem em três espécies: contribuições sociais, contribuições de interesse de
categorias profissionais ou econômicas, e contribuições de intervenção no domínio
econômico.
Entretanto, para alguns autores, entre eles, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1994, p.
98), existem ainda as chamadas contribuições sociais “gerais”, que seriam aquelas
contribuições sociais destinadas ao financiamento de outras atividades sociais, que não sejam
o custeio da Seguridade Social, ou seja, não possuem uma finalidade social
82
constitucionalmente definida. Segundo o referido autor, as contribuições se dividem em
quatro espécies:
1) contribuições sociais de destinação não constitucionalmente determinada; 2) contribuições de intervenção no domínio econômico; 3) contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas; e 4) contribuições para a seguridade social. A primeira espécie é novidade. Fica assim a União autorizada a instituir as contribuições sociais que se justificarem, observadas as normas dos arts. 146, III, e 150, I e III.
As contribuições sociais do inciso I, do artigo 149/CF dividem-se em: contribuições
para o custeio da Seguridade Social e para outras atividades sociais. Ainda, segundo Manoel
Gonçalves Ferreira Filho (1994, p. 98), entre outros, deixa brecha para a discricionariedade da
Administração. Neste caso, basta apenas que se justifique a finalidade social, para que a
União possa instituir uma nova contribuição.
Outros autores também defendem esta linha de pensamento tais como José Eduardo
Soares de Melo (2003, p. 356) – (a), e Leandro Paulsen (2003, p.369-370):
(a) - [...] desde que haja observância aos elementos básicos, como, receita pública derivada, compulsoriedade, parafiscalidade, destinação específica dos seus recursos, e vinculação a determinado grupo. É o que ocorre com as contribuições ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (art. 7°, III), e a CPMF (EC n° 21-99 e37-02). (b) - Presta-se, pois, tal subespécie tributária (contribuições especiais sociais), como fonte de custeio para a atuação da União na área social, que é definida e delimitada pelos deveres e objetivos apontados pelo texto constitucional ao cuidar da Ordem Social, dentre as quais destaco, exemplificativamente: promover o acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, organizar e manter a previdência social com vista a proteção das pessoas em situação de risco social como aposentadoria, invalidez ou desemprego involuntário, prestar assistência social com vista à proteção, dentre outros, dos portadores de deficiência e dos idosos, garantir o acesso as fontes da cultura nacional e incentivar a difusão das manifestações culturais, fomentar práticas desportivas, promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas, promover a educação ambiental e proteger a fauna e a flora, demarcar as terras e proteger os bens indígenas. Quaisquer deles podem ensejar a instituição, pela União, de uma contribuição que financie as respectivas ações.
Ainda segundo Paulsen (2003, p. 370), as possibilidades de instituição de contribuições
sociais estão atreladas aos deveres e objetivos, de cunho social, estabelecidos pela
Constituição. Segundo ele: “Trata-se, pois, de competência ampla, mas de modo algum, uma
carta em branco”. Conclui que a referência expressa, no texto constitucional, às contribuições
de Seguridade Social (artigo 195) e aquelas referidas nos artigos 212, § 5°, 239 e 240 não
impedem a instituição de novas contribuições sociais. Continuando com suas palavras:
83
[...] é fundamental observar que as contribuições sociais não se esgotam nas de Seguridade Social, tendo, sim, um espectro bem mais largo, eis que podem ser instituídas para quaisquer finalidades que forem na direção dos objetivos da ordem social, de maneira que se costuma subdividir as contribuições sociais entre as ditas gerais e as de Seguridade Social (PAULSEN, 2003, p. 371).
Corroborando com este entendimento, está também Ricardo Conceição de Souza (2003,
p. 115-116), que defende o fato de que o artigo 149/CF estaria vazio de sentido, se a União
não tivesse competência para instituir contribuições sociais gerais. Segundo ele:
Pensamos que a União tem competência para instituir contribuições como instrumento de sua atuação em qualquer segmento da ordem social, de que trata o Título VIII da Constituição da República. Se assim não fosse, o art. 149 da Carta Constitucional não teria sentido algum. Vale dizer, se a União tivesse competência apenas para instituir contribuições sociais discriminadas no próprio corpo da Constituição, como sucede em relação aos artigos 195, 212, § 5.º, e 239, o art. 149 seria desprovido de sentido jurídico, o que nos parece sem fundamento. Ora, se as contribuições são somente aquelas dos artigos supra citados, não haveria necessidade do constituinte preocupar-se na elaboração do art. 149, cujo conteúdo ou estaria esvaziado, ou seria mera redundância. Neste tipo de trilha, também não haveria como explicar as contribuições previstas no art. 240, já que o mesmo não indica nenhum signo presuntivo de riqueza, mas apenas uma finalidade. O fato é que o art. 149 é a regra-matriz, enquanto os outros dispositivos constitucionais citados têm função de especialização.
Embora respeitando a opinião dos referidos autores, esta não é a posição aqui adotada,
nem a predominante na doutrina. Entende-se que o rol de contribuições sociais, previsto
constitucionalmente, é taxativo, ou seja, as contribuições que não sejam para a seguridade
social, estão previstas constitucionalmente, em artigos diversos, ao longo da Carta
Constitucional, como o Salário-Educação (artigo 212, § 5°) e o PIS-PASEP (Programa de
Integração Social - PIS e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor - PASEP),
estando sujeitos ao regime constitucional tributário. Não cabe, aqui, nenhuma
discricionariedade por parte da União Federal, no que concerne à instituição de contribuições.
Sendo, desta forma, apenas três as divisões ou subdivisões das contribuições sociais no
sistema constitucional tributário brasileiro.
As contribuições têm natureza jurídica de tributo e, para diferenciá-las dos demais
tributos, faz-se necessário que elas tenham uma finalidade específica, determinada,
constitucionalmente, senão não se estaria falando de contribuições. É o que acertadamente
expõe o pensamento de Hugo de Brito Machado Segundo (2002, p. 171):
[...] a limitação constitucional à criação e à cobrança de contribuições é, por excelência, a vinculação destas a uma finalidade específica e determinada na própria
84
Carta Magna. Ao dizer-se isto, pressupõe-se que essa finalidade seja certa, de sorte a distinguir as contribuições dos demais tributos, e também distingui-las entre si. O que é, então, uma contribuição social geral, sem finalidade determinada de modo específico na Constituição? Parece-nos, pura e simplesmente, uma enorme contradição, que serve de disfarce para a instituição de impostos inconstitucionais. Dizer-se contribuição sem finalidade específica é o mesmo que dizer contribuição que não é contribuição: absurdo que dispensa maiores comentários.
Desta forma, é preciso interpretar o artigo 149/CF, não literalmente, como fez Ricardo
Conceição de Souza, mas levando em consideração os demais dispositivos constitucionais
atinentes ao tema. Também se faz necessária uma interpretação conjunta de normas e
princípios, obedecendo ao neopositivismo vigente. (BONAVIDES, 2002, p. 237). É o que
aduz Machado (2004, p.397-398):
Pode parecer, da expressão literal do art. 149 da vigente Constituição, que tal dispositivo autoriza a União a instituir contribuições sociais que não são de intervenção do domínio econômico nem do interesse de categorias profissionais ou econômicas. Não nos parece, porém, que seja assim, porque a norma do art. 149 há de ser interpretada dentro do sistema no qual se encarta e sem implicar o amesquinhamento das demais normas que o integram. Admitir uma espécie de contribuições sociais para cuja instituição bastaria a justificativa de um fim social é um equívoco, pois todo e qualquer tributo tem sempre, ou deve ter, finalidade social, de sorte que a finalidade social não pode ser um elemento capaz de dar qualificação específica a uma contribuição. A finalidade social qualifica o gênero tributo. Não a espécie contribuições. Muito menos uma subespécie de contribuições.
Por isso, um aspecto que deve ser levado em consideração é em relação ao fato de que
não só as contribuições têm um aspecto social a ser seguido, mas todo o sistema
constitucional tributário. É o que afirma, com outras palavras, Hugo de Brito Machado
Segundo (2002, p. 171):
Nesse ponto, importa lembrar que as finalidades de cunho social não são encontradas apenas nos arts. 193 a 232 da Carta Magna, mas em todo o seu texto, sendo a CF/88, em muitas de suas dimensões, uma Constituição do Estado social. Assim, praticamente todas as atividades desenvolvidas pela União Federal envolvem aspectos sociais, e poderiam dar azo à instituição de contribuições sociais ‘gerais’. E, em face de contribuições gerais, que sentido teria o sistema de atribuição de competências e estabelecimento de limitações para a instituição de impostos e taxas federais? O espectro de tais contribuições seria tão amplo que tudo engolfaria, e todos os tributos federais poderiam com folga ser substituídos por contribuições, submetidas apenas aos arts. 146, III e 150, I e III. Perderia o sentido todo o Sistema Tributário Nacional. Enfim, não são apenas outras regras e princípios positivados na Constituição, mas a própria lógica formal que torna impossível a divisão de um gênero em três espécies, quando em uma delas se podem enquadrar todas as demais. A União jamais criaria contribuições com arrimo no art. 195, § 4.º, por exemplo, se lhe fosse possível atender às mesmas finalidades com contribuições ‘gerais’ instituídas nos moldes do art. 149. Aliás, todas as limitações estabelecidas ao exercício da competência residual, seja no âmbito das contribuições, seja na esfera dos impostos, seriam absolutamente desnecessárias. Com isso, malfere-se ainda o princípio da razoabilidade, tido como implicitamente positivado na CF/88, em seu art. 5.º, LIV [...]
85
O caráter desarrazoado de uma interpretação que vê em uma palavra contida em um artigo isolado a destruição de outras partes desse mesmo artigo, e ainda dos demais dispositivos que distribuem competências e limitam o poder de tributar, dispensa maiores explicitações.
Advoga-se, portanto, no sentido da não admissão de contribuições sociais gerais no
ordenamento jurídico brasileiro. Tal posicionamento é defendido, principalmente, com base e
em defesa do princípio federativo, bem como do princípio da razoabilidade, visto que, se a
União pode, sem base constitucional, instituir contribuições sociais, restaria configurada uma
violação à Federação, pois a autonomia dos entes federados estaria prejudicada, visto que toda
a arrecadação tributária estaria centralizada na União, tornando sem efeito a divisão de
competências tributárias feita pela Constituição de 1988. Estaria, portanto, desprovido de
razoabilidade, tal pensamento (MACHADO SEGUNDO, 2002, p. 171):
A demolição do Sistema Tributário causada pela admissão de contribuições sociais gerais, referida no item anterior, não traria malefícios apenas aos contribuintes, que seriam submetidos a uma tributação ainda mais imprevisível, incompreensível e irracional. Os maiores prejudicados seriam os Estados e os Municípios, com sérios abalos na forma federativa de Estado, alçada ao patamar pétreo da CF/88. É sabido que a autonomia de qualquer ente, desde a do jovem que pretende sair da casa dos pais, até a do Estado que não deseja submeter-se às determinações da União Federal, está diretamente relacionada com auto-suficiência financeira. Dependentes financeiramente do poder central, Estados e Municípios teriam – como às vezes têm – a liberação de verbas para suas necessidades locais condicionada ao atendimento das exigências feitas pelo poder central. A autonomia seria meramente ornamental. [...] Foi por essa razão que a CF/88 cuidou de dividir a competência tributária entre União, Estados e Municípios, redobrando seus cuidados no trato da chamada competência residual, cujos impostos com base nela criados hão de ter o produto de sua arrecadação partilhado entre Estados e Distrito Federal (CF/88, art. 157, II). Dito isto, nem precisamos entrar na questão de saber se as contribuições podem incidir sobre fatos pertencentes à competência impositiva de Estados e Municípios para termos por contrária à federação a existência de contribuições sociais gerais. De fato, o desequilíbrio gerado por essa espécie tributária, verdadeira brecha que se abre na competência residual da União, que se torna assim ilimitada e não partilhada, tornaria sem efeito a divisão de competências feita pela Constituição Federal. E, destaque-se, não são poucas as vozes que admitem a incidência de contribuições sobre fatos submetidos à tributação de Estados e Municípios, ou mesmo sobre fatos praticados por Estados e Municípios. Diante da possibilidade de criar contribuições gerais, a União teria formidável instrumento para subjugar todos os demais entes. A finalidade poderia ser determinada por lei, dentre as centenas ou mesmo milhares de possibilidades ofertadas pela Constituição, e as imunidades e demais restrições ao poder de tributar não lhe seriam aplicáveis. Seria mesmo o fim da federação.
Desta forma, estariam as contribuições sociais, ditas gerais, ferindo o princípio
federativo, violando os artigos 154, I, 157, II, e 195, § 4.º, da CF/88, que tratam da repartição
das competências tributárias e, por conseqüência, ferindo a autonomia dos entes federados.
Bem como a razoabilidade, prevista no artigo 5.º, LIV, da CF/88, visto que tornaria inócuos
vários outros dispositivos constitucionais tributários, pois as contribuições gerais poderiam
86
abranger qualquer espécie de tributo, por não terem uma hipótese de incidência pré-
determinada, estando fora do alcance de muitas das limitações constitucionais ao poder de
tributar (MACHADO, 2004, p. 404). Concentraria, desta forma, o poder de tributar apenas na
União Federal, onde esta teria a possibilidade de invadir a competência de qualquer outro
ente, desestabilizando todo o sistema tributário e constitucional. (MACHADO SEGUNDO,
2002, p. 171):
[...] a admissão de tal espécie, cujo âmbito constitucional de incidência é praticamente ilimitado, esvaziaria por completo a competência residual estabelecida no art. 195, § 4.º, da CF/88, além da própria competência para instituir impostos e taxas. Tudo poderia ser arrecadado através de ‘contribuições gerais’, com a ruína da racionalidade do Sistema Tributário e com uma concentração de poder tributário tamanha no âmbito do poder central que a autonomia de Estados e Municípios não resistiria. A força centrípeta esmagaria a federação.
A título de conclusão e corroborando com este entendimento está também a oportuna
lição de Geraldo Ataliba (2010, p. 202):
Se, pois, a União, criando contribuições, adota hipótese de incidência que pertence aos Estados ou Municípios, comete seu legislador inconstitucionalidade, por invasão de competência (Amílcar Falcão, Aliomar Baleeiro). Não se pode sustentar que as contribuições fogem a tal regime. Não cabe dizer, no nosso sistema que o legislador, ao criar contribuições goza da mais ampla liberdade e que, em conseqüência, pode adotar toda e qualquer hipótese de incidência, inclusive as reservadas constitucionalmente aos Estados e Municípios. Tal interpretação implicaria afirmar: a) que as competências tributárias não são exclusivas; b) que a repartição de competências não é rígida e que c)contribuição não é tributo. Não tem sentido admitir que a Constituição deu uma competência aos Estados e Municípios (nos arts. 155 e 156) e a retirou em outra disposição (art. 149). Seria desfigurar a Constituição entender que ela consente que a invocação da palavra ‘contribuição’ afaste todos os obstáculos à legislação da União, inclusive os circunscritos de seu campo material de competência. Logo, o legislador nacional, ao instituí-las, usa da competência de que dispõe, com as limitações que a caracterizam. Entender o contrário seria admitir que o sistema de partilha de competência não é rígido. Que modificável por legislação infraconstitucional. Seria admitir que as competências tributárias não são privativas, mas todas abertas à União. Seria atribuir estultice ao constituinte. Seria esvaziar o sistema constitucional tributário; torná-lo totalmente sem sentido, como um amontoado de preposições que nada obrigam, a ninguém dão vantagem, a ninguém direitos, de ninguém exigem nada.
Diante do exposto, entende-se que não existe lugar, no ordenamento jurídico brasileiro,
para as chamadas contribuições sociais gerais, visto que as mesmas são tributos e que se
caracterizam, especialmente, em função de uma finalidade específica, determinada
constitucionalmente. Fica claro, portanto, que as contribuições existentes são apenas aquelas
expressas no artigo 149, do texto Constitucional, e que as contribuições sociais do inciso I se
dividem em duas: para a seguridade social e outras contribuições sociais específicas, também
expressas na Constituição Federal de 1988.
87
4.2 A lei complementar nº 110, de 2001
Com a lei complementar nº 110, de 2001, foram instituídas duas novas contribuições, no
ordenamento jurídico brasileiro. Essas novas contribuições temporárias estão a cargo dos
empregadores e têm como fundamento o custeio do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), de acordo com seus artigos 1º e 2º:
Art. 1°- Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas. Parágrafo único. Ficam isentos da contribuição social instituída neste artigo os empregadores domésticos. Art. 2° - Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores, à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art 15 da Lei n° 8.036, de 11 de maio de 1990. § 1° - Ficam isentas da contribuição social instituída neste artigo: [...] § 2° - A contribuição será devida pelo prazo de sessenta meses, a contar de sua exigibilidade.
No artigo 1º, a contribuição será devida em caso de despedida sem justa causa, à
alíquota de 10% sobre os depósitos referentes ao FGTS, alterando os 40%
constitucionalmente definidos. No artigo 2º, a contribuição também é devida pelos
empregadores com alíquota de 0,5% sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada
trabalhador, passando aquele a depositar 8,5% sobre o total da sua folha, ao invés dos 8% que
já é obrigado a recolher.
Entretanto estes valores não serão repassados aos trabalhadores, mas sim, ao governo
federal, por meio da Caixa Econômica Federal. Visto que estas contribuições foram criadas
para cobrir despesas com a indenização dos trabalhadores, pelas perdas nos rendimentos do
FGTS, decorrente das decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal
Federal (STF), acerca da correção monetária dos meses de janeiro de 1989 (Plano Verão) e
abril de 1990 (Plano Collor I) pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC). É o que determina
o artigo 4°, da LC 110/01:
Art. 4° - Fica a Caixa Econômica Federal autorizada a creditar nas contas vinculadas do FGTS, a expensas do próprio Fundo, o complemento de atualização monetária resultante da aplicação, cumulativa, dos percentuais de dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e quatro inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e quatro inteiros e oito décimos por cento, sobre os saldos das contas mantidas, respectivamente, no período de 1° de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante mês de abril de 1990, desde que: [...].
88
Desta forma, está o governo, dividindo suas obrigações com a sociedade, baseado em
normas ilegais e inconstitucionais, visto que estas contribuições estão em pleno desacordo
com os artigos 149 e 195, da Constituição Federal, e com os propósitos do FGTS.
O FGTS foi instituído pela Lei 5.107/66 e nasceu com o objetivo de proteger e
compensar o trabalhador pela perda do emprego, bem como arrecadar recursos para
programas de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana. Está atualmente
regido pela Lei 8.036/90, e amparado na Constituição de 1988 (artigo 7º, inciso III) como um
direito social dos trabalhadores urbanos e rurais. Cabe ao governo, e não aos empregadores,
a sua administração. O Estado deve atuar apenas como fiscalizador, recolhendo os valores e
garantindo o direito dos trabalhadores constitucionalmente definido.
Trata-se de um direito social do trabalhador, baseado no artigo 165, inciso XIII, da
CF/88, e não um tributo. Também as contribuições criadas pela LC nº 110/01, não têm
natureza tributária. Não se aplica às contribuições ao FGTS o disposto nos artigos 173 e 174,
do CTN, ou seja, não se aplica o regime jurídico dos tributos, mas sim, o regime jurídico do
direito trabalhista. A este respeito, decidiu o Supremo Tribunal Federal, que tal exação nunca
teve natureza tributária (RE 100.249, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 01.07.88):
MANDADO DE SEGURANÇA. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. CONTRIBUIÇÃO AO FGTS. DÉBITOS LEVANTADOS NO PERÍODO DE 02/67 A 11/91. PRESCRIÇÃO. PRAZO TRINTENÁRIO. INAPLICABILIDADE DO DECRETO Nº 20.910/32. I. O Colendo Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que as contribuições para o FGTS possuem caráter nitidamente social, não constituindo, pois, crédito de natureza fiscal ou parafiscal (RE 100.249/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 01.07.88, p. 16903). [...]
Sendo, pois, a contribuição ao FGTS um direito trabalhista, a contribuição referida no
artigo 1°, da LC nº 110/01, seria apenas uma majoração ao FGTS, uma majoração da
indenização a ser paga ao empregado, quando da despedida sem justa causa, e não uma
contribuição, com natureza tributária que se revestirá em renda para o Estado, como propõe a
LC nº 110/01.
As contribuições criadas por esta lei não podem, sob qualquer título, serem chamadas de
contribuições sociais, pois, como explanado anteriormente, as contribuições apresentam como
principal característica a respectiva destinação constitucional do produto de sua arrecadação,
sendo este um pressuposto de sua criação, condição esta que não é satisfeita no caso em tela.
89
Para a instituição de uma contribuição social, há que se ter a vinculação entre a
destinação da receita e a seguridade social, sob pena de inconstitucionalidade, entretanto as
duas novas contribuições não podem ser enquadradas no artigo 195 da CF/88, como
financiadoras da Seguridade Social. Estas contribuições não têm por objetivo assegurar
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, conforme o artigo 194, da
CF/88, mas sim, cobrir despesas do Estado. E, além disso, como tributos devem observar os
princípios do Sistema Constitucional Tributário, como o princípio da anterioridade, da
irretroatividade da lei, além da destinação específica, o que não é o caso.
Se considerados como impostos com base na competência residual da União (artigo
154, I, da CF/88), seriam da mesma forma inconstitucionais, pois, no artigo 2°, estaria
configurado o bis in idem , com a mesma base de cálculo do imposto de renda, vedada pelo
artigo 154, I. E ainda, têm sua arrecadação vinculada ao financiamento de despesas
específicas, estabelecida na própria lei, indo de encontro ao artigo 167, IV, da Constituição
Federal, que diz que uma receita de impostos não pode estar vinculada a órgão, fundo ou
despesa. E, no caso da LC nº 110/01, as novas contribuições, além de estarem vinculadas ao
FGTS, foram criadas para cobrirem uma despesa do Governo Federal.
Outro absurdo jurídico é o fato de o valor que seria arrecadado com a referida lei não
ser creditado na conta do trabalhador, constituindo apenas receita para a União. Ora, trata-se
aqui, de uma inconstitucionalidade latente, uma vez que não há, no texto constitucional,
nenhuma previsão da criação deste fundo acessório, principalmente com o nome de
“contribuição social”. E mais, a Constituição delimita que os depósitos ao FGTS sejam de
40%, não podendo este valor ser modificado por uma norma infraconstitucional.
Outra questão é o fato de não haver uma correlação entre o pagamento feito pelo
empregador e o respectivo ganho dos seus empregados, pois a contribuição é de caráter geral,
atingindo todos os empregadores. E o ganho seria apenas para aqueles trabalhadores que
foram prejudicados pelos planos Collor e Verão (artigo 4º, da LC nº 110/01), não sendo, pois,
legítima sua cobrança. Sobre este assunto ensina Geraldo Ataliba (1998, p.179):
Impõe-se destarte, reconhecer a necessidade – constitucionalmente postulada - de que haja, ainda que indiretamente (embora clara e objetiva), correlação entre beneficiários da ação do Estado e as pessoas chamadas a contribuir; ou seja: correlação entre os efeitos ou causa da ação estatal custeada pela ‘contribuição’ e seus contribuintes (sujeitos ativos e passivos).
90
Configura-se desprovida de razoabilidade a LC nº 110/01, visto que não pode a União
Federal, editar leis com fins arrecadatórios, confiscatórios ou com abuso do poder de legislar,
desrespeitando nitidamente a Constituição Federal (artigos 5º, inciso XXII e 150, inciso IV).
É, portanto, inconstitucional, por inobservância aos princípios da razoabilidade, da
proporcionalidade e da moralidade administrativa. Espera-se, portanto, que o julgamento das
ADINs nº 2.556-2 e 2.568-6 caminhem neste sentido.
4.3 Emenda Constitucional 33/2001
Com relação às contribuições de intervenção no domínio econômico, na legislação
brasileira, os fatos geradores necessários para a instituição de uma CIDE não se encontram
explicitados no texto constitucional, não há referência à materialidade das hipóteses de
incidência que podem ser eleitas pelo legislador, para a criação das CIDEs, em geral. O artigo
149, da CF/88, somente refere que as CIDE devem ser instrumentos de atuação da União na
área econômica.
Desta forma, sem estabelecer as respectivas hipóteses de incidência e os demais
aspectos a elas inerentes, o artigo 149, da CF, deixa ao legislador infraconstitucional a
possibilidade de estabelecer o aspecto material das CIDEs que vierem a ser criadas,
estabelecendo restrição apenas quanto à observância do disposto nos artigos 146, III e 150, I e
III, da CF/88.
Entretanto, após a edição da Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001,
passou a existir um único caso de fato gerador de CIDE, materialmente delineado no texto
constitucional brasileiro. O atual § 2º, inciso II, do artigo 149, e o § 4º, do artigo 177, da CF,
expressamente estabelecem ser possível instituir uma CIDE incidente sobre "importação ou
comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool
combustível".
A EC 33/2001 acrescentou importantes modificações à CF/88 e teve como principal
objetivo a criação de uma contribuição de intervenção no domínio econômico, incidente sobre
operações com combustíveis no Brasil.
Além de possibilitar a criação da CIDE dos combustíveis, a EC 33/2001 alterou
algumas regras relativas ao ICMS. As principais alterações foram a inclusão das pessoas
físicas como contribuintes do imposto em operações de importação e a previsão de uma forma
91
de incidência do ICMS, em etapa única, sobre combustíveis definidos em lei complementar,
afastando, nesses casos, a imunidade existente nas operações interestaduais com combustíveis
derivados de petróleo.
Também permitiu que a lei definisse as hipóteses em que as contribuições incidirão uma
única vez, evitando assim, a cumulatividade destas figuras exacionais, possibilitando que se
eliminem destes tributos, o “efeito cascata” (artigo 149, § 4º, CF).
Entretanto, cabe neste trabalho, apenas algumas considerações acerca da referida
emenda, principalmente no que se refere às contribuições interventivas. Primeiramente, tem-
se que a emenda 33 possibilitou a criação de uma contribuição de intervenção no domínio
econômico, que foi instituída pela lei n° 10.336, de 19 de dezembro de 2001. Surgiu assim a
CIDE dos combustíveis, incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus
derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível, cobrada do produtor, do
formulador, do importador, pessoa física ou jurídica, dos combustíveis mencionados,
conforme se aduz do artigo 1º da referida lei:
Art. 1º Fica instituída a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide), a que se refere os arts. 149 e 177 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001. § 1º O produto da arrecadação da Cide será destinada, na forma da lei orçamentária, ao: I - pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de derivados de petróleo; II - financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e III - financiamento de programas de infra-estrutura de transportes. [...]
Como se vê no § 1º, tal contribuição tem a finalidade de pagamento de subsídios a
preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de derivados de
petróleo, de financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e
do gás, bem como, de programas de infra-estrutura de transportes (conforme o inciso II, do §
4º, do artigo 177, da CF).
Com isto a EC 33/2001, com as alterações da EC 42/2003, estabeleceu novos tributos,
na medida em que permitiu que as contribuições sociais e de intervenção no domínio
econômico incidam também sobre a importação de produtos estrangeiros, o que tornou
possível a criação da CIDE dos combustíveis, in verbis:
92
Art. 149 [...] § 1º [...] § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; II - poderão incidir sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível; III - poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada. [...]
Desta forma, com base no inciso III, as alíquotas de qualquer CIDE e de qualquer
contribuição social podem ser ad valorem ou específicas. Alíquota ad valorem corresponde à
definição própria de alíquota, ou seja, um percentual (fixo ou variável) incidente sobre um
valor (base de cálculo). Alíquota específica corresponde a um valor determinado em moeda,
pelo qual será multiplicada a base de cálculo expressa em unidade diversa de moeda. A lei
10.336/2001, que instituiu a CIDE dos combustíveis, adotou a alíquota específica.
Relativamente às imunidades, a EC 33/2001 criou uma nova situação de imunidade
quando estabeleceu que as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico não
incidirão sobre as receitas de exportação (artigo 149, § 2º, inciso I, da CF). Isto, segundo
Carraza (2010, p. 653), merece elogios, visto que atendeu a um anseio antigo dos
exportadores, de não onerar, nem mesmo por meio de “contribuições”, as operações que
levam bens ou produtos brasileiros ao mercado internacional.
Antes dessa Emenda Constitucional, somente existia uma hipótese expressa de
imunidade relativa às contribuições: a imunidade às contribuições de seguridade social, a que
fazem jus as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências
estabelecidas em lei, prevista no artigo 195, § 7º.
O parágrafo terceiro, do artigo 155, já teve sua redação original modificada duas vezes.
Primeiro, alterou-o a EC nº 3/1993, posteriormente, a EC nº 33/2001 modificou novamente
seu texto, reduzindo, significativamente, a abrangência da imunidade nele prevista, uma vez
que a expressão "nenhum outro tributo" foi substituída pela expressão “nenhum outro
imposto”. Portanto, hoje, a redação do § 3º, do artigo 155, da CF, é a seguinte:
§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.
93
Trata-se de hipótese de imunidade objetiva. Portanto, atinge a operação, não abrangendo
o lucro ou o faturamento da empresa, ou quaisquer outros elementos econômicos que
guardem vinculação apenas indireta com as operações enumeradas. Impede, por exemplo, a
incidência de IPI na produção de combustíveis. Não impede, entretanto, que a indústria de
combustíveis sofra incidência da contribuição social sobre o lucro (CSLL) e do imposto de
renda sobre seu lucro líquido.
O principal objetivo dessa alteração veiculada pela EC 33/2001 foi, sem dúvida,
permitir a existência da CIDE dos combustíveis, já que as contribuições previstas no artigo
149, da CF/88, configuram-se como espécie tributária autônoma. E, se o § 3º, do artigo 155,
trouxesse em sua redação a vedação de incidência de qualquer outro tributo, exceto o ICMS, o
imposto de importação e o imposto de exportação, sobre operações com combustíveis,
resultariam num problema de difícil solução, entre esse dispositivo e os artigos 149 e 177, da
CF/88.
Além disso, a EC 33/2001 inovou, excepcionando, parcialmente, os princípios da
legalidade e da anterioridade. Referida emenda acrescentou o § 4º ao artigo 177, da CF, que,
em seu inciso I, alínea b, permite que o poder executivo, mediante ato próprio, reduza e
restabeleça as alíquotas previstas na lei (exceção à legalidade), sem sujeição ao artigo 150,
inciso III, alínea b (exceção à anterioridade), in verbis:
Art. 177 [...] [...] § 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I - a alíquota da contribuição poderá ser: a) diferenciada por produto ou uso; b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b;
A este respeito, afirma Carraza (2010, p. 657-658) que este dispositivo abre mais uma
exceção ao princípio da anterioridade, visto que “permite venha reduzida ou restabelecida por
ato do Poder Executivo a alíquota da contribuição de intervenção no domínio econômico
relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás
natural e seus derivados e álcool combustível”. Ainda segundo este autor os novos encargos,
criados pela EC 33/2001, são inconstitucionais:
94
De fato, é lição sempre repetida da doutrina que não compete ao constituinte derivado alterar as regras-matrizes constitucionais dos tributos, de modo a ensejar o agravamento da situação dos contribuintes. Também não lhe é dado amesquinhar direitos fundamentais destes mesmos contribuintes (como, v.g., o de verem observados os princípios da estrita legalidade e da anterioridade). O constituinte derivado, com todas as limitações materiais, formais e temporais que mapeiam seu agir, absolutamente não pode ser equiparado ao constituinte originário, que – este, sim – não se vincula a qualquer regime constitucional preexistente. Assim, independentemente da eventual conveniência ou oportunidade destes novos gravames tributários, temos para nós que ferem cláusulas pétreas e, decerto, merecerão frontal repúdio do poder Judiciário quando as controvérsias em torno destes assuntos forem levadas à sua apreciação. (grifo original).
Desta forma, entende-se que os novos tributos criados pela EC 33/2001, especialmente
os baseados nos artigos 149 e 177, da CF, são inconstitucionais, visto que ferem cláusulas
pétreas, colocando em cheque o sistema federativo brasileiro.
4.4 As contribuições e a interpretação das normas constitucionais no Brasil
Inicia-se este tópico com a seguinte premissa: a Constituição é o lócus hermenêutico do
Direito, é o “lugar” a partir do qual se define a amplitude dos significados possíveis dos
preceitos jurídicos infraconstitucionais. O que não poderia ser diferente diante do
constitucionalismo moderno, como modo de regulamentação da convivência política, bem
como da consagração do princípio da supremacia constitucional (PEREIRA, 2007, p. 177).
São as palavras de Pereira (2007, p. 179):
Ora, em consonância à afirmativa de que a Constituição é o locus hermenêutico do Direito, a conclusão a ser extraída é pela unicidade do fenômeno que leva, pois, à assertiva de que o processo de compreensão, interpretação e aplicação dos preceitos jurídicos (constitucionais e infraconstitucionais) é essencialmente unitário – processo esse que será descrito posteriormente como concretização. Há, em verdade, uma constitucionalização de toda interpretação jurídica; em outras palavras, uma absorção da Hermenêutica Jurídica Clássica pela Hermenêutica Constitucional.
Acerca dos princípios constitucionais e das concepções pós-positivistas Bonavides
(1996, p. 265) com excelência afirma:
Em resumo, a teoria dos princípios chega à presente fase do pós-positivismo com o seguintes resultados já consolidados: a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo esse desdobramento
95
doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios.
Diante disso, a hermenêutica constitucional atual não pode ser utilizada de maneira
tendenciosa ou mesmo manipulada pelos mecanismos de poder vigentes, as normas
constitucionais já devem ser vistas pelo padrão do pós-positivismo, de maneira que as
garantias e direitos individuais previstos na CF devam ser considerados como normas de
conteúdo prático e providas de força normativa, não apenas como fatores informativos como
se definia antigamente, os princípios constitucionais.
Reconhecendo desta forma, a positividade dos princípios jurídicos, Humberto Ávila
(2004, p. 70) entende que os princípios estabelecem um fim a ser atingido, exprimindo uma
orientação prática a ser seguida, fixando um conteúdo como pretendido. Eles representam uma
“função diretiva” para a determinação da conduta. O referido autor define os princípios como:
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.
Embora o STF tome em alguns casos decisões políticas, reinventando ou
reinterpretando os princípios constitucionais, percebe-se nestes casos que a interpretação do
texto constitucional compromete o ordenamento jurídico do país, como é o caso de alguns
aspectos ligados às contribuições, como anteriormente demonstrados.
A força normativa da Constituição se vê bloqueada por aqueles que têm por
competência precípua defendê-la, desta forma deve-se, atendendo ao positivismo moderno,
haver uma interpretação conjugada de princípios, com relação às contribuições no Brasil.
Isso acontece no Brasil, de acordo com o pensamento de Lenio Luiz Streck (2006, p.
265-320) porque há no país uma “baixa pré-compreensão” sobre a Constituição e sobre o
neoconstitucionalismo. Isso se dá pela baixa incidência da Constituição nas decisões judiciais
e pela despreocupação com o tema pelo ensino jurídico. Essa “baixa” é, pois, o desprestígio
da Constituição e do direito constitucional.
Ainda segundo o autor, a superação desse positivismo é tarefa problemática em países
de modernidade tardia como o Brasil. Isso se explica pela cultura jurídica positivista, pelas
decisões tribunalísticas e pela continuidade no uso da hermenêutica clássica (vista como pura
técnica de interpretação). Conclui Streck (2006, p.312), mais adiante que:
96
A interpretação do Direito é um ato de integração, cuja base é o círculo hermenêutico (o todo deve ser entendido pela parte e a parte só se adquire pelo todo), sendo que o sentido hermeneuticamente adequado (correto) se obtém das concretas decisões por essa integração coerente na prática jurídica [...]. Exatamente por superar o modelo interpretativo baseado na determinação abstrata dos significados dos textos jurídicos, e por superar os modelos procedimentais, é que a hermenêutica trata da realização concreta do direito, isto é, não há mais só textos; há normas, e nela, está contida a normatividade que abrange a realização concreta. È o caso concreto que será o lócus desse acontecer do sentido.
“O Direito não se reduz à singeleza de um único elemento”, esse é o pensamento de
Arnaldo Vasconcelos (2000, p.17):
O Direito se constitui de fato, de valor e de norma. Portanto, não pode o fenômeno jurídico ser apanhado, em sua integridade, senão através da visualização desses elementos em conjunto. A partir dessa tomada de consciência, afirma-se o trialismo ou tridimensionalismo jurídico, cujo teórico mais fecundo é Miguel Reale.
Ainda segundo Arnaldo Vasconcelos, o Direito estudado de forma parcial, será sempre
incompleto. Deve-se, sempre integrar, ao conceito de Direito as três dimensões axiológica,
fática e normativa, uma vez que a apreciação isolada de somente uma dimensão pode
conduzir a anomalias graves. Assim a adoção do trialismo jurídico pode superar posturas
isolacionistas e antinômicas.
São ainda pertinentes as palavras de Vasconcelos (2003, p. 148), que refere não se
poder entender plenamente o mundo jurídico se o sistema normativo (Ciência do Direito) se
separa da realidade em que nasce e na qual se aplica (Sociologia do Direito) e do sistema de
legitimidade que o inspira e que deve sempre favorecer sua própria crítica racional (Filosofia
do Direito). Assim, para que haja uma compreensão da realidade jurídica é necessária a
integração e interdependência dessas três esferas: científico-normativa, sociológica e
filosófica.
Por conseguinte, fala-se então numa metodologia dialética, que faria um estudo
interdisciplinar do Direito. Evitando-se, portanto estudos parciais do fenômeno jurídico, como
por exemplo, o normativismo kelseniano, amplamente debatido pela doutrina; bem como é
possível confirmar o tríplice aspecto referente ao fenômeno jurídico, o fato, o valor e a norma.
Lenio Streck (2006), ressalta, acerca do neoconstitucionalismo, que este tem como
ponto de partida a Constituição e principalmente a sua defesa; e que a interpretação da
Constituição deve servir para valorizá-la e consequentemente fortalecê-la. Em consonância
97
com este entendimento, Machado Segundo (2005, p. 135) ao falar sobre os métodos de
interpretação constitucional aduz o seguinte:
[...] os elementos, os métodos ou critérios ‘clássicos’ de interpretação são insuficientes, sozinhos, para indicar o significado correto da norma interpretada. Quando utilizados sem atenção aos valores às peculiaridades do caso concreto a se resolvido, podem sempre conduzir a vários significados possíveis. Em se tratando de normas contidas na Constituição, a insuficiência de tais critérios revela-se ainda maior. Com efeito, as normas da Constituição são dotadas de carga axiológica bem mais elevada. Têm natureza não apenas jurídica, mas também política. Por ser a Constituição o ato normativo supremo de um ordenamento positivo, nela são encontradas muitas disposições principiológicas, de maior grau de abstração, e que por isso mesmo ampliam as possibilidades exegéticas.
Como visto no terceiro capítulo as contribuições surgiram para efetivar direitos
fundamentais de segunda e terceira dimensões, por meio da concretização das finalidades
constitucionalmente definidas, quais sejam, a prestação de serviços sociais e a intervenção na
economia, por parte da União. Assim, os recursos arrecadados com as contribuições no Brasil
devem ser utilizados para efetivar essas finalidades sociais.
Entretanto, verificou-se que tais metas sociais, em alguns casos, devido à interpretação
do Supremo Tribunal Federal, não estão sendo atingidas, visto que a instituição das
contribuições vem sendo utilizada pela União Federal como um simples meio de arrecadação
de recursos, não observando os fins a que se destinam as normas constitucionais acerca das
contribuições, ferindo desta forma o princípio federativo, uma das bases do
constitucionalismo brasileiro.
O princípio federativo continua sendo lesado na medida em que a União desobedece a
divisão de rendas tributárias traçada na Constituição Federal, quando institui contribuições
sob o argumento de finalidades sociais, que na verdade não estão sendo atingidas, ou seja, os
valores arrecadados com as contribuições vem sendo aplicados em finalidades diversas das
que lhes determinaram a instituição e a cobrança. Vale aqui a lição de Machado Segundo
(2005, p. 145): “[...] não é certo que a destruição da federação seja adequada, nem muito
menos necessária ao prestígio de direitos sociais”. Ou seja, os valores sociais e coletivos não
são absolutos, não podem se sobrepor a outros resguardados pela forma federativa de Estado.
Assim, segundo Robert Alexy (1993, p. 34) toda ponderação de interesses, para ser
considerada racional na solução de uma colisão de princípios, deve ser, ao mesmo tempo,
adequada, necessária e proporcional. Em conformidade com este pensamento e relativamente
98
às contribuições no ordenamento jurídico brasileiro, Machado Segundo (2005, p. 146-148)
com maestria assevera:
A justificativa para a intensa instituição e majoração de ‘contribuições’, já se disse, é a ‘mudança no perfil’ do Estado. Essa mudança supostamente faz com que se ‘relativizem’ valores liberais, como o federalismo, para permitir a efetivação de valores sociais e coletivos. É verdade que o federalismo evoluiu. Hoje já não se fala em federalismo dual, mas sim em federalismo de equilíbrio, ou solidário, no qual se procura também propiciar a redução das desigualdades regionais. [...] Foi esta visão ‘parceirista’, como vimos, a forma adotada pela CF/88, mas é evidente que a adoção dessa forma não autoriza a própria extinção do federalismo, sob a justificativa de que, com essa extinção, serão assegurados direitos sociais e coletivos.[...] Note-se que, ao lado dos valores sociais, os quais justificam a cobrança das contribuições, a Constituição Federal de 1988 protege a livre iniciativa, a propriedade privada e a livre concorrência. Todos esses valores têm de conviver harmonicamente, não podendo uns suprimir os outros. Isso justifica que às contribuições sejam impostas limitações como a legalidade, a anterioridade e a irretroatividade, por exemplo. Justifica, ainda, e pelas mesmas razões, que o sistema tributário seja racional. O mesmo pode ser dito do respeito à forma federativa de Estado. Deve ser assegurada aos entes federados autonomia, a qual só se obtém com a disponibilidade de recursos financeiros. A competência da União federal para criar contribuições não pode ser exercida de modo tal que inviabilize – direta ou indiretamente – a competência tributária de Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. O princípio federativo, portanto, é outro com o qual os valores protegidos pelas contribuições têm de ser sopesados e conciliados, de modo que o prestígio exacerbado atribuído a um ou a alguns deles não estiole – como vem estiolando – os demais. [...] Enfim, e aplicando agora especificamente o postulado da proporcionalidade, não nos parece que a instituição de ‘contribuições sociais gerais’, sem âmbito definido, de ‘contribuições de intervenção no domínio econômico’, para qualquer finalidade, e de ‘contribuições de seguridade’ para custear o orçamento fiscal da União seja sequer adequado para a proteção de direitos sociais. (grifos originais).
Com o atual federalismo de equilíbrio ou solidário, adotado também pela Constituição
Federal de 1988, como estudado no primeiro capítulo, nada impede que os direitos sociais
buscados com a instituição das contribuições sejam também atendidos pelos Estados e
Municípios, até mesmo com maior eficiência e não apenas pela União Federal, visto que estão
mais próximos territorialmente das questões sociais, o que atenderia ou mesmo fortaleceria o
princípio federativo no Brasil.
Para finalizar este estudo, e antes de qualquer conclusão vale transcrever as palavras de
Rodolfo Viana Pereira (2007, p. 172):
[...] pode-se novamente apostar na possibilidade de convivência política pela renovação do respeito e da confiança no constitucionalismo. Em última instância, significa apostar na viabilidade do projeto humano de vida em comum, baseado não na desistência da autonomia individual, mas na capacidade de sua auto-realização em um ambiente em que a própria garantia do indivíduo é correlata à afirmação da solidariedade política, traduzida no respeito à alteridade.
99
Assim, a responsabilidade dos operadores jurídicos traduz-se em um permanente debate público das razões de decidir em um constante repensar os fundamentos da convivência política, pautada por um ato de respeito às distintas visões de mundo, como marca do caráter inclusivo da cidadania no postulado do Estado Democrático de Direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem preocupações com o esgotamento do tema, haja vista uma grande quantidade de
normas legais, doutrina e jurisprudência sobre o assunto, tentou-se elucidar e discutir alguns
aspectos e até mesmo suscitar novos questionamentos sobre o instituto das contribuições no
ordenamento jurídico brasileiro.
Para um completo entendimento do assunto, fez-se mister uma análise consubstanciada
de algumas normas constitucionais e infra-constitucionais que envolvem o tema, buscando-se
chegar a um referencial teórico suficiente para definir a natureza jurídica de tal instituto.
O estudo das formas de Estado conduz ao Estado Federal, que, juntamente com o
Estado Unitário e a Confederação formam a estrutura espacial do Estado. Assim, analisou-se
o Estado Federal, o federalismo brasileiro e suas particularidades, a repartição de
competências como exigência da estrutura federal, para assegurar o convívio dos vários
ordenamentos que compõem o Estado Federal, bem como as garantias individuais presentes e
exigidas em um Estado de Direito.
Tem-se como as principais características do federalismo, de um modo geral, a união
indissolúvel de seus entes e suas respectivas autonomias constitucionais; a repartição
constitucional de competências; a existência de uma Corte Suprema, para interpretar e
proteger a Constituição Federal, e dirimir conflitos entre a União, os Estados e outras pessoas
jurídicas de direito interno.
Relativamente ao federalismo brasileiro e à Constituição Federal de 1988, vale
transcrever a idéia de Raul Machado Horta (2010, p. 418), que conclui:
A oscilação pendular, que percorre a evolução do federalismo constitucional brasileiro, marcada por fases de plenitude e períodos de queda e de negação, de alternância do federalismo hegemônico e centrípeto e do federalismo centrífugo e dualista atingiu, afinal, o seu momento de estabilização na Constituição Federal de 1988. Sob o ângulo da forma federal de estado, a Constituição de 1988 é o coroamento da evolução secular e assinala o ponto de equilíbrio que se atingiu no estágio do amadurecimento das instituições federais (grifo original).
101
Tem-se também como mérito da Constituição de 1988, a inclusão do Município como
ente federativo, atribuindo-lhe o poder de auto-organização mediante a elaboração de sua lei
orgânica, sendo este um fator diferenciador do federalismo original, norte-americano, o que
leva a um entendimento de que existem fatores outros que fazem cada sistema federativo se
adequar a suas reais necessidades, sem, contudo, se afastar dos ideais federais.
Abordou-se também, o contexto social e político em que surgiram as contribuições e
quais influências sofreu o ordenamento jurídico brasileiro com a introdução desse novo
instituto. Assim, fez-se um breve histórico que vai do Estado Liberal ao Estado Neoliberal,
sendo, as contribuições, fruto do Estado Social, e seu aparecimento, decorrência direta do
intervencionismo estatal, originado pelo Welfare State.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3°, adotando os novos fins que
passaram a orientar a atuação estatal, consagrou como objetivo da República, a busca do bem-
estar social, como se pode observar nos incisos I e IV: construção de uma sociedade livre,
justa e solidária e promoção do bem de todos. Surgindo, assim, o instituto das contribuições
no ordenamento jurídico brasileiro.
Com o suporte da Constituição de 1988, verifica-se que as contribuições são espécie de
tributo autônomo, que possuem como traço distintivo, ou principal característica, a finalidade
constitucionalmente definida, o que as diferenciam dos demais tributos, e que, no entanto, não
as descaracteriza como tal.
Podem ser divididas em: contribuições sociais; contribuições de intervenção no domínio
econômico e contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas. As
contribuições sociais dividem-se, ainda, em contribuições de custeio da seguridade social e
outras contribuições sociais, específicas, referidas, expressamente, na Constituição, a exemplo
das contribuições sociais ao PIS e ao salário-educação.
Uma questão de suma importância no bojo desse debate é a discussão, segundo a qual
existem ou não contribuições sociais “gerais”, sem finalidade constitucionalmente
determinada. Entende-se, que a instituição de uma contribuição sem finalidade determinada,
de modo específico, pelo Texto Constitucional, significa a total descaracterização de sua
natureza jurídica.
102
Mostra-se, portanto, um instituto insustentável no ordenamento jurídico brasileiro que,
além de inconstitucional, a admissão de tal espécie, cujo âmbito constitucional de incidência é
praticamente ilimitado, esvaziaria por completo a competência residual estabelecida no artigo
195, § 4º, da CF/88, além da própria competência para instituir impostos e taxas. Tudo
poderia ser arrecadado por meio de “contribuições gerais”, e com uma concentração de poder
tributário nas mãos da União Federal apenas, ferindo, desta forma, o princípio federativo, uma
das bases da Constituição de 1988.
Relevantes ainda foram as modificações introduzidas pela EC 33/2001, no âmbito do
Direito Tributário Constitucional. Essa emenda alterou, significativamente, o artigo 149 e o
artigo 177, da Carta Política, com o objetivo específico de possibilitar a criação de uma
contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) incidente sobre operações com
combustíveis. Referida emenda estabeleceu uma nova hipótese de exceção parcial ao
princípio da anterioridade, especificamente aplicável à CIDE dos combustíveis, no caso do
restabelecimento de suas alíquotas por ato próprio do Poder Executivo, quando este as houver
anteriormente reduzido. O que se caracteriza como uma afronta direta aos preceitos
constitucionais, visto que ferem cláusulas pétreas, colocando em cheque o sistema federativo
brasileiro.
Já com a lei complementar nº 110, de 2001, foram instituídas duas novas contribuições,
no ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, configura-se inconstitucional a LC nº 110/01,
visto que não pode a União Federal, editar leis com fins duvidosos, desrespeitando a
Constituição Federal (artigos 5º, inciso XXII e 150, inciso IV), com clara afronta aos
princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da moralidade administrativa.
Assim, embora agindo o STF como um tribunal político, sua função precípua é a defesa
da ordem constitucional do país. Não pode ele, ficar omisso ou mesmo proferir decisões
contrárias à vontade constitucional, somente por motivos políticos e mantenedores de planos
governamentais alicerçados em normas legislativas forçadas e francamente inconstitucionais.
Como conclusão deste trabalho, tem-se, em suma, a necessidade da interpretação
constitucional baseada no neopositivismo, levando em consideração os princípios
constitucionais que regulam as relações e os direitos dos cidadãos afetados, previstos
constitucionalmente.
REFERÊNCIAS
ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios - Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
ALEXY, Robert. Derecho y razón práctica. México: Fontamara, 1993.
ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
_________. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1968.
_________. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. rev. e compl., à luz da Constituição de 1988, por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do federalismo. Belo Horizonte: FUMARC/UCMG, 1982.
BASTOS, Celso. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1989.
BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. A província. Brasília: Senado Federal, 1997.
BASTOS, Núbia M. Garcia. Introdução à metodologia do trabalho acadêmico. Fortaleza: Nacional, 2004.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
_________. Constituinte e constituição. 2. ed. Fortaleza: IOCE, 1987.
_________. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei n° 5.172, de 25 de Outubro de 1966.
_________. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
104
_________. Princípios constitucionais tributários e competência tributária. São Paulo: RT, 1986.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
CASTRO, José Nilo. Direito municipal positivo. 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
COSTA, Nelson Nery. Direito municipal brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
COUTINHO, Jacinto de Miranda; LIMA, Martônio Mont’alverne Barreto (Org.). Diálogos Constitucionais: Direito, Neoliberalismo e desenvolvimento em Países Periféricos. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
DIAS, Eduardo Rocha. As contribuições no sistema tributário brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As contribuições no sistema tributário brasileiro. São Paulo/Fortaleza: Dialética/ICET, 2003. p. 211.
FALCÃO, Amílcar de Araújo. Sistema tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Financeiras, 1965.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990.
FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura "sui generis"). São Paulo: Dialética, 2000.
_________; FALCÃO, Amílcar de Araújo. Sistema tributário brasileiro – discriminação de rendas. Rio de Janeiro: Financeiras, 1965.
HAYEK, Friedrich August Von. O caminho da servidão. Tradução de Anna Maria Capovilla. 5. ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.
HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey. 1995.
HUGON, Paul. História das doutrinas econômicas. 14. ed. São Paulo: Atlas, 1995.
ICHIHARA, Yoshiaki. Direito tributário. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1994.
KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: O município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978.
MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As contribuições no sistema tributário brasileiro (co-autoria). São Paulo/Fortaleza: Dialética/ICET, 2003.
_________. Curso de direito tributário. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Contribuições e federalismo. São Paulo: Dialética, 2005.
_________. Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002. v. 6.
105
MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. O Federalista. Brasília: Universidade de Brasília, 1984.
MEIRELES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
MELO, José Eduardo Soares de. As contribuições no sistema tributário brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As contribuições no sistema tributário brasileiro. São Paulo/Fortaleza: Dialética/ICET, 2003.
_________. Contribuições sociais no sistema tributário. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MORAES, Reginaldo. Neoliberalismo. De onde vem, pra onde vai? Coordenação Banjamin Abdala Junior, Isabel Maria M. Alexander. São Paulo: SENAC, 2001.
NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e utopia. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.
PACHECO, Ângela Maria da Motta. As contribuições no sistema tributário brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As contribuições no sistema tributário brasileiro. São Paulo/Fortaleza: Dialética/ICET, 2003.
PAULSEN, Leandro. As contribuições no sistema tributário brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). As contribuições no sistema tributário brasileiro. São Paulo/Fortaleza: Dialética/ICET, 2003. p. 211.
PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica filosófica e constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
RAMOS, Augusto Cesar. Competência tributária. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2621>. Acesso em: 22 nov. 2007.
REICH, Robert B. Supercapitalism. New York: Alfred A. Knopf, 2007.
_________. How capitalism is killing democracy. Foreign Policy, 2007. Disponível em: <http://www.robertreich.org/reich/20070901.asp>. Acesso em: 19 nov. 2008.
SANTANA, Jair Eduardo. Competências legislativas municipais. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
_________. Aplicabilidade das normas constitucionais. 2. ed. São Paulo: RT, 1982.
SMITH, Adam. Riqueza das nações. São Paulo: Hemus, 1981.
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América – Livro I (Leis e costumes). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
106
SOUZA, Ricardo Conceição de. As contribuições no sistema tributário brasileiro. In: MACHADO, Hugo de Brito. As contribuições no sistema tributário brasileiro. São Paulo/Fortaleza: Dialética/ICET, 2003. p. 115-116.
STRECK, Lenio Luiz. A hermenêutica filosófica e a teoria da argumentação na ambiência do debate “positivismo (neo) constitucionalismo”. In: COUTINHO, Jacinto de Miranda; LIMA, Martônio Mont’alverne Barreto (Org.). Diálogos constitucionais: direito, neoliberalismo e desenvolvimento em países periféricos. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 265-320.
URUGUAI, Visconde do. Ensaio sobre o direito administrativo. In: CARVALHO, José Murilo de (Org.). Paulino José Soares de Sousa - Visconde do Uruguai. São Paulo: 34, 2002.
VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. São Paulo: Malheiros, 2000.
_________. O que é uma teoria jurídico-científica? Revista da OAB-CEARÁ, Fortaleza, ano 27, n° 4, jul.-dez. 2000.
_________. Temas de epistemologia jurídica. Fortaleza: Nacional, 2003.