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ATO INFRACIONAL E MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: na trilha dos caminhos do Sistema de Justiça
Juvenil.
Valdira Barros1
Nelma Pereira da Silva2
Giulliano Arrais de Sousa3
Objetivos: Compreender o fenômeno do ato infracional e atuação do Sistema Justiça Juvenil no processo de responsabilização dos autores de ato infracional. Justificativa
A temática do ato infracional tem reiteradamente integrado o repertório midiático quanto se aborda a questão do aumento da violência nos centros urbanos. Nota-se, todavia que em geral as abordagens carecem de um aprofundamento acerca dos fatores que levam crianças e adolescentes a praticarem ilícitos, assim como não abordam como o sistema de responsabilização infanto-juvenil tem atuado em relação ao tema.
Em geral, prefere-se reproduzir a fórmula de que a resolução do problema passa pela diminuição da maioridade penal, como se o Estatuto da Criança e do Adolescente não previsse mecanismos de responsabilização dos adolescentes que cometeram ato infracional.
Na mesa ora proposta, pretende-se inicialmente fazer uma abordagem aprofundada do fenômeno do ato infracional, apresentando os índices de violência perpetrada por adolescentes; compreendendo-se os fatores que levam o adolescente a praticar o ato infracional, e as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente para o enfrentamento da problemática.
Em segundo momento, pretende-se abordar o processo de aplicação das medidas socioeducativas, considerando as dimensões de raça e etnia.
Por fim, será abordado o processo de execução das medidas socioeducativas, detalhando-se os procedimentos, avanços e dificuldades vivenciados no cumprimento das diretrizes estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa abordagem será subsidiada por pesquisa de campo nas unidades de execução das medidas socioeducativas. Conteúdos específicos a serem abordados por cada participante Valdira Barros – Dra. em Políticas Públicas/UFMA. Professora da UNICEUMA/Membro do Núcleo de Estudos do Estado, Segurança Pública e Sociedade e da Faculdade Estácio de São Luís/Assessora do Centro de Defesa Pe. Marcos Passerini. Tema: O Fenômeno do ato infracional: demarcações sócio-jurídicas do processo de responsabilização dos autores de ato infracional. Giulliano Arrais de Sousa - Estudante de Direito/ Membro do Núcleo de Estudos do Estado, Segurança Pública e Sociedade da UNICEUMA. Tema: Distinções Étnico-Raciais na aplicação das Medidas Socioeducativas previstas na Lei 8.069/90. Nelma Pereira da Silva- Mestre em Psicologia/UFMA/Professora da UNICEUMA/ Assessora do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Pe. Marcos Passerini. Tema – Avanços e desafios no processo de execução das medidas socioeducativas. Identificação Institucional: Universidade do Ceuma.
1 Doutora. Universidade CEUMA e da Faculdade Estácio de São Luís.E-mail: valdirabarros@gmail.com
2 Psicóloga. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: silva.nelma@hotmail.com
3 Estudante do 3º período do Curso de Direito da Universidade CEUMA/Campus Cohama
O FENÔMENO DO ATO INFRACIONAL: demarcações sócio jurídicas do processo de
responsabilização dos autores de ato infracional.
Valdira Barros4
RESUMO
Aborda-se o ato infracional, demarcando o contexto social de ocorrência do fenômeno, a natureza dos atos infracionais praticados, o perfil do adolescente autor de ato infracional, bem como as medidas de responsabilização previstas para os autores de ato infracional.
Palavras-chave: adolescência; ato infracional; medidas
socioeducativas.
ABSTRACT
Addresses the offense, marking the social context of occurrence of
the phenomenon, the nature of the illegal acts committed, the profile
of the teenage author of an offense, as well as the accountability of
legal measures provided for authors of an offense.
Keywords: adolescence; infraction; educational measures.
4 Doutora. Universidade CEUMA e da Faculdade Estácio de São Luís.E-mail: valdirabarros@gmail.com
1 INTRODUÇÃO
A temática da violência perpetrada por adolescentes e jovens é pauta constante
dos meios de comunicação de massa, sem no entanto, implicar uma abordagem
aprofundada da questão.
O envolvimento de adolescentes na prática de condutas ilícitas configura o que a
legislação brasileira denominou ato infracional.
Este artigo foi construído a partir de revisão bibliográfica e pesquisa em sítios na
internet, no intuito de contribuir com a reflexão acerca dos fatores que levam o adolescente
à prática do ato infracional, bem como explicitar o sistema de responsabilização juvenil
presente no ordenamento jurídico brasileiro.
Incialmente, abordou-se as demarcações sócio jurídicas, buscando situar o leitor
no contexto do percurso histórico do tratamento normativo dispensado aos adolescentes
infratores no Brasil, bem como demarcar as estatísticas quanto à natureza dos atos
infracionais praticados e perfil dos autores.
No segundo momento, aborda-se medidas previstas na legislação brasileira para
adolescentes que cometeram ato infracional.
2 DEMARCAÇÕES SÓCIOJURÍDICAS DO FENÔMENO DO ATO INFRACIONAL
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, ato infracional é a
conduta descrita como crime ou contravenção penal. Assim, quando um adolescente
comete um crime ou contravenção diz-se que ele praticou um ato infracional.
A partir desta previsão, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu uma
série de direitos e garantias para os menores de 18 anos acusados de cometerem um ato
infracional, os quais estão alinhados com os direitos e garantias já previstos para os adultos,
com fundamento na Constituição Federal.
Segundo Paula (2006)
O Direito da Criança e do Adolescente foi buscar no chamado garantismo penal, concepção indicativa do conjunto de garantias e materiais e processuais que limitam a intervenção do Estado na esfera da liberdade do indivíduo e que projetam uma intervenção estatal estritamente regrada, inspiração para o estabelecimento de sues pilares que, juntados a outros, especiais, determinam a criação de algo novo. Isto não o transforma em Direito Penal, vez eu suas bases são diversas, seus postulados são distintos, sua esfera de incidência outra (Paula, 2006, p. 35).
Essa delimitação legal foi necessária e representou um avanço na preservação
do direito à liberdade de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, uma
vez que na vigência do revogado Código de Menores (de 1979) crianças e adolescentes
podiam ser privados da liberdade ainda que não tivessem cometido ilícito algum, apenas em
razão de se encontrarem na chamada situação irregular, expressão cunhada para designar
o uma variedade de situações envolvidas no contexto dos chamados “menores”, conforme
transcrição do artigo 2º da lei revogada:
Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III - em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI - autor de infração penal. (grifo meu)
Vale ressaltar que a categoria “menor”, nesse contexto, não tinha apenas uma
dimensão técnica, designativa da pessoa com menoridade civil, assumindo uma dimensão
política, pois retirava de crianças e adolescentes vulnerabilizados socialmente, a condição
de sujeitos, tratando-os apenas como objeto de intervenção. O sentido político do termo
“menor” residiria também em torno de sua associação apenas às crianças e adolescentes
que estavam em situação de pobreza, vítimas de maus-tratos ou que tivessem praticado
alguma conduta ilícita. Essa era a perspectiva da chamada doutrina da situação irregular:
enquadrar todo o segmento da infância e adolescência que estivesse em situação de
violação de direitos como menores, estabelecendo uma distinção entre estes e a parcela do
segmento infanto-juvenil que estava em pleno gozo dos direitos.
A reflexão de SILVA, nos ajuda a compreender como atuava o Estado na
vigência da doutrina da situação irregular:
No Brasil, por exemplo, existia uma Delegacia de Polícia de “Proteção ao Menor”, onde meninos pobres eram encarcerados “para serem diagnosticados e tratados”. A “situação irregular” abrangia do abandono e vitimização do “menor” aos “atos anti-sociais” por ele praticados. A “tutela” e os bons propósitos do superior interesse do “menor” não permitiam falar em delinqüência juvenil. Não se admitia que o “menor” fosse estigmatizado pela sentença penal. Exorcizava-se o juízo criminal pelos aspectos “retributivo” e “punitivo”, mas “encaminhavam-se” crianças e adolescentes a celas iguais às da pior carceragem, sem garantir um dos mais elementares direitos da pessoa humana, o devido processo legal.(SILVA, p. 51)
Com a abertura democrática, após a ditadura militar, e instalação do processo
constituinte para elaboração de uma nova Constituição Brasileira, o chamado movimento da
infância se mobilizou para inclusão no texto constitucional de artigos que viessem a
introduzir no ordenamento jurídico brasileiro a chamada Doutrina da Proteção Integral,
pautada na concepção de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, pessoas em
condição peculiar de desenvolvimento e prioridade absoluta. Durante a Constituinte,
assegurou-se no texto constitucional, no artigo 228, a imputabilidade penal somente a partir
dos 18 anos, direito individual de todas as crianças e adolescentes brasileiros.
As bases da doutrina da proteção integral foram previstas, então, no artigo 227
da Constituição Federal, a seguir transcrito:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
Para além das demarcações legais, cabe uma abordagem acerca do cenário
em que ocorre o ato infracional, em geral marcado por múltiplas ordens de violência com
destaque para a violência estrutural e física.
De acordo com o estudo Mapa da Violência 2015, as taxas de homicídio por
arma de fogo no Brasil da chamada população jovem (de 15 a 29 anos de idade) é superior
à da população não jovem, chegando algumas unidades da Federação a apresentar o índice
de quatro mortes de jovens para cada uma morte de não jovem.
No tocante ao perfil da população vitimada por armas de fogo no Brasil, o
mesmo estudo aponta que 96% é constituído de pessoas do sexo masculino e 142% de
pessoas negras, ou seja, conforme o estudo é quase duas vezes e meio maior o número de
mortes de pessoas negras em relação às brancas.
Uma primeira demarcação a se fazer quanto ao fenômeno do ato infracional, é
que este ocorre em meio a um cenário de violência física, que afeta sobretudo os jovens
negros.
Por outro lado, quando se analisa as estatísticas dos atos infracionais, observa-
se que a maior parte das condutas ilícitas praticadas por adolescentes enquadram-se na
categoria dos chamados crimes contra o patrimônio, e não de crimes contra a vida. De
acordo com levantamentos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, dos 20.532 jovens
cumprindo medidas socioeducativas no Brasil em 2012, apenas 11,1% correspondem a
crimes violentos contra à vida (homicídios e latrocínios) (FORUM, 2014, p.6).
Em nota técnica divulgada no mês de junho de 2015, o Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas (IPEA), compilou uma série de informações sobre o fenômeno do ato
infracional, no intuito de subsidiar o debate sobre as propostas de emendas à Constituição
Federal que visam reduzir a maioridade penal. No referido documento, consta que no ano
de 2013, era de 21,1 milhões a população adolescente, com idade de 12 a 18 anos
incompletos, sendo que apenas 23,1 mil adolescentes estavam internados.
O mesmo documento reitera a informação de que a maioria dos delitos
praticados refere-se a crimes contra o patrimônio:
[...]as infrações patrimoniais como furto, roubo e envolvimento com o tráfico de drogas constituíram-se nos principais delitos praticados pelos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade no Brasil nos últimos três anos. Em 2011, roubo (38,12%), furto (5,6%) e tráfico (26,56%) representaram, juntos, mais de 70% do total de delitos praticados pelos adolescentes detidos. Em 2012, esses atos infracionais alcançaram, aproximadamente, 70% do total e, em 2013, cerca de 67%. Por sua vez, os delitos considerados graves, como homicídios (8,39%), latrocínio (1,95%), lesão corporal (1,3%) e estupro (1,05%) alcançaram, em 2011, 11,7% do total dos atos praticados pelos adolescentes detidos no Brasil. Em 2012, tais infrações representaram 13,5% e, em 2013, 12,7% (OLIVEIRA, 2015, p.26)
Estas estatísticas nos obrigam a refletir sobre o perfil dos adolescentes que
cometem atos infracionais bem como os fatores que os levam a praticar tais atos
infracionais.
Os números apontam que grande parte dos adolescentes infratores são negros,
pertencem a famílias de baixa renda e têm acentuada defasagem escolar, revelando assim,
que os autores de ato infracional no Brasil, são os herdeiros da ação e omissão estatal
perpetrada ao longo de décadas, que alijou a população negra brasileira do pleno acesso às
políticas públicas.
Diante dessas constatações, a compreensão do fenômeno do ato infracional
impõe uma reflexão acerca do contexto social, do modelo de sociedade em que estes
jovens estão inseridos, assim como da fase de desenvolvimento em que se encontram, qual
seja: a adolescência.
Assim, por um lado, os adolescentes vivem em uma sociedade capitalista, com
forte apelo consumista, na qual o valor das pessoas é dimensionado em razão do que elas
possuem ou ostentam possuir e, por outro, encontram-se em uma fase da vida marcada por
intensas transformações biopsíquicas.
Nesse contexto, a análise do ato infracional praticado por um adolescente não
deve se resumir a uma operação de confronto do fato com a prescrição legal, ou seja, um
exercício de mera objetivação, deve, sobretudo, considerar a história de vida do autor da
infração. De acordo com Teixeira (2006) a abordagem do ato infracional implica analisar:
[...] as variáveis relativas às intensas mudanças físicas, biológicas, psicológicas; variáveis relativas a seus grupos de pertencimento, a seu meio social e a seu trânsito no mundo da cultura, nestes tempos de ausência de fronteiras geográficas e novas tecnologias de informação que vão construindo outros padrões de sociabilidade (TEIXEIRA, 2006, p.427).
Segundo a referida a autora, a biografia pessoal se organiza a partir de inúmeros
acontecimentos, vivências objetivas e subjetivas, e o delito é um dos acontecimentos na
vida do adolescente.
Assim, o apelo para o consumo, característica da era em que vivemos, embora
seja um fenômeno que perpassa todas as classes sociais, produz efeitos nefastos junto aos
jovens de baixa renda, dada a impossibilidade de acesso aos bens desejados pela carência
de recursos financeiros. Por outro lado, a sociedade do consumo caracteriza-se pela
constante produção de necessidades, às quais são efêmeras à medida que constantemente
se produzem novos objetos de desejo.
Outro fator que contribuiu para que a maioria dos atos infracionais praticados
sejam crimes contra o patrimônio, reside no envolvimento dos adolescentes com o consumo
de drogas, situação que os leva a buscarem meios de angariar recursos para a compra da
droga.
3 O ESTADO DIANTE DO FENÔMENO
Para os adolescentes que cometem ato infracional, o Estatuto da Criança e do
Adolescente prevê uma série de medidas a serem aplicadas, as quais se subdividem em
medidas protetivas e medidas socioeducativas. De maneira sintética, pode-se afirmar que as
primeiras visam restabelecer direitos enquanto as medidas socioeducativas tem cunho
primordialmente sancionatório, uma vez que incluem desde uma advertência até a restrição
da liberdade através da internação. A seguir o artigo da lei que estabelece as referidas
medidas:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
As medidas socioeducativas podem ser agrupadas em duas categorias: medidas
em meio aberto e medidas privativas da liberdade.
Os critérios para definição das medidas socioeducativas mais adequadas a
serem aplicadas são a capacidade do adolescente em cumprir a medida bem como as
circunstâncias e a gravidade da infração praticada, conforme dispõe o parágrafo primeiro do
art. 112.
Esta previsão legal denota que as medidas socioeducativas tem um cunho
sancionatório, pois quanto mais grave o ato infracional mais dura será a medida a ser
imposta, todavia, sem perder de vista sua natureza educativa, uma vez que os adolescentes
encontram-se em condição peculiar de desenvolvimento.
Ressalte-se, todavia, que é controverso o entendimento acerca da natureza
jurídica das medidas socioeducativas, dado o concepção de que estas não teriam natureza
sancionatória, mas somente socioeducativa.
A Lei 12.594/2012, chamada Lei do Sinase, foi concebida em atendimento às
demandas da sociedade civil organizada que buscava uma regulamentação do processo de
execução das medidas socioeducativas, a fim de coibir condutas discricionárias por parte
dos chamados operadores do Direito em face da lacuna legislativa quanto à temática.
Uma das novidades desta lei foi a delimitação dos objetivos das medidas
socioeducativas, conforme previsto no artigo art. 1º, §2º, transcrito a seguir:
§ 2o Entendem-se por medidas socioeducativas as previstas no art. 112 da
Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), as quais têm por objetivos: I- a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do
ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II - a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e III - a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da
sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei. (grifo meu)
Como se observa a lei do Sinase deixa claro que as medidas socioeducativas
visam responsabilizar o adolescente pela conduta ilícita, assim como desaprovar a conduta
infracional. Em relação a esse terceiro objetivo, parece que o legislador quis romper de
modo explícito com uma ideia que se propagou em torno do Estatuto da Criança e do
Adolescente de que este visaria somete proteger o adolescente, sendo tal lei utilizada para
“passar a mão na cabeça” dos autores de ato infracional.
Cabe ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao dispor sobre a
possibilidade do adolescente responder pela prática do ato infracional através de uma
medida socioeducativa em meio aberto (prestação de serviços à comunidade ou liberdade
assistida), tornou-se a primeira referência no ordenamento jurídico brasileiro para o
estabelecimento das chamadas penas alternativas, que posteriormente seriam instituídas
para os adultos, através da Lei 9.099/95.
No tocante às medidas que implicam privação da liberdade (semiliberdade e
internação) estas sujeitam-se aos princípios da brevidade e excepcionalidade, ou seja,
estas são as últimas das medidas a serem aplicadas e ainda somente pelo tempo mínimo
necessário. Isto porque, entende-se que os adolescentes estão em fase de desenvolvimento
e, portanto, devem responder de maneira diferenciada dos adultos pelos ilícitos que vierem
a praticar.
4 CONCLUSÃO
Este trabalho possibilita concluir que, ao contrário do que têm disseminado os
meios de comunicação, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe de um sistema de
responsabilização para os menores de 18 anos que cometem ato infracional. Todavia um
sistema de diferenciado, adequado à fase de desenvolvimento em que se encontra o menor
de idade, que obedece a parâmetros normativos internacionais, estabelecidos em tratados
dos quais o Brasil é signatário.
É interessante notar, também, que as estatísticas revelam que a maioria dos
atos infracionais praticados é constituídas de crimes contra o patrimônio e não de crimes
contra a vida, como faz parecer o noticiário da grande mídia.
REFERÊNCIAS
FÓRUM Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014, São Paulo: 2014.
OLIVEIRA, Raissa Menezes de e SILVA, Enid Rocha Andrade da. Nota técnica nº 20. O
Adolescente em Conflito com a Lei e o Debate sobre a Redução da Maioridade Penal:
esclarecimentos necessários, Brasília: IPEA, 2015.
SILVA, Antonio Fernando do Amaral e. O Estatuto da Criança e do Adolescente e Sistema de
Responsabilidade Penal Juvenil ou o mito da Inimputabilidade Penal in: JUSTIÇA,
ADOLESCENTE E ATO INFRACIONAL: socioeducação e responsabilidação, São Paulo: ILANUD,
2006.
TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Evitar o desperdício de vidas in: JUSTIÇA, ADOLESCENTE E
ATO INFRACIONAL: socioeducação e responsabilidação, São Paulo: ILANUD, 2006.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência: mortes matadas por arma de fogo, Brasília:
UNESCO, 2015.
DISTINÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA APLICAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
PREVISTAS NA LEI 8.069/90.
Giulliano Arrais de Sousa5
Valdira Barros6,
RESUMO
Analisa-se o fenômeno do ato infracional e da aplicação das medidas socioeducativas, a partir da dimensão de raça e etnia, demarcando a evolução histórica do tratamento normativo dispensado a crianças e adolescentes infratores no Brasil, bem como alguns indicadores sociais relativos ao fenômeno.
Palavras-chave: ato infracional; medidas socioeducativas; racismo institucional.
ABSTRACT
It analyzes the phenomenon of the violation and the application of educational measures, from the dimension of race and ethnicity, marking the historical evolution of the legal treatment of children and juvenile delinquents in Brazil, as well as some social indicators for the phenomenon.
Keywords: infraction; educational measures; institutional racism.
5 Estudante do 3º período do Curso de Direito da Universidade CEUMA/Campus Cohama.
6 Doutora. Universidade CEUMA e da Faculdade Estácio de São Luís.E-mail: valdirabarros@gmail.com
1 INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira tem se preocupado com o aumento dos índices de violência
envolvendo adolescentes e jovens, na condição de autores da violência, preceituando-se como
proposta para resolução do problema a implantação de regras mais duras para punição dos
adolescentes infratores, como se já não houvesse um previsão legal de responsabilização, estabelecida
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
No entanto, essa mesma população brasileira convive com um percentual de jovens
excluídos de direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Brasileira como também no
Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal exclusão ganha força na estigmatização socioeconômica
bem como no preconceito racial onde se tem a figura do jovem negro como o personagem principal de
um cenário cada vez mais violento.
Instigado pelas formulações de Adorno (1996), autor do estudo Racismo,
criminalidade violenta e justiça penal: réus brancos e negros em perspectiva comparativa,
no qual o autor problematiza a hipótese de que os réus negros teriam maior tendência à
criminalidade, busca-se verificar como a problemática do racismo encontra-se presente no
sistema de justiça juvenil brasileiro de forma a identificar e explicar as possíveis causas ou
reflexos de distinções étnico-raciais na aplicação das medidas socioeducativas previstas na
lei 8.069/90, bem como analisar a real abrangência e efetividade de como se dá a aplicação
de tais medidas, através da análise no banco de dados dos órgãos de justiça juvenil na
cidade de São Luís - MA, analisando a estatística de policia, e relatórios dos demais órgãos,
verificando a natureza dos atos inflacionais e perfil dos adolescentes infratores.
A pesquisa encontra-se ainda em fase de revisão bibliográfica, razão pela qual
apresentaremos um breve panorama acerca dos procedimentos de apuração de aplicação
das medidas socioeducativas.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
A história do tratamento normativo dispensado a crianças e adolescentes no Brasil se
inicia já no período colonial. Os padres jesuítas que aqui viviam foram os primeiros a cuidar de
crianças indígenas haja visto as dificuldades que tinham em educar índios adultos, no entanto a
preocupação com crianças e adolescentes infratores durante o segundo ciclo imperial era pautado no
temor que havia nas crueldades das penas com as Vigentes Ordenações Filipinas tinha-se a
imputabilidade penal aos 7 anos havendo apenas certas atenuações de tais penas dos 7 aos 17 anos.
Com a Proclamação da República, surgem discussões jurídicas em face dos direitos da
criança e do adolescente, sendo criados em 1923 os Juizados de Menores, diferenciando as crianças e
adolescentes em: menor abandonado e menor delinqüente, com esta última designação para aqueles
que praticavam delitos. Em 1926 é criado o Código de Menores e veio a ser substituído pelo decreto
n°17.943, também conhecido por “Código de Menores Mello Mattos”.
Tal legislação manteve a diferenciação entre menores abandonados (vadios, mendigos e
libertinos) e menores delinquentes (praticantes de condutas delituosas). Entretanto, não havia distinção
com relação à punição que recebiam, pois qualquer deles poderia ser internado, conforme a
conveniência do juiz.
O Brasil passou, então, por duas alterações constitucionais, em 1934 e 1946, que
trouxeram mudanças significativas quanto à legislação relativa aos direitos das crianças e
adolescentes, principalmente no que diz respeito à proibição do trabalho infanto-juvenil.
Em 1964 o Brasil sofreu um golpe militar, permanecendo sob o regime ditatorial até
1985, quando foram convocadas eleições indiretas.
Durante esse período, o Governo Militar criou a Fundação Nacional do Bem Estar do
Menor (FUNABEM) e estabeleceu a Política Nacional do Bem Estar do Menor (PNBEM). Diferente
do que o nome faz crer, ambas as ações do Governo Militar não objetivavam o bem-estar de crianças
e adolescentes, mas apenas criar mecanismos de punição cada vez mais rigorosos, para “reabilitar”
aqueles que cometiam delitos, ou evitar que um dia viessem a fazê-lo. Também foi no período militar
que foi criada no Estado de São Paulo a Fundação Paulista de Promoção Social do Menor (Pró-
Menor), em 1974, e que dois anos depois passou a se chamar FEBEM – Fundação para o Bem Estar
do Menor.
Em 1979 foi elaborado um novo Código de Menores, sendo alterado as formas de
tratamento das crianças e adolescentes infratores, com internamento terapêutico. Há uma maior
intervenção do Poder Judiciário nas ações relativas no enfrentamento da questão, enquanto o Poder
Executivo fica responsável pelos equipamentos assistenciais.
Com o retorno da Democracia, em 1985, surgem diversos movimentos de apoio às
crianças e adolescentes em situação de rua, abandonadas e excluídas.
Em 1987, a Assembleia Constituinte, que criava a nova Carta Constitucional, recebeu
uma petição assinada por cerca de 1.200.000 brasileiros, que pediam que fosse incluída na Carta
Magna uma norma específica de proteção aos direitos da criança e do adolescente, sendo tal
reivindicação atendida, com a inserção de alguns dispositivos na Constituição Federal de 1988 visando
a proteção e garantia dos direitos das crianças e adolescentes. São eles os artigos 227 e 228, que
podem ser considerados as pedras fundamentais do novo paradigma do Direito da Criança e do
Adolescente no Brasil, a seguir transcritos:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010). (...) Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Após dois anos, em 13 de julho de 1990, foi sancionada a Lei nº 8.069, conhecida como
Estatuto da Criança e do Adolescente, um sistema de normas e diretrizes que visam à proteção integral
à criança e ao adolescente que está fundado em três bases onde se tem a criança e o adolescente como
sujeitos do direito, como também, a afirmação de sua condição de pessoa em desenvolvimento e
portanto possuidor de uma legislação especial, e ainda a prioridade absoluta na garantia de seus
direitos fundamentais.
De acordo com MACIEL (2014), três princípios basilares sustentam o Estatuto da
Criança e do Adolescente, são eles: O princípio da prioridade absoluta, o princípio do melhor interesse
e o princípio da municipalização.
O primeiro deles refere-se à primazia que criança e adolescente devem ter diante de
todos os âmbitos de interesses, seja no âmbito judicial, extrajudicial,social, familiar ou mesmo
administrativo e isso é resguardado constitucionalmente no artigo 227 da Lei Maior. Em um primeiro
momento isso nos parece desigual, mas, necessário é levarmos em consideração que as crianças e
adolescentes são pessoas em desenvolvimento e possuem fragilidades, necessidades e vulnerabilidades
únicas, às quais devem ser asseguradas e cumpridas pela família, comunidade em geral e Estado
No que diz respeito ao princípio do melhor interesse de acordo MACIEL (2014), tem-se
nele o instrumento de orientação e interpretação para legisladores e aplicadores do direito,
direcionando e priorizando as necessidades das crianças e adolescentes diante de conflitos e mesmo na
criação de leis, observando o que vem a ser a melhor proteção com dignidade para crianças e
adolescente. No tocante ao princípio de da municipalização, este é uma consequência da
descentralização político-administrativa advinda da Constituição Federal de 1988, cabendo ressaltar
que se trata de uma atuação mais próxima de assistência e fiscalização para assegurar os direitos
infanto-juvenis.
3 O ATO INFRACIONAL E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS A PARTIR DAS
DIMENSÕES DE RAÇA E ETNIA.
A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente
introduziram no ordenamento jurídico brasileiro um novo paradigma para a
responsabilização do adolescente autor de ato infracional, pautado na doutrina da proteção
integral, que os reconheceu como sujeitos de direitos e não apenas como objeto intervenção
de Estado.
A partir da perspectiva da doutrina da proteção integral, a legislação estabeleceu
que o processo de responsabilização da criança ou adolescente que eventualmente cometa
um ato infracional, deve considerar a fase peculiar de desenvolvimento em que se
encontram. Assim, não devem ser tratados como adultos em miniatura, mas como sujeitos
que se encontram em uma fase de desenvolvimento diferenciada e por esta razão merecem
de um tratamento diferenciado pela legislação.
O Estatuto da Criança e do Adolescente define o ato infracional como a conduta
descrita como crime ou contravenção penal, ou seja, as condutas infracionais praticadas por
adolescentes são classificadas e identificadas tomando-se por referência o que dispõe o
Código Penal e outras leis que prevêem condutas criminosas.
De maneira ampla a Lei 8069/90 estabelece uma série de medidas que podem
ser aplicadas às crianças e adolescentes que cometem ato infracional. Contestando a ideia
de ausência de responsabilização de adolescentes infratores no ordenamento brasileiro
Frasseto (2006) afirma ser o Estatuto da Criança e do Adolescente, “um inquestionável
sistema penal destinado a adolescentes, sistema este diferente em aspectos importantes do
sistema penal de adultos, mas que nem por isso, deixa de ser ele bastante assemelhado”.
Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que na hipótese de
cometimento de ato infracional por crianças, a esta devem ser aplicadas medidas protetivas,
ao passo que aos adolescentes podem ser aplicadas medidas socioeducativas e medidas
protetivas.
As chamadas medidas protetivas estão previstas no artigo 101 do ECA e devem
ser aplicadas sempre que os direitos da criança e do adolescente forem violados por ação
ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou
responsável ou em razão de alguma conduta praticada pela própria criança ou adolescente7.
7 Ver artigo 98 da Lei 8.069/90.
As medidas socioeducativas, por sua vez, devem ser aplicadas considerando-se
a gravidade do ato infracional praticado, as circunstâncias em que ocorreu e também a
capacidade do adolescente em cumprir determinada medida, conforme dispõe o parágrafo
primeiro do artigo 112 da Lei 8.069/90.
A partir desta previsão legal, depreende-se que as medidas socioeducativas
possuem uma natureza retributiva, ressalvada, todavia a fase peculiar de desenvolvimento
em que se encontra o adolescente. O rol das medidas previstas no artigo 112, a seguir
transcrito, evidencia uma gradação que se inicia com a advertência podendo chegar à
privação da liberdade, através das medidas de semi-liberdade e internação.
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI (BRASIL, 2015b)
Conforme exposto, o ECA conta com um sistema de responsabilização infanto-
juvenil, no qual as medidas socioeducativas são subdividas em duas espécies: as chamadas
medidas em meio aberto, que vão do inciso I ao IV e as medidas que implicam privação da
liberdade (semi-liberdade e internação), as quais sujeitam-se, entre outros, aos princípios da
brevidade e excepcionalidade.
Esse sistema de responsabilização foi aperfeiçoado com a criação do Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, regulamentado pela Lei 12.594/2012. A
chamada Lei do SINASE foi elaborada para detalhar o procedimento de execução das
medidas socioeducativas, suprindo uma lacuna legislativa, que acabava por afetar o direito
dos adolescentes em cumprimento de medida, uma vez que os deixava a mercê da
discricionariedade dos agentes responsáveis pela execução das medidas.
Dados do IPEA revelam que tem havido distorções no processo de aplicação
das medidas socioeducativas:
Muitas vezes a justiça juvenil não é aplicada conforme as disposições estabelecidas no ECA e no SINASE e costumam ser mais severas do que o ato infracional requer. Em 2013 existia um total de 23,1 mil adolescentes privados de liberdade no Brasil. Desses 64% (15,2 mil) cumpriam a medida de internação, a mais severa de todas; outros 23,5% (5,5 mil) estavam na internação provisória; 9,6% (2,3 mil) cumpriam medida de semiliberdade e
2,8% (659 mil) estavam privados de liberdade em uma situação indefinida (IPEA, 2015, p. 26).
No tocante ao perfil dos adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa, o mesmo estudo aponta que a maioria dos adolescentes privados de
liberdade é constituída por negros, chamando atenção para o preconceito existente em
relação aos jovens de periferia:
Outro aspecto importante a ser sublinhado refere-se ao preconceito cultural vigente na sociedade que condena, antecipadamente, os jovens da periferia e das favelas, sobretudo os negros, pelo fato de não corresponderem aos padrões idealizados da sociedade: branco, bem vestido, escolarizado, trabalhador com carteira assinada, entre outros atributos valorizados socialmente. É assim que esse olhar deve estar presente quando se analisa, por exemplo, o perfil do adolescente em conflito com a lei que cumpre medida de privação de liberdade no Brasil. Esses são, na maioria, negros, pobres, com ensino fundamental incompleto, não estudam e nem trabalham. (IPEA, 2015, p. 15).
Considerando-se o perfil socioeconômico dos adolescentes que cometem ato
infracional, em que se constata que a ampla maioria é constituída de pessoas negras,
alijadas historicamente do acesso a direitos sociais básicos, uma hipótese que se levanta é
que esta política de encarceramento adotada pelos operadores do sistema de justiça juvenil
traz consigo a marca do chamado racismo institucional, definido como o fracasso das
instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em
virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica (GELEDES).
Assim, indaga-se por outro lado, se os jovens infratores fossem brancos em sua
maioria, continuaria a ser priorizada a privação da liberdade como medida de
ressocialização?
As estatísticas apontam que, no Brasil, o jovem negro encontra-se enredado em
um cenário de violência, razão pela qual, o ato infracional, não pode ser analisado apenas
no plano da individualidade, desconsiderando todo o contexto social em que se encontram
inseridos a maioria dos adolescentes infratores bem como as histórias de vida desses
adolescentes.
De acordo com o estudo Mapa da Violência 2015, a proporção de homicídios por
arma de fogo de jovens negros em relação aos brancos é de aproximadamente dois para
um.
4 CONCLUSÃO
À guisa de conclusão, reafirmamos que embora, estejamos na fase inicial do estudo, a
revisão bibliográfica empreendida nos possibilita concluir que o tratamento dispensado a adolescentes
que cometeram ato infracional no Brasil, mesmo na vigência de um novo paradigma constitucional,
ainda está impregnado de resquícios da cultura preconceituosa e autoritária vigente antes da
Constituição Federal de 1988.
As marcas do chamado racismo institucional, são reveladas pelas estatísticas que apontam
um elevado índice de aplicação de medidas privativas de liberdade, em casos que caberiam medidas
em meio-aberto, sendo que tal procedimento pode ser explicado, em razão de que a maioria dos
adolescentes envolvidos em ato infracional são negros.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 10 de junho
de 2015.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal 8.069/90.
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8069.htm. Acesso em 10 de junho de 2015b.
GELEDES. Guia de enfrentamento ao Racismo Institucional. Disponível em.
http://www.geledes.org.br/tag/guia-de-enfrentamento-do-racismo-institucional. Acesso em 10 de
junho de 2015.
IPEA. Nota técnica nº 20. O Adolescente em Conflito com a Lei e o Debate sobre a
Redução da Maioridade Penal: esclarecimentos necessários, Brasília: IPEA, 2015.
MACIEL, Kátia Regina Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e do Adolescente – Aspectos
teóricos e práticas. 7° Ed. São Paulo:Saraiva,2014
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência: mortes matadas por arma de fogo,
Brasília: UNESCO, 2015.
AVANÇOS E DESAFIOS NO PROCESSO DE EXECUÇÃO DAS MEDIDAS
SOCIOEDUCATIVAS.
Nelma Pereira da Silva8
RESUMO
Aborda-se a situação das medidas socioeducativas dentro da dimensão da sua execução no contexto do Brasil, em particular do Maranhão, apontando os avanços e desafios enquanto política pública.
Palavras-chave: medidas socioeducativas; políticas públicas.
ABSTRACT
Deals with the situation of educational measures within the extent of its implementation in the context of Brazil, particularly Maranhão, pointing out the progress and challenges as a public policy.
Keywords: educational measures; public policy.
8 Psicóloga. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: silva.nelma@hotmail.com
1. INTRODUÇÃO
As medidas socioeducativas são responsabilizações impostas a adolescentes
em conflito com a lei. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) artigo 112, se
“verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao
adolescente as seguintes medidas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de
serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de
semiliberdade; internação em estabelecimento educacional”.
A execução dessas medidas é de responsabilidade dos municípios e do estado.
Em casos de prestação de serviço à Comunidade e Liberdade Assistida sua execução se dá
através dos Centros de Referência Especializada da Assistência Social (CREAS) de cada
município. Já as medidas de semiliberdade e internação são executadas pelo Estado,
geralmente, através de uma Fundação específica para esse fim, e que deve ser de natureza
educacional.
Com o advento do ECA o movimento social de luta e defesa dos direitos
humanos de crianças e adolescentes apostou na alteração do paradigma prisional para o
educacional, e assim, atender de forma humanizada esse segmento da população e
trabalhar preventivamente no enfrentamento da violência. No entanto, ainda não se confirma
grandes avanços no cotidiano dos adolescentes e trabalhadores da área. As medidas em
meio aberto são mal aparelhadas e a formação técnica para essa intervenção é insuficiente.
No meio fechado o sistema de encarceramento ainda é prevalente na maioria dos estados
brasileiros e conta com posturas arraigadas e perversas por parte de alguns cuidadores.
Assim, este trabalho expressa inicialmente as medidas socioeducativas dentro
do seu processo de execução, seguido da reflexão dos principais avanços, bem como das
dificuldades até o momento muito prementes.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e estudo documental a partir
dos relatórios produzidos pelas organizações de execução das medidas socioeducativas e
entrevista com lideranças do movimento de defesa dos direitos humanos de crianças e
adolescentes.
2. AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS E A SUA EXECUÇÃO
As medidas socioeducativas consistem em:
I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. (ECA, 1990)
De acordo com o ECA (1990) e o SINASE – Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (2012) cada medida dessa tem sua especificidade e cunho pedagógico para
o processo de ressocialização de acordo com o grau do delito praticado.
A Advertência é adotada quando o juiz adverte o adolescente pela sua conduta,
através de um termo devidamente assinado (ECA, art. 115) com a participação dos pais ou
responsáveis e do próprio adolescente.
A obrigação de reparar o dano ocorre quando o ato infracional envolve prejuízos
patrimoniais. Nesta situação o juiz poderá determinar, se for o caso, que o adolescente
restitua o bem, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo
da vítima (ECA, art. 116).
A Prestação de Serviços à Comunidade consiste numa medida em que o
adolescente presta serviços comunitários, por período não excedente a seis meses,
realizando tarefas gratuitas de interesse geral junto a entidades de assistência, hospitais,
escolas, programas governamentais ou comunitários. As tarefas devem ser de interesse do
adolescente, respeitando suas habilidades. A jornada não pode exceder 8 horas semanais e
nem prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho (ECA, art. 117).
A Liberdade Assistida é adotada sempre que se afigurar a medida mais
adequada com a finalidade de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente, com duração
mínima de seis meses, podendo ser prorrogada, revogada ou substituída. O adolescente
terá um orientador pessoa da sua comunidade, que sob supervisão de autoridade
competente, vai ajudá-lo a refletir sobre o seu ato e, ao mesmo tempo, garantir que seus
direitos sejam atendidos (escola, saúde, profissionalização, etc.) (ECA, art. 118-119).
A Semiliberdade é a medida intermediária à internação e o meio aberto,
podendo também ser aplicada como primeira medida. O adolescente realiza atividades
socioeducativas fora da unidade de atendimento, sem a presença de educadores, mas com
supervisão técnica. Não comporta prazo determinado, mas pode se assemelhar ao prazo da
medida de internação (ECA, art. 120).
A Internação consiste na medida de privação de liberdade, e somente deve ser
aplicada em casos de prática de ato infracional grave, como, por exemplo: ato cometido sob
grave ameaça ou violência à pessoa; voltar a cometer outras infrações e/ou não cumprir
medida anteriormente imposta pelo juiz. Sua manutenção deve ser reavaliada, mediante
decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. Em nenhuma hipótese o período
excederá a três anos (ECA, art. 121 a 125).
A execução dessas medidas tem se dado às vezes por mais de uma política
pública, sendo que as de meio aberto são executadas pelo Sistema Único da Assistência
Social, através dos Centros de Referência da Assistência Social (CREAS) ou por núcleo
específico para esse fim. E, as medidas restritivas ou privativas de liberdade não tem um
único locus institucional. Cada estado a vincula à política que melhor interpretar. No entanto,
a maioria dos estados a concentrou na própria assistência social.
De acordo com o Levantamento Anual dos/as Adolescentes em Conflito com a
Lei, em 2012, as instituições de atendimento socioeducativo privativo e restritivo
estão distribuídas em cinco grandes áreas, sendo elas: Assistência Social e Cidadania (doze secretarias do total nacional), Justiça e Segurança Pública (sete secretarias do total nacional), Trabalho (quatro secretarias), Criança e Adolescente (duas secretarias), Educação e Paz (uma secretaria).
Os números de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de
acordo com o Levantamento Anual dos/as Adolescentes em Conflito com a Lei, referente ao
ano de 2012, indicam
um número total de 20.532 adolescentes em restrição e privação de liberdade (internação, internação provisória e semiliberdade), e de 88.022 em meio aberto (prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida).
Concernente aos percentuais de adolescentes no Brasil segundo informações do
Censo Demográfico (2012),
a população total do Brasil é de 190.755.799 pessoas, divididas em 5.564 municípios, com a população adolescente (12 a 21 anos1) somando 21.265.930 milhões. Quando comparado ao número total de adolescentes no Brasil, a porcentagem de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas de restrição e privação de liberdade é de apenas 0,10%; e de apenas 0,41% em medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade (PSC) e liberdade assistida (LA). Isso significa uma porcentagem pequena, do ponto de vista quantitativo, e que deve ser alvo das políticas públicas, atuando em busca de soluções para assegurar que direitos estabelecidos em lei repercutam diretamente na materialização de políticas públicas sociais que incluam o adolescente em atendimento socioeducativo.
No contexto do Estado do Maranhão o sistema socioeducativo estar alocado
enquanto meio aberto no SUAS e privativo e restritivo de liberdade na política de direitos
humanos. Esta última ocorreu a partir de janeiro de 2015 com a mudança de governo do
Estado. Até então esta pertencia à política da assistência social também. Tal mudança foi
uma reivindicação do movimento de defesa dos direitos da criança e do adolescente devido
à precariedade e sistemática violação de direitos humanos às quais os adolescentes eram
submetidos.
No que tange aos dados estatísticos, o Maranhão apresenta o menor número de
adolescentes em restrição e privação de liberdade, considerando a faixa etária entre 12 e 21
anos, correspondendo a 0,01%, equiparando-se ao Rio Grande do Norte, segundo o
Levantamento Anual dos/as Adolescentes em Conflito com a Lei no ano de 20129.
Dados da Fundação da Criança e do Adolescente (FUNAC) revelam que
historicamente o número foi bastante pequeno, sendo: 2008 – 112, 2009 – 102, 2010 – 106,
2011 – 106, 2012 – 78.
Segundo opinião de Maria Ribeiro (2015), coordenadora do Centro de Defesa
Pe. Marcos Passerini (CDMP) a redução apresentada em 2012, deve-se,
à ação civil pública impetrada pelo Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Pe. Marcos Passerini e pelo Ministério Público da Comarca de São José de Ribamar que ocasionou a interdição da principal unidade de internação masculina e o Estado ficou sem ter vagas para receber os adolescentes. Por isso a queda obrigatória dos índices de internação que se deu não pela redução dos atos, mas, sobretudo pela ineficácia do governo em estruturar e garantir o sistema socioeducativo privativo e restritivo de liberdade (entrevista).
9 Última versão do levantamento de dados realizado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
2.1 Avanços na execução das medidas socioeducativas
De acordo com os dados apresentados no item anterior cabe ressaltar que os
avanços na execução das medidas socioeducativas ainda são bastante parcos. O relatório
do Levantamento Anual dos/as Adolescentes em Conflito com a Lei registra que no país, no
período entre 2008 e 2012 houve uma rápida queda nos índices de privação e restrição de
liberdade. Ouso aqui dizer que pode se dá pelo fato dos adolescentes terem reincidido
menos e que o grau de aprendizagem começa a surtir efeito assim como as políticas de
assistência à família começam a potencializar a inserção dos adolescentes e jovens para
outros projetos de vida diverso da criminalidade.
Esse aspecto aponta que o investimento na política de educação é o caminho
que levará o público infanto-juvenil para projeto de vida cidadã garantindo primariamente a
prevenção à violência.
Outro avanço diz respeito ao aprimoramento da normativa, incluindo leis e
planos de ações que nessa última década melhorou bastante com a instituição do SINASE –
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, por meio da lei 12.954/12. Contudo, isto
não é suficiente para garantir uma melhor eficácia do sistema socioeducativo que apesar
dos parâmetros de atuação bem definidos, o investimento financeiro e o compromisso seja
dos gestores, seja de parte dos trabalhadores ainda estão longe de garantir a necessária
qualidade da execução da política.
Isto fica muito claro na fala da Presidente da Fundação da Criança e do
Adolescente – FUNAC, senhora Elisângela Cardoso que diz: “em todo o Brasil houve uma
retrocesso no âmbito da execução do atendimento socioeducativo. Estados como Paraná e
Rio de Janeiro que foram referência para a definição dos parâmetros do SINASE,
retrocederam com a mudança de gestão nos últimos anos” (entrevista).
2.2 Desafios frente às medidas socioeducativas enquanto política pública
Ao contrario dos avanços que foram poucos, os desafios ainda se manifestam
em grande proporção. Isto tem se dado a diversos fatores, conforme apontado pelo mapa da
violência 2014:
1. Produção da criminalidade a partir da incidência cada vez maior e mais
ousada do crime organizado;
2. Uso dos adolescentes por adultos que veem nos jovens um grupo fácil de ser
envolvido e convencido;
3. Uso e dependência às drogas que instigam o roubo, o furto e o assalto, seja
para manter o vício, seja para propiciar os mandos do traficante;
4. Forte cultura do consumismo capitalista.
Do mesmo modo, o Levantamento Anual dos/as Adolescentes em Conflito com a
Lei registrou que dos 20.532 adolescentes privados de liberdade 8.409 (48,70) foram roubo e
5.833 (27,05) tráfico, estes dois atos somam 65,75% do número de infrações registradas no
sistema socioeducativo.
As dificuldades passam ainda pela fragilidade e precariedade das políticas de
educação e trabalho, no país.
A maioria dos adolescentes envolvidos com atos infracionais tem apenas ensino
fundamental e às vezes nem completou essa escolarização. Estão despreparados
formalmente para o mercado de trabalho. Além disso, o mercado de trabalho tem sido
insuficiente, posto que praticamente inexiste política voltada para a juventude em particular
para as frentes de geração de emprego e renda.
3. CONCLUSÃO
No que tange à correlação entre avanças e desafios do sistema socioeducativo
conclui-se que os desafios ainda perduram com grande força.
Nota-se que as dificuldades financeiras e de comprometimento pessoal dos
servidores da área se constituem nos maiores desafios a serem enfrentados dentro do
sistema socioeducativo. Com isso, se faz necessário maior incidência do controle social
junto aos gestores públicos, bem como de efetiva formação que sensibilize os servidores
para um exercício profissional com base na garantia dos direitos humanos.
Isto denota uma dificuldade do ser humano de lidar com a complexidade do
próprio ser humano, que de forma autoritária uns passam a excluir o outro da relação social,
ou melhor de incluir esse outro no encarceramento punindo-os pura a simplesmente. Ainda
prevalece os “maus atos” em detrimento dos “bons atos”, ou seja “eu” e o “outro” construído
social e historicamente no acirrado campo da disputa e modo de vida capitalista.
Por fim, ressalta-se que o problema do ato infracional, dado o tipo mais
expressivo do seu modus operandi (roubo e tráfico) sem sombra de dúvida consiste na
dívida histórica do Brasil com sua população em que a grande maioria vive em condições
ainda precárias ou até mesmo subumanas. Da precariedade com que tem sido tratadas a
educação e a geração de emprego e renda - políticas estas que se deterioraram ao longo da
história brasileira, sendo hoje questionáveis do ponto de vista da sua qualidade e inclusão
social.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal 8.069/90. BRASIL. Levantamento Anual dos/as Adolescentes em Conflito com a Lei. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos (SDH). Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2014. CARDOSO. Elisângela Correia. Entrevista concedida em junho de 2015. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2012. RIBEIRO, Maria. Entrevista concedida em junho de 2015.