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7/21/2019 Dissertao "Se fosse normal, Deus teria criado Ado e Ivo"A homofobia e a produo e regulao sexo:gnero
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Universidade de Braslia
Instituto de Psicologia
Programa de Ps-Graduao em Psicologia Social, do Trabalho e das rgani!a"es
Se fosse Normal, Deus teria criado Ado e Ivo!
# $omo%obia e a &roduo e regulao do se'o ( g)nero
*anielle +oenga-liveira
Braslia, *
.//
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Universidade de Braslia
Instituto de Psicologia
Programa de Ps-Graduao em Psicologia Social, do Trabalho e das rgani!a"es
Se fosse Normal, Deus teria criado Ado e Ivo!
# $omo%obia e a &roduo e regulao do se'o ( g)nero
*anielle +oenga-liveira
Braslia, *
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Universidade de Braslia
Instituto de Psicologia
Programa de Ps-Graduao em Psicologia Social, do Trabalho e das rgani!a"es
Se fosse Normal, Deus teria criado Ado e Ivo!
# $omo%obia e a &roduo e regulao do se'o ( g)nero
*anielle +oenga-liveira
*issertao a&resentada ao Programa de Ps-Graduao em
Psicologia Social, do Trabalho e das rgani!a"es, como
re0uisito &arcial 1 obteno do grau de 2estre em
Psicologia Social, do Trabalho e das rgani!a"es
rientadora3 #ngela 2aria de liveira #lmeida
Braslia, *
4ovembro de .//
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Se fosse Normal, Deus teria criado Ado e Ivo!
# $omo%obia e a &roduo e regulao do se'o ( g)nero
*issertao de%endida diante e a&rovada &ela banca e'aminadora constituda &or3
5555555555555555555555555555555555555555555555555555555
Pro%67 *r6 #ngela 2aria de liveira #lmeida 8Presidente9
Programa de Ps-Graduao em Psicologia Social, do Trabalho e das rgani!a"es - UnB
5555555555555555555555555555555555555555555555555555555
Pro%67 *r6 #na :;cia Galin
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ADe que valeria a obstinao do saber se ele assegurasse
apenas a aquisio dos conecimentos e no, de certa
maneira, e tanto quanto possvel, o descamino daquela
que conece" #$istem momentos na vida onde a questo de saber
se se pode pensar diferentemente do que se pensa,
e perceber diferentemente do que se v%, & indispens'vel
para continuar a olar e refletir
2ichel oucault A (ist)ria da Se$ualidade II
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AGRADECIMENTOS
Um caminho longo, re&leto de ang;stias, in0uieta"es e muitas, muitas alegrias,
descobertas e con0uistas, no &oderia ser seguido so!inho7 4esse momento, em 0ue mais
um ciclo se %echa e 0ue diversas outras estradas desconhecidas, desa%iadoras e, &or isso,
instigantes C? &odem ser vislumbradas, eu devo agradecer a todDs a0uelDs 0ue estiveram
ao meu lado durante esse &ercurso7
#gradeo 1 &ro%essora #ngela #lmeida &elo Arecado conviteE escrito na minha
&rova e &ela, &osterior, acolhida no :aPsiS ainda no meu &rimeiro ano na UnB7 Por todos
esses anos de %ormao, de muitos trabalhos Fe trabalho e de com&anheirismo7 brigada,
&ro%essora, &or todo carinho, &or toda dis&onibilidade e &or todo res&eitoH
2uito obrigada, tamb>m, 1s &ro%essoras e ao &ro%essor membros da banca
e'aminadora &ela dis&onibilidade em ler e discutir o meu trabalho7 &ro%essora #na :;cia
Galin
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com&anheirD do :aPsiS, muito obrigadaH
#gradeo 1s 0ueridas $elena Galvo, +amila @ocha, :arissa Oas0ues e $ort)nsia
Sou!a 0ue estiveram comigo nas discuss"es tericas %eministas mais instigantes e 0ue
com&reenderam, res&eitaram e me au'iliaram nessa desorgani!ao de %inal de &ercurso7
2uito obrigada &ela com&anhiaH Tamb>m agradeo a todDs Ds estudantes 0ue, assim
como elas, construram comigo a disci&lina AT&icos Js&eciais em Psicologia Social3
G)nero e *iversidades Se'uaisE7
Por %im, com um encanto e admirao sem &alavras, meu muito obrigada a todas as
%eministas 0ue &assaram e modi%icaram a minha vida, me tra!endo as mais belas e
libertadoras re%le'"es7
Sigamos CuntDsH Questionando sem&reH
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Sumrio
RESUMO............................................................................................................................12
ABSTRACT........................................................................................................................13
INTRODUO..................................................................................................................14
EMBASAMENTO TERICO: PARA PENSAR A OMO!OBIA..............................1"
2ovimentos eministas e suas +ontribui"es77777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777/
G)nero em Questo777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777/
Ningu&m nasce *uler, torna+se *uler Simone de -eauvoir e a *uler como o
.utro/0
1oan Scott e a 2oncepo 3elacional de 4%nero/5
+or&os Se'uados e Se'ualidade77777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777
As Diferenas Se$uais/6
*icel 7oucault8 a Se$ualidade como um dispositivo ist)rico datado/9
*esconstruo das +erte!as e *estruio das Jvid)ncias77777777777777777777777777777777777777777777777V
A :eoria ;ueer
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Ji'o Posicionamento @eligioso777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777/.W
2lasse < + 2ondena+se o pecado e no oEa pecadorEa0FB
2lasse 0 + A 2riao e o 2iclo Natural da vida00/
#s @a!es de um *iscurso $omo%bico777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777777/.
Articulando os ei$os e respondendo quest@es0/F
(omofobia e a produo e regulao do se$o e g%nero0/ &rivao da e'ist)ncia social e 0ue as institui"es religiosas, cient%icas,
%amiliares e educacionais sustentam e so sustentadas &ela homo%obia7 +om base nosresultados, &ro&omos 0ue a homo%obia seCa com&reendida como um dis&ositivo &rodu! e
regula as di%erenas, estabelecidas como AnaturaisE, entre os se'os, g)neros e as
orienta"es a%etivo-se'uais7
P+,+-r+/0+-: $omo%obia, *iversidade Se'ual, eminismo, Teoria das @e&resenta"es
Sociais7
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ABSTRACT
$omo&hobia can be understood as anK %orm o% violence, &reCudice and discrimination
against non-heterose'ual &ersons and(or &ersons that trans&ose For hoever is &erceived to
be trans&osing the sociallK established gender barriers7 Based on eminist Theories, in
dialogue ith oucault and Queer TheorK, and the Social @e&resentations TheorK, e see guiada &or e'&eri)ncias &essoais, inser"es gru&ais e culturais
ocorridas em um dado momento histrico e conte'to &sicossocial7 4esse sentido, >
im&rescindvel &ensar no modo como os suCeitos dialogam com as legisla"es e normas
sociais7 Trata-se, &ois, de discutir as negocia"es 0ue essas mantem com o ordenamento
social7 4a 2odernidade &rescri"es %oram ditadas, &rinci&almente, &ela igreCa e &ela
ci)ncia7 Inicialmente, sob o &ressu&osto hegemnico da indubit?vel?alavra de Deuse, em
seguida, da %idedignidade e neutralidade dos m>todos cient%icos, su&ostas AverdadesE
tenderam e tendem a guiar a ao dos indivduos nas sociedades ocidentais7
g)nero, o se'o e a se'ualidade no esca&am a esse controle7 ASe fosse normal,
Deus teria criado Ado e Ivo, %rase 0ue d? ttulo a essa dissertao, > um e'em&lo desse
controle7 normal e'&resso &elos suCeitos no di! res&eito a&enas 1s ditas regras &ostas
&or *eus, mas est?, tamb>m e intimamente, relacionada com as normas estabelecidas &elo
cam&o cient%ico e Curdico 0ue de%inem os &armetros do 0ue deve ser considerado no
mbito da AnormalidadeE7 s movimentos %eministas e de l>sbicas, gaKs, bisse'uais,
transe'uais, travestis e transg)neros 8:GBT9 h? tem&os 0uestionam normas sociais 0ue,
embasadas &or estes &ressu&ostos, subCugam mulheres e todDs/ a0uelDs 0ue se
di%erenciam do &adro identit?riohegemnico7 u seCa, ao 0ue %oi construdo e &osto comonorma7 #ssim, sob o argumento de naturalidade e normalidade mant>m-se a coer)ncia do
sistema se'o-g)nero-orientao a%etivo-se'ual7 esse sistema 0ue estabelece 0ue um
cor&o se'uado 8concebido como mulher ou homem9, de%ine o g)nero 8identi%ica"es dos
indivduos como %emininos ou masculinos9, 0ue &or sua ve! de%ine 0ue as rela"es a%etivas
e se'uais sero vivenciadas com &arceirDs do se'o o&osto7 4esse sentido, embora
in;meras trans%orma"es tenham ocorrido no conte'to social atual, no 0ue di! res&eito 1
liberdade se'ual, igualdade de direitos de g)nero e de &essoas :GBT, no h? de se negar
/ 4egando o masculino como linguagem universal, utili!aremos D &ara %le'ionar &alavras no %eminino emasculino7
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0ue ainda vivemos em uma sociedade 0ue hierar0ui!a os se'os e mant>m como norma a
heterosse'ualidade7
#lguns e'em&los so ca&a!es de evidenciar as dis&aridades ainda e'istentes entre
mulheres e homens, como as di%erenas salariais e o elevado ndice de ocorr)ncia de
viol)ncia dom>stica7 *e acordo com a &ro%essora da Unicam& Jmma Sili&randi 8.//9, em
entrevista &ara a @?dio 4U, no Brasil as mulheres recebem cerca de X.w da renda dos
homens em trabalho assalariado similar, o 0ue diminui consideravelmente seu acesso a
bens e servios7
# viol)ncia dom>stica, &or sua ve!, ainda > uma constante na vida das mulheres7
Jstima-se 0ue a cada dois minutos cinco mulheres so es&ancas &or seus com&anheiros
8undao Perseu #bramo, .//97 Jsses dados 0ue se a&resentam em tom de den;ncia,
mesmo 0ue a&enas um e'em&lo da grande com&le'idade dessas rela"es, embasam e
re%oram a a%irmao de 0ue o se'ismo ainda sustenta as rela"es sociais entre os se'os7
*e modo igualmente alarmante encontra-se a situao das &essoas :GBT em nosso
&as7 # #ssociao Brasileira de :>sbicas, GaKs, Bisse'uais, Travestis e Transe'uais
8#BG:T9 a&onta 0ue, &elo menos X direitos civis so negados 1s &essoas homosse'uais
8#BG:T, ./.97 Jsses suCeitos so tamb>m %oco de constante viol)ncia 0ue varia de
insultos 1 agress"es %sicas7 Podemos evocar a0ui casos ainda recentes 0ue receberam a
ateno da mdia como o da agresso, utili!ando uma lm&ada %luorescente, a Covens
&ercebidos &elos agressores como homosse'uais na #venida Paulista, em So Paulo 8G/,
./.97 # 4G do Gru&o GaK da Bahia 8GGB9 reali!a &es0uisas anuais sobre o n;mero de
assassinatos de &essoas :GBT7 *e acordo com dados a&resentados &elo gru&o, entre os
anos de / e ./. %oram noticiados mais de 7V.. assassinatos, o 0ue mesmo com a
subnoti%icao coloca o Brasil como &as com maior incid)ncia de crimes homo%bicos
8GGB, .//a97
4os ;ltimos anos, o n;mero de assassinatos de :GBT vem crescendo em nosso&as7 estudo reali!ado &elo GGB sobre os assassinatos ocorridos no ano de .. a&onta
0ue nesse ano %oram noti%icados /R assassinatos de gaKs, travestis e l>sbicas no Brasil7
Jm ./., o n;mero de assassinatos com motiva"es homo%bicas bate seu recorde no &as
com mais de . casos 8GGB, .//b97
Por>m, cabe 0uestionar, 0uando abordamos a homo%obia estamos a&enas tratando
de assassinatos e viol)ncia %sicax # res&osta > negativa7 Interessante > &ensar 0ue se &or
um lado a Sociedade +ivil rgani!ada e o Jstado im&lementam %ormas de combatercrimes homo%bicos e rea%irmar direitos de &essoas :GBT, &or outro &iadas e &alavr"es,
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0ue associam &eCorativamente orienta"es e &r?ticas se'uais, esto &resentes em nosso
cotidiano como %orma de o%ensa7
4esse sentido, &ara o estudo da homo%obia > im&rescindvel 0ue esta seCa
a&reendida em toda sua am&litude7 Trata-se, &ois, de um %enmeno com&le'o e variado 0ue
&ode ser &ercebido desde &iadas 0ue ridiculari!am homosse'uais, alcanando %ormas
brutais de viol)ncia Custi%icado &ela orientao a%etivo-se'ual e g)nero da vtima 8Borrillo,
..97
# &artir de estudos sobre o tema, a conce&o de homo%obia %oi sendo e'&andida e
mesmo a utili!ao e limitao do termo %oi sendo 0uestionada7 *e %orma geral, a
homo%obia re%ere-se a toda %orma de dio, viol)ncia, &reconceito e discriminao contra
gaKs, l>sbicas, bisse'uais, travestis, transe'uais e transg)neros7
Jstudos a&resentam 0ue a homo%obia &ode estar relacionada 1s conce&"es est?veis
entre se'o, g)nero e orientao a%etivo-se'ual, 1s conce&"es essencialistas de mulher e
homens, concebendo 0ue estes so de%inidos &or uma ess)ncia &rimeira, 1s crenas de 0ue
a homosse'ualidade tem bases biolgicas, bem como ao &osicionamento religioso
8:acerda, Pereira, y +amino, ..z Jing, Stu
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mais tarde, %ruto da Primeira +on%er)ncia 4acional :GBT, %oi elaborado o Plano 4acional
de Promoo da +idadania e *ireitos $umanos de :>sbicas, GaKs, Travestis e Transe'uais
0ue tra! as diretri!es &ara a elaborao de &olticas &;blicas voltadas essa &o&ulao
8Brasil, ..97
utras im&ortantes a"es em mbito nacional %oram a criao da +oordenao
Geral dos *ireitos de :GBT na Secretaria 4acional de Promoo e *e%esa dos *ireitos
$umanos, ainda em .., e a criao do +onselho 4acional de +ombate 1 *iscriminao
e Promoo dos *ireitos de :>sbicas, GaKs, Bisse'uais, Travestis e Transe'uais 8+4+*-
:GBT9 em ./.7
*entre outros &roCetos relacionados a esse tema, est? o ProCeto de :ei /(. 0ue
dis&"e sobre a criminali!ao da homo%obia e encontra-se em tramitao no +ongresso
4acional7 Um %ato interessante > 0ue &or &rever &unio &ara as &essoas ou institui"es
&;blicas ou &rivadas, &or e'em&lo, &or Aim&edir, recusar ou &roibir o ingresso ou a
&erman)ncia em 0ual0uer ambiente ou estabelecimento &;blico ou &rivado aberto ao
&;blicoE 8Brasil, .., &7 RRWV9, este ProCeto > denominado &or religiosos e
&arlamentares, de maioria &ertencente 1 bancada evang>lica do +ongresso 4acional, de
Aei da *ordaa 4aJE7
Para al>m das discuss"es 0ue envolvem esses &osicionamentos, 0ue sero
&osteriormente a&ro%undadas, a e'ist)ncia deste Programa e deste ProCeto > a e'&resso de
um con%lito social e um movimento de en%rentamento da e'cluso &or gru&os minorit?rios7
4esse conte'to, a &ro&osta de um estudo sobre homo%obia %a!-se relevante7
#ssim, &artiremos do cam&o dos Jstudos eministas 0ue, con%orme a&onta
rancine *escarries 8.//9, > considerado como um cam&o &luridisci&linar de
conhecimentos 0ue se dedica, no a&enas aos estudos centrados nas mulheres, mas na
an?lise da Adimenso se'uada das rela"es sociais de hierar0ui!ao e de diviso social,
assim como nas re&resenta"es sociais e as &r?ticas 0ue as acom&anham, modelam eremodelamE 8&7 /97 # &artir dos Jstudos eministas e da abordagem &sicossocial da Teoria
das @e&resenta"es Sociais concebemos 0ue a realidade social > &ensada, inter&retada e
construda a &artir de conhecimentos &artilhados e constitudos socialmente7 4esse sentido,
&reconceitos e a"es discriminatrias seriam &ermeados &or correntes de saberes e modos
de &ensar do senso comum &ro%undamente enrai!ados na vida coletiva dos suCeitos7
*este modo, em consonncia com a abordagem terica adotada, o %oco deste
trabalho no se concentra a&enas nos &rocessos cognitivos dos suCeitos atenogeralmente dada &or &siclogDs sociais no estudo da homo%obia7 +om base em nossos
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&ressu&ostos terico-e&istemolgicos de 0ue o suCeito > concebido em seu car?ter dial>tico,
como um ser ativo7 4esse sentido, com&reendendo 0ue as atitudes &reconceituosas e
com&ortamentos de discriminao so sustentados e sustentam saberes socialmente
&artilhados 0ue orientam &r?ticas, esta &es0uisa centra-se nos &rocessos &sicossociais
relacionadas 1s viv)ncias desses indivduos7 #ssim, sob en%o0ue terico das
@e&resenta"es Sociais e dos Jstudos eministas e de g)nero, esta &es0uisa tem como
obCetivo geral investigar os elementos 0ue sustentam a homo%obia7
Buscamos, es&eci%icamente, 8a9 identi%icar ideias, crenas e valores 0ue embasam a
homo%obiaz 8b9 conhecer a 0ue ti&os de interdi"es sociais as rela"es entre &essoas :GBT
so submetidasz 8c9 identi%icar institui"es sociais &ensadas como organi!a"es e
mecanismos 0ue regulam e controlam o %uncionamento da sociedade, tais como %amlia,
religio e Jstado 0ue &odem sustentar e serem sustentadas &ela homo%obia e 8d9 re%letir
sobre &ossveis %un"es sociais da homo%obia7
*e modo geral, a 0uesto 0ue orienta este trabalho >3 ;ue elementos sustentam a
omofobia"Para res&onder esta &ergunta, 0uestionamos3
Que ideias, crenas e valores esto associadas 1s rela"es no-heterosse'uais 0ue
as di%erenciam de rela"es heterosse'uaisx
Que &r?ticas no-heterosse'uais so socialmente &ermitidasx Quais so
interditadasx *e 0ue modo tais concess"es e interdi"es so Custi%icadasx
Que institui"es sociais dialogam com a homo%obiax
+omo hi&teses temos 0ue a homo%obia visaria a manuteno dos lugares
socialmente institudos como AnaturaisE &ara os se'os e g)neros, a %amlia heterosse'ual
como norma e, desta %orma, a regularidade do sistema de coer)ncia entre se'o-g)nero-
orientao a%etivo-se'ual e, nesse sentido, a manuteno da ordem social tal como ela se
encontra em um regime de dominao7
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EMBASAMENTO TERICO: PARA PENSAR A OMO!OBIA
?roblemati=ar, questionar as evid%ncias da ci%ncia, esta & tarefadas feministas na academia :ransformar os campos disciplinares,
sacudir os pressupostos ranosos, quebrar os vidros das estufasque fa=em proliferar o preconceito e a normatividade
Tnia 4avarro-Sain 8.//9
#ntes de nos &osicionarmos sobre a conce&o de homo%obia 0ue ser? adotada
neste estudo, > im&rescindvel re%a!er o &ercurso terico-e&istemolgico 0ue &ossibilitou a
com&reenso deste %enmeno7 Jste ca&tulo > dedicado, ento, 1s contribui"es dos
2ovimentos e Jstudos eministas e de G)nero7 Jstes sero tratados no &lural &ois
ocorreram em di%erentes conte'tos sociais e histricos, havendo entre eles in;meras e
di%erentes demandas e reivindica"es7 :onge de traar uma histria ;nica e contnua destes
movimentos, iremos ressaltar mulheres e acontecimentos im&ortantes 0ue os construram7
Mo-im78o !mi7i8+ u+ Co78ri9ui;
$? muito crenas e valores 0ue Custi%icariam a in%erioridade das mulheres so
di%undidos7 ilso%os e cientistas, ao longo do tem&o, com&artilharam seus &ensamentos e
suas verdades &ara embasar tal conce&o7 +on%orme demonstram :ourdes Bandeira e
*eis Si0ueira 8/X9, sob a dualidade %ilos%ica grega entre %eminino e masculino, Plato
classi%icava as mulheres como o obscuro enigma do caos em contra&osio 1 ordem
&r&ria do homem7 Simone de Beauvoir 8/X.9 a&onta 0ue &ara #ristteles as mulheres
eram de%inidas &ela %alta de algumas 0ualidades, assim, so%reriam de um de%eito natural
devendo ser determinadas &elo &rinc&io masculino7 #inda nessa direo, de acordo com
Bandeira e Si0ueira 8/X9, *iderot 8/X/-/XRV9 a%irmava 0ue as mulheres eram
dominadas &or seus ;teros, sendo desta %orma, dominada &or emo"es e &ai'"es7 *a
mesma %orma, +omte 8/XR-/RWX9 acreditava 0ue a inca&acidade das mulheres de &ensar
ao mesmo tem&o em 0ue cuidavam de suas casas advinha da intelig)ncia locali!ada em seu
;tero7
*entre v?rios outros e'em&los de &osicionamentos misginos, como os de Santo
#gostinho, So Tom?s de #0uino e $egel, a conce&o de mulher a&resentada &or
@ousseau, vale ser a&resentada7 Para ele, o ;nico destino &ossvel &ara as mulheres era de
Areinar em seu &r&rio interiorE 8Bandeira y Si0ueira, /X, &7 X97 #ssim as mulheres,sob &ena de serem in%eli!es e consideradas anormais, deveriam abdicar do mundo e'terior
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ao homem7 Im&ortante saber a conce&o de%endida &or @ousseau C? 0ue ele %oi um dos
idelogos da @evoluo rancesa e, > sabido 0ue os resultados dessa @evoluo
&rovocaram mudanas sociais e ideolgicas &ro%undas nas sociedades ocidentais7
4o ano de /XR, os ideais de iberdade, Igualdade e 7raternidadeda @evoluo
rancesa %oram concreti!ados na D&claration des Droits de lK(omme et du 2itoJen
8**$+9 0ue visava e'&or os direitos naturais, sagrados e inalien?veis do homem
8#ssembl>e 4ationale ranaise, /XR97 Poderamos hoCe argumentar, como de costume
nos > dito, 0ue direitos do omemestavam &osto no sentido deser umano Por>m de
modo semelhante 1s an?lises atuais onde esta %orma de linguagem > concebida como uma
das maneiras de invisibili!ar, ou ao menos negligenciar, as mulheres como &artici&antes e
suCeitos da histria lKm&e de Gouges e'&erienciava e estava ciente das conce&"es 0ue
embasaram esta *eclarao7
#ssim, com base na **$+, dois anos mais tarde, lKm&e de Gouges escreve a
D&claration des Droits de la 7emme et de la 2itoJenneonde reivindicava a igualdade de
direitos civis e &oltico &ara mulheres e homens7 +ertamente lKm&e de Gouges estava 1
%rente de seu tem&o C? %alava sobre divrcio, su&resso do casamento religioso e abolio
da escravido de &essoas negras7 Por toda sua atuao, %oi levada 1 guilhotina em /X
8Gouges, /X/97
Jste > a&enas um e'em&lo 0ue demonstra 0ue as eministas e os 2ovimentos
eministas surgiram &ara contestar a &osio im&osta 1s mulheres &or meio de a"es e
movimentos contra a o&resso das mulheres em in;meros momentos da histria7 +on%orme
a%irma Guacira :ouro 8/R9, 0uando nos re%erimos ao %eminismo como movimento social
organi!ado, o situamos no s>culo {I{7 # comear do %inal do s>culo {I{, autoras e
autores dividem os 2ovimentos eministas em tr)s ondas7
#primeira onda, datada do %inal do s>culo {I{, de movimentos contestatrios da
discriminao so%rida &elas mulheres %oi voltada &ara a luta &ela e'tenso do direito aovoto &ara as mulheres, &or isso intitulada de Su%ragismo7 :ouro 8/R9 a&onta 0ue, al>m
do direito ao voto, as mulheres tinham reivindica"es relacionadas 1 o&ortunidade de
estudos, ao acesso a algumas &ro%iss"es e 1 organi!ao %amiliar7 Jstes movimentos %oram
com&ostos, &rinci&almente, &or mulheres brancas e de classe m>dia7
Por volta do incio dos anos /., como indica :ouro 8/R9, ressurgem os
2ovimentos eministas7 a segunda onda, a Nouvelle Hague, 0ue tra!, al>m das
&reocu&a"es de ordem social e &oltica, a atuao das mulheres voltada &ara asconstru"es tericas e &roblemati!a"es do %a!er ci)ncia 8e de seus &ressu&ostos
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androc)ntricos9 e da categoria mulheres7 Jsse momento > muito in%luenciado &elos
trabalhos da %rancesa Simone de Beauvoir e da americana BettK riedman7 #ssim, &assa-se
das discuss"es em 0ue as mulheres so unidas &or seu se'o &ara considerar a categoria
social de mulheres, &or meio do 0ue %oi intitulado de Jstudos de G)nero7
Sob o e%eito das contesta"es tra!idas &ela Nouvelle Hague, dos anos de /., e
embasada &elas discuss"es &s-modernas e &s-estruturalistas, est? a terceira onda dos
2ovimentos eministas7 *e acordo com liveira e #mncio 8..9 os movimentos da
terceira onda vo de encontro com conce&"es essencialistas, di%erencialistas e com car?ter
a&oltico de algumas correntes %eministas7 +riticam, sobretudo, a construo do &roCeto da
ci)ncia moderna &roCeto &oltico-ideolgico 0ue contribui &ara a e'cluso de
determinados gru&os sociais e &"em em 'e0ue a categori!ao das mulheres en0uanto
categoria ontolgica7
Para com&reendermos e analisarmos as caractersticas da segunda e terceira ondas
dos 2ovimentos eministas, em 0ue as &rodu"es tericas ganharam %ora e es&ao,
con%orme dito anteriormente, analisaremos os Jstudos de G)nero em suas di%erentes
&ers&ectivas7
O Go
Ningum nasce Mulher, torna-se Mulher. Simone de Beauvoir e a Mulher como o
Outro
Jm /V, Simone de Beauvoir &ublica o livro intitulado . Segundo Se$o Jste livro
torna-se re%er)ncia e um marco &ara as eministas7 Jm suas &rimeiras &?ginas, Beauvoir
8/X.9 tra! uma s>rie de 0uestionamentos3 . que & uma muler"?or que as muleres no
contestam a soberania do maco" 2omo tudo comeou" ?or que este mundo sempre
pertenceu aos omens e s) oLe as coisas comeam a mudar" +om o intuito de res&onder
tais 0uest"es, Beauvoir investiga os &ensamentos 0ue embasam a conce&o de mulher e omodo como as mulheres %oram sendo estabelecidas como osegundo se$o7
4o 0ue tange 1s di%erenas entre o ser mulher e o ser homem, ela chama ateno
&ara o %ato de 0ue Aum homem no teria a ideia de escrever um livro sobre a situao 0ue
ocu&am os machos na nature!aE 8Beauvoir, /X., &7 9, &ois o ser homem est? &ostoz
%igura como natural7 #s mulheres, &or>m, &ara serem de%inidas necessitam declarar Asou
mulherE7 *iante do in0uestion?vel $omem, 1s mulheres somente coube, de acordo com
Beauvoir 8/X.9, o lugar do utro7 J este utro, e'&lica a autora, no > a&enas um outro,mas um segundo7 Para e'&licar esta relao, Beauvoir %a! uma analogia com os &olos de
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uma &ilha, a%irmando 0ue o homem seria o &ositivo e o neutro, en0uanto a mulher seria o
negativo7 Ser o negativo tra! em si a conce&o de limitao, de %alta, de incom&letude
de modo 0ue determinao e di%erenciao da mulher somente &oderiam acontecer com
relao ao $omem, ao #bsoluto, ao SuCeito7
im&ortante ressaltar, como mostra Beauvoir 8/X.9, 0ue mais uma ve! essas
conce&"es misginas %oram a&resentadas e sustentadas &or intelectuais, %ilso%os,
&olticos e religiosos no decorrer dos s>culos7 4esse sentido, ela contesta os escritos dos
homens sobre as mulheres &or serem estes ditados a&enas &or seus interesses7
*iante de in;meros argumentos 0ue, teoricamente, atestariam a in%erioridade das
mulheres, Beauvoir 8/X.9 investigou, &asso a &asso, as origens dessa hierar0ui!ao7 Para
isso, ela a&resenta os &osicionamentos da Biologia, da Psican?lise e do 2aterialismo
$istrico acerca das mulheres e, em seguida, evidencia a de%inio da mulher como o
utro e as conse0u)ncias do &onto de vista masculino7 #ssim, a &artir da &ers&ectiva das
mulheres, como a%irma Beauvoir, ela descreve o mundo 0ue lhe > &ro&osto e as
di%iculdades en%rentadas ao tentar su&erar o 0ue lhe > im&osto7
oi &ercorrendo o &rocesso de %ormao da mulher das viv)ncias e im&osi"es
desde a in%ncia at> a velhice 0ue Beauvoir 8/X9 vai a%irmar 0ue Aningu>m nasce
mulher, torna-se mulherE 8&7 97 Jsta c>lebre %rase, 0ue ainda hoCe ecoa entre %eministas e
outras mulheres, tra! o 0ue seria a tese da sua obra3 a negao da nature!a, do biolgico a
%avor da construo, ou se &ode di!er, condicionamento do ser mulher7 4esse sentido,
Beauvoir a%irma 0ue Aas condutas F777 no so ditadas 1 mulher &elos seus hormnios nem
&re%iguradas nos com&artimentos de seu c>rebro3 so marcadas &ela sua situaoE 8&7 97
# situao, &ontuada &or Beauvoir 8/X9, re%ere-se ao modo como as mulheres
%oram condicionadas social, histrica e economicamente &ara se tornarem mulheres7
%ato de no &ertencer ao mundo dos $omens, de acordo com a autora, %e! com 0ue as
mulheres %ossem a eles subordinadas7 +ientes de sua in%erioridade, as mulheres teriam sidocriadas &ara a&render, desde cedo, a serem &assivas, no criticar ou e'aminar, mas &ara
obedecer, aceitando, assim, a autoridade masculina7
#&s &ercorrer as diversas %ases e maneiras de ser mulher, &assando &or a0uelas de
certo modo transgrediriam o modelo tradicional da >&oca como a l>sbica, a &rostituta e a
mulher inde&endente Beauvoir 8/X9 conclui 0ue na relao entre macho e %)mea
nenhum destino %isiolgico im&"e eterna hostilidade7 Jla argumenta 0ue, se em um tem&o
&assado a mulher somente visse &ossibilidade de libertao &or meio da destruio dasu&erioridade masculina, na0uele momento a soluo &retendida &ara este &roblema era a
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evaso &ara a &r&ria busca de liberdade7 #ssim, ao inv>s de diminuir o homem, a dita
mulher moderna de Simone de Beauvoir &rocura se inserir no mundo do &ensar, trabalhar,
con0uistar seu es&ao &ara se igualar a eles7
4o entanto, &ara o surgimento dessa nova mulher, Beauvoir 8/X9 &ontua 0ue >
&reciso mais 0ue modi%icao das estruturas econmicas7 &reciso &rinci&almente, 0ue
haCa altera"es de cunho moral, social e cultural 0ue a &ossibilitem emergir7 4esse sentido,
seriam semelhantes %ormas, &ara mulheres e homens, de educao, e'ig)ncias etc &ara 0ue
houvesse a o&ortunidade de serem reconhecidos como iguais7 2ais do 0ue isso &ara
Beauvoir, Areconhecendo-se mutuamente como suCeito, cada um &ermanecer?, entretanto,
um outro&ara o outroz a reci&rocidade de suas rela"es no su&rimir? os milagres 0ue
engendram a diviso, dos seres humanos em duas categorias se&aradasE 8&7 W..97
incontest?vel a im&ortncia dos escritos de Simone de Beauvoir7 +omo mulher,
ela escreve com &ro&riedade sobre as viv)ncias %emininas e torna visveis as e'&eri)ncias
de mulheres 0ue, durante muito tem&o, &ermaneceram ocultadas7 Jla a&resenta os
mecanismos &elos 0uais as &essoas do se'o %eminino, sendo o utro a &artir do homem
como re%er)ncia, tornam-se mulheres7
4a0uele &erodo, a &artir de Beauvoir e outras autoras %eministas, inauguram-se os
#studos das *uleres:ouro 8/R9 relembra 0ue a e'cluso social e &oltica a 0ue as
mulheres %oram historicamente submetidas tiveram conse0u)ncias &ara a 8in9visibilidade
da mulheres en0uanto suCeito e, deste modo, tamb>m como suCeitos da +i)ncia7 4esse
sentido, esses estudos iniciais a&resentaram as descri"es sobre as viv)ncias e trabalho das
mulheres em diversos conte'tos, denunciaram o&ress"es e contestaram caractersticas
di%undidas como sendo naturalmente %emininas7
interessante, como a%irma :ouro 8/R9, 0ue os Jstudos das 2ulheres tiveram o
signi%icativo &a&el de tirar as mulheres das notas de roda&> dos escritos masculinos,
tratadas como e'ceo, &ara coloc?-las como tema central7 :ouro a%irma 0ue, desde ento,uma das mais im&ortantes marcas dos Jstudos eministas se %a! trans&arecer3 o seu car?ter
&oltico7 4a %ala da autora, nos estudos %eministas a AobCetividade e neutralidade,
distanciamento e iseno, 0ue haviam se construdo convencionalmente, em condi"es
indis&ens?veis &ara o %a!er acad)mico, eram &roblemati!ados, subvertidos, transgredidosE
8&7 /97
Jmbora reconhecendo a im&ortncia &oltica de en0uadrar as mulheres em uma
categoria, os Jstudos das 2ulheres %oram contestados &or algumas autoras7 @etomando aobra de Simone de Beauvoir, Berenice Bento 8..9 0uestiona a &ers&ectiva o&osicional (
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V
bin?ria e de car?ter universal utili!ada &ela autora ao inter&retar a subordinao das
mulheres7 Bento a%irma 0ue, a&esar de Beauvoir e%etuar uma desnaturali!ao do ser
mulher, colocando-a como &roduo em conte'to histrico, cuCos &rocessos de
subordinao das mulheres %oram legitimados, ela no as destitui de uma ess)ncia7
*e acordo com Bento 8..9, ao tratar de dois cor&os di%erentes e dois g)neros
di%erentes Beauvoir &arte da conce&o moderna de suCeitos universais, assumindo 0ue
cada gru&o com&artilhe semelhantes caractersticas7 4esse sentido, ao conceber a mulher
8no singular9 en0uanto um utro em relao ao homem(suCeito universal, e ao &artir da
conce&o bin?ria dos g)neros, Beauvoir estaria %i'ando no a&enas o se'o ao cor&o, mas
as identidades %emininas e masculinas7
Joan Scott e a Concep!o "elacional de #$nero
s eminismos, seguindo sua caracterstica de auto-re%le'o, neste &erodo
0uestionavam as categorias de an?lises universais utili!adas nos estudos sobre as mulheres7
assim 0ue, in%luenciadas &ela conce&o %oucaultiana de &oder e &ela &ro&osta
desconstrutivista de *errida, os Jstudos de G)nero entram em cena7 +omo a%irma Berenice
Bento 8..9, esse momento marca a ru&tura terica com conce&"es 0ue locali!avam as
mulheres en0uanto seres de nature!a universalmente subordinada 0ue teria dado origem ao
binmio mulher(vtima - homem(inimigo7
*e acordo com :ouro 8/R9, a &artir dos estudos %eministas, o g)nero %oi
concebido como construo social e histrica &rodu!ida sobre as caractersticas biolgicas7
#ssim, a %im de negar o determinismo biolgico im&lcito em nos discursos baseados nas
di%erenas se'uais, houve a tentativa de a%astar o conceito de g)nero das &ro&osi"es
essencialistas e locali!?-lo como um &rocesso de construo inserido nas rela"es sociais7
nesse sentido 0ue Teresa de :auretis 8/V9 C? havia ressaltado, em /RX, os &erigos de
conceber o g)nero como di%erena se'ual7 *e acordo com esta autora, a )n%ase nadi%erena se'ual entre mulheres e homens &ossui limita"es ao manter o &ensamento
%eminista ancorado aos termos &atriarcais, 0ue se insere no cam&o das o&osi"es
naturali!adas seCa &ela Biologia, 2edicina, :iteratura ou &or 0uest"es legais bem como
no &ossibilitar, ou di%icultar, 0ue o &ensamento crtico %eminista articule as di%erenas
entre mulheres, su&erando, deste modo, as o&osi"es universais7
Jm consonncia com as crticas de :auretis 8/V9, est? a historiadora Loan Scott
0ue se a&resenta como um dos grandes nomes deste modo de &ensar relacional7 Jm seutrabalho 4%nero8 uma categoria Mtil de an'lise ist)rica, &ublicada originalmente em
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/RR, ela vem criticar a domesticao do conceito g)nero e &ro&or uma nova %orma de
utili!?-lo, como categoria analtica7 *e acordo Scott 8/W9, grande &arte dDs
historiadorDs utili!avam um dos dois ti&os de abordagens de g)nero3 essencialmente
descritiva, sem a &retenso de inter&retar ou e'&licar, e outra de nature!a causal, na 0ual
buscavam com&reender o como e o &or0u) dos dados investigados7
Scott 8/W9 critica alguns modos de conceber e estudar o g)nero7 # &rimeira delas
> 0ue o conceito &assou a %igurar nos estudos como sinnimo de mulheres, seria esta uma
%orma de a&resentar-se com conotao mais neutra e obCetiva 0ue mulheres e, assim, um
aCustamento aos moldes cient%icos, &ois se dissociaria do car?ter &oltico %eminista7
g)nero %oi, ainda, utili!ado &ara designar as rela"es sociais entre os se'os, &or>m, &ontua
Scott, 0ue mesmo o su&ondo no mbito das rela"es sociais, esta abordagem no se
ocu&ava de res&onder as ra!"es &elas 0uais essas rela"es eram estabelecidas como so,
nem mesmo como elas %uncionam ou se modi%icam7
nesse es&ao 0ue as re%le'"es %eministas ganham %ora7 Scott 8/W9 a&onta 0ue o
conceito de g)nero surge em um momento em 0ue as %eministas reivindicavam um cam&o
de de%inio &ara evidenciar a inca&acidade de e'&licao das desigualdades e'istentes
entre mulheres e homens nas teorias e'istentes7 4esse &erodo de mudanas
e&istemolgicas, Scott a%irma 0ue as %eministas comeam a alcanar &osicionamento
terico &r&rio e encontram im&ortantes aliadDs &olticDs e acad)micDs como Ds &s-
estruturalistas 0ue criticavam o humanismo e o em&irismo e as humanidades 0ue
e%etuavam crticas 1 +i)ncia7 +omo a%irma Bento 8..9, o instrumental analtico do
g)nero &ermitiria 0ue %osse retirada a a&arente estrutura natural da relao bin?ria e
hier?r0uica das rela"es de g)nero, a &artir do %oco nos &rocessos histricos7
#&ontamentos e crticas &ostas, Scott 8/W9 &ontua 0ue > de suma im&ortncia
re%ormular as %ormas de %a!er &es0uisa e e'aminar m>todos utili!ados, &ois o 0ue
deveramos investigar so os &rocessos inter-relacionados ao g)nero e no suas origens;nicas7 4esse sentido, &or meio do conhecimento dos &rocessos teramos acesso a como os
%atos se &assaram &ara, assim, chegarmos a seus &or0u)s7 Seria a investigao da inter-
relao entre suCeito individual e organi!ao social, C? 0ue esses so im&rescindveis &ara
com&reender o modo como o g)nero %unciona e como se modi%ica7
Scott 8/W9 &ro&"e, ento, 0ue g)nero seria um elemento 0ue constituiria rela"es
sociais baseadas em di%erenas &ercebidas entre os se'os7 Tal de%inio im&licaria 0uatro
elementos inter-relacionados3 /9 smbolos dis&onibili!ados &ela cultura e 0ue evocamre&resenta"es simblicasz 9 conceitos normativos 0ue e'&ressam os signi%icados dos
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smbolos e'&ressos na religio, educao, ci)ncias, &oltica ou direito e 0ue geralmente
tomam %orma de t&ica o&osio bin?riaz 9 0uestionamento 1s no"es rgidas sobre a
nature!a do debate ou da re&resentao 0ue a&arenta ter &erman)ncia intem&oral na
re&resentao bin?riaz V9 a identidade subCetiva investigar de 0ue modo as identidades de
g)nero so substantivamente construdas &ara assim relacionar esse achados com
re&resenta"es sociais es&ec%icas, atividades e organi!a"es7 #ssim, o g)nero deve ser
&ensado 0uanto ao seu e%eito nas rela"es sociais e institucionais7
Scott 8/W9 a%irma, ainda, 0ue o g)nero &ode ser concebido como uma %orma
&rim?ria de signi%icar rela"es de &oder seria ele o cam&o no 0ual e do 0ual > &ossvel
signi%icar as rela"es de &oder7 # autora a%irma 0ue o conceito de g)nero estrutura a
&erce&o e organi!ao simblica de toda vida social, C? 0ue estabelece rela"es de &oder7
g)nero est? im&licado na construo do &r&rio &oder7 #ssim, Scott ressalta 0ue ao se
tratar as o&osi"es entre mulheres e homens como construdas, deve-se 0uestionar 0ue
elementos esto envolvidos 0uando essa o&osio > utili!ada &ara Custi%icar &osi"es, bem
como de 0ue %orma as com&reens"es im&lcitas do g)nero so invocadas e reescritas7 4esse
sentido, como a%irma Tnia 4avarro-Sain 8..9, a categoria g)nero seria, de incio, uma
categoria analtica do social 0ue, &osteriormente, &assou a sustentar as &r?ticas &olticas
dos movimentos das mulheres7
Cor?o S@u+6o S@u+,i6+6
%s &i'erenas Se(uais
4o h? d;vidas 0ue as &ro&osi"es de Loan Scott 8/W9 trou'eram grandes
contribui"es &ara conceber o g)nero &ara al>m das ess)ncias e do car?ter universal, bem
como novas %ormas de &ensar os Jstudos eministas7 4o entanto, algumas autoras tra!em
im&ortantes re%le'"es sobre este trabalho7 Tnia 4avarro-Sain 8..9 &ontua 0ue o
as&ecto relacional do g)nero invisibili!a a construo assim>trica e hier?r0uica dosg)neros, al>m de no 0uestionar e, &or conse0u)ncia, naturali!ar as bases bin?rias em 0ue
esses so &ensados bases essas 0ue da mesma %orma se locali!am como constru"es
sociais7
Bento 8..9 chama a ateno tamb>m &ara a &ro&osta de Scott 8/W9 de estudar o
g)nero ancorado nas di%erenas entre os se'os, o 0ue &oderia estar o retirando e(ou no
considerando a construo histrica dos cor&os se'uados7 #ssim, a &artir do &ressu&osto
das di%erenas se'uais, Scott locali!aria essas di%erenas em nvel &r>-social ( &r>-discursivo, ou seCa, algo &osto no &lano da nature!a e 0ue, &ortanto, no &assaria &ela
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interveno do conte'to social e histrico7 #o 0uestionar este &ressu&osto, Bento ressalta,
ento, 0ue ao &ro&or um conceito a &artir das di%erenas entre os se'os, Scott &oderia
retornar, &or outros caminhos, 1 cristali!ao do binarismo 0ue ela visou desconstruir7
#inda sob essa lgica &roblemati!adora, a terica %eminista 2oni0ue =ittig 8/,
citada &or Nat! 8/9, tamb>m C? havia contestado o car?ter natural das di%erenas
se'uais7 =ittig a%irma 0ue considerar as di%erenas se'uais no cam&o da biologia, da
nature!a, &resume-se 0ue essa distino est? isenta das in%lu)ncias das &r?ticas e
Culgamentos humanos7 4esse sentido, ao &ressu&ormos di%erenas naturais entre os se'os
dei'aremos de indagar suas bases sociais e seus obCetivos em conte'tos histricos e sociais
distintos7 =ittig chama a ateno &ara o modo como a distino entre mulher e homem,
embasada em caractersticas biolgicas &articulares, %a! as di%erenas entre esses &arecer
natural e, assim, incontest?vel, o 0ue e%etiva a manuteno do &oder social dos homens
sobre as mulheres7
nesse sentido 0ue 4avarro-Sain 8.., &7 V9 a&onta 0ue algumas &ers&ectivas
%eministas 0ue trabalham com categoria g)nero &oderiam Aa%irmar e &er&etuar a realidade
0ue criticam, &ois tudo se &assa em um 0uadro bin?rio de &ensamentoz o desvelamento da
construo social das rela"es assim>tricas 0ue Fa categoria g)nero &ossibilita, trabalha
assim, no sentido de re%orar a estrutura &olari!ada da sociedadeE7 @etomando Tere!a de
:auretis 8/V9, > im&rescindvel 0ue imbricao entre g)nero e di%erenas se'uais seCa
des%eita &ara o desenvolvimento de estudos 0ue su&erem as dicotomias7
Oale, a0ui, ressaltar 0ue assim como as rela"es de g)nero e as di%erenas se'uais
encontravam-se ainda sob o &atamar das dicotomias, com a se'ualidade no %oi di%erente7
*e acordo com =ittig 8/, citada &or Nat!, /9, seria a di%erenciao entre os se'os
0ue sustentariam a o&osio entre hetero e homosse'ualidade7 Se as di%erenas se'uais so
a0ui consideradas como naturais, a se'ualidade e as &r?ticas se'uais seguem o mesmo
rumo7 J > nesse sentido 0ue, como a%irma =ittig, o contraste entre heterosse'ualidade ehomosse'ualidade oculta e &resume a cl?ssica o&osio entre homens su&eriores e
mulheres in%eriores socialmente7 Jstamos, &ois, %rente 1 socialmente &resumida coer)ncia
entre se'o-g)nero-orientao a%etivo-se'ual, em 0ue a heterosse'ualidade > &osta como
natural e, assim, > estabelecida como norma7
marco im&licitamente heterosse'ual, calcado sob as di%erenas se'uais, > mais
um dos limites a&ontados &or Bento 8..9, do 0ue ela denomina de &ers&ectiva de g)nero
Arelacional de doisE7 #ssim, Bento a&onta 0ue o heterosse'ismo das teorias %eministas no&ermitiu 0ue as di%erentes %ormas de vivenciar a se'ualidade %ossem &ostas em 0uesto7
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R
Para a an?lise das 0uest"es re%erentes 1s diversidades se'uais seria, ento, necess?rio
desenvolver modos de investigao outros ca&a!es de &roblemati!ar a matri! heterosse'ual
0ue at> ento guiaram as re%le'"es %eministas7 Jra, &ois, &reciso encontrar %ormas de
estudos 0ue estivessem relacionadas ao g)nero, mas inde&endentes dele7
4esse conte'to, os estudos e movimentos %eministas voltam a 0uestionar os &ilares
e categorias de seus &ensamentos7 #s crticas dirigem-se ao g)nero, surgindo a demanda de
ultra&assar os limites im&ostos &or essa categoria7 4avarro-Sain 8..9 sublinha 0ue,
neste momento, l>sbicas, mulheres negras, mulheres vindas de &ases coloni!ados &assam a
denunciar a re&resentao hegemnica dos %eminismos relacionados 1 mulher branca,
heterosse'ual e de classe social %avorecida e, assim, abrem caminho ao m;lti&lo7 nesse
sentido, de acordo com a autora, 0ue essas crticas demandaram e &ro&orcionaram o
desencadeamento de re%ormula"es dos %undamentos e&istemolgicos e dos &ressu&ostos
0ue guiavam a &roduo e atuao %eminista7
Michel )oucault* a Se(ualidade como um dispositivo hist+rico datado
#ntes de seguirmos com as &ro&ostas %eministas, abordaremos as contribui"es de
2ichel oucault &rinci&almente no 0ue se re%ere 1 se'ualidade C? 0ue estas serviram
tanto de base 1s re%le'"es de Loan Scott 8/W9 ao %ormular novas %ormas de conceituar e
analisar o g)nero, 0uanto &ara muitas das contesta"es vindouras7 Seus escritos
&ro&orcionaram novas %ormas de &ensar e 0uestionar os &ressu&ostos sociais e, assim,
trou'eram instrumentos e re%le'"es valorosas &ara as discuss"es e crticas %eministas7
2ichael oucault iniciou sua &roduo terica com o obCetivo &rinci&al de
investigar as condi"es histrico-%ilos%icas da e'ist)ncia das ci)ncias humanas, situando-
as em relao a outros saberes da modernidade7 Jm seguida, na d>cada de/X., o autor
buscou com&letar essa an?lise do saber com uma genealogia do &oder7 Seus trabalhos
&osteriores se concentraram, ainda, no mbito das rela"es entre &oder e
governamentalidade e das &r?ticas de subCetivao7
4este &rimeiro momento, %i'aremos nossa ateno nos 0uestionamentos reali!ados
&or oucault no 0ue di! res&eito 1 (ist)ria da Se$ualidade &ara 0ue &ossamos
com&reender as re%le'"es 0ue o levaram a &ro&or novas %ormas de conceber a se'ualidade
e as rela"es de &oder, bem como nos modos outros de submet)-los 1 investigao7
#o &ensar sobre o %oco dado 1 se'ualidades &or reud e a Psican?lise, oucault
8..V9 0uestiona a contradio e'istente entre a &ro&osio b?sica da Psican?lise do
desconhecimento do suCeito de si mesmo, de seus deseCos e de sua se'ualidade e outro
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%enmeno 0ue ele denomina de su&ersaber sobre a se'ualidade7 Jste su&ersaber seria, nas
&alavras de oucault 8&7 WR9, Aum saber de 0ual0uer %orma e'cessivo, um saber am&liado,
um saber ao mesmo tem&o intenso e e'tenso da se'ualidade, no no &lano individual, mas
no &lano cultural, no &lano social, em %ormas tericas ou sim&li%icadasE7 Jm outras
&alavras, Auma es&>cie de desenvolvimento, de hi&erdesenvolvimento do discurso da
se'ualidade, da teoria da se'ualidade, da ci)ncia sobre a se'ualidade, do saber sobre a
se'ualidadeE7 # in0uietao de oucault &arece circular a intrigante coe'ist)ncia de uma
hi&er&roduo de um saber social, cultural e coletivo acerca da se'ualidade e do
desconhecimento do suCeito de sua se'ualidade7
oucault 8..V9 relata, ento, 0ue as 0uest"es relacionadas 1 se'ualidade na
sociedade ocidental so comumente analisadas em tr)s momentos3 na antiguidade grega e
romana, onde as viv)ncias se'uais seriam livres, no so%rendo 0ual0uer ti&o de re&ressoz
com o advento do cristianismo, 0ue teria im&osto in;meras interdi"es 1 se'ualidadez e
com o surgimento da burguesia, a &artir do s>culo {OI, 0ue a&licaria com mais veem)ncia
a recusa crist da se'ualidade7 4este &rocesso, a&enas no %inal do s>culo {I{ as
conce&"es relativas 1 se'ualidade a&resentariam modi%ica"es a &artir das re%le'"es
tra!idas &or reud7
4o entanto, oucault 8..V9 contesta este es0uema histrico7 # &artir das an?lises
de Paul OeKne sobre a histria romana, oucault argumenta 0ue valores morais 0ue
sustentariam a su&osta re&resso se'ual e'istente nas sociedades ocidentais e 0ue so
atribudos ao cristianismo como a monogamia, a %uno re&rodutiva das &r?ticas se'uais
e a des0uali%icao(demoni!ao do &ra!er se'ual C? estavam &resentes no mundo
romano anteriormente ao +ristianismo7 4esse sentido, o 0ue haveria sido introdu!ido 1s
sociedades &elo &ensamento cristo no seriam os &rinc&ios morais, mas sim novas
t>cnicas e mecanismos de &oder &ara im&or a moral &r>-e'istente7
Por um lado temos um discurso 0ue sustenta %ortemente 0ue o se'o e a se'ualidadeso tratados nas sociedades ocidentais em termos de re&resso, &or outro, neste mesmo
conte'to temos a am&la &roduo dos su&ersaberes e de verdades sobre o se'o7 # &ergunta
0ue se %a! >3 como &odemos %alar em re&resso se ao mesmo tem&o h? uma incitao ao
discurso sobre Fa verdade da se'ualidadex essa contradio 0ue > &osta em an?lise7
4o livro (ist)ria da Se$ualidade8 A Hontade de saber, oucault 8..9 retoma a
burguesia vitoriana &ara tratar da se'ualidade encerrada ( con%iscada, em 0ue o se'o tinha
como %im a re&roduo e as %ormas de se'ualidade no reguladas eram negadas e redu!idasao sil)ncio7 # re&resso teria sido, desde a >&oca cl?ssica, o modo %undamental de ligao
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entre &oder, saber e se'ualidade7 Jis o 0ue oucault denomina de a ip)tese repressiva7
oucault 8..9 &ro&"e, ento, 0ue o discurso sobre a o&resso do se'o > o
res&ons?vel &ela obstinao em %alar do se'o em termos de re&resso7 # a%irmao de uma
se'ualidade dominada com rigor %oi acom&anhada &ela )n%ase de um discurso destinado a
di!er a verdade sobre o se'o7 4esse sentido, a 0uesto 0ue oucault 8&7 /W9 coloca > 0ue
Ano > &or 0ue somos re&rimidos, mas &or 0ue di!emos com tanta &ai'o, com tanto rancor
contra nosso &assado &r'imo, contra nosso &resente e contra ns mesmos, 0ue somos
re&rimidosxE7
s>culo {OII > a&resentado como o incio de uma >&oca de re&resso &r&ria das
sociedades burguesas7 oucault 8..9 a%irma 0ue como &ara dominar o se'o teria sido
necess?rio redu!i-lo 1 linguagem, as &roibi"es se cum&riam nos mutismos, na censura7 #
&artir do s>culo {OIII houve certa %ermentao discursiva, uma incitao institucional a
%alar Fcada ve! mais e obstinao &ara ouvir do se'o7 #s novas t>cnicas de controle dos
discursos sobre o se'o so &ostas com a evoluo da &astoral catlica e do sacramento das
con%iss"es 0ue tiveram uma es&ecial atuao &or meio das e'ig)ncias de se %alar do se'o7
+om a +ontrarre%orma, acelera-se o ritmo da con%isso anual e se atribui mais im&ortncia
1 &enit)ncia a0ui tudo deve ser dito7 nesse sentido 0ue o autor a%irma 0ue Asob a ca&a
de uma linguagem 0ue se tem o cuidado de de&urar de modo a no mencion?-lo
diretamente, o se'o > aambarcado e como 0ue encurralado &or um discurso 0ue &retende
no lhe &ermitir obscuridade nem sossegoE 8oucault, .., &7 97
, ento, 0ue no s>culo {OIII surge a incitao &oltica, econmica e t>cnica &ara
%alar do se'o7 # &artir da necessidade de su&erar moralismos, a &oltica do se'o deve
regul?-lo &or discursos ;teis e &;blicos, no &elo rigor das &roibi"es7 *esse modo, as
tentativas de regulao de&endero de 0uais obCetivos buscam alcanar e, assim, oscilaro
em dire"es natalistas ou antinatalistas7 oucault 8..9 ressalta 0ue &or volta do s>culo
{OIII e {I{ surgem outras atividades &ara suscitar os discursos sobre o se'o3 a 2edicina,a Psi0uiatria e a Lustia Penal7
nesse sentido, 0ue de acordo com oucault 8..V9, em torno do se'o e a
&ro&sito dele %oi construdo um grande a&arelho de &rodu!ir verdades7 Se nas sociedades
orientais, bem como na Gr>cia e @oma antiga, os discursos verdadeiros &rodu!idos
sobre o se'o tinham a %uno de instituir uma arte FArs #rotica 0ue visaria intensi%icar o
&ra!er se'ual &or meio dos rgos e das rela"es se'uais, nas sociedades ocidentais %oi a
Scientia Se$ualis 0ue governou7 # Scientia Se$ualis, ao contr?rio, no di! res&eito aos&ra!eres &ro&orcionados &elo se'o, mas sim 1s verdadessobre a se'ualidade das &essoas7
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#0ui, > interessante &erceber, como &ro&"e oucault 8..9, 0ue o m>todo da
con%isso seria o &rocedimento de ordenao, em %uno de uma %orma de &oder-saber,
&ara a &roduo de verdades sobre o se'o7 Jssa &r?tica de con%isso, 0ue vem desde a
Idade 2>dia, como um dos rituais mais im&ortantes na &roduo de verdades, &ouco a
&ouco &erde sua situao ritual e e'clusiva e &assa a %a!er &arte das mais diversas rela"es
entre indivduos, como se &ode observar nas rela"es entre m>dicD-&aciente, me(&ai-
%ilho, &ro%essor(a-alunD, entre outras7
O)-se, ento, 0ue na tare%a de &roduo de discursos de verdade sobre o se'o, o rito
da con%isso %oi sendo desvinculado do sacramento de &enit)ncia e aCustado 1s regras do
discurso cient%ico7 #ssim, %oi sendo instaurado um com&le'o dis&ositivo 80ue vincula a
&r?tica da con%isso aos m>todos da escuta clnica9 &ara &rodu!ir discursos verdadeiros
sobre o se'o 8oucault, ..97 Seria &or meio desse dis&ositivo 0ue a se'ualidade
a&areceria como verdade sobre o se'o e sobre seus &ra!eres7 nesse sentido 0ue o autor
ressalta 0ue &or meio de dis&ositivos to di%erentes da re&resso dis&ositivos de saber-
&oder e verdade-&ra!er > &ossvel &erceber 0ue a re&resso no > sem&re %undamental e
&resente7 Jle &ro&"e, ento, 0ue o %oco da an?lise da Fdos discursos sobre a se'ualidade
&asse a considerar Aos mecanismos &rodutores de saber, multi&licadores de discurso,
indutores de &ra!er e geradores de &oderE 8&7 R97
# &artir dessa retomada histrica, oucault 8..9 argumenta 0ue a histria das
sociedades ocidentais no mostrava a atuao de um &oder essencialmente re&ressivo7
4esse sentido, ele &ro&"e 0ue &ara dar &rosseguimento as suas an?lises > &reciso ir al>m da
conce&o Curdica do &oder, cuCa base seria a enunciao da lei e, assim, seria
essencialmente re&ressivo, e seguir A&ara uma de%inio do domnio es&ec%ico %ormado
&elas rela"es de &oder e a determinao dos instrumentos 0ue &ermitem analis?-loE 8&7
97 4as &alavras do autor, seria A&ensar, ao mesmo tem&o, o se'o sem a lei e o &oder sem
o reiE 8&7 /./97Jis uma das grandes contribui"es de oucault &ara os estudos de se'ualidade e
g)nero, a &ro&osta de analisar a %ormao de saberes sobre o se'o em termos de &oder, no
em termos de re&resso ou lei7 Jle &ontua 0ue o &oder no > uma instituio ou estrutura,
mas di! res&eito a uma Amulti&licidade de correla"es de %ora imanentes ao domnio onde
se e'ercem e constitutivas de sua organi!aoE 8.., &7 /.97
&oder &erde, ento, seustatusde coisa, de algo &ertencente a um ou a outro, de
algo relacionado 1s institui"es7 Seriam, ao contr?rio, as Aestrat>gias em 0ue se originam ecuCo esboo geral ou cristali!ao institucional toma cor&o nos a&arelhos estatais, na
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%ormulao da lei, nas hegemonias sociaisE 8oucault, .., &7 /.97 Poder seria, &ortanto,
oni&resente &or se &rodu!ir a cada instante em todas as rela"es, &or &rovir de todos os
es&aos7 interessante 0ue oucault &ontua 0ue &or ser um Asu&orte mvel das correla"es
de %orasE 8&7 /.9, &or sua desigualdade, o &oder &ode indu!ir a estados de &oder, 0ue
&oderiam ser tidos &or algumas &essoas como uma es&>cie de materiali!ao do &oder7
Por>m, ele ressalta, tamb>m 0ue ele > sem&re locali!ado e inst?vel7
nesse sentido 0ue oucault 8.., &7 /.V-/.W9 tra! algumas &ro&osi"es sobre o
&oder3
&oder no > algo 0ue se ad0uira, arrebata ou com&artilhe7 Jle se e'erce a
&artir de in;meros &ontos em meio a rela"es desiguais e mveis7
#s rela"es de &oder no se encontram em &osio de e'terioridade comres&eito a outros ti&os de rela"es econmicas, se'uais, etc7 Jlas lhes so
imanentes e &ossuem um &a&el diretamente &rodutor7
4o h?, no &rinc&io das rela"es de &oder, uma o&osio bin?ria e global entre
dominadores e dominados7 #s correla"es de %oras m;lti&las 0ue se %ormam e
atuam nos a&arelhos de &roduo, nas %amlias, nos gru&os restritos e
institui"es, servem de su&orte a am&los e%eitos de clivagem 0ue atravessam o
conCunto do cor&o social7 #s grandes domina"es so e%eitos hegemnicoscontinuamente sustentados &ela intensidade e todos os a%rontamentos7
#s rela"es de &oder so, ao mesmo tem&o, intencionais e no subCetivas7 4o
h? &oder 0ue se e'era sem uma s>rie de miras e obCetivos7
nde h? &oder h? resist)ncia7 *a mesma %orma 0ue a rede das rela"es de &oder
acaba %ormando um tecido es&esso, 0ue atravessa os a&arelhos e as institui"es, sem se
locali!ar e'atamente neles7 Tamb>m a &ulveri!ao dos &ontos de resist)ncia atravessa as
estrati%ica"es sociais e as unidades individuais7
#ssim, a an?lise das 0uest"es sobre a se'ualidade no deveria ser elaborada a &artir
de 0uestionamentos sobre as re&ress"es relacionadas ao se'o, mas sim emergir na
e'austiva &roduo discursiva sobre o se'o, &ara investig?-la no cam&o das rela"es de
&oder, mveis e diversas7
4este conte'to > 0ue oucault 8..9 retira a se'ualidade do cam&o da nature!a,
das ess)ncias e a locali!a como um dis&ositivo histrico 0ue atravessa as rela"es de &oder
seCa entre mulheres e homens, &obre e ricos, Covens e idosos entre outras7 Jm uma
entrevista concedida a #lain Grosrichard, a&s a &ublicao do &rimeiro volume da
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(ist)ria da Se$ualidade, 8oucault, ..a9 ressalta 0ue um dis&ositivo deve ser
com&reendido como um ti&o de %ormao um conCunto heterog)neo 0ue engloba desde
discursos, leis, institui"es, enunciados cient%icos at> organi!a"es ar0uitetnicas,
discursos %ilos%icos e morais 0ue obCetivou res&onder a uma urg)ncia em determinado
momento histrico7
4essa via, o dis&ositivo da se'ualidade, es&eci%icamente, seria uma Agrande rede da
su&er%cie onde a estimulao dos cor&os, a intensi%icao dos &ra!eres, a incitao ao
discurso, a %ormao dos conhecimentos, o re%oro dos controles e das resist)ncias,
encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estrat>gias de saber e &oderE
8oucault, .., &7 //X97 #ssim, este dis&ositivo teria como %uno A&roli%erar, inovar,
ane'ar, inventar, &enetrar nos cor&os de maneira cada ve! mais detalhada e controlar
&o&ula"es de modo cada ve! mais globalE 8&7 //R97
#o chamar a ateno &ara as trans%orma"es dos mecanismos de &oder ocorridas
desde a >&oca cl?ssica, oucault a&onta 0ue o &oder de morte 8na0uele momento e'ercido
&elo soberano 0ue detinha o direito de causar a morte de seu subalterno ou dei'?-lo viver9
&assa a ter um com&lemento de um &oder 0ue se e'erce sobre a vida 0ue e'erce sobre ela
controles &recisos e regula"es em conCunto7
&oder sobre a vida das &essoas e sobre as &r&rias &essoas teria se desenvolvido
&or volta dos s>culos {OIII e {I{ no se centrava na interdio, mas na disci&linari!ao
&ara multi&licao e intensi%icao da &roduo7 +on%orme a%irma oucault 8..9,
estavam centrados, &ois, no cor&o como m?0uina &or meio da utili!ao de
&rocedimentos de &oder disci&linar 8an?tomo&oltica do cor&o humano9, e no cor&o-
es&>cie assegurado &or uma s>rie de interven"es e controles reguladores 8bio&oltica da
&o&ulao97 Inicia-se, assim, &ela Ae'&loso de t>cnicas diversas e numerosas &ara obterem
a suCeio dos cor&os e o controle das &o&ula"esE 8oucault, .., &7 /W9, a era de um
-iopoder7*essa %orma de agenciamentos concretos 0ue constituiro a tecnologia do &oder do
s>culo {I{, o dis&ositivo da se'ualidade ser?, de acordo com oucault 8..9, um Fdos
mais im&ortantes deles7 Jle ressalta 0ue um &oder centrado na vida ter? a necessidade de
mecanismos contnuos, reguladores e corretivos, o 0ue resultaria em uma sociedade
normali!adora7
Por %im, eis o &ano de %undo &ara a com&reenso da im&ortncia assumida &elo
se'o como %oco de dis&uta &oltica7 Jle se situa na articulao entre dois ei'os onde atecnologia &oltica da vida %oi desenvolvidaz como &arte da disci&linari!ao dos cor&os e
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V
&ertencente 1 regulao das &o&ula"es7 *eve-se, assim, oucault 8..9 ressalta, Ano
acreditar 0ue se di!endo sim ao se'o se est? di!endo no ao &oderz ao contr?rio, se est?
seguindo a linha do dis&ositivo geral da se'ualidadeE7 2as com&reender 0ue o Acontra o
dis&ositivo da se'ualidade, o &onto de a&oio do contra-ata0ue no deve ser o se'o-deseCo,
mas os cor&os e os &ra!eresE 8&7 /X/97
# &artir de tais coloca"es > &ossvel com&reender o 0uestionamento inicial de
oucault 8.., &7 RR93 Aescondido, o se'ox Jscamoteado &or v?rios &udores, mantido sob
o al0ueire &elas mornas e'ig)ncias da sociedade burguesax Incandescente, o contr?rio F|
&ois somos %orados a saber a 0uantas anda o se'o, en0uanto ele > sus&eito de saber a
0uantas andamos nsE7 autor, ento, buscou recolocar as 0uest"es relacionadas 1
se'ualidade, retirando-as do cam&o das su&ostas &roibi"es e interdi"es sociais, e
&ontuando os como e &or0u)s este dis&ositivo da se'ualidade %oi construdo
historicamente7
Jsta an?lise genealgica da se'ualidade, o 0ue signi%ica 0ue busca no a origem do
%enmeno, mas, como a%irma oucault 8..b9, escavar at> locali!?-los onde nenhuma
verdade &ode os encobertarz onde seCa &ossvel locali!ar saberes locais, descontnuos, no
legitimados, no inseridos na lgica da ordenao e hierar0ui!ao do conhecimento
cient%ico oucault 8..c9, &ermitem nos uma am&la e di%erenciada com&reenso da
se'ualidade, das verdades &rodu!idas sobre o se'o7
#ssim, &ara oucault 8..9 o estudo sobre a se'ualidade deve ser iluminado &or
meio de 0uestionamentos 0ue visem determinar, em seu %uncionamento, os &or0u)s e o
regime de &oder-saber-&ra!er 0ue sustenta o discurso sobre a se'ualidade humana tal
como Scott 8/W9 com o g)nero7 Trata-se, mais uma ve!, de ter o %oco de an?lise no
&rocesso &ara 0ue, deste modo, descubra-se sobre 0ue %ormas, &or meio de 0ue canais,
atrav>s de 0uais discursos o &oder alcana as condutas individuais7
D0o78ru>o 6+ Cr8+ D8rui>o 6+ E-i6 0ue seCa &ossvel ou mesmo vi?vel tal datao, %orma de &ensar a &roduo doconhecimento, 0ue chama a ateno &ara as descontinuidades da histria e as %issuras das
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W
verdades > a&resentada &or oucault7
#o considerar a verdade como AconCunto de &rocedimentos regulados &ara a
&roduo, a lei, a re&artio, a circulao e o %uncionamento dos enunciadosE, 8oucault,
..c, &7 /V9 a%irma 0ue es%oros devem ser des&endidos no sentido de Adesvincular o
&oder da verdade das %ormas de hegemonia 8sociais, econmicas, culturais9 no interior das
0uais ela %unciona no momentoE7
# &artir das &ro&osi"es e 0uestionamentos levantados &or 2ichel oucault e %rente
1 demanda de novas %ormas de &ensar as 0uest"es de g)nero e se'ualidade, a articulao
entre %eministas e as &ro&ostas &s-estruturalistas se %ortaleceu7 :onge de este ser um &asso
linear e contnuo da histria %eminista ou um consenso entre elas, o %ato > 0ue %eministas e
&s-estruturalistas com&artilhavam algumas crticas7
+omo a&onta Guacira :ouro 8/R9, ambos &roblemati!avam os sistemas globais
de e'&licao social, o modo como so &rodu!idos e divulgados o su&osto saber cient%ico,
a conce&o central e uni%icada de &oder 0ue regeria o todo social entre outros7 4avarro-
Sain 8..9 &ontua tamb>m o car?ter contestatrio e denunciador das su&ostas verdades
essenciais, da e'ist)ncia de um suCeito est?vel e coerente, e'&resso sobretudo em uma
&r?tica se'ual intimamente relacionada ao se'o biolgico7
# noo de dis&ositivo da se'ualidade, tra!ida &or oucault 8..9, %omentou os
0uestionamentos 0ue ganhavam %ora entre %eministas, &es0uisadorDs das 0uest"es g)nero
e dos estudos l>sbicos e gaKs7 # conce&o hegemnica da coer)ncia natural entre se'o-
g)nero-orientao a%etivo-se'ual, &autada na lgica heterosse'ista com seus &a&>is sociais
%emininos e masculinos &r>-estabelecido com base nas di%erenas se'uais, o crescente
discurso acerca de uma su&osta re&resso se'ual, bem como a centralidade das di%erenas
se'uais e dos diversos modos de vivenciar a se'ualidade na de%inio identit?ria dos
indivduos %oram &ostas em an?lise7
*e modo semelhante, a &ro&osta derridariana da desconstruo, como vistoanteriormente, teve es&ao C? nas &ro&osi"es de Loan Scott 0ue buscou desconstruir o
car?ter &ermanente da o&osio bin?ria entre masculino e %eminino, situando-os como
constru"es sociais inseridas em uma rede com&le'a de rela"es7 Por>m, como a%irma
:ouro 8/R9, se a&rendemos a &ensar e a nos situar dentro da lgica dicotmica, no >
&ossvel 0ue esta seCa %acilmente abandonada7
:ouro 8../9 retoma *errida &ara &ontuar o car?ter dicotmico em 0ue o
&ensamento moderno > o&erado7 4a lgica bin?ria de &ensamento h?, de acordo com*errida, a eleio e %i'ao de um suCeito, uma ideia ou uma entidade como central a &artir
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da 0ual ser? de%inida a &osio de outro, seu o&osto e subordinado7 # &ro&osta > 0ue essa
lgica &oderia ser abalada &or meio do &rocesso de desconstruo 0ue desestabili!asse,
revertesse e se&arasse os &ares7
*e acordo com :ouro 8/R9, essa desconstruo se daria &ela &roblemati!ao da
constituio de cada um dos &olos e, a &artir da, seria &ossvel demonstrar 0ue cada um
su&"e o outro, 0ue cada &olo no > uno, mas &lural, 0ue >, internamente, %raturado e
dividido7 # desconstruo nega o 0ue se a&resenta como %i'o ou naturalz trabalha com a
lgica de 0ue essa o&osio e hierar0ui!ao so construdasz e busca os &rocessos e
condi"es de estabelecimento desta &olaridade7 #ssim, Adesconstruir um discurso
im&licaria em minar, escavar, &erturbar e subverter os termos 0ue a%irma e sobre os 0uais o
&r&rio discurso se a%irmaE 8:ouro, ../, &7 WVR97
@etomemos, brevemente, as 0uest"es levantadas anteriormente sobre o tratamento
das 0uest"es %eministas e de g)nero em articulao com as re%le'"es sobre orienta"es e
&r?ticas se'uais7 +itamos um &ossvel heterosse'ismo das teorias %eministas 0ue %oi
contestado &or %eministas lesbianas e &elo, na >&oca, crescente n;mero de estudos l>sbicos
e gaKs7 #ssim, de modo semelhante ao 0ue %oi %eito com relao 1s 0uest"es %eministas, >
im&ortante conte'tuali!ar, a0ui, o desenrolar dos movimentos homosse'uais ( :GBT e dos
0uestionamentos &or eles tra!idos7 Se entre as %eministas o conceito de muler estava
sendo discutido, entre militantes e tericDs :GBT diversas categorias tamb>m %oram
&ostas em an?lise7
&rimeiro &onto a ser &ensado > 0ue a homosse'ualidade e, &ortanto D
homosse'ual, > uma inveno recente, datada do s>culo {I{ 8oucault, ..z :ouro,
../97 0ue antes era tido como uma &r?tica a sodomia 0ue estava relacionada a um ato
&ecaminoso ou indeseC?vel 1 0ual todDs estavam &ro&ensos a sucumbir, neste &erodo
&assa a ser crit>rio &ara de%inio dos suCeitos 8:ouro97
+omo tra!em L;lio Sim"es e @egina acchini 8..9, as teorias biom>dicas dos>culo {I{ relacionaram as m;lti&las %ormas de vivenciar a se'ualidade 1s condi"es
biolgicas e constitui"es cor&orais &ensadas como inatas e imut?veis7 4esse sentido,
envolto em discuss"es sobre sua normalidade(anormalidade e in%erioridade, estava a
&essoa homosse'ual 0ue, de modo geral, con%iguraria um ti&o es&ec%ico de constituio
cor&oral com caractersticas &sicolgicas singulares7
4o incio da d>cada de /X., essas 0uest"es ainda rondavam a homosse'ualidade7
:ouro 8../9 a&onta 0ue neste &erodo os movimentos de organi!ao de gru&oshomosse'uais ainda eram tmidos e 0uase restritos 1 invisibilidade7 *e acordo com a
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autora, com o tem&o a homosse'ualidade &assa a ganhar visibilidade &or meio de revistas,
teatro, artigos em Cornal, &rinci&almente nos Jstados Unidos e Inglaterra7 4o Brasil, surge
em /XW o 2ovimento de :iberao $omosse'ual no Brasil 0ue, com a &artici&ao de
intelectuais, artistas e outras &ersonalidades tra!em 0uestionamentos &olticos %eministas,
raciais e se'uais &ara o seio do movimento7
debate, de acordo com :ouro 8../9, se move, ento, &ara o 0uestionamento da
universalidade e uni%ormidade cristali!ada com 0ue era considerada a homosse'ualidade
&odemos ressaltar a &ossvel in%lu)ncia dos @elatrios NinseK&ara essas contesta"es no
0ue tange 1 visibili!ao, a &artir de dados re%erentes ao continuumde &r?ticas se'uais 0ue
variava entre e'clusivamente heterosse'ual a e'clusivamente homosse'ual, da elevada
%re0u)ncia de relacionamentos se'uais, nem sem&re e'clusivos, entre &essoas do mesmo
se'o 8Sena, ..X97
#ssim como os 0uestionamentos da universalidade, a heterosse'ualidade normativa
> tamb>m combatida e a interseco entre Fhomose'ualidade e raa, classe, nacionalidade
> &osta em evid)ncia7 :ouro 8../9 a%irma 0ue as reivindica"es homosse'uais, a &artir
das crticas dDs militantes, seguiram dois caminhos3 o da0uelDs 0ue se voltaram &ara a
integrao social, embasada &ela conce&o da &ossibilidade de construo do uma
sociedade diversa, &odendo mesmo ser andrginaz e de outrDs 0ue lutavam &ela se&arao
social radical ao em&reendida &rinci&almente &elas %eministas l>sbicas7 interessante
notar a consonncia entre os debates %eministas da >&oca e os tra!idos &elo movimento,
re&resentando, como C? e'&licitado, a articulao entre esses acontecimentos &aralelos e
retroalimentados7
utro %ato im&ortante 0ue viria marcar as a"es dos 2ovimentos $omosse'uais
%oram os &rotestos de Stoneall, iniciados no dia R de Lunho de /7 4este dia, na
cidade de 4ova Ior0ue, o bar Stoneall Inn %oi ameaado de interdio &ela &olcia7
4a0uele momento os %re0uentadores, maioria homosse'uais, reagiram com &edras,garra%as, atearam %ogo em carros, entre outras a"es7 Jste evento re&resentou a luta de
&essoas :GBT contra as diversas %ormas de o&resso so%ridas e, assim, teve %orte im&acto
no 2ovimento marcando a emerg)ncia do 4aJ ?oOer e sendo at> hoCe a data 0ue
re&resenta mundialmente o ADia do .rgulo 4aJ e &sbicoE, como a&ontam Sim"es e
acchini 8..97
e&isdio de Stoneall no re&resentou a&enas um dia de luta, mas im&ulsionou
tamb>m mobili!a"es &olticas im&ortantes &ara o 2ovimento $omosse'ual7 Stoneall
#l%red NinseK reali!ou &es0uisas sobre os com&ortamentos se'uais de homens e mulheres, entre os anosde /R e /W, com mais de // mil &essoas7
7/21/2019 Dissertao "Se fosse normal, Deus teria criado Ado e Ivo"A homofobia e a produo e regulao sexo:gnero
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R
trou'e a conce&o de 0ue homosse'uais assumidos e unidos teriam mais condi"es e
%oras &ara lutar contra as o&ress"es 0ue Ds limitavam7 4esse conte'to, :ouro 8../9
indica 0ue aos &oucos a noo de comunidade homosse'ual %oi sendo constituda e o
&ertencimento a essa comunidade estava condicionado ao %ato de assumir a
homosse'ualidade, a Asair do arm?rioE7 #ssim, l>sbicas e gaKs &assaram a assumir e
a%irmar uma identidade homosse'ual e lutar &ela igualdade de direitos na ordem social C?
estabelecida7
, ento, neste &erodo 0ue surge a e&idemia de $IO e #I*S e renova e agrava o
&reconceito e discriminao contra as &essoas :GBT7 +abe lembrar 0ue os &rimeiros casos
de $IO e #I*S %oram diagnosticados, nos Jstados Unidos, entre homens homosse'uais7
Jste %ato %e! com a #I*S %osse vista como uma Adoena gaKE e tamb>m &assasse a ser
concebida como um castigo sob essa &o&ulao7 +omo a%irma Sim"es e acchini 8..9,
mesmo a&s a descoberta de 0ue o vrus era transmitido atrav>s da troca de %ludos
cor&orais entre &essoas inde&endente de sua orientao a%etivo-se'ual a doena ainda
se mantinha relacionada 1 homosse'ualidade, reascendendo, assim, a associao
homosse'ualidade e doena7
advento do $IO e #I*S al>m de reavivar os &reconceitos e discrimina"es
contra a &o&ulao :GBT trou'e novas &autas &aras as discuss"es &olticas sobre a
se'ualidade7 *e acordo com Sim"es e acchini 8..9, &r?ticas relacionadas ao se'o
como uso de &reservativo, se'o anal e oral comearam a ser aberta e am&lamente, bem
como a &resena das &r?ticas homosse'uais &assou a ser vista no e'terior da &o&ulao
homosse'ual7
Sim"es e acchini 8..9 salientam 0ue nesse nterim os con%litos e rearticula"es
do movimento 0ue giravam em torno da Averdadeira homosse'ualidadeE ou,
sim&lesmente, de uma identidade homosse'ual7 +orroborando este argumento, :ouro
8../9 e'&licita 0ue &or meio dessa &oltica de identidade homosse'ual, a &artir dos anos/X., l>sbicas e gaKs recebem visibilidade, &or>m crticas e tens"es internas surgiam ao ser
colocado em 'e0ue a am&litude alcanada &or esse movimento identit?rio7 4este momento,
as 0uest"es raciais, >tnicas, de se'o, g)nero e de classe &erturbavam o movimento, al>m do
%ato de bisse'uais, travestis e transe'uais a%irmarem 0ue essa &oltica identit?ria Ds
mantinham e'cludDs7 0ue estava sendo contestado, como &ontua :ouro, era se a
conce&o de uma identidade homosse'ual uni%icada servia de base &ara tal &oltica de
identidade7#ssim, %ica e'&lcita a diversidade e'istente no interior o movimento dito
7/21/2019 Dissertao "Se fosse normal, Deus teria criado Ado e Ivo"A homofobia e a produo e regulao sexo:gnero
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homosse'ual7 +omo a%irma :ouro 8../9 en0uanto alguns gru&os lutavam &or
reconhecimento, legitimao e incluso em uma &ers&ectiva igualit?ria, outros desa%iavam
as barreiras tradicionais do g)nero e da se'ualidade e &roblemati!avam as dicotomias de
mulher(homem, homo(heterosse'ual, %eminino(masculino e alguns ainda reivindicavam o
direito de no serem estabelecidos &or &armetros dicotmicos, mas sim viver as
ambiguidades %ronteirias7
4este momento, l>sbicas, gaKs, bisse'uais, transe'uais, travestis, transg)neros e
interse'os &assam a valori!ar a marginalidade 1s normas, &erturbar e negar as normas e
hierar0ui!a"es 0ue as delimita"es &elo se'o biolgico, &elas identidades se'uais e de
g)nero e &elas orienta"es se'uais im&"em7 Jsses, como &ontuam Sim"es e acchini
8.., &7 W9, contribuem &ara Are&or ambiguidades, ambival)ncias e &assagens, no lugar
de de%ini"es, %ronteiras e gavetas re%erentes a cor&os, deseCos e com&ortamentosE7 #ssim,
o movimento homosse'ual de l>sbicas e gaKs &assa a ser &lural, se volta &ara a discusso
no a&enas a se'ualidade e as orienta"es se'uais, e &assa a contestar as normas de g)nero
e, de modo geral, a reivindicar liberdade7 2ovimento $omosse'ual se torna, ento, o
2ovimento :GBT7
neste conte'to histrico de diverg)ncias e 0uestionamentos entre militantes
:GBT e %eministas e estudiosDs 0ue, a &artir das &ro&ostas de oucault e *errida, ou mais
am&lamente, como a&onta 2is um termo &eCorativo dirigido &ara &essoas :GBT ou, sim&lesmente, &ara a0uelas 0ue
esca&em 1s normas de se'o e g)nero7 4o entanto, em um momento em 0ue os movimentos
%eministas e homosse'uais estavam divididos como bem &ontua :ouro 8../9, entre a
busca de incluso em termos de igualdade, de contestao as dicotomias mulher(homem,
%eminino(masculino, homo(heterosse'ual ou na busca do direito de &ermanecer nas%ronteiras dessas categorias uma vertente de tericDs e dos movimentos homosse'uais
tra! este termo negativo &ara a%irmar o car?ter o&ositor e contestador de sua &ers&ectiva7
+omo a%irma :ouro, queer &assa a signi%icar um &osicionamento contr?rio 1s
normali!a"es7
*e acordo com 2issbicos e gaKs,
tendo os estudos de oucault sobre a se'ualidade como &onto de &artida, %oram articulados
de modo a organi!ar o 0ue hoCe > conhecido como :eoria ;ueer7 Jve Sedgic< > uma das&rinci&ais autoras 0ue contriburam &ara a %ormao do arcabouo terico da teoria queer7
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V.
Jssa autora, em seu estudo -etOeen *en C #nglis iterature and *ale (omosocial
Desire 8/RW, citada &or 2is construda como norma e estabelecida como
natural7 Trata-se do 0ue > denominado de heteronormatividade7 *e acordo com 2is uma das im&ortantes contribui"es dos estudos
queer, retirar da heterosse'ualidade seu car?ter de normalidade &ara locali!?-la como
construo histrico-social7 #o retir?-la do mbito da nature!a, e locali!?-la como norma,
evidencia-se o &adro com&ulsrio com 0ue a heterosse'ualidade %oi e > estabelecida em
nossa sociedade3 como sendo o caminho legtimo &ara as &essoas serem reconhecidas
como suCeitos de direitos e integrarem as &rinci&ais institui"es sociais7
4o %oi a&enas 1 heteronormatividade 0ue Ds tericos queer direcionaram suas
crticas7 :ouro 8../9 a&onta a&ro'ima"es entre essDs, embora muitas diverg)ncias
&ossam ser encontradas, tais como3 utili!ar a desconstruo como m>todo de crtica social
e liter?riaz esca&ar de modelos sociais e &olticos &ragm?ticos &ositivistas &or meio de
estrat>gias desconstrutivas e descentradorasz e contestar conhecimentos e hierar0uias
sociais dominantes &or meio da &erce&o do social como um te'to &assvel de crticas e
inter&reta"es7
utra &ro&osio interessante %oi acrescentada &or Jve Sedgic< 8..X9, em seu
im&ortante trabalho AA #pistemologia do Arm'rio # autora &ontua 0ue as discuss"esacerca da homosse'ualidade %oram, desde o s>culo {I{, relacionadas 1s dades
segredo(revelao e &rivado(&;blico7 #ssim, o Aarm?rioE, no 0ual &essoas &oderiam se
manter reservadas e do 0ual &oderiam esca&ar, &assa a ser um &otente regulador de cor&os
e condutas7 +omo diria a autora, Ao arm?rio > a estrutura de%inidora da o&resso gaK no
s>culo {{E 8&7 97 4esse sentido, Sedgic< combate as &ro&osi"es %eitas a &artir de
Stoneall de 0ue a Asada do arm?rioE daria %oras ao movimento e 1s &essoas
homosse'uais e salienta 0ue essa condio a 0ual a %igura do arm?rio submete as &essoas> &roblem?tica &or %i'ar de modo o&ressivo certa caracteri!ao dD homosse'ual
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V/
caracteri!ao 0ue atinge e ameaa as estruturas se'uais, de g)nero e econmicas da
cultura heterosse'ista7 nesse sentido, como oucault 8..9 havia a&ontado 0ue
Sedgic< a%irma 0ue a se'ualidade 0ue antes era ato se'ual &assa a ser conduta e, assim,
de%inidor de identidades est?veis7
#s identidades %i'as e imut?veis continuam a ser criticadas, no boCo da teoria queer,
&ela terica %eminista Ludith Butler7 sobre os Aproblemas de g%nero C feminismo e
subverso da identidade, ttulo de seu livro, 0ue Butler inicia Fa0ui sua contribuio7
Se(o, #$nero e Se(ualidade* a desestaili/a!o da coer$ncia por Judith Butler
4os moldes desconstrutivistas 0ue guiavam as re%le'"es %eministas, alimentadas
&elas &ro&osi"es %oucaultianas e &rinci&almente no conte'to de discuss"es &s-modernas
e &s-estruturalistas, o nome de Ludith Butler chama ateno &ara &roblemati!a"es ainda
mais desestabili!adoras7
Para e'&licar e contestar as categorias %undacionais de se'o, g)nero e deseCo, Butler
8..9 se &ro&"e a %a!er u