Post on 14-Nov-2015
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Parte
1
FUNDAMENTOS CIENTFICOS
Princpios fundamentais da
terapia cognitiva
PAULO KNAPP
1
O que perturba o ser humano no so os fatos, mas
a interpretao que ele faz dos fatos.
Epitectus Sculo I
Neste captulo abordaremos os princ-
pios tericos e prticos essenciais da tera-
pia cognitiva (TC), os fundamentos da con-
ceitualizao cognitiva, a incorporao dos
princpios cognitivos na estrutura da sesso
e a utilizao adequada dos mtodos de in-
terveno; terminaremos relacionando al-
guns mitos e concepes equivocados acerca
da terapia cognitiva.
O modelo que iremos adotar neste ca-
ptulo o de Aaron Beck, um psiquiatra com
formao psicanaltica tradicional que desen-
volveu e cunhou o termo terapia cognitiva
no incio dos anos 1960, na Filadlfia, onde
ainda trabalha. As idias e os conceitos aqui
apresentados derivam de textos encontrados
na literatura de autores como Aaron e Judith
Beck, Leahy, Dobson, Neenan e Dryden, Free-
man e vrios outros. Apesar da tentativa de
ser fiel aos textos originais, neste captulo
muitas vezes transparece uma forma indivi-
dual e especfica de pensar e agir no proces-
so teraputico, advinda da prtica clnica do
autor.
Terapia cognitivo-comportamental um
termo genrico que abrange uma variedade
de mais de 20 abordagens dentro do mode-
lo cognitivo e cognitivo-comportamental
(Mahoney e Lyddon, 1988). Os primeiros es-
critos importantes e as primeiras abordagens
cognitivo-comportamentais para o tratamen-
to dos transtornos emocionais comearam a
surgir nos anos 1960 e 1970 com autorescomo Aaron Beck (1963,1967; Beck et
al.,1979), Albert Ellis (1962), Lazarus (1966),
Meichenbaum (1973) e Mahoney (1974), en-
tre outros.
Todas as terapias cognitivo-comporta-
mentais derivam de um modelo cognitivo pro-
totpico e compartilham alguns pressupostos
bsicos, mesmo quando apresentam diferen-
tes abordagens conceituais e estratgicas nos
diversos transtornos. Trs proposies funda-
mentais definem as caractersticas que esto
no ncleo das terapias cognitivo-comporta-
mentais (Dobson, 2001):
1. A atividade cognitiva influencia o compor-
tamento.
2. A atividade cognitiva pode ser monitora-
da e alterada.
3. O comportamento desejado pode ser in-
fluenciado mediante a mudana cogni-
tiva.
O desenvolvimento da terapia cogniti-
va se deu em um momento histrico em que
as abordagens dominantes eram a psicanli-
se, o behaviorismo e, em menor escala, o hu-
20 Paulo Knapp & colaboradores
manismo (Dobson, Backs-Dermott, Dozois,
2000). Algumas caractersticas diferenciam a
escola cognitiva e seu mtodo teraputico.
Contrariamente escola psicanaltica, por
exemplo, o material trazido consulta no
interpretado pelo terapeuta, mas elaborado
em conjunto com o paciente num trabalho
de identificar, examinar e corrigir as distor-
es do pensamento que causam sofrimen-
to emocional ao indivduo. A TC focaliza seu
trabalho em identificar e corrigir padres de
pensamento conscientes e inconscientes
(que no esto imediatamente acessveis
conscincia). O levantamento das possveis
hipteses de por que as coisas na vida do
paciente so como so e a testagem empri-
ca quanto acurcia e/ou validade de cada
uma dessas hipteses fazem parte do pro-
cesso teraputico. Diferente do comporta-
mentalismo, que enfatiza o determinismo
ambiental, a TC prope que a testagem da rea-
lidade seja dirigida ao pensamento do pacien-
te, e no a seu comportamento encoberto.
A abordagem beckiana, originalmente
desenvolvida para o tratamento da depres-
so unipolar (Beck, 1967), aplicada hoje em
uma grande variedade de transtornos e po-
pulaes, incluindo transtornos de ansieda-
de (Beck, Emery, Greenberg, 1985; Clark,
1989; Salkovskis e Kirk, 1989), dependnci-
as qumicas (Beck et al., 1993), transtornos
da personalidade (Beck et al., 1990), trans-
tornos alimentares (Fairburn, 1997), transtor-
no bipolar (Basco e Rush, 1996; Newman et
al., 2002), casais (Dattilio e Padesky, 1990) e
famlias (Dattilio, 1998), crianas e adoles-
centes (Reinecke, Dattilio, Freeman, 1996),
entre outros.
PRINCPIOS TERICOS
O modelo cognitivo de psicopatologia
A terapia cognitiva baseia-se na premissa de
que a inter-relao entre cognio, emoo ecomportamento est implicada no funciona-mento normal do ser humano e, em espe-
cial, na psicopatologia. Um evento comum
do nosso cotidiano pode gerar diferentes
formas de sentir e agir em diferentes pes-
soas, mas no o evento em si que gera as
emoes e os comportamentos, mas sim o
que ns pensamos sobre o evento; nossas
emoes e comportamentos esto influen-
ciados pelo que pensamos. Ns sentimos o
que pensamos (Burns, 1989). Os eventos ati-
vam os pensamentos, os quais geram, como
conseqncia, as emoes e os comporta-
mentos. Segundo Beck (1976), quando o in-
divduo capaz de preencher o espao fal-
tante entre um evento ativador e as conse-
qncias emocionais e comportamentais, en-
to suas reaes se tornam compreensveis.
Exemplificando, se um fbico social interpre-
ta uma situao qualquer (um evento social,
digamos) como uma possvel ameaa (no
saberei o que falar e serei humilhado), con-
seqentemente ir sentir emoes (ansieda-
de, medo) e ter um comportamento (esca-
par do evento), alm de possveis reaes fsi-
cas, como aumento dos batimentos cardacos.
Na Figura1.1, apresentaremos o modelo
cognitivo de forma esquemtica.
Outra premissa tem como base a obser-
vao de que as distores do pensamento,
isto , as distores cognitivas, so bastanteprevalentes em diferentes transtornos. Dis-
tores cognitivas so vieses sistemticos na
forma como indivduos interpretam suas ex-
perincias. Se a situao avaliada erronea-
mente, essas distores podem amplificar o
impacto das percepes falhas. As distores
cognitivas podem levar o indivduo a conclu-
ses equivocadas mesmo quando sua percep-
o da situao est acurada. O objetivo da
terapia cognitiva corrigir as distores do
pensamento.
Mas a TC no um modelo linear em que
as situaes ativam pensamentos, que geram
uma conseqncia com resposta emocional,
comportamental e fsica. H uma interao re-cproca de pensamentos, sentimentos, compor-tamentos, fisiologia e ambiente. reconheci-
do que as emoes podem influenciar os pro-
cessos cognitivos e que os comportamentos
tambm podem influenciar a avaliao de uma
situao pela modificao da prpria situao
Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 21
ou por evocar respostas de outras pessoas
(Freeman et al., 1990).A mudana em qualquer um desses com-
ponentes pode iniciar modificaes nos de-
mais. Usualmente, o trabalho da TC inicia com
a avaliao e modificao dos pensamentos,
porque a alterao destes pode gerar um im-
pacto em todos os outros componentes; po-
rm, h situaes, como na depresso severa,
em que a primeira abordagem a ativao com-
portamental, ficando o trabalho cognitivo para
mais adiante no processo teraputico.
O processamento de informaes, tantoconsciente quanto inconsciente, refere-se
transformao, governada por regras, das re-
presentaes mentais. Fundamentada no mo-
delo de processamento de informaes, a abor-
dagem beckiana prope que, nos problemas
psicolgicos, o pensamento do indivduo tor-
na-se no somente mais distorcido, como tam-
bm mais rgido; os julgamentos tornam-se ab-
solutos e generalizados; e suas crenas funda-
mentais, mais inflexveis (Weishaar, 1993). Por
conseguinte, um dos trabalhos bsicos da TC
no s ensinar o paciente a identificar, exa-
minar e modificar as distores do pensamen-
to para retomar um processamento de infor-
maes mais preciso, mas torn-lo mais flex-
vel e no-absoluto na avaliao dos eventos
(Neenan e Dryden, 2000).Na hiptese da especificidade de contedo,
Beck e colaboradores (1987) propem que os
transtornos emocionais tm um contedo cog-
nitivo especfico, ou seja, uma temtica pr-
pria de cada transtorno. Por exemplo, a tem-
tica em torno da desvalorizao e da perda se-
ria prpria da depresso; perigo e ameaa se-
riam a temtica encontrada na ansiedade; pe-
rigos especficos situacionais, nas fobias; intru-
so de pensamentos involuntria e ameaado-
ra, na parania; e assim por diante (Quadro 1.1).
O interjogo de vrios fatores genticos,
ambientais, culturais, fsicos, familiares, de
desenvolvimento e personalidade predispe
o indivduo vulnerabilidade cognitiva. As inte-raes e interfaces de todos esses fatores en-
tram em jogo na formao das crenas e dos
pressupostos idiossincrticos de si mesmo,
das pessoas e do mundo, determinando quais
eventos de vida iro acionar reaes mal-adap-
tativas.
Beck e colaboradores (1987) descreveram
dois tipos de personalidade a do tipo sociotr-pico e a do tipo autnomo que so influencia-das de formas diferentes no surgimento dos
transtornos emocionais. A orientao de per-
FIGURA 1.1 Modelo cog-nitivo.
Crenas nucleares
Pressupostos subjacentes
Pensamentosautomticos
Situao Reaes
Emocional
Comportamental
Fsica
22 Paulo Knapp & colaboradores
sonalidade sociotrpica valoriza relaes inter-
pessoais ntimas e dependente de gratifica-
es sociais, com nfase em ser aceito e ama-
do pelos outros. J a orientao de personali-
dade autnoma reflete um alto investimento
em independncia pessoal, obtendo sua satis-
fao na liberdade de escolha, conquistas e
aquisio pessoal (Blackburn e Twaddle, 1996).
Um indivduo com boa sade mental re-
fletiria uma combinao equilibrada dos dois
tipos de personalidade, pois tanto os altamen-
te sociotrpicos quanto os exageradamente
autnomos tm maior vulnerabilidade para
problemas emocionais, por razes diferentes.
As pessoas sociotrpicas esto mais propen-
sas a desenvolver depresso, por exemplo,
quando percebem uma perda na interao so-
cial; j o indivduo autnomo pode ficar depri-
mido numa situao de perda de independn-
cia pessoal, controle ou mobilidade (Beck et
al., 1987).
Beck tambm sugere que h um continuumentre as reaes emocionais/comportamentais
normais e as exageradas encontradas nos
transtornos emocionais (Weishaar, 1993). Rea-
es emocionais normais e exageradas foram
classificadas por Beck e colaboradores (1979),
respectivamente, em pensamento maduro (fle-
xvel) e pensamento primitivo (absoluto). Ex-
plicar ao paciente o continuum das reaes cog-nitivo-emotivo-comportamentais aos eventos
da vida ajud-lo a normalizar o que ele sen-
te (Padesky e Greenberger, 1995).
A estrutura organizacional do pensamento
A TC identifica e trabalha trs nveis de cogni-
o (Figura 1.2): pensamentos automticos (PA),
pressupostos subjacentes e crenas nucleares.
Todos ns temos crenas, pressupostos e PA
tanto positivos quanto negativos, mas normal-
mente, quando falamos nesses conceitos, es-
tamos nos referindo aos disfuncionais.
Crenas nucleares
Crenas nucleares (core beliefs) so as nossasidias e conceitos mais enraizados e fundamen-
tais acerca de ns mesmos, das pessoas e do
mundo. As crenas so incondicionais, isto ,independente da situao que se apresente ao
indivduo, ele ir pensar do mesmo modo con-
soante com suas crenas.
As crenas nucleares vo se construindo
e formando desde as experincias de aprendi-
zado mais primevas e se fortalecem ao longo
da vida, moldando a percepo e a interpreta-
o dos eventos, modelando o nosso jeito psi-
colgico de ser. No caso de no haver aes
QUADRO 1.1 Perfil cognitivo dos transtornospsiquitricos
Depresso Viso negativa de si, dos outros edo futuro.
Hipomania ou episdios manacos Viso infla-da de si, dos outros e do futuro.
Comportamento suicida Desesperana e con-ceito autodesqualificador.
Ansiedade generalizada Medo de perigos fsi-cos ou psicolgicos.
Fobia Medo de perigos em situaes especfi-cas, evitveis.
Pnico Medo de um perigo fsico ou mental imi-nente.
Estado paranide Viso dos outros como ma-nipuladores e mal-intencionados.
Transtorno conversivo Idia de anormalidademotora ou sensria.
Transtorno obsessivo-compulsivo Pensamentoscontinuados sobre segurana; atos repetitivospara precaver-se de ameaas.
Anorexia ou bulimia Medo de ser gordo e no-atraente.
Hipocondria Preocupao com doena insi-diosa.
FIGURA 1.2 Nveis de cognio.
Pensamentos automticos
Crenas subjacentes(Pressupostos e regras)
Crenas nucleares(Esquemas)
Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 23
corretivas das crenas nucleares disfuncionais,
o indivduo ir cristaliz-las como verdades ab-
solutas e imutveis. Para alcanar mudanas du-
radouras na psicopatologia do indivduo, as
crenas nucleares disfuncionais devem ser
modificadas; e este o objetivo ltimo da te-
rapia cognitiva.
Judith Beck (1995) props que as crenas
nucleares disfuncionais podem ser colocadas
em dois grandes agrupamentos, expandidos
agora para trs. A seguir, alguns exemplos:
1. Crenas nucleares de desamparo (Helpless-ness):Crenas sobre ser impotente, frgil, vul-
nervel, carente, desamparado, necessi-
tado.2. Crenas nucleares de desamor (Unlovability):
Crenas sobre ser indesejvel, incapaz de
ser gostado, incapaz de ser amado, sem
atrativos, imperfeito, rejeitado, abando-
nado, sozinho.
3. Crenas nucleares de desvalor (Unworthiness)Crenas sobre ser incapaz, incompeten-
te, inadequado, ineficiente, falho, defei-
tuoso, enganador, fracassado, sem valor.
Os indivduos tambm tm crenas nu-
cleares disfuncionais acerca dos outros (p. ex.,
as pessoas so ms, desleais, traioeiras, s
querem se aproveitar, tirar vantagens, etc.) e a
respeito do mundo (p. ex., o mundo injusto,
ameaador, perigoso, etc.) (J. Beck, 1995). As
crenas nucleares so mais abstratas e gerais,
constituindo um nvel mais aprofundado de re-
presentao dos pensamentos.
As crenas nucleares disfuncionais so
absolutistas, generalizadas e cristalizadas; po-
dem permanecer latentes todo o tempo, sen-
do ativadas nos transtornos emocionais. Com
a ativao, o processamento de informao
torna-se tendencioso, no sentido de extrair da
realidade apenas as informaes que confir-
mam a crena disfuncional, negligenciando ou
minimizando as informaes que possam des-
confirmar as evidncias contrrias. Uma vez
passado o desequilbrio emocional pela cor-
reo das crenas disfuncionais ou pela supres-
so dos fatores precipitantes (p. ex., o indiv-
duo que fora despedido do emprego foi convi-
dado para trabalhar em outra empresa) , as
crenas podem retornar ao seu estado de la-
tncia e somente ressurgir quando e se ocor-
rerem situaes semelhantes no futuro. Nos
traos e transtornos da personalidade, no en-
tanto, os indivduos tm suas crenas disfun-
cionais ativadas na maior parte do tempo.
Esquemas
Na literatura, os conceitos de crenas nuclea-
res e esquemas com freqncia so usados
indistintamente, mas aqui, pelo propsito cl-
nico, optaremos pela diferenciao: esque-
mas so estruturas, crenas so o contedo
dos esquemas.
A idia de esquema foi introduzida por
Bartlett h cerca de 80 anos, expandida por
Piaget nos anos 1930 e usada extensivamen-
te pela psicologia cognitiva e social nos anos
1970 (Leahy, 1997). Beck (1964, 1967) utili-
zou no apenas o termo esquema, mas tam-
bm o conceito que fora desenvolvido, defi-
nindo:
Esquemas so
estruturas internas de relativa durabilida-
de que armazenam aspectos genricos ou
prototpicos de estmulos, idias ou ex-
perincias, e tambm organizam informa-
es novas para que tenham significado,
determinando como os fenmenos so
percebidos e conceitualizados.
Esquemas so estruturas cognitivas com
contedos (crenas). Como estruturas men-
tais que
contm armazenadas as representaes
de significados, esquemas so fundamen-
tais para orientar a seleo, codificao,
organizao, armazenamento e recupera-
o de informaes de dentro do aparato
cognitivo. Alm do mais, esquemas tm
uma estrutura interna consistente que
ordena novas informaes que entram no
sistema cognitivo. (Williams, 1997)
24 Paulo Knapp & colaboradores
Portanto, o contedo dos esquemas so
as representaes internas (crenas) abstradas
dos dados recebidos do sistema de processa-
mento de informaes, que provem a base
para a interpretao das experincias de vida.
O esquema d experincia sua forma e signi-
ficado e tambm prov a estabilidade (estru-
tura) dos sistemas cognitivo, afetivo e compor-
tamental ao longo do tempo e dos eventos
(Clark, Beck, Alford, 1999).
Correlacionados com os esquemas cogniti-
vos, temos os esquemas afetivo, fisiolgico, com-
portamental e motivacional, os quais correspon-
dem a diferentes funes ou aspectos do siste-
ma biopsicossocial do organismo e tambm es-
to em constante operao na estrutura mental
do indivduo (Beck, 1996; Beck et al., 1990; Cla-
rk, Beck, Alford, 1999). Alm do contedo, os
esquemas tm uma variedade de propriedades
ou caractersticas: carga (valncia afetiva) maior
ou menor, tamanho (mais amplo ou mais estrei-
to), flexibilidade ou rigidez. Portanto, temos es-
quemas com contedos acerca de todas as coi-
sas, nossas e das outras pessoas, de todas as
emoes (apaixonar-se bom ou, ao contr-
rio, paixo traz sofrimento), da realidade fsica
(gosto quando faz frio ou detesto frio), de
cadeiras e sapatos, de comidas e viagens (adoro
conhecer lugares exticos ou em viagem no
gosto de passar trabalho), enfim, de tudo. Des-
critos de forma simples, esquemas so padres
ordenadores da experincia que ajudam os indi-
vduos a explic-la, mediar sua percepo e guiar
suas respostas (Young, Klosko, Weishaar, 2003).
A arquitetura dos esquemas faz o indivduo ser
como .
Young, Klosko e Weishaar (2003) desen-
volveram o conceito de esquemas primitivos mal-adaptativos, definidos como
um padro abrangente e pervasivo, com-
posto de cognies, emoes, memrias e
sensaes corporais, em relao a si mes-
mo ou na relao com os outros, desenvol-
vido durante a infncia ou adolescncia,
elaborado ao longo do curso da vida, e dis-
funcional em um grau significativo.
Segundo os autores, esquemas mal-adap-
tativos so:
1. Verdades a priori acerca de si mesmo e/ou do ambiente.
2. Resistentes mudana, pois h uma cren-
a associada de que impeditivo mudar.
3. Ligados a altos nveis de afeto, quando
ativados.
4. Freqentemente desencadeados por algu-
ma mudana ambiental, como perda de
um emprego ou o fim de um relaciona-
mento.
5. Geralmente resultantes de uma interao
do temperamento inato da criana com
experincias de desenvolvimento disfun-
cionais com pessoas significativas.
6. Autoperpetuveis.
Os esquemas primitivos mal-adaptativos
perpetuam-se por trs formas principais
(Young, Klosko, Weishaar, 2003):
Manuteno do esquema: pensar e se com-portar de maneiras que reforam o esque-
ma. Acontece nos casos de profecia au-
toconfirmatria: a pessoa tem um esque-
ma relacionado com, digamos, ser aban-
donada; acaba agindo de uma forma que
provoca os outros a abandonarem-na,
confirmando, assim, sua profecia de que
seria abandonada.
Evitao do esquema: procurar maneiras deevitar a ativao dos esquemas e o sofri-
mento associado. Exemplo: com o esque-
ma de ser vulnervel, o indivduo tenta
manter controle obsessivo sobre as coisas.
Compensao do esquema: agir aparentemen-te de forma a contradizer o esquema. Exem-
plo: com o esquema de ser inadequado (e,
portanto, incapaz de ser amado), o indiv-
duo acaba se relacionando com muitas mu-
lheres (mas com nenhuma integralmente).
Pressupostos subjacentes
So construes cognitivas disfuncionais, sub-
jacentes aos pensamentos automticos. So
regras, padres, normas, premissas e atitudes
que adotamos e que guiam a nossa conduta.
Pressupostos subjacentes tambm chamados
Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 25
pressupostos condicionais, crenas subjacen-
tes ou crenas intermedirias (J. Beck, 1995)
so transituacionais, encontram-se presentes eminmeras, se no em todas, situaes existenciais.
Os pressupostos so crenas normalmente
identificadas quando na forma condicional (Se...,
ento...). Essas crenas pressupem que, desde
que determinadas regras, normas e atitudes se-
jam cumpridas (p. ex., Se eu fizer o que os ou-
tros esperam, ento iro gostar de mim), no
haver problemas, e o indivduo se mantm rela-
tivamente estvel e produtivo (Fennell, 1997). No
entanto, se, por alguma circunstncia (p. ex., per-
da de emprego), os pressupostos (p. ex., Devo
sempre sacrificar-me pelo bem-estar dos outros)
no esto sendo cumpridos, o indivduo torna-
se vulnervel ao transtorno emocional quando
as crenas nucleares negativas (p. ex., Sou um
fracassado, incapaz de ser amado) so ativadas.
As regras so usualmente expressas na
forma de afirmaes do tipo tenho que,
devo: Tenho que ser perfeito em tudo o
que fao; No devo me mostrar como sou,
pois vero que sou incompetente. Embora
o indivduo construa e mantenha os pressu-
postos subjacentes como tentativa de lidar
com suas crenas nucleares disfuncionais,
eles as acabam confirmando e reforando.
Estratgias de enfrentamento ou estratgiascompensatrias (J. Beck, 1995) so os compor-tamentos que o indivduo utiliza na tentativade lidar com suas crenas. Esses comportamen-
tos de enfrentamento tm correlao direta
com as regras e os pressupostos disfuncionais
e tambm acabam por reforar ainda mais as
crenas. Os pressupostos condicionais mode-
lam a relao entre as estratgias comporta-
mentais e as crenas nucleares.
Para exemplificar, podemos imaginar que
um indivduo fbico social com a crena nuclear
Sou incapaz de ser amado tem o pressuposto
muito perigoso interagir com as pessoas, pois
elas no iro gostar de mim e a regra Para no
ter problemas, eu no devo interagir com as pes-
soas. Sua provvel estratgia de enfrentamento
ser no se expor a alguma situao em que a
interao social seja necessria. Falando com a
terminologia cognitiva, o paciente diria algo
como: Se eu me engajar em minha estratgia
compensatria, estarei bem; se no, minha cren-
a nuclear ficar evidente ou se mostrar verda-
deira. Portanto, se eu me afastar dos outros, eles
ficaro longe e no tentaro me fazer mal, caso
contrrio, eles iro me machucar.
Pensamentos automticos
A todos ns ocorrem milhares de pensamen-
tos diariamente, a grande maioria dos quais
no percebida conscientemente, pois acon-
tece de forma rpida, involuntria e automti-
ca (da o nome). Pensamentos automticos que
so exagerados, distorcidos, equivocados, irre-
alistas ou disfuncionais tm um papel importan-
te na psicopatologia, porque moldam tanto as
emoes como as aes do indivduo em respos-
ta aos eventos da vida. A modificao de PA me-
lhora o humor do paciente, j a modificao
da crena nuclear melhora o transtorno.
Pensamentos automticos so situao-especficos, podendo ser ativados por even-tos externos (por exemplo, estar esperando
um telefonema) ou eventos internos (por
exemplo, lembrar-se de algo). PA so as cog-
nies mais fceis de acessar e modificar,
porm podem no ocorrer em forma de pen-
samento, mas em forma de imagens. Quan-
do o paciente encontra dificuldades de iden-
tificar seus PA, a forma de evoc-los por
aquilo que pode estar imaginando (isto ,
pensando em imagens); por exemplo, um in-
divduo, ao ser convidado para dar uma pa-
lestra, tem a imagem de estar encolhido num
canto, com o rosto vermelho, enquanto toda
a platia est rindo de alguma bobagem que
ele imagina ter falado na palestra.
Em relao validade e utilidade dos pen-
samentos automticos, eles podem ser de trs
tipos (J. Beck, 1995):
1. Distorcidos, ocorrendo apesar das evidn-
cias em contrrio.
Ex.: Se me separar, nunca mais serei feliz.
2. Acurados, mas com a concluso distorcida.
Ex.: Meu filho no me telefonou at ago-
ra, deve estar incomodado comigo.
3. Acurados, mas totalmente disfuncionais.
26 Paulo Knapp & colaboradores
Ex.: Com esta leso articular, a vida per-
deu a graa, pois nunca mais poderei jo-
gar tnis.
PRINCPIOS PRTICOS
Afeto, comportamento, pensamento
Embora a TC seja fortemente identificada com
intervenes desenhadas para modificar pensa-
mentos, essa apenas uma de muitas formas de
interveno. Se as emoes no forem trabalha-
das, o tratamento cognitivo pode tornar-se ape-
nas uma troca intelectual, o que no teria senti-
do teraputico. Sem a presena do afeto, a rees-
truturao cognitiva do paciente no acontece.
Alm disso, temos que considerar que os padres
de comportamento tambm retroalimentam a
disfuno emocional e cognitiva e, portanto, tam-
bm precisam ser trabalhados. O fbico social,
por exemplo, cada vez que utiliza o comporta-
mento de fuga de situaes sociais (interpreta-
das equivocadamente como ameaadoras sua
integridade moral), retroalimenta sua convico
distorcida (No passei vergonha porque sa an-
tes que algo acontecesse) e cultiva o alvio das
emoes, o qual provocado pelo escape das
situaes temidas. Toda vez que o indivduo foge
de uma situao temida (para aliviar suas emo-
es), o temor quela situao aumenta.
Pensamentos automticos, pressupostos
subjacentes, crenas nucleares e o impacto do
humor na cognio combinam-se para configu-
rar um ciclo autoperpetuador observvel em to-
dos os transtornos. Como foi dito, um indivduo
pode ter crenas disfuncionais que o predispem
para a psicopatologia mesmo sem ter algum efei-
to perceptvel, at que surge uma situao rele-
vante que ativa essas crenas. Estas, por sua vez,
ativam os PA, evocando um humor correspon-
dente, cuja natureza depende deles. Esse humor,
ento, leva o indivduo a tendenciar as mem-
rias de tal forma que ele experiencia mais PA dis-
funcionais, intensificando seu humor disfuncio-
nal. Com a intensificao do humor, aumenta a
tendncia a recordaes e percepes distorci-
das, num ciclo autoperpetuador (Freeman et al.,
1990). Na depresso, por exemplo, o paciente v
a si mesmo, as pessoas sua volta e o futuro de
uma forma distorcidamente negativa, o que, por
sua vez, o faz recordar viciadamente apenas as
vivncias que corroboram seu estado de humor
depressivo, mantendo e magnificando sua sinto-
matologia depressiva.
Se os PA disfuncionais foram evocados por
eventos externos ou internos negativos, ou se
o humor foi desencadeado por mudanas bio-
qumicas, no importa, o mesmo ciclo estar
presente. De qualquer forma, independente do
ponto onde o ciclo comeou, a cognio tem
papel importante e o foco fundamental para
a interveno.
A viso cognitiva de psicopatologia, que
inclui o modelo de interaes entre cognio,
humor e comportamento, sugere uma varie-
dade de possveis pontos de interveno, en-
volvendo aquelas desenhadas para a modifica-
o do afeto, para alcanar mudana compor-
tamental, bem como intervenes focadas pri-
mariamente em cognies. Comumente, o ob-
jetivo inicial da TC ser quebrar o ciclo que
perpetua e amplifica os problemas do indiv-
duo. Isso pode ser feito por meio de tcnicas
para a modificao dos PA, para a melhora no
seu humor, para a eliminao do impacto da
tendenciosidade no humor (trabalhando suas
QUADRO 1.2 Caractersticas dos pensamentosautomticos
Coexistem com o fluxo de pensamentos mani-festos
Aparecem espontaneamente, e no como re-sultado de reflexo ou vontade
So, usualmente, aceitos como verdadeiros,sem avaliao crtica
Se no monitorados, passam completamentedespercebidos; a emoo associada mais fre-qentemente reconhecida
Esto associados com emoes especficas,consoante seu contedo e significado
So, usualmente, breves, rpidos e fugazes, deforma telegrfica
Podem ocorrer em forma verbal ou como ima-gens
Pode-se aprender a identificar pensamentosautomticos
Pode-se avali-los quanto sua validade e/ouutilidade
Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 27
memrias e percepes) ou para a modifica-
o dos comportamentos do paciente. Uma
combinao dessas intervenes pode quebrar
o ciclo que perpetua os problemas e, assim,
aliviar os sintomas mais imediatos do paciente.
No entanto, se o terapeuta trabalhar ape-
nas as cognies no nvel mais superficial (PA), o
paciente pode correr o risco de uma recada quan-
do experienciar eventos similares aos que preci-
pitaram o episdio em curso. Para adquirir resul-
tados duradouros, tambm importante modi-
ficar as crenas e os pressupostos que o pre-
dispem aos problemas e ajud-lo a planejar
estratgias eficazes para lidar com situaes
futuras que podem precipitar uma recada.
Conceitualizao cognitiva
a formulao do caso, embasada na con-
cepo cognitiva dos transtornos emocionais
do paciente. O foco primrio so os fatores
cognitivo-comportamentais que mantm as
dificuldades emocionais, as crenas, os pres-
supostos, as vulnerabilidades da personali-
dade, os traumas e as amplas experincias
de vida que predispuseram o indivduo a vi-
venciar seus problemas atuais. Passado e pre-
sente interagem na produo do quadro cl-
nico idiossincrtico dos problemas em cur-
so (Neenan e Dryden, 2000).
A conceitualizao cognitiva a habilida-
de clnica mais importante que o terapeuta
cognitivo precisa dominar, pois, para um pla-
nejamento adequado e eficaz da terapia, um
bom entendimento das distores cognitivas
e dos conseqentes comportamentos mal-
adaptativos do paciente crucial (Persons,
1989). Sem o entendimento cognitivo do pa-
ciente, todo o tratamento ser apenas a apli-
cao de um punhado de tcnicas cognitivas e
comportamentais com um resultado pobre,
quando no ineficaz (Knapp e Rocha, 2003).
Portanto, o objetivo principal da formu-
lao cognitiva melhorar o resultado do tra-
tamento, auxiliando o terapeuta e o paciente
na obteno de uma concepo mais ampla e
profunda dos mecanismos cognitivos e com-
portamentais do paciente, em vez de simples-
mente v-lo como uma coleo de sintomas e
diagnsticos psiquitricos (Persons, 1989).
Alm disso, auxilia o terapeuta na escolha das
intervenes teraputicas e das tarefas a serem
realizadas. E mais, refora o entendimento e o
trabalho produtivo da prpria relao teraputi-
ca, bem como ajuda a entender e lidar com po-
tenciais problemas e fracassos do tratamento.
Para uma boa concepo cognitiva do
caso, o terapeuta deve questionar e investigar
no seu paciente diversos aspectos (Quadro 1.4).
Aps mapear esses primeiros aspectos, o
terapeuta levanta hipteses sobre como o pacien-
QUADRO 1.3 Terapia cognitiva
O paciente aprende a: Identificar e modificar sua forma distorcida de
pensar Identificar e modificar as emoes que esses
pensamentos provocam Identificar e modificar os comportamentos que
so tomados como conseqncia desses pen-samentos e emoes
Utilizar formas alternativas, mais funcionais, depensar e se comportar diante das situaes
Reestruturar crenas nucleares Solucionar problemas Construir estratgias de enfrentamento Construir habilidades necessrias ao enfrenta-
mento Prevenir a recada
QUADRO 1.4 Aspectos da conceitualizao cognitiva
1. O diagnstico clnico2. Os problemas atuais e os fatores estressores
precipitantes que contriburam para seus pro-blemas psicolgicos ou interferiram em suahabilidade para resolv-los
3. As aprendizagens e experincias antigas quecontribuem para seus problemas atuais
4. As predisposies genticas e familiares5. Seus pensamentos automticos6. Suas crenas subjacentes (incluindo atitudes,
expectativas, regras e pressupostos)7. Suas crenas nucleares8. Os mecanismos cognitivos, afetivos e compor-
tamentais que ele desenvolveu para enfren-tar suas crenas disfuncionais
9. Como ele percebe a si mesmo, os outros e omundo
28 Paulo Knapp & colaboradores
te desenvolveu o transtorno que o motivou a
buscar tratamento (J. Beck, 1995). O terapeuta
inicia a construo da conceitualizao cognitiva
desde seu primeiro contato com o paciente e
continua complementando esse processo at a
ltima sesso. Ele deve ir formulando o caso
mentalmente (pensar cognitivamente o pacien-
te) desde a primeira entrevista at o final, na
preparao para o trmino do tratamento, num
processo continuado de concepo do caso.
Como foi dito, a conceitualizao uma hipte-
se de trabalho, no a verdade absoluta; portan-
to, medida que aparecem novos dados, tera-
peuta e paciente colaborativamente modificam
e refinam sua formulao, confirmando algumas
hipteses e abandonando outras.
Nesse processo continuado de conceituali-
zao, no incio do tratamento o terapeuta diri-
ge mais a tarefa, enquanto o paciente ainda est
aprendendo a se perceber cognitivamente. Mais
adiante, quando novos dados importantes vo
sendo descobertos e a concepo cognitiva vai-
se refinando, ento o paciente tem participao
fundamental. Como em qualquer outra interven-
o teraputica produzida no modelo da abor-
dagem colaborativa, quando da construo e
apresentao da conceitualizao cognitiva, o
terapeuta deve estar aberto ao fato de que suas
hipteses conceptuais esto sujeitas modifica-
o e rejeio pelo paciente.
Um sinal importante de que a concei-
tualizao do caso necessita ser revisada o
resultado pobre do tratamento, sendo uma
indicao de que a dupla teraputica pode
estar trabalhando com hipteses equivoca-
das (Persons,1989). Alis, na TC, quaisquer
possveis erros do terapeuta, em qualquer
ponto de todo o processo teraputico, po-
dem e devem ser sempre admitidos aberta-
mente, o que s ajudar a reforar a relao
teraputica. A solicitao peridica de feed-back do paciente como rotina no tratamentofacilita que estas avaliaes crticas e neces-
srias correes de rumo sejam efetuadas o
mais precocemente possvel.
Dada a abrangncia de intervenes pos-
sveis e a complexidade dos casos clnicos, a
TC mais eficaz quando o terapeuta pensa
estrategicamente cada caso especfico e as in-
tervenes correspondentes. Esse processo
envolve formular a equao cognitiva especfi-
ca do indivduo, que ser a fundao do plano
teraputico e a base para selecionar os alvos
de interveno mais produtivos e as interven-
es tcnicas mais apropriadas. O terapeuta
cognitivo busca sempre o desenvolvimento de
uma estratgia de tratamento individualizado
para cada caso, tendo como base o entendi-
mento cognitivo do paciente.
A configurao afetivo-cognitivo-compor-
tamental do paciente pode ser resumida no
Diagrama de Conceitualizao Cognitiva, se-
gundo o modelo de Judith Beck (1995) e Leahy
(1996) (ver Figura 1.3).
Mtodos teraputicos
Embora o modelo cognitivo utilize uma am-
pla variedade de intervenes, muitas das
quais desenvolvidas por clnicos e pesquisa-
dores de outras orientaes teraputicas, a
TC no uma abordagem ecltica, nem um
punhado de tcnicas usadas aleatoriamente.
O processo teraputico est embebido em
vrios mtodos teraputicos prprios da
abordagem cognitiva. Alguns princpios da
prtica clnica so fundamentais, como os se-
guintes.
Empirismo colaborativo
Na TC, terapeuta e paciente trabalham em con-
junto no empreendimento teraputico, como
uma equipe de trabalho. O terapeuta tem um
papel ativo e diretivo no tratamento, da mes-
ma forma que o paciente, que se envolve de
forma pr-ativa no processo de soluo de pro-
blemas. Ambos buscam empiricamente, por
meio de experimentos, as evidncias necess-
rias para confirmar ou refutar as hipteses
levantadas colaborativamente. Para Beck e
colaboradores (1979), terapeuta e paciente
trabalham como dois cientistas, levantando
hipteses e testando empiricamente cada
uma delas.
Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 29
DIAGRAMA DE CONCEITUALIZAO COGNITIVA
Nome: ___________________________________ Terapeuta: _______________________ Data: __________
Diagnsticos: Eixo I __________________________________ Eixo II _________________________________
FIGURA 1.3 Diagrama de conceitualizao cognitiva. (Adaptado de Leahy, 2002; e J. Beck, 1997.)
DADOS RELEVANTES DA HISTRIA
CRENAS NUCLEARES PESSOAIS CRENAS NUCLEARES SOBRE OS OUTROS
PENSAMENTOS AUTOMTICOS
PRESSUPOSTOS E REGRAS
ESTRATGIAS COMPENSATRIAS
30 Paulo Knapp & colaboradores
Esse modelo pretende ser mais efetivo
na consecuo das mudanas, e no apenas
um estilo passivo e no-diretivo de interven-
o, prprio de outras escolas psicoterpi-
cas. Porm, para que a dupla teraputica tra-
balhe afinada, uma boa relao entre tera-
peuta e paciente de fundamental impor-
tncia. Como em todas as escolas teraputi-
cas, o objetivo primeiro estabelecer uma
fundao slida para a relao teraputica,
e isso depende de uma srie de fatores, tais
como empatia, interesse, confiana, genui-
nidade e outras variveis no-especficas.
Pelo trabalho colaborativo que o terapeuta
desenvolve desde o incio do tratamento, ele
tambm constri ativamente a relao tera-
putica, em vez de esperar que ela se desen-
volva ao longo do tempo. A prpria relao
teraputica pode e deve ser usada como la-
boratrio para construir experimentos visan-
do a modificao interpessoal, pois um ex-
celente veculo de mudanas. Alm disso, e
como conseqncia, a ocorrncia de resis-
tncia fica minimizada.
Desde o primeiro contato com o pacien-
te at a elaborao da lista de problemas e
metas de tratamento, preparao da agen-
da, prescrio das tarefas, feitura dos resu-
mos da sesso, enfim, em todo o processo
teraputico perpassa o conceito de um tra-
balho colaborativo. Alguns mtodos para a
melhora do empirismo colaborativo esto no
Quadro 1.5.
Descoberta guiada e questionamento socrtico
Na TC, o terapeuta no prov as solues
nem persuade o paciente da incorreo dos
pensamentos. Em vez de qualquer debate ou
confronto direto para desfazer as cognies
distorcidas (como usual na terapia racio-
nal-emotivo-comportamental de Ellis), na TC
o terapeuta vai guiando o paciente para a
descoberta. Por meio de simples questiona-
mentos perguntas com respostas abertas,
como era o mtodo de ensino do filsofo
Scrates , o terapeuta vai orientando o pa-
ciente de forma que ele entenda seu proble-
ma, explore possveis solues e desenvolva
um plano para lidar com as dificuldades. Beck
e colaboradores (1979) afirmam: A maior
premissa na TC conversar sobre os dados
objetivos, e no convencer o paciente atra-
vs da fora dos argumentos.
Exemplos de questionamento socrtico:
Durante a sesso, a paciente diz Sinto
que no sou uma boa me, pois gritei com meu
filho quando ele no estava se comportando
bem. Escolhendo uma ou mais das formula-
es seguintes, o terapeuta pode questionar a
paciente socraticamente, a fim de gui-la
descoberta de evidncias que comprovem se
esta afirmao verdadeira ou no:
O que mesmo ser uma boa me? Des-
sas caractersticas, enumeradas por voc,
do que ser uma boa me, quais voc
possui?
Quem voc considera uma boa me? Por
que [essa pessoa] considerada uma boa
me?
O que uma boa me faz aps ter gritado
com o filho e se sentido mal com isso?
O que voc acha que estava sentindo
antes de gritar com seu filho? O que voc
acha que estava pensando antes de gritar
com seu filho?
As habilidades que uma pessoa necessi-
ta para ser uma boa me j nascem com
QUADRO 1.5 Empirismo colaborativo
Trabalhar conjuntamente, como uma equipeinvestigativa
Promover variveis essenciais e no-especfi-cas do terapeuta (p.ex., empatia, gentileza,genuinidade, atitude otimista)
Ajustar nvel de atividade teraputica consoantea gravidade da doena e fase do tratamento
Adaptar individualmente as intervenes tera-puticas
Estimular no paciente o automonitoramento ea auto-eficcia
Desenvolver estratgias para lidar com perdase dficits reais
Reconhecer e manejar a transferncia e con-tratransferncia
Solicitar e oferecer feedback regularmente Utilizar humor gentil
Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 31
ela, ou a pessoa pode aprender a ser uma
boa me?
A seguir, exemplos de questionamento
no-socrtico, na mesma situao:
E da se voc grita com seus filhos? Todo
mundo faz isso.
Por que voc est sendo to dura consi-
go mesma?
Seus pais nunca gritaram com voc?
A descoberta guiada maximiza o envolvi-
mento do paciente nas sesses e no processo
teraputico e minimiza a possibilidade de o
terapeuta impor suas prprias idias e concei-
tos. Alm disso, essa formulao socrtica tor-
na possvel ao paciente aprender o mtodo de
entendimento e soluo de seus problemas,
equipando-se com as habilidades necessrias
para lidar com problemas no futuro.
Com o aumento, por parte do paciente,
das habilidades de soluo de problemas, o
terapeuta fica cada vez menos ativo em guiar
o tratamento. Um bom tratamento prov que
o paciente possa ser seu prprio terapeuta. Isso
acontece com o processo colaborativo da des-
coberta guiada, em que o paciente sai da posi-
o passiva e adota uma postura pr-ativa.
Lista de problemas e metas do tratamento
Para que trabalhem colaborativamente de
forma efetiva, necessrio que terapeuta e
paciente concordem em relao s metas de
tratamento. Assim, concomitantemente
avaliao inicial e formulao de uma primei-
ra conceitualizao cognitiva, o profissional
trabalha com seu paciente para especificar
as metas para a terapia e a prioridade de cada
uma delas. Esses objetivos incluem listar cada
um dos problemas que o paciente espera
superar e as mudanas positivas que quer
fazer prosperar. Problemas podem ser vistos
como desafios.
A lista de problemas deve ser a mais ob-
jetiva e clara possvel. Grandes problemas de-
vem ser divididos em partes menores. Cada
um deles precisa ser explicitado de forma es-
pecfica, de tal maneira que objetivos vagos
e abstratos, como Quero ser feliz com a
minha mulher, sejam detalhados objetiva-
mente at que o paciente possa formular um
plano concreto do que significa ser feliz
para ele. Uma lista bem objetiva de proble-
mas torna muito mais fcil a seleo de in-
tervenes mais adequadas e permite, tam-
bm, que se possa monitorar, a qualquer
momento, os progressos do tratamento.
Uma vez que as metas estejam claras,
necessrio que a dupla teraputica decida
quais delas focalizar primeiro. A priorizao
das metas deve levar em considerao vrios
fatores, entre os quais as preferncias do
paciente sobre que problemas trabalhar pri-
meiro, a conceitualizao cognitiva do caso,
os problemas que parecem ser mais pass-
veis de responder s primeiras intervenes
e quaisquer consideraes de ordem prtica
que possam ser relevantes. H considervel
vantagem em trabalhar inicialmente um pro-
blema que parea ser bem manejvel, mes-
mo que no seja o problema mais importan-
te do paciente (Freeman et al., 1990). Se for
possvel demonstrar o progresso num obje-
tivo previamente determinado, o paciente se
sentir motivado, aumentando as chances de
um engajamento ainda maior na busca de
solues de seus problemas mais difceis.
QUADRO 1.6 Questionamento socrtico
Questionamento sistemtico, orientado para adescoberta
Estimula exame, ponderao, avaliao e sn-tese de diversas fontes de informao
O objetivo a avaliao independente e racio-nal dos problemas e de suas solues (racioc-nio autnomo)
utilizado para trazer informaes conscin-cia do paciente (insight)
No corrige respostas, pois no h "certo" ou"errado"
Se realizado corretamente, tem forte impactosobre a organizao cognitiva do paciente
Toma tempo e requer pacincia Ensina o paciente sobre "como aprender a
aprender" Converte o sofrimento psquico do paciente em
auto-explorao inquisitiva Progride do questionamento orientado para o
insight para um questionamento orientado paraa mudana
32 Paulo Knapp & colaboradores
Familiarizao com o modelo cognitivo
Uma das primeiras intervenes usadas na TC
ensinar o paciente a identificar os pensamentos
automticos que ocorrem em situaes proble-
mticas, a reconhecer os efeitos que eles produ-
zem em suas emoes e comportamentos e a
responder de forma eficaz a esses pensamentos
que causam dificuldade. Os pensamentos nega-
tivos, autodepreciativos, exagerados e errneos
so parte habitual da vida do paciente; aparecem
e voltam a aparecer constantemente sem que o
paciente tenha cincia de sua presena e da rela-
o deles com o seu problema.
Embora a apresentao do modelo cogniti-
vo possa ser feita como uma explicao didtica
ao paciente, geralmente mais fcil e mais efi-
caz usar a descoberta guiada e basear a explica-
o dos pensamentos, sentimentos, comporta-
mentos e suas correlaes em uma situao vi-
venciada pelo paciente. Quando este no tem
uma clara memria de seus pensamentos e sen-
timentos em uma situao qualquer, possvel
usar os pensamentos e sentimentos que ele est
tendo durante a sesso, ou que teve quando es-
tava na sala de espera, antes da sesso.
Quando necessria uma explanao mais
didtica, a melhor opo usar exemplos de si-
tuaes presenciadas pelo terapeuta durante a
sesso. Como no exemplo seguinte (Freeman et
al., 1990), em que o terapeuta pode afirmar:
Ns temos milhares de pensamentos dia-
riamente, muitos dos quais passam total-
mente despercebidos, porque no esta-
mos conscientes deles. Constantemente
interpretamos e avaliamos as situaes
que ocorrem conosco. Quando as pessoas
tm problemas, algumas vezes porque
elas interpretam os eventos inadequada-
mente e, em conseqncia, reagem de
uma forma inadequada. Outras vezes, a
pessoa enxerga a situao de uma forma
acertada, mas no sabe lidar com ela de
maneira adequada. Na Terapia Cognitiva,
nosso trabalho principalmente identifi-
car os pensamentos que passam na cabe-
a da pessoa, descobrir se as avaliaes e
interpretaes que ela d para as situa-
es esto acertadas e se til pensar e
olhar para as coisas da forma como a pes-
soa olha. Se o indivduo est interpretan-
do incorretamente as situaes, um ob-
jetivo teraputico ele aprender a reco-
nhecer quando a interpretao est equi-
vocada e olhar para a situao de uma
forma mais acertada. Se a pessoa est
vendo a situao de forma clara e, de fato,
aquilo que ela est interpretando est
correto, ento o objetivo teraputico
aprender formas mais adequadas de lidar
com a situao que se apresenta.
Por exemplo, Dona Maria, eu notei,
aqui na sesso, que quando a senhora fa-
lou sobre as dificuldades que estava ten-
do com seu marido, a senhora se emoci-
onou e chorou. A senhora lembra o que
estava passando no seu pensamento no
momento em que se emocionou?
O trabalho psicoeducativo tambm pode
ser feito por meio do Modelo ABC, de Ellis
(1962), do Registro de Pensamentos Disfuncio-
nais de Beck (Beck et al., 1979; J. Beck, 1995)
ou mesmo do Registro de Pensamentos de Gre-
enberger e Padesky (1995). O uso desses ins-
trumentos est detalhado no Captulo 8.
Avaliar criticamente as distores cognitivas
O prximo passo leva, naturalmente, idia de
corrigir os PA e as crenas e construir pensamen-
tos alternativos mais funcionais, capazes de ge-
rar uma melhora no estado de humor do pacien-
te. Nos estgios iniciais da terapia, pode-se usar
os pensamentos e sentimentos que ocorrem na
sesso, ao vivo ou evocados a partir de tcnicas
como a dramatizao (role-play).No Quadro 1.7, listamos as distores cog-
nitivas mais comumente observadas, modifica-
das a partir de outros autores (Beck et al., 1979;
J. Beck, 1995; Leahy, 1996; Neenan e Dryden,
2000; Freeman et al., 1990). Normalmente, as
distores cognitivas tm interseces e sobre-
posies, por isso o indivduo provavelmente ir
apresentar, concomitantemente, mais de uma
distoro numa mesma situao.
Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 33
QUADRO 1.7 Lista de distores cognitivas
Exemplos: Sou incompetente. Ele uma pessoa m.Ela burra.
8. Desqualificao do positivo Experincias po-sitivas e qualidades que conflituam com a visonegativa so desvalorizadas porque no con-tam ou so triviais.Exemplos: O sucesso obtido naquela tarefa no im-porta, porque foi fcil. Isso o que esposas devem fa-zer, portanto, ela ser legal comigo no conta. Eles sesto elogiando meu trabalho porque esto com pena.
9. Minimizao e maximizao Caractersticase experincias positivas em si mesmo, no outroou nas situaes so minimizadas, enquanto onegativo maximizado.Exemplos: Eu tenho um timo emprego, mas todomundo tem. Obter notas boas no quer dizer que eusou inteligente, os outros obtm notas melhores doque as minhas.
10. Personalizao Assumir a culpa ou responsa-bilidade por acontecimentos negativos, falhan-do em ver que outras pessoas e fatores tambmesto envolvidos nos acontecimentos.Exemplos: O chefe estava com a cara amarrada, devoter feito algo errado. minha culpa. No conseguimanter meu casamento, ele acabou por minha causa.
11. Hipergeneralizao Perceber num evento es-pecfico um padro universal. Uma caractersti-ca especfica numa situao especfica avaliadacomo acontecendo em todas as situaes.Exemplos: Eu sempre estrago tudo. Eu no me doubem com mulheres.
12. Imperativos (deveria e tenho-que) Inter-pretar eventos em termos de como as coisas de-veriam ser, em vez de simplesmente considerarcomo as coisas so. Afirmaes absolutistas natentativa de prover motivao ou modificar umcomportamento. Demandas feitas a si mesmo,aos outros e ao mundo para evitar as conseqn-cias do no cumprimento dessas demandas.Exemplos: Eu tenho que ter controle sobre todas ascoisas. Eu devo ser perfeito em tudo que fao. Eu nodeveria ficar incomodado com minha esposa.
13. Vitimizao Considerar-se injustiado ou noentendido. A fonte dos sentimentos negativos algo ou algum, havendo recusa ou dificulda-de de se responsabilizar pelos prprios senti-mentos ou comportamentos.Exemplos: Minha esposa no entende meus senti-mentos. Fao tudo pelos meus filhos e eles no meagradecem.
14. Questionalizao (E se?) Focar o evento na-quilo que poderia ter sido e no foi. Culpar-sepelas escolhas do passado e questionar-se porescolhas futuras.Exemplos: Se eu tivesse aceitado o outro emprego, es-taria melhor agora. E se o novo emprego no der cer-to? Se eu no tivesse viajado, isso no teria acontecido.
1. Catastrofizao Pensar que o pior de uma si-tuao ir acontecer, sem levar em considera-o a possibilidade de outros desfechos. Acredi-tar que o que aconteceu ou ir acontecer ser ter-rvel e insuportvel. Eventos negativos que podemocorrer so tratados como catstrofes intolerveis,em vez de serem vistos em perspectiva.Exemplos: Perder o emprego ser o fim da minhacarreira. Eu no suportarei a separao da minhamulher. Se eu perder o controle, ser meu fim.
2. Raciocnio emocional (emocionalizao) Pre-sumir que sentimentos so fatos. Sinto, logoexiste. Pensar que algo verdadeiro porquetem um sentimento (na verdade, um pensamen-to) muito forte a respeito. Deixar os sentimen-tos guiarem a interpretao da realidade. Pre-sumir que as reaes emocionais necessariamen-te refletem a situao verdadeira.Exemplos: Eu sinto que minha mulher no gostamais de mim. Eu sinto que meus colegas esto rindonas minhas costas. Sinto que estou tendo um enfar-to, ento deve ser verdadeiro. Sinto-me desespera-do, portanto, a situao deve ser desesperadora.
3. Polarizao (pensamento tudo-ou-nada, dico-
tmico) Ver a situao em duas categorias ape-nas, mutuamente exclusivas, em vez de um con-tinuum. Perceber eventos ou pessoas em termosabsolutos.Exemplos: Deu tudo errado na festa. Devo sempretirar a nota mxima, ou serei um fracasso. Ou algo perfeito, ou no vale a pena. Todos me rejeitam.Tudo foi uma perda de tempo total.
4. Abstrao seletiva (viso em tnel, filtro men-
tal, filtro negativo) Um aspecto de uma situa-o complexa o foco da ateno, enquantooutros aspectos relevantes da situao so ig-norados. Uma parte negativa (ou mesmo neu-tra) de toda uma situao realada, enquantotodo o restante positivo no percebido.Exemplos: Veja todas as pessoas que no gostamde mim. A avaliao do meu chefe foi ruim (focan-do apenas um comentrio negativo e negligen-ciando todos os comentrios positivos).
5. Adivinhao Prever o futuro. Antecipar pro-blemas que talvez no venham a existir. Expecta-tivas negativas estabelecidas como fatos.Exemplos: No irei gostar da viagem. Ela no apro-var meu trabalho. Dar tudo errado.
6. Leitura mental Presumir, sem evidncias, quesabe o que os outros esto pensando, desconsi-derando outras hipteses possveis.Exemplos: Ela no est gostando da minha conver-sa. Ele est me achando inoportuno. Ele no gostoudo meu projeto.
7. Rotulao Colocar um rtulo global, rgido em simesmo, numa pessoa ou situao, em vez de ro-tular a situao ou o comportamento especfico.
34 Paulo Knapp & colaboradores
medida que o paciente aprende a iden-
tificar e nomear as distores cognitivas, a
dupla teraputica trabalha no desenvolvimen-
to de respostas alternativas para contrapor o
impacto negativo dessas interpretaes disfun-
cionais. Aps aprender a modificar os pensa-
mentos na sesso, o paciente comea a desen-
volver e incrementar essa habilidade entre as
sesses, por meio dos exerccios de automoni-
toramento e de outras tarefas prescritas. Uma
planilha de atividades, bem como o Registro
de Pensamentos Disfuncionais (RPD, Beck et
al., 1979) so algumas das possveis tcnicas
de automonitoramento.
Exerccios, experimentos e tarefas
A forma mais efetiva de promover mudanas
pela experimentao. A TC um tratamento
pr-ativo em que a consolidao das mudan-
as se d pelo constante monitoramento de
pensamentos, emoes e comportamentos e
pela conseqente modificao. Durante todo
o curso do tratamento, o paciente exercita seus
aprendizados nas sesses e, principalmente,
entre as sesses, na vida real. evidente que
se o paciente pe em prtica o que foi traba-
lhado na terapia, ele atinge resultados melho-
res e mais rpidos do que se esperasse para
trabalhar apenas durante as sesses. Alm dis-
so, no curso da sua vida o paciente est em
melhor posio para coletar dados e testar os
efeitos de mudanas na cognio e no compor-
tamento, o que seria mais difcil nas sesses.
S se aprende a fazer fazendo. A maior
parte das tarefas objetiva o aprendizado das
estratgias e habilidades necessrias para o
enfrentamento das situaes disfuncionais,
para que o indivduo saia de sua posio de
vtima passiva de seu comportamento e torne-
se agente de seu crescimento. Para isso, ele
necessita aumentar sua auto-eficcia, isto , apercepo de sua habilidade de desempenhar,
de forma eficaz e com sucesso, uma tarefa es-
pecfica (Bandura, 1977). Toda vez que o indi-
vduo evita lidar com uma situao temida,
aumenta o seu temor daquela situao. S h
um jeito de enfrentar os temores: expondo-se
a eles e, com planos estratgicos estabeleci-
dos e habilidades adequadas, superando-os.
As tarefas no so prescritas apenas pelo
terapeuta, devem ser uma prescrio colabo-
rativa. No decorrer da sesso, a dupla terapu-
tica vai, de forma natural e consoante com o
que est sendo trabalhado, construindo exer-
ccios e tarefas que so percebidos como uma
possibilidade de aprendizado. A no-adern-
cia tarefa, mesmo com todos os cuidados de
uma prescrio conjunta, freqentemente
acontece. E isso ocorre especialmente quando
o terapeuta, na sesso seguinte, no solicita a
reviso da tarefa prescrita, fazendo o paciente
acreditar que ela de somenos importncia
no tratamento. No entanto, mais do que um
problema, a no-aderncia tarefa pode cons-
tituir uma possibilidade de aprendizado, quan-
do se buscam colaborativamente as possveis
razes embutidas nesse comportamento, es-
pecialmente as que esto relacionadas com a
relao teraputica e/ou com possveis blo-
queios do paciente por tudo aquilo que uma
tarefa de casa pode conter de pressupostos
subjacentes (Neenan e Dryden, 2000).
Preveno da recada
Mesmo com a modificao efetiva de PA e de
suas fontes (os esquemas), o paciente no fica
imune a futuras dificuldades. Por isso, na fase
final de tratamento, a TC trabalha explicitamen-
te na preparao do paciente para possveis
problemas. Esse trabalho, com base na pesqui-
sa em preveno da recada de Marlatt e Gor-
don (1985), consiste em ajudar o paciente a
tornar-se ciente de situaes de risco, a iden-
tificar sinais prodrmicos de recada e a de-
senvolver planos explcitos para lidar com as
situaes de risco.
especialmente importante explorar com
o paciente as expectativas relacionadas com
futuros problemas e trabalhar quaisquer expec-
tativas irrealistas. Freqentemente, pacientes
que superaram seus problemas por meio de
terapia tm expectativas de nunca mais encon-
trarem dificuldades. Se o paciente tem alta do
tratamento sem que essas expectativas de
Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 35
imunidade existencial tenham sido aborda-
das, ele interpretar equivocadamente futuras
dificuldades e poder reagir com idias de que
o tratamento foi um fracasso, por culpa dele
e/ou do terapeuta. O paciente deve adotar a
viso mais realista de que todos encontramos
problemas de tempos em tempos, pois a TC
equipou-o com as habilidades necessrias para
lidar eficazmente com os problemas, mas que
isso no significa imunidade.
Trmino do tratamento
A deciso de dar por encerrado o tratamento
tomada quando o paciente atingiu seus ob-
jetivos da lista de problemas montada colabo-
rativamente no incio da terapia, tendo sido
verificado o seu progresso em diversas situa-
es de vida e por tempo suficiente. Feito o
trabalho de preveno da recada, a dupla te-
raputica decide ir diminuindo o nmero de
sesses da periodicidade semanal para bimen-
sal, depois mensal, e assim por diante. Dessa
forma, o final do tratamento no to abrup-
to, permitindo dupla uma oportunidade de
descobrir quo bem o paciente lida com os pro-
blemas sem a ajuda direta do terapeuta, alm
de possibilitar a reviso de alguma questo
adicional que ainda ficou por ser trabalhada.
Se o paciente desejar, pode retornar
ocasionalmente para sesses de reforo. E,
em qualquer momento, pode voltar ao tra-
tamento para mais um conjunto de sesses,
a fim de abordar novas questes e aprofun-
dar seu entendimento cognitivo-comporta-
mental.
A estrutura da sesso
Cada elemento da estrutura da sesso de TC
desenhado para maximizar a colaborao en-
tre paciente e terapeuta enquanto trabalham
eficientemente na resoluo dos problemas lis-
tados. Alguns autores preferem fazer a reviso
do humor e da semana como parte da agenda.
Ns optamos por seguir o modelo de Beck e
colaboradores (1979):
1. Reviso do humor, reviso da semana
2. Ponte com a ltima sesso
3. Reviso das tarefas
4. Fazer a agenda
5. Trabalhar itens da agenda
6. Resumos peridicos e resumo final
7. Feedback da sesso
Reviso do humor e reviso da semana
Tanto na prtica clnica como em ambientes
de pesquisa, faz-se necessrio monitorar regu-
larmente o humor do paciente, por meio de
medidas objetivas como o Inventrio de De-
presso Beck (BDI) e o Inventrio de Ansieda-
de Beck (BAI), validados para a lngua portu-
guesa (Cunha, 2001). Mas, na prtica clnica di-
ria, pode-se registrar as evolues do paciente
fazendo uma rpida reviso do humor, atribu-
indo uma nota em cada dia de sesso, com a
pergunta: De 0 a 10, sendo 0 o equivalente a
nenhuma depresso (ou ansiedade) e 10 muita
depresso (ou ansiedade), qual nota voc d
para o seu humor hoje? Tambm a simples
pergunta Em relao semana passada, voc
est se sentindo: melhor, pior ou na mesma?,
ou apenas Como voc est se sentindo esta
semana?, j dar alguma estimativa da evolu-
o do estado de humor do paciente.
Vinculada a isso, a reviso dos aconteci-
mentos, bons e ruins, do perodo de tempo
desde a ltima sesso possibilita ao terapeuta
o monitoramento do progresso teraputico e
a identificao de alguma questo mais priori-
tria a ser trabalhada na agenda. desneces-
srio dizer que questes mais urgentes (por
exemplo, perda de um emprego, morte de um
familiar) que podem surgir no decorrer de um
tratamento, mesmo que no estivessem previa-
mente contempladas na lista inicial de proble-
mas, ganham precedncia sobre todas as outras.
Ponte com a sesso anterior
Cada sesso est associada e interligada com
as outras, dando um sentido de continuidade
ao trabalho. O que voc lembra de importan-
36 Paulo Knapp & colaboradores
te da nossa ltima sesso? e Fazendo uma
reviso da nossa ltima sesso, o que voc le-
vou de mais importante? so perguntas que
auxiliam essa noo e do seguimento a um
plano de trabalho teraputico continuado.
aconselhvel que o paciente traga sem-
pre consigo material de escrita (caderno, pas-
ta, folhas em branco) para anotar o que de mais
importante foi trabalhado e descoberto duran-
te a sesso. Muitas vezes a tarefa de casa pode
ser a leitura das anotaes da sesso. Pacien-
tes que costumam trazer seu prprio cader-
no de terapia tm mais facilidade em fazer a
ponte com a sesso precedente.
Reviso da tarefa
A consolidao do aprendizado se d pelas tare-
fas e pelos exerccios extra-sesso. A reviso da
tarefa permite a confirmao de que a direo e
a marcha do trabalho teraputico esto adequa-
das, ou de que, ao contrrio, ainda se faz neces-
srio incrementar as habilidades e auto-eficcia
do paciente. Uma tarefa que no deu o resultado
esperado uma excelente fonte de informaes.
O paciente somente colocar em prtica
uma nova tarefa prescrita se for dada impor-
tncia tarefa anterior. Quando o terapeuta
no revisa a tarefa e no extrai dela todo o
aprendizado possvel, tenha ela dado certo ou
no, estar reforando no paciente a idia de
que a tarefa no importante, sendo, portan-
to, desnecessrio e intil faz-la. A no-ade-
rncia tarefa pode ser um importante item a
ser trabalhado na agenda.
Agenda
A TC tem uma sesso estruturada, no incio da
qual se estabelece uma agenda, como numa reu-
nio de trabalho. O objetivo maior da agenda o
foco nos problemas a serem trabalhados e nas
suas possveis solues, evitando a tergiversao.
A prtica de fazer conjuntamente uma
agenda no incio da cada sesso com o(s)
tpico(s) que ambos consideram mais importan-
tes para serem trabalhados naquele momento
especfico possibilita extrair o mximo proveito
de cada sesso. Uma agenda de comum acordo,
no entanto, no previne que o paciente tente
adotar mecanismos de resistncia ao trabalho
teraputico, como fazer digresses inteis e des-
propositadas ao objetivo do tratamento e ao foco
da sesso. O terapeuta deve, de forma gentil mas
firme, ajudar o paciente a retornar ao foco da
pauta proposta no incio da sesso. Quando um
tpico importante, que no emergencial, apa-
rece apenas no final da sesso, quando no h
mais tempo (o que tambm uma forma de re-
sistncia), o assunto anotado para ser lembra-
do na elaborao da agenda na prxima sesso.
A pergunta explcita no comeo da ses-
so O que voc (ou ns) gostaramos de tra-
balhar na sesso de hoje? cria no paciente o
hbito de j pensar antecipadamente naquilo
que ir tratar na sesso.
Para que a sesso seja produtiva como
uma boa reunio de trabalho, tambm poss-
vel usar uma planilha, como a do Quadro 1.8,
modificado de McMullin (2000) e J. Beck (1995).
Pea ao paciente que a preencha por escrito
(ou mentalmente, depois de faz-la por escri-
to algumas vezes) antes da sesso de terapia.
Essa planilha particularmente til para pa-
cientes que evitam pensar sobre a terapia en-
tre as sesses ou que tm dificuldade em reto-
mar a temtica da semana.
Resumos
A cada item abordado ou a cada descoberta
(insight) importante na sesso, o paciente es-timulado a fazer um resumo do que foi traba-
lhado, sendo ajudado eventualmente pelo te-
rapeuta. Os resumos tm o intuito de enten-
der o que foi descoberto e fortalecer a mem-
ria do que foi aprendido.
Alm dos resumos capsulares realizados ao
longo da sesso, ao final de cada uma, feito o
resumo das principais descobertas. Uma pergun-
ta regularmente feita para ajudar no resumo :
O que voc est levando da sesso de hoje? O
resumo final no uma simples repetio dos
itens que foram trabalhados, mas a relao das
descobertas e aprendizados que ocorreram, com
Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 37
QUADRO 1.8 Preparando-se para uma sesso deterapia cognitiva
1. Em qual problema eu quero trabalhar hoje?2. Como estou me sentindo esta semana, em
comparao com as outras semanas?3. O que aconteceu esta semana que meu tera-
peuta deveria saber?4. O que trabalhamos na ltima sesso? O que
eu aprendi?5. Alguma questo ficou em aberto?6. Alguma coisa me incomodou na ltima ses-
so?7. Estou com dificuldade de contar alguma coi-
sa ao terapeuta?8. O que eu fiz como tarefa/ exerccio? O que eu
aprendi com a tarefa?
concluses e possveis experimentos que iro
confirmar e fortalecer tais aprendizados.
Feedback
Ao solicitar regularmente o feedback do pacien-te de como foi para ele a sesso, o terapeuta
aumenta as chances de identificar algum pro-
blema em curso na relao teraputica. Mes-
mo que no haja aparente dificuldade, as ex-
pectativas, contrariedades ou insatisfaes do
paciente com o terapeuta ou com a sesso so
solicitadas explicitamente: H alguma coisa
que eu disse ou fiz na sesso de hoje que voc
no gostou?; Alguma questo da sesso no
est bem entendida?
O feedback no deve ser obtido apenas aofinal da sesso, mas a qualquer momento da
mesma. Alm disso, regularmente deve-se ob-
ter o feedback de como est o tratamento, oque o paciente est sentindo e pensando acerca
do processo e do progresso teraputico. Essas
informaes pontuais e em todo o percurso
teraputico podem corrigir o rumo da terapia.
MITOS E CONCEPES EQUIVOCADASSOBRE A TERAPIA COGNITIVA
Para finalizar o captulo, relacionamos uma
srie de mitos e concepes acerca da TC en-
contrados freqentemente:
1. A Terapia Cognitiva baseada no poder dopensamento positivo. A TC baseada nopoder do pensamento realista (Beck et
al., 1979). Um viso irrealistamente oti-
mista pode ser to prejudicial e mal-adap-
tativa quanto uma viso irrealistamente
negativa. Uma abordagem Poliana, de
que tudo pode ser cor-de-rosa, , no m-
nimo, enganadora, e no auxilia o pacien-
te a lidar de forma eficaz com os proble-
mas reais encontrados na vida. O objeti-
vo da TC no o pensamento positivo,
mas a correo dos pensamentos distor-
cidos ou disfuncionais, promovendo for-
mas mais adaptativas de lidar com os pro-
blemas reais.
2. A teoria cognitiva de psicopatologia propeque os pensamentos negativos distorcidos cau-sam a psicopatologia. Embora os pensa-mentos distorcidos faam parte do ciclo
vicioso da psicopatologia, eles no so o
nico fator importante. Os desequilbrios
bioqumicos, os eventos de vida e as re-
laes interpessoais so elementos que
interagem conjugadamente, formando a
psicopatologia. Os ciclos que perpetuam
os transtornos podem iniciar-se em qual-
quer ponto, mas, uma vez iniciados, as
cognies tm um papel importante e
provem uma possibilidade de interven-
o valiosa.
3. A Terapia Cognitiva simples e apenas utili-za o senso comum. Embora a teoria queembasa a TC parea bastante simples e
fcil de entender, a prtica da TC me-
nos fcil (Freeman et al., 1990). As pes-
soas so complexas, e intervenes efe-
tivas podem ser bem complicadas, ape-
sar da relativa simplicidade da teoria.
Embora o senso comum possa ser utili-
zado, na maior parte do tempo a dupla
teraputica tem muito trabalho em des-
vendar as complexas interaes cogniti-
vo-afetivo-comportamentais do paciente.
Alm do mais, o terapeuta cognitivo pre-
cisa ser um bom estrategista.
4. A TC convence as pessoas a sair dos seus pro-blemas. A TC no comunga do estilo argu-mentativo utilizado no modelo racional-
38 Paulo Knapp & colaboradores
emotivo-comportamental de Albert Ellis,
em que as crenas irracionais dos pacien-
tes so debatidas e contestadas. Apesar
das similaridades tericas entre os dois
modelos, a TC aplica a descoberta guia-
da, e no o debate. Na TC, o terapeuta
guia o paciente para que ele prprio faa
descobertas, ao observar criticamente
suas distores, diminuindo, assim, suas
resistncias e estimulando o desenvolvi-
mento de habilidades necessrias para
futuramente analisar por si mesmo seus
problemas.
5. A TC ignora as emoes. Embora as cogni-es sejam o alvo principal da TC, o su-
cesso teraputico medido pela corres-
pondente melhora na emoo e no com-
portamento. Por vezes, a forma mais ade-
quada de examinar os pensamentos
pelas emoes. Como apontaram Free-
man e colaboradores (1990), a TC pode-
ria se chamar terapia cognitivo-compor-
tamental-emocional.
6. A meta da TC eliminar as emoes. Ameta da TC ajustar a emoo situa-
o e ajudar o paciente a ser capaz de
lidar adaptativamente com a emoo.
Nos transtornos emocionais, o indiv-
duo geralmente est inundado de
emoes, razo mesma pela qual ele
apresenta o transtorno; fica to engol-
fado pela emoo que no consegue
pensar sem distoro. Na TC, o objeti-
vo o equilbrio emocional, no a su-
presso da emoo. Em muitas situa-
es, o objetivo regular as reaes
emocionais exageradas; por outro lado,
em pessoas rgidas, supercontroladas,
que no expressam emoes, o produto
final ser a capacidade de entrar em con-
tato com suas emoes, mesmo que tal
problema no fosse reconhecido e no es-
tivesse na lista de problemas original.
7. A TC a aplicao de uma variedade de tc-nicas. A terapia cognitiva desenvolveuuma ampla variedade de tcnicas espec-
ficas e tambm emprestou-as livremente
de outras terapias. No entanto, o profis-
sional que focaliza apenas a aplicao de
tcnicas como se fosse um livro de recei-
tas no estar sendo eficaz. O uso estra-
tgico das intervenes teraputicas deve
estar embasado na conceitualizao do
caso, isto , no entendimento cognitivo
do paciente e da sua problemtica espe-
cfica.
8. A terapia cognitiva ignora o passado e se in-teressa apenas pelo presente. mais adequa-do dizer que a TC presta ateno no pas-
sado tanto quanto necessrio. Sempre se
investiga, na histria do sujeito, quando
se estabeleceu, a partir de que experin-
cias, a forma de interpretar os eventos
atuais. As experincias prvias represen-
tam a fundao dos problemas do pacien-
te, mas possvel resolver a fonte dos
problemas focalizando primariamente o
presente. O foco no tanto o que foi,
mas o que e o que mantm ou refora o
comportamento disfuncional (Dattilio e
Freeman, 1992).
9. A TC superficial. A afirmao pressupeque a TC se ocupa apenas das cognies
que esto na superfcie, os pensamentos
automticos, negligenciando o tratamen-
to das crenas subjacentes aos PA e das
crenas nucleares. A TC no se prope a
trabalhar automaticamente mudanasmaiores de personalidade, a no ser que
essa seja ou venha a ser a meta de quem
busca tratamento. A TC pode trabalhar
mais na superfcie ou mais profundamen-
te, dependendo dos objetivos do indiv-
duo e dos problemas a serem tratados, e
o paciente quem toma a deciso final
sobre o grau de mudana que quer atin-
gir. verdade que a TC focaliza a aquisi-
o de metas especficas do paciente, e o
que parece uma mudana superficial para
quem v de fora pode significar grandes
mudanas para o paciente.
10. A relao teraputica no importante naTC. Uma boa relao teraputica essen-cial para o trabalho colaborativo na TC;
sem ela o tratamento no acontece. Em-
bora a relao transferencial no seja es-
timulada como em outras abordagens, a
relao interpessoal da dupla teraputi-
Terapia Cognitivo-Comportamental na Prtica Psiquitrica 39
ca (com a presena de transferncia e con-
tratransferncia) usada como um pode-
roso instrumento de identificao e re-
soluo de problemas interpessoais do
paciente.
11. A TC tem um limite de 15 a 25 sesses oumenos. Por razes metodolgicas, algu-mas pesquisas de resultados com TC li-
mitaram a durao do tratamento a 12 a
25 sesses. A TC tende a obter resulta-
dos teraputicos relativamente rpidos,
mas a durao do tratamento depende da
natureza dos problemas do paciente (tra-
os e transtornos da personalidade, por
exemplo) e seu nvel de motivao para
aprofundar o entendimento de suas ques-
tes. A TC pode variar de algumas ses-
ses at vrios anos.
12. Fazer TC significa no usar medicao. A TC totalmente compatvel com o uso de psi-
cofrmacos. Em algumas situaes, o pa-
ciente s estar disponvel para um tra-
tamento cognitivo quando estiver com-
pensado bioquimicamente (via medica-
o), em especial nas depresses graves,
no transtorno bipolar, em psicoses e mes-
mo nos transtornos de ansiedade mais de-
bilitantes. A TC pode ser um complemen-
to psicofarmacoterapia, e vice-versa.
13. A TC apropriada apenas para pessoas articu-ladas, com boa capacidade intelectual. O be-nefcio de intervenes com base em olhar
criticamente os pensamentos disfuncionais
no privilgio apenas de pessoas inteli-
gentes. evidente que mais fcil traba-
lhar com pacientes com boa capacidade de
raciocnio, cultos, com slida formao edu-
cacional, algum conhecimento psicolgico
e bem motivados para o tratamento, mas
isso verdade para qualquer abordagem
teraputica. J. Beck (1995) relata pesqui-
sas que demonstram que a TC efetiva para
pacientes com diferentes nveis de escola-
ridade, renda e cultura. A TC precisa ser
desenhada para as necessidades das pes-
soas, e no estas serem encaixadas no mo-
delo. Com pessoas no-alfabetizadas, com
dificuldades de raciocnio abstrato e mes-
mo com disfunes cognitivas, a TC traba-
lha menos com intervenes puramente
verbais e mais com intervenes compor-
tamentais para atingir as mudanas de-
sejadas.
14. A TC no eficaz em pacientes com transtor-nos mentais graves. Embora, originalmen-te, a TC tenha sido desenvolvida com pa-
cientes ambulatoriais, ela pode ser usa-
da de forma eficaz para pacientes com
transtornos mentais graves, mesmo hos-
pitalizados. O maior interesse de Aaron
Beck, no momento, estudar o modelo
cognitivo e a eficcia de intervenes cog-
nitivas em pacientes psicticos (vide Ca-
ptulo 8 neste livro).
RESUMO
Os princpios terico-prticos fundamentais da
TC, abordados neste captulo, podem ser as-
sim resumidos (modificado de J. Beck, 1995):
1. um modelo de psicoterapia que requer
uma boa relao teraputica.
2. uma psicoterapia focal fundamentada
no modelo terico que estipula que es-
to envolvidas cognies disfuncionais
nos transtornos psicolgicos.
3. Focaliza seu trabalho no exame e na cor-
reo de distores nos trs nveis de cog-
nio: pensamentos automticos, pressu-
postos subjacentes e crenas nucleares
(esquemas).
4. O tratamento envolve a conceitualizao
especfica de cada caso.
5. colaborativa: terapeuta e paciente for-
mam uma dupla teraputica ativa.
6. Utiliza a descoberta guiada: o terapeuta
guia o paciente para as descobertas por
meio do questionamento socrtico.
7. Usa o mtodo emprico para examinar e
testar a veracidade e utilidade das cogni-
es.
8. psicoeducativa: o paciente aprende a ser
seu prprio terapeuta.
9. A sesso estruturada, com metas tera-
puticas claras e objetivas, e focada na
soluo de problemas.
40 Paulo Knapp & colaboradores
10. Utiliza uma variedade de tcnicas cogni-
tivas e comportamentais para modificar
pensamentos, humor e comportamentos.
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