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Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC 2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO ÁREA TEMÁTICA: PLANEJAMENTO TERRITORIAL, POLÍTICAS PÚBLICAS INFLUÊNCIAS DO NEOLIBERALISMO NAS POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA NO PERÍODO DE 1995 A 2010 Áurea Maria Noronha de Melo 1 Ivan Carlos Vicentin 2 Resumo Este artigo busca identificar as influências exercidas pelo neoliberalismo, enquanto “modelo” econômico, nas políticas de avaliação da educação superior brasileira adotadasentre 1995 e 2010. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica de artigos científicos e livros que tratam desta temática, bem como pesquisa documental das legislações pertinentes. Por meio deste estudo, foi possível perceber que o ideário neoliberal aprofundado no Brasil no governo Fernando Henrique Cardoso, impactou em uma concepção de avaliação da educação superior ancorada em princípios mercadológicos, da qual o “Provão” foi seu maior expoente, ao ranquear, exclusivamente com base no desempenho dos alunos, a qualidade das Instituições de Ensino Superior (IES), promovendo a competitividade. O SINAES, política instituída no governo Luiz Inácio Lula da Silva, inicialmente busca agregar à avaliação reguladora uma concepção emancipatória, porém, em seu segundo mandato retoma a ênfase no desempenho dos alunos e na construção de rankings. Palavras-chave: Avaliação, Educação Superior Brasileira, Neoliberalismo. Abstract This article seeks to identify the influences exerted by neoliberalism, as economic “model”, in the evaluation policies of Brazilian higher education adopted between 1995 and 2010. To this end, literature search of scientific articles and books dealing with this subject was held, as well as documentary research of the related laws. Through this study, it was revealed that the neoliberal ideas which has deepened in Brazil under Cardoso 1 Mestranda em Planejamento e Governança Pública pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. É psicóloga organizacional na Universidade Tecnológica Federal do Paraná. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo. É professor adjunto do departamento de Gestão e Economia da UTFPR, atua como professor de graduação (áreas de Comunicação, Sistemas de Informação). Professor do Mestrado em Planejamento e Governança Pública. E-mail: [email protected]

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2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO ÁREA TEMÁTICA: PLANEJAMENTO TERRITORIAL, POLÍTICAS PÚBLICAS

INFLUÊNCIAS DO NEOLIBERALISMO NAS POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA NO PERÍODO DE 1995 A 2010

Áurea Maria Noronha de Melo1 Ivan Carlos Vicentin2

Resumo

Este artigo busca identificar as influências exercidas pelo neoliberalismo, enquanto “modelo” econômico, nas políticas de avaliação da educação superior brasileira adotadasentre 1995 e 2010. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica de artigos científicos e livros que tratam desta temática, bem como pesquisa documental das legislações pertinentes. Por meio deste estudo, foi possível perceber que o ideário neoliberal aprofundado no Brasil no governo Fernando Henrique Cardoso, impactou em uma concepção de avaliação da educação superior ancorada em princípios mercadológicos, da qual o “Provão” foi seu maior expoente, ao ranquear, exclusivamente com base no desempenho dos alunos, a qualidade das Instituições de Ensino Superior (IES), promovendo a competitividade. O SINAES, política instituída no governo Luiz Inácio Lula da Silva, inicialmente busca agregar à avaliação reguladora uma concepção emancipatória, porém, em seu segundo mandato retoma a ênfase no desempenho dos alunos e na construção de rankings.

Palavras-chave: Avaliação, Educação Superior Brasileira, Neoliberalismo.

Abstract

This article seeks to identify the influences exerted by neoliberalism, as economic “model”, in the evaluation policies of Brazilian higher education adopted between 1995 and 2010. To this end, literature search of scientific articles and books dealing with this subject was held, as well as documentary research of the related laws. Through this study, it was revealed that the neoliberal ideas which has deepened in Brazil under Cardoso

1Mestranda em Planejamento e Governança Pública pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. É psicóloga organizacional na Universidade Tecnológica Federal do Paraná. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo. É professor adjunto do departamento de Gestão e Economia da UTFPR, atua como professor de graduação (áreas de Comunicação, Sistemas de Informação). Professor do Mestrado em Planejamento e Governança Pública. E-mail: [email protected]

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impacted in a higher education evaluation conception grounded in marketing principles, in which “Provão” was its greatest exponent, when it ranked, exclusively based on students performance, the quality of the IES, promoting competitiveness. The SINAES, a policy instituted in the Lula government, initially attempts to add to the regulatory evaluation an emancipatory conception, however, in his second term recovers emphasis on student performance and construction of rankings.

Keywords: Evaluation,Brazilian higher education, Neoliberalism.

Introdução

A educação superior e seus processos avaliativos passam por diversas

transformações ao longo do tempo. Dentre os aspectos que impulsionam estas mudanças,

podem ser apontados os contextos políticos, históricos e econômicos nos quais são

delineadas as políticas afetas a estas temáticas. Além disso, a educação superior e sua

avaliação também exercem entre si influências mútuas, o que faz com que a função e os

propósitos de uma sejam fortemente influenciados pela outra e seus efeitos afetem a toda a

sociedade.Considerando as inter-relações entre estes diversos aspectos, é possível conceber

que, tanto no que se refere à educação superior quanto a sua avaliação, não se pode falar

em neutralidade, por serem estas influenciadas por ideologias e interesses diversos e,

muitas vezes,conflitantes. Dias Sobrinho (2004, p.706) reforça esse ponto de vista ao

apontar que, por mais que se busque atribuir um caráter essencialmente técnico à

avaliação, esta possui um forte papel político, tendo em vista o quão eficiente ela é “para

modelar sistemas e garantir determinadas práticas e ideologias” e, justamente por isso,

“nenhum Estado moderno deixa de praticá-la de modo amplo, consistente e organizado.

Isto é, como política pública”.

Assumindo o caráter político da avaliação e da educação superior, busca-se por

meio deste estudoidentificar de que maneira o neoliberalismo, enquanto “modelo”

econômico, influenciou as políticas de avaliação da educação superior brasileira entre 1995

e 2010, período no qual ocuparam a presidência do país por igual período,de dois

mandatos,governantes vinculados a partidos políticos de ideologias opostas: Fernando

Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB) e Luiz Inácio Lula da

Silva (Partido dos Trabalhadores - PT). O governo Fernando Henrique Cardoso (1995-

1998 e 1999-2002), aprofundou as reformas econômicas de cunho neoliberal iniciadas no

governo Fernando Collor de Mello (1990-1992),as quais compreendiam a adoção de

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medidas como abertura comercial, privatizações e redução do Estado, visando à inserção

do Brasil no mercado internacional. A adesão a estas medidas trouxe impactos à educação

superior, em especial devido à concepção do conhecimento como instrumento de

competição e competitividade. O problema central que se coloca neste trabalho é como o

“modelo” econômico neoliberal influenciou as políticas de avaliação da educação

superior brasileira no período de 1995 a 2010?Busca-se, de maneira adjacente, identificar

se a transição do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), que se

alinhava à ideologia neoliberal,para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e

2007-2010), que, quando oposição, apresentava forte discordância quanto a este ideário,

trouxe alterações quanto a estas políticas.

A metodologia utilizada neste estudo, que se desenvolveu integralmente no

segundo trimestre do ano de 2014, consistiu, inicialmente, na realização de pesquisa

exploratória nas bases de dados Capes e Scielo quanto a artigos científicos que tratam do

tema “avaliação da educação superior brasileira”, com foco no recorte temporal de 1995 a

2010. Dos artigos encontrados, foram selecionados onze, utilizando-se como critério a data

de publicação posterior a 2003, a fim de que contemplassem, ao menos em parte, os

mandatos de ambos os governos em tela. Em seguida, realizou-se revisão bibliográfica dos

artigos científicos selecionados, para a qual também foram utilizados, como

complementação, dois livros que tratam das políticas econômicas implantadas no Brasil no

período de 1995 a 2010. Foi realizada ainda pesquisa documental quanto à legislação

referente às principais políticas de avaliação da educação superior adotadas no período

estudado, a saber: a Lei nº 9.131/95 que, no governo Fernando Henrique Cardoso, criou o

Exame Nacional de Cursos (ENC), conhecido como “Provão” e a Lei nº 10.861/2004 que,

no governo Luiz Inácio Lula da Silva, criou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação

Superior (SINAES), vigente até os dias atuais.

Os resultados deste estudo encontram-se divididos em três seções. Na primeira

delas delimita-se o contexto econômico brasileiro no período de 1995 a 2010. Na segunda

seção articulam-se os conceitos de educação superior e avaliação na história recente

brasileira, na qual o “modelo” econômico neoliberal teve grande relevância. E na terceira,

são apresentadas e discutidas as políticas de avaliação da educação superior adotadas nos

governos Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) e Luiz Inácio Lula da

Silva (2003-2006 e 2007-2010), com foco nas influências exercidas sobre elaspor aspectos

econômicos relacionados aoneoliberalismo.

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Contexto econômico brasileiro no período de 1995 a 2010

Nesta seção, busca-se delinear o contexto econômico brasileiro existente durante os

governos Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) e Luiz Inácio Lula da

Silva (2003-2006 e 2007-2010), a fim de embasar as discussões realizadas nas seções

seguintes quanto às influências que o “modelo” econômico neoliberalexerceu

especificamente quanto às políticas de avaliação da educação superior. Considera-se que as

políticas públicas devem ser compreendidas em relação ao contexto no qual são

estruturadas, sendo que, dentre os componentes deste contexto, os aspectos econômicos

possuem grande destaque, devido à grande relevância atribuída ao crescimento econômico

dos países, medido essencialmente pelo aumento de seu Produto Interno Bruto (PIB).

Corbucci (2004, p.678) reforça a relação entre políticas públicas e economia, ao apontar

que, a nova Constituição de 1988 trouxe a inclusão de diversos avanços nos campos

político e social, porém, a efetiva aplicação destes foi prejudicada por um “contexto de

retração da atividade econômica, que resultou na redução da capacidade de investimentos

do Estado em todas as áreas e, em particular, na educação superior”.

Desde o governo Fernando Collor de Mello (1990-1994), observa-se a busca pela

inserção do Brasil no mercado internacional, por meio da adoção de medidas como a

redução da participação do Estado, a abertura econômica e as privatizações. Este modelo,

voltado à competição e à competitividade, foi aprofundado no primeiro mandato do

governo seguinte, de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), no qual a grande

preocupação consistia na manutenção da estabilidade econômica conquistada a partir do

Plano Real (lançado em junho de 1994), que contrastava com a persistência de dois

grandes problemas: o desequilíbrio entre exportações e importações e o endividamento

externo e interno (GIAMBIAGI et al., 2011).

O segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002) foi iniciado em

meio a um contexto de crises no mercado financeiro, que afetaram o Brasil de maneira

significativa, em especial devido à redução dos empréstimos concedidos aos países “em

desenvolvimento”. Diante deste cenário, foi buscado um acordo com o FMI (Fundo

Monetário Internacional) (GIAMBIAGI et al., 2011), o qual condicionava a concessão de

empréstimos à realização das reformas econômicas recomendadas pelo Consenso de

Washington, um conjunto de dez alternativas voltadas à reestruturação dos países

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periféricos após a crise do endividamento externo. Apesar da forte discordância de seu

autor quanto a este aspecto (WILLIAMSON, s.d., p.22), estes dez “remédios” oferecidos

pelo Consenso de Washington para o desenvolvimento dos países pobres, cujas estratégias

são focadas em privatização, liberalização e estabilidade de preços, são entendidos como

“neoliberais”, pois, assim como o liberalismo do século XIX, preconizam a destinação de

um papel mínimo ao Estado (STIGLITZ, s.d., p.41). Uma das críticas de Stiglitz (s.d.) com

relação a este conjunto de reformas é quanto a sua excessiva valorização do crescimento do

PIB em detrimento da melhoria dos padrões de vida, o que deveria incluir a preocupação

com políticas distributivas.

Deitos (2010) acredita que o debate quanto ao papel estratégico do Estado encontra-

se superado pelas lideranças políticas liberais, que passaram a considerá-lo “central para o

processo do controle social, político e econômico”. O autor cita Vieira3 (1992) ao apontar

que “a política social é uma maneira de expressar as relações sociais, cujas raízes se

localizam no mundo da produção”. Com base nessa visão, considera que, especialmente a

partir da década de 1990, as políticas educacionais, assim como as demais políticas sociais

brasileiras, vêm sendo conduzidas de forma a contribuir para o funcionamento do

mercado.Ribeiro (2012, p.301) complementa este ponto de vista ao afirmar que a crise do

capital, gerada pela recessão de 1973 e pelo choque do petróleo, foi seguida de um período

de reestruturação econômica, a qual demandou a modificação do modelo de produção,

impactando em alterações nas funções do Estado. Segundo a autora, o papel anterior do

Estado, que consistia em “atender às questões de cunho social, como saúde, educação e

habitação, orientadas para o bem-estar da população, transformou-se em políticas de

liberalização, desregulamentação e privatização dos setores ligados ao social”. Estas

mudanças propiciadas pelo “novo padrão capitalista de produção” marcam a decadência do

modelo de Estado de Bem-Estar Social, voltado a “equalizar a produção da desigualdade,

segregação e exclusão da população” e a ascensão do Estado Neoliberal, voltado a

“garantir, através de seu aparato, o livre mercado”.Assim, com base na articulação dos

pontos de vista de Stiglitz (s.d), Deitos(2010) e Ribeiro (2012), é possível identificar que o

papel mínimo destinado pela ideologia neoliberal ao Estado encontra-se voltado ao seu

direcionamento à consecução dos objetivos mercadológicos, o que influencia a maneira

3VIEIRA, E. A. Democracia e política social. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1992. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, v. 49).

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como são conduzidas as políticas públicas, dentre elas as relativas à educação superior,

objeto deste estudo.

Com o fim do governo Fernando Henrique Cardoso, doravante FHC,tomou posse o

presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010), doravante Lula,

representando uma promessa de transformação destes preceitos, gerando inclusive

insegurança quanto aos rumos que o país tomaria ao ser conduzido por um governo de

esquerda. Porém, apesar de ter “produzido algumas políticas de cunho social em resgate à

função do Estado-providência” (RIBEIRO, 2012, p.303), a transformação esperada não

ocorreu, trazendo em seu lugar moderação e continuidade das políticas do governo

anterior, “tanto no campo da macroeconomia, dos compromissos com o mundo financeiro,

quanto nas alianças políticas com partidos de centro e de centro-direita” (SGUISSARDI,

2006, p.1039), transmitindo com isso a mensagem de que Lula e o Partido dos

Trabalhadores (PT) haviam rompido com a ideia de ruptura ao modelo até então vigente

(GIAMBIAGI et al., 2011).

Educação superior e avaliação na história recente do Brasil

Após ter sido delineado, na seção anterior, o contexto econômico brasileiro

existente durante os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) e

Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010), busca-se nesta seção, com base no

referido contexto, articular os conceitos de educação superior e avaliação.

Sguissardi (2006, p.1035) relaciona a educação superior e a ideologia

neoliberal,fortalecida no Brasil no período estudado, ao afirmarque

o fim do século XX pôs a educação superior na berlinda. A ciência e o ensino superior tornaram-se muito mais presentes como fatores de produção e parte integrante da economia, mercadorias ou quase-mercadorias, em países centrais, da periferia e da semiperiferia. Da mesma forma que o diagnóstico neoliberal identifica entre as principais causas do fracasso da economia do Estado do Bem-estar sua crescente falta de competitividade, também a educação superior – entendida como parte essencial da economia moderna – necessitaria passar por um choque de competitividade. (Grifos no original).

Assim, conforme coloca o autor, a atribuição da competitividade como

característica essencial da educação superior permite que as Instituições de Ensino

Superior (IES) sejam consideradas “empresas econômicas a serem administradas de modo

empresarial/gerencial” (SGUISSARDI, 2006, p.1035).Ferreira (2012, p.457) complementa

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este ponto de vista ao colocar que, sobretudo a partir da década de 80, juntamente às

transformações advindas da globalização, “ganha expressão a perspectiva de que a

sociedade e a economia devem estar assentadas no conhecimento como estratégia de

competitividade”, o que faz com que “a existência da universidade em si mesma” deixe de

bastar para sua “legitimação social”.A implantação de uma lógica de funcionamento

empresarial à educação superior também é apontada por Ribeiro (2012, p.303) como um

dos “graves desdobramentos” da adesão brasileira ao conjunto de regras neoliberais. A

autora associa a lógica empresarial à “privatização da educação superior e à expansão do

mercado educacional”, propiciadas pela Reforma Gerencial do Estado promovida no

governo FHC.

De acordo com Corbucci (2004, p. 679), já no governo de Fernando Collor de

Mello, precursor das reformas neoliberais no Brasil, foram identificadas algumas

“distorções significativas” do ensino superior brasileiro, como a desvinculação da

formação profissional e a geração de riquezas, a insuficiente formação na área de ciências

exatas e os gastos excessivos com este nível de ensino em detrimento dos demais. A linha

de ação para contornar estas distorções, apesar de professar a valorização do magistério,

acabou por reduzir os gastos totais com pessoal e os recursos destinados às Instituições

Federais de Ensino Superior (IFES), favorecendo assim o fortalecimento da expansão via

ensino privado. Dando continuidade a este direcionamento, no governo FHC a expansão da

educação superior se deu essencialmente por meio da iniciativa privada, levando à

consequente ampliação da participação deste setor nas vagas ofertadas, o que veio

acompanhado da preocupação com a criação de um sistema de avaliação da qualidade do

ensino oferecido (CORBUCCI, 2004, p.681).

A reforma do modelo de administração pública burocrática para a administração

gerencial realizada no primeiro mandato de FHC é vista por Tavares, Oliveira eSeiffert

(2011, p. 237) como “uma resposta pragmática do Estado à política econômica mundial”,

por meio da qual este se voltou a “buscar atingir aos fins do capital mundializado”. De

acordo com esta perspectiva, a educação superior passou a ser percebida como “um meio

para produzir conhecimentos e técnicas de interesse do mercado global” e o Estado, a fim

de demonstrar sua presença neste campo, adotou o papel de “avaliador”.Segundo Ribeiro

(2012, p.304), o Estado Avaliador “expressa o modelo da gestão pública orientada para

resultados”, na qual há menor foco nos processos e maior controle dos resultados, visando

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“provocar maior competitividade”. Dias Sobrinho (2004, p.708) articula o papel do Estado

Avaliador e a educação superior, ao afirmar que

O “Estado Avaliador” intervém para assegurar mais eficiência e manter o controle daquilo que considera ser qualidade. Para a educação superior tornou-se obrigatório o aumento da eficiência de acordo com a fórmula: produzir mais, com menos gastos. A forte presença do “Estado Avaliador” faz com que as avaliações protagonizadas pelos governos sejam quase exclusivamente externas, somativas, focadas nos resultados e nas comparações dos produtos, para efeito de provocar a competitividade e orientar o mercado, e se realizam ex post.

Assumindo este papel de Estado Avaliador, foram implantados na década de 90, na

esfera educacional, sob a influência da ideologia neoliberal, “grandes sistemas de avaliação

em larga escala, em nível nacional”, o que lhe concedeu, inclusive, a alcunha de “Década

da Avaliação” (CALDERÓN, POLTRONIERI, BORGES, 2011, p.815).

Segundo Dias Sobrinho (2004, p.710), a avaliação é influenciada pela perspectiva

ideológica por meio da qual se visualiza a função da educação superior: “função ético-

política de formação da cidadania, promoção de sujeitos autônomos, emancipação e

solidariedade social”, ou, “a função técnico-burocrático-economicista, pretensamente

objetiva, de controle dos produtos e instrumentalização da educação em função da

economia de mercado”. De acordo com este autor, a segunda perspectiva tem

predominado, especialmente desde a década de70, quando, diante das crises de

financiamentos, intensificaram-se as práticas de prestação de contas (accountability), o que

levou à incorporação de“um conjunto de ideias fundadas no valor econômico e de

instrumentos capazes de medir a viabilidade econômica de um projeto, bem como os

impactos econômicos de um programa executado”. Apesar de reconhecer a importância da

economia na vida humana, Dias Sobrinho (2004) critica sua excessiva valorização como

balizadora dos valores pessoais e sociais, assim como o uso da avaliação da educação

como um de seus instrumentos, ressaltando que a educação superior não deve ser avaliada

somente a partir de instrumentos da economia que quantifiquem a qualidade sob o pretexto

de gerar produtividade e eficiência. O autor enfatiza que o controle, adotando-se uma

perspectiva complexa, deve ser complementado por meio da produção de sentidos e

significados atrelados aos valores de construção da sociedade democrática, na qual exista a

preocupação com a formação de cidadãos e não apenas de capital humano capacitado

profissionalmente.

A partir do ponto de vista dos autores estudados, é possível identificar que os

aspectos econômicos exerceram forte influência na maneira como a educação superior e

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sua avaliação foram concebidas no período que se constitui em objeto do presente estudo.

A ideologia neoliberal, fortalecida no Brasil a partir da década de 90, aprofundou a

consideração da educação superior como instrumento voltado a suprir as necessidades do

mercado, sendo ela própria concebida como um produto mercadológico e sujeita aos seus

preceitos, em especial a busca por eficiência e competitividade. As Instituições de Ensino

Superior (IES) passaram a ser administradas de acordo com a lógica empresarial, na qual o

objetivo de produzir mais com menos gastos traduziu-se sob a forma de expansão deste

nível de ensino pela via privada, o que veio acompanhado da necessidade de controle da

qualidade do ensino ofertado. A partir desta necessidade, o Estado adota o papel de

avaliador, realizando avaliações focadas em resultados e na comparação destes para fins de

competitividade. Esta concepção de avaliação, ao enfatizar apenas os resultados, acaba por

negligenciar o processo e a autonomia das instituições, bem como a formação de cidadãos

comprometidos não apenas como o mercado de trabalho, mas também com o

desenvolvimento da sociedade.

As políticas de avaliação da educação superior no período de 1995 a 2010

Busca-se, nesta seção, identificar de que forma os conceitos, discutidos na seção

anterior, de educação superior e de avaliação concebidos no contexto econômico

neoliberal, influenciaram o delineamento das políticas referentes a esta temática. Tendo-se

como objetivo complementar identificar se a transição do governo Fernando Henrique

Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e

2007-2010), trouxe alterações quanto a estas políticas, a presente seção foi dividida em

duas subseções, nas quais são apresentadas e discutidas especificamente as políticas de

avaliação da educação superior existentes nos governos de cada um destes presidentes,

bem como seus principais instrumentos.

Políticas de avaliação da educação superior nos governos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002)

A principal política de avaliação da educação superior do governo FHC é

representada pela Lei nº 9.131/95, que instituiu o Conselho Nacional de Educação (CNE),

em substituição ao Conselho Federal de Educação (CFE), e criou o Exame Nacional de

Cursos (ENC), que ficou conhecido como “Provão”. O Provão consistia em uma avaliação

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anual realizada com o objetivo de “aferir os conhecimentos e competências adquiridos

pelos alunos em fase de conclusão dos cursos de graduação” (BRASIL, 1995, § 1º, Art.

3º).A extinção do CFE e a criação do CNE conferiu maior autonomia ao Ministério da

Educação (MEC) na condução do processo de expansão do ensino de graduação

(CORBUCCI, 2004, p. 682). Dentre as atribuições do CNE encontrava-se a deliberação

quanto à autorização, credenciamento e recredenciamento de instituições de educação

superior, com base em relatórios e avaliações emitidos pelo MEC (BRASIL, 1995, alínea

e, § 1º, Art. 9º). Assim, evidencia-se a conexão proposta quanto a processos avaliativos e

regulatórios, a qual, na visão de Tavares, Oliveira e Seiffert (2011, p. 238), conserva a

lógica empresarial que vinha sendo aplicada ao ensino superior desde a década de 1980,

tornando os financiamentos institucionais dependentes da regulação.

Tavares, Oliveira e Seiffert (2011, p. 238) consideram que a política de avaliação

da educação superior instituída no governo FHC possui semelhanças com as políticas

avaliativas adotadas até então (GERES e PAIUB), porém, ao contrário destas, foca-se em

cursos e não na instituição como um todo. Os autores relacionam essa mudança com a

necessidade do Estado de, diante da percepção dos elevados custos inerentes a este nível de

escolaridade, prestar “contas da qualidade e da amplitude dos serviços que as IES

[Instituições de Ensino Superior] oferecem à sociedade em ensino, pesquisa e extensão”.

Quanto à relação entre financiamentos e avaliação objetivista, Dias Sobrinho (2004, p.717)

acrescenta que “a responsabilidade de demonstrar eficiência e produtividade é tanto maior

quanto mais reduzidos vão se tornando os orçamentos das instituições”. Carneiro e Novaes

(2008, p. 720) destacam a expansão pela via privada como uma das características das

políticas de ensino superior do governo FHC, assim como a busca por “estabelecer um

aparato normativo de regulação que visava se alinhar aos principais processos avaliativos”.

Tavares, Oliveira e Seiffert (2011, p.238), articulam estas duas características, afirmando

que a avaliação tornou-se mais burocratizada à medida que o Estado reconheceu sua

incapacidade de exercer controle sob o setor privado, o que fez com que a política vigente

até então (PAIUB) de caráter qualitativo, formativo, emancipatório e com foco

institucional fosse substituída por uma concepção de avaliação classificatória, regulatória,

com foco em cursos e voltada a atingir objetivos de mercado.Ribeiro (2012, p. 304)

compartilha deste ponto de vista, caracterizando a avaliação proposta pela Lei nº 9.131/95

como “classificatória, imediatista, finalística, sem a participação dos atores acadêmicos e

totalmente realizada externamente à Universidade”. A autora considera que, mesmo após a

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inclusão de outros instrumentos (Censo de Educação Superior e Avaliação das Condições

de Ensino – ACE), baseados em visitas in locoàs instituições realizadas por Comissões de

Especialistas designadas pelo MEC, que abordavam aspectos pedagógicos e estruturais, o

Provão ainda permaneceu no centro do processo avaliativo.Tendo o Provão como

instrumento principal da política avaliativa, o padrão de qualidade de um curso baseava-se

na qualidade de seus alunos, evidenciando assim a valorização do resultado, o que encontra

consonância na perspectiva de prestação de contas. Ribeiro (2012, p.305) ressalta o apelo

ideológico presente nesta política avaliativa orientada exclusivamente a resultados, onde se

objetiva conceder “à sociedade o poder de escolha sobre os produtos educacionais

oferecidos, à semelhança do que acontece no mercado”.

Calderón, Poltronieri e Borges (2011, p.820) apontam que o Provão recebeu

diversas críticas da comunidade acadêmica ao longo dos anos em que foi utilizado (1996-

2003). Dentre estas, destacam “a utilização dos resultados do desempenho dos alunos para

conceituar as instituições e a apresentação dos resultados em forma de rankings”, o que

apontam ser considerado por alguns autores como uma busca por realizar propaganda e

marketing institucional, bem como oportunização de dupla regulação, exercida tanto pelo

Estado quanto pelo mercado. Por outro lado, revelam que alguns autores defendem que o

Provão possibilitou a identificação de pontos de melhoria das instituições, promovendo a

“competição saudável” e a transparência. Além disso, ressaltam que, tanto críticos quanto

defensores do Provão reconhecem sua importância, por ter colocado a avaliação em pauta

na sociedade e na educação.Segundo Ribeiro (2012, p.305), a avaliação da educação

superior realizada no mandato de Fernando Henrique Cardoso, na qual predominou o

resultado do Provão como mecanismo regulatório externo, desconsidera a identidade, as

particularidades e o projeto institucional das IES. Bertolli (2009 apud TAVARES;

OLIVEIRA; SEIFFERT, 2011, p.239) questiona se esta política voltada à emissão de

conceitos de qualidade contribui efetivamente com a promoção da qualidade da educação

superior ou somente com sua mercantilização.A elaboração de rankings voltados a

comparações entre instituições é apontada por Dias Sobrinho (2004, p.711) como

condizente com a ideia-chave do liberalismo, a liberdade de escolha, expressa aqui como a

liberdade do “cliente” em escolher, de forma pretensamente objetiva, as melhores opções

das quais dispõe. O autor considera que instrumentos como este, ao promoverem a

competição, deixam de fortalecer valores históricos da universidade, como a solidariedade

e a cooperação.

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Com base na legislação e artigos estudados, é possível identificar que a política de

avaliação da educação superior vigente ao longo do governo FHC amparou-se fortemente

na lógica empresarial inerente às políticas econômicas de cunho neoliberal iniciadas no

governo Fernando Collor de Mello e aprofundadas neste período. Dentre as características

que apontam neste sentido, encontra-se o uso da avaliação como instrumento regulatório,

tanto para a obtenção de financiamento institucional proveniente do Estado e prestação de

contas à sociedade, quanto para conceder poder de escolha ao “cliente” quanto às

“melhores” IES, o que ressalta o caráter mercadológico atribuído à educação superior neste

ideário.O instrumento principal utilizado nesta política foi o Exame Nacional de Cursos

(ENC), que se tornou amplamente conhecido como Provão, o qual predominou com

relação aos demais instrumentos, em especial devido a seu forte apelo de marketing

institucional propiciado pela elaboração e ampla divulgação de rankings de categorização

das melhores instituições.

Políticas de avaliação da educação superior nos governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010)

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trouxe, logo no início de seu

mandato, a proposta de realização de uma reforma ampla da educação superior, orientada

pela necessidade de “democratizar o acesso a esse nível de formação e de inserir a

universidade no projeto de desenvolvimento nacional”. Dentre as iniciativas componentes

deste projeto destacam-se o Programa Universidade Para Todos (PROUNI) e o sistema

especial de cotas destinadas a alunos da rede pública e pertencentes a estratos étnicos que

compõe parte significativa da população de baixa renda do país (CORBUCCI, 2004,

p.695). Além destas medidas, também merece destaque a instituição do Programa de

Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o qual

possui como metas o aumento de vagas, a ampliação de cursos, as inovações pedagógicas,

o combate à evasão, a elevação da taxa de aprovação, o aumento da proporção

professor/aluno e a ampliação da mobilidade estudantil. Às universidades que aderirem ao

programa, é destinado um aumento de financiamento, para que possam atingir as metas

propostas (FERREIRA, 2012, p.463).

No que tange especificamente às políticas de avaliação da educação superior, foi

constituída, pelo então Ministro da Educação, a Comissão Especial de Avaliação, a qual

ficou responsável por revisar a política adotada no governo FHC e propor reformulações

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quanto a seus instrumentos e processos (TAVARES; OLIVEIRA; SEIFFERT, 2011,

p.244). De acordo com Ribeiro (2012, p.306), a expectativa da comunidade acadêmica

quanto aos trabalhos desta comissão, que se pautava pelo rompimento com o modelo

anterior, era por uma “proposta de avaliação para a educação superior balizada na

concepção formativa e pedagógica de avaliação, oportunizando ´olhar´ a universidade em

todas as suas dimensões”.Entretanto, a Comissão deliberou pela manutenção da

necessidade, presente no modelo anterior, de regulação por parte do Estado baseada em

critérios quantitativos, a qual se encontra amparada na consideração da educação superior

como um instrumento de aprimoramento do mercado de trabalho, atribuindo assim à

avaliação “um caráter predominantemente técnico, preocupado antes com a mensuração de

resultados em termos de ensino, e em segundo plano com a produção de conhecimento e a

prestação de serviços comunitários” (TAVARES; OLIVEIRA; SEIFFERT, 2011,

p.244).Por outro lado, a Comissão reconheceu a possibilidade de a avaliação ir além da

busca por indicadores exclusivamente quantitativos, questionando se seu papel na

sociedade seria somente voltado à coleta de dados e ao controle de desempenho, “ou

alcançaria práticas mais afeitas ao que se possa denominar de uma avaliação

emancipatória, voltada para a formação da cidadania, para a produção de conhecimentos

como força produtiva e com a prevalência de juízos de valor” (TAVARES; OLIVEIRA;

SEIFFERT, 2011, p.244).Assim, das discussões do governo com a sociedade, as quais,

conforme ressalta Ribeiro (2012, p. 306), envolveram mais o mundo acadêmico e menos o

mundo produtivo, foi criado o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior

(SINAES), instituído por meio da Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2014.

Tavares, Oliveira e Seiffert (2011, p. 245) consideram que o SINAES, por possuir

características tanto regulatórias quanto emancipatórias, pode ser visto como um sistema

misto. Ressaltam ainda que, quando comparado a outros modelos de avaliação

desenvolvidos no Brasil, o SINAES revela-se um sistema integrador, pois busca analisar a

totalidade da educação superior, contribuindo para a proposição de políticas tanto em nível

nacional quanto institucional. Ribeiro (2012, p.307) também considera que a proposta do

SINAES “visa garantir a articulação da natureza formativa, voltada para a perspectiva de

autoconhecimento das instituições, com as funções de natureza regulatória próprias do

Estado”, nas quais os resultados da avaliação embasam o credenciamento de instituições e

a autorização, o reconhecimento e a renovação de reconhecimento de cursos. Para a autora,

o SINAES, de forma inédita no país, delimita as ações do Estado com relação à educação

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superior, diferenciando avaliação, regulação e suas interfaces, enfocando a avaliação

institucional e oportunizando um processo de avaliação formativo.

A avaliação institucional proposta pelo SINAES possui um escopo abrangente,

buscando observar os seguintes aspectos, os quais constituem dimensões da avaliação:

missão e plano de desenvolvimento institucional; política para o ensino, pesquisa, pós-

graduação e extensão; responsabilidade social; comunicação com a sociedade; políticas de

pessoal; organização e gestão; infraestrutura; planejamento e avaliação; políticas de

atendimento aos estudantes e sustentabilidade financeira (BRASIL, 2004, Art. 3º).Dentre

os instrumentos previstos para realização das avaliações institucionais, encontram-se a

autoavaliação institucional, realizada com o apoio da Comissão Própria de Avaliação

(CPA) de cada instituição, e a avaliação externa in loco, realizada por comissões

constituídas para este fim. Além da avaliação institucional, também são realizadas

avaliações dos cursos e do desempenho dos alunos. Para a avaliação dos cursos, o

instrumento principal utilizado são também as comissões externas, compostas por

especialistas da respectiva área de conhecimento. Para a avaliação do desempenho dos

alunos, é utilizado o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), aplicado

periodicamente a alunos dos primeiros e últimos anos dos cursos de graduação. A cada um

destes fatores avaliados (avaliação institucional, avaliação de cursos e avaliação de

desempenho dos alunos) são atribuídos conceitos de 1 a 5. No caso da avaliação

institucional são atribuídos conceitos a cada uma das dimensões avaliadas e também ao

conjunto destas, sempre buscando respeitar as particularidades de cada instituição

(BRASIL, 2004).

Entretanto, em 2008, um ano após o início do segundo mandato de Lula, foram

instalados dois novos indicadores no âmbito da educação superior brasileira: o Conceito

Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos da Instituição de Educação Superior

(IGC). Rothen e Barreyro (2009, p. 745) consideram que, com a criação destes, iniciou-se

um processo de mudança de concepção do SINAES, a qual impactou na minimização dos

instrumentos de autoavaliação institucional e de avaliação de cursos, no ranqueamento de

instituições com base no IGC e na sobrevalorização do ENADE como instrumento de

composição destes novos índices. Calderón, Poltronieri e Borges (2011, p. 821) também

ressaltam o destaque adquirido pelo ENADE em detrimento dos outros dois instrumentos

avaliativos (avaliação institucional e avaliação de cursos), o que fez emergir novamente na

mídia os rankings, assemelhando-se ao que ocorria com relação ao Provão, instrumento

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avaliativo adotado no governo FHC. Porém, os autores apontam que, diferentemente do

governo FHC, no qual os rankingseram elaborados pela mídia, estes passaram a ser

divulgados pelo próprio MEC, alçando o ENADE à fonte principal de formulação de

índices de qualidade e contrariando os preceitos do SINAES. Assim, conforme enfatizam

Tavares, Oliveira e Seiffert (2011, p. 246), os resultados do ENADE, o qual enfoca apenas

o desempenho dos estudantes, passaram a ser mais valorizados que todo o processo de

análise e reflexão institucional propiciado pelos demais instrumentos avaliativos. Calderón,

Poltronieri e Borges (2011, p. 815) também criticam as alterações realizadas, apontado que

estas trazem o afastamento do paradigma emancipatório da avaliação educacional e a

reedição de práticas neoliberais do governo anterior às quais o SINAES buscava combater,

como a “hipervalorização da concorrência entre as instituições educacionais e dos rankings

com ampla divulgação na mídia”. Os autores ressaltam a semelhança do novo panorama da

política avaliativa do governo Lula ao ocorrido no governo FHC: a primazia de um

instrumento avaliativo em detrimento dos demais e a utilização dos rankings como

“instrumentos indutores da qualidade por meio da concorrência, dinamizando o mercado

educacional”.

Calderón, Poltronieri e Borges (2011, p. 815), além de questionarem a eficácia dos

rankings na promoção da qualidade da educação, chegam a questionar se o fato destes, que

foram tão fortemente rejeitados pela comunidade acadêmica ao longo do governo FHC,

terem retomado sua força no governo Lula indica a possibilidade de que tenham se

consolidado, de uma política inerente a um governo específico, a uma política de Estado,

perdurando em longo prazo. Os autores consideram que os rankings

ganharam primazia e legitimidade técnica enquanto instrumentos de avaliação, incorporando as orientações da Nova Gestão Pública na área da educação: a concorrência como elemento indutor da qualidade, a avaliação por resultados como referência para auferir a qualidade, a transparência das informações como elemento chave para o controle e atuação dos consumidores e a responsabilização das Instituições Educacionais pela melhoria da qualidade e pelo desempenho dos alunos” (CALDERÓN; POLTRONIERI; BORGES, 2011, p.816).

Ribeiro (2012, p. 308) destaca o impacto da avaliação às IES, em especial no que se

refere à indução destas quanto ao cumprimento de “um dado padrão de qualidade para

obter conceitos positivos e se manter competindo no mercado”. Especificamente com

relação às universidades federais, Ferreira (2012, p. 465) também enfatiza que, embora

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tenha havido um maior financiamento da expansão destas no governo Lula em relação ao

governo FHC, os indicadores de desempenho exigidos pelo REUNI permanecem

embasados na perspectiva de enfoque na racionalização e na eficiência. Dias Sobrinho

(2004, p. 718) também reforça a determinação centralizadora dos objetivos e atividades da

comunidade universitária a partir de avaliações objetivistas e produtivistas que, segundo

ele, vinculam-se “às ideologias do individualismo e da competitividade, próprios de uma

sociedade cujo valor central é o mercantilismo”.

Entretanto, pesquisa realizada por Ribeiro (2012) junto a docentes de instituições de

ensino superior públicas e privadas revela que os resultados da avaliação destes ocorrida

no âmbito da autoavaliação institucional têm possibilitado ressignificações na gestão

institucional, bem como a reflexão dos próprios docentes quanto a seu trabalho, o que

indica impactos positivos que a avaliação de cunho emancipatório pode trazer às

instituições.

Com base na legislação e artigos estudados, é possível identificar que o governo

Lula, por meio da criação do SINAES, indicou a perspectiva de articular nos processos

avaliativos uma perspectiva regulatória, voltada ao controle, com uma emancipatória,

voltada à produção de sentido e autonomia institucional, rompendo, ao menos em parte,

com a lógica essencialmente empresarial por meio da qual vinha sendo conduzido este

processo no governo anterior. Entretanto, em seu segundo mandato, parece ter havido uma

retomada dos princípios neoliberais, por meio da exacerbação dos resultados do ENADE

(focados exclusivamente no produto do ensino) em detrimento dos demais instrumentos

avaliativos (que enfatizam o processo). Além disso, ressalta-se a importância que a

avaliação possui quanto à destinação de financiamentos, como aqueles provenientes do

REUNI, o que, de forma indireta determina de maneira externa à instituição um padrão de

qualidade a ser seguido. Pode-se afirmar que o governo Lula, especificamente no campo da

educação superior, trouxe alguns avanços com relação a seu antecessor no sentido de

ampliação do acesso à universidade bem como no investimento nas IFES, porém, no que se

refere à avaliação, foi mantido o foco na competitividade, tanto intra quanto

interinstitucional, determinando a obtenção de financiamentos.

Conclusões

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Tendo em vista que o contexto no qual as políticas públicas são elaboradas exerce

forte influência quanto ao delineamento de seus princípios, propósitos e aplicações, e que,

dentre os componentes desse contexto, possuem grande relevância aqueles relacionados à

economia, buscou-se por meio deste estudo identificar de que forma o neoliberalismo,

enquanto “modelo” econômico, influenciou especificamente as políticas de avaliação da

educação superior brasileira no período de 1995 a 2010.

Evidenciou-se, por meio das legislações e bibliografia estudadas, a forte

predominância das políticas econômicas em detrimento das políticas sociais, já que os

avanços sociais propostos na Constituição de 1988 encontraram dificuldades de aplicação,

devido ao contexto de retração econômica no qual foram estruturadas, o qual exigiu a

redução dos gastos do Estado em diversas áreas, inclusive a educação superior, foco

principal deste estudo.Desde o governo Fernando Collor de Mello (1990-1994), buscando-

se superar a defasagem econômica brasileira com relação aos países desenvolvidos, foram

iniciadas reformas de cunho neoliberal, associadas às recomendações dos organismos

financeiros internacionais, as quais foram aprofundadas no governo Fernando Henrique

Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), que buscava, em seu primeiro mandato, manter a

estabilidade econômica conquistada por meio do Plano Real e, no segundo, lidar com os

efeitos das crises no mercado financeiro.O papel destinado ao Estado nesse período

concentrou-se na garantia do livre mercado, o que também levou a uma visão

mercadológica da educação superior, na qual o conhecimento passou a ser visto como

estratégia de competitividade, fazendo com que as Instituições de Ensino Superior (IES)

fossem administradas de maneira gerencial/empresarial.

Dentre os impactos da lógica de mercado aplicada às instituições de ensino

encontram-se a redução dos investimentos do Estado na educação superior pública e a

consequente expansão deste nível de ensino pela via privada, o que veio acompanhado de

uma necessidade de criação de um sistema de avaliação voltado a garantir a qualidade do

ensino ofertado, marcando, assim, o papel do Estado Avaliador, focado no controle de

resultados. Com base nesse papel, no primeiro mandato de FHC entra em vigor a Lei nº

9.131/95, da qual se destaca como instrumento avaliativo da qualidade da educação

superior o Exame Nacional de Cursos (ENC), conhecido por Provão, o qual foi

predominantemente criticado pela comunidade acadêmica por focar exclusivamente no

desempenho dos alunos (deixando em segundo plano outros instrumentos avaliativos que

contemplavam aspectos formativos) e em cursos de graduação (não contemplando a visão

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da instituição como um todo), em consonância com a lógica da administração gerencial. Os

resultados do Provão também tiveram grande destaque na mídia, por meio da elaboração

de rankings de categorização das melhores instituições, o que coaduna com o princípio

liberalista da liberdade de escolha. Além de se enquadrarem no papel de propaganda

voltada ao “cliente”, os resultados do Provão também embasavam o financiamento das

instituições, ressaltando assim o uso da avaliação como instrumento de regulação, tanto por

parte da sociedade quanto do Estado.

A ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder (2003-2006 e 2007-2010)

representou para muitos a expectativa de mudanças, já que o Partido dos Trabalhadores

(PT), quando oposição, apresentava duras críticas ao modelo neoliberal em vigor. Num

primeiro momento, no campo da educação superior, acenou-se com uma avaliação que

incluía, além de aspectos quantitativos voltados ao controle e à regulação, também

aspectos emancipatórios, valorizando as particularidades e a autonomia de cada instituição.

Esta proposta de avaliação foi consolidada na Lei nº 10.861/2004, que instituiu o Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES).

O SINAES apresenta uma perspectiva abrangente, incluindo três instâncias de

avaliação: a avaliação institucional (da qual faz parte o processo de autoavaliação e as

avaliações por comissões externas), a avaliação de cursos (também realizada por comissões

de especialistas) e a avaliação de desempenho dos alunos (cujo instrumento principal é o

ENADE). Entretanto, no início do segundo mandato de Lula, foram criados dois novos

índices, IGC e CPC, os quais impactaram em alterações na concepção do SINAES.A partir

da criação destes novos índices, é possível observar que a concepção de avaliação da

educação superior do governo Lula passa a assemelhar-se àquela adotada no governo

anterior e com a qual, inicialmente, buscava-se ruptura. A exemplo do que ocorrera com o

Provão, o ENADE passa a sobressair-se com relação aos demais instrumentos avaliativos,

gerando também a classificação de instituições por meio de rankings amplamente

divulgados na mídia, porém, desta vez endossados pelo próprio MEC.

Assim, é possível questionar, como fazem Calderón, Poltronieri e Borges (2011), se

a política de avaliação da educação superior baseada em uma perspectiva classificatória

voltada à competitividade estaria se consolidando ao ponto de se tornar uma política de

Estado. Tendo em vista ser este panorama intimamente ligado ao ideário neoliberal, é

possível questionar ainda, sob a perspectiva econômica, se este estaria se consolidando

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como política de Estado, justificando sua manutenção em longo prazo, independentemente

do grupo político no poder.

Entretanto, diversos autores questionam a real contribuição de avaliações

objetivistas e classificatórias para a melhoria da qualidade da educação superior, além de

apontar que a excessiva valorização de aspectos economicistas negligencia aspectos

referentes à autonomia das instituições de ensino superior na produção de sentido e

significado, bem como seu papel social enquanto formadoras de cidadãos capazes de

contribuir para a construção da sociedade democrática e não apenas com o mercado.

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