A APLICAÇÃO CONJUNTA DAS PREFERÊNCIAS … um papel central na orientação dos agentes...

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A APLICAÇÃO CONJUNTA DAS PREFERÊNCIAS SOBRE O PREÇO NAS COMPRAS GOVERNAMENTAIS DO GOVERNO FEDERAL RAFAEL SETÚBAL ARANTES

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A APLICAÇÃO CONJUNTA DAS PREFERÊNCIAS

SOBRE O PREÇO NAS COMPRAS

GOVERNAMENTAIS DO GOVERNO FEDERAL

RAFAEL SETÚBAL ARANTES

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Painel 55/167 A implementação das políticas de fomento nas compras públicas: resultados e perspectivas

A APLICAÇÃO CONJUNTA DAS PREFERÊNCIAS SOBRE O PREÇO

NAS COMPRAS GOVERNAMENTAIS DO GOVERNO FEDERAL

Rafael Setúbal Arantes

RESUMO

Trata-se de uma análise técnico-jurídica da sistemática de aplicação conjunta dos quatro tipos de preferências sobre o preço nas licitações públicas: o “empate ficto” e

a preferência para as microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito local e regional (artigos 44 e 45 e o § 3o do art. 48 da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006, regulamentada pelo Decreto no 6.204, de 5 de setembro de

2007); a preferência para bens e serviços de informática e automação com o Processo Produtivo Básico – PPB e Tecnologia Desenvolvida no país – P&D (art. 3o

da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991, regulamentado pelo Decreto no 7.174, de 12 de maio de 2010); e as Margens de Preferência para produtos e serviços que atendam às Normas Técnicas Brasileiras – NTB e com Tecnologia Desenvolvida no

país – P&D (§§s 5o a 8o do art. 3o, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, regulamentado pelo Decreto no 7.547, de 2 de agosto de 2011). Objetiva-se trazer

contribuições para o debate jurídico e orientações para os Compradores Públicos e desenvolver uma metodologia para a interpretação e aplicação das diferentes preferências de preço envolvidas.

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INTRODUÇÃO

As preferências sobre o preço são aquelas previstas na legislação

brasileira que garantem ao beneficiado alguma vantagem competitiva na licitação

em relação ao preço dos demais licitantes. Essa vantagem pode ser real, quando a

Lei prevê a possibilidade de contratação por preço superior ao menor preço obtido

na licitação, ou pode ser ficta, quando a Lei garante apenas o direito de oferecer

uma nova proposta ou um último lance na licitação.

No âmbito do Governo Federal, são quatro as principais preferências

sobre o preço previstas na legislação:

1) margens de preferência para produtos manufaturados nacionais e

serviços nacionais, nos termos do art 3o e §§ 5o a 8o da Lei no 8.666,

de 1993, aplicável quando a proposta vencedora for de produto ou

serviço estrangeiro e houver a previsão de aplicação da margem de

preferência para o objeto da licitação em Decreto específico do

Governo Federal;

2) margem de preferência para microempresa e empresas de pequeno

porte sediadas local ou regionalmente, nos termos do art. 48, § 3o da

Lei Complementar no 123, de 2006, de aplicação discricionária,

limitada apenas para os benefícios previstos nos incisos do próprio art.

48;

3) critério para desempate em favor das microempresas e empresas de

pequeno porte, nos termos dos arts. 44 e 45 da Lei Complementar

123, de 2006, aplicável quando a proposta vencedora for de uma

média ou grande empresa; e

4) critério de desempate em favor de bens e serviços de informática e

automação, nos termos do art. 3o da Lei no 8.248, de 1991, aplicável

quando o bem ou serviço ofertado pela proposta vencedora não

atender ao Processo Produtivo Básico – PPB ou não possuir

tecnologia desenvolvida no país – P&D.

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Para facilitar a leitura e tornar o texto mais conciso, irei me referir às

Margens de Preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais, com

Tecnologia Desenvolvida no País – P&D, apenas como Margens de Preferência. Já

as preferências para as MPEs serão tratadas como “empate ficto para MPE” (artigos

44 e 45 da LC no 123 de 2006) e Margem para MPE local (§ 3o do art. 48 da LC no

123, de 2006), enquanto as preferências para serviços de informática e automação

dispostas pelo Decreto no 7.174, de 2010, serão mencionadas como “empate ficto

para o PPB e P&D”.

Como se percebe, as preferências sobre o preço estão dispersas em

diversas legislações, o que tem causado problemas para a Administração Pública

Federal, o que diminui a eficiência da gestão pública e aumenta a interferência

judicial e a insegurança jurídica nas licitações. Estes fatos se agravam em razão de

que essas normas foram elaboradas em diferentes momentos e com metodologias

diferenciadas, desarticuladas e não integradas.

É preciso, portanto, buscar uma interpretação normativa que articule e

integre as diferentes metodologias, considerando não apenas a finalidade de cada

preferência, mas também a sua natureza e impacto frente aos princípios e objetivos

das contratações públicas, como veremos a seguir.

O USO DO PODER DE COMPRA DO ESTADO

A partir da publicação da Lei Complementar no 123, de 14 de Dezembro

de 2006, o Brasil iniciou um forte movimento de adaptação do seu ordenamento

jurídico para permitir o direcionamento do poder de compra do Estado para o

desenvolvimento nacional sustentável. Isto significou a publicação de uma série de

instrumentos normativos que estabeleceram preferências nas licitações em favor de

setores vulneráveis, sensíveis, ou estratégicos da economia nacional, incorporando

objetivos de políticas públicas nas compras governamentais, tais como a geração de

emprego e renda, o fomento à inovação tecnológica, a proteção ao meio ambiente e

a minorias hipossuficientes, distribuição de renda, redução das desigualdades

regionais etc.

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O uso do poder de compra do Estado tem sido considerado na seara

internacional como um importante instrumento de atuação do Estado, com

potencialidades econômicas, sociais e ambientais, já que possibilita ao Estado

desempenhar um papel central na orientação dos agentes econômicos quanto aos

padrões do sistema produtivo e de consumo, incluindo o estímulo à inovação

tecnológica.

O direcionamento do Poder de Compra do Estado tem como principal

objetivo ser um instrumento de implementação de políticas públicas, já que busca

gerar resultados positivos nas áreas social, ambiental e econômica, primando pela

função social da contratação pública.

Entende-se, portanto, que o Estado deve zelar para que suas

contratações alcancem não apenas os objetivos tradicionais de aquisição de

produtos, serviços e obras com a melhor relação custo -benefício (proposta mais

vantajosa) e isonomia (democratização do acesso), mas também favoreçam ao

desenvolvimento sustentável, de modo que se tornem um instrumento para fomentar

um desenvolvimento econômico socialmente justo e ambientalmente correto.

Verifica-se que o “Uso do Poder de Compra do Estado”, por sua própria

natureza e flexibilidade, tem os atributos necessários para gerar impacto na

competitividade industrial e tecnológica, já que a Administração Pública, enquanto

consumidora em grande escala de bens e serviços, está em posição ideal para a

implantação de sistema de indução de produtividade, controle de qualidade, fomento

à inovação e transferência de tecnologia, servindo ainda como instrumento para que

o Estado assuma a posição de liderança na condução de iniciativas relacionadas à

indução do consumo sustentável pela sociedade.

Ademais, as preferências nas licitações são importantes para a proteção

da indústria nacional contra práticas de comércio desleal ou de produção e consumo

não-sustentáveis, como por exemplo, o trabalho escravo, infantil e outras práticas

que desrespeitam os direitos humanos, em todas as suas dimensões.

Feitas as considerações preliminares sobre o “Uso do Poder de Compra

do Estado”, é importante analisar os principais tipos e categorias de preferência em

compras governamentais nas práticas internacionais e nacionais.

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As preferências nas compras podem ser divididas em duas categorias

com base no modo de concessão: 1ª) as preferências sobre o preço; e 2ª) as

preferências de reservas de mercado. Como já destacamos, as preferências sobre o

preço são aquelas que oferecem alguma vantagem competitiva para o preço do seu

beneficiário na licitação em relação aos demais licitantes, sem restringir a

participação de fornecedores ou produtos (ex. as margens de preferência do art. 3o,

§§s 5o a 8o da Lei no 8.666, de 1993). Já as preferências de reserva de mercado

restringem uma determinada contratação pública apenas aos beneficiados pela

preferência, reservando assim uma parcela do mercado das compras

governamentais àqueles que atenderem às suas condições e critérios de aplicação

(exemplo: licitação exclusiva para as MPEs nas contratações até R$ 80.000,00).

Além do modo de concessão (Preço vs Reserva de Mercado), as

preferências também podem ser classificadas quanto ao critério para a sua

concessão. Os principais critérios existentes na seara internacional podem ser

divididos em três categorias.

CLASSIFICAÇÃO DAS PREFERÊNCIAS NAS COMPRAS PÚBLICAS

I. Características do licitante – exemplos: seu local de origem, porte,

natureza, atividade produtiva ou comercial etc.;

II. Características do produto, serviço o obra – exemplos: local de

origem do processo de fabricação/execução; local de origem da

tecnologia, menor impacto ambiental, tipo de metodologia de

fabricação/execução etc.; e

III. Características dos sócios ou da mão de obra do licitante –

exemplos: empresas de veteranos de guerra, de afrodescendentes,

percentual mínimo de trabalhadores locais etc.

No Brasil, temos apenas preferências com base nos critérios I e II, já que

em que pese a Consolidação das Leis Trabalhistas prever a obrigatoriedade de 2/3

da mão de obra local para algumas atividades comerciais, não se trata de uma

exigência na licitação, e sim para o exercício dessas atividades no Brasil. Entretanto,

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outros países, como os EUA e a África do Sul, possuem também preferências

concedidas em razão de características dos sócios e da mão de obra empregada

(afrodescendentes, veteranos de guerra etc.).

Por fim, como também já mencionamos, é possível classificar as

preferências quanto à sua materialidade (impacto), já que ela pode ser real

(material) ou ficta (processual). A preferência real ou material é aquela que oferece

uma vantagem econômica concreta para o beneficiário, como, por exemplo, a

possibilidade do licitante ser contratado ainda que o seu preço seja mais caro do que

o menor preço obtido na licitação, definindo-se um percentual máximo admissível de

margem de preferência sobre o preço (a exemplo das margens de preferência

previstas no art. 3o, §§s 5o a 8o da Lei no 8.666 de 1993). Já a preferência ficta ou

processual é aquela que concede ao beneficiário apenas uma vantagem processual

na licitação, como o direito a um novo lance ou oferta, quando já encerrada a disputa

na licitação (a exemplo do empate ficto nos termos dos art. 44 e 45 da LC 123, de

2006), ou ainda a concessão do direito ao saneamento da documentação

habilitatória ou técnica (prazo para regularização da documentação fiscal

estabelecido pelos artigos 42 e 43 da LC no 123, de 2006).

ANÁLISE HISTÓRICA

Quando analisamos as preferências sobre o preço no Brasil a partir de

uma perspectiva histórica no Brasil, percebemos que a primeira política consolidada

e estruturada, prevista nos artigos 44 e 45 do Capítulo V da Lei Geral das MPEs,

criou apenas uma preferência ficta, já que ela não admite a contratação por preço

superior ao menor preço obtido na licitação, concedendo apenas o direito a um novo

lance ou oferta. Da mesma forma ocorreu com a segunda preferência sobre o preço

que foi instituída pelo Decreto no 7.174, de 2010, regulamentando o art. 3o da Lei no

8.248, de 1991, criando uma preferência ficta de 10% em favor dos produtos e

serviços de informática e automação com PPB e tecnologia desenvolvida no país.

Entretanto, em 15 de dezembro de 2010, foi promulgada a Lei no 12.349,

de 15 de dezembro de 2010, que alterou o artigo 3o da Lei no 8.666, de 1993,

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incluindo como objetivo das licitações a promoção do desenvolvimento nacional

sustentável, e criou a primeira preferência real no preço nas licitações brasileiras,

instituindo, nos §§s 5o a 8o do art. 3o, a margem de preferência para produtos

manufaturados e serviços nacionais que atendam às normas técnicas brasileiras –

NTB, com a possibilidade de concessão de margem adicional para produtos

manufaturados e serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação

tecnológica realizados no País – P&D, até um limite total de 25% (vinte e cinco por

cento). Na mesma linha, a LC 147, de 07 de agosto de 2014, alterou a LC 123, de

2006 e in stituiu uma nova preferência real sobre o preço, prevendo a possibilidade

de que, nas licitações com o uso dos benefícios previstos no art. 48, inciso I a III, o

órgão ou entidade contratante poderá adotar uma margem de preferência de 10%

em favor das MPEs sediadas local ou regionalmente.

Diferentemente das primeiras preferências sobre o preço instituídas pela

LC no 123, de 2006 e pela Lei no 8.248, de 1991, as margens de preferência do novo

art. 3o da Lei no 8.666, de 1993 e a margem para MPEs locais do novo § 3o do art.

48 da LC no 123, de 2006, permitem à Administração contratar com um sobre preço,

até o limite previsto em Lei. As demais preferências estabelecem apenas uma

situação de “empate ficto”, isto é, determinam que até certa diferença percentual no

preço, as propostas serão consideradas como empatadas, possibilitando ao licitante

com o direito de preferência oferecer uma nova oferta de preço para igualar (Lei no

8.248, de 1991) ou cobrir (LC no 123, de 2006) a proposta mais bem classificada.

Quando analisamos os diferentes momentos político-econômicos em que

essas preferências sobre o preço foram instituídas, percebe-se que as preferências

fictas sobre o preço surgiram em um momento de contenção fiscal, em que o

princípio da economicidade preponderava quase como um critério absoluto para

garantir a vantajosidade da contratação, não se aceitando que a Administração

pudesse adquirir bens, serviços ou obras por um preço superior ao menor preço

obtido na licitação. Nesse sentido, tanto a Lei no 8.248, de 1991 e a Lei

Complementar no 123, de 2006, apenas previram uma preferência em situação de

empate, garantindo ao beneficiado a oportunidade para uma nova oferta na licitação,

forçando assim uma redução no preço, a partir de uma presunção ficta de empate

até um determinado limite percentual.

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Entretanto, a partir da constatação de que na seara internacional vários

países adotavam preferências reais no preço, como, por exemplo, os EUA, com o

“Buy American Act” (margem de 25% para ferro, aço e produtos manufaturados

nacionais), e que essas preferências eram importantes para a proteção da indústria

nacional contra a competição predatória internacional, isto é, o dumping ou práticas

de comércio desleal (mão de obra análoga à escrava, ausência de direitos

trabalhistas ou de leis ambientais etc.), e ainda como incentivo à atração de novas

indústrias estrangeiras para a produção no país e para o investimento em tecnologia

no país, foi iniciado um movimento para estabelecer preferências reais sobre o preço

no Brasil. Com isso, a Lei no 8.666, de 1993 foi alterada pela Lei no 12.349, de 15 de

dezembro de 2010, que instituiu as margens de preferência em favor de produtos

manufaturados e serviços nacionais, possibilitando pela primeira vez a aquisição de

produtos ou serviços por um preço superior ao menor preço obtido na licitação.

PREFERÊNCIAS FICTAS VS PREFERÊNCIAS REAIS

Quando aplicamos vários tipos de preferências sobre o preço em uma

mesma licitação, se torna relevante compreender qual a hierarquia entre essas

preferências para que se possa identificar qual delas irá prevalecer em uma situação

em que licitantes diferentes possuam diferentes tipos de preferências.

Enquanto as preferências de empate ficto são uma mera oportunidade

para o lançamento de uma nova oferta de preço na licitação, as preferências reais

sobre o preço implicam em uma vantagem econômica concreta na disputa de

preços, já que o licitante que possuir o direito ao benefício terá garantido o seu

direito à contratação ainda que o seu preço seja superior ao dos licitantes não

beneficiados (até o limite percentual admitido na legislação). Portanto, conclui -se

que as margens de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais,

como preferências reais sobre o preço, são benefícios com maior impacto e

materialidade do que o empate ficto para MPEs e o empate ficto para bens e

serviços de TIC, que são meras preferências fictas sobre o preço. É nesse sentido

que em uma eventual aplicação concomitante de duas preferências, em que um

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licitante possua o direito a uma preferência ficta, e outro possua o direito a uma

preferência real, o segundo deverá prevalecer em detrimento do primeiro, já que não

pode existir uma situação de empate ficto entre duas propostas às quais o legislador

atribuiu pesos diferentes, considerando a segunda mais importante por admitir

inclusive um sobrepreço na licitação. Assim, quando uma proposta for beneficiada

apenas com o empate ficto e outra apenas com as margens de preferência,

prevalece o preço da segunda, que será considerada vencedora, sem que ocorra a

concessão do direito a um novo lance ou oferta para o licitante que seria beneficiado

pelo empate ficto, já que nesse caso não existirá uma situação ficta de empate,

ainda que os preços estejam dentro dos percentuais previstos na legislação, em

razão de uma incompatibilidade lógica entre os dois tipos de preferências.

Trata-se, portanto, de uma interpretação lógica no sentido que quando

houver a aplicação das margens de preferência, as preferências de empate ficto só

podem ser aplicadas em favor das propostas que também fizerem jus às margens,

quando houver, já que é a essas propostas que o legislador privilegiou com o

benefício de serem contratadas prioritariamente, admitindo inclusive a contratação

por preço superior ao dos demais licitantes, o que não ocorre com os beneficiários

das preferências fictas.

“EMPATE FICTO PARA MPEs” VS “EMPATE FICTO PARA TIC”

Em razão das diferentes metodologias e normas aplicáveis em relação ao

empate ficto para MPEs e o empate ficto para TIC, surgiram diversas dúvidas e

divergências de interpretação e aplicação, em especial quando estas duas

preferências fictas são aplicadas concomitantemente. Essas divergências de

interpretação acabaram por gerar o Acórdão TCU-2o Câmara no 4.241, 19 de junho

2012, que entendeu pela aplicação em separado de cada preferência, em

sequência, e de modo terminativo, isto é, quando uma preferência for aplicada,

excluem-se todas as demais que viriam em sequência. Em que pese o referido

Acórdão não ter analisado a interação das preferências de empate ficto com as

Margens de Preferência estabelecidas pela Lei no 8.666, de 1993, formou-se um

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entendimento pela prevalência do empate ficto para as MPEs em relação ao empate

ficto para TIC (Decreto no 7.174, de 2010), que somente seria aplicado caso o direito

ao desempate para as MPEs (novo lance ou proposta) não fosse usufruído.

Entendeu a Egrégia Corte de Contas que a aplicação de cada preferência

deve ser feita de maneira independente das demais, de modo que o critério de

desempate em favor das MPEs estabelecido pela Lei Complementar no 123 de,

2006, não poderia ser transposto para a preferência do PPB ou do P&D, como

determina o parágrafo único do art. 5o do Decreto no 7.174 de, 2010, argumentando

que o art. 3o da Lei no 8.248, de 1991 não fez nenhuma distinção em relação ao

porte da empresa para a concessão da preferência para o PPB ou P&D. Assim,

considerou o Tribunal que o art. 45 da Lei Complementar no 123, de 2006 não

permite que o empate ficto em favor das MPEs seja aplicado mais de uma vez, em

diferentes categorias (inciso I a III do art. 5o do Decreto no 7.174, de 2010), o que

eventualmente poderia ocorrer com a aplicação do art. 8o conjugado com o

parágrafo único do art. 5o, ambos do Decreto no 7.174, de 2010, por considerar que

o direito de preferência estingue-se nos casos em que ele não for exercido pela MPE

beneficiada.

Data vênia o entendimento previsto no Acórdão em questão,

interpretamos de maneira diferente a aplicação concomitante das preferências, já

que a interpretação supracitada retira a eficácia e a efetividade das preferências

estabelecidas na legislação, e não existe nenhuma contradição fundamental ou

lógica, ou qualquer impedimento técnico-jurídico que impossibilite a aplicação

conjunta dessas preferências, como esclareço a seguir.

Inicialmente, consideramos que a sequência sucessiva de aplicação das

preferências disposta pelo art. 8o e incisos do Decreto no 7.174, de 2010, deve servir

apenas para alterar a ordem de classificação das propostas, de modo que a

concessão de uma preferência, em princípio, não pode excluir a aplicação das

preferências seguintes, que podem alterar novamente a classificação, até que se

obtenha a classificação final. Uma aplicação terminativa de cada uma das

preferências, como entende a Corte de Contas, acabaria por impossibilitar a

aplicação conjunta desses atos normativos (LC no 123 de 2006 e Lei no 8248, de

1991), sem uma razão justificável que comprove a inviabilidade de aplicação

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concomitante. Assim, consideramos que a melhor interpretação das preferências

nas licitações é aquela que prima pela eficácia de ambos os dispositivos normativos,

considerando todo o arcabouço jurídico, de modo integrado e harmônico, e

respeitando a hermenêutica teleológica de cada ato normativo. Conclui-se, portanto,

sempre que as preferências puderem ser aplicadas conjuntamente, respeitando as

finalidades de cada uma, encontra-se a melhor interpretação em razão dos

princípios e objetivos da norma.

Quando se observa o critério de aplicação das duas preferências de

empate ficto supracitadas, percebe-se que elas não possuem contradição expressa

ou lógica entre si, já que as preferências da LC no123, de 2006 são concedidas com

base no porte dos licitantes, enquanto o empate ficto do art. 3o Lei no 8.248, de 1991

cria uma preferência em relação às características do bem ou serviço ofertado

(origem do bem ou serviço – PPB e a origem da tecnologia utilizada no seu

desenvolvimento – P&D).

Ademais, o argumento do TCU de que falta amparo legal para a aplicação

casada e concomitante das preferências em compras governamentais não tem mais

fundamento, já que a LC 147, de 07 de agosto de 2014 alterou a Lei no 8.666, de

1993, inserindo os novos §§ 14 e 15 no art. 3o, que dispõem:

§ 14. As preferências definidas neste artigo e nas demais normas de licitação e contratos devem privilegiar o tratamento diferenciado e

favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte na forma da lei. (Incluído pela Lei Complementar n

o 147, de 2014).

§ 15. As preferências dispostas neste artigo prevalecem sobre as demais

preferências previstas na legislação quando estas forem aplicadas sobre produtos ou serviços estrangeiros. (Incluído pela Lei Complementar n

o 147,

de 2014)

Assim, por esses dois novos dispositivos, todas as preferências em

compras governamentais devem privilegiar o tratamento diferenciado e favorecido

para as microempresas e empresas de pequeno porte, o que significa uma

autorização legal para que as preferências sejam aplicadas de forma integrada, isto

é, sempre que houver a aplicação de qualquer preferência em compra

governamentais, as microempresas e empresas de pequeno porte devem ser

inseridas nessas preferências.

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É nesse sentido que considero que a regulamentação do Decreto no

7.174, de 1991 foi recepcionada pelos §§ 14 e 15 da Lei 8.666, de 1993, já que nada

mais fez do que casar o benefício do critério de desempate em favor do produto ou

serviço de TIC nacional (PPB) e com tecnologia nacional, conjuntamente com o

benefício do critério de desempate em favor das microempresas e empresas de

pequeno porte, entendendo que eles devem ser aplicados de forma integrada, um

dentro do outro, aplicando-se a preferência ao porte da empresa (MPE) nos casos

em que forem concedidas as preferências da Lei no 8.248, de 1991.

Assim, diferentemente do que aponta o Acórdão supracitado, entendemos

que a Lei foi alterada para tornar inequívoco que os dois tipos de empate ficto

devem ser aplicados concomitantemente, isto é, sempre que for concedida a

prioridade para o conteúdo e a tecnologia nacional, terão prioridade as MPEs cujos

produtos e serviços também atendam a esses requisitos.

Importa esclarecer ainda outro ponto de divergência entre a interpretação

em tela e o Acórdão em questão. Diferentemente do entendimento do Tribunal

supracitado, que defende uma aplicação sequencial terminativa das preferências (a

aplicação de uma exclui a aplicação das subsequentes), consideramos que a melhor

interpretação para a aplicação sequencial é aquela que permite que elas sejam

aplicadas mais de uma vez, caso a legislação assim o preveja, como nos casos em

que ocorrer a desclassificação, inabilitação ou alteração da classificação do primeiro

colocado e isto resultar em uma situação prevista em Lei para a concessão de outra

preferência sobre o preço. Assim, consideramos, salvo melhor juízo, que a

interpretação da Corte de Contas de que a preferência para MPE deve ser aplicada

uma única vez, extinguindo-se na aceitação ou não aceitação por parte da MPE

beneficiada, não encontra respaldo no texto legal, já que ela deve ser aplicada

também em conjunto com as demais preferências sobre o preço, conforme

determina o § 14 do art. 3o da Lei no 8.666, de 1993.

Assim, importa aplicar novamente as preferências sobre o preço sempre

que houver uma razão legal que assim o determine, já que essas preferências

sempre serão aplicadas em relação à melhor proposta válida, o que significa uma

nova aplicação da preferência sempre que houver alguma alteração da ordem de

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classificação das propostas, conforme estabelece o art. 44, §§s 1o e 2o da LC no

123, de 2006, in verbis:

Art. 44.....................................................................

§ 1o Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas

apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam

iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada. (grifo meu)

§ 2o Na modalidade pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1

o

deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço (grifo meu).

Assim, a proposta de melhor preço não é a proposta originalmente

classificada como de menor preço, independente da sua validade, mas sim a

proposta mais bem classificada que atende às especificações do objeto e que o

licitante cumpre com os requisitos de habilitação.

Para ilustrar a questão, destaco o seguinte exemplo: uma empresa de

grande porte (Empresa A) vence a disputa de lances em um pregão com o preço de

R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais). A segunda colocada, outra empresa de

grande porte (Empresa B), possui o preço final de R$1.030.000,00 (hum milhão e

trinta mil reais) e a terceira colocada, uma MPE (Empresa C), possui o preço de R$

1.040.000,00 (hum milhão e quarenta mil reais). Inicialmente a MPE é convocada

para o exercício do seu direito de preferência (margem de 5% (cinco por cento) em

relação ao preço da Empresa A). Entretanto, a MPE entende que não é capaz de

fazer uma nova oferta com preço inferior a R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais),

já que o seu preço limite seria R$ 1.020.000,00 (hum milhão e vinte mil reais) e com

isso abre mão do seu direito. A Empresa A é considerada vencedora -do certame,

mas na fase de aceitação da sua proposta, verifica-se que as características do seu

produto não atendem aos requisitos do edital, de modo que ela é desclassificada.

Com isso, altera-se a ordem de classificação, em que a proposta de melhor preço

passa a ser a da Empresa B. Como a proposta da Empresa A não era válida,

convoca-se novamente a Empresa C para que exerça o seu direito de preferência

em relação ao novo melhor preço, que é de R$ 1.030.000,00 (hum milhão e trinta mil

reais), e nesse caso a empresa C é capaz de reduzir o seu preço e vencer a

licitação.

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Portanto, sempre que houver, por qualquer motivo, a alteração da ordem

de classificação das propostas, seja pela desclassificação ou inabilitação da primeira

colocada, o empate ficto para as MPEs deve ser novamente aplicado, já que caso

contrário a preferência perderia a sua eficácia por estar vinculada a propostas

inválidas ou não vantajosas para a Administração. Em suma, a LC no 123, de 2006,

é clara ao estabelecer que a preferência para as MPEs deve ser concedida sempre

em relação à proposta mais bem classificada. Entender de outro modo significa

negar a aplicação da preferência para as MPEs em grande parte das situações,

como, por exemplo, quando a primeira colocada esteja com um preço inexequível,

ou existir a aplicação de algum outro critério ou preferência que altere a ordem de

classificação das propostas.

No mesmo sentido, o inciso I do art. 45 da LC no 123, de 2006, que trata

da aplicação da preferência do art. 44, leva ao mesmo entendimento, já que esse

dispositivo prevê que “a microempresa mais bem classificada poderá apresentar

proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame,...(grifo

meu). De todo modo, não poderia ser diferente, já que qualquer preferência deve ser

aplicada apenas em relação à melhor proposta válida (destaco), ou corre-se o risco

de perda de eficácia das preferências em decorrência de propostas invá lidas que

poderiam servir como artifício para excluir o direito de preferência dos beneficiados.

Destaco que a prevalecer o entendimento do TCU, as preferências para o

PPB e para o P&D praticamente seriam inviabilizadas, já que havendo uma MPE

com direito de preferência, todas as demais preferências seriam descartadas, o que

poderia resultar na contratação de empresas meramente atravessadores de

produtos importados e sem tecnologia nacional, retirando completamente a eficácia

da política prevista no art. 3o da Lei no 8.248, de 1991, e no art. 3o da Lei no 8.666,

de 1993.

De fato, as situações de empate ficto previstas nos Decretos no 6.204, de

2007 (MPE) e no Decreto no 7.174, de 2010 (PPB e P&D) são passíveis de

aplicação simultânea, já que a preferência em razão do porte da empresa não exclui

ou impede que também seja concedida simultaneamente a preferência para a

origem e características do produto ou serviço, como o faz o Decreto no 7.174, de

2010, de modo que a combinação das duas preferências não é só possível como

também necessária, sob pena de retirar a eficácia de uma delas.

16

Portanto, os dois tipos de empates fictos devem ser casados,

prevalecendo o direito ao desempate para o fornecedor que atender a ambos os

seus requisitos, isto é, o porte (MPE), e as características do produto ou serviço

(PPB e P&D), como determina o Decreto no 7.174, de 2010.

Alguém poderia argumentar que as preferências estabelecidas pela LC

123, de 2006 deveriam prevalecer sobre todas as demais, por se tratar de uma Lei

Complementar, enquanto as demais preferências estão estabelecidas em Lei

ordinária (Lei no 8.248, de 1991 e Lei no 8.666, de 1993). Entretanto, essa

interpretação não merece prosperar, já que as normas e preferências sobre

licitações e contratos são matéria para Lei ordinária, de acordo com o art. 22, inciso

XXVII da Constituição Federal, de modo que ainda que eventualmente venham a ser

reguladas por Lei Complementar, o seu status jurídico será sempre o de Lei

Ordinária. Predomina na doutrina pátria o entendimento de que a diferença entre a

Lei Complementar e a Ordinária se restringe à matéria de cada uma e ao quórum

necessário à sua aprovação. Entretanto, ainda que se refute essa tese, ressalto que

os novos §§s 14 e 15 do art. 3o da Lei no 8.666, de 1993 foram estabelecidos pela

Lei Complementar no 147, de 2014, sendo, portanto, de mesmo status legal formal,

prevendo a prevalência das margens de preferência sobre todas as demais

preferências quando aplicadas sobre um produto ou serviço estrangeiro. Assim, o

legislador pátrio expressamente previu que as margens de preferência prevalecem

sobre as demais, o que não poderia ser diferente, já que como foi destacado

anteriormente, um mero critério de desempate ficto não pode preponderar em

relação a uma preferência real no preço, em virtude de uma contradição lógica, já

que o preço da proposta com o direito à margem será considerado mais vantajoso

para a Administração, ainda que o seu preço seja superior ao da proposta que

possua apenas o direito ao empate ficto.

A APLICAÇÃO CONJUNTA DAS PREFERÊNCIAS SOBRE O PREÇO

Feitas as considerações sobre os dois tipos de empate fictos previstos na

legislação, cabe agora uma análise da aplicação sistemática de todas as

preferências sobre o preço.

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A interpretação que entendemos como a que mais alcança o espírito da

Lei e os seus princípios fundamentais pressupõe a distinção entre as duas formas

de preferência previstas na legislação: o empate ficto (LC no 123, de 2006 e Lei

no8.248, de 1991) e a margem de preferência (Lei no 8.666, de 1993), como já

explicitamos nos capítulos anteriores. Assim, a sistemática ora proposta considera

que uma situação de empate ficto só pode existir entre as propostas que tenham os

atributos e requisitos necessários para vencer a licitação, de modo que se a

legislação atribuir a aplicação de uma margem de preferência para uma proposta,

ela estará estabelecendo uma preferência real para a sua contratação, o que

prevalece em relação a uma mera vantagem processual de outra proposta (direito

ao empate ficto).

Portanto, conclui-se que as margens de preferência prevalecem como o

principal requisito para a contratação em relação às preferências fictas de preço

(empates fictos) e ainda sobre a margem para MPE local, em razão do § 15 do art.

3o da Lei no 8.666, de 1993. Nesse sentido, quando houver a aplicação das margens

de preferência, só poderá ocorrer uma situação de empate ficto entre propostas que

também possuam o direito às margens, já que só a essas será garantido o direito de

contratação com um adicional no preço.

Assim, quando houver a previsão de aplicação das margens de

preferência, encerrada a disputa de preços em que a proposta de menor preço seja de

um produto ou serviço estrangeiro, as propostas deverão ser reclassificadas,

classificando-se em primeiro lugar a proposta de melhor preço que possua o direito às

margens de preferência e que esteja enquadrada até o percentual máximo de preço

admitido, e em sequência as demais propostas com direito às margens, na ordem de

preços entre elas (até o limite do percentual da margem), de modo que só poderão ser

consideradas empatadas, para efeitos de aplicação do empate ficto, as propostas que

possuam direito às margens de preferência (se houver). Em suma, as preferências de

empate ficto deverão ser levadas para dentro das margens de preferência.

Outra questão relevante para a aplicação das preferências sobre o preço

é a relação entre a margem normal (produto manufaturado e serviço nacionais – § 5o

do art. 3o da Lei no 8.666, de 1993), e a margem adicional (produto manufaturado e

serviço nacionais com tecnologia desenvolvida no país – § 7o do art. 3o da Lei no

8.666, de 1993). Em suma, o § 7o do art. 3o da Lei no 8.666, de 1993 estabeleceu a

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possibilidade de concessão de uma margem adicional à margem normal para os

produtos e serviços nacionais com tecnologia desenvolvida no país. A Lei

estabelece que as duas margens, somadas não poderão ultrapassar o percentual de

25% em relação ao preço do produto ou serviço estrangeiro. A questão então é

avaliar se uma proposta com direito às duas margens prevalecerá em relação a uma

proposta que possua apenas a margem normal. Analisando o arcabouço normativo

infralegal que regulamenta as margens de preferência, chegamos à conclusão que a

margem adicional não prevalece em relação à margem normal. O Decreto no 7.546,

de 2011, no art. 2o, inciso I e II, estabeleceu que as margens de preferência aplicam-

se apenas em relação ao preço do produto ou serviço estrangeiro, de modo que a

margem adicional (tecnologia nacional) não pode ser aplicada em relação ao preço

de quem possui a margem normal, por se tratar de um produto nacional. Nesse

mesmo sentido, os Decretos setoriais de aplicação das margens de preferência, a

exemplo do Decreto no 7.903, de 2013, para bens de TIC, determinam que as

margens de preferência só podem ser aplicadas se a proposta de menor preço for

de um produto estrangeiro (art. 5o, § 1o), de modo que se subentende que a margem

adicional não deve ser aplicada sobre o preço de um produto nacional, já que a

contrário sensu, se a margem adicional prevalecesse sobre a margem normal

apenas quando há uma proposta de menor preço de produto ou serviço estrangeiro,

teríamos uma regra casuística, que estabeleceria a prevalência da tecnologia

nacional apenas quando houvesse a participação de um licitante com produto

estrangeiro e de menor preço, o que é uma condição exógena, fortuita e irrelevante

para a questão da prevalência da tecnologia nacional.

Em um exemplo para ilustrar a questão supracitada, se em uma licitação

a proposta de menor preço for de um produto manufaturado ou serviço estrangeiro

(proposta A), com o preço de 100, e a segunda colocada for de um produto nacional

(proposta B), com o preço de 105, e a terceira colocada for de um produto nacional

com tecnologia nacional (proposta C), com o preço de 106, estando ambas dentro

dos limites percentuais das margens previstos na legislação específica (Decreto),

será considerada vencedora a proposta B, já que a margem adicional só será

aplicada em relação à proposta A (produto estrangeiro), e não em relação à

proposta B (produto nacional), que possui menor preço do que a proposta C.

Portanto, não existe aplicação de margens de preferência entre propostas com

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produtos manufaturados e serviços nacionais, devendo-se respeitar a ordem de

classificação entre elas.

Seguindo com a análise metodológica de aplicação conjunta das

preferências sobre o preço nas licitações, cabe esclarecer ainda como devem ser

aplicadas essas preferências quando a licitação for por preço global, isto é, quando

o edital prever a aquisição de um grupo ou lote de um único fornecedor pelo menor

preço global. Nesses casos, existem duas hipóteses, já que os decretos que

regulamentam as margens de preferência previram duas regras diferentes. Em

alguns decretos, a regra estabelecida é a de as margens de preferência

considerarão cada item do grupo ou lote individualmente (exemplo: § 3o do art. 5o do

Decreto no 7.903, de 2013), já em outros decretos, a regra estabelecida é a de que

só terá direito às margens a proposta em que todos os itens do grupo lote fizerem

jus às margens (exemplo: art. 4o, § 3o do Decreto no 8.186, de 2014). Assim, quando

for aplicável a primeira regra, sugerimos que o Edital preveja o seguinte

procedimento:

1o – Verificar em cada item do grupo ou lote, quais os produtos nacionais

que fazem jus ao direito à margem de preferência em relação ao

produto estrangeiro de menor valor no respectivo item (verificar a

origem e a tecnologia do bem ou serviço, e o percentual máximo de

preço admitido);

2o – Aplicar um redutor no preço para os produtos ou serviços que fazem

jus às margens de preferência, no percentual da respectiva margem,

apenas para efeitos de classificação das propostas (se o produto

fizer jus às duas margens, normal e adicional, os percentuais das

duas margens devem ser somados);

3o – Reclassificar as propostas na nova ordem de preços advinda da

aplicação dos redutores acima (ordem dos Preços de Classificação –

PC). Os PC servem apenas para reclassificar as propostas, com o

objetivo de verificar a proposta vencedora, não sendo utilizado para

contratação ou pagamento.

4o – Aplicar o empate ficto para as MPE em relação à nova classificação

das propostas com base nos PC obtidos.

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5o – Se a MPE beneficiada pelo empate ficto cobrir o melhor PC de uma

grande ou média empresa, o percentual de redução será levado

para o preço real, que é o preço que será contratado.

Já se a regra para a aplicação das margens de preferência na licitação

por grupo ou lote for a segunda (todos os itens devem possuir o direito às margens),

propugna-se pela adoção de um procedimento similar ao disposto acima, com a

diferença que só terá direito aos redutores previstos na 2ª fase da metodologia

supracitada, a proposta em que todos os produtos ou serviços do grupo ou lote

fizerem jus à margem normal ou às margens normal e adicional.

É preciso tratar ainda sobre como operacionalizar a margem de

preferência para as MPEs sediadas local ou regionalmente, instituída pela LC no

147, de 2014, em conjunto com as demais preferências sobre o preço. Embora essa

preferência não seja obrigatória, e esteja restrita apenas às licitações com a

aplicação dos benefícios do artigo 48 e incisos da LC no 123, de 2006, quando o

órgão ou entidade contratante optar pela sua utilização, poderão ocorrer situações

de aplicação concomitante com as margens de preferência e com o empate ficto

para bens e serviços de TIC. Nesses casos, sempre prevalecerão as margens de

preferência, como determina o § 15 do art. 3o da Lei no 8.666, de 1993, de modo que

a margem para MPE local deve ser aplicada em segundo lugar, e apenas entre as

propostas que também fizerem jus às margens de preferência (produto

manufaturado e serviço nacional e limite percentual de preço). Assim, uma MPE

local com um produto estrangeiro não terá direito ao benefício da margem para MPE

local se existirem propostas com direito às margens de preferência. Após a

aplicação de ambas as margens, deverá ser aplicado o empate ficto para bens e

serviços de TIC, apenas entre as propostas que fizerem jus tanto às margens de

preferência para produto manufaturado e serviço nacional quanto à margem para

MPE local, observando-se lógica já explicitada de que as preferências reais de preço

prevalecem em relação às preferências fictas de preço. Em suma, a margem para

MPE local será aplicada dentro das margens para produtos e serviços nacionais (em

razão do § 15, do art. 3o da Lei no 8.666, de 1993), se houver, após a primeira

reclassificação das propostas, para em último lugar aplicar o empate ficto para bens

e serviços de TIC apenas entre as propostas mais bem classificadas que fizerem jus

a ambas as margens (produto e serviço nacional, e MPE local ou regional).

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Por fim, alguém poderia argumentar que não faz sentido aplicar o empate

ficto para TIC em conjunto com as margens de preferência, já que essas duas

preferências, nos casos dos bens e serviços de TIC, observam os mesmos cri térios

para concessão, isto é, o Processo Produtivo Básico – PPB e a tecnologia

desenvolvida no país. Entretanto, não há que se falar em sobreposição já que, em

primeiro lugar, as margens de preferência não alcançam todos os bens e serviços de

TIC, mas apenas aqueles previstos nos Decretos que regulamentam a sua

aplicação. Em segundo lugar, como já esclarecemos acima, as margens de

preferência não estabelecem uma prioridade para a tecnologia nacional (margem

adicional) em relação à proposta de produto manufaturado nacional sem tecnologia

nacional (possua apenas o PPB – margem normal), diferentemente do que ocorre no

empate ficto para TIC, já que o Decreto no 7.174, de 2010 estabeleceu a prioridade

para o produto ou serviço nacional que possua tecnologia nacional para a

concessão do direito ao novo lance ou oferta. Portanto, ainda que sejam aplicadas

as margens de preferência para TIC, deverá ser aplicado o empate ficto para TIC 1,

nos termos do Decreto no 7.174, de 2010, concedendo-se o direito a um novo lance

para a proposta que possua tecnologia nacional 2 em relação àquela que possuir

apenas o PPB se a diferença de preços entre elas não for superior a 10%, e ambas

estejam com preço inferior ao limite percentual de preços em relação à proposta de

menor preço com produto manufaturado ou serviço estrangeiro.

1 Como determinam os decretos que regulamentam as margens de preferência para bens e serviços

de TIC, a exemplo do § 6º do art. 5º do Decreto nº 8.184, de 2014. 2 Deve-se priorizar simultaneamente o porte do licitante (MPE), com prioridade para a proposta q ue possuir tecnologia nacional e seja de uma MPE, conforme estabelece o art. 5º e parágrafo único do

Decreto nº 7.174, de 2010.

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CONCLUSÃO

Pelo exposto, percebe-se que o legislador pátrio privilegiou as margens

de preferência para produtos e serviços nacionais, na medida em que autorizou a

contratação por um preço superior ao de um produto estrangeiro de menor preço, o

que não ocorre nas preferências fictas de preço (empates fictos), a exemplo dos

artigos 44 e 45 da LC no 123, de 2006, que permitem apenas um novo lance ou

oferta para a redução do seu preço. É nesse sentido, e com base no § 15 do art. 3o

da Lei no 8.666, de 1993, que consideramos que as margens de preferência para

produtos manufaturados e serviços nacionais prevalecem sobre todas as demais

preferências sobre o preço. Ressaltamos, entretanto, que a aplicação das margens

de preferência não elimina a obrigação de que as demais preferências sobre o preço

também sejam aplicadas entre aquelas propostas que possuam o mesmo direito às

margens de preferência (aplicação interna, isto é, apenas entre as propostas que

também forem beneficiadas pelas preferências reais). Nessa aplicação conjunta,

consideramos que deve ser aplicada em segundo lugar a margem de preferência

para MPE local ou regional, quando for o caso, já que ela é discricionária para os

órgãos contratantes que podem optar por não incluí-la no edital. Essa margem, por

também ser uma preferência real no preço, prepondera sobre as preferências fictas

sobre o preço. Por fim, devem ser aplicados os empates fictos para MPE e para

bens e serviços de TIC, em uma aplicação sequencial e integrada (prioridade para a

proposta com PPB e P&D cujo licitante seja uma MPE), e interna, isto é apenas

entre aquelas propostas beneficiadas pelas preferências reais de preço na licitação,

quando houver, fazendo alterações sucessivas na classificação das propostas caso

o direito ao novo lance for exercido no âmbito de algum dos empates fictos, em

observância ao disposto no artigo 8o e incisos do Decreto no 7.174, de 2010.

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AUTORIA

Rafael Setúbal Arantes – Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Endereço eletrônico: [email protected]