A Doutrina Reformada da Suficiência das Escrituras

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IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL SEMINÁRIO PRESBITERIANO BRASIL CENTRAL S P B C Goiânia, Agosto/2002 A Doutrina Reformada da Suficiência das Escrituras por Luiz Ancelmo Sampaio Cardoso Orientador: Rev. Hélio de Oliveira Silva

Transcript of A Doutrina Reformada da Suficiência das Escrituras

  • IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL

    SEMINRIO PRESBITERIANO BRASIL CENTRAL

    S P B C

    Goinia,

    Agosto/2002

    A Doutrina Reformada

    da

    Suficincia das Escrituras

    por

    Luiz Ancelmo Sampaio Cardoso

    Orientador: Rev. Hlio de Oliveira Silva

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    SEMINRIO PRESBITERIANO BRASIL CENTRAL

    S P B C

    Teologando:

    Luiz Ancelmo Sampaio Cardoso

    A Doutrina Reformada

    Da

    Suficincia das Escrituras

    Monografia apresentada ao Seminrio Presbiteriano

    Brasil Central SPBC, em cumprimento s

    exigncias para colao de grau.

    Goinia,

    Agosto/2002

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    TERMOS DE APROVAO

    Assunto : As Escrituras

    Ttulo : A Doutrina Reformada da Suficincia das Escrituras

    Autor : Luiz Ancelmo Sampaio Cardoso

    Orientador : Rev. Hlio de Oliveira Silva

    Ao Seminrio Presbiteriano Brasil Central SPBC, aps examinar o trabalho

    apresentado pelo teologando Luiz Ancelmo Sampaio Cardoso, resolve:

    ______________________________________________________________

    ______________________________________________________________

    ______________________________________________________________

    ______________________________________________________________

    ______________________________________________________________

    ______________________________________________________________

    ______________________________________________________________

    ___________________, _______, _____de ______________ de 2002.

    ____________________________ _______________________________ Examinador Examinador

    _________________________ _______________________________ Examinador Examinador

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    DEDICATRIA

    Trs pessoas foram importantssimas para a minha vida durante estes quatro

    anos no Seminrio, so elas:

    Minha querida me Artmia, que a considero uma herona, pois, mesmo

    sozinha, no mediu esforos para me sustentar nestes quatro longos anos. Minha me um

    exemplo de abnegao, pois, desde sua separao com o meu pai, quando ainda eu era

    criana, ela foi capaz de abrir mo de sua prpria vida em prol dos seus filhos. Portanto,

    em primeirssimo lugar, dedico este trabalho exclusivamente a minha incomparvel me.

    A segunda pessoa a quem dedico este trabalho ao meu amado irmo Andr

    Luiz que, mais do que irmo, sempre foi um grande amigo e um grande conselheiro.

    Espelho-me neste grande homem, que, na ausncia do meu pai, exerceu um papel

    importantssimo como um verdadeiro pai para mim. Este trabalho tambm dedicado a

    voc meu irmo!

    A terceira pessoa a quem dedico as pginas deste trabalho, sem dvidas, a

    minha amada noiva Amanda. Deix-la por ltimo no quer dizer que a menos importante,

    mais, pelo contrrio, estas trs pessoas constituem-se a minha vida aqui na terra. Amanda

    o meu grande amor, que, em breve, ser minha esposa. Portanto, no poderia deixar de

    dedicar-lhe este to laborioso trabalho. Ele dedicado tambm a voc meu amor!

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    AGRADECIMENTOS

    So tantas as pessoas que, de uma forma ou de outra, me ajudaram nestes anos.

    No entanto, deixar de nomear algumas destas pessoas, no sinal de que as esqueci, pois,

    se fosse citar todos os nomes, sem dvida alguma, teria que gastar muitas pginas.

    Mas, algumas pessoas no poderiam deixar de ser mencionadas. Elas, sem

    dvidas, foram instrumentos de Deus para me sustentar nestes anos. J mencionei a minha

    me na dedicatria, mas fao questo de cit-la novamente. Agora, para agradecer-lhe pela

    mesada que, infalivelmente recebia dela. Mais uma vez, agradeo-lhe Me!

    Agradeo tambm, imensamente a minha querida e inesquecvel Igreja de

    Souto Soares, Igreja que se tornou, no mnimo, desejada de ser conhecida por muitos

    colegas meus, pois no deixava de mencion-la nestes anos que estive no seminrio. Foi

    esta igreja que me sustentou por trs anos com 75% das despesas do seminrio, e, no

    ltimo ano, com 50%. A esta igreja, que sempre ser a minha amada igreja, meus

    agradecimentos.

    Nesta igreja, passaram dois pastores que tive o privilgio de t-los como meus

    tutores, o Rev. Adenildo e o Rev. Ermilton. Dois grandes homens de Deus que, durante

    trs anos (o primeiro, um ano, e o segundo, dois anos) me ajudaram muito, a eles, meus

    agradecimentos. Somente no meu ltimo ano, tive a grata satisfao de ter o Rev. Adauto

    como meu tutor. Tambm no poderia deixar de agradecer a este, meu pai na f, pela ajuda

    e incentivo.

    Tambm agradeo muitssimo ao meu amado Presbitrio Ponte Nova, que,

    mesmo com dificuldades financeiras, demonstrou prontido em me sustentar no Seminrio.

    Aqui, no poderia deixar de mencionar o meu professor e orientador, Rev.

    Hlio, que, mais que orientador, foi um verdadeiro tutor para mim. Tive a oportunidade de

  • 6

    trabalhar por dois anos e meio em uma congregao da igreja em que ele pastoreava. Ali,

    tive o privilgio de conhecer mais de perto o Rev. Hlio. Todo apoio e incentivo para a

    elaborao deste trabalho vieram deste pastor. A ele, minha eterna gratido!

    Agradeo tambm ao professor Cloves, pelo apoio e ajuda durante estes quatro

    anos. O professor Cloves um grande amigo dos seminaristas. Meus agradecimentos se

    estendem tambm a ele.

    No poderia deixar de agradecer tambm aos meus colegas que foram to

    importantes em minha vida durante estes anos. Estes, com toda certeza, estaro no meu

    corao por onde eu for. Alm destes, agradeo aos meus colegas republicanos pela ajuda e

    amizade recebida em todo este tempo que estive com eles.

    Mas, acima de tudo e de todos, agradeo, de uma forma exclusiva e absoluta, a

    Deus. Ele foi no somente a causa, como tambm a nica possibilidade pela qual tive a

    capacidade de elaborar este trabalho. Ao meu Grande Deus, aquele que me vocacionou e

    me sustentou em todos os aspectos nestes anos, agradeo por ter me dado sabedoria para

    fazer este trabalho. Sem o Senhor Deus, jamais teria conseguido vencer nestes quatro anos.

    A Ele, Soli Deo Gloria!

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    NDICE

    INTRODUO .................................................................................................................... 9

    CAPTULO I:

    DEFINIO DE TERMOS. ............................................................................................. 13

    I. INSPIRAO DAS ESCRITURAS: .................................................................................... 14

    I.I- Consideraes Gramaticais: ............................................................................. 14

    I.II- Descrio bblica: ............................................................................................... 15

    I.III- Definio Teolgica: ......................................................................................... 16

    I.IV- O que a inspirao no : ............................................................................... 17

    I.V- O que a Inspirao : ........................................................................................ 20

    I.VI- O Ensino bblico de Inspirao: ..................................................................... 22

    II- INERRNCIA DAS ESCRITURAS: ................................................................................... 25

    II.I- Definio de Inerrncia: .................................................................................... 26

    II.II- Argumentos a Favor da Inerrncia: ............................................................... 30

    II.III- O Ensino Bblico de Inerrncia: ..................................................................... 35

    III- A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS: ............................................................................ 37

    III.I- Definio de Autoridade: ................................................................................. 38

    III.II- O Testemunho do Esprito Santo sobre a autoridade da Escritura: ........ 39

    III.III- O Ensino Bblico de Autoridade: .................................................................. 41

    IV- A SUFICINCIA DAS ESCRITURAS: ............................................................................. 43

    IV.I- A Suficincia das Escrituras e a Iluminao do Esprito: ........................... 47

    IV.II- O Ensino Bblico de Suficincia: ................................................................... 49

    CAPTULO II:

    A DOUTRINA DA SUFICINCIA DAS ESCRITURAS NA HISTRIA................... 51

    I- NOS PAIS DA IGREJA: ................................................................................................... 51

    II- NO ESCOLASTICISMO MEDIEVAL: ............................................................................... 55

    III- NO PERODO DA REFORMA:....................................................................................... 56

    III- NO MOVIMENTO OS PURITANOS: ........................................................................... 61

    IV- O ILUMINISMO DO SC. XIX O MTODO HISTRICO-CRTICO: ............................ 63

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    CAPTULO III:

    A DOUTRINA DA SUFICINCIA DAS ESCRITURAS HOJE. ................................. 67

    III.I- A CONTROVRSIA MODERNISTA-FUNDAMENTALISTA DE 1875-1930: .................. 67

    III.II- PS-MODERNISMO X SOLA SCRIPTURA: ............................................................... 69

    III.III- NOVAS REVELAES X SOLA SCRIPTURA: ........................................................... 79

    I- Definio de Revelao: ...................................................................................... 82

    I.I- Revelao Natural: ......................................................................................... 83

    I.II- Revelao Especial: ...................................................................................... 84

    I.III- Revelao Escrita: ........................................................................................ 85

    III.IV- O PODER TRANSFORMADOR DAS ESCRITURAS: .................................................. 91

    I- As Operaes Transformadoras da Palavra de Deus: ................................... 94

    I.I- A Palavra de Deus como Lmpada: ............................................................ 95

    I.II- A Palavra de Deus como um Martelo: ........................................................ 95

    I.III- A Palavra de Deus como Espada: ............................................................. 96

    I.IV- A Palavra de Deus como Semente: .......................................................... 97

    CAPTULO IV:

    A DOUTRINA DA SUFICINCIA DAS ESCRITURAS E SUA PRATICIDADE. ... 99

    IV.I- IGREJA: CORPO VIVO QUE PROCLAMA AS VERDADES DA ESCRITURA: ................. 99

    I.I- Como podemos ver um retorno s Escrituras? ............................................ 101

    IV.II- O CRISTO E A CORRETA INTERPRETAO DAS ESCRITURAS: ........................... 105

    II.I- Porque a Interpretao das Escrituras Importante? ............................... 107

    CONCLUSO: ................................................................................................................ 110

    BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................. 112

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    INTRODUO

    A no ser que seja convencido pelo testemunho da Escritura ou por argumentos

    evidentes... a minha convico vem das Escrituras a que me reporto, e minha conscincia est presa palavra de Deus nada consigo nem quero retratar, porque difcil, malfico e perigoso agir contra a conscincia. Deus me ajude, Amm.1

    As palavras de Lutero ecoam pelos sculos como um testemunho, dos mais

    eloqentes, da atitude de submisso e obedincia incondicionais Palavra de Deus. Para

    Lutero, nem o Papa, nem os bispos, nem os conclios, so superiores ou esto no mesmo p

    de igualdade em relao Bblia.

    Sola Scriptura! Este foi o lema dos reformadores do sculo XVI. Somente as

    Escrituras tem a autoridade e o direito de ser obedecida. Mas, parece-me que tal nfase tem

    perdido sua fora no decorrer dos anos. Se pudssemos definir o momento atual da vida da

    igreja, talvez, a primeira caracterstica a ser mencionada seria o abandono das Escrituras.

    Indubitavelmente a igreja contempornea tem, sistematicamente, se distanciado do

    propsito e nfase dado pelos reformadores quanto s Escrituras.

    Entretanto, algum, ao ouvir isso, pode se assustar e dizer: Eu no estou vendo

    isto acontecer na igreja atual, ela tem crescido tanto! E, com isso, podemos ser at

    acusados de incrdulos, pois no se tem visto, em muitos anos, um crescimento numrico

    de novos crentes na igreja. Segundo o senso 2.000, o nmero de evanglicos no Brasil

    cresceu a uma taxa de 100% em 10 anos. Isto, sem dvida, surpreendente. No entanto, a

    pergunta que fazemos : Foram todas estas pessoas, convencidas pelo testemunho das

    Escrituras, ou suas convices se originaram de outras fontes? Esto estas pessoas

    dispostas a assumirem um compromisso de obedecer e honrar a tudo quanto as Escrituras

    ensinam como verdade de Deus? Acaso, esto todas estas pessoas, preparadas para se

    encontrarem com Deus? (Ams 4.12). Se a resposta a todas estas perguntas for sim, ento

    1 Martinho Lutero, em: Pelo Evangelho Eterno Obras Selecionadas de Momentos Decisivos da Reforma, (Editora Concrdia e Sinodal, Porto Alegre e So Leopoldo RS, 1984), 148-149.

  • 10

    podemos nos alegrar com o to grande crescimento de evanglicos em nosso pas. Mas se a

    resposta for no, ou seja, se elas admitem que no foram convencidas mediante o

    testemunho e autoridade das Escrituras, mas por uma simples experincia mstica, ento,

    todas estas supostas converses para nada servem, pois esto desvinculadas da Palavra de

    Deus. inadmissvel para as Escrituras haver converso de vidas fora dela. Todas as

    pessoas registradas na Bblia, que foram convertidas ao Senhor Jesus, o foram atravs da

    pregao das Escrituras, a Palavra de Deus. Portanto, repito, no pode haver converso

    parte das Escrituras.

    A presente monografia visa apresentar um mtodo histrico-teolgico de

    trabalho, com aplicaes bastante relevantes, extradas de fontes originais, com o fim de

    levar o leitor a se reportar ao passado, para assim, extrair os princpios bsicos da doutrina

    das Escrituras que nortearam as vidas de grandes telogos de sculos passados. Para tanto,

    foram usados diversos tipos de materiais, todos de publicao evanglica.

    A proposta deste trabalho no apresentar uma nova soluo para todos os

    problemas que tem assolado a igreja e minado a autoridade das Escrituras. Pelo contrrio,

    nosso propsito mostrar que a igreja precisa voltar aos princpios da Reforma do sculo

    XVI. Este retorno no um regresso histria propriamente dita, mas uma volta aos

    princpios que nortearam a vida dos reformadores, levando-os a redescobrir o caminho

    pelo qual o homem pode, ao menos, saber como obedecer a Deus. E este caminho, sem

    sombra de dvidas, a Palavra de Deus.

    Sem dvidas, vivemos dias maus (Ef 5.16). A igreja precisa se despertar para

    o que est acontecendo dentro dela. Nunca esteve tanto em voga a to exacerbada

    experincia subjetiva entre os crentes. Quantos no tm trocado as Escrituras por

    experincias extra-bblicas, e feito delas a sua prpria orientao para se fazer a vontade de

  • 11

    Deus. Quantos no tm buscado ouvir a voz de Deus atravs de supostas profecias e

    outras manifestaes sobrenaturais que, segundos eles, so inquestionavelmente,

    manifestaes do Esprito. Aqui e acol, encontramos pessoas afirmando terem revelaes

    diretas de Deus, e o que pior, revelaes que desafiam a prpria Escritura. Ou seja,

    ningum pode question-las, pois fazer isso ir contra a Palavra de Deus.

    Em tudo isso, o que vemos no um abandono claro das Escrituras? Portanto, a

    nossa proposta no presente trabalho mostrar que as Escrituras e somente as Escrituras,

    so suficientes para nos apresentar a vontade de Deus. O que veremos que a Bblia

    constitui-se a ltima revelao de Deus para os homens e suficiente para nos apresentar a

    Salvao por meio de Cristo e a sua vontade para o seu povo.

    A segunda proposta deste trabalho tambm, fazer uma anlise do tempo em

    que vivemos e trazer respostas e solues bblicas para os nossos dias. Sabemos que

    estamos vivendo em um novo tempo. Este tempo, comumente identificado como Ps-

    modernismo. O ps-modernismo tem apresentado vrias propostas diferentes ao tempo

    passado que conhecemos como modernismo. Ao contrrio do modernismo que buscava

    uma verdade objetiva, absoluta, o ps-modernismo vem com a sua proposta

    desconstrucionista, apresentando um novo conceito de verdade. Para os ps-modernistas,

    no existe verdade absoluta, ela deve ser buscada de forma subjetiva e pessoal. Da, cada

    qual deve buscar a sua prpria verdade, no importando se a verdade de fulano

    diferente da verdade de cicrano. Estas e muitas outras propostas so apresentadas pelos

    ps-modernistas, e o nosso objetivo refutar tais propostas mostrando que a verdade

    objetiva e absoluta, pois provm de Deus. Mostraremos tambm, a soluo para a igreja

    no aderir a tais ensinos ps-modernistas.

  • 12

    Por fim, nossa nfase principal neste trabalho, recai sobre a suficincia da

    Palavra Escrita, enaltecendo as Escrituras e mostrando o propsito de Deus em ter

    inspirado seus servos para escrev-la. No entanto, mostraremos que, para que a Bblia seja

    suficiente, ela precisa ser bem interpretada, pois afirmar que ela a ltima revelao de

    Deus, no usar de argumentos humanos, mas mediante a prpria Palavra de Deus. Da

    mesma forma, isso se aplica aos carismticos. Se suas experincias so de fato,

    experincias vindas de Deus, essas experincias devem estar confirmando a Palavra, caso

    contrrio, no podem ser vistas como tal.

    Aqui, resta-nos dizer que, a nossa afirmao de que Deus no usa mais os meios

    revelacionais em nossos dias como usara para se revelar ao seu povo de outrora, e por fim,

    deix-la registrada para a posteridade, no quer dizer que Deus no fala ainda hoje. Deus

    no somente transcendente, como sempre foi imanente. Ele ainda se relaciona com o seu

    povo, Ele ainda age como o Grande Deus, o Senhor dos senhores, o Rei dos reis. Deus

    ainda Deus.

    No entanto, isso no quer dizer que Ele precise agir como antigamente, o nosso

    Deus um Deus dinmico, Ele age da forma que quer: Pois quem conheceu a mente do

    Senhor, que o possa instruir? (1Co 2.16); Porque os meus pensamentos no so os

    vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor (Is 55.8).

    Mas, de uma coisa estamos certos, havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de

    muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes ltimos dias, nos falou pelo Filho (Hb

    1.1-2). Que Deus age e fala ainda hoje, no temos dvidas, mas nunca desvinculado da Sua

    Palavra Escrita.

  • 13

    CAPTULO I:

    DEFINIO DE TERMOS.

    A Bblia um livro Singular. No se trata de um livro como os demais, mas,

    alm de ser um dos livros mais antigos, ainda assim, continua sendo o bestseller mundial

    por excelncia. Sua origem oriental, porm, usada e conhecida por todo o mundo

    ocidental. Em toda a histria, opositores houve que j queimaram a Bblia, mas os cristos

    sempre a reverenciaram. o livro mais traduzido, mais lido, mais citado, mais publicado e

    de maior influncia em todo o mundo no decorrer da histria.

    A palavra Bblia deriva do latim, proveniente do termo grego bibloj (bblos)

    que significa livro.2 Originalmente era o nome que se dava casca de um papiro do

    sculo XI a.C. Por volta do sculo II d.C., os cristos usavam a palavra para designar seus

    escritos sagrados.3 Termo sinnimo da palavra Bblia Sagrada Escritura (em grego

    hai grafai, ta grammata), freqentemente usada no Novo Testamento para denotar os

    documentos do Antigo Testamento, em sua totalidade ou em parte, cf. Mt. 21:42.4

    No entanto, este livro sagrado no foi escrito de forma aleatria ou para

    discorrer sobre mais um assunto de interesse pessoal. Existem regras divinas dentro das

    Escrituras, motivo que a faz to especial. Estas regras ou doutrinas do sentidos a todas s

    palavras escritas na Bblia. Vejamos ento, os aspectos que definem a Bblia como palavra

    de Deus.

    2 J. D. Douglas, Bblia, O Novo Dicionrio da Bblia NDB, (Editora Vida Nova, So Paulo 1995), 216. 3 Norman Geisler e William Nix, Introduo Bblica Como a Bblia Chegou At Ns, (Editora Vida, So Paulo 1997), 5. 4 Douglas, NDB, Op. Cit., 216.

  • 14

    I. Inspirao das Escrituras:

    Trata-se de uma das doutrinas fundamentais da f crist. To importante que

    pode ser considerada a base de todas as outras relacionadas s Escrituras. Coloc-la em

    descrdito comprometer todas as demais. E, fazendo isso, a Bblia ser igualada aos

    demais livros. Colocar em dvida a inspirao de qualquer texto bblico lanar fora a

    Bblia toda, priv-la da sua autoridade, rejeit-la como regra infalvel de f e prtica.

    I.I- Consideraes Gramaticais:

    A palavra inspirao aparece apenas duas vezes em toda a Bblia.5 Primeiro

    em J 35.10, Mas ningum diz: Onde est Deus, que me fez, que inspira ( wtn Nthan,

    dar, conceder) canes...; e em 2 Tm 3.16, Toda Escritura inspirada por

    Deus...(Qeopneustoj).

    Segundo Hermisten Maia, a palavra Qeopneustoj no significa ins-pirado,

    mas sim ex-pirado, ou seja, ao invs de soprado para dentro, soprado para fora.6 Colin

    Brown comentando sobre esse assunto diz:

    O Adjetivo theopneustos significa lit. respirado por Deus, no significa qualquer modo especfico de inspirao, tal qual alguma forma de ditado divino. Nem

    sequer d a entender a suspenso das faculdades cognitivas normais dos autores

    humanos. Do outro lado, realmente quer dizer algo bem diferente da inspirao

    potica. um erro omitir o elemento divino no termo, transmitido por theo- (The

    New English Bible faz assim, ao traduzir a frase: toda escritura inspirada). claro que a expresso no d a entender que algumas escrituras so inspiradas,

    5 Alguns telogos mencionam J 32.8: na verdade, h um esprito no homem, e o sopro do Todo-poderoso o faz sbio (verso Revista e Atualizada de Almeida); No entanto, na verso Revista e Corrigida, a palavra sopro traduzida por inspirao. Esta mudana serve para nos lembrar do fato de que as Escrituras atribui a criao do universo (Sl 33.6), a criao do homem para ter comunho com Deus (Gn 2.7) e a

    produo dos escritos sagrados (2Tm 3.16) ao sopro de Deus. Sobre esse assunto, ver: C. F. Henry, Bblia, Inspirao da, Walter A. Elwell, Enciclopdia Histrico-Teolgico da Igreja Crist EHTIC I, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1992), 185; e Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras Uma Perspectiva Reformada, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 97. 6 Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras Uma Perspectiva Reformada, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 96.

  • 15

    enquanto outras no so. Todas as Escrituras Sagradas expressam a mente de

    Deus; fazem assim, no entanto, com o alvo da sua operao prtica na vida.7

    Paulo usa esta palavra no sentido de que as Escrituras Sagradas so sopradas,

    exaladas por Deus. Ou, para sermos mais objetivos, isto quer dizer que Deus soprado

    pelas pginas das Escrituras. por isso que dizemos que as Escrituras tm como autor o

    prprio Deus, e ele mesmo o contedo desta.

    I.II- Descrio bblica:

    Em 1 Corntios 2.13 Paulo escreveu: Disto tambm falamos, no em palavras

    ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Esprito, conferindo cousas

    espirituais com espirituais. Em outras palavras, o que Paulo nos ensina que quaisquer

    que sejam as palavras ensinadas pelo Esprito Santo so palavras divinamente inspiradas.

    Uma outra passagem muito importante no Novo Testamento a respeito da

    inspirao da Bblia est em 2 Pedro 1.21: Porque nunca jamais qualquer profecia foi

    dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos

    pelo Esprito Santo. Portanto, de acordo com Pedro, os profetas eram homens cujas

    mensagens no se originaram de seus prprios impulsos, mas foram soprados por Deus.8

    Pela revelao, Deus falou aos profetas de muitas maneiras (ver Hb 1.1): mediante anjos,

    vises, sonhos, vozes e milagres. Inspirao a forma pela qual Deus falou aos homens

    mediante os profetas.

    Fazendo uma combinao das passagens que ensinam sobre a inspirao divina,

    Norman Geisler chega seguinte concluso a respeito da Inspirao da Bblia: Homens,

    7 Colin Brown - grafh, Lothar Coenen e Colin Brown, Novo Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento, I, ( Editora Vida Nova, So Paulo 2000), 694-95. 8 Norman Geisler e William Nix, Introduo Bblica Como a Bblia Chegou At Ns, (Editora Vida, So Paulo 1997), 10.

  • 16

    movidos pelo Esprito, escreveram palavras sopradas por Deus, as quais so as fontes de

    autoridade para a f e para a prtica crist.9

    I.III- Definio Teolgica:

    O Novo Testamento menciona a palavra Inspirao apenas uma vez, e isto,

    com o propsito de mostrar que somente os escritos e no os escritores, foram inspirados

    (ou soprados) por Deus. A Bblia que Inspirada, e no seus autores humanos. Portanto,

    a forma correta de dizer que o produto que foi inspirado e no os produtores. Os autores

    certamente escreveram e falaram muitas coisas mundanas, pertinentes a esta vida, contudo,

    como nos informa Pedro (2Pe 1.21), o Esprito Santo foi quem tomou posse desses homens

    para que assim, estes produzissem os escritos inspirados. Este modo de inspirao toma um

    sentido mais amplo. Geisler chama este sentido mais amplo de processo10 pelo qual estes

    homens, movidos pelo Esprito Santo, enunciaram e escreveram palavras emanadas da

    boca de Deus. Segundo Geisler, este processo total de inspirao contm trs elementos

    essenciais, a saber: a causalidade divina, a mediao proftica e a autoridade escrita.11

    Causalidade Divina Isto quer dizer que Deus a Fonte nica da inspirao da

    Bblia. A iniciativa partiu do prprio Deus. Foi Ele quem primeiro falou aos profetas e, em

    seguida, aos homens, mediante esses profetas. Deus falou e estes homens registraram.

    Mediao Proftica Os profetas que receberam e escreveram as Escrituras

    no eram meros robs. Escreveram segundo a inteno do corao, segundo a conscincia

    que os movia no exerccio normal de sua tarefa, com seus estilos literrios e seus

    vocbulos individuais. A Bblia que eles produziram a palavra de Deus mas tambm a

    9 Geisler e Nix, Op. Cit., 10.

    10 Idem, 10.

    11Ibid, 10-11. Ver tambm Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao E Inerrncia Das Escrituras Uma Perspectiva Reformada, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 101-102.

  • 17

    palavra do homem. Deus usou personalidades humanas para comunicar proposies

    divinas.

    Autoridade Escrita O produto final da autoridade divina em operao por

    meio dos profetas, como intermedirios de Deus, a autoridade escrita de que se reveste a

    Bblia. A Bblia a ltima palavra no que concerne a assuntos doutrinrios e ticos. As

    Escrituras receberam sua autoridade do prprio Deus, que falou mediante os profetas. No

    entanto, so os escritos profticos e no os escritores desses textos sagrados que possuem e

    retm a resultante autoridade divina. Todos os escritores morreram; os escritos

    permanecem.

    I.IV- O que a inspirao no :

    Hermisten menciona cinco pontos que, erroneamente so aplicados doutrina

    da Inspirao das Escrituras:12

    a) Mecnica ou ditada Inspirao no quer dizer que os homens que

    escreveram a Bblia no estavam conscientes do que estavam fazendo. No eram usados

    como meros robs, pois se assim o fora, no haveriam estilos de escrita diferentes na

    Bblia, pois sabemos que existem. Um dos textos que descarta esta hiptese 2 Pedro 3.

    15, 16, quando Pedro faz aluso maneira prpria de Paulo escrever.

    b) Iluminao Inspirao no quer dizer apenas que os escritores receberam

    um grau especial de percepo espiritual para escreverem a Bblia. Se assim fosse,

    teramos que dizer que a inspirao de cada texto bblico dependeria da apreenso de cada

    iluminado para que pudesse registrar o que percebera. Conseqentemente, no

    poderamos dizer que a Bblia inerrante, visto que a Bblia apenas conteria a Palavra que

    12 Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras Uma Perspectiva Reformada, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 93-96. Ver tambm, Paulo Anglada, Sola Scriptura A Doutrina Reformada das Escrituras, (Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 1998), 54-56.

  • 18

    foi apreendida, captada. Este conceito contraria o ensino das Escrituras (ver Jo 10.35; At

    4.25, 26; 6.2), que afirma que Deus fala atravs dos seus servos, sendo o seu registro a

    Palavra de Deus, a qual no pode ser anulada.

    c) Intuio Inspirao no quer dizer que os escritores foram inspirados da

    mesma forma que os grandes autores da literatura, inventores, cientistas, msicos, etc. Se

    assim fosse a Bblia seria igualada a qualquer outro livro, e, conseqentemente seria

    falvel, sujeita a erros e o pior de tudo, no nos conduziria a Deus (ver Jo 5.39).

    d) Parcial ou fracionada Inspirao no significa que a Bblia contm a

    palavra de Deus. Na Bblia no existem partes inspiradas e outras no inspiradas, Toda

    escritura inspirada (2Tm 3.16).

    c) Mental Inspirao no significa que os autores secundrios tiveram apenas

    os seus pensamentos inspirados, mas no as palavras de seus registros. A Bblia nos ensina

    que Deus d as palavras para serem registradas (cf. x 24.4; 34.27; Is 30.8; Jr 1.9; 36.2; Hc

    2.2; Ap 21.5). A inspirao termina no nas idias, mas no registro final das Escrituras

    (2Tm 3.16).

    Alm disso, precisamos fazer algumas distines importantes no entendimento

    da doutrina da Inspirao das Escrituras.

    Primeiramente, quando falamos que as Escrituras so inspiradas, nos referimos

    aos originais e no s cpias.13

    A inspirao e a conseqente autoridade da Bblia no se estendem

    automaticamente a todas as cpias e tradues da Bblia. S os manuscritos originais,

    13 Ver Geisler e Nix, Op. Cit., 12.

  • 19

    conhecidos por autgrafos, foram inspirados por Deus. Os erros e as mudanas efetuados

    nas cpias e nas tradues no podem ser atribudos inspirao original.14

    Visto que os originais no mais existem, alguns crticos tm objetado

    inerrncia de autgrafos que no podem ser examinados e nunca foram vistos. A essas

    objees, a resposta que se d que a inerrncia bblica no um fato conhecido

    empiricamente, mas uma crena baseada no ensino da Bblia a respeito de sua inspirao,

    bem como baseada na natureza altamente precisa da grande maioria das Escrituras

    transmitidas e na ausncia de qualquer prova em contrrio. A Bblia afirma ser a

    declarao de um Deus que no pode cometer erro. verdade que nunca se descobriram

    originais infalveis da Bblia, mas to pouco se descobriu um nico autgrafo original

    falvel. Temos, pois, manuscritos que foram copiados com toda preciso e traduzidos para

    muitas lnguas. Portanto, para todos os efeitos de doutrina e dever, a Bblia como a temos

    hoje representao suficiente da Palavra de Deus, cheia de autoridade.

    Em segundo lugar, Inspirao pressupe ensino, mas no de todo o contedo da

    Bblia.15

    Cumpre ressaltar tambm que s o que a Bblia ensina foi inspirado por Deus e

    no apresenta erro; nem tudo que est na Bblia ficou isento de erro. Por exemplo, as

    Escrituras contm o relato de muitos atos maus, pecaminosos, mas de modo algum a Bblia

    os elogia; tampouco os recomenda. Ao contrrio, condena essas prticas malignas. A

    Bblia chega a narrar algumas das mentiras de Satans (cf. Gn 3.4). Portanto, a simples

    existncia dessa narrao no significa que a Bblia ensine serem verdadeiras essas

    14 Esses erros correspondem a datas, nmeros, etc. Por exemplo, 2 Reis 8.26 diz que Azarias tinha 22 anos de

    Idade quando foi coroado rei, enquanto que em 2 Crnicas 22.2 diz que tinha 42 anos. Outros exemplos so

    encontrados em 1Rs 4.26 e 2Cr 9.25.

    15 Geisler e Nix, Op.Cit., 13.

  • 20

    mentiras. A nica coisa que a inspirao divina garante aqui que se trata de um registro

    verdadeiro de uma mentira satnica, de uma perversidade real de Satans.

    I.V- O que a Inspirao :

    Quando nos referimos inspirao das Escrituras, o que na verdade queremos

    dizer que elas so de origem divina. Mas no somente isso, pois, embora a Bblia tenha

    sido escrita por cerca de quarenta pessoas, essas pessoas a escreveram movidas pelo

    Esprito Santo, e de tal modo dirigidas por Ele, que tudo o que foi registrado por essas

    pessoas nas Escrituras constitui-se em revelao autoritativa de Deus. No somente as

    idias gerais ou fatos registrados, mas as prprias palavras empregadas foram escolhidas

    pelo Esprito Santo, pela livre instrumentalidade dos escritores. por isso que a Bblia se

    distingue de todos os demais escritos humanos, pois cada palavra que est registrada na

    Bblia a prpria palavra de Deus, e, portanto, inerrante e infalvel.16

    Os telogos costumam explicar a inspirao, dividindo-a em dois estgios, a

    saber: Plenria e Verbal.17

    a) Plenria Afirma-se ser plenria por que a prpria Bblia nos informa que

    Toda Escritura Inspirada (2Tm 3.16; ver tambm Rm 15.4). Isto quer dizer que todos os

    16 Paulo Anglada, Sola Scriptura A Doutrina Reformada das Escrituras, ( Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 1998), 50. Vd. Outras definies de Inerrncia em: Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 98; J. I. Packer, Revelao e Inspirao: In: F. Davidson, ed. O Novo Comentrio da Bblia (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1997), 30-31.

    17 I. S. Rennie, Inspirao Plenria, W. A. Elwell, Enciclopdia Histrico-Teolgico da Igreja Crist EHTIC II, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1992). 333-338. Hermisten fala de outras duas, a saber: Dinmica e Sobrenatural. Quanto dinmica, quer dizer que Deus no anulou a personalidade dos escritores,

    por isso, inspirados por Deus, eles puderam usar de suas experincias, pesquisas, aptides e manter o seu

    estilo (ver 2Pe 3.15, 16); tambm sobrenatural, porque foi originada em Deus e produz efeitos

    sobrenaturais, mediante a ao do Esprito Santo, em todos aqueles que crem em Cristo. (ver Jo 17.17; Rm

    10.17; Cl 1.3-6; 1Pe 1.23).Ver: Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras Uma Perspectiva Reformada, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 99-101; ver tambm: Paulo Anglada, Sola Scriptura A Doutrina Reformada das Escrituras, (Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 1998), 56-59; e Norman Geisler e William Nix, Introduo Bblica Como a Bblia Chegou At Ns, (Editora Vida, So Paulo 1997), 20, 21.

  • 21

    sessenta e seis livros da Bblia so de origem divina. Tudo o que foi registrado, o foi por

    vontade de Deus. Jesus e todos os autores do Novo Testamento exemplificam amplamente

    sua crena firme na inspirao integral e completa do Antigo Testamento, citando trechos

    de todas as Escrituras que eram para eles de autoridade, at mesmo os que apresentam

    ensinos fortemente polmicos. A criao de Ado e de Eva, a destruio do mundo pelo

    dilvio, o milagre de Jonas e o grande peixe e muitos outros acontecimentos so

    mencionados por Jesus deixando bem clara a autoridade deles. Todo trecho das Sagradas

    Escrituras reivindica total e completa autoridade. A inspirao da Bblia plena.18

    b) verbal Afirma-se ser verbal porque Deus se revelou atravs de palavras e

    todas as palavras dos autgrafos originais so Palavra de Deus (Ver 2Sm 23.2; Jr 1.9; Mt

    5.18; 1Co 2.13).

    No entanto, so vrios os aspectos que compem a teoria da inspirao verbal,

    vejamos alguns deles: (1) Deus o autor da Bblia no sentido de ser a causa formal; (2) o

    enfoque da inspirao acha-se nas palavras da Bblia, dirige-se para o texto mais do que

    para o autor; (3) Todas as palavras e relacionamentos verbais so inspirados por Deus. Este

    conceito abrange todas as declaraes que parecem perifricas, alm daquelas que mais

    obviamente dizem respeito questo em pauta. Todas elas tm relevncia na totalidade das

    Escrituras inspiradas. At mesmo relatos conhecidos de antemo pelos autores,

    provenientes de outras fontes, so inspirados da mesma forma verbal para a incluso na

    Bblia. Desta forma, a totalidade das Escrituras compartilha da inspirao verbal uniforme;

    (4) os dados na Bblia so reivindicados como a origem da teoria no os dados no sentido

    dos fenmenos, mas o ensino da Bblia a respeito da sua prpria natureza; (5) no est

    envolvido o processo de ditado, no h, portanto, violao alguma da personalidade do

    18 Geisler e Nix, Op. Cit., 21.

  • 22

    escritor; (6) a conformao consciente da parte de Deus explica qualquer lapso, expresso

    infeliz ou inexatido; (7) apenas os autgrafos originais dos livros bblicos so assim

    inspirados; (8) a inerrncia a qualidade desta Bblia, ela fala com exatido sobre todas as

    questes; (9) nesta mesma Bblia flui autoridade sobre todas as questes em que ela toca,

    garantindo, assim, que o ensino divino seja comunicado no tocante a todas as questes

    sobre o que o cristo deve crer e como ele deve viver.19

    O que queremos dizer at aqui no somente que as Escrituras so de origem

    divina, mas, que todo o contedo dela procede do prprio Deus. O grande telogo do

    sculo passado, J. C. Ryle, afirma:

    O ponto de vista que sustento o de que cada livro, captulo, versculo e slaba da

    Bblia foi dado por inspirao de Deus. Sustento que no s a substncia da Bblia,

    mas tambm sua linguagem no s as idias da Bblia, mas tambm suas palavras no apenas certas partes da Bblia, mas cada captulo dela e cada palavra so de autoria divina. Sustento que a Escritura no s contm a palavra de

    Deus, mas que ela a Palavra de Deus.20

    No podemos subestimar o valor inspirativo da Escritura. ela a nica fonte

    fidedigna que nos d a oportunidade de conhecermos os orculos de Deus.

    I.VI- O Ensino bblico de Inspirao:

    A Bblia declara ser um livro dotado de autoridade divina, resultante de um

    processo pelo qual, homens movidos pelo Esprito Santo escreveram textos inspirados

    (soprados) por Deus. Vejamos, ento, o ensino bblico a respeito da inspirao:

    O Ensino de Jesus Em Joo 10.34-35, Jesus seleciona uma passagem obscura

    nos Salmos (a declarao sois deuses, Sl 82.6) para reforar a declarao de que a

    Escritura no pode falhar. Jesus, ao falar de Si mesmo como Aquele a quem o Pai

    19 Ver: I. S. Rennie, Inspirao Verbal, Enciclopdia Histrico-Teolgico da Igreja Crist, II, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1992), 335. 20 J. C. Ryle, A Inspirao das Escrituras, (Editora PES, So Paulo SP), 11.

  • 23

    santificou e enviou ao mundo (v. 36), no deixa de Se referir queles de uma dispensao

    passada, queles a quem foi dirigida a palavra de Deus, e a Escritura no pode falhar

    (v.35). A implicao inevitvel que a totalidade da Escritura de autoridade

    incontestvel.21

    No Evangelho de Mateus 5.17-19, Jesus diz:

    No penseis que vim revogar a lei ou os profetas; no vim para revogar, vim para

    cumprir. Porque em verdade vos digo: at que o cu e a terra passem, nem um i ou

    um til jamais passar da lei, at que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um

    destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, ser

    considerado mnimo no reino dos cus; aquele, porm, que os observar e ensinar,

    esse ser considerado grande no reino dos cus.

    As tentativas de transformar as repeties do tipo Ouvistes que foi dito... Eu,

    porm, vos digo numa crtica slida lei mosaica no conseguiram convencer no seu

    argumento contra a probabilidade de que o protesto de Jesus contra as redues

    tradicionais das prprias reivindicaes e intenes internas daquela lei. Na realidade, o

    cumprimento necessrio de tudo quanto est escrito um tema constante nos lbios de

    Jesus (ver Mt 26.31; 26.54; Mc 9.12, 13; 14.19, 27; Jo 13.18; 17.12). Quem examinar

    fielmente as narrativas nos evangelhos para ver qual a atitude de Jesus para com os escritos

    sagrados ser levado concluso de Reinhold Seeberg: O prprio Jesus descreve e

    emprega o Antigo Testamento como autoridade infalvel (cf. Mt 5.17; Lc 24.44).22

    O Ensino do Antigo Testamento - Os profetas do Antigo Testamento, tanto no

    falar quanto ao escrever, destacam-se pela sua certeza inabalvel de que eram porta-vozes

    do Deus Vivo. Acreditavam que as verdades que pronunciavam a respeito do Altssimo,

    Suas obras e vontade, e os mandamentos e exortaes que proferiam em Seu nome, tinham

    origem e autoridade nEle. A frmula constantemente repetida: Assim diz o Senhor to

    21 C. F. H. Henry, Bblia, Inspirao da, W. A. Elwell, EHTIC I, 186. 22 C. F. H. Henry, Bblia, Inspirao da, EHTIC I, Op. Cit., 187.

  • 24

    caracterstica dos profetas que no deixa dvida de que eles se consideravam agentes

    escolhidos da auto-comunicao divina.23

    Segundo xodo 24.4, Moiss escreveu todas as palavras do Senhor; O Senhor

    ordenou a Isaas que escrevesse num livro a mensagem eterna de Deus (Is 30.8). Davi

    confessou: O Esprito do Senhor fala por mim, e a sua palavra est na minha boca (2Sm

    23.2). Era a palavra do Senhor que chegava aos profetas nos tempos do Antigo

    Testamento. Jeremias recebeu esta ordem: ... no te esqueas de nenhuma palavra (Jr

    26.2).

    O Ensino do Novo Testamento A inspirao que se pronuncia no Novo

    Testamento, quase sempre tem o objetivo de se referir inspirao do Antigo Testamento.

    Com isso, surge uma pergunta: com base em que, podemos defender a inspirao do Novo

    Testamento, visto que as referencias encontradas no NT so referentes ao AT? A resposta a

    essa pergunta que o Novo Testamento, semelhana do AT, reivindica a virtude de ser

    Escritura Sagrada, escrito proftico, e toda a Escritura e todos os escritos profticos devem

    ser considerados inspirados por Deus.

    De acordo com 2Tm 3.16, toda a Escritura inspirada. Ainda que a referncia

    explcita, aqui, refira-se ao AT, verdade que o NT tambm deve ser considerado

    Escritura Sagrada. Por exemplo, Pedro classifica as cartas de Paulo como parte das outras

    Escrituras do AT (2Pe 3.16). Em 1Tm 5.18, Paulo cita o evangelho de Lucas (cf. Lc

    10.7), referindo-se a ele como Escritura. Tal fato mais significativo ainda quando

    consideramos que nem Lucas, nem Paulo fizeram parte do grupo dos doze apstolos. Visto

    que as cartas de Paulo e os escritos de Lucas (Lucas e Atos; Ver At 1.1, Lc 1.1-4) foram

    classificados como Escritura Sagrada, por implicao direta o resto do Novo Testamento,

    23Idem, 187.

  • 25

    escrito pelos Apstolos, tambm considerado Escritura Sagrada. Em suma, se toda

    Escritura inspirada e o NT considerado Escritura, decorre disso claramente que o NT

    considerado com a mesma autoridade do AT. Na verdade, exatamente assim que os

    cristos, desde o tempo dos apstolos, tm considerado o Novo Testamento. Eles o

    consideram com a mesma autoridade do Antigo Testamento.

    Alm disso, de acordo com 2Pedro 1.20, 21, todas as mensagens escritas de

    natureza proftica foram dadas ou inspiradas por Deus. E, visto que o Novo Testamento

    reivindica a natureza de mensagem proftica, segue-se que ele tambm reclama autoridade

    igual dos escritos profticos do AT. Por exemplo, Joo refere-se ao livro do Apocalipse

    dessa forma; palavras da profecia deste livro (Ap 22.18). Paulo afirmou que a igreja

    estava edificada sobre o alicerce dos apstolos e profetas do Novo Testamento (cf. Ef 2.20;

    3.5). Visto que o Novo Testamento, semelhana do AT, um texto dos profetas de Deus,

    ele possui por essa razo a mesma autoridade dos textos inspirados do Antigo

    Testamento.24

    II- Inerrncia das Escrituras:

    A doutrina da inerrncia das Escrituras no fruto de uma teoria a respeito da

    Bblia ou uma filosofia moderna inventada pelos fundamentalistas ou conservadores.

    Quando afirmamos a inerrncia das Escrituras estamos dizendo o que a prpria Escritura

    reivindica para si mesma. Dessa forma, no estamos defendendo a inerrncia, mas sim

    afirmando-a como uma doutrina que faz parte da essncia do Evangelho, o qual deve ser

    propagado em toda sua extenso.

    24 Geisler e Nix, Op. Cit, 22.

  • 26

    Ensinamos a Inerrncia das Escrituras porque esta uma doutrina bblica (Jo

    10.35; 17.17; 2Co 6.7; Cl. 1.5; 2Tm 2.15; Tg 1.18). E, tambm porque procede de uma

    decorrncia lgica do fato de que o Deus que inspirou, ou soprou as Escrituras, no

    mente, no muda, no falha (Tt 1.2; Tg 1.17).

    II.I- Definio de Inerrncia:

    P. D. Feinberg define inerrncia assim:

    A Inerrncia o ponto de vista de que, quando todos os fatos forem conhecidos,

    demonstraro que a Bblia, nos seus autgrafos originais e corretamente

    interpretada, inteiramente verdadeira, e nunca falsa, em tudo quanto afirma, quer

    no tocante doutrina e tica, quer no tocante s cincias sociais, fsicas ou

    biolgicas.25

    O termo inerrncia, por si s se explica. Pode-se dizer que a afirmao

    segura de que, em todos os textos bblicos, no h qualquer possibilidade de existncia de

    erro.

    No entanto, precisamos definir o que entendemos por erro, caso contrrio

    perde-se o significado do que queremos dizer por inerrncia. Se existe um coeficiente

    infinito de elasticidade da linguagem, de forma que a palavra verdade pode simplesmente

    ser esticada um pouco mais, e um pouco mais, e um pouco mais, por fim ela acabar

    incluindo tudo e, portanto, nada.26 Por exemplo, declaraes das Escrituras que

    contradigam claramente os fatos (ou sejam contraditas por eles), devem ser consideradas

    erros. Se Jesus no morreu na cruz, se ele no acalmou a tempestade no mar, se os muros

    de Jeric no caram, se o povo de Israel no deixaram a escravido no Egito, partindo para

    a Terra Prometida, ento a Bblia est errada, e portanto, no inerrante.

    25 P. D. Feinberg, - Bblia, Inerrncia e Infalibilidade da. EHTIC - I, 180. Ver outras definies em: Wayne Grudem, Teologia Sistemtica, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1999), 58; Millard J. Erickson, Introduo Teologia Sistemtica, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1997), 84; e Philip Wesly Comfort, A Origem da Bblia, (Editora CPAD, Rio de Janeiro RJ, 1998), 62-64. 26 Millard J. Erickson, Introduo Teologia Sistemtica, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1997), 87.

  • 27

    Desta forma, faz-se necessrio observar alguns princpios e algumas ilustraes

    que nos ajudaro a definir a inerrncia de modo mais especfico e a resolver algumas

    dificuldades.

    1. A inerrncia diz respeito ao que afirmado ou declarado, no ao que

    apenas registrado.

    A Bblia registra declaraes falsas feitas por mpios. A presena dessas

    declaraes nas Escrituras no significa que sejam verdadeiras; garante, apenas, que esto

    corretamente registradas. O mesmo pode-se dizer com respeito a certas declaraes de

    homens crentes que no estavam falando sob a inspirao do Esprito Santo. Estevo, por

    exemplo, em seu discurso em Atos 7, talvez no estivesse inspirado, embora estivesse

    cheio do Esprito Santo (At 6.8; 7.55). Assim, a declarao cronolgica no versculo 6 no

    necessariamente isenta de erro.27

    Quando, porm, algo tomado pelo escritor bblico, qualquer que seja a fonte, e

    incorporado em sua mensagem em forma de afirmao, no apenas de um registro, deve-se

    julg-lo fidedigno. Isso no garante a canonicidade do livro citado. Descrentes, sem a

    revelao especial ou a inspirao, podem, no entanto, estar em posse da verdade. Ao

    afirmar que tudo o que est na Bblia verdade, a pessoa no obrigada a afirmar que toda

    verdade est dentro da Bblia. Assim, as referncias de Judas a livros no-cannicos (v. 9,

    14, 15) no cria necessariamente um problema, pois no se exige com isso que a pessoa

    creia que Judas afirme um erro ou que Enoque e a Assuno de Moiss sejam livros

    inspirados por Deus, devendo ser includos no cnon do Antigo Testamento.

    2. Precisamos julgar a fidedignidade das Escrituras de acordo com aquilo que

    as afirmaes significavam no ambiente cultural em que foram expressos.

    27 xodo 12.40 traz quatrocentos e trinta anos, mas Estevo est falando em nmeros redondos, e pode ter estado seguindo o texto de Gneses 15.13 que traz quatrocentos anos.

  • 28

    Devemos julgar a Bblia de acordo com as formas e os padres de sua prpria

    cultura. Por exemplo, no devemos esperar que os padres de exatido em citaes a que

    estamos acostumados nesta nossa poca de imprensa e distribuio em massa estejam

    presentes no primeiro sculo. Tambm precisamos reconhecer que, em tempos antigos,

    muitas vezes os nmeros eram usados de maneira simblica, muito mais do que acontece

    em nossa cultura hoje. Os nomes que os pais escolhiam para os filhos tambm carregavam

    um significado especial; coisas que raramente acontece hoje. A palavra filho possui

    basicamente um sentido em nossa lngua e cultura. Nos tempos bblicos, contudo, possua

    um sentido mais amplo, quase igual a descendentes. H uma grande diferena, portanto,

    entre nossa cultura e a dos tempos bblicos.28 Quando falamos de inerrncia, queremos

    dizer que as afirmaes da Bblia so plenamente verdadeiras dentro da cultura da poca.

    3. As afirmaes da Bblia so plenamente verdadeiras quando julgadas de

    acordo com o propsito para o qual foram escritas.

    Com isso, queremos dizer que, a exatido varia de acordo com o uso que se

    pretende dar ao material. Para isso, vejamos a ilustrao feita por Erickson:

    Suponhamos um caso hipottico em que a Bblia registre uma batalha na qual

    9.476 homens tenham-se envolvido. Qual seria o relato correto (ou infalvel)?

    Seria 10.000? 9.000? 9480? 9.475? Ou 9.476 seria o nico relato correto? A

    resposta que isso depende do propsito do escritor. Se o relato for um documento

    militar oficial que um subalterno deve submeter a seu superior, o nmero deve ser

    exato. Esse seria o nico meio de verificar se no houve nenhum desertor. Se, por

    outro lado, a inteno do relato for apenas dar uma idia da dimenso da batalha,

    um nmero redondo como 10.000 seria adequado e, nesse contexto, correto.29

    Em 2Crnicas 4.2, nos dado informaes sobre o mar de fundio. Se, ao dar

    as dimenses, o objetivo fornecer um esquema para construir uma rplica exata, ento

    importante saber se era construdo com dimetro de 10 cbitos ou circunferncia de 30

    28 Erickson, Op. Cit., 85.

    29 Idem, 85.

  • 29

    cbitos. Mas se a inteno era apenas comunicar uma idia da dimenso do objeto, ento a

    aproximao dada pelo cronista suficiente e pode ser considerada plenamente verdadeira.

    comum encontrarmos tais aproximaes na Bblia.

    Portanto, deve-se considerar o propsito do texto quando se julga se algo

    verdadeiro, e isso se aplica no apenas ao uso de nmeros, mas tambm a tpicos como a

    ordem cronolgica em narrativas histricas, a qual por vezes foi modificada nos

    evangelhos. Em alguns casos, era necessrio mudar as palavras para comunicar o mesmo

    significado para pessoas diferentes. Assim, por exemplo, Lucas traz: Glria nas maiores

    alturas (Lc 19.38), enquanto Mateus e Marcos trazem Hosana nas maiores alturas (ver

    Mt 21.9; e Mc 11.10); para os leitores gentios de Lucas, a primeira expresso faria mais

    sentido que a segunda. Mesmo a expanso e a compreenso , que so usadas hoje pelos

    pregadores, sem que sejam acusados de infidelidade ao texto, eram praticadas pelos

    leitores bblicos.

    4. Os registros de acontecimentos histricos e assuntos cientficos esto mais

    em linguagem fenomenolgica que tcnica.

    Com isso, queremos dizer que os relatos bblicos no se empenham (e nem

    esto preocupados) em ser cientificamente exatos; no tentam teorizar sobre o que

    aconteceu quando, por exemplo, os muros de Jeric caram (Josu 6.20, 21), ou o rio

    Jordo deixou de correr (Josu 3.16), ou o machado flutuou (2Reis 6.6). O escritor

    simplesmente registrou o que foi visto, como pareceu aos olhos.

    5. As dificuldades para explicar o texto bblico no devem ser prejulgadas

    como indcios de erros.

    No devemos ter muita pressa em estabelecer uma soluo definitiva para os

    problemas que surgem de textos obscuros. Por exemplo, de acordo com Mateus 27.5, Judas

  • 30

    cometeu suicdio, enforcando-se; Atos 1.18, no entanto, afirma que Ali caiu de cabea,

    seu corpo partiu-se ao meio, e as suas vsceras se derramaram (Trad. NVI). O termo grego

    especfico usado em Atos, causando dificuldades com relao morte de Judas, prenej -

    prenes. Por um bom perodo, entendeu-se que significava cair de cabea. No sculo XX,

    porm, as investigaes de papiros antigos revelaram que essa palavra tem outro

    significado no grego coin. Ela tambm significa inchar. Agora possvel tecer, sobre o

    fim da vida de Judas, uma hiptese que parece acomodar todos os dados. Depois de

    enforcado, o corpo de Judas no foi logo encontrado. Nessa situao, os rgos viscerais

    comeam a degenerar primeiro, provocando uma dilatao do abdome, caracterstico de

    cadveres que no foram devidamente embalsamados (e mesmo nos que foram, caso o

    processo no seja repetido aps alguns dias). Assim, inchando-se [Judas], seu corpo

    partiu-se ao meio, e todas as suas vsceras se derramaram.30 Apesar de no existirem

    meios para saber se isso de fato aconteceu, essa parece ser uma soluo vivel e adequada

    para a dificuldade. Precisamos continuar trabalhando no sentido de resolver todas essas

    tenses em nosso entendimento da Bblia.

    II.II- Argumentos a Favor da Inerrncia:

    Os argumentos primrios a favor da inerrncia so bblicos, histricos e

    epistemolgicos na sua natureza.31

    O Argumento Bblico No centro da crena numa Bblia inerrante est o

    testemunho das prprias Escrituras. Existem divergncias quanto se as Escrituras ensinam

    30 Erickson, Op. Cit., 86.

    31 Ver, P. D. Feinberg, - Bblia, Inerrncia e Infalibilidade da. EHTIC - I, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1993), 181, 182. Ver tambm; Millard J. Erickson, Introduo Teologia Sistemtica, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1997), 81, 82.

  • 31

    a inerrncia explicita ou implicitamente. O consenso contemporneo que a inerrncia

    ensinada de maneira implcita.

    Primeiramente, a Bblia ensina sua prpria inspirao, e isto pressupe

    inerrncia. Nossa idia de inspirao implica logicamente a inerrncia da Bblia. A

    inerrncia um corolrio da doutrina da inspirao plena. Se, portanto, for provado que a

    Bblia no totalmente confivel, nossa idia de inspirao tambm ficar prejudicada.32

    As Escrituras so o sopro (Qeopneustoj) de Deus (1Tm 3.16), o que garante que esto sem

    erro.

    Em segundo lugar, em Dt 13.1-5 e 18.20-22 Israel recebe critrios para

    distinguir a mensagem de Deus e o seu mensageiro das falsas profecias e profetas. Uma

    marca da mensagem divina a veracidade total e absoluta. Um paralelo vlido pode ser

    feito entre o profeta e a Bblia. A palavra do profeta geralmente era oral, mas tambm

    podia ser registrada e includa num livro; os autores das Escrituras comunicaram a palavra

    de Deus na forma escrita. Os dois eram instrumentos da comunicao divina e, em ambos

    os casos, o elemento humano era um ingrediente essencial.

    Em terceiro lugar, a Bblia ensina a sua prpria autoridade, e isto requer

    inerrncia. As duas passagens mais comumente citadas so Mt 5.17-20 e Jo 10.34, 35. As

    duas registram as palavras de Jesus. Na primeira, Jesus disse que at que o cu e a terra

    passem, nem um i ou um til jamais passar da lei, at que tudo se cumpra. A autoridade

    da lei depende do fato de que ser cumprido cada detalhe. Na segunda passagem citada,

    Jesus diz que a Escritura no pode falhar, de modo que ela totalmente obrigatria.

    Embora seja verdade que as duas passagens enfatizam a autoridade da Bblia, esta

    32 Erickson, Op. Cit., 81, 82.

  • 32

    autoridade somente pode ser justificada pela inerrncia ou nela fundamentada. Algo que

    contm erros no pode ser totalmente autorizado.

    Em quarto lugar, as Escrituras usam as prprias Escrituras para apoiar a sua

    inerrncia. s vezes, um argumento inteiro depende de uma nica palavra (cf. Jo 10.34-35;

    deuses, no Sl 82.6), do tempo de um verbo (ver o tempo presente em Mt 22.32), e a

    diferena entre um substantivo no singular e no plural (ver descendente em Gl 3.16). Se

    a inerrncia da Bblia no se estende aos mnimos detalhes, estes argumentos perdero as

    suas fora.33

    Por ltimo, a inerrncia vem daquilo que a Bblia diz a respeito do carter de

    Deus. Repetidas vezes, as Escrituras ensinam que Deus no pode mentir (Nm 23.19; 1Sm

    15.29; Tt 1.2; Hb 6.18). Se, portanto, a Bblia vem da parte de Deus, e o seu carter est

    detrs dela, ela forosamente inerrante e infalvel.

    O Argumento Histrico Historicamente, a igreja tem se apegado inerrncia

    da Bblia. Embora at tempos recentes no se tivesse enunciado uma teoria completa,

    sempre houve, ao longo dos anos da histria da igreja, uma crena geral na completa

    fidedignidade da Bblia. No se evidencia de imediato se essa crena significa exatamente

    o que os atuais defensores da inerrncia entendem pelo termo inerrncia. Em todo caso,

    sabemos que a idia geral de inerrncia no um desdobramento recente.34

    33 Com isso, podemos dizer que o uso de qualquer palavra poderia ser uma questo de capricho ou poderia

    at mesmo ser um erro. Pode-se objetar que o NT nem sempre cita os textos do AT com preciso na realidade a preciso mais uma exceo do que uma regra.

    34 Erickson, Op.Cit., 82.

  • 33

    No perodo da Patrstica, Agostinho descreve: Aprendi a dar este respeito e

    honra somente aos livros cannicos da Escritura; somente acerca destes que creio com

    muita firmeza que os autores estavam completamente livres de erro.35

    Os dois grandes reformadores, Lutero e Calvino, do testemunho da

    infalibilidade da Bblia. Lutero diz: Mas todos realmente sabem que, s vezes, eles [os

    pais] tm errado conforme os homens tendem a fazer; por isso, estou disposto a confiar

    neles somente quando comprovam pelas Escrituras as suas opinies, sendo que as

    Escrituras nunca erraram.36 Quanto a Calvino, embora este no empregue a frase sem

    erro, pode haver bem pouca dvida de que ele aceita a inerrncia. A respeito dos

    escritores dos evangelhos, ele comenta: O Esprito de Deus... parece ter deliberadamente

    conduzido o estilo deles, a ponto de todos escreverem exatamente a mesma histria, com a

    mais perfeita concordncia, mas de maneiras diferentes.37

    Sempre que se abandona a doutrina da inerrncia das Escrituras, as

    conseqncias so imediatas. H indcios de que quando um telogo, uma escola ou um

    movimento comea a entender que a inerrncia bblica um assunto perifrico ou opcional

    e abandona essa doutrina, passa, com freqncia, a abandonar ou alterar outras doutrinas

    que a igreja ordinariamente considerava muito importante, tais como a deidade de Cristo

    ou a Trindade. Uma vez que a histria o laboratrio em que a teologia testa suas idias,

    devemos concluir que o abandono da crena na completa fidedignidade da Bblia um

    35 Citado por: P. D. Feinberg, - Bblia, Inerrncia e Infalibilidade da. Enciclopdia Histrico-Teolgico da Igreja Crist - I, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1993), 182. 36 Idem, 182.

    37 Ibid, 182.

  • 34

    passo muito srio, no s pelo que faz a essa doutrina, mas ainda mais pelas conseqncias

    que recaem sobre outras doutrinas.38

    O Argumento Epistemolgico Se nosso fundamento para conhecer e manter

    qualquer proposio teolgica o fato de que a Bblia a ensina, da maior importncia que

    a Bblia se prove fidedigna em todas as suas declaraes. Caso conclussemos que certas

    proposies (histricas ou cientficas) ensinadas pela Bblia no so verdadeiras, as

    implicaes para as proposies teolgicas seriam vastas. medida que os evanglicos

    abandonam a posio de que tudo o que ensinado ou afirmado pelas Escrituras

    verdadeiro, procuram-se outras bases para a doutrina. Isso pode se dar tanto pelo

    ressurgimento de uma filosofia da religio como, o que mais provvel dada a atual

    orientao relacional, pela fundamentao da teologia nas cincias do comportamento, tal

    como a psicologia da religio. Mas qualquer que seja a forma assumida por essa base

    alternativa, provvel que haja uma retrao da lista das doutrinas, pois difcil

    estabelecer a Trindade ou o nascimento Virginal de Cristo com base em argumentos

    filosficos ou na dinmica dos relacionamentos interpessoais.39

    Epistemologias que no exigem um padro to alto de certeza resultam no

    seguinte argumento a favor da inerrncia: se a Bblia no inerrante, qualquer alegao

    que faz pode ser falsa. Isto significa, no que todas as alegaes realmente so falsas, mas

    que algumas delas podem ser falsas. Mas uma parte to grande da Bblia est alm da

    38 Erickson, Op.Cit., 82. Feinberg diz que alguns entendem que a inerrncia to fundamental que aqueles

    que abrem mo dela no demoraram para se desfazer de outras doutrinas centrais. Negar a inerrncia das

    Escrituras leva a pessoa a descer por uma rampa escorregadia que leva para erros ainda maiores. Ver, P. D.

    Feinberg, Bblia, Inerrncia e Infalibidade da, W. A. Elwell, EHTIC I, 182. 39 Erickson, Op.Cit., 82.

  • 35

    verificao direta. Logo, somente a sua inerrncia pode garantir a quem a conhece que sua

    confiana nela justificada.40

    II.III- O Ensino Bblico de Inerrncia:

    Acerca das Escrituras, Joo Calvino afirma: A Escritura a escola do Esprito

    Santo, na qual, como nada omitido no s necessrio, mas tambm proveitoso de

    conhecer-se, assim tambm nada ensinado seno [o] que convenha saber.41

    A Bblia autentica-se a si mesma como registro inerrante. Deus ordenou que a

    sua palavra fosse escrita (x 17.14), sendo chamado esse registro de Livro do Senhor (Is

    34.16). Vejamos os argumentos bblicos que comprovam a doutrina da inerrncia.42

    Os Profetas Os profetas so descritos como aqueles atravs dos quais Deus

    fala (x 7.1; Dt 18.15, 18; Jr 1.9; 7.1). O profeta no criava nem adaptava a mensagem; a

    ele competia transmiti-la como havia recebido (x 4.30; Dt 4.2, 5). O que se exige do

    profeta fidelidade. Os Profetas tinham conscincia de que foram chamados por Deus

    (1Sm 3; Is 6; Jr 1; Ez 1-3) e de que receberam a mensagem da parte de Deus (Nm 23.5; Dt

    18.18; Jr 1.9; 5.14), que era distinta de seus prprios pensamentos (Nm 16.28; 24.13/1Rs

    12.33; Ne 6.8). Os falsos profetas eram acusados justamente de proferirem as suas prprias

    palavras e no as de Deus (Jr 14.14; 23.16; 29.9; Ez 13.2, 3, 6).

    Quando os profetas se dirigiram ao povo, diziam: Assim diz o Senhor; Ouvi

    a Palavra do Senhor; Veio a mim a Palavra do Senhor (cf. Ez 31.1; Os 1.1; Jl 1.1; Am

    1.3; 2.1; Ob 1.1; Mq 1.1; Jr 27.1; 30.1-4, etc.); isso indicava a certeza que tinham de que

    40 Ver, P. D. Feinberg, - Bblia, Inerrncia e Infalibilidade da. Enciclopdia Histrico-Teolgico da Igreja Crist - I, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1993), 182. 41 Joo Calvino, As Institutas da Religio Crist, III, Cap. XXI, 3. (Casa Editora Presbiteriana, Cambuc SP, 1989), 387.

    42 Ver, Hermisten Maia P. da Costa, A Inspirao e Inerrncia das Escrituras Uma Perspectiva Reformada, (Editora Cultura Crist, Cambuc SP, 1998), 110-112.

  • 36

    Deus lhes dera a mensagem e os enviara (cf. Jr 20.7-9; Ez 3.4ss; 17.22; 37.1; Am 3.8; Jn

    1.2). Um fato importante a favor da sinceridade dos profetas de Deus que nem sempre

    eles entendiam a mensagem transmitida (cf. Dn 12.8, 9; 4.4, 5; 1Pe 1.10, 11).

    Os Apstolos Os Escritores do Novo Testamento reconheciam ser o Antigo

    Testamento a Palavra de Deus (Hb 1.1; 3.7), sendo a Escritura um registro fiel da histria e

    da vontade de Deus (ver Rm 4.3; 9.17; Gl 3.8; 4.30).

    Os Apstolos falavam com a convico de que estavam pregando e ensinando a

    palavra inspirada de Deus, dirigidos pelo Esprito Santo (ver 1Co 2.4-13; 7.10; 14.37; 2Co

    13.2, 3; Gl 1.6-9; Cl 4.16; 1Ts 2.13; 2Tm 3.14). Paulo e Pedro colocavam os escritos do

    Novo Testamento no mesmo nvel do Antigo Testamento (cf. 1Tm 5.18/Dt 25.4; Lc 10.7;

    2Pe 3.16). O Apstolo Paulo reconheceu os apstolos e os profetas, no mesmo nvel, como

    os fundamentos da Igreja, edificados sobre Jesus Cristo, a pedra angular (Ef 2.20).

    Jesus Cristo Jesus apela para o Antigo Testamento, considerando-o como a

    expresso fiel do Conselho de Deus, sendo a verdade final e decisria. Deus o Autor das

    Escrituras (Mt 4.4, 7, 10; 11.10; 15.4; 19.4; 21.16, 42; 22.29; Mc 10.5-9; 12.10; 12.24; Lc

    19.46; 24.25-27, 44-47; Jo 10.34).

    Afirmaes Diretas das Escrituras O Novo Testamento declara enfaticamente

    que toda Escritura, como Palavra de Deus, inspirada, inerrante e infalvel (ver Mt 5.18;

    Lc 16.17, 29, 31; Jo 10.35; At 1.16; 4.24-26; 28.25; Rm 15.4; 2Tm 3.16; Hb 1.1, 2; 3.7-11;

    10.15-17; 2Pe 1.20). Em 2Pe 1.20, por exemplo, o apstolo tem a preocupao de

    demonstrar a confiabilidade da prpria Escritura, e no a autoridade daqueles que a

    interpretam. Aqui, Pedro est argumentando que o testemunho proftico das Escrituras

    vem diretamente de Deus.

  • 37

    A Bblia fornece argumentos racionais que demonstram a sua inerrncia,

    todavia, os homens s tero essa convico mediante o testemunho interno do Esprito

    Santo (Sl 119.18).43 Os discpulos de Cristo s entenderam as Escrituras quando o prprio

    Jesus lhes abriu o entendimento (cf Lc 24.45). A Escritura autentica-se a si mesma e ns a

    recebemos pelo Esprito Santo.44

    III- A Autoridade das Escrituras:45

    Estamos atravessando uma terrvel crise de autoridade, isso no se limita

    apenas ao campo da f nem ameaa especial ou unicamente os crentes. A autoridade

    paterna, a autoridade conjugal, a autoridade poltica, a autoridade acadmica e a autoridade

    eclesistica esto sendo impiedosamente questionadas. No somente determinados tipos de

    autoridade como, a autoridade das Escrituras, do papa, dos governantes etc., mas o prprio

    conceito de autoridade est sendo fortemente desafiado. Assim, a crise dos dias de hoje

    relacionada autoridade bblica espelha um escasso consenso civilizacional em assuntos

    que dizem respeito soberania e submisso.

    43 Ver, Gleason L. Archer, Enciclopdia de Dificuldades Bblicas, (Editora Vida, So Paulo SP, 1997), 21; Joo Calvino, Exposio de Romanos, (Editora Paracletos, So Paulo SP, 1997), 374. 44 Quando sustentamos com tamanha veemncia a doutrina da inerrncia das Escrituras (bem como a

    inspirao), no queremos ser confundidos como biblilatras. O que fazemos apenas nos submeter s reivindicaes profticas, apostlicas e do prprio Cristo. Diante de um testemunho to evidente, como

    poderamos descartar estas verdades e seguir as opinies fantasiosas de homens? O cristo sincero deve

    aprender , pelo Esprito Santo, a subordinar a sua inteligncia sabedoria de Deus revelada nas Sagradas

    Escrituras e a guardar no corao a Palavra do Senhor, para assim, no pecar contra Ele (Sl 119.11).

    45 No trataremos o conceito de Infalibilidade das Escrituras, doutrina esta que ensina que as Escrituras so

    confiveis e fidedignas para aqueles que se voltam para ela em busca da verdade de Deus. Como fonte da

    verdade, a Bblia indefectvel (ou seja, no pode falhar ou insurgir-se contra o padro da Verdade). Conseqentemente, nunca falhar ou decepcionar qualquer um que confie nela. Visto que este conceito est

    intimamente ligado ao conceito de inerrncia, julgamos no ser necessrio tratar da infalibilidade neste

    trabalho. Chegamos a esta concluso, aps pesquisarmos sobre o assunto, e, dos autores pesquisados, quase

    todos a tratam quase que como sinnima da inerrncia. Mas, ainda assim, no deixaremos de menciona-la,

    bem como tentar defini-la.

  • 38

    III.I- Definio de Autoridade:

    A confisso de F de Westminster define a autoridade das Escrituras nestes

    termos:

    A autoridade das Sagradas Escrituras, pela qual ela deve ser crida e obedecida, no

    depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas unicamente e

    totalmente de Deus (que a prpria verdade), que seu autor; tem, portanto, de ser

    recebida, porque a Palavra de Deus.

    Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e induzidos a um elevado e

    reverente apreo pela Sagrada Escritura, e pela sublimidade da matria, a eficcia

    da doutrina, a majestade do estilo, a harmonia de todas as partes, o escopo de seu

    todo (que dar a Deus toda glria), a plena descoberta que faz do nico meio de

    salvao para o homem, as muitas outras excelncias incomparveis e a plena

    perfeio so argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser a Palavra

    de Deus; no obstante, nossa plena persuaso e certeza da infalvel verdade e

    divina autoridade provm da obra interna do Esprito Santo que, pela Palavra e

    com a Palavra, testifica em nossos coraes.46

    Portanto, por autoridade das Escrituras, queremos dizer que, por serem

    divinamente inspiradas, as Escrituras so inerrantes e verdicas em todas as suas

    afirmativas, no contendo erro algum, histrico ou doutrinrio, o que as torna infalveis, e,

    portanto, autoritativas quanto a todos os assuntos sobre os quais faz asseveraes. Esta

    doutrina ensina que as Escrituras so a fonte infalvel de informao que estabelece

    definitivamente qualquer assunto nelas tratado; a nica regra infalvel de f e prtica.47

    Ainda definindo a doutrina da autoridade das Escrituras, Grudem diz: A

    autoridade das Escrituras significa que as palavras nas Escrituras so palavras de Deus, de

    46 Confisso de F de Westminster Comentada por A. A. Hodge, (Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 1999), cap. I - sesso IV e V, 61, 62.

    47 Paulo Anglada, Sola Scriptura A Doutrina Reformada das Escrituras, (Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 1998), 61, 62.

  • 39

    modo que no crer em alguma palavra da Bblia ou desobedecer a ela no crer em Deus

    ou desobedecer a ele.48

    III.II- O Testemunho do Esprito Santo sobre a autoridade da Escritura:

    Como vimos na definio acima, a Confisso de F de Westminster nos ensina

    que a persuaso do crente quanto autoridade das Escrituras se d pelo testemunho interno

    do Esprito Santo. Se algum cr de fato na autoridade final das Escrituras como regra de

    f e prtica, o faz como resultado da ao do Esprito Santo.49

    Esta persuaso no significa de modo algum uma revelao adicional do

    Esprito. Significa, sim, que a ao do Esprito no corao de uma pessoa, iluminando seu

    corao e sua mente em trevas, regenerando-o, fazendo-o nova criatura, dissipa as trevas

    espirituais da sua mente, remove a obscuridade do seu corao, permitindo que reconhea

    a autoridade divina das Escrituras.

    Comentando sobre este ponto, Hodge diz:

    As Escrituras, para o homem no regenerado, so como a luz para o cego. Podem

    ser sentidas como os raios solares so sentidos pelo cego, mas no podem ser

    claramente vistas. O Esprito Santo abre os olhos cegos e comunica a devida

    sensibilidade ao corao enfermo; e assim a confiana emana da evidncia da

    experincia espiritual. Assim que regenerado, ele avana, mais ele prova que so

    verdadeiras e mais ele descobre sua ilimitada amplido e plenitude, e sua evidente

    adaptao destinada a todas as necessidades humanas sob todas as condies

    possveis.50

    48 Wayne Grudem, Teologia Sistemtica, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1999), 44. Ver tambm: Brian M. Schwertley, Sola Scriptura e o Princpio Regulador do Culto, (Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 2001), 21.

    49 A Igreja tambm testemunha da autoridade das Escrituras. Embora a autoridade das Escrituras no se

    fundamente ou decorra da igreja, a excelncia das Escrituras demonstrada pelo testemunho da Igreja. Isto

    legtimo. Cabe Igreja demonstrar e ensinar as evidncias abundantes da autoridade divina da Palavra de

    Deus. Cabe a ela anunciar a excelncia do seu contedo, a eficcia das suas partes.

    50 Confisso de F de Westminster Comentada por A. A. Hodge, (Editora Os Puritanos, So Paulo SP, 1999), 63.

  • 40

    Escrevendo para os corntios, o apstolo Paulo trata deste assunto proferindo as

    seguintes palavras: ...o homem natural no aceita as coisas do Esprito de Deus, porque

    lhe so loucura; e no pode entend-las porque elas se discernem espiritualmente (1Co

    2.14). Isto significa que o homem natural, em estado de pecado, perdeu sua capacidade

    original de compreender as coisas espirituais. Ele no pode, portanto, reconhecer a

    autoridade das Escrituras, no tem capacidade natural para isso. Na sua Segunda Carta aos

    Corntios o apstolo Paulo ainda mais preciso na sua explicao, ele diz:

    ...se o nosso evangelho ainda est encoberto, para os que se perdem que est

    encoberto, nos quais o deus deste sculo cegou os entendimentos dos incrdulos,

    para que lhes no resplandea a luz do evangelho da glria de Cristo, o qual a

    imagem de Deus... Porque Deus, que disse: De trevas resplandecer luz, ele

    mesmo resplandeceu em nosso corao, para iluminao do conhecimento da

    glria de Deus na face de Cristo (2Co 4.3-4, 6).

    O que Paulo afirma, que o homem natural, o incrdulo, est cego, como

    resultado da obra do diabo, que o faz cair. Neste estado, ele est como um deficiente visual

    que no consegue perceber nem mesmo a luz do sol, como comentou Hodge acima. Este

    testemunho do Esprito no uma nova revelao, mas a sua ao atravs da qual ele abre

    os olhos de um cego, permitindo-lhe reconhecer a luz do sol que l estava, mas no podia

    ser vista por causa da cegueira.

    Portanto, para que a Bblia funcione como se o prprio Deus estivesse falando

    para ns, preciso que compreendamos o significado das Escrituras, e nos convencermos

    de sua origem e autoria divina. Isso se realiza pela obra interna do Esprito Santo, que

    ilumina o entendimento do ouvinte ou leitor da Bblia, faz com que ele entenda seu

    significado e cria uma certeza de que a verdade e vem de Deus.

  • 41

    III.III- O Ensino Bblico de Autoridade:

    Como estamos vendo, todas as doutrinas esto intimamente relacionadas

    inspirao, ou seja, mxima bblica de que toda Escritura inspirada por Deus

    (Qeopneustoj)). Isto quer dizer ento, que todas as demais doutrinas que afirmam esta

    atuao completa e nica de Deus na formao de cnon, provm de uma mesma base

    bblica. Com isso, refiro-me s doutrinas da inerrncia, infalibilidade, autoridade e

    suficincia das Escrituras, que partem de uma mesma base bblica e de um mesmo

    pressuposto Deus o autor das Escrituras.

    Como parte desta afirmao, a Bblia nos ensina que a autoridade que recai

    sobre as Escrituras, uma autoridade divina. Vejamos:

    O Antigo Testamento No AT, a autoridade das Escrituras se v com

    freqncia na frase introdutria assim diz o Senhor, que ocorre centenas de vezes. No

    mundo do Antigo Testamento, essa frase seria reconhecida como idntica em forma

    expresso assim diz o rei..., usada para introduzir um edito de um rei a seus sditos,

    edito que no poderia ser desafiado nem questionado, mas simplesmente obedecido.51

    Dessa forma, quando os profetas dizem assim diz o Senhor eles esto reivindicando a

    condio de mensageiros do Soberano Rei de Israel, ou seja, o prprio Deus, e declarando

    que suas Palavras so Palavras de Deus com autoridade absoluta. Quando um profeta

    falava dessa forma em nome de Deus, cada palavra dita vinha de Deus, seno ele seria um

    falso profeta (cf. Nm 22.38; Dt 18.18-20; Jr 1.9; 14.14; 23.16-22; 29.31-32; Ez 2.7; 13.1-

    16).52

    51 Wayne Grudem, Teologia Sistemtica, (Editora Vida Nova, So Paulo SP, 1999), 44. 52 Idem, 45.

  • 42

    Alm disso, muitas vezes se diz que Deus fala por intermdio do profeta (1Rs

    14.18; 16.12, 34; 2Rs 9.36; 14.25; Jr 37.2; Zc 7.7, 12). Assim, o que o profeta diz em nome

    de Deus, Deus quem fala (1Rs 13.26 com v. 21; 1Rs 21.19 com 2Rs 9.25-26; Ag 1.12; cf.

    1Sm 15.3, 18). Nesses e em outros casos no Antigo Testamento, as palavras que os

    profetas falaram podem ser mencionadas igualmente como palavras que o prprio Deus

    falou. Assim, no dar crdito ou desobedecer a qualquer coisa que um profeta diz no dar

    crdito ou desobedecer ao prprio Deus (Dt 18.19; 1Sm 10.8; 13.13-14; 15.3, 19, 23; 1Rs

    20.35, 36).

    O Novo Testamento No NT, so vrias as referncias que indicam que o AT

    palavra de Deus. O texto comumente citado de 2Tm 3.16, refere-se exclusivamente ao

    Antigo Testamento como Palavra de Deus. Foi Deus quem falou cada palavra do Antigo

    Testamento, embora tenha usado agentes humanos para escrever essas palavras. Outros

    textos como 2Pe 1.21; Mt 1.22 referindo-se a Is 7.14; Mt 4.4; Mt 19.5 referindo-se a Gn

    2.24; e etc., so a base para a afirmao de que o Novo Testamento d testemunho do

    Antigo Testamento como palavra inspirada, e portanto, cheia da autoridade divina.

    Mas se Paulo referia-se apenas aos escritos do Antigo Testamento quando falou

    de toda Escritura em 2Tm 3.16, como esse versculo pode tambm ser aplicado aos

    escritos do Novo Testamento? Ele fala algo sobre o carter dos escritos do Novo

    Testamento? Para responder a essa pergunta, precisamos perceber que a palavra grega -

    grafh - graphe (escritura) era um termo tcnico para os escritores do Novo Testamento e

    possua um significado muito especfico. Embora seja usada cinqenta e uma vezes no

    Novo Testamento, em cada um desses casos empregada para referir-se aos escritos do

    Antigo Testamento e no a nenhuma outra palavra ou escrito fora do cnon das Escrituras.

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    Assim, tudo que pertencesse categoria escritura tinha a qualidade de inspirado por

    Deus, e suas palavras eram as palavras do prprio Deus.53

    Em 2Pe 3.16, o apstolo Pedro mostra no apenas conhecimento da existncia

    de epstolas escritas por Paulo, mas tambm uma clara disposio para classificar todas as

    suas [Paulo] epstolas juntamente com as demais escrituras. Isso uma indicao de

    que muito cedo na histria da igreja todas as epstolas de Paulo eram consideradas palavras

    escritas de Deus no mesmo sentido que eram os textos do Antigo Testamento.

    Em 1Tm 5.18, o apstolo Paulo cita as palavras de Jesus na forma em que as

    encontramos em Lc 10.7 e as chama de escritura. Essas duas passagens juntas, indicam

    que durante o perodo em que os documentos do Novo Testamento estavam sendo escritos

    havia uma conscincia de que estavam sendo feitos acrscimos a essa categoria de escritos

    chamada escritura, escritos que tinha a qualidade de verdadeiras palavras de Deus.

    Assim, uma vez que estabelecemos que um escrito do Novo Testamento pertence `a

    categoria especial de escritura, ento estamos corretos em aplicar 2Tm 3.16 tambm a

    esse escrito e dizer que ele possui igualmente a caracterstica que Paulo atribui a toda

    escritura que inspirada por Deus, e todas as suas palavras so verdadeiras palavras de

    Deus e portanto, de autoridade divina.54

    IV- A Suficincia das Escrituras:

    A definio de Suficincia das Escrituras esto claramente explicitas no ensino

    da Confisso de F de Westminster:

    Todo o conselho de Deus, concernente a todas as coisas indispensveis sua

    glria, salvao, f e vida do ser humano, ou est expressamente registrado na

    Escritura, ou pode ser lgica e claramente deduzido dela; qual nada, e em tempo

    algum, se acrescentar, seja por novas revelaes do Esprito, seja por tradies

    53 Grudem, Op. Cit., 46.

    54 Idem, 46, 47.

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    humanas. No obstante, reconhecemos ser indispensveis a iluminao interior do

    Esprito de Deus para o salvfico discernimento de tais coisas como se encontram

    reveladas na Palavra; e que h certas circunstncias concernentes ao culto divino e

    ao governo da Igreja, comuns s aes e sociedades humanas, as quais tm de ser

    ordenadas pela luz da natureza e da prudncia crist, segundo as regras da Palavra,

    as quais sempre devem ser observadas.55

    Em outras palavras, dizer que as Escrituras so suficientes, significa dizer que a

    Bblia contm todas as palavras divinas que Deus quis dar ao seu povo em cada estgio da

    histria da redeno e que hoje contm todas as palavras de Deus que precisamos para a

    salvao, para que, de maneira perfeita, nele possamos confiar e a ele obedecer.56

    No entanto, quando dizemos que nas Escrituras est contida toda a verdade de

    Deus, no queremos dizer que, parte das Escrituras, no exista em outros ramos da

    cincia a verdade de Deus, pois toda verdade verdade de Deus.

    A Bblia no se prope a ensinar Biologia, Botnica, Astronomia, Fsica,

    Qumica, etc., ela nos fala de forma potica e faz uso de linguagem comum.57 Schwertley

    colocou isso de uma forma muito clara quando disse:

    Quando discutimos a Escritura como a revelao inspirada e final de Deus, que

    suficiente e completa para a salvao, para servir a Deus, e para f e prtica, no

    queremos dizer que no existam verdades que possam ser apreendidas fora dela. A

    Bblia no necessria para a prtica da lgica elementar, da matemtica simples e

    de observaes bsicas e superficiais. As conquistas de cientistas, engenheiros,

    artistas, arquitetos, mdicos e de outros incrdulos no mundo so a prova disso.

    Entretanto, at mesmo nestas reas da vida chamadas de seculares, os no-crentes, para fazerem alguma coisa, tm de conduzir os seus assuntos em

    conformidade com as pressuposies bblicas. Noutras palavras, a Bblia no

    apenas nos ensina sobre Deus, sobre ns mesmos, redeno e tica, ela tambm o

    55 Confisso de F de Westminster, Op. Cit., 64.

    56 Grudem, Op.Cit., 86.

    57 Ao afirmar que as Escrituras so suficientes, a Confisso de F de Westminster no quer dizer que elas

    fornecem respostas especficas e detalhadas para todas as questes. Quer dizer, sim, que elas nos do os

    princpios, ensinos gerais e exemplos, de modo que o mais pode ser clara e logicamente inferido. Isto se

    aplica doutrina e prtica. Se aplica vida pessoal e igreja como um todo. Mas preciso cuidado. Esta

    liberdade quanto aos detalhes ou aplicaes especficas s admisvel quando legitimamente inferida

    desses ensinos gerais, princpios e exemplos bblicos.

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    fundamento de todo o entendimento. Sem a revelao divina o homem no pode

    realmente entender nem dar a explicao de nada.58

    Portanto, a suficincia das Escrituras ensina que na Bblia, so encontrados em

    forma de registro ou que dela pode ser logicamente inferido tudo o que aprouve a Deus

    revelar igreja em matria de f e prtica; tudo o que o homem deve crer e o que Deus

    dele requer. Nelas o homem encontra tudo o que deve saber e tudo o que deve fazer a fim

    de que venha a ser salvo, viva de modo agradvel a Deus, o sirva e adore.59

    A Confisso de F de Westminster diz que nada e em tempo algum, se

    acrescentar, seja por novas revelaes do Esprito, seja por tradies humanas, qualquer

    coisa que no esteja j revelado e contido nas Sagradas Escrituras.

    O Antigo Testamento previa uma nova dispensao, com novas revelaes do

    Esprito (ver Joel 2.28-29), o que de fato aconteceu. O livro de Atos no captulo 2, mostra-

    nos o derramamento do Esprito Santo prometido por Cristo (ver At 1.8; 2). Portanto,

    quando Jesus foi assunto aos cus, foi inaugurada a nova dispensao, e novas revelaes

    do Esprito foram comunicadas Igreja, o que resultou no cnon inspirado do Novo

    Testamento.60

    O mesmo, entretanto, no ocorre no Novo Testamento. O NT no promete

    outras revelaes do Esprito antes da segunda vinda de Cristo. Depois desta dispensao,

    segue-se a sua vinda. A concluso lgica, portanto, que at a segunda vinda de Jesus

    nenhuma revelao adicional necessria. No se trata, entretanto, apena