A Flor da Pele

28
1 A flor da pele #1

description

A Flor da Pele é uma projeto da disciplina Planejamento Gráfico, matéria ministrada pela professora Célia Matsunaga no curso de Comunicação Social da UnB. É uma publicação experimental das alunas de jornalismo do terceiro semestre Amanda Maia, Ana Júlia Melo, Larria Barreto e Marcella Fernandes, realizado no 1º de 2010.

Transcript of A Flor da Pele

  • 1A flor da pele

    #1

  • 2

  • 3Editorial

    A flor da pele surgiu como aquele sexto sentido que fica ali entre o inconsciente e o conhecido. Puro instinto. Um querer, sem querer, conjunto. Quatro meninas e uma vontade de falar sobre algo real, ousado, bonito, sensvel. To vivo e sensitivo que ganhou forma feminina: a tatuagem. Tattoo expresso, poesia, personalidade, historia, design, arte de rua, rebeldia. Rabisco que encanta e vicia. Gente como a gente, que s admi-ra e se inspira. Gente apaixonada, que no se satisfaz com um amor platnico, quer ser correspondida, se sentir preen-chida. Um trao exige mais. Gente artista, que reinventa e cria. Todo dia. Fica aqui a nossa promessa de interagir contedo e imagem. Revista que ousa e esta determinada a te seduzir. Conven-ce com as palavras e se exibe por meio da bela arte. Desafiamos voc, leitor, a explorar seus sentidos. Abrir a cabea para o desconhecido. Qualidade de quem no se cansa de aprender, admi-rar, sonhar e se conhecer. Identidade materializada, preto-e-branco, colorida, estilizada, abstrata ou realista. Desejo incontido. Para nos, o que ela significa? Digamos que a tatuagem , por si s, um significa-do.

  • 4Ana Jlia: 21 anos. Canceriana. No chega sem ser notada, sorri, gesticula e fala. Piercing, alargador, ta-tuagem de flor. Combi-nam com os cachos do cabelo e a vontade de ser. Ser e fazer. No parar, viver. engaja-da, acumula conheci-mento. No deixou o curso de servio social pra trs, mas o trouxe pra Comunicao. Tro-cou o carro pela bici-cleta, s no largou o brigadeiro. Com ela, no tem programa ruim, no tem monotonia. Naj espontnea, felicidade garantida.

    Espelho Espelho Meu Meu

    Larissa: 21 anos, cara de artista, sota-que e jeito goiano. Loi-ra que conquista no s pela beleza, mas pela simpatia. Exemplo de fora de vontade. Protagonista de nove-la mexicana. Menina do interior que passou na UnB e hoje conhe-ce mais gente que mui-ta gente daqui. Pratica esportes, trabalha e viaja. Lari atencio-sa, nos faz sentir com-preendida com seu olho no olho. Tem um instinto materno maior que ela. me con-selheira, preocupada, melhor amiga. Admira o cu porque acredita que um dia chega l.

    Marcella: 19 anos. Pequena. Mas no a invocada, mando-na ou boa de briga. Aquela que guarda uma forte personalida-de e no a desconta nos outros. Tem sua opinio (sabe o mo-mento certo de us-la) e respeita a dos ou-tros. No se fecha pro mundo, mas tem um uni-verso privado, s dela. No d confiana pra qualquer um. preciso fazer algo mais para conquist-la. Esforo que vale a pena. Lella tem um riso espont-neo, leve, contagiante. Nos faz sentir dupla-mente grande: toda conversa, por mais boba que seja, ganha importnica ou graa.

    Amanda: 19 anos. Garota interna-cional. Falou em via-gem, passeio e inter-cmbio, seja pra Piri ou fora do pas, seus olhos brilham. Com idias super criativas, tira do chapu a so-luo para todos os problemas. Com sua sensibilidade, trans-passa sua emoo do corao ponta do lpis com facilidade. Escritora nata. Deter-minada, mostra que preciso p no cho mas sem exageros. Sua presena tem uma boa vibrao. animada e companheira. Se entre-ga. A filha do meio, v a amizade como algo fundamental da exis-tncia humana

    A Flor da Pele uma projeto da disciplina Planejamento Grfico, matria ministrada pela professora Clia Matsunaga no curso de Comunicao Social da UnB. uma publicao experimental das alunas de jornalismo do terceiro semestre, realizado no 1 de 2010.

  • 57: Sitatuado no Tempo E do rabisco, fez-se histria

    10: Cultura nada intil Maori - uma cultura secular

    11: Click Mente aberta, corpo fechado

    19: Estilo

    Identidade flor da pele

    23: Bate-papo Conversando com quem entende

    26: Achados dos Perdidos

  • 6

  • 7Sitatuado No TempoE do Rabisco

    Fez- se Histria

    Por Amandona Maia

    tzi viveu a cerca de 5.300 anos e foi encontrado congelado nos Alpes em 1991. O corpo mais bem preservado da Idade do Bronze continha 57 tatu-agens. Especialistas acreditam que elas foram aplicadas por razes teraputicas e medicinais. Sabe-se que o desenvolvimento da arte de tatuar acompanhou a histria da humanidade por sculos, mas seu local e poca de origem so ainda descon-hecidos.

    No Egito, o corpo da sacerdotisa Amunete, que viveu por volta de 2400 antes de Cristo possua desenhos enigmticos e uma elipse tatuada na barriga, ligada a um ritual de fertilidade. Registros escritos e fsicos, e obras de arte que tratavam da tatuagem egpcia espalharam-se pelo mundo at-ravs do contato com outras civilizaes, principal-mente, com os nmades do oeste da sia. Mmias de diversas regies possuam inmeros desenhos de animais, monstros e grifos. No restante da frica, desenvolveu-se uma tcnica diferente: por meio de cortes surgiam cicatrizes em relevo na pele e as for-mas no exigiam aplicao de tinta.

    Nmades: Os celtas formavam uma tribo que migrou pelo oeste da Europa por sculos at chegar s ilhas britnicas por volta de 400 a.C. Levaram a sua body art, desenhos azulados e em forma de espiral.

    Nas culturas do Pacfico, a tatuagem adquiriu mais significados. A mitologia sobre a tradio samoa de tatuar passou da Polinsia para povos da Nova Zelndia Holanda e Hava, por meio de lendas, msicas e rituais. Borneo, na Indonsia, manteve-se isolado do resto do mundo, e um dos poucos lu-gares que at hoje se aplica tcnica tradicional de tatuar.

    Motivos religiosos: Na ndia e Tailndia, per-maneceu a crena de que monges, quando aplicavam a tatuagem, transmitiam poderes mgicos. O Hanuman, deus da casta dos guerreiros e admira-dores, um popular sm-bolo de fora, quando desenhado nas pernas e braos. No Peru, mmi-as tatuadas do sculo 11 foram encontradas, e registros espanhis da poca da descoberta confirmam que esse era um costume dos nativos da Amrica Central. Maias e Incas desen-havam smbolos de cor-agem e deuses na pele para adorao.

    Charles Darvin, quando escreveu o livro A De-scendncia do Homem em 1871, afirmava que do Plo Norte Nova Zelndia no havia aborgine que no se tatuasse.

  • 8Smbolo de excluso

    Gregos e romanos aprenderam a arte com os persas e a usavam para punio e inscrio em escravos e criminosos. Quando Constantine se tornou imperador, ele proibiu a tatuagem facial, que j era comum entre condenados, soldados e gladiadores.

    Mfia Japonesa: Durante a Era Tokugawa, sculo XVII, os japoneses viviam um momento de tranqi-lidade e os servios dos samurais tornaram-se dis-pensveis. Alguns juntaram-se a apostadores e am-bulantes e deram incio Mfia Japonesa. O grupo ficou conhecido por seus rituais e modos de iden-tificao. De uma antiga tradio de tatuar anis negros por cada crime cometido, os membros pas-saram a desenhar drages, flores, paisagens mon-tanhosas, oceanos agitados e brases de famlias no peito, costas, braos e pernas.

    Nas culturas do Ocidente, o carter marginal da tatuagem consolidou-se no imaginrio popular quando prisioneiros passaram a us-la como meio de afirmar sua identidade e conquistar autonomia. Para os membros de gangues, um sinal de lealdade e comprometimento com o grupo. Os significados podem indicar a qual grupo voc pertence, quais so as suas crenas, quanto tempo passou na priso - conhecido como tempo de morte - ou at quantas pessoas voc matou.

    HOJE, A YAKUZA TEM APROXIMA-DAMENTE 83,1 MIL INTEGRANTES, MOVIMENTA 47 BILHES DE D-LARES ANUALMENTE E COMANDA DIVERSOS SETORES DA SEGUNDA ECONOMIA MUNDIAL, ENTRE ELES, CASAS DE JOGOS DE AZAR, PROS-TBULOS, CONSTRUO CIVIL, BAN-COS, AGIOTAGEM E O TRFICO DE DROGAS

  • 9Os marinheiros ingleses foram os responsveis pela difuso da prtica pelo mundo, aps contato com os polinsios. Em meados do sculo 18 j era normal a presena de tatuadores nos portos. Os drages, serpentes-marinhas e sereias eram feitos como prova de suas aventuras e coragem demon-strada diante do desconhecido. Desenhos bsicos, com o mnimo de detalhes, bidimensionais e de mo-tivos tpicos: flores, coraes, ncoras, cobras, ps-saros e nomes. A tatuagem tornou-se popular entre as pessoas que freqentavam os mesmos lugares dos viajantes, desocupados, lutadores de rua, crimi-nosos e prostitutas. At que o Prncipe de Wales, futuro rei Enrique VII, tatuou-se com uma cruz de Jerusalm. Dos guetos, prostbulos e tavernas nobreza.

    Tatuagens permaceram como forma de expresso em diversas culturas do mundo por diferentes mo-tivos. Em alguns lugares, smbolo de poder e cor-agem, em outros, excluso e crime.

  • 10

    Maori, em sua lngua original Reo Mori, sig-nifica original, nativo; nomeia um povo reco-nhecido por seu car-ter guerreiro e seu forte contedo cultural.Hoje, essa populao, originria de ilhas da Polinsia, totaliza 15% dos neozelandeses. Nove em cada dez mo-ram na Ilha Norte (uma das duas maiores ilhas da Nova Zelndia); e um em cada quatro fala a lngua nativa. Muitos esto integrados s capitais, mas h ainda redutos onde a cultura original ainda preser-vada.A Nova Zelndia foi um dos ltimos lugares da Terra a serem desco-bertos e colonizados. Provas arqueolgicas sugerem que os Maoris foram os primeiros po-voadores da regio, vindos do leste da Po-linsia. Segundo a tradi-o oral das tribos, esse povoamento descrito com a chegada de grandes canoas que cruzavam os oceanos, provenientes de Hawaiki (um local na parte tropi-cal da Polinsia).A regio possui riqueza cultural enorme se falan-

    Maori

    do em tatuagens, isso se deve aos Maoris e a sua arte Moko. A tatua-gem tradicional Maori feita com uma espcie de ancinho com uma agulha chamada Uhi, feita de ossos de Al-batroz. Ela percutida com um pequeno mar-telo, aplicando a tinta vegetal na pele. Do barulho desse processo, surgiu a onomatopia tatau, que em ingls se pronuncia tattoo, a origem do termo tatu-agem.A simbologia do Moko, na cultura Maori, est intimamente ligada posio que o indiv-duo ocupa na socieda-de. O desenho na face tem um grande poder simblico, podendo apontar a tribo a qual o indivduo pertence, sua descendncia, pro-fisso, nvel social, e at sua trajetria ancestral. Com a popularizao das tatuagens tribais nos anos 80, houve um grande interesse pela tatuagem Maori e seus grafismos como o Koro e as espirais duplas ou triplas. E ainda hoje, a arte Moko tem um gran-de espao no universo da tatuagem.

    Para conhecer melhor a cultura Maori, uma alter-nativa percorrer as trilhas de ecoturismo da flo-resta neozelandesa, uma das mais ricas do mundo.H tambm visitas a parques nacionais e avistagem de baleias. Os passeios so guiados pelos prprios Maoris.

    Outro meio de adentrar a cultura Maori, em seus ritos, tradies e guerras, ler As Crnicas de Uita-ra. Composta por vrios volumes, conta a histria do jovem maori Uitara, em seu sonho em virar um grande guerreiro e em suas aventuras, na mgica e rica cultura Maori.

    Cultura Nada Inutil

    Uma cultura secularPor Lari Barreto

  • 11

    Mente aberta, corpo fechado

    Por Amandona Maia, Lari Barreto, Lella Fernandes e Naju Melo

    Click

  • 12

    Lagarto, 21 anos.

  • 13

    Gringo, 35 anos.

  • 14

    Verruga, 32anos.

  • 15

    Mila, 19 anos.

  • 16

  • 17

  • 18

  • 19

    Identidade a flor da peleTatuar-se foi por

    muito tempo associado

    identificao de grupos, muitos

    marginalizados.Na contem-

    poraneidade, contudo, a forma

    da tatuagem ser assumida e

    praticada socialmente mu-dou. Ela deixou de ser taxada

    como exclusiva da marginalida-

    de e se inseriu nos mais varia-dos contextos

    sociais, ganhan-do outros signifi-

    cados.

    Por Lella Fernandes

    Fotos do Festival Tattoo Show em Singapura por

    William Cho

    Estilo

  • 20

    A construo do novo cenrio

    A ideia da tatuagem como algo impuro ligada ao pensamento religioso judaico-cristo, que conside-ra a modificao corporal uma profanao do cor-po. Ela vista como contrria ordem dita natural ao transgredir a normalidade por meio de uma mar-ca definitiva. A impureza est tambm relacionada ao estilo de vida considerado tpico dessa prtica no mundo ocidental: a marginalidade, a rebeldia, o fora do convencional.O sentido estigmatizador comea a mudar a partir da dcada de 1980, quando ocorreu a profissio-nalizao dos tatuadores, o incremento da tcnica e as novas formas de conceber o corpo. O tatua-dor ganhou o status de artista e adquiriu, aos pou-cos, reconhecimento social.

    Sendo tatuado

    O processo inicia-se com a definio do desenho. a busca de uma ideia com a qual o tatuado identifique-se e, portanto, adquira valor para ser marcada em sua pele. Trata-se de reconhecer sua identidade em uma imagem corporal. Para entender essa escolha preciso pensar na linguagem moderna da tatuagem mais do que nos

    contedos. A imagem como representao de uma idia relevante pelo que ela capaz de dizer sobre o indivduo. uma forma da pessoa esta-belecer uma ligao entre quem se e o mundo externo.Quando a agulha encosta na pele apenas o final de um processo de busca de identidade e de significado, por mais que a escolha possa parecer impulsiva. o momento de concretizao da tatu-agem.O corpo ocupa um lugar central nas sociedades ocidentais e a tatuagem atualmente um dos prin-cipais objetos de representao da identidade do indivduo. Modificaes corporais so formas pelas quais os sujeitos revelam sua presena no mundo e afirmam sua singularidade. O ato de ser tatua-do tem assim o significado de diferenciar-se, sair da multido, ter algo que torne cada um nico.Hoje, os significados so os mais diversos e subjeti-vos, dependendo do nmero de tatuagens, do ta-manho, do local escolhido, da maneira de mostr-las ou escond-las. H desde desenhos pequenos e discretos, tidos como acessrios e ligados a no-es estticas a quem tatue o corpo todo e realize outros tipos de modificao corporal.

  • 21

    O novo sujeito da tatuagem

    A prtica da tatuagem rompeu diversas barrei-ras. No mais limitada presidirios ou a ma-rinheiros. Transita por diversas geraes, classes sociais e gneros.Antes, tatuar-se era basicamente restrito aos homens, devido associao entre marinheiros, motoqueiros e prisioneiros. Por esse motivo, era vinculada a valores associados culturalmente masculinidade, como coragem, agressividade e fora. O ingresso dessa prtica no mundo do mercado neutralizou essas distines e identi-dades, em um processo de desmasculinizao.

    Ainda tabu?

    Mesmo com a disseminao da prtica da tatuagem nos mais diversos contextos culturais, ainda h entraves nesse assunto. At hoje h um estigma social incorporado a essa prtica, apesar das diversas mudanas ocorridas.Por essa razo, muitos passam por dilemas ao resolveram fazer uma tatuagem. A vontade de

    fazer um desenho em sua pele e dos conceitos de transgresso, individualidade e identidade relativos a essa prtica convivem com preocupaes em re-lao a aceitao na sociedade. Isso escolha de locais pouco expostos do corpo para ser em

    tatuados.

    Uma nova religio?

    A crise cultural e religiosa da sociedade ocidental motiva buscas mais ntimas de sentido. O sujeito mo-derno constri, cada vez mais freqentemente, uma religio pessoal, em um processo sincrtico. Essa construo de sentido bastante similar ao processo de escolha do desenho da tatuagem. Deixar-se tatuar reveste-se de certo sentido religio-so, como um tipo de religio pessoal.A tatuagem cumpriria um papel similar ao da reli-gio ao proporcionar ao indivduo um pouco mais de sentido dificuldade de existir, um sentido que faz do corpo o seu prprio cone. Atravs do tem-po e de suas prprias vidas, como uma elaborao incessante, os corpos vo sintetizando o processo de busca e de construo de si mesmos..

  • 22

  • 23

    COMO TUDO COMEOU?Sempre desenhei desde moleque, sempre gostei muito de desenhar, mas parei. Quando voc cresce voc no tem o incentivo. Acaba naquela de que desenhar legal, um dom, mas no d dinheiro. A preocupao, eu acho que hoje na sociedade, voc ser bem sucedido. Depois comecei a de-senhar muito com influncia de desenhos japons do tipo Cavaleiros dos Zodacos e tambm de quadrinhos.

    ANTES DE SER TATUADOR VOC ERA SERVI-DOR PBLICO. COMO FOI ESSA TRANSIO?Depois de morar em So Paulo, quando eu mudei pra Fortaleza, tomei outro rumo. Fui trabalhar em es-critrio num rgo pblico Mas quem desenha des-de moleque, quem gosta de verdade, mesmo que esteja trabalhando com algo que no tem anda a ver sempre vai pegar um papel e um lpis pra dar uma rabiscada. Mais ou menos nessa poca, eu tava muito na pilha de voltar a desenhar e trabalhava do lado do SE-NAC e comecei a fazer um curso noite. Quando comecei a aprender mesmo tcnica de desenho, meus amigos botavam pilha dizendo que se eu co-measse a tatuar me deixariam tatuar eles. Comprei um quite vagabundo e comecei a tatuar. Meus pri-meiros desenhos foram frustrantes, mas continuei. Menos de um ano depois, um tatuador tinha visto um desenho meu e queria falar comigo. Fui l pensado que ia ouvir uma bomba, a tatuagem era bem ama-dora, mas ele disse que gostou e queria algum pra trabalhar com ele. Eu disse que trabalhava no escri-trio e s tatuava a noite e fim de semana. Ele me perguntou se eu queria ser tatuador ou trabalhar num escritrio e que se eu decidisse, era pra voltar l. Depois ouvi de uns amigos a mesma coisa. Aque-la pergunta ficou martelando na minha cabea. No final de 2007, resolvi largar o emprego, largar tudo e me dedicar s tatuagem. Foi uma das grandes revolues da minha vida.

    VOC TEM UM ESTILO PRPRIO?Eu gosto do tradicional, o que a galera chama de oldiscool, tanto americano como o neotradi-cional. Acho o mais bonito, que no uma tattoo da moda. Tambm gosto de oriental, na verdade de quase tudo. No gosto de realismo, fao muito pouco apesar de gostar de desenhos retratistas. Mas pra tattoos no.

    Conversando com quem entendePor Naju Melo

    Sempre gostei de rock, via os caras das bandas todos tatuados e achava massa. Me tatuo porque acho bonito.

    Alm de tatuador, estudante de artes visuais e desenhista. Faz cartazes, folders e capa de CDs para bandas locais. Nascido em Fortaleza, Felipe 25 anos, mas conhecido como Manga, tatua des-de 2006 e se mudou h mais de um ano para Braslia. Com clientela espalhada por Braslia, Goinia e Fortaleza ele d uma entrevista exclusiva Flor da Pele e num bate-papo distrado fala sobre a profisso, experincias de vida e claro sobre arte.

    Bate-Papo

  • 24

    pele com alguma coisa que voc gosta muito, o desenho de uma banda que voc pira, ou uma homenagem pra algum especial, sua me, algum que j morreu, e voc olhar e aquilo s vezes te dar fora. Considero sim tatuagem arte, mas no gosto de ser visto como artista.

    VOC CRIA SEUS DESENHOS? COMO ESSE PROCESSO DE CRIAO?Prefiro criar todas as tatuagens, que o que eu fao, customizar. Mas tem casos que o cliente che-ga com o desenho pronto e, dependendo, a gente faz. s vezes uma ilustrao de um cara que ele gosta ou um desenho que ele mesmo fez. Pra mim, tatuador tem que estudar, tem que saber desenhar. Voc tem que ver, observar e conhecer o trabalhos de outros tatuadores. No simplesmente comprar uma maquininha, molhar na tinta e sair riscando qualquer um.O processo de criao referencial. Vou atrs dos desenhos de um cara que gosto, fico horas em sites, myspace e fotolog dessa galera. Baixo as imagens, crio um banco de dados e quando quero me inspi-rar, vou l e fico olhando um por um. Misturo, pego a idia de um e de outro e crio algo com a minha pegada. Meu curso de arte me influncia, mas fao o curso mais pra adquirir conhecimento porque a rea da arte em geral que eu me interesso.

    QUAL SEU PUBLICO? uma galera da cena do rock underground, do hardcore e do punk underground principalmente, porque eu j estou envolvido com isso a bem mais tempo do que a tatuagem. Comecei a tatuar essa galera e at hoje so a maioria do meu pblico. Com o tempo outras pessoas, amigos de amigos, acabam conhecendo seu trabalho e vira meio que um ciclo.

    PRA VOC, ESTUDANTE DE ARTES E TATU-ADOR, QUAL A RELAO EXISTENTE ENTRE TATUAGEM E ARTE?Difcil definir arte na contemporaneidade. Se voc tiver um argumento, um objeto pronto, um ready-made, que pode ser qualquer coisa, pode ser arte. Como o urinol de Duchamp. diferente da tatuagem que um custom-made, que voc pre-para, mas que tambm pode ser arte. Ento muito polmico, porque a arte se define quando voc domina a tcnica, ento tattoo pra mim arte. uma maneira de voc se expressar e antes de se tornar pura vaidade, a tattoo era algo que definia o status de um individuo na sociedade. Por outro lado, eu gosto muito de ver a tatuagem como arte marginal, aquelas tatuagens de cadeia feitas com mquinas caseiras. Porque a tatuagem veio disso. Acho muito louca essa idia de voc marcar sua

    Misturo, pego a idia de um e de outro e crio algo com a minha pegada. diz Manga., sobre o processo de criaa

  • 25

    COMO A RELAO DE CONFIANA ENTRE TATUADOR E O CLIENTE?Do jeito que voc gosta de um artista e quer ter um quadro dele voc gosta da pegada de um tatuador e quer ter uma tatuagem dele. As pesso-as de quem eu tenho tatuagem so pessoas de quem eu sou amigo e que eu gostei da pegada. uma coisa que voc vai ter pra sempre na sua pele. Acho que voc tem que conhecer o trabalho do tatuador e tambm no ter vergonha de dizer que no gostou do desenho e que no quer tatuar. Ningum obrigado a tatuar. Mas essa relao de confiana bem legal, eu tenho clientes que s ta-tuam comigo, mesmo sabendo que tem muita gente boa por ae. Fiz minha primeira tatuagem em 2004 em um estdio e foi quando eu entrei nesse mundo da tatuagem. Depois disso eu fiquei amigo do cara e comecei a freqentar o estdio dele e me sentia a vontade l. Eu acho massa esse tipo de relao.

    J ACONTECEU DE VOC INTERFERIR NA TATUAGEM DE ALGUM? ACONSELHANDO OU MESMO RECUSANDO-SE A FAZER?J sim. O que eu sempre aconselho no fazer nome de namorado, namorada. Na maioria das vezes a pessoa volta querendo cobrir a tatuagem. Acho que no dar valor ao trabalho, cobrir a tatuagem d mais trabalho e nem sempre fica per-feita ento s vezes eu prefiro at no fazer. Ou aquele tipo de tatuagem que seja muito manjada, que voc v em toda revista e que a galera s ta reproduzindo, tambm prefiro no fazer. Nem tudo que t desenhado no papel vai fica le-

    gal na pele, ento a gente propem fazer alguma mudana no desenho. Isso tudo coisa que tem que ser conversada, se o cliente insiste, dependen-do, eu recuso. Tambm me recusaria a fazer uma tatuagem nazista ou algo assim.

    QUAL O SIGNIFICADO DA TATUAGEM PRA VOC?Tattoo pra mim? Hoje tudo. Meu corpo t todo marcado e no tem como eu esquecer isso. a minha vida, no me imagino vivendo de outra forma. Foi a tattoo que me deu liberdade. dedicar o meu tempo realmente pro que eu quero e realmente gostar do que estou fazendo.

    www.flickr.com/photos/felipemangahttp://www.fotolog.com.br/oldiscooltattoos

    Paloma, de Mossor, tatuada por Manga. Porque tattoo no deixa de ser vaidade, uma pea no corpo como uma pea de roupa diz o tatuador.

    Manga tatua na Arte Crua com mais 3 colegas: Narmada, uma amiga e convidada do Mxico, Tssia e Guga.

  • 26

    \

    Achados dos PerdidosO corpo como suporte da arteLivro de Beatriz Ferreira Pires

    Apresenta uma viso prtica sobre body modification, relacio-nado-a com aspectos inconscientes, onricos, ldicos e sexuais. Fala das pessoas que fazem intervenes artsticas em seus corpos para re-afirmar uma ideia e do carter nada esttico dessa arte.

    Tatto you500 designs for anywhere in

    your body

    Livro de Michal Rivilis

    Quem tem tattoo, quer uma tattoo ou j pen-sou em fazer uma vai se divertir folheando essas pginas. O livro vai agradar at quem no quer a agulha embaixo da pele.As imagens vo de raros smbolos clticos a simples inscries, incluindo animais, criatu-ras mticas e elementos naturais.

    Revista InkedCultura, arte e estilo.

    A revista americana ganhou esse ms edio brasileira. Traz entrevistas com gente tatuada e com gente com estilo, ensaios fotogrficos e informa-es sobre estdios, tatuadores e dese-nhos.

    BME: Body Modification Ezinehttp://www.bmezine.com

    O site conta com a contribuio dos usurios, que enviam fotos, vdeos e relatos pessoais. H notcias e artigos sobre tatua-gem, piercing e body modification. O site traz tambm informaes so-bre estdios e sobre os variados processos de modificao corporal.

    Flesh & Blood

    Filme de Larry Silvermanhttp://fleshandbloodmovie.com

    Todo artista precisa de uma tela. Para Steve Haworth, carne humana. Documentrio sobre o recordista em body modification no Guinness Book. Filmado durante 4 anos, fala de sua evoluo como ar-tista e de sua influncia em difundir a cultura de procedimento dolo-rosos.

    Modify

    Filme de Jason Gary e Greg Jacobson

    Histrias de quem faz modificaes corporais como estilo de vida, seja por motivos artsti-cos, seja por pura est-tica. Contem entrevistas com artistas inovadores nas reas de tatuagem, piercing e suspenso, dentre outras.

  • 27

  • 28